Abordagens para Administração e Resolução de Conflitos
O conflito parece estar presente em todos os relacionamentos humanos e em
todas as sociedades. Desde o início da história registrada, temos evidência de disputas entre cônjuges, filhos, pais e filhos, vizinhos, grupos étnicos e raciais, colegas de trabalho, superiores e subordinados, organizações, comunidades, cidadãos e seu governo e nações. Devido ao caráter nocivo do conflito e aos custos físicos, emocionais e financeiros que freqüentemente resultam das disputas, as pessoas têm sempre buscado maneiras de resolver suas diferenças. Ao procurar administrar e resolver suas diferenças, têm tentado desenvolver procedimentos que sejam eficientes que lhes permitam satisfazer seus interesses, que minimizem seus sofrimentos e que controlem gastos desnecessários de recursos. Na maioria das disputas, as partes envolvidas têm vários meios à sua disposição para reagirem aos seus conflitos ou resolvê-los. Os procedimentos disponíveis diferem, consideravelmente, na maneira como o conflito é direcionado e definido, e com freqüência terminam em resultados diferentes, tanto tangíveis quanto intangíveis. Este capítulo começa com a análise de um conflito interpessoal e organizacional especifico e explora algumas opções de procedimentos disponíveis às partes envolvidas para administrarem e resolverem suas diferenças. A mediação, uma dessas opções, é examinada em profundidade e é apresentada uma descrição minuciosa de suas aplicações e variações históricas e atuais.
A Disputa entre Singson e Whittamore
Singson e Whittamore estão em conflito. Tudo começou três anos atrás,
quando o Dr. Richard Singson, diretor da Clínica Médica Fairview, um dos poucos prestadores de serviços médicos de uma pequena cidade rural, procurava dois médicos para preencherem vagas abertas em sua equipe. Após vários meses de extenso e difícil recrutamento, ele contratou dois médicos, Andrew e Janelle Whittamore, para preencherem as respectivas vagas de pediatra e ginecologista. O fato dos médicos serem casados não parecia ser um problema na ocasião em que foram contratados. A Fairview gostava de conservar seus médicos e, em geral, os remunerava bem por seu trabalho com os pacientes. A clínica também se preocupava em manter sua capacidade de atendimento e sua renda, e requeria que todo médico que se juntasse a ela assinasse um contrato de cinco anos, detalhando quanto receberiam e que sanções seriam aplicadas caso o contrato fosse rompido por uma das partes. Uma dessas condições era um pacto de não-competição — ou uma cláusula de não-competição — determinando que se um médico decidisse deixar a clínica antes da expiração do acordo, não lhe seria permitido praticar a medicina naquela cidade ou condado durante o tempo remanescente do contrato; a violação desta cláusula implicava em uma penalidade financeira. A cláusula destinava-se a evitar que um médico da equipe formasse uma clientela na clínica e depois saísse com seus pacientes para iniciar uma prática privada competitiva antes da expiração do contrato. Quando Janelle e Andrew juntaram-se à equipe da Fairview, assinaram seus respectivos contratos e tomaram conhecimento de todas as suas cláusulas. Ambos os médicos tinham um bom desempenho em seu trabalho e eram respeitados por seus colegas e pacientes. Infelizmente, sua vida pessoal não teve o mesmo destino. O casamento dos Whittamores entrou em franco declínio assim que eles começaram a trabalhar na Fairview. Suas discussões aumentaram e a tensão entre eles chegou a um ponto em que acabaram decidindo pedir o divórcio. Como ambos desejavam ficar perto de seus dois filhos pequenos, concordaram em continuar morando na mesma cidade. Cada médico da clínica tinha uma especialidade e todos se consultavam entre si; por isso, alguma interação entre o casal separado era inevitável. Com o tempo, sua hostilidade mútua aumentou tanto que decidiram que um deveria deixar a clínica — para o seu próprio bem e também para o bem dos outros membros da equipe. Como acreditavam que Andrew, como pediatra, teria maior facilidades para encontrar pacientes fora da clínica, combinaram que ele sairia. Andrew explicou sua situação a Singson e comentou que, como ele estava saindo em benefício da clínica, esperava que não lhe fosse aplicada nenhuma penalidade por estar rompendo o contrato dois