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22
novembro
2009
ano II
ficina
A Invenção da América
SAMIZDAT 22
novembro de 2009
Textos de:
Cristóvão Colombo Obra Licenciada pela Atribuição-Uso Não-Comercial-Vedada
Pero Vaz de Caminha a Criação de Obras Derivadas 2.5 Brasil Creative Commons.
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As idéias expressas são de inteira responsabilidade de seus
autores. A aceitação da revisão proposta depende da vontade
expressa dos colaboradores da revista.
Sumário
Por que Samizdat? 6
Henry Alfred Bugalho
ENTREVISTA
Antonio Luiz M. C. Costa 8
MICROCONTOS
Primeira Lição Colonial 20
Simone Santana
CONTOS
O Messias do Ocidente 22
Joaquim Bispo
Imagem de Barro 26
Wellington Souza
O Troféu 30
Volmar Camargo Junior
O Sorteio 34
Henry Alfred Bugalho
Relações Postais 38
José Guilherme Vereza
Ventanas (I) 43
Sheyla Smanioto Macedo
A Sogra 44
Mariana Valle
TRADUÇÃO
Carta de Crfistóvão Colombo anunciando o
descobrimento da América 58
TEORIA LITERÁRIA
Caminhos para o autor independente 66
Henry Alfred Bugalho
Jogue sua Gramática no Lixo 70
Guilherme Augusto Rodrigues
CRÔNICA
Eu não gosto de ninguém da América do
Sul 72
Léo Borges
Quem é você, quem sou eu? 76
Ju Blasina
POESIA
Laboratório Poético 78
Volmar Camargo Junior
Blavino 80
Ju Blasina
Poetrix 81
Ju Blasina
Sonata da Criação 82
Wellington Souza
ficina
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Por que Samizdat?
“Eu mesmo crio, edito, censuro, publico,
distribuo e posso ser preso por causa disto”
Vladimir Bukovsky
6
E por que Samizdat? revistas, jornais - onde ele des tiragens que substituam
possa divulgar seu trabalho. o prazer de ouvir o respal-
O único aspecto que conta é do de leitores sinceros, que
A indústria cultural - e o
o prazer que a obra causa no não estão atrás de grandes
mercado literário faz parte
leitor. autores populares, que não
dela - também realiza um
perseguem ansiosos os 10
processo de exclusão, base- Enquanto que este é um mais vendidos.
ado no que se julga não ter trabalho difícil, por outro
valor mercadológico. Inex- lado, concede ao criador uma Os autores que compõem
plicavelmente, estabeleceu-se liberdade e uma autonomia este projeto não fazem parte
que contos, poemas, autores total: ele é dono de sua pala- de nenhum movimento
desconhecidos não podem vra, é o responsável pelo que literário organizado, não
ser comercializados, que não diz, o culpado por seus erros, são modernistas, pós-
vale a pena investir neles, é quem recebe os louros por modernistas, vanguardistas
pois os gastos seriam maio- seus acertos. ou q ualquer outra definição
res do que o lucro. que vise rotular e definir a
E, com a internet, os au- orientação dum grupo. São
A indústria deseja o pro- tores possuem acesso direto apenas escritores interessados
duto pronto e com consumi- e imediato a seus leitores. A em trocar experiências e
dores. Não basta qualidade, repercussão do que escreve sofisticarem suas escritas. A
não basta competência; se (quando há) surge em ques- qualidade deles não é uma
houver quem compre, mes- tão de minutos. orientação de estilo, mas sim
mo o lixo possui prioridades
a heterogeneidade.
na hora de ser absorvido A serem obrigados a
pelo mercado. burlar a indústria cultural, Enfim, “Samizdat” porque a
os autores conquistaram algo internet é um meio de auto-
E a autopublicação, como que jamais conseguiriam de publicação, mas “Samizdat”
em qualquer regime exclu- outro modo, o contato qua- porque também é um modo
dente, torna-se a via para se pessoal com os leitores, de contornar um processo
produtores culturais atingi- od iálogo capaz de tornar a de exclusão e de atingir o
rem o público. obra melhor, a rede de conta- objetivo fundamental da
tos que, se não é tão influen- escrita: ser lido por alguém.
Este é um processo soli-
te quanto a da grande mídia,
tário e gradativo. O autor
faz do leitor um colaborador,
precisa conquistar leitor a
um co-autor da obra que lê.
leitor. Não há grandes apa-
Não há sucesso, não há gran-
ratos midiáticos - como TV,
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Entrevista
http://1.bp.blogspot.com/_4SBeCN1DHAA/SkTR-y3HUdI/AAAAAAAAApE/Tr1DCIMCP14/s320/lu%C3%ADs+dill.jpg
de contos de Fantasia e Ficção
Científica (um deles já publicado
aqui conosco, na SAMIZDAT 21 -
Mistério e Suspense), dono de várias
comunidades no orkut relacionadas
à chamada Ficção Especulativa
- Fantasia, FC, Horror, História
Alternativa, e, adicionalmente, idio-
mas imaginários... - concedeu-nos
esta excelente entrevista, falando
sobre um dentre tantos assuntos que
domina: a literatura.
SAMIZDAT - O Brasil sem- gelisti na Itália). Mas bem elite bacharelesca e conser-
pre teve um papel secundá- que o Brasil podia ser menos vadora, míope em relação ao
rio (ou terciário) no cenário secundário do que é. futuro e que menosprezava a
de Ficção Científica e Fanta- A literatura de fantasia, no ciência e tecnologia. Na era
sia mundial. A que se deve sentido mais geral do ter- JK começamos a superar essa
este fenômeno? mo, tem uma difusão mais herança, a nos ver como o
ANTONIO LUIZ M.C. COS- ampla e nela não acho que “País do Futuro” e a produzir
TA – Bom, no que se refere à o Brasil esteja tão mal. Mas alguma ficção científica de
FC contemporânea, fora EUA, vou deixar para falar disso razoável qualidade para a
Canadá, Reino Unido, Japão, na pergunta seguinte e tratar época, a chamada Primeira
Rússia e (mais recentemente) primeiro da FC. Onda, que incluiu escritores
China, todos os países são respeitados nos meios literá-
Uma parte do problema é rios.
secundários, salvo por um antiga e estrutural – o cará-
ou outro autor isolado de ter agrário e dependente do Mas então veio o golpe mi-
estatura internacional (como, País até a primeira metade litar e a ditadura envenenou
por exemplo, Stanislav Lem do século XX, que criou uma a cultura em vários aspectos,
na Polônia e Valerio Evan- inclusive a ficção científica.
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de pedir por mais. Será que mitologia, da fauna, flora, da a imaginação. Que inventem
na França tem algum grande História e dos comportamen- mundos baseados na imagi-
romance mais fantástico do tos nossos? nação asteca, grega, japonesa,
que Macunaíma? Pensando ANTONIO LUIZ – Existir, indiana ou chinesa, se quise-
em qualidade intrínseca e claro que existe. O Rober- rem, mas que queiram criar
ousadia, não em livros vendi- to Causo, por exemplo, tem com sinceridade.
dos ou grau de modernidade, escrito uma série de histó- Agora, o que os imitadores
será Harry Potter superior ao rias, A Saga de Tajarê, já com da ficção anglo-saxã não
Sítio do Picapau Amarelo? Eu duas novelas, em um mundo conseguem evitar, querendo
não acho. de fantasia amazônico e a ou não, é que os personagens
Temos também uma razoá- Michelle Klautau fez um tenham comportamentos
vel produção no campo do crossover entre o mundo dos “brasileiros”. É muito engra-
terror. Na minha opinião, mitos europeus e o do folclo- çado: seja em um palácio
Martha Argel e Giulia Moon, re brasileiro em A Lendária real, uma aldeia élfica ou
por exemplo, não ficam nada Hy-Brasil, uma ideia que uma escola de magos, os
a dever a Anne Rice. poderia ser mais explorada. personagens de qualquer
O que o Brasil de fato não No gênero infanto-juvenil, há idade e meio social falam, se
tem é tradição em Alta Fan- montes de livros baseados no comportam e reagem como
tasia, gênero que começou a folclore e na história do Bra- jovens brasileiros de clas-
ser inventado na Inglaterra sil, que continuam a tradição se média em torno de uma
vitoriana, mas permaneceu de Monteiro Lobato e têm mesa de RPG do século XXI,
mais ou menos na obscuri- boa aceitação. ou como personagens da
dade até os anos 60, quando Globo. Há uma atração pelo
Tolkien virou moda nos superficialmente fantasioso
Claro que quem faz fanta- e exótico, mas também um
EUA e foi reinterpretado no sia tolkieniana pode ficar
espírito da New Wave e da tremendo provincianismo
tranqüilo quanto a que, seu quanto às formas de pensar e
New Age, originando um trabalho, mesmo que seja
novo respeito pelo mito e sentir. Eles não entendem que
ruim, vai ser entendido por a maneira dos integrantes de
pela construção de mundos quem joga D&D ou viu O
totalmente imaginários. Nes- uma família real medieval,
Senhor dos Anéis no cine- digamos, se relacionarem
se campo, praticamente só ma. Mas, em termos de Alta
temos imitadores, a maioria entre si, tratarem com ou-
Fantasia, ninguém vai sair da tras famílias e conduzir suas
dos quais sequer compre- mediocridade enquanto não
endeu o que tenta imitar e rotinas era completamente
tentar algo diferente de fazer diferente das pessoas de hoje
se limita a reciclar superfi- decalques da Terra Média.
cialmente temas e clichês. e os põe a falar como a famí-
É preciso arriscar mais e lia rica da novela das oito.
Ainda não há nada que descobrir maneiras novas de
valha a pena ser mencionado apresentar um mundo dife-
em termos de Alta Fantasia rente do já visto. SAMIZDAT – Quais são os
nacional, nem surgiu alguém temas que motivam a sua
disposto a imaginar o novo e Mas me entendam bem, acho
um passo importante os as- escrita ficcional? É importan-
não apenas mais uma varian- te que a ficção defenda uma
te do que já foi feito lá fora. pirantes a escritores de Alta
Fantasia brasileiros se livra- tese?
rem da camisa-de-força do ANTONIO LUIZ – Um dos
SAMIZDAT: Habitualmen- modelo tolkieniano e de seus temas mais presentes em mi-
te, os escritores de Fantasia reis, princesas, águias, lobos, nhas histórias é a de trans-
costumam se inspirar, quase magos, elfos e orcs. Mas não formação coletiva. Frequen-
parasitariamente, nos autores se trata de pedir-lhes que temente, minhas histórias se
e na mitologia anglo-saxã. escrevam sobre índios, escra- situam um momento histo-
Existe público para universos vos negros, onças, uirapurus, ricamente significativo para
de fantasia tipicamente brasi- sacis, iaras e mulas-sem-ca- seus cenários imaginários, o
leiros, que traga elementos da beça. O importante é liberar momento de um progresso
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ou à literatura mainstream. mo que se busca na chamada Assim como não se pode
Prefiro pensar que a Aleph grande literatura. É preciso avaliar uma canção dançante
está escolhendo os livros er- outra maneira de os ler e de Gilberto Gil pelos crité-
rados ou não sabe promovê- analisar que não o enfoque rios com que se avalia uma
los (por exemplo, as capas, do acadêmico tradicional, sinfonia de Villa-Lobos ou
em geral, não sugerem que se estudante de letras, mas a um poema de Camões.
trata de FC). do estudioso da cultura e da Se Watchmen fosse um dos
Infelizmente, não tenho uma ideologia, algo mais próximo 100 melhores romances em
receita mágica para driblar o daquilo que os anglo-saxões inglês desde 1923, haveria de
círculo vicioso. O mais que chamam Cultural Studies. ser a melhor obra de arte do
posso é fazer minha parte, século XX, talvez de todos os
dando preferência a resenhar SAMIZDAT – Na comuni- tempos... pois, em Watchmen,
e recomendar as boas obras dade do orkut “Escritores o texto é apenas um ele-
novas que surgem no merca- - Teoria Literária”, foi criado mento da obra, que depende
do. um tópico com a seguinte mais da combinação eficaz
pergunta: “HQ é Literatura?”. de texto e imagem do que
A discussão foi acalorada, de qualquer desses aspectos
SAMIZDAT – Na sua opi- separados. Claro que não é
nião, ficção de gênero e mas manteve-se dentro do
aceitável. As coisas realmen- assim. Watchmen é uma das
literatura mainstream são melhores graphic novels já
realmente distintas? É possí- te partiram para “um outro
nível de discussão” quando feitas, mas o texto, separa-
vel, academicamente, encon- do da imagem, é pobre em
trar valor literário em obras alguém argumentou que
Watchmen consta em uma relação a qualquer romance
enquadradas (por fãs, por mediano. Não comparemos
editor...) em algum gênero, lista da revista TIME, de
2005: “TIME critics Lev Gros- laranjas com bananas.
como Fantasia ou FC?
sman and Richard Lacayo
ANTONIO LUIZ – São 100 best English-language
distintas na medida em que SAMIZDAT – Desde há
novels from 1923 to the muito línguas artificiais são
têm prioridades diferentes. present”. (http://www.time.
