O mapa de Cantino, elaborado com as informações reportadas pela armada de Cabral permite-nos perceber a percepção dos portugueses relativamente ao mundo oriental nos primeiros anos do séc. XVI:
- destaca-se a costa oriental africana extraordinariamente bem cartografada e
recheada de topónimos; - O Mar Vermelho (razoavelmente cartografado, em especial o Estreito de Adem); - A Península Arábica e o Golfo Pérsico; - O subcontinente indiano, com a costa ocidental indiana igualmente recheada de topónimos; - o estreito de Malaca, incipientemente representado, tal como o golfo de Bengala e a própria ilha de Ceilão; - O sueste asiático e o mar da China e do Japão, muito longe da realidade e ainda fortemente influenciado ainda cartografia de influência ptolemaica. - Atente-se ainda, à esquerda, no desenho da costa brasileira, recentemente descoberta pela armada de Cabral, de cujas informações resultou este mapa. O oceano Índico e áreas adjacentes, principais características a salientar: - Presença de vários grandes impérios e um grande número de reinos dominando as costas do oceano índico; - um mundo em convulsão política, marcado pela emergência de novos poderes que disputavam a hegemonia pré-estabelecida; - o Índico era então, como lhe chamou Geneviéve Bouchon, “um lago muçulmano”, não do ponto de vista do seu domínio militar, mas comercial; - O Índico e a Ásia em geral vivem um momento de expansão da fé islâmica, bem visível tanto na costa oriental africana, como no próprio sub-continente indiano e, em especial, na Ásia do Sueste (o caso do Sultão de Malaca, recentemente convertido ao Islão era disso um bom exemplo), em resultado da “islamização doce”, efectuada pelos comerciantes muçulmanos, bem diferente daquela que se vinha impondo tanto no norte de África como na Europa (península Ibérica, por exemplo) através da Jihad (a Guerra Santa); - Um mundo marcado pela complementaridade, bem visível, por exemplo, no chamado comércio triangular operado no Índico ocidental entre o Guzerate, grande produtor de tecidos, que eram vendidos na costa oriental africana a troco de ouro, escravos e marfim, produtos que, por sua vez, eram transportados para os portos do Malabar, sobretudo para Calecut. Aqui afluíam os produtos oriundos do golfo de Bengala e, sobretudo, de Malaca (grande entreposto do comércio oriundo do sueste asiático e da China). De Calecut era expedida também a pimenta, produzida no Malabar, que ia abastecer os mercados do mediterrâneo oriental, em especial Alexandria, e daí para a Europa. Costa oriental africana: - O principal potentado da zona, o reino de Quíloa, encontrava-se em clara fragmentação; - outros reinos, de menor dimensão, como Sofala e Melinde, por exemplo, procuravam sair da sua órbita; - os portugueses, procurando encontrar uma segunda Mina (tinham notícia do importante comércio do ouro feito nos portos da costa, aonde afluía o ouro explorado no sertão africano), tudo vão fazer para se substituir aos comerciantes muçulmanos, mas sem grandes resultados nos primeiros anos; - apoio da Coroa portuguesa aos estados que procuravam emancipar-se do poder de Quíloa, acelera a sua fragmentação. Egipto e península arábica: - Dominando os fluxos comerciais operados através do Mar Vermelho o Império Mameluco havia-se afirmado como a mais importante força político-militar e comercial da região, mas encontrava-se agora em claro declínio; - os portugueses ao procederem ao bloqueio do Mar Vermelho acabarão por lhe dar a machadada final, deixando-o sem meios para pagar ao seu poderoso exército de janízaros; - acabará, em 1517, por sucumbir às mãos dos Turcos-Otomanos. Médio-Oriente: - O Império Turco-Otomano afirmava-se cada vez mais como a mais importante força da região, acabando por se estender em direcção à península arábica e ao Egipto, mas também em direcção aos Balcãs, pondo em risco a cristandade da Europa Oriental; Principais reinos e portos da costa oriental africana - conquistam a Síria em 1516 e o Egipto (império mameluco) em 1517; - representava um perigo para o emergente império Persa, recentemente criado pelo Shah Ismail; - de rito Xiita, ao contrário dos turcos-otomanos que seguem o rito sunita, seria o aliado preferencial dos portugueses para procurar travar a expansão turca em direcção ao golfo pérsico e ao mar arábico. Golfo Pérsico: - Como referimos o Shah Ismail havia conseguido unificar a região