anos antes do seu término, e que a cláusula da não-competição não seria invocada. Singson ficou surpreso e aborrecido de que sua equipe tão bem ajustada fosse perder um de seus membros mais respeitados. Além disso, ficou chocado com a declaração de Whittamore de que planejava permanecer na cidade e abrir um consultório particular. Singson previu o impacto da decisão de Whittamore em longo prazo: o pediatra sairia da clínica e abriria um consultório particular que competiria com ele, levando consigo muitos de seus pacientes. A clínica perderia os lucros provenientes das consultas do médico, incorreria nos custos de recrutamento de um novo médico e, se a cláusula da não-competição não fosse invocada, estabeleceria um mal precedente para os outros médicos. Singson respondeu que a cláusula da não-competição seria invocada se Whittamore insistisse em clinicar dentro da região e que a clínica iria lhe impor uma penalidade por romper o contrato. Ele estimou que a multa seria de até 100 por cento dos proventos que Whittamore pudesse ganhar nos dois anos restantes do seu contrato. Whittamore ficou enfurecido diante da reação de Singson, considerando-a irresponsável e insensata. Se for assim que as coisas iriam ser colocadas, ameaçou Whittamore, ele sairia e montaria seu consultório e Singson teria de processá-lo para conseguir tirar o seu dinheiro. Singson respondeu que conseguiria uma proibição à sua prática, se necessário, e exigiria o pagamento integral da multa se fosse acuado. Whittamore saiu furioso do escritório de Singson, resmungando que iria “pegar aquele desgraçado”. Este conflito tem vários componentes diferentes: o relacionamento entre os Whittamore, seu relacionamento com os outros membros da clínica, o conflito potencial entre os pacientes de Andrew Whittamore e a clínica e o relacionamento de Andrew Whittamore com Richard Singson. Para facilitar a análise, vamos exa- minar apenas um destes componentes: o conflito entre Singson e Whittamore e os vários meios de resolução à disposição deles.
Abordagens para Administração e Resolução de Conflitos
As pessoas que estão em conflito em geral podem resolver suas disputas de
várias maneiras. A Figura 1.1 ilustra algumas destas opções que variam em termos da formalidade do processo, de particularidade da abordagem, das pessoas envolvidas, da autoridade da terceira parte (se houver), do tipo de decisão que irá resultar e da quantidade de coerção exercida por ou sobre as partes em disputa. Na extremidade esquerda do conflito estão os procedimentos informais, particulares, que envolvem apenas os disputantes. Na outra extremidade, uma parte apóia-se na coerção e, freqüentemente, na ação pública para obrigar a parte oponente a ceder. Entre as duas há uma variedade de abordagens que examinaremos mais detalhadamente. Desacordos e problemas podem surgir em quase todos os relacionamentos. A maioria dos desacordos é, em geral, tratados de maneira informal. De início, as pessoas podem evitar uma à outra, porque não gostam do desconforto que acompanha o conflito, não consideram a questão tão importante, não possuem poder para impor uma mudança, não acreditam que a situação possa ser melhorada ou ainda não estão prontas para negociar. Quando a evitação não é mais possível ou as tensões tornam-se tão fortes que as partes não podem deixar que o desacordo prossiga, em geral recorrem às discussões informais para a resolução de problemas para resolver suas diferenças. Provavelmente é aí que termina a maioria dos desacordos da vida cotidiana. Ou as questões são resolvidas, satisfazendo mais ou menos as pessoas envolvidas, ou se desiste delas por falta de interesse ou incapacidade para se chegar a uma conclusão. No caso Singson-Whittamore, os Whittamores evitaram lidar com seu conflito potencial com a clínica médica até ficar claro que Andrew ia sair. Nesse ponto, Andrew iniciou as discussões informais, mas eles falharam em alcançar uma conclusão aceitável. Evidentemente, seu problema aumentou chegando a uma disputa. Gulliver (1979, p. 75) assinala que um desacordo torna-se uma disputa “apenas quando as duas partes são incapazes e/ou não estão dispostas a resolver seu desacordo; ou seja, quando uma ou ambas não estão preparadas para aceitar o status quo (se isso for uma possibilidade) ou aceitar ou negar a exigência da outra parte. Uma disputa é