O chamado mainstream (que pensadas. Algumas chegaram
com/time/2005/100books/ a ganhar certa relevância,
não é necessariamente ficção the_complete_list.html)
“realista”) busca a expressão como o Esperanto, enquanto
criativa, a fantasia e a FC Para você, HQ pode ser que outras ficam restritas aos
enfatizam a especulação cria- considerado literatura, ou, seus criadores ou pequenos
tiva. Em geral, quem julgar como se diz, trata-se de uma grupos de discussão. Qual
a ficção especulativa pelos forma de arte autônoma - a sua experiência pessoal com
critérios da ficção mainstre- chamada Nona Arte? Qual é o desenvolvimento de idio-
am vai achá-la aborrecida de o valor, como argumento, de mas?
má qualidade, e vice-versa – uma lista de “os cem melho- ANTONIO LUIZ – Eu inven-
salvo umas poucas obras que res” como a que foi citada? tei um idioma de maneira
conseguem brilhar razoa- ANTONIO LUIZ - Watch- mais completa, o “senzar”,
velmente nos dois aspectos men não devia estar nessa e alguns outros de manei-
como, digamos, Admirável lista. Não se pode avaliar o ra mais fragmentária como
Mundo Novo. Claro que é texto de uma história em parte do cenário de um ro-
preciso um mínimo de téc- quadrinhos com os critérios mance de fantasia ainda não
nica e valor literário para se com que se avalia um ro- publicado, sem a pretensão
escrever um livro de ficção mance, nem pelos que ser- de que o senzar ou qualquer
especulativa decente, mas ela vem para avaliar uma pintu- outro deles seja usado por
deve servir à especulação, ra ou gravura. Assim como mais alguém. Meu princi-
não o contrário. Então, mi- também não se pode avaliar pal objetivo era que nomes
nha resposta seria: é possível um roteiro de cinema por de lugares e personagens
encontrar valor nesses gêne- quaisquer desses critérios. . soassem diferentes de lín-
ros, mas em geral não o mes- São formas de arte diferentes. guas conhecidas, para criar
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Autor em Língua Portuguesa
a El Rei D. Manuel
(excerto)
http://www.tankonyvtar.hu/site/img/historia/1992_92-056_03_Rakoczi3_original.jpg
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dois e aos três, de ma- pouco mais ou menos, daqueles navios peque-
neira que, quando o batel por conselho dos pilotos, nos, foi, por mandado do
chegou à boca do rio, já mandou o Capitão levan- Capitão, por ser homem
lá estavam dezoito ou tar ancoras e fazer vela. E vivo e destro para isso,
vinte. fomos de longo da costa, meter-se logo no esquife
Pardos, nus, sem coisa com os batéis e esquifes a sondar o porto dentro.
alguma que lhes cobrisse amarrados na popa, em E tomou dois daqueles
suas vergonhas. Traziam direção norte, para ver homens da terra que esta-
arcos nas mãos, e suas se achávamos alguma vam numa almadia: man-
setas. Vinham todos abrigada e bom pouso, cebos e de bons corpos.
rijamente em direção onde nós ficássemos, para Um deles trazia um arco,
ao batel. E Nicolau Co- tomar água e lenha. Não e seis ou sete setas. E na
elho lhes fez sinal que por nos já minguar, mas praia andavam muitos
pousassem os arcos. E por nos prevenirmos com seus arcos e setas;
eles os depuseram. Mas aqui. E quando fizemos mas não os aproveitou.
não pôde deles haver vela estariam já na praia Logo, já de noite, levou-os
fala nem entendimento assentados perto do rio à Capitaina, onde foram
que aproveitasse, por o obra de sessenta ou se- recebidos com muito
mar quebrar na costa. tenta homens que se prazer e festa.
Somente arremessou-lhe haviam juntado ali aos A feição deles é serem
um barrete vermelho e poucos. Fomos ao lon- pardos, um tanto averme-
uma carapuça de linho go, e mandou o Capitão lhados, de bons rostos e
que levava na cabeça, e aos navios pequenos que bons narizes, bem feitos.
um sombreiro preto. E fossem mais chegados à Andam nus, sem cober-
um deles lhe arremessou terra e, se achassem pou- tura alguma. Nem fazem
um sombreiro de penas so seguro para as naus, mais caso de encobrir ou
de ave, compridas, com que amainassem. deixa de encobrir suas
uma copazinha de penas E velejando nós pela vergonhas do que de
vermelhas e pardas, como costa, na distância de mostrar a cara. Acerca
de papagaio. E outro lhe dez léguas do sítio onde disso são de grande ino-
deu um ramal grande de tínhamos levantado ferro, cência. Ambos traziam o
continhas brancas, miú- acharam os ditos navios beiço de baixo furado e
das que querem parecer pequenos um recife com metido nele um osso ver-
de aljôfar, as quais peças um porto dentro, muito dadeiro, de comprimento
creio que o Capitão man- bom e muito seguro, com de uma mão travessa, e
da a Vossa Alteza. E com uma mui larga entrada. da grossura de um fuso
isto se volveu às naus por E meteram-se dentro e de algodão, agudo na
ser tarde e não poder amainaram. E as naus ponta como um furador.
haver deles mais fala, por foram-se chegando, atrás Metem-nos pela parte
causa do mar. deles. E um pouco antes de dentro do beiço; e a
À noite seguinte ven- de sol-pôsto amainaram parte que lhes fica en-
tou tanto sueste com também, talvez a uma tre o beiço e os dentes é
chuvaceiros que fez caçar légua do recife, e ancora- feita a modo de roque de
as naus. E especialmente ram a onze braças. xadrez. E trazem-no ali
a Capitaina. E sexta pela E estando Afonso Lo- encaixado de sorte que
manhã, às oito horas, pez, nosso piloto, em um não os magoa, nem lhes
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18 SAMIZDAT novembro de 2009
O lugar onde
Pero Vaz de Caminha na nau capitânia da armada a boa Literatura
(Galaico-português: Pero de Pedro Álvares Cabral em
Uaaz de Camjnha; Porto, Por- Abril daquele mesmo ano, é fabricada
tugal, 1450 — Calecute, Índia, quando a mesma descobriu o
15 de Dezembro de 1500), às Brasil. Caminha eternizou-se
http://guisalla.files.wordpress.com/2008/09/machado1.jpg
vezes popularmente chamado como o autor da carta, data-
de Pedro Vaz de Caminha, da de 1 de Maio, ao sobera-
foi um escritor português no, um dos três únicos teste-
que se notabilizou nas fun- munhos desse achamento (os
ções de escrivão da armada outros dois são a Relação do
de Pedro Álvares Cabral. Piloto Anônimo e a Carta do
Era filho de Vasco Fernan- Mestre João Faras.
des de Caminha, cavaleiro Mais conhecido dentre
do duque de Bragança. Seus os três, a Carta de Pero Vaz
ancestrais seriam os antigos de Caminha é considerada
povoadores de Neiva à época a certidão de nascimento do
do reinado de D. Fernando Brasil embora, dado o segre-
(1367-1383). do com que Portugal sempre
Letrado, Pero Vaz foi cava- envolveu relatos sobre sua
descoberta, só fosse publica-
http://www.flickr.com/photos/ooocha/2630360492/sizes/l/
leiro das casas de D. Afonso
V (1438-1481), de D. João II da no século XIX, pelo Padre
(1481-1495) e de D. Manuel I Manuel Aires de Casal em
(1495-1521). Pai e filho, para sua “Corografia Brasílica”, Im-
melhor desempenhar seus prensa Régia, Rio de Janeiro,
cargos, precisavam exerci- 1817. O texto de Mestre João
tar a prática e desenvolver demoraria mais ainda: veio à
o conhecimento da escrita, luz em 1843 na Revista do
distinguindo-se a serviço dos Instituto Histórico e Geográ-
monarcas. fico Brasileiro e isso graças
aos esforços do historiador
Teria participado da ba-
Francisco Adolfo de Varnha-
talha de Toro (2 de Março
gen.
de 1475). Em 1476 herdou
do pai o cargo de mestre da Tradicionalmente se aceita
Balança da Moeda, posição que Caminha pereceu em
de responsabilidade em sua combate durante o ataque
época. Em 1497 foi escolhido muçulmano à feitoria de
para redigir, na qualidade de Calecute, em construção, no
Vereador, os Capítulos da Câ- final de 1500.
mara Municipal do Porto, a Caminha desposou D.
serem apresentados às Cortes Catarina Vaz, com quem teve,
de Lisboa. Afirma-se que D. pelo menos, uma filha, Isabel.
Manuel I, que o nomeou para
o cargo no Porto, lhe tinha
afeição.
ficina
Em 1500, foi nomeado
escrivão da feitoria a ser er-
guida em Calecute, na Índia,
razão pela qual se encontrava
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Microcontos
http://www.flickr.com/photos/ilo_oli/165163626/sizes/o/
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estudante de música, náuseas dominaram-no, som de sua composição
chamado Wolfgang Ama- o que o fez libertar-se da servia de trilha sonora
deus Mozart. Quando paralisia, caindo de joe- para a fuga, enquanto
soube da maldição, não lhos a largos vômitos. Em ele pensava como, até o
se alarmou, disse apenas meio a engasgos, tosses e momento, aquela música
que gostaria de ouvir o ânsias, ouviu a frase mor- nunca havia lhe parecido
tal concerto fúnebre e de tal: “Termine a música”. tão viva e tão mórbida.
conhecer o seu autor. Foi Confuso, desnorte- Prometeu não mais tocá-
alertado de que a história ado, Mozart tentou se la.
era verdadeira, de que as levantar apoiando-se No dia seguinte, o
pessoas já não queriam no órgão, que sua mão jovem Mozart já não se
mais estudar música, e atravessou como se nada encontrava pela cidade.
ele poderia ser o próxi- ali estivesse. Caiu sobre “Mais um levado pelo
mo, e o dia fatal estava o vômito, começando a Canto da Sereia de Bach”,
se aproximando... Nada recobrar a razão e ten- diziam. Contudo, soube-
disso o espantou. tando afastar-se daquele se na hospedaria que ele
Dia vinte e oito, “Toca- prenúncio da morte. havia partido durante a
ta e Fuga em Ré Menor”, De bruços sobre a terra, madrugada, são e salvo,
tudo como haviam dito, sentiu algo prendendo-o após o sinistro concerto.
e lá estavaHenry
Mozart pelo pé. Não teve cora-
den-Bugalho No cemitério, ao invés do
Alfred
tro do cemitério. Com os gem de olhar para ver o http://www.lostseed.com/extras/free-graphics/images/jesus-pictures/jesus-crucified.jpg
esperado músico morto,
O Rei dos
olhos fechados, deixava-se que era. E novamente a foi encontrada apenas
extasiar com as compo- voz suave suplicou: “Ter- uma inscrição na terra,
sições de Johann Sebas- mine a música”. Fazendo parecida com o trecho de
Judeus
tian Bach, num estado uma desesperada oração alguma partitura. Desde
de euforia sobrenatural. mental, tateou o solo até então, não se noticiou
Subitamente, o som se encontrar uma pedra mais vítimas do “Canto
extinguiu. O jovem des- pontiaguda. Com ela, da Sereia de Bach”.
pertou do transe e dirigiu começou a desenhar no
do www.revistasamizdat.com 21
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Contos
O Messias do Ocidente
Joaquim Bispo
http://www.flickr.com/photos/99954459@N00/1508511105/sizes/o/
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cruzes de Cristo – disse fi- sil, essa fatia tão grande – Dizeis que há um esfor-
nalmente o novo arquitecto que ainda não se lhe viu o ço intencional de distorcer
– afinal este é um convento fim. Há quase vinte anos, alguns símbolos de modo a
da Ordem, mas por que em Tordesilhas, D. João servirem um determinado
todas aquelas esferas armi- II soube negociar. Mas, interesse real?
lares? a riqueza está a Oriente. – O que tem sido ventura
– Esqueço-me que estais Quase que chega aqui o para D. Manuel também
em Portugal há pouco tem- cheiro da pimenta. D. Ma- tem aspectos problemá-
po – reflectiu o mestre que nuel está exultante. E rico. ticos. O certo é que a no-
tinha ficado a tomar conta Por isso lança tantas obras. breza habituou-se a vê-lo
das obras até à chegada do Chamam-lhe o venturoso – como “apenas” o Duque de
novo dirigente. – A esfera tudo lhe corre bem. Há duas Beja, e não como El-rei. D.
enfaixada pelos círculos décadas não suspeitava que Manuel precisa de algumas
principais é um símbolo ge- pudesse vir a ser rei – era o ajudas de legitimação, por
ográfico da bola do mundo nono na linha de sucessão. isso alguma desta retórica
e um dos emblemas do rei. Caprichosamente, morre- imagética, que vale mais
Esse e o escudo real são ram sete desses candidatos. que muitas proclamações.
reproduzidos exaustivamen- D. Manuel é aclamado rei, Toda a obra de aparato é um
te em todas as obras de arte, sem esperar. No início do manifesto da grandiosidade
quer de cantaria, pintura, seu reinado, é descoberta a do rei e do estado. Se, além
iluminura ou mesmo estatu- passagem a sul para a Índia. disso, o rei for mostrado em
ária. Os Portugueses andam E o Brasil. Sente-se predes- figura, ou em símbolo, em
pelas sete partidas do mun- tinado. Vê no próprio nome circunstâncias nobilitantes,
do, de tal jeito e proveito – Emanuel, que em hebrai- maior grandeza adquire aos
que D. Manuel se intitula co significa Deus connosco olhos dos súbditos e dos
“Pela graça de Deus, Rei – uma indicação profética. outros soberanos. Ele ainda
de Portugal e dos Algarves, A esfera já fazia parte da alimenta a esperança de
d’aquém e d’além-mar em bandeira da família. Sphera vir a ser, também, rei das
África, senhor da Guiné e Mundi tem sido transcri- Espanhas. E, ouvi dizer que
da conquista da navegação to em muitos documentos se prepara uma embaixada
e comércio da Etiópia, Ará- como Spera Mundi, isto ao Papa que leva um elefan-
bia, Pérsia e Índia”. As esfe- é, a Esperança do Mundo. te indiano, dois leopardos e
ras estão lá para lembrar, Quem sabe se não será ele outros animais exóticos.
em imagem, esse estatuto o Messias que, unindo-se
– Noto que toda a orna-
de rei do mundo. ao rei cristão da Etiópia – o
mentação vegetalista como
Preste João – inverterá o
– Bem, Espanha começa que nasce de robustas raízes
progresso muçulmano no
a avançar por toda a Améri- que saem das costas de um
mundo, reconquistando
ca – racionalizava João. homem ali na base do pano
Jerusalém e derrotando os
– E Portugal, pelo Bra- de parede…
Mamelucos do Egipto!
