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Hobbes: Medo da guerra e

estado como esperança


O Contratualismo
• Hobbes é um famoso contratualista, ou seja, um daqueles filósofos
influenciados por doutrinas dominantes entre o século XVI e XVII que
a grosso modo indicavam ser a formação do Estado e ou da Sociedade
Civil baseada em um tipo de contrato social.
• Antes da fundação de qualquer pacto social os indivíduos viviam
sozinhos, com recursos naturais, sem nenhuma regra ou forma de
organização entre si.
• Após firmarem um contrato social, estabeleceriam quais seriam estas
regras de sociabilidade e organização política.
Crítica ao contratualismo
• A concepção contratualista de formação da sociedade foi bastante criticada
no século XIX e XX, principalmente por uma sociologia jurídica que dizia
basicamente que seria impossível que selvagens se reunissem em meio a
selva para organizar um modelo tão complexo de sociedade baseados em
uma noção moderna e altamente abstrata do que é um contrato.
• Contrato seria um tipo de abstração jurídica muito moderna para ser
pensada por indivíduos selvagens.
• Grande parte desta crítica estava baseada em estudos mais avançados
sobre populações aborígenes que foram conhecidas com as grandes
navegações e por isso para um autor do século XX soava tão estrato a ideia
de um contrato social fundador.
Igualdade no estado de natureza
• Porém, para Hobbes, o homem natural não é um selvagem; o homem
natural possui as mesmas características do homem em sociedade.
Sua natureza é constante no tempo, uma vez que a história não tem
força para modificar os traços centrais dos indivíduos.
• A natureza do homem fez com que todos fossem “tão iguais que”
nenhum poderia se sobressair aos demais.
• Os homens são todos iguais perante a natureza. Mesmos os mais
fortes podem ser dominados por mais fracos por maquinação ou
união dos mais fracos contra os mais fortes.
Igualdade no estado de natureza
• “A natureza fez os homens tão iguais, quanto às faculdades do corpo
e do espírito que, embora por vezes se encontre um homem
manifestamente mais forte de corpo, ou de espírito mais vivo do que
outro, mesmo assim, quando se considera tudo isto em conjunto, a
diferença entre um e outro homem não é suficientemente
considerável para que qualquer um possa com base nela reclamar
qualquer benefício a que outro não possa também aspirar, tal como
ele. Porque quanto à força corporal o mais fraco tem força suficiente
para matai o mais forte, quer por secreta maquinação, quer aliando-
se com outros que se encontrem ameaçados pelo mesmo perigo.”
Cap. XIII.
A guerra que se generaliza
• Quando precisam manter uma relação qualquer, há sempre uma
dúvida em relação ao outro. Tanto não sei qual será a ação do outro
perante mim, se age por prudência ou não, quanto o outro não sabe
o que esperar de mim.
• Como há essa incerteza em relação aos homens, sem saber se os
indivíduos agirão sempre com razoabilidade em relação ao outro, a
melhor defesa seria o ataque. É melhor atacar antes da ação do outro
do que esperar uma ação inesperada por parte do mesmo.
• Desta forma, a guerra se generaliza entre os homens.
A racionalidade do estado de natureza
• “Desta guerra de todos os homens contra todos os homens também,
isto é, consequência: que nada pode ser injusto. As noções de certo e
de errado, de justiça e injustiça, não podem aí ter lugar. Onde não há
poder comum não há lei, e onde não há lei não há injustiça. Na
guerra, a força e a fraude são as duas virtudes cardeais.” Cap. XII.
• No estado de natureza é racional fazer a guerra já que os princípios de
justiça só podem ser entendidos dentro do aparato institucional do
contrato e não de homens vivendo sem um poder comum.
A racionalidade do estado de natureza
• Daí surge a necessidade de se pensar um Estado que regule com
coerção as ações dos indivíduos para que a guerra constante.
• No estado de natureza, fazer a guerra é a atitude mais racional
possível, uma vez que buscar viver em paz no estado de natureza
pode ser fatal.