criando um império cujos habitantes, professando maioritariamente um Islão de rito Xiita, se opunha aos seus vizinhos turcos; - seria o escolhido pelos portugueses como parceiro na luta contra a expansão otomana (Afonso de Albuquerque haveria de enviar em 1513 uma primeira embaixada à Pérsia estabelecendo um tratado de cooperação mútua). Subcontinente indiano: - Ao norte imperava ainda o Sultanato de Delhi, de que já se haviam separado no séc. XV o sultanato de Bengala (actual Bangladesh) e o sultanato do Guzerate; - Do desmembramento do sultanato de Delhi resultou também o aparecimento do Reino Bahmanida (as fontes portuguesas chamam-lhe o reino de Daquém) que, ocupando grande parte do norte do Decão, se havia fraccionado, por altura da chegada dos portugueses, em 5 sultanatos principais, a saber: BIJAPUR; BERAR, BIDAR, AHMDNAGAR e GOLCONDA; A Índia em finais do séc. XV - Estes sultanatos opunham-se militarmente ao grande Império hindu de Vijayanagar (Bisnaga segundo as fontes portuguesas), que era a principal força político-militar do sul do subcontinente indiano, o que muito serviu o estabelecimento dos portugueses na região; - Igualmente importante era o facto de o império de Vijayanagar exercer uma vaga suserania sobre os reinos da costa do Malabar, onde os portugueses se fixaram. Costa do Malabar: -situada na costa ocidental indiana, entre a costa do Canará e o cabo Comorim (extremo sul do subcontinente indiano), encontrava-se a costa do Malabar, de extraordinária importância por ser uma das principais zonas produtoras de pimenta da Índia; - O Samorim de Calecut detinha aí o estatuto de principal soberano, dada a importância do seu porto no contexto global do comércio marítimo do Índico ocidental; - os reinos de Cochim e de Cananor, encontrando-se numa posição subalterna, disputavam com aquele a condição de principal potentado da região; - disso se serviram os portugueses para, recusado o acordo com o Samorim, ali se estabelecerem, vindo a construir nos seus reinos fortalezas-feitorias para assegurar o fornecimento de pimenta e gengibre, para além de outros produtos, à “Carreira da Índia”. Ilha de Ceilão: - Também aqui a coexistência de três reinos – Kotte, Kandia e Jafna – inimigos acabariam por servir o estabelecimento dos portugueses, mas isso só se verificará mais tarde, já na década de vinte. Reinos da Costa do Malabar Ásia do Sueste e Extremo-oriente: - importância do sultanato de Malaca que, dominando o Estreito do mesmo nome, era uma placa giratória entre dois mundos, o do Pacífico e o do Índico, diversos mas complementares; - Malaca funcionava como porto de cruzamento dos produtos produzidos nas ilhas do arquipélago malaio-indonésio, da Tailândia, China e Japão, mas também dos que aí afluíam vindos do golfo de Bengala, da costa do Coromandel e do Índico ocidental, em especial de Calecut, também ele uma verdadeira placa giratória para os produtos transaccionados através do oceano Índico; - persistência de alguns antigos reinos hindús na região, sobretudo o de Mojapahit, na ilha de Java, na sua parte oriental, que resistiu ao processo de islamização até ao segundo qurtel do século XVI; - importância comercial e política do grande reino do Sião (actual Tailândia) no contexto das relações político-militares da região; - Importância do Celestial Império que, não obstante os longos períodos de fechamento ao exterior, mantinha um extraordinário peso no conjunto das trocas comerciais em toda a região, fosse através das autoridades imperiais, fosse através das suas inúmeras e numerosas comunidades de chineses ultramarinos estabelecidos fora do Império, mas que com ele mantinham laços de grande importância; - O Japão, marcado ainda pelas profundas divisões resultantes do sistema feudal em vigor na altura. Bibliografia: -Diccionário da Expansão Portuguesa, coord. Francisco Contente Domingues, Lisboa, Círculo de Leitores. -Luís Filipe Thomaz, “Malabar”, in Dicionário de História dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994. -Geneviève Bouchon, “Les mers de L’Inde a la fin du XV.eme siécle, vue generale”, in Moyen Orient & Ocean Indien, vol. I, Paris, Société d’Histoire de L’Orient, 1984, pp. 101-116. -Vitor Luís Gaspar Rodrigues, «A apropriação das rotas comerciais do Índico pelos Portugueses no século XVI», in Portugal no Mundo, (ed.) Luís de Albuquerque, vol. IV, Lisboa, Ed. Alfa, 1990, pp. 260 a 278.