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O lugar onde
a boa Literatura
é fabricada
ficina
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Contos
IMAGEM DE BARRO
Wellington Souza
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festas para os outros verem sas, motores de automóveis, um anti-vampiro que dá
que eu sou forte também. futebol que seja. Queria que vida ao despertar sensações
Já estamos enjoando um me aplicasse testes para ver diversas nas vítimas.
do outro, acho. O nosso elo se sirvo para sempre. Dissolveram a aquarela
mais forte é na cama, talvez Agora está azul-turquesa azul e agora está aguado
o único. Antes nos víamos e os pássaros começam a e límpido. Os pássaros já
quase todos os dias, nem lavrar o café-da-manhã. quietaram e as nuvens estão
que fosse apenas para dar Qual será a diferença entre brancas. Acho que as coisas
uns beijinhos no cinema ou ave e pássaro? Logo ele voltaram ao normal após a
em mesas de fundo no bar. acordará. Deixa a persiana turbulência que o rompi-
Agora fodemos nos fins de aberta, gosta que a luz do mento de madrugada causa.
semana e ele nem me liga dia seja seu despertador Inclusive eu.
todos os dias. Está decaindo natural. Criativo. Roço minha bunda em
ao sexo banal, ou casual, “//O que preciso é que seu púbis em intervalos
como dizem. Necessida- esteja ao meu alcance/ desritmados, se ele acordar
des fisiológicas de ambos como um brilhante/ para um pouco mais cedo e se
supridas, cada um em sua eu ditar a hora de usá-lo/ deparar com meu corpo
solidão. Acho que já posso e de negá-lo.” Acredito que livre, quererá. Não tenho
começar a procurar outro terminei este poema. porque terminar esse rela-
ou fazê-lo acreditar nisto. cionamento, afinal de contas
Já está ficando azul-azul.
“Gostaria que, ao tocá-lo/ As nuvens, de invisíveis, temos o que precisamos
ele se abrisse/ (como se a foram pintadas dum la- um do outro. Não sei se
senha estivesse em algum ranja que fosforesceu, mas me portaria bem como
buraco de mim)/ só para já estão descorando. Acho cúmplice, talvez não seja
desmistificá-lo/ ver que não que vou me deitar. Desta- este o porquê de estarmos.
há nada insólito/ que induz co a parte escrita da folha, Estamos mais para um ser
à idolatria./Igual/ mas não amasso a não-escrita e tento válvula de escape do outro,
reciclável.”. fazer uma “cesta” na lata mas não no sentido portuá-
Há tempos não via o de lixo, mas erro. Levanto rio (de porto seguro), tange
dia germinar; o negro está e vou arrastando o chinelo ao circense: algo sem itine-
ficando azul-marinho. Está em direção da cama. No ca- rário ou contratos. A tradu-
também cada vez mais minho coloco o poema na ção literal de boyfriend e
frio. Entro, fecho a porta de bolsa e displicentemente o girlfriend talvez seja a que
vidro e me sento próxima livro e a lapiseira na escri- melhor nos defina.
à varanda com a persia- vaninha. Admiro, ainda em Ele está acordando, me-
na aberta, numa poltrona pé, suas pálpebras trêmulas: lhor parar agora o registro
de antiquário. Nem temos certamente, em sonho, me mental de minhas ações. Os
mais muito assunto. Filmes: perdeu e isso o aflige. verbos passarão a ser conju-
só vemos os recreativos Sento-me na cama deva- gados todos em voz passiva
de Hollywood que não gar e deito tentando imitar e quero manter minha pos-
dão muito o que comen- uma pluma. Ele dorme de tura de mulher moderna.
tar. Músicas: temos gostos lado e um pouco encolhido, Acho. Toma minha barriga
totalmente opostos, não tento encaixar meu corpo com o braço e traz para si.
somos ecléticos e tampou- ao seu. Conchinha. Nova- Ataca meu pescoço e vou
co queremos dar o braço a mente enrolo meu cabelo e esquivando-me para frente
torcer na questão. Conver- faço dele travesseiro. Deixo ante suas investidas. Mas
sas banais sobre cotidiano e a região da clavícula e cer- neste movimento nossas
vida alheia logo me deixam vical nua, sei que ao acor- partes inferiores se friccio-
enfadada. Queria que ele dar ele irá atacá-la como nam e ele já se faz sentir.
me explicasse suas empre-
Ídolo de Barro
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Contos
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30 SAMIZDAT novembro
outubro dede
2009
2009
Era manhã nevoenta do encontro ao povo, secunda- Contudo, não aparentava
mês de Pawqar Huaraq, do por numeroso batalhão. ser hostil ao invasor.
anunciando o início do Era um bom militar, mas Andando até distância
outono e a proximidade do não teria chegado à posição favorável, Huamán ordenou
Festival do Ramo de Flo- de comando apenas pela que seus homens parassem.
res. Os despojos da batalha excelência em manusear ar- Ampla praça separava os
cobriam a planície. Diante mas. Sua notoriedade devia- dois grupos. Sem precisar
do campo de soldados aba- se à perspicácia e ao talento qualquer aviso, ambos os
tidos estavam os muros da para a diplomacia. Enquan- líderes caminharam um na
última cidade do povo que to caminhava, procurou direção do outro. O militar
chamava a si mesmo unan- recordar tudo o que sabia a inca começa a falar.
cha. Os guerreiros vitorio- respeito daquelas gentes.
sos do exército do Tahuan- — Há mais a ganhar que
Eram herdeiros distan- a perder recebendo aqui o
tinsuyo levantaram-se para tes do sangue e da cul-
glorificar Inti, o Deus-Sol, Tahuantinsuyo. É uma boa
tura Nazca, extinta antes cidade. Não há com o que
pelo sucesso no embate. mesmo de Manco Capác
Na Terra, o homem que os se preocupar, desde que as
emergir das águas do Lago coisas sejam mantidas em
comandara com presteza Titicaca. Não eram grandes
na investida rápida e brutal ordem como sempre foi
combatentes, mas sempre feito, sacerdotisa.
– o jovem sinchi Huamán souberam defender-se. Isso,
Acachi – preparava-se para para Huamán Acachi era o — E, em troca, o que de-
concluir o que havia come- ponto mais importante: o seja o Filho do Deus-Sol?
çado na noite anterior. comando da cidade não era — O Imperador exige
A população resumiu-se do guerreiro, mas do sacer- aquele que jaz no interior
a um pequeno grupo, mu- dote. Entre aquelas pesso- da huaca. Será a prova de
lheres e homens ou muito as amedrontadas, não foi que os unancha são sub-
velhos, ou jovens demais. difícil identificar uma tão missos a Ele.
Assim que os raios do Sol singular. A surpresa, para — Que será de nós se
transpuseram os muros, ele, foi concluir que o lugar nos opusermos?
os vencidos, armados com do curaca, o líder político
aquilo de que dispunham, e religioso da aldeia, era de — Serão todos levados a
estacaram entre o general uma mulher. Cusco, como escravos. Os
e seu objetivo. Atrás deles homens serão submetidos
A sacerdotisa tinha a ao trabalho, e as mulheres
estava a entrada da huaca cabeça e as mãos adorna-
– o majestoso mausoléu de à prostituição. As crianças
das com objetos de prata. serão educadas em ayllu
seus antepassados. Todos Trazia ao peito um colar
sabiam que, mesmo derro- honrados para servir ao
feito de minúsculas conchas
http://www.flickr.com/photos/jah_min/2307513190/sizes/l/
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A eles, devolve a cumplici- e era coberto inteiramente tasmagórica. Quando não
dade do sentimento. Cala- por placas prateadas, em conseguia ver mais que a
dos, lentamente os vencidos uma suntuosidade digna de silhueta da criatura, sentiu
abrem caminho até a aber- um soberano. Observando a presença da sacerdotisa,
tura negra da pirâmide de melhor, achou o chão mais de quem havia esquecido
pedra e adobe. Sem olhar semelhante a um escudo completamente. O golpe
para o combatente, diz: convexo. Ao centro, no pon- rápido e preciso de uma
— Pode vir agora, gene- to mais elevado, havia um lâmina em suas costas não
ral. Mas terá de vir sozinho. trono. Para lá se dirigiu o lhe deu tempo para reagir.
comandante. Paralisado, caiu de joelhos
Com a cabeça, Huamán diante do ser extravagante,
sinaliza, certificando-se de Esperando para tomar
o troféu do Imperador e forçado pela dor e por uma
que seu imediato estaria de fraqueza repentina. Abriu
prontidão a qualquer sinal prontamente voltar para
o centro da civilização, os olhos, estava rente ao
de perigo. Sob a observação chão vermelho vivo. No
pesada dos moradores, o Huamán teve um choque
ao chegar ao pé do trono. reflexo sangrento, o guerrei-
jovem comandante toma ro viu seu próprio rosto. Ia
um archote da mão de um Aquele que, no seu entender,
deveria ser uma múmia, desmaiar. De gatas, imóvel,
menino e adentra no negru- trêmulo, sentiu tentáculos
me da tumba. estava vivo. O pavor e a
descrença dominaram-no gelados caminhando por
A passagem era estreita e assim que pôs os olhos na seu dorso em direção ao
tão escura que, mesmo com criatura. Não conseguia, corte aberto. Num ímpeto,
o archote aceso, era impos- contudo, desviar o rosto, ele urrou com ferocidade
sível ver mais que o globo tentando em vão associar e arremessou o corpo para
de luz e a mão que o segu- aquilo a qualquer coisa que cima, ficando novamente
rava. O ar tornava-se rare- conhecesse. O ser moveu em pé. Com o movimento
feito à medida que desciam. em sua direção um braço brusco, conseguiu desequi-
A luz começou a diminuir cuja extremidade não tinha librar a mulher, que aca-
até, sem razão aparente, dedos. O general recuou, bou derrubando a lâmina
extinguir-se por completo. andando de costas. O ocu- que segurava. O guerreiro
Huamán abriu a boca para pante do trono levantou-se. saltou em direção à adaga.
falar quando tudo ficou ilu- O corpo, delgado como o No chão, tomou-a, e com
minado. Não estavam mais de uma serpente, não tinha uma estocada precisa atinge
no corredor apertado, mas pernas, mas em seu lugar, o coração da sacerdotisa.
em uma cripta em formato um único tentáculo como Levantando-se, procurando
circular, muito ampla, tanto a cauda de um lagarto. Os forças para ignorar a dor,
nas laterais quanto para o braços, longos e finíssi- lançou-se contra o monstro,
alto. Espantou-se ao perce- mos, alcançavam o chão. A atravessando o espaço entre
ber a estranheza do lugar. cabeça era grande, muito eles com tanta rapidez e fú-
No alto do teto havia um maior que a de um homem. ria que o golpe trespassou
orifício por onde entrava a Os olhos negros, oblongos o corpo delicado da cria-
claridade. As paredes eram como os de um felino, eram tura. Um jorro de sangue
ocupadas por formas hu- absurdamente grandes. O escuro banhou-lhe as mãos
manas postas em pé: eram sinchi, transtornado, gritou. e o rosto. O ser grotesco
múmias, inúmeras, antigas, caiu pesadamente no soalho
Huamán sentiu-se inva- metálico. Ainda tomado
dispostas como se os esti- dido por sensações nunca
vessem observando. O chão por selvageria desconhecida,
experimentadas. O chão o sinchi começou a desfe-
da cripta foi construído espelhado da cripta envol-
como o bojo de uma tigela, rir golpes com ambos os
via-os em uma luz fan- punhos contra o crânio do
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Contos
O Sorteio
Henry Alfred Bugalho
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de valsa para dançar no sagens chegariam, então mento.