• Importante neste ponto é que Hobbes chama atenção para a
racionalidade das ações no estado de natureza; fazer a guerra neste
momento não é anormal ou patológico, mas fundamento central para
a manutenção e preservação da vida dos homens.
Os indivíduos vivem da imaginação que tem
do mundo
• “E contra esta desconfiança de uns em relação aos outros, nenhuma
maneira de se garantir é tão razoável como a antecipação; isto é, pela força
ou pela astúcia, subjugar as pessoas de todos os homens que puder,
durante o tempo necessário para chegar ao momento em que não veja
qualquer outro poder suficientemente grande para ameaçá-lo. E isto não é
mais do que sua própria conservação exige, conforme é geralmente
admitido. Também por causa de alguns que, comprazendo-se em
contemplar seu próprio poder nos atos de conquista, levam estes atos mais
longe do que sua segurança exige, se outros que, do contrário, se
contentariam em manter-se tranqüilamente dentro de modestos limites,
não aumentarem seu poder por meio de invasões, eles serão incapazes de
subsistir durante muito tempo, se se limitarem apenas a uma atitude de
defesa. Consequentemente esse aumento do domínio sobre os homens,
sendo necessário para a conservação de cada um, deve ser por todos
admitido.” Cap. XIII
Causas da discórdia
• Sem um poder comum que garanta um respeito entre todos, os
homens sempre buscarão subjugar aos outros, porque sentem mais
desprazer do convívio social do que prazer no convívio entre eles.
• Isso porque a natureza dos homens possui 3 principais causas de
discórdia; Competição, desconfiança e glória.
• Essas causas tem certa hierarquia. Com competição os homens
querem dominar os outros, as mulheres e crianças; com a
desconfiança querem proteger seu domínio sobre estes, e com glória
se debatem por pequenas ninharias que imaginam ser ter por direito
como sorrisos, reconhecimento de sua sabedoria ou força, etc.
Busca pela paz
• Por essa natureza, enquanto os homens vivem sem um poder comum
capaz de manter o respeito entre todos, a guerra de todos contra
todos é um fator contingente, capaz de ocorrer a qualquer momento.
• Não é uma guerra constante, mas uma condição possível a todo
instante, já que a competição entre desconhecidos é um fator que se
mantém a todo instante. Em períodos sem guerra há paz, mas sua
contingência se mantém.
• Como fora de guerra há paz, os homens sentirão desejo de manter tal
paz de forma mais constante no tempo e isso só é possível com a
regulação das ações dos outros por uma entidade superior comum.
A da natureza humana
• Desta concepção de guerra generalizada, Hobbes se afasta da ideia do
homem como um animal político, predestinado a vida em sociedade
e a sociabilidade dentro do Estado.
• Ao contrário desta visão de mundo que vê a cooperação social como
fundante da natureza humana, Hobbes se contrapõe colocando o
conflito social como fundador da ação dos homens e do Estado.
A verdadeira natureza humana
• “Que seja portanto ele a considerar-se a si mesmo, que quando
empreende uma viagem se arma e procura ir bem acompanhado; que
quando vai dormir fecha suas partas; que mesmo quando está em
casa tranca seus cofres; e isto mesmo sabendo que existem leis e
funcionários públicos armados, prontos a vingar qualquer injúria que
lhe possa ser feita. Que opinião tem ele de seus compatriotas, ao
viajar armado; de seus concidadãos, ao fechar suas portas; e de seus
filhos e servidores, quando tranca seus cofres? Não significa isso
acusar tanto a humanidade com seus atos como eu o faço com
minhas palavras?” Cap. XIII.
Conflito como motor das relações sociais
• A sociabilidade inata dos homens seria um mito que impediria pensar
a política de fato como uma ciência, já que apontaria erroneamente
as causas da vida em sociedade. Entendendo o conflito podemos
compreender melhor como se dão as relações humanas e podemos
construir instituições para lidar com ela.