precipitada por uma crise no relacionamento”. As pessoas envolvidas em um conflito que alcançou este nível têm várias maneiras de resolver suas diferenças. Elas podem procurar outros meios mais formais e estruturados para atingir voluntariamente um acordo, recorrer à tomada de decisão de uma terceira parte ou tentar convencer ou coagir um ao outro para chegar a um acordo. Além das conversas informais, a maneira mais comum de se chegar a um acordo mutuamente aceitável é através da negociação. A negociação é um relacionamento de barganha entre partes que têm um conflito de interesses suposto ou real. Os participantes se unem voluntariamente em um relacionamento temporário destinado a informar um ao outro sobre suas necessidades e interesses, trocar informações especificas ou resolver questões menos tangíveis, tais como a forma que o seu relacionamento vai assumir no futuro ou o procedimento pelo qual os problemas devem ser resolvidos. A negociação é claramente uma opção para Whittamore e Singson, embora o grau de polarização emocional e real vá dificultar o processo. Se as negociações forem difíceis de iniciar ou tiverem iniciado e chegado a um impasse, as partes podem precisar de alguma ajuda externa para resolver a disputa. A mediação é um prolongamento ou aperfeiçoamento do processo de negociação que envolve a interferência de uma aceitável terceira parte, que tem um poder de tomada de decisão limitado ou não-autoritário. Esta pessoa ajuda as partes principais a chegarem de forma voluntária a um acordo mutuamente aceitável das questões em disputa. Da mesma forma que ocorre com a negociação, a mediação deixa que as pessoas envolvidas no conflito tomem as decisões. A mediação é um processo voluntário em que os participantes devem estar dispostos a aceitar a ajuda do interventor se sua função for ajudá-los a lidar com suas diferenças — ou resolve- las. A mediação é, em geral, iniciada quando as partes não mais acreditam que elas possam lidar com o conflito por si próprias e quando o único meio de resolução parece envolver a ajuda imparcial de uma terceira parte. Whittamore e Singson poderiam considerar a mediação se não conseguissem negociar sozinhos um acordo. Retornaremos mais tarde a este processo, quando suas outras opções de procedimento tiverem sido avaliadas. Além da negociação e da mediação, há um continuum de técnicas que reduz o controle que as pessoas envolvidas têm sobre o resultado da disputa, aumenta o envolvimento dos terceiros responsáveis pelas sentenças e se apóia cada vez mais nas técnicas de ganhar-perder e/ou de tomada de decisão. Estas abordagens podem ser divididas em públicas e privadas e legais e extralegais. Se a disputa ocorre no interior de uma organização, há freqüentemente uma abordagem de resolução de disputa administrativa ou executiva. Neste processo, uma terceira parte, que tem algum distanciamento da disputa, mas que não seja necessariamente imparcial, pode tomar uma decisão pelas partes em disputa. O processo pode ser privado se o sistema dentro do qual a disputa ocorrer for uma companhia privada, uma divisão ou uma equipe de trabalho; ou pública, se for conduzida em uma agência pública através de um prefeito, comissário do condado, planejador ou outro administrador. Um processo de resolução de disputa administrativa, em geral, tenta equilibrar as necessidades de todo o sistema e os interesses dos indivíduos. Na disputa Singson-Whittamore, ambas as partes podem escolher apelar para o conselho de diretores da Clínica Médica Fairview para uma decisão da terceira parte. Se ambas as partes confiam na integridade e na justiça dessas pessoas responsáveis pela tomada de decisão, a disputa pode terminar aí. Entretanto, Whittamore não tem certeza de conseguir uma avaliação justa por parte deste conselho. A arbitragem é um termo genérico para um processo voluntário em que as pessoas em conflito solicitam a ajuda de uma terceira parte imparcial e neutra para tomar uma decisão por elas com relação a questões contestadas. O resultado pode ser consultivo ou compulsório. A arbitragem pode ser conduzida por uma pessoa ou por um conselho de terceiras partes. O fator crítico é que elas sejam externas ao relacionamento em conflito. A arbitragem é um processo privado em que os procedimentos, e freqüentemente o resultado, não estão abertos ao escrutínio público. As pessoas em geral escolhem a arbitragem devido a sua natureza privada e também porque ela é mais informal, menos dispendiosa e mais rápida que um procedimento judicial. Na arbitragem, as partes quase sempre podem escolher seu próprio árbitro ou conselho de árbitros, o que lhes dá mais controle sobre a decisão do que se a terceira parte fosse indicada por uma autoridade ou agência externas. Whittamore e Singson já ouviram falar em arbitragem, mas estão relutantes em entregar seu problema a uma terceira parte antes de terem a certeza de não conseguirem eles próprios resolvê-lo. Nenhum dos dois deseja se arriscar a uma decisão desfavorável. Além disso, Singson teme uma decisão externa que possa anular a prerrogativa da clínica de controlar o processo contratual. Uma abordagem judicial envolve a intervenção de uma autoridade institucionalizada e socialmente reconhecida em uma disputa. Esta abordagem desloca o processo de resolução do domínio privado para o público. Na abordagem judicial, os disputantes, em geral, contratam advogados para agir como seus defensores e o caso é discutido diante de uma terceira parte imparcial e neutra — um juiz, e, talvez, também um júri. Estes responsáveis pela tomada de decisão consideram não somente as preocupações, os interesses e os argumentos dos disputantes, mas também os padrões e os valores de toda a sociedade. Em geral, o juiz ou júri são levados a tomar uma decisão baseados em — e em conformidade com — jurisprudência e legislação. O resultado é, em geral, de ganho e perda e tem como premissa uma sentença indicando quem está certo e quem está errado. Como a terceira parte é socialmente sancionada para tomar uma decisão, os resultados do processo são compulsórios e têm de ser cumpridos. Os disputantes perdem o controle sobre o resultado, mas podem ganhar por conta de uma defesa vigorosa do seu ponto de vista e devido a uma decisão que reflita normas socialmente sancionadas. Tanto Whittamore quanto Singson consideraram o uso de uma abordagem judicial para resolver sua disputa. Singson está disposto, caso necessário, a buscar uma apelação judicial que possa obrigar o cumprimento da cláusula de não- competição inclusa no contrato, proibindo Whittamore de estabelecer uma prática privada. Whittamore está disposto a ir aos tribunais para examinar a constitucionalidade da cláusula. Mas ambos vêem um risco neste procedimento, pois o resultado pode ser extremamente negativo para seus interesses fundamentais. A abordagem legislativa da resolução de disputas é outro meio público de resolução de um conflito através de recurso à lei. É, em geral, empregada para disputas maiores que afetam um maior número de pessoas, mas pode ter uma utilidade importante para os indivíduos. Nesta abordagem, o julgamento com relação ao resultado é feito através de outro processo do tipo ganhar-perder: a votação. O indivíduo só tem influência sobre o resultado final quando ele — e aqueles que compartilham de suas crenças — podem pressionar os legisladores. Além disso, o aspecto de ganhar-perder do resultado é somente em parte atenuado pelos compromissos que entram em um projeto de lei. Whittamore considerou usar esta abordagem para resolver sua disputa. Ele acredita que deve haver uma lei contra os contratos de não-competição, e alguns de seus pacientes concordam com ele. Um paciente chegou a sugerir uma campanha para a aprovação de uma lei proibindo este tipo de contrato. Mas Whittamore também sabe que uma abordagem legislativa para este problema pode demorar muito tempo — um tempo de que ele não dispõe. Finalmente, há a abordagem extralegal. As abordagens até agora examinadas são procedimentos privados que as partes usam isoladamente ou com a ajuda de uma terceira parte para negociar um acordo ou com a decisão de uma terceira parte, sancionada de modo privado ou público. A última categoria é extralegal, pois não se baseia em um processo socialmente obrigatório — ou, por vezes, socialmente aceitável — e usa meios de coerção mais fortes para convencer ou obrigar um oponente a aquiescer ou se submeter. Há dois tipos de abordagens extralegais: ação não-violenta e violenta. A ação não-violenta envolve uma pessoa ou um grupo cometendo atos ou se abstendo de atos, de tal forma que um oponente é obrigado a se comportar de uma maneira desejada (Sharp, 1973). Estes atos, no entanto, não envolvem coerção física ou violência e são freqüentemente concebidas para minimizar, também, danos psicológicos. A ação não-violenta funciona melhor quando as partes precisam confiar uma na outra para seu bem-estar. Quando é este o caso, uma das partes pode obrigar a outra a fazer concessões, recusando-se a cooperar ou cometendo atos indesejáveis. A ação não-violenta, muitas vezes, envolve desobediência civil violação de normas sociais ou leis amplamente aceitas — para despertar a consciência de um oponente ou trazer a público práticas que a parte não-violenta considere injustas ou desonestas. A ação não-violenta pode ser conduzida por um indivíduo ou por um grupo e pode ser pública ou privada. Whittamore pensou na ação não-violenta a nível pessoal e grupal para resolver sua disputa. No nível individual, considerou a greve de fome ou ocupar o consultório de Singson até o diretor concordar em barganhar de boa vontade e lhe conceder um acordo justo. Também considerou abrir um consultório particular, desafiando os termos do contrato, obrigando a clínica a processá-lo ou a desistir do caso. Se ele for ao tribunal, poderá explorar a publicidade e colocar a clínica em um dilema — repudiar um médico muito estimado, ganhando a indignação da comunidade e publicidade ruim, ou chegar a um acordo negociado favorável a Whittamore e evitar a publicidade negativa. Um de seus pacientes sugeriu que se organizasse um piquete ou uma vigília do lado de fora da clínica para constranger Singson e levá-lo a fazer um acordo. Se isso não desse certo, o paciente sugeriu um protesto passivo. Whittamore está inseguro quanto aos possíveis efeitos dessas medidas, bem como quanto aos seus custos. A última abordagem utilizada na resolução de disputas é a violência ou coerção física. Esta abordagem supõe que se os custos para a pessoa ou para a propriedade de um oponente, e os custos da manutenção de sua posição, forem bastante altos, o adversário será obrigado a fazer concessões. Para que a coerção física funcione, à parte que toma esta iniciativa precisa possuir poder suficiente para realmente prejudicar a outra parte, deve estar apto a convencer o outro lado de que possui este poder e deve estar disposta a usá-lo. Embora Whittamore e Singson estejam furiosos um com o outro, não chegaram às vias de fato. Ambos são fisicamente fortes e poderiam muito bem machucar um ao outro, mas nenhum dos dois acha que conseguiria resolver a questão com uma luta física. Whittamore, no auge da raiva, resmungou que poderia sabotar alguns equipamentos valiosos da clínica, mas uma ação desse tipo iria contra alguns de seus valores profundamente arraigados e também prejudicaria os pacientes. Singson, em um momento de raiva e fantasia, também considerou a violência e ponderou qual seria a reação de Whittamore se ele fosse atacado por homens que Singson poderia contratar para este propósito. Ele também havia decidido não usar a violência física, por considerá-la muito arriscada, dispendiosa, imprevisível e irracional. A questão permanece: qual das abordagens representadas na Figura 1.1 Whittamore e Singson vão escolher para resolver sua disputa? Whittamore deseja permanecer na cidade para poder ficar perto de seus filhos. Também deseja praticar a medicina. A montagem de um novo consultório será dispendiosa e por isso ele deseja minimizar os custos da resolução dessa disputa. Espera que a decisão seja rápida para que ele possa deixar a clínica o quanto antes, para evitar mais contatos desagradáveis com Janelle e para minimizar quaisquer danos às suas relações pessoais com outros membros da equipe da clínica. É importante que ele mantenha um relacionamento positivo com a clínica e com sua equipe, pois a clínica possui o único laboratório e o único aparelho de raio X da cidade. Whittamore também precisa montar rapidamente um consultório particular para poder gerar renda. A violência física foi uma fantasia efêmera. A ação não-violenta é ainda uma possibilidade, se a clínica não ceder. As abordagens judiciais e legislativas não parecem razoáveis neste ponto, devido ao custo e ao tempo que vão requerer para efetuar uma mudança. Singson também está tentando decidir que atitude vai tomar. Ele quer manter o controle do processo de contratação, procurar ele próprio resolver o problema e não depender de agentes externos e quer minimizar custos como despesas legais, atrito com pacientes e publicidade negativa. Deseja encontrar uma solução amigável, mas percebe que sua interação com Whittamore chegou a um impasse. O conflito entre Whittamore e Singson está maduro para a negociação. As duas partes estão:
• Interdependentes e precisam confiar na cooperação um do outro para atingir
seus objetivos ou satisfazer seus interesses. • Aptas a influenciar uma à outra e realizar ou prevenir ações que possam tanto prejudicar ou recompensar. • Pressionadas por prazos e restrições de tempo e motivados para chegar a um acordo o mais rápido possível. • Conscientes de que as alternativas para um acordo negociado não parecem tão viáveis ou desejáveis através de uma barganha que eles próprios possam fazer. • Aptas a identificar os principais pontos críticos e a envolvê-los no processo de resolução do problema. • Aptas a identificar e a concordar com os pontos em disputa. • Em uma situação em que seus interesses não são totalmente incompatíveis. • Influenciadas por restrições externas, tais como a imprevisibilidade de uma decisão judicial, pacientes ou equipe potencialmente incomodados, os custos da montagem de um novo consultório e os gastos com a contratação de um novo médico que as encoraja a chegar a um acordo negociado. As condições acima são fundamentais para uma negociação bem-sucedida. Entretanto, o relacionamento entre Singson e Whittamore também contém elementos que vão tornar extremamente difícil uma negociação não intermediada. Para superar estes problemas eles vão precisar da ajuda de uma terceira parte e, neste caso, a mediação parece ser o procedimento de resolução de disputa mais adequado a seguir. Um mediador pode ser chamado às negociações quando:
• As emoções das partes são intensas e estão impedindo um acordo.
• A comunicação entre as partes é pobre em quantidade ou qualidade e elas não conseguem mudar a situação sozinhas. • As distorções de percepção ou os estereótipos estão impedindo trocas produtivas. • Condutas negativas repetitivas estão criando barreiras. • Há sérios desacordos em relação aos dados que informação é importante, como ela deve ser conseguida e como será avaliada. • Há questões múltiplas na disputa e as partes discordam com respeito à ordem e à combinação em que devem ser encaminhadas. • Há interesses incompatíveis, imaginários ou reais, os quais as partes estão tendo dificuldade em conciliar. • Diferenças de valores, imaginários ou reais, dividem as partes. • As partes não têm um procedimento de negociação, estão usando o procedimento errado ou não estão usando um procedimento da forma mais adequada. • Não há uma estrutura aceitável ou fórum para as negociações. • As partes estão tendo dificuldade para iniciar as negociações ou chegaram a um impasse em suas barganhas.
Como o relacionamento entre Whittamore e Singson tem algumas das
características aqui relacionadas, eles vão decidir usar as negociações mediadas como um meio de resolver suas diferenças. Neste momento, vamos deixar de lado este caso e dar uma olhada no processo que eles escolheram para resolver o seu conflito. Voltaremos à disputa Singson-Whittamore no Capítulo 2, quando explorarmos o funcionamento do processo da meditação. O Processo de Mediação
Embora a mediação seja praticada em todo o mundo na resolução de
disputas interpessoais, organizacionais, comerciais, legais, comunitárias, públicas, étnicas e internacionais, e embora as técnicas tenham sido documentadas (juant() a aplicações específicas e em estudos de caso, até pouco tempo havia poucos estudos sistemáticos ou descrições das estratégias e táticas específicas utilizadas pelos mediadores. A análise que tem sido feita é freqüentemente apresentada no âmbito mais geral ou então é tão específica que limita sua aplicação mais ampla. Este livro visa a satisfazer a necessidade de uma abordagem geral sistemática e prática da mediação. Tem três objetivos principais: (1) ilustrar os efeitos e a dinâmica da mediação na prática da negociação; (2) desenvolver uma explicação teórica para a prática atual da mediação, como ela tem sido aplicada em várias questões, situações e culturas; (3) proporcionar àqueles que praticam a mediação estratégias e técnicas concretas e efetivas para ajudar as partes na resolução de disputas. Vamos tentar primeiro definir a mediação.
Uma Definição de Mediação
Consideremos os seguintes cenários: um mediador das Nações Unidas
entra em uma disputa internacional; um mediador trabalhista envolve-se em negociações antes de uma ameaça de greve; um mediador comercial ajusta uma disputa de negócios; um advogado atuando como mediador estabelece as controvérsias de um processo legal; um mediador familiar ajuda um casal a chegar a um acordo de divórcio. Quem são esses indivíduos e que relacionamento eles têm com as respectivas partes? Que atividades eles estão realizando? Quais são suas metas e objetivos, e quais as do processo de mediação? Como já foi dito anteriormente, a mediação é geralmente definida como a interferência em uma negociação ou em um conflito de uma terceira parte aceitável, tendo um poder de decisão limitado ou não-autoritário, e que ajuda as partes envolvidas a chegarem voluntariamente a um acordo, mutuamente aceitável com relação às questões em disputa. Além de lidar com questões fundamentais, a mediação pode também estabelecer ou fortalecer relacionamentos de confiança e respeito entre as partes ou encerrar relacionamentos de uma maneira que minimize os custos e os danos psicológicos. Um mediador é uma terceira parte, uma pessoa indiretamente envolvida na disputa. É um fator crítico no manejo e na resolução de conflitos, pois consiste na participação de uma pessoa externa, portadora de novas perspectivas com relação às questões que dividem as partes e processos mais eficientes para construir relacionamentos que conduzam à solução dos problemas. Na próxima seção apresentaremos mais informações sobre a diversidade dos relacionamentos possíveis entre as partes e os “de fora”. O próximo aspecto da definição é a aceitabilidade: os disputantes devem estar dispostos a permitir que uma terceira parte entre na disputa e os ajude a chegar a uma definição. A aceitabilidade não significa necessariamente que os disputantes recebam muitíssimo bem o envolvimento do mediador e estejam dispostos a fazer exatamente o que ele diz. Significa que as partes aprovam a presença do mediador e estão dispostas a ouvir e considerar seriamente suas sugestões. Intervenção significa “entrar em um sistema contínuo de relacionamentos, ficar entre pessoas, grupos ou objetos, com o propósito de ajudá-los. Há um importante pressuposto implícito na definição que deve-se tornar explícito: o sistema existe independentemente do interventor” (Argyris, 1970, p. 15). A conjetura que está por trás da intervenção de alguém externo é de que uma terceira parte será capaz de alterar o poder e a dinâmica social do relacionamento conflituado, influenciando as crenças ou os comportamentos das partes individuais, proporcionando conhecimento ou informação, ou usando um processo de negociação mais eficiente e, assim, ajudando os participantes a resolverem questões contestadas. Rubin e Brown (1975) afirmaram que a mera presença de uma parte independente dos disputantes pode ser um fator considerável na resolução de uma disputa. Para que a mediação ocorra, as partes devem começar conversando ou negociando. Os trabalhadores e os patrões devem estar dispostos a realizar uma sessão de barganha, os sócios comerciais devem concordar em realizar discussões, os governos e os grupos que defendem interesses públicos devem criar fóruns para o diálogo, e as famílias devem estar dispostas a se reunir para conversar. A mediação é essencialmente o diálogo ou a negociação com o envolvimento de uma terceira parte. A mediação é um desenvolvimento do processo de negociação, o qual envolve ampliar a barganha a um novo formato e utilizando um mediador que contribua com novas variáveis e dinâmicas para a interação dos disputantes. Sem negociação não