salão do transatlântico. seria um “cala a boca” para Na ambulância, Maria
Dentre as amigas, já ha- as amigas, Maria de Lour- de Lourdes recobrou a
via convidado meia dúzia des torcia. consciência.
como acompanhante, aliás — Não, eu preciso voltar
tal convite havia se torna- Os meses se sucederam para casa! O carteiro vai
do fonte de ameaças — a e nada. Maria de Lour- trazer minhas passagens
qualquer contrariedade ou des mal saía de casa, com para um cruzeiro! Vou
pequeno desentendimento, medo de que o carteiro para o Caribe... Levem-me
Maria de Lourdes se exal- viesse e não a encontrasse, de volta... Levem-me de
tava: “olha que não vou não comia por causa da volta...
levar você comigo!”; ansiedade, não conseguia
Algumas das amigas dormir; imaginava-se no
começaram a especular, convés, vendo o risco do Realmente, o carteiro
quando dois meses haviam horizonte adiante engo- surgiu na manhã seguinte
passado e nada das passa- lindo um sol vermelho, a e depositou uma carta na
gens terem chegado, que brisa do mar roçando seus caixa de correio de Maria
este sorteio não era nada cabelos — “preciso reto- de Lourdes.
mais que um delírio de car a tintura”, ela pensava,
Maria de Lourdes, talvez pois o branco novamente Sra. Maria de Lourdes
os primeiros sinais de já aparecia — e o balanço Ribeiro,
insanidade. constante e nauseante do
barco. Gostaríamos de nos
— Este concurso não escusar, por meio desta, por
existe! Uma delas a desa- — Amanhã, amanhã, um equívoco ocorrido em
fiou, numa destas discus- ela resmungava, lutando nossos bancos de dados.
sões. para conseguir adormecer, Seu nome erroneamente
— Existe sim! Maria de roendo as unhas, rangen- foi apontado como um dos
Lourdes se defendeu, ar- do os dentes, chorando de sorteados para a promo-
rancando a carta do bolso, raiva. ção “Margarina Sorriso®
já amassada e esfarelada, e me leva para um cruzeiro”.
a sacudiu diante do olhar Numa tarde de segunda, Como forma de compensa-
invejoso da amiga. a síndica e dois homens ção, enviaremos para seu
— Mas já são dois me- invadiram o apartamen- endereço uma caixa com
ses, Maria! Acho que eles to de Maria de Lourdes. nossos produtos, incluindo o
se esqueceram de você. Ela estava caída na sala, lançamento Margarina Sor-
magérrima, desacordada, riso sabor queijo cheddar.
No entanto, Maria de
Lourdes nem cogitava esta encharcada na própria Esperamos que nos des-
possibilidade. “Os trâmites urina. culpe por tal equívoco.
são mesmo lentos para Após um fim-de-semana
este tipo de coisas”, ela se sem conseguir falar com
reconfortava. Na mala, mal a mãe, a filha de Maria
cabia um fio de cabelo e de Lourdes ligou para a
ela precisou da ajuda dum síndica e para uma clínica
vizinho para conseguir de repouso. Internaria sua
fechá-la. Nos próximos mãe, antes que ela morres-
dias, com certeza, as pas- se sozinha naquele aparta-
ficina
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Contos
Relações Postais
José Guilherme Vereza
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Dirce e Luzia não sofreram pleno momento da refeição,
Finalmente a dor da sauda- tanto com a mudança, só a desrespeitando com risinhos
de me acena com tréguas e menorzinha estranhou um o silencia da mesa, o que me
cá estou eu, como diria nosso pouco o mofo da casa e ama- fez lançar a elas um olhar
avô, “de pena em punho a nheceu na primeira semana de censura e desaprovação.
lutar com as palavras”. Não com uma branda alergia Dircinha olhou para mim
contra elas, espero, mas atrás da orelha, o que foi e desculpou-se. Luzia, mas
fazendo-as cúmplices de logo diagnosticado pelo far- espevitada, revelou então o
francos sentimentos. E que macêutico como um eczema motivo de tanta graça, dizen-
sentimentos, irmão! Dói saber tolo. Prescreveu-nos a calên- do que sem a presença do tio
o quanto estamos distantes e dula de sempre e tudo voltou Gastão, tia Branca e os meni-
que esta distância não é nada ao normal. As obras da nos, finalmente, elas não pre-
breve, já que me vejo incapaz casa estão aceleradas e meu cisavam brigar pela moela.
de enxergar nas lonjuras da gabinete está quase pronto, Arlete e eu trocamos olhares
estrada a menor possibilida- faltando apenas uma escriva- e sorrisos. Percebemos nas
de de voltar a encontrá-los ninha onde eu poderei, além meninas que a força da con-
tão cedo. O que nos resta da contabilidade comezinha, vivência de nossas famílias
– eu conjugo nós, pois presu- dedicar-me às nossas mis- deixou marcas em todos nós.
mo que nossos afetos estejam sivas. Outro dia aconteceu Apesar de agora haver mais
atados a laços sanguíneos – é algo que muito nos emocio- moela e menos comensais,
o abrigo das cartas. Arlete nou. Arlete preparou uma sentimos vossa falta. E assim
vai passando bem melhor, re- inolvidável galinha ao forno vamos cozinhando a vida e
feita do impacto da mudança para o jantar, acompanha- eu, particularmente, ainda
do clima, que lhe produziu da de bolinhos de polenta me flagro a remexer nas
algumas alterações nos brôn- e chicória. Ao repartir o entranhas os motivos que
quios e aflições a encharcar assado, Arlete e eu percebe- nos levaram a esta separação.
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no selo e a data em que me o tempo de não termos das colheradas de doce de
escreveste, conforme acusa os lábios e o céu da boca abóbora restando ao pároco
tua própria letra no cabe- queimados pela fumegante pouco mais de meia colher e,
çalho. Uma semana, Gastão! guloseima, para que num por uma questão hierárqui-
Uma semana para me enviar instante esvaziássemos a dita ca, apenas um cisquinho foi
uma carta já escrita! Não me com a voracidade de dois destinado ao carola. Quase
parece uma atitude delica- porcos famintos e egoístas, devolvemos o doce de tanto
da, muito menos compatível pois ao ficava a menor sobra apanhar, no instante em que
com doces palavras contidas para nenhum mortal. Jamais o pároco e seu assecla foram
nas tuas linhas e entrelinhas. esquecerei do dia em que as embora. Apesar das mar-
Em todo caso, fica o registro colheradas de doce de abó- cas do cinto, guardo doces
da minha estranheza com a bora com côco eram a conta lembranças desde episódio.
mesma intensidade da minha de servir ao pároco e seu São exatamente essas doces
esperança de que esta falta ajudante de missa, comensais lembranças que quero revi-
de cuidado não seja o pre- de um ajantarado de um sá- ver no simples tocar e olhar
núncio de atritos entre nós. bado ou véspera de dia santo, da compoteira, cuja posse foi
Não falemos mais nisso, pois. falha-me a memória quanto designada a mim pelo testa-
O menino Rodolfo é mesmo à exatidão da data. Antes da mento de mamãe. Lembro-te
de amargar. Apesar de sua chegada do religioso e do be- que de quinze em quinze
curiosidade pelas atividades ato, fomos energicamente avi- dias parte uma composição
do tal clínico, recomendo que sados de que não poderíamos de cargas da capital para o
não poupes o velho cinturão em hipótese alguma aceitar interior, quando poderás en-
de nosso pai. Imagino Branca o doce, pois se as visitas viar-me, desde que bem em-
como ficou passada, coitada. tinham prioridade na casa de balada e protegida, a saudosa
Logo ela, que tão bem sabe D. Lucrecia, quanto mais visi- compoteira. Por enquanto é
escolher as palavras como tas que representavam Deus. só. Abraços e todos. Plínio
se colhe rosas num jardim. Pois bem, ao terminar a
Quanto ao pequenino Rô- refeição, lembras-te? Surge da
mulo, foi de cortar o coração copa a exuberante compotei- ****
saber que sente saudade das ra com doce de abóbora até
Plínio
meninas. Em nome de Dirce a metade. O padre arregalou
e Luzia, transmita-lhe nossa os olhos, proferindo palavras
saudade e diga-lhe que longe generosas à doceira e num Três indignações vieram no
pode não ser tão longe e tão gesto divino, disse que as mesmo envelope que trazia
cedo pode ser mais cedo do criancinhas são sempre prio- tua última carta. A primeira,
que se imagina.A vida aqui ritárias, sugerindo à mamãe a percepção clara e nítida de
no interior vai prosseguindo que nos servisse primeiro. A que não perdeste a mania de
dentro de sua pacata rotina. velha Dona Lucrecia, temente me chamar a atenção. Supus
O escritório vai satisfatoria- a Deus e a seus representan- que a distância seria pou-
mente bem, fornecendo o tes, aproveitou uma distração pado de tuas reprimendas,
bastante para pagar as contas do padre e piscou para nós mas como pude me enganar!
e criar pequenas reservas ao tempo de nos perguntar Eis que elas chegam com o
para os imprevistos. Arlete, formalmente se queríamos carteiro, em forma de rebus-
ao arrumar a casa, deu falta provar do doce, na certa, es- cadas palavras, mas, como
da compoteira de cristal, perando que mantivéssemos sempre cacetes e irritantes.
cujas lembranças me fazem a palavra. Lembras-te do que Não vou por isso me des-
transportar ao tempo em dissemos? Um retumbante e culpar por ter esquecido por
que, ainda garotos, víamos uníssono sim, do tamanho de mais de uma semana sobre
mamãe preenchê-la de docas um bonde puxado a bur- o piano a carta pronta para
caseiros. Tempos férteis de ro. Apesar da saraivada de te endereçar. O inconscien-
travessuras, lembras-te? Basta- piscares de olhos da mamãe, te me fez esquecer. Pronto?
va Dona Lucrecia retirar do prosseguimos intransigentes Estás satisfeito com a volta
fogão o doce quente e sedu- na nossa decisão, o que não triunfal de nossas picuinhas?
tor, e colocá-lo na compotei- lhe proporcionou outra esco- Não me acuses de tê-las
ra para que nós ficássemos lha senão despejar sobre nos- recomeçado, pois foste tu
à espreita, esperando apenas sos pratos duas rechonchu- quem me cutucaste com vara
41
te. Foste despejado do nosso Plínio a Plínio, pois foi queimada
passado, não moras mais nas **** por ele mesmo antes de cair
nossas lembranças. Já não fulminado por um aciden-
pronunciamos o te nome, Plínio te vascular. Suponho que
nem quando damos topadas confessaste nosso caso. Os
nos pés das cadeiras. Plínio Não meta minha mulher indícios são claros. Embora
**** no meio desta pocilga de vegetando sobre um leito,
verbos. Ela bem sabe o valor Gastão ainda encontra for-
PlínioI do homem que tem, assim ças para olhar para mim e
como tua mulher sabe muito urrar com os olhos a pala-
nvejo-te, vergonhoso irmão. bem o homem que perdeu. vra puuuu-ta. Sim, com os
Invejo tua capacidade de Sim, tua mulher sabe o olhos! Olhos de lágrimas e
não pronunciar meu nome. homem que perdeu, animal raiva. Olhos de impotência
Infelizmente não podemos corno! Comi tua mulher!Pois e ferocidade. Olhos que lhe
dizer o mesmo do teu. Um já que não gritaste “Eureka!” faltaram na hora de perceber
casal de mendigos passou a ao perceber teus galhos o irmão que possuía. Olhos
habitar nossa rua há certa arrastando no alto pé-direito que não olharam para a
de duas semanas. Trouxeram de tua nova casa, obriga-te mulher que tinha. De nada
com eles trapos, caixotes, res- a saber de minha própria me arrependo. Se alguma
tos de comida, e um vira-lata pena. Antes de desposar mi- coisa devo, com certeza estou
ladrão de lixo e carniça. Este nha santa Branca, mergulhei pagando caro, condenada
cão imundo chama-se Plínio. pelas cavernas de tua Arlete, a cuidar de uma posta de
E pelo menos dez vezes ao enquanto viajavas a vender carne e ódio, não vejo saída
dia, temos que dizer “Passa, meias. E fiques sabendo: ela a não ser velar em vida o pai
Plínio!” Passa, Plínio!”. gostou, gostou e pediu sem- de minhas filhas. Quanto a
pre mais, mais e mais. Foram tu, esqueças de nossos planos.