• Essas concepções de mundo que pouco refletem a universalidade do
conhecimento humano, mais impedem do que contribuem para a
criação de uma ciência política moderna ou de uma ciência do Estado
já que apontam para causas erradas sobre a natureza dos homens.
A natureza humana
• Para avaliar como os homens são de fato, seria necessário esse exame de
consciência; “conhece-te a ti mesmo”. Uma vez que o indivíduo conseguir
avaliar quais são os principais sentimentos que o levam a tomar certas
decisões (medo, amor, ódio, esperança, etc.) ele pode avaliar como os
outros agirão em circunstâncias próximas.
• Saber avaliar como os homens agem sob certas circunstâncias é
fundamental para que se leia não apenas aqueles que nos são próximos,
mas para ler de fato o “gênero humano”.
• Entendendo o gênero humano desta forma, podemos entender como são
os homens em seu estado de natureza. Neste estado, todos os homens tem
direito a tudo, já que o princípio racional que o comanda é a auto
preservação.
O direito natural
• “O direito de natureza, a que os autores geralmente chamam jus
naturale, é a liberdade que cada homem possui de usar seu próprio
poder, da maneira que quiser, para a preservação de sua própria
natureza, ou seja, de sua vida; e consequentemente de fazer tudo
aquilo que seu próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios
adequados a esse fim”. Cap. XIV.
O individualismo hobbesiano
• A todo instante Hobbes chama atenção para o indivíduo, sua forma de agir
e de desejar as coisas. Mas Hobbes não pensa ainda no homem como um
ser econômico que está atrás de riquezas; a principal preocupação do
indivíduo é possuir glória (sorriso, reconhecimento por parte dos outros,
etc.).
• Embora a riqueza seja importante, ela é um meio e não seu fim. A riqueza
só importa quando traz a glória desejada. Isso por que o homem vive
basicamente da imaginação. Ele imagina deter certo poder, imagina ser
honrado ou ofendido com a as ações do outro. Dessa imaginação é que
surge o estado de guerra, justamente porque cada um se imagina mais
poderoso, mais frágil, perseguido, traído.
• Como então dar fim a este conflito inerente?
Direito e Lei
• Hobbes propõe uma base jurídica para dar fim a guerra. Separa o Direito
da Lei para buscar demonstrar como as ações humanas devem ser
coordenadas por estes princípios.
• Direito da natureza é o poder de fazer tudo que for melhor para a auto
preservação individual e Lei da natureza seria aquela regra universal
baseada na razão que seria a de procurar a paz e segui-la.
• Como a primeira lei dá comandos para a busca da paz/justiça, a segunda lei
se baseia na primeira; que um homem concorde com os outros na medida
que essa concordância traga a paz, renunciando assim o seu direito de
natureza num contrato em que os outros também o renunciem. Na medida
em que os homens renunciam a este direito natural, torna-se imperativo
que todos o façam.
A necessidade de força para um contrato
• Mas não basta apenas o fundamento jurídico para dar fim a essa
guerra do estado de natureza, é necessário um Estado forte com força
de espada e exército para regular melhor a imaginação do homem
determinando que cada um poderá obter aquilo que o soberano
determinar.
• “Porque as leis de natureza (como a justiça, a eqüidade, a modéstia, a
piedade, ou em resumo, fazer aos outros o que queremos que nos
façam) por si mesmas, na ausência do temor de algum poder que as
faça ser respeitadas, são contrárias às nossas paixões naturais, as
quais nos fazem tender para a parcialidade, o orgulho, a vingança e
coisas semelhantes. E os pactos sem a espada não passam de
palavras, sem força para dar segurança a ninguém.” Cap. XVII.
O absolutismo hobbesiano
• Mas este poder de Estado, deve ser um poder pleno, que não pode
ser contrabalanceado pela nobreza, pelas cidades ou pelo
parlamento. Deve haver liberdade de ação para que o soberano possa
agir para resolver todas as pendências e arbitrar da melhor forma
suas decisões.
