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A invenção da América

Reflexões sobre a “Descoberta” de Colombo


A ideia de “invenção”

“No campo da historiografia, este termo [invenção] ganha destaque com


o progressivo afastamento dos historiadores em relação às explicações
que remetiam para o emprego de categorias trans-históricas, das
abordagens metafísicas ou estruturais, que tendiam a enfatizar a
permanência, a continuidade e pressupunham a existência de uma
essência, de um núcleo significativo da História, de determinadas relações
ou processos como sendo determinantes de toda a variedade do
acontecer histórico. [...] o uso do termo invenção remete para uma
abordagem do evento histórico que enfatiza a descontinuidade, a ruptura,
a diferença, a singularidade, além de que afirma o caráter subjetivo da
produção histórica”. (ALBUQUER JUNIOR, Durval Muniz de. História: a arte
de inventar o passado. Ensaios de teoria da história: Bauru, SP: Edusc,
2007, p. 20)
A tese de Edmund O´Gorman

• a América não poderia ter sido descoberta, pois não existia;

• a América, não existindo factualmente, só pode ter sido inventada;

• a América, como concebemos, só passa a existir quando conceituada tal


qual América;

• a América, como uma invenção europeia, é despojada de toda a sua


“americanicidade original” e é conceituada de acordo com os interesses
europeus.
A atribuição de valor (histórico e historiográfico):
a importância do Descobrimento
• “A maior coisa, desde a criação do mundo, à parte a Encarnação e a morte daquele
que o criou, foi a descoberta das Índias. Nação alguma jamais difundiu, como a
espanhola, seus costumes sua língua e suas armas, nem foi tão longe pelos
caminhos do mar e da terra de armas às costas” (Francisco López de Gomara,
História Geral das Índias, 1552)

• “A descoberta da América e a de uma passagem para as Índias Orientais pelo Cabo


da Boa Esperança são os dois maiores e mais importantes eventos registrados na
história da humanidade. (...) Por unirem, até certo ponto, as regiões mais distantes
do mundo, por possibilitar-lhes aliviar mutuamente as necessidades, aumentar suas
satisfações e estimular sua atividade, sua tendência geral pareceria ser benéfica.
Para os nativos, porém, tanto os das Índias Orientais como os das Índias Ocidentais,
todos os benefícios comerciais que possam ter advindo desses eventos soçobraram e
se perderam nos infortúnios horríveis que provocaram” (Adam Smith, A Riqueza das
Nações, 1776)
A expansão oceânica ibérica como
continuidade da expansão do fim do medievo
• Relembrar a Baixa Idade Média como um período de crescimento
demográfico, econômico e comercial: circulação, rotas e mercados
• Um período de expansionismo territorial da Cristandade Latina:
ocupação mais efetiva do território e processos de colonização
interna
• A Reconquista Ibérica como exemplo máximo, mas não único, de uma
tradição de colonização interna, ocupação do território e exploração
da força de trabalho subalterna; ativa participação de particulares.
• Existência de viagens e movimentos de exploração europeus desde a
Idade Média: em busca do comércio dos impérios asiáticos
Ainda na tradição expansionista ibérica e a
situação da Espanha
• O contexto quatrocentista de recuperação econômica e o
desenvolvimento ibérico: um convite à conquista
• A desistência dos “concorrentes” - China e muçulmanos – por falta de
incentivo.
• União Dinástica (1469) e início da consolidação monárquica, ainda
que com muitos limites e persistência das desigualdades regionais e
tradições: Inquisição (1478), ampliação das receitas, ascensão dos
letrados e funcionários da Coroa, aumento do controle sobre as
tropas militares, propaganda e governo através de viagens,
fortalecimento da aliança com a nobreza e as elites urbanas.
As viagens atlânticas e Colombo
• Um plebeu genovês com experiência portuguesa: a tradição
mediterrânea somada à atlântica.
• Motivações: ascensão social, riqueza, religião (sentido messiânico de
si) e busca da aventura.
• A recusa em Portugal em razão das de falhas e da possibilidade de
alcançar a Índia pela África.
• A longa espera pelo patrocínio dos Reis Católicos.
• 1492: momento de euforia; messianismo; financiamento por
particulares; possibilidade de ultrapassar Portugal na “corrida
marítima” e obter elevados lucros.
A construção do
mito fundador

• Ele se chamava Cristóvão, o que quer dizer


Christum Ferens, o que significa o portador de
Cristo. E assim ele frequentemente assinava seu
nome, pois em verdade ele foi o primeiro a abrir
os portões do Mar Oceano para carregar nosso
Salvador Jesus Cristo através das ondas para
aqueles reinos e terras remotas (Bartolomé de Las
Casas, História de las Indias, 1561)
A fictícia história do ovo
A experiência acumulada: anotações sobre os viajantes medievais no livro de Colombo
As formas de recrutamento: riqueza, aventura
e messianismo

“Amigos, venham, façam esta jornada conosco, em vez


de se arrastarem por aqui miseravelmente; façam essa
jornada conosco, pois com a ajuda de Deus
descobriremos terra, pois de acordo com os rumores
nós encontraremos casas de ouro e todos voltarão ricos
e afortunados” (Martin Alonso Pinzón, 1492)
Notícias de uma terra e de gentes a conquistar
• “Saibam Vossas Altezas que esta ilha Espanhola lhes pertence, tanto quanto Castela;
falta apenas construir nela uma colônia. Essas pessoas são boas para ser comandadas,
para que as façamos semear, construir cidades, e para lhes ensinarmos a se vestirem e a
adotarem nossos costumes” (Cristóvão Colombo, carta de 1492)

• “Essas pessoas não tem crenças religiosas nem são idólatras. Eles são muito gentis e não
sabem o que é o mal: não matam, não roubam, não tem armas e são tão tímidos que
cem deles fogem de um de nós, mesmo que estejamos brincando. E eles são crédulos e
têm consciências de que há um Deus no céu e estão convencidos que viemos dos céus; e
repetem rapidamente qualquer prece que lhes ensinemos, e fazem o sinal da cruz. Então
Vossas Altezas devem decidir cristianizá-los, pois eu acredito que, se começarem,
rapidamente terão convertido à nossa Santa Fé uma multidão de povos e adquirindo
grandes domínios, riquezas e súditos para a Espanha” (Cristóvão Colombo, Carta aos
Reis Católicos, 1492)
Gravura de
Theodore de Bry
(Séc. XVI)
A CONSTRUÇÃO DA IDEIA
DE NOVO MUNDO (MAPA
1502 E VESPÚCIO 1504)
“É lícito chamá-lo de Novo
Mundo, já que nossos
antepassados não tiveram
conhecimento algum dele
e é coisa muito nova para
todos que o veem
(Américo Vespúcio,
Mundus Novus, 1504)
Planisfério de Waldseemüller (1507 - Introdução à Cosmografia) e a ideia de América

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