Gastão Não me escrevas, não saibas
noites de gozo e esplendor,
**** mas não passaram de noites, mais de mim.
pois jamais admitiria alimen- Arlete
Gastão
tar romances com mulher
****
de corno. A fudelança só
Patife, miserável, excomun- cessou quando pedi Branca
gado! O cão imundo que ora Arlete
em casamento. Foram dias
vos fareja não está atrás da difíceis para Arlete, dividida
sustança do teu lixo. Nem Desconheço o conteúdo da
entre o medo de te mago- carta que enviaste a Gastão,
o mais rude animal desco- ar e o medo de me perder.
nhece o perigo que ronda as mas certamente foi isso que
Preferiu enfrentar o segundo lhe tirou a vida. Teu cunhado
tuas sobras. Não te iludas, medo e a partir daí resol-
boçal! O vira-lata ladrão e foi encontrado morto, ao pé
vemos esquecer o ocorrido da escrivaninha, engasgado
porco não quer teu lixo, mas e viver cordiais relações. Só
a imundície do teu viver. É por uma indigesta maçaroca
mesmo tua cara de corno me de papel, com indecifráveis
isso que ele busca. Conforto fazia lembrar que tive um
na sujeira da tua casa, no vestígios da tua letra. É bom
caso com tua mulher. Agora, que saibas que sempre soube
podre do teu caráter, no mau que sabes o desfecho deste
cheiro do teu pensamento. de tudo. Agora, não há mais
folhetim, mandes chamar um nada a fazer, a não ser sepul-
Pobre animal! Mal sabe que médico, pois com certeza
o negrume dos seus donos tar com um único defunto,
estás começando a ter um quatro vidas fingidas. Não
é mais alvo que a brancura derrame. Gastão
azeda da tua pele encardida. me escrevas, não saibas mais
Pobre mulher a tua. Obriga- de mim. Branca
da pela moral a dormir com ***
um traste, ainda encontra
forças para bem cuidar de Gastão
teus filhos, inocentes vítimas
de uma aberração genética. Desconheço o conteúdo
Verme! da última carta que enviaste
http://3.bp.blogspot.com/_yv2Z2Wy4Wt8/StZKgsFQtnI/AAAAAAAAABo/-yU99NpFX_8/s1600-h/ventanas.png
Sheyla Smanioto Macedo
Ventanas (I)
Fiz uma Ventania tão torial, justamente quando As tintas equatoriais
forte, mas tão forte, que des- do referido acontecimento. bailaram, colorindo o ar,
locou a linha do Equador; e Foi um capricho meu, sobre até que a música cessasse:
nos varais, que outrora in- o qual não deixei pistas, pairaram, então, sonolentas,
vejavam a condição e rele- que se escrevesse jazeria na onde lhes aprouve, como
vância daquela privilegiada estante de ficção (também se, depois do canto da
linha, dançavam as roupas os homens têm das suas Ventania, decantassem: e
uma lambada fervorosa, ironias). dormiram como dormem
destas que levantam saias as linhas imaginárias. Então
e lençóis; e nos tecidos, Neste tempo, o vento cor- o mundo se desordenou:
linhas pilotavam agulhas ria tanto que não podíamos povoou-se de pontos de
num bordar frenético até ver seus pés e, atrás dele, vista perdidos de linhas de
que lhes findou o impulso: fazendo festa (como as latas pensamento, de pontos sem
chegaram os ventos ao seu que cismam em acompa- nós; minha pena, talvez por
destino, e estacionaram. nhar aos tropeços os carros isso, escreveu uma história
de recém-casados), a poeira em linhas tortas, começan-
(Meus caprichos são sem- levantava e brincava de ser do em fim:
pre assim: sem gravidade). névoa, névoa vermelha, que
depois cai feito neve para
Tento fazer graça nessas povoar a terra e voa, esvoa-
coincidências (eu tenho das ça, como um grande vestido
minhas ironias): estavam re- que se dissolve em panos,
novando as tintas do mun- em linhas, em pontos... em
do, inclusive da linha equa- letras.
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Contos
http://www.flickr.com/photos/myklroventine/3400039523/sizes/l/
Se, quando nora, sua visita os pais do genro. E sentada a você. Nem a
sogra sofreu tanto com a sai de lá sabendo tudinho sua irmã gêmea, claro. E
mãe de seu marido, por da vida da tal da ex. Para a fulaninha ainda man-
que, agora que subiu de quê? Essa gente não tem da recado. Sem saber de
posto, resolveu encarar a outro assunto não? nada, seu amigo vai lá
norinha que acabou de dar em cima da gêmea
chegar, como se ela fos- Então chega o aniver- solteira, a ex, ao que ela
se um bicho-papão que sário do namorado. Ele te reage. “Eu ainda estou
vai levar o filhinho pra mostra a lista dos convi- muito ligada no meu
longe? “Já vai carregar o dados e você repara bem. relacionamento anterior,
fulano?”, pergunta a so- Estão lá os nomes de com o namorado da sua
gra todo final de semana, todos os amigos dele que amiga.”
quando você vai deixar o você ainda não conhece.
namorado no aeroporto. Será um grande evento. Cinco minutos depois,
Detalhe: ele ficará uma Você se faz de tonta e você está na pista de
semana longe de você, pergunta: “não vai convi- dança e leva aquele sus-
inclusive. dar a ‘você sabe quem’?” E to. Adivinha quem está
ouve feliz, quando ele diz dando um beijo na boca
Ela não lembra como a um sonoro não. de um desconhecido? Ela
mãe do seu então namo- mesma. A tal que ainda
rado a julgou mal? Não Dia da festa. Você co- não esqueceu seu na-
deu a ela o carinho que nhece o João, José, Maria, morado. Mas agora vou
merecia? Se tem memó- Pedrinho e por aí vai. contar o melhor da histó-
ria de como seu marido De repente adentra o ria. Lembra, lá na frente,
ficou magoado quando salão um par de gêmeas. quando você descobriu
suas rixas começaram Daquelas que você viu que seu namorado não
e, o pior, como ele sofre na foto que o seu namo- convidou a ex? O misté-
agora que não tem mais rado tirou do álbum. É, rio, enfim, é desvendado,
volta, não tem medo de a própria. Como se já quando você pergunta:
que seu próprio filho não bastasse ele ter uma “Então, quem convidou
sinta o mesmo? Que mãe ex-namorada, ainda tem a ‘você sabe quem’, meu
quer ver o filho sofrer? a gêmea, que é pra não amor?”, ao que ele infeliz-
esquecer da cara da ex.. mente responde: “’Minha
Ela vive reclamando Nem você esquece, a essa mãe”.
que não teve amizade altura. Mas calma que
com a sogra. O que fez ainda vem a pior parte.
então quando a própria
nora chegou? “Prazer, Apesar de ter sido
Fulana. Ela tem a voz apresentada a toda a
igualzinha a de você sabe turma da Mônica, do Zé
quem, meu filho.”, disse Colmeia e do Catatau,
a sogra se referindo à você não tem permissão
ex-namorada dele. Como para brincar de “Super-
se a atual não soubesse gêmeas, ativar!” A tal da
que ela estava fazendo de ex, que se separou do seu
propósito. A nora so- namorado há um longo
brevive. A mãe da nora ano, não quer ser apre-
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Contos
Léo Borges
http://www.flickr.com/photos/braun1928/3879989838/sizes/o/
assim algumas lojas abri- suas sacolas de brinquedos, faltam quarenta minutos
ram para que os atrasados ele aguardava algum incau- para o comércio fechar –
pudessem comprar seus to para uma prosa – ácida, disse com seu jeito despa-
presentes do Dia das Crian- como de praxe. Ao vê-lo, chado, limpando o visor do
ças. E eu, nessa luta de ofereci-me como compa- relógio verde e branco que
última hora, também busca- nhia efêmera, já que a tarde trazia no pulso. – Você sabe
va uma pequena lembrança caía e eu ainda não havia qual é a coisa mais impor-
para meu sobrinho quando, comprado o presente. tante neste feriado de 12 de
no meio da correria, passei outubro?
pelo Bar do Setembrino e – Jacimeire – chamou
vi um vulto familiar. Quem a garçonete ao perceber – O que é?
era? Ele mesmo: Rildo, o minha aproximação –, traz
outra gelada pro camarada – Foi o dia em que me
paladino das contestações. aposentei – disse rindo. –
O ilustre bonachão, que já aqui!
Feriado e dia útil pra mim
chegou até mesmo a senten- – Obrigado, Rildo, mas já agora é tudo igual: um de-
ciar que no mundo a única estou de saída. Ainda tenho leite só! Aliás, esse negócio
Paz possível é a garçonete que comprar alguma coisa de dizer que dia útil são só
Jacimeire – cujo sobrenome pro meu sobrinho. Só parei os dias de trabalho sem-
é Francisca da Paz –, estava porque, como você sabe, pre me desagradou, porque
lá, escarrapachado em sua não abro mão de algumas insinua que sábado, domin-
cadeira cativa, observando a palavras com o nobre ami- go e feriado são inúteis por
efervescência das ruas. go. definição, o que é um ab-
Tendo como cenário a surdo. É justamente nesses
– Você sabia que o Brasil sumir – disse, prendendo a – Cuidado com o que
é um país laico? Significa gargalhada. – Sei que algu- diz. O seu Setembrino é
que não temos uma religião mas datas religiosas movi- português, hein... – alertei.
oficial. Logo, como é que mentam o comércio, mas
o poder público cria um é um contrassenso e um – Bom, nesse bar eu tam-
feriado tendo como base desrespeito atrelar questões bém sou explorado: olha o
uma data que festeja um mercantis à fé. preço da cerveja! Mas esse
delicioso bolinho de carne
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seca compensa... – disse, – Como artimanha para mundo. Mas, na qualidade
degustando o petisco. – Se o a obtenção de lucro isso já de integrante da tal “so-
portuga resolver me cate- seria algo questionável, mas ciedade de consumo”, per-
quizar, faço um escambo e a coisa é ainda mais ardilo- guntei pelas horas, já que
levo a Jacimeire em troca sa: passaram a servir como as lojas estavam fechando
do meu relógio do Coxa¹ uma resposta picareta e e meu sobrinho iria acabar
– brincava, piscando tanto debochada às necessidades ficando sem ganhar nada.
para o simpático seu Setem- das pessoas. Amar e fazer
brino quanto para a solícita algo de bom deveria ser um – Ih, amigo! Os ponteiros
garçonete. padrão diário, uma roti- estão parados! Certamente
na, mas restringiram isso já passou das seis e aqui
Mas, e o Dia das Crian- a datas hipócritas, como, ainda está marcando cin-
ças? Até este ele conseguiria por exemplo, o intragável co e cinquenta... a culpa
colocar sob fogo cruzado? Dia Mundial da Paz. Argh! foi minha por te prender
– completou, apertando o a papo tão utópico – falou
– Datas com comemo- mexendo no relógio. – Acho
rações específicas, como nariz como se algo chei-
rasse mal. Realmente, para que você não vai mais
Dia das Crianças, Dia dos encontrar nenhuma loja
Pais, Dia das Mães e Dia alguém que não crê na
viabilidade da Paz, esse dia aberta.
dos Namorados, realmente
nasceram inocentes e bem deveria mesmo soar como – Tranqüilo. Dou um
intencionadas. Mas, aos pilhéria. abraço nele como presente.
poucos, foram ganhando O velho boêmio revelou Se você me fez enxergar
um viés comercial e fican- que sempre presenteava os que objetos nessa data não
do sem alma, de modo que, filhos com critérios diferen- são tudo, acho que ele tam-
infelizmente, dar presente tes daqueles determinados bém pode entender.
se tornou mais importante pela sociedade.
do que estar presente. E isso – Leve para o seu sobri-
tudo sem falar em anacro- nho – disse Rildo tirando o
nismos como o tal Dia do relógio do pulso e me en-
Índio. Nesse dia, as crianças – Eu nunca obedeci a tregando. – É só trocar a ba-
da cidade se pintam e dan- esses cronogramas. Mimava teria que volta a funcionar.
çam. Mas ninguém lhes diz quando queria ou quan- Para ele se orgulhar, diga
que, atualmente, índio de do achava que mereciam. que o Coritiba foi campeão
verdade é coisa raríssima. Quando chegava o Dia das brasileiro de 1985. Só não
Os que não foram dizima- Crianças, eu não presen- sei se também foi no dia 12
dos viraram uma espécie teava. Nem no Natal. Me de outubro.
híbrida e agora vivem juri- chamavam de sovina e até
dicamente como peles-ver- de pernóstico. Antes isso do
melhas, mas, de fato, como que escravo dessa sórdida ¹ - Coxa no masculino e
autênticos caras-pálidas. obrigação de se adequar com letra maiúscula por se
ao supérfluo consumismo tratar da alcunha do time
Para Rildo todos esses datado. E não tive problema do Coritiba.
dias chamados “especiais” se com a criação de nenhum
transformaram em estra- dos guris. Hoje meus netos
tagemas peçonhentos para têm tratamento semelhante
que pudéssemos sustentar e gostam.
o verniz social do politica-
mente correto e, de quebra, É. Um diálogo com Rildo
gastarmos nosso dinheiro sempre mostra uma manei-
com quinquilharias. ra insólita de se enxergar o
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A Oficina Editora é uma utopia, um não-
lugar. Apenas no século XXI uma vintena
de autores, que jamais se encontraram
fisicamente, poderia conceber um projeto
semelhante.
O livro, sempre tido em conta como uma
das principais fontes de cultura, tornou-se
apenas um bem de consumo, tornou-se um
elemento de exclusão cultural.
A proposta da Oficina Editora é resgatar o
valor natural e primeiro da Literatura: de bem
cultural. Disponibilizando gratuitamente
e-books e com o custo mínimo para livros
impressos, nossos autores apresentam
a demonstração máxima de respeito à
Literatura e aos leitores.
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Contos
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Contos
Duetos Assassinos
Giselle Sato
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Ela dos, temidos e condenados. Minha mão no seu sexo, eu
Gosto de jogos, de riscos Você me trouxe de volta, e já sinto aqui
e rasgos. Tragos e traços em atravessamos o mundo dos Brincando na umidade,
finais imprevisíveis. vivos deixando um rastro de entrando sem esforço
Ser musa é o preço de vi- trevas. Lâmina deslizando lenta-
ver através da eternidade. mente
Gostaria que houvesse um Ele
toque de poesia e requinte, Deitar contigo à luz da lua Pressiono-te contra mim,
uma pequena alusão ao belo Sob a lona que depois ser- estou duro
que compõe o quadro imagi- virá de mortalha Sua mão sobre a minha, no
nário. Contando histórias, cantan- cabo da faca
Contudo, estou disposta a do, planejando Beijamo-nos enquanto o
barganhar meus pequeninos sangue jorra
luxos . Transporemos essa mura-
Imaginei uma cena mas lha Você desfaz meu cinto, meu
bem sei o quanto gostas do Nosso brinquedo estará pau como estaca
grotesco, horrores que somen- esperando Penetra violento, como
te você consegue imaginar... Primeira honra será sua. procurando desforra
E que te delicia não tanto Sempre. Por algum mal, ou prejuízo
quanto o calor do meu seio prematuro
em tuas mãos, manchadas de Alisarei os seus seios sua-
dores e agonia. vemente Animais no cio, e a vida
Nascemos no mesmo dia, Com uma mão, na outra o sob improvisada cabana
separados por minutos, em bisturi Vai-se embora, atravessa
um parto maldito de uma Incisão inicial sob o pesco- para o além
carne morta. Desde sempre ço frio Éramos três, somos agora
amaldiçoados, fomos separa- um par
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tes?’’ Posso? Os olhos de Ana bri- suas mãos. Léo era um me-
Assistir Ana movimentan- lhavam. nino, apenas tinha a força.
do-se pelas ruas, os longos - Venha comigo, mas não Tornou-se um monstro, matou
cabelos balançando ao sabor faça barulho. É uma surpresa. demais... Para te agradar. Vo-
do vento, passos precisos e ca- Léo e Ana saíram de mãos cês me enojam, sempre gruda-
denciados... Era quase divino. dadas, atravessaram a ponte dos... Finalmente acabou!
Como se uma aura translú- velha e tomaram a trilha da - Não! Eu amava meu
cida envolvesse a moça em floresta. Com o tempo, a ca- irmão, sempre o protegi de
mágica luminosidade. E Ana bana da infância ficou peque- todos. Ele era inocente! Onde
sabia disso, sempre sorrindo na demais para as brincadei- está a menina? – Ana sabia
e com um leve movimento ras. Descobriram que os pais que Léo havia trazido uma de
de baixar a cabeça, seguia possuíam uma estância de suas melhores amigas.
seu caminho. Porte, atitude e inverno, esquecida e abando- - Não se preocupe, já
afetuosidade, tornava cativos nada. Perfeita. demos um jeito! Você enlou-
os maiores desafetos, cordei- Aos poucos a trilha tornou- queceu? Raptar a filha do
ros balindo atrás da pastora... se mais fechada, Ana apertou prefeito foi muita ousadia.
Almas puras e crédulas. a mão de Léo e sorriu. ‘’ Qua- Claro que seria o presente
Nesses momentos, quase se lá... Nosso cantinho perfeito perfeito para sua maioridade.
ninguém percebia a presença ”... Léo beijou a mão pequeni- Um verdadeiro crime de gente
do irmão gêmeo. Vigilante, na e aspirou o perfume suave grande! Vocês são dois tolos,
seguindo de longe... Sempre. e doce. Mordiscou o pulso brincando e deixando cair os
Quem o visse, virava a face, quase infantil, provocando um farelos no chão.
tamanho era o desleixo e gritinho assustado, entrecorta- Ana observava a avó de
feiúra. Cabeça de lua, cabeça do de risadinhas nervosas. uma forma diferente, aquela
de lesma e outras variantes, Pararam em frente a gran- não era a senhora medrosa
já não o perturbavam... Sabia de porta de carvalho. Ana e frágil de sempre. Muito
dos apelidos, mas Ana havia fechou os olhos, visivelmente pelo contrário, Dona Augusta
dito que um dia, todos se excitada e inquieta. Ele sem- envergava uma roupa de caça
arrependeriam. E Ana havia pre a guiava até o presente. antiga e elegante. Nas mãos, a
prometido nunca mentir para Um ritual de amor e carinho espingarda pesada do falecido
Léo, ela era o anjo que o pro- que começava com um beijo marido, homem famoso na
tegia e amava. doce e o velho sussurro: - Te região pelos troféus que enfei-
Naquela noite, quase ha- amo, pequenina, feliz aniver- tavam as paredes do casarão.
viam brigado por causa do sário. Pela primeira vez, notou
presente de aniversário. Cada Entraram e imediatamente a semelhança entre ambas e
ano a irmã ficava mais exi- perceberam que alguma coisa o porte altivo e impactante.
gente e Léo não sabia dizer estava errada. Ana arregalou Aquela mulher podia con-
não. Eram meses de empenho, os olhos buscando o irmão, vencer qualquer um a fazer o
para que tudo saísse a con- enquanto a foice desceu em que quisesse. O magnetismo
tento: único golpe. O grito perdeu- incomodava Ana, sentiu-se
- Esta noite, será a noite se no ar e a moça recuou, o enjoada com os olhos frios da
mais linda de todas. Dezoi- pano da saia branca empa- velha senhora.
to anos e o inicio da nossa pada de sangue vívido. Os O jardineiro jogou gasolina
libertação. Teremos direito olhos acostumaram-se com a por toda cabana, o corpo do
a herança, vamos viajar e escuridão e os vultos toma- irmão decapitado foi arras-
conhecer muitos lugares. Ana vam forma e nome. tado até o meio da sala. Para
abraçou o irmão e ele riu, es- A avó e o velho jardineiro espanto de Ana, um segundo
condendo o rosto nos cabelos estavam parados talvez deci- corpo juntou-se ao do irmão.
da moça: dindo o que fazer com ela... Era o da amiga, igualmente
- Se você quiser, mas eu Ana tentou ganhar tempo disforme, em grotesca parce-
gosto de ficar aqui... É meu lu- enquanto buscava alguma sa- ria:
gar. Eu e você não precisamos ída: - Ele me obrigou, eu não - O que fizeram com ela?
de outras pessoas. queria... Nunca quis. -Gritou Não era para ser desta forma!
- Não! Não fique preocupa- acuada. - Ela sabia demais, infeliz-
do, sempre estaremos juntos... - Cínica. Mentirosa! Ele mente. Agora Ana, vamos co-
Posso ver meu presente agora? foi apenas um brinquedo nas meçar a verdadeira brincadei-
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Contos
Conspiração ZHAARP
Big Bang Microcósmico- Capítulo 4
Dênis Moura
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Tradução
Carta de Cristovão
anunciando o descobrimen
o Colombo
terá prazer na grande vitó-
ria que Nosso Senhor me
concedeu em minha viagem,
escrevo-lhe esta, pela qual
saberá como em 33 dias pas-
nto da América
sei das ilhas de Canária para
as Índias, com a armada que
os ilustríssimos rei e rainha
nossos senhores me concede-
Tradução: Henry Alfred Bugalho ram, onde encontrei muitas
ilhas povoadas com gente
sem número; e de todas elas
tomei posse por Sua Alteza
com pregão e bandeira real
estendida, e não me contra-
disseram.
http://www.umich.edu/news/Releases/2005/Sep05/img/columbus.jpg
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não errar grandes cidades montanhas altíssimas, in- As gentes desta ilha e de
ou vilas; e, a cabo de mui- comparáveis às da ilha de todas as outras que encon-
tas léguas, visto não haver Tenerife; todas belíssimas, de trei e das quais tive notí-
novidades, e que a costa me feições, e todas acessíveis, e cia, andam todas desnudas,
levava a setentrião, contrário cheias de altas árvores de mil homens e mulheres, assim
à minha vontade, porque o espécies que parecem che- como as mães que os parem,
inverno já estava encarnado, gar ao céu; e ouvi dizer que ainda que algumas mulheres
e eu tinha o propósito de ir jamais lhes caem as folhas, se cubram num único lugar
ao austro, e também o vento segundo pude entender, pois com uma folha de erva, ou
me deu adiante, decidi não as vi tão verdes e belas como uma coberta de algodão feita
aguardar mais, e retornei são em maio na Espanha, e para isto. Eles não tem ferro,
até um porto assinalado, de estavam floridas, com frutos nem aço, nem armas, nem
onde enviei dois homens por maduros, ou em outros está- palavra para isto, não por-
terra, para saber se havia rei gios; e, no mês de novembro, que não sejam gente de boa
ou grandes cidades. Cami- cantava o rouxinol e outros constituição e de bela estatu-
nharam por três jornadas, e passarinhos de mil espécies ra, mas porque são medrosos
encontraram infindas povo- por ali onde eu andava. Há ao extremo. Não tem outras
ações pequenas e gente sem palmeiras de seis ou oito armas, excetuando armas
número, mas não coisa de tipos, que são admiráveis de de canas, quando estão com
regimento; por isto voltaram. ver, pela bela deformidade a semente, nas quais põem
delas, assim como há outras no fim um palito agudo; e
Eu havia aprendido mui-
árvores, frutos e ervas. Nela, não ousam usar delas; pois
to com outros índios, que
há maravilhosos pinheiros e muitas vezes ocorreu de eu
já havia dominado, que esta
vastíssimas campinas, e há enviar à terra dois ou três
terra era uma ilha, e assim
mel, muitos tipos de aves e homens a alguma vila, para
segui a costa ao oriente cento
frutas as mais diversas. Nas travar diálogo, e dar com
e sete léguas até onde aca-
terras, há muitas minas de um sem número deles; e ao
bava. De onde vi outra ilha
metais, e há gente em núme- vê-los chegarem, estes fugiam
ao oriente, distante desta
ro estimável. A Espanhola de tal maneira que o pai não
dezoito léguas, à qual logo
é maravilhosa; há serras, esperava o filho; e isto não
pus o nome de a Espanhola
montanhas, fozes, campinas, porque alguém os havia feito
e fui para lá, e segui a parte
e terras belas e férteis para mal antes, pois por onde
setentrional, assim como de
plantar e semear, para criar estive e pude travar contato,
Juana ao oriente, 188 gran-
gados de todas as sortes, para havia dado a eles tudo que
des léguas por linha reta.
edificação de vilas e povoa- tinha, assim como tecidos
Juana e todas as outras são
dos. Só se crê nos portos ao e outras muitas coisas, sem
fertilíssimas em grande grau,
mar daqui ao vê-los, e nos receber deles coisa alguma;
e esta ao extremo. Nela, há
rios vários e grandes, e nas mas são medrosos assim
muitos portos na costa para
águas salubres, a maioria das sem remédio. Verdade é que,
o mar, sem comparação, que
quais traz ouro. Há grandes depois que se certificavam e
eu saiba, a outros entre os
diferenças nas árvores, frutos perdiam o medo, eles eram
cristãos, e rios fartos, bons
e ervas entre desta e as de tão sem malícia e eram tão
e grandes, que são maravi-
Juana. Nesta, há muitas espe- liberais com o que tem, que
lhosos. Suas terras são altas,
ciarias, e grandes minas de não creríeis sem o ver. Das
e nela há muitas serras e
ouro e de outros metais. coisas que eles tem, se pe-
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não podem ter menos de 50 de com o rei daquela terra, o sofrem por costume, e com
ou 60 léguas de comprimen- em tamanho grau, que lhe a ajuda das comidas que
to, segundo pude entender apetecia chamar-me e ter-me comem em muitas espécies
dos índios que me acompa- como um irmão, e ainda que e muito quentes. Assim não
nham, os quais conhecem lhes mudasse a vontade em encontrei monstros, nem
todas as ilhas. ofender esta gente, nem ele notícia, tirando em uma ilha
nem os seus sabem o que Quaris, a segunda à entrada
Esta outra Espanhola tem
sejam armas, e andam desnu- das Índias, que é povoada por
de circunferência mais que a
dos, como já disse, e são os uma gente considerada em
Espanha toda, desde Colibre
mais medrosos que existem todas as ilhas como muito
(Catalunha), pela costa do
no mundo; assim que apenas ferozes, que comem carne
mar, até Fuenterrabía em Bis-
aquelas pessoas que lá deixei humana. Eles tem muitas
caya, pois em um quadrante,
são suficientes para destruir canoas, com as quais percor-
percorri 188 grandes léguas
toda aquela terra; e é ilha rem todas as ilhas da Índia,
por linha reta de ocidente a
sem perigo para eles, se se e roubam e tomam o quanto
oriente. Ela é de se desejar,
souber regê-la. podem; eles não são mais
e ao ser vista, para nunca se
disformes que os outros, sal-
deixar; na qual, posto que de Em todas estas ilhas me
vo que tem o costume de tra-
todas tenha tomado posse parece que todos os homens
zer os cabelos longos como
por Suas Altezas, e todas se contentam com uma mu-
mulheres, e usam arcos e
sejam mais abastadas do que lher, e a seus governantes ou
flechas das mesmas armas de
sei ou posso dizer, e todas rei dão até vinte. Parece-me
canas, com um palito no fim,
tenho por Suas Altezas, que que as mulheres trabalham
por causa do ferro que não
delas podem dispor como mais que os homens. Não
tem. Entre os outros povos,
e tão absolutamente como consegui entender se eles
covardes em grau demasiado,
dos reinos de Castela, nes- tem bens próprios; pareceu-
estes são ferozes, mas eu não
ta Espanhola, o lugar mais me que aquilo que um tinha,
acho que sejam piores que os
conveniente e melhor região todos tinham parte, em espe-
outros. Estes tratam com as
para as minas de ouro e de cial os víveres.
mulheres de Matinino, que é
todo comércio, assim em ter-
Até aqui, nestas ilhas, não a primeira ilha, partindo da
ra firme daqui como aquela
encontrei homens monstruo- Espanha para as Índias, na
de lá do Grande Khan, onde
sos, como muitos pensavam, qual não se encontra homem
haverá comércio e lucro,
mas antes toda a gente é de algum. Elas não praticam o
tomei posse de uma vila
mui linda compleição, não exercício feminino, mas arcos
grande, à qual pus o nome
são negros como na Guiné, e flechas, como os supraci-
de vila da Natividade; e nela
excetuando seus cabelos es- tados, de canas, e se armam
pus força e fortaleza, e que
corridos, e não se criam onde e se protegem com folhas
já nestas horas deve estar de
há ímpeto demasiado dos de cobre, que tem em muita
todo concluída, e deixei nela
raios solares; é verdade que disponibilidade.
gente suficiente para protegê-
o sol tem ali grande força,
la, com armas, artilharias e Há outra ilha, asseguram-
posto que é distante da linha
vitualhas para mais de um me que maior do que a
equinocial vinte e seis graus.
ano, e fusta e mestre de mar Espanhola, em que as pessoas
Nestas ilhas, onde há monta-
em todas as artes para cons- não tem cabelo algum. Nesta
nhas grandes, ali o frio tinha
truir outras, e grande amiza- há ouro sem conta, e desta e
força neste inverno; mas eles
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64 SAMIZDAT novembro de 2009
Envolvido desde cedo com a vegou pela ilha de Cuba e pelo
arte da navegação, Cristóvão Haiti, retornando à Espanha em
Colombo realizou suas primeiras março de 1493. Tinha certeza de
viagens em Gênova, no norte da ter chegado ao Oriente.
Itália, onde nasceu. Em 1476, a Neste mesmo, ano fez sua se-
serviço de um comerciante, aca- gunda viagem, com uma frota
bou naufragando nas costas de de 17 naus. Chegou ao Caribe e
Portugal, onde passou a viver. descobriu várias ilhas, como Do-
Ali morou dez anos, sobretudo no minica, Guadalupe, Porto Rico e
arquipélago da Madeira. Nesse Jamaica. Em 1499, numa tercei-
período, dedicou-se a estudar as ra viagem, alcançou terra firme,
rotas de navegação, convencido nas costas da atual Venezuela.
da existência de uma passagem Reconheceu também as ilhas de
marítima pelo Ocidente até Trinidad e Tobago e Granada.
as Índias. Casou-se 1480 com Desta viagem, no entanto, já
Felipa Muniz, filha do navegador regressou com ordem de prisão.
Bartolomeu Perestelo, em cuja Mesmo perseguido por intrigas
biblioteca estudou as obras que palacianas e não mais desfrutan-
viriam a certificá-lo da existên- do dos privilégios reais, Colom-
cia de novas terras. Com Felipa, bo conseguiu se libertar. Assim,
que morreria quatro anos depois, empreendeu ainda uma quarta
teve um filho, chamado Diego. viagem, entre 1502 e 1504, com-
Por esta época, Colombo tentou, pletando o reconhecimento da
em vão, convencer o rei de costa da América Central.
Portugal D. João II a conceder Tendo regressado à Espanha em
permissão para uma viagem ao 1504, caiu no ostracismo, aban-
Oriente. Em 1485, Colombo fi- donado e esquecido. Morreria
xou-se na Espanha, movido pelo dois anos depois - e sem saber
interesse manifestado pelo reis que havia descoberto um novo
de Castela, Fernando e Isabel, continente. Acreditava ter chega-
em patrocinar a viagem, com o do a um anexo remoto da Ásia.
intuito de expandir a fé católica
para as terras orientais.
Fonte: http://educacao.uol.com.
Composta por três caravelas -
br/biografias/ult1789u207.jhtm
Pinta, Nina e Santa Maria - a
frota de Colombo deixou as cos-
tas da Espanha dia 3 de agosto
de 1492. A viagem foi atribulada
e a tripulação quase pereceu em
terríveis tempestades e tentativas
de motins. No dia 12 de outubro,
Colombo chegou na ilha que
chamaria de San Salvador, no
arquipélago das Bahamas. Na-
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66
SAMIZDAT novembro de 2009
Teoria Literária
Caminhos para
o autor independente
Henry Alfred Bugalho
http://www.corleyfamilynapavalley.com/blog/wp-content/uploads/2009/05/bucher-press-installation.jpg
(Este é o terceiro artigo de uma este método dependerá da res encalhados em casa.
série sobre publicação indepen- tiragem desejada para o seu Para quem pretende
dente na era digital) livro. publicar deste modo, é
A impressão off-set só fundamental fazer uma boa
Nos artigos anteriores compensa para tiragens su- pesquisa, solicitar orçamen-
sobre publicação indepen- periores a mil exemplares, tos e, se possível, conversar
dente, já expressei muito aliás, muitas gráficas nem com autores que já tenham
claramente o que é, para aceitam encomendas para publicado através da gráfi-
mim, o principal caminho tiragens menores. O valor ca consultada e conferir a
para o autor independente unitário do livro em off-set, qualidade da impressão e
hoje: a internet. em preto e branco, costuma acabamento dos livros.
ficar em torno de 3 ou 4
Publicar e divulgar seus
reais, mas pode sair mais
trabalhos literários através 2 – Impressão digital
em conta para tiragens
da internet é o modo mais
mais altas, ou seja, para mil
barato e eficaz para chegar O processo de impressão
exemplares esteja prepara-
aos leitores. No entanto, esta digital se aproxima mais
do para desembolsar uns
não é a única possibilidade, do que estamos habituados
4 mil reais, incluindo, às
apesar de hoje ser quase com a nossa impressora
vezes, a diagramação.
inevitável a utilização da doméstica, resguardando as
rede, em alguma etapa do Vale lembrar que este diferenças de processos e
processo de autopublicação. tipo de impressão só vale a qualidade, com a impressão
pena caso o autor já tenha feita sem a necessidade de
Basicamente, há quatro
um número razoável de fotolitos, como ocorre no
opções principais para o
leitores (i.e. compradores) caso da impressão off-set.
autor independente publicar
e um local para armazenar
suas obras: 1 – impressão A grande vantagem da
os livros. Vender mil livros
off-set; 2 – impressão digi- impressão digital é a pos-
no Brasil não é nada fácil e
tal; 3 – blog ou sítio literá- sibilidade de se imprimir
nem sempre aquelas pesso-
rio; e 4 – livro eletrônico. tiragens menores, às vezes
as com as quais contamos
de um único exemplar, com
— parentes e amigos —
um custo relativamente
1 – impressão off-set comprarão um exemplar.
baixo. Há algumas críticas
Até poucos anos atrás, em relação à qualidade da
Não entraremos nas
esta era a única alternativa impressão, mas acredito que
especificidades técnicas do
existente para um autor seja algo pouco distinguível
processo de impressão off-
independente, o que difi- para o leitor leigo e que
set (principalmente porque
cultava bastante a vida pelo não afete a leitura.
não me sinto apto a expli-
alto custo da impressão e
cá-las), mas o importante O autor pode optar por
pelas centenas de exempla-
é saber que a escolha por uma gráfica e encomendar
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tiragens menores, como 100 espécie de diários aber- cação que não pode ser
ou 200 exemplares, ou por tos ao público na internet. desprezado e, por mais que
uma editora sob demanda, A primeira reação foi de passe por muitas mudan-
que imprimirá apenas os repúdio, considerando este ças no futuro, acredito que
exemplares encomendados como um fenômeno adoles- redefinirá a nossa noção de
por leitores. Desta manei- cente passageiro. Contudo, cultura e contato com os
ra, o autor se livra de altos após o surgimento de vários leitores.
custos iniciais e de pilhas blogs de influência em Além deste recurso, há
de livros empoeirando no 2000 e 2001, a mídia e a vários sítios literários que
quarto. crítica começaram a rever o agregam textos e autores, e
No entanto, mesmo papel dos blogs na cultura que propiciam troca de ex-
assim, uma tiragem de 100 digital. Hoje, praticamente periência entre seus parti-
exemplares pode chegar a quase todo grande veículo cipantes e servem de vitri-
custar uns 600 reais, já que de comunicação mantém nes literárias. Todavia, na
o preço unitário é um pou- um ou mais blogs, e deze- minha opinião, estes sítios
co maior do que no caso nas de milhares são criados tendem a servir mais como
da impressão off-set. Já no todos os dias. comunidades de escritores
caso de editoras sob de- A grande vantagem do do que uma via de acesso
manda, existe um vasto rol blog, e este é um dos se- aos leitores, o que não di-
de opções e pacotes, desde gredos da imensa popu- minui a importância deste
editoras que não cobram laridade, é a facilidade da tipo de relacionamento.
nada, ou muito pouco, para interface para publicação
inserir o livro no catálo- e atualização de conteúdo.
go, até outras que chegam Com um mínimo de co-
4 – livro eletrônico
a cobrar até mais do que nhecimento de informática,
Não sabemos qual será o
custaria uma tiragem off- é possível criar uma conta
futuro do livro eletrônico,
set. Novamente, uma boa num dos vários provedores
ou e-book.
pesquisa é crucial para não de blogs e começar a publi-
cair numa furada. car. Significará o fim do
livro impresso? Conseguirá
Esta é uma ferramenta
sobreviver à crise do co-
que tem sido usada por
3 – blog ou sítio literário pyright? Finalmente popu-
escritores desconhecidos
larizará a leitura entre os
Ao contrário dos dois para dar visibilidade a suas
brasileiros?
itens anteriores, publicar obras, ou para escritores
já consagrados manter um São questões sem respos-
um blog ou num sítio lite-
contato mais próximo com ta, por enquanto. No entan-
rário costuma ser de graça.
seus leitores. to, para o autor indepen-
O blog como conhece- dente, ao lado dos blogs, é
mos hoje surgiu em 1998, Ressalto que este é um
a maneira mais barata para
inicialmente como uma instrumento de comuni-
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Teoria Literária
http://www.flickr.com/photos/ender/517900257/sizes/l/
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Crônica
Eu não gosto de
ninguém da América do Sul!
Léo Borges
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aquele setor possuía uma Como a situação ganha-
peculiaridade que fugia à va contornos apocalípticos,
– Tá trancado lá, Valti-
lógica. Apesar de poucos, os fez-se um movimento para
nho! Não tá aberto não!
pacientes de lá não mostra- que algum sedativo fosse
vam tristeza pelo mal que arrumado às pressas. Sem
os acometia, mas um nervo- aviso, o protagonista da
sismo agudo, uma loucura Algumas pessoas procu- noite se levantou e iniciou
que não compactuava com ravam se esconder como se outra vertiginosa incursão
o mórbido padrão passivo ele representasse um perigo pelo corredor, cruzando as
de todos. Eles não aceita- real, como se a qualquer macas com desprezo quase
vam estar no inferno sem momento ele fosse deflagrar agressivo.
alguma resistência. uma guerra contra tudo a
sua volta. – Eu não gosto de nin-
– Vamos embora, Valti- guém da América do Sul!
nho. Vamos embora da- – Piranha! Piranha! – gri- – bradou.
qui – passou falando alto tou para algum ente ima-
ginário. Pôs as mãos na ca- Aquela frase me intrigou
um rapaz dos seus vinte e
beça e se sentou. De quem muito. Sem um raciocínio
poucos anos, se evadindo
estaria falando? Certamente equilibrado, o que o levaria
da sala do psiquiatra, que,
não se referia a uma ga- a decretar raiva a todos os
assim como o gesseiro, tam-
rota com uma minissaia habitantes de um imenso
bém estava desaparecido.
rota que perambulava entre continente? Bom, todos ali
Sua voz estava tão perdida
nós com a boca inchada éramos da América do Sul,
quanto seu olhar.
e os olhos roxos, já que crescemos na América do
O jovem, magro, olhos ele enxergava as pessoas Sul e vivíamos na América
fundos, cabelo desgrenhado, com homogênea singulari- do Sul. Mas em sua ótica
trajava camisa branca surra- dade. Acredito que tenha não havia mais diferença
da, calça jeans e chinelo. sido para sua consciência entre o preso e o policial, o
Possuía pequena barbicha mesmo, que aos poucos se médico e o paciente, a en-
a qual coçava repetida e vendia, aceitando que não fermeira e a puta, o maluco
nervosamente. Viu-se que poderia fugir daquele circo e o são, afinal, todos eram
Valtinho era a pessoa que o dos horrores. Valtinho via sul-americanos e, portan-
acompanhava e que tentava que preso à irresponsabi- to, pertencentes à sua lista
limitar seus atos. Mantinha lidade de alguém o jovem de odiados. Com os gritos,
um sorriso de constrangi- estava e que preso ficaria, um homem literalmente
mento, como se quisesse di- refém que era da omissão amarrado numa das ma-
zer “ele está com problemas da rede pública hospita- cas começou a se remexer,
mentais, desculpem-no”. O lar. Todos, doentes ou não, contraindo os músculos e
rapaz não sabia onde estava eram detentores da mesma comprimindo os olhos, pa-
e nem que, provavelmente, impotência daquele condu- recendo querer nos mostrar
iria ficar internado. Liberto tor, que procurava apenas os reais efeitos da cocaína.
das mãos de Valtinho, volta- cumprir – sem vexame – Toda sua triste performan-
va a andar de um ponto ao seu único objetivo dentro ce, entretanto, não o livrava
outro do extenso corredor daquele asfixiante lugar: de ser também uma perso-
ponderando ora sozinho, acalmar o subversivo jovem. na non grata.
ora com o acompanhante.
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Crônica
Ju Blasina
Quem é você,
quem sou eu?
76 SAMIZDAT novembro de 2009
Adulta jovem, humana, personagem, pecado capital, rio — são as dúvidas que nos
gaúcha, virginiana, casada, cor ou “seja-lá-o-que-mais” movem, enquanto indivíduos
chocólatra, escritora... Até você é ou poderia ser. e sociedade. Se tivéssemos to-
alguns dias atrás, pensava E você aí achando que das as respostas, não iríamos
eu que estas características sabia alguma coisa sobre à parte alguma! Não somos
poderiam brevemente me si mesmo, hein? Pois é, eu diferentes do cachorro que
definir em palavras. Pois não também. Não sei como pude persegue a roda: o que fazer
é que eu estava redondamen- viver até hoje sem todas quando alcançá-la? Prova-
te enganada? Recentemente essas informações... Descobri velmente parar de correr, ao
descobri que podemos ser que sou “o número sete, a menos até o surgimento de
muito mais do que ousamos luxúria, as Antologias Poé- uma nova roda.
imaginar. Quer saber como? ticas de Carlos Drummond “A curiosidade é a mola
Eu explico, mas aviso de Andrade , A bela e a fera” e propulsora do intelecto, mãe
antemão: fujam enquanto há mais: descobri ainda que não da descoberta” e razão para
tempo, pois o hábito que eu vou “pegar” a gripe suína (In- o sucesso destes jogos de
lhes apresentarei é extrema- fluenza A, H1N1) — Pasmem! adivinhação. Não é de hoje
mente contagioso e viciante! Abençoado seja o cidadão que profecias — verdadeiras
Quando eu era menina, que criou este último quiz! ou falsas — fazem sucesso
a moda era o “questionário” Ah, se a vida fosse assim, (Nostradamus, Walter Mer-
(perguntas escritas em um tão fácil, não é mesmo? Tal- cado, Mãe Dináh e o horós-
caderno passado de mão em vez exatamente pelo fato dela copo nosso de cada dia, não
mão; jogo semelhante a um não o ser é que perdemos me deixam mentir). Cada um
censo de informações pesso- tanto tempo buscando res- de nós procura suas respos-
ais trocadas entre os amigos), postas para as mais diversas tas aonde nos parece mais
depois vieram os testes de re- (e por vezes desnecessárias) adequado. Alguns se voltam
vistas femininas e agora isso: perguntas. Passamos a vida para a fé, outros para si mes-
O quiz virtual. nos questionando sobre quem mos e há ainda aqueles que
Quiz, nada mais é que o somos e como as outras preferem responder a tone-
nome dado àqueles testes pessoas nos vêem. Sobre o ladas de quiz. E quem somos
aonde, através de uma série que fizemos e o que faremos. nós para criticar?
de perguntas e respostas, Sobre qualquer coisa que ilu- Independente do cami-
chegamos a um resultado mine um pouco o caminho nho que lhes convém, mais
surpreendente, como por que nos leva ao misterioso importante que encontrar as
http://www.flickr.com/photos/sea-turtle/3181321172/sizes/o/
exemplo: se “ele/ela beija dia de amanhã. Respostas es- respostas é seguir fazendo as
bem”, se “você é econômico” tas que certamente não estão perguntas. Por isso eu lhes
ou “que fruta você seria”. no fantástico mundo do quiz deixo uma:
Sim, informações de “extre- virtual, por mais divertido “Se você fosse uma respos-
ma relevância”. Hoje em dia, que ele possa se mostrar. ta, qual seria a sua pergunta?”
munido de um computador E por que será que nos Será que isso daria um
ligado à internet, um pouco parece tão mais divertido ser bom quiz?
de paciência e muita falta do qualquer outra coisa senão
que fazer, você pode desco- aquilo que já somos e bem
brir tudo o que não sabia sabemos? Talvez exatamen-
sobre si mesmo, como que te por “bem sabermos” — o
música, livro, animal, artista, sabor da vida está no misté-
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Poesia
Laboratório Poético
Volmar Camargo Junior
Areia e sal
78
78 SAMIZDAT novembro de 2009
que esperar agora, eu me pergunto,
das idas e vindas desse vento
dessa areia
desse sal que vem do mar
disso que veio sem que eu percebesse
e que agora não consigo deixar ir?
http://www.flickr.com/photos/garry61/3117367205/sizes/o/
antes houvesse passado
não há passado
não
o vento não passou
faz com que o mundo se erga
no meio das suas tempestades
e depois, na calmaria
vai-se
mas há de voltar
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Poesia
Blavino
Ju Blasina
LABIRINTO
Errei
Por tantos
Anos, portanto
O tempo perdi em
Vão. Na busca por um
Lugar — Errôneo — Vaguei
Aqui
80
80 SAMIZDAT novembro de 2009
Poetrix
Ju Blasina
Dúvidas
Uma vez
Descoberta toda
A dúvida é fria
Fresta
Descobrindo
Errante
Leve como
http://www.flickr.com/photos/morgantar/3902733435/sizes/l/
Folha solta
www.revistasamizdat.com 81
Poesia
SONATA DA CRIAÇÃO
Wellington Souza
http://www.flickr.com/photos/notsogoodphotography/770557316/sizes/o/
e arrepiar-me toda, ali.
Ainda,
antes de partir,
fecha-me a cauda e acaricia
de tão leve
que apenas as pontas dos dedos me pulem e me engorduram.
E tudo volta ao pré-genesíaco
e nem ouço teus passos te afastando.
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SOBRE OS AUTORES DA
SAMIZDAT
Edição, diagramação e capa
Edição de imagens
84
84 SAMIZDAT novembro de 2009
Revisão
Assessoria de imprensa
Mariana Valle
Por um amor não correspondido, a carioca de
Copacabana começou a poetar aos 12 anos. Veio o
beijo e o príncipe virou sapo. Mas a poesia virou sua
amante. Fez oficina literária e deu pra encharcar o
papel com erotismo. E também com seu choro. Em
reação à hipocrisia e ao machismo da sociedade.
Atuou como jornalista em várias empresas, mas foi
na TV Globo onde aprimorou as técnicas de reda-
ção e ficção. E hoje as usa para contar suas próprias
histórias. Algumas publicadas em seu primeiro livro
e outras divulgadas nos links listados em seu blog
pessoal: www.marianavalle.com
Colaboração
Caio Rudá
Bahiano do interior, hoje mora na capital. Estuda
Psicologia na Universidade Federal da Bahia e espera
um dia entender o ser humano. Enquanto isso não
acontece, vai escrevendo a vida, decodificando o enig-
ma da existência. Não tem livro publicado, prêmio,
reconhecimento e sequer duas décadas de vida. Mas
como consolo, um potencial asseverado pela mãe.
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Dênis Moura
Paulistano de pia, cearence de mar e poeta de
amar. Viaja tanto o céu estrelado quanto o ciberes-
paço, mais com bits de imaginação que com telescó-
pios. Pensa que tudo se recria a cada Big Bang, seja
ele micro, macro ou social. Luta pela justiça, a paz e
a igualdade, com um giz na mão e uma pistola na
outra. É Tecnólogo a sonhar com Telemática social,
com a democracia participativa eletrônica, onde o
povo eleja menos e decida mais. Publica estes dias
sua primeira obra, um Romance de Ficção Científi-
ca, e deixa engavetadas suas apunhaladas poesias. É
feito de bits, links e teia pra que não desmaterialize,
o clique, o blogue e o leia!
Giselle Sato
Autora de Meninas Malvadas, A Pequena Baila-
rina e Contos de Terror Selecionados. Se autodefine
apenas como uma contadora de histórias carioca.
Estudou Belas Artes, Psicologia e foi comissária de
bordo. Gosta de retratar a realidade, dedicando-se
a textos fortes que chegam a chocar pelos detalhes,
funcionando como um eficiente panorama da socie-
dade em que vivemos.
Wellington Souza
Paulistano, mas morou também em Ribeirão Preto,
onde cursou economia na Universidade de São Pau-
lo. Hoje, reside novamente no bairro em que nasceu.
Participou das antologias do concurso Nacional de
Contos da Cidade de Porto Seguro e do Poetas de Ga-
veta/USP. Escreve poemas, contos, crônicas e ensaios
literários em um blog (Hiper-link), na revista digital
SAMIZDAT e no portal Sociedade Literária. “Escrever
é um modo de ser outro ser”.
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86 SAMIZDAT novembro de 2009
http://www.photoshoptalent.com/images/contests/spider%20web/fullsize/sourceimage.jpg
Léo Borges
Nasceu em setembro de 1974, é carioca, servidor
público e amante da literatura. Formado em Comu-
nicação Social pela FACHA - Faculdades Integradas
Hélio Alonso, participou da antologia de crônicas
“Retratos Urbanos” em 2008 pela Editora Andross.
Jú Blasina
Gaúcha de Porto Alegre. Não gosta de mensurar
a vida em números (idade, peso, altura, salário). Não
se julga muito sã e coleciona papéis - alguns afir-
mam que é bióloga, mestre em fisiologia animal e
etc, mas ela os nega dizendo-se escritora e ponto fi-
nal. Disso não resta dúvida, mas como nem sempre
uma palavra sincera basta, voltou à faculdade como
estudante de letras, de onde obterá mais papéis para
aumentar a sua pilha. É cronista do Caderno Mulher
(Jornal Agora - Rio Grande - RS), mantém atualiza-
do seu blog “P+ 2 T” e participa de fóruns e oficinas
virtuais, além de projetos secretos sustentados à base
de chocolate e vinho, nas madrugadas da vida.
Simone Santana
Ouro Preto – MG, 1981). Professora de Língua
Portuguesa e Literatura em escolas estaduais. Escreve
já há algum tempo, é inédita em livro e edita o blo-
gue A Parede Lá de Casa. Possui textos publicados na
revista Germina, participa do site Escritoras Suicidas,
e colaborou com o conto Rosário de Lágrimas na
edição de aniversário de sessenta anos do Suplemento
literário Correio das Artes. Escrever é uma necessida-
de.
www.revistasamizdat.com 87
Joaquim Bispo
Ex-técnico de televisão, xadrezista e pintor ama-
dor, licenciado recente em História da Arte, experi-
menta agora o prazer da escrita, em Lisboa.
episcopum@hotmail.com
Guilherme Rodrigues
Estudante de Letras na Universidade do Sagrado
Coração, em Bauru, onde sempre morou. Procura
reinventar o mundo a seu modo, seja belo ou grotes-
co, e assim mostrar um novo caminho. Admirador
das coisas mais simples e belas do mundo e da vida,
busca expressar essas sublimes minúcias em suas
poesias. Não dispensa o café da tarde com pãezinhos.
Apaixonado por Línguas, Literatura e Linguística.
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88 SAMIZDAT novembro de 2009
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Barbara Duffles
Jornalista, escritora e roteirista, é autora do livro
“Não Abra” e do blog “Não Clique”. Apesar das nega-
tivas, esta carioca quer, sim, ser lida - como todo es-
critor. Tem dias de conto, de crônica e de pílulas sem
sentido. Suas paixões: cinema e livros com cheiro de
novo - se bem que adora se perder nos sebos da vida.
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