• A construção de um Estado absoluto é condição necessária para que a
sociedade possa existir. Nesta condição o próprio Estado que funda a
sociedade.
O soberano
• “A única maneira de instituir um tal poder comum, capaz de os defender das
invasões dos estrangeiros e dos danos uns dos outros, garantindo-lhes assim uma
segurança suficiente para que, mediante o seu próprio labor e graças aos frutos
da terra, possam alimentar-se e viver satisfeitos, é conferir toda a sua força e
poder a um homem, ou a uma assembleia de homens, que possa reduzir todas as
suas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade”
• “Isto é mais do que consentimento ou concórdia, é uma verdadeira unidade de
todos eles, numa só e mesma pessoa, realizada por um pacto de cada homem
com todos os homens, de um modo que é como se cada homem dissesse a cada
homem: Autorizo e transfiro o meu direito de me governar a mim mesmo a este
homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de trans ferires para
ele o teu direito, autorizando de uma maneira semelhante todas as suas ações.
Feito isto, à multidão assim unida numa só pessoa chama-se República, em latim
CIVITAS.” Cap. XVII.
Poder ilimitado ao soberano
• Hobbes inova aqui porque não difere de um contrato que funda a
sociedade e um que funda o poder político. Só pode haver sociedade
para ele se existir um poder político. Se um governo é constituído é
justamente para que os homens possam viver em paz e obter justiça
sob suas ações pois na falta deste governo nos matamos uns aos
outros.
• Por isso mesmo, o poder do soberano deve ser ilimitado. Isso porque
determinadas limitações (como por exemplo obrigar o soberano a ser
justo) exigirão julgamento das ações dos soberanos, o que poderia
levar a sua queda, e consequentemente reestabelecer o estado de
natureza.
O soberano não assina o contra e por isso
nunca é injusto
• O contrato não é assinado pelo soberano; ele será construído pelos
súditos. Isso se dá em razão de que no momento de assinatura do
contrato ainda não existe soberano. Ele só será reconhecido a
posteriori e, portanto, ficando desobrigado dos compromissos
firmados no contrato.
• Essa inovação teórica de Hobbes implica que nem mesmo existe
propriedade privada anterior ao soberano. Como ao soberano cabe a
criação de leis e força para a manutenção da paz de seus súditos, ele
é a priori dono de toda a propriedade das coisas, tendo o poder de
conceder ou não esta propriedade aos seus súditos de forma que
considere sempre tal distribuição baseada na paz de seu povo.
Igualdade e liberdade
• Aqui, vê-se que os ideais de igualdade e liberdade tão urgente para os
liberais de seu tempo são refeitos. A igualdade existente entre os
homens é objeto de constante tensão uma vez que competem
sempre pelas mesmas coisas. Ainda, o soberano é desigual dos
súditos por sua natureza de contrato e assim deve ser pois se sem
isso não haveria soberania.
• Da mesma forma ele pensa a liberdade comparando-a as leis da física.
Assim como um objeto não vivo é livre quando algo não impede seu
movimento (como quando há um dique em uma cachoeira esta não é
livre ou quando o homem está preso por doença a cama). Portanto os
homens são livres para fazerem tudo aquilo que graças ao seu
engenho é capaz de fazer.
Igualdade e liberdade
• Quando o homem assinou o contrato renunciou a lei da natureza uma
vez que neste tempo o meio (fazer tudo que lhe achasse melhor) ia
contra seu fim (preservar a própria vida). Portanto assinando um
contrato, ele passa ao soberano o direito de proteger sua vida e só
pode ir contra o soberano sem injustiça quando este não atender este
fim.
• Portanto o homem pode desobedecer ao soberano apenas quando
sua vida não é defendida. Não porque o soberano violou alguma
regra (porque ele não assinou o contrato) mas porque caíram as
motivações centrais do pacto. Esta é a verdadeira liberdade do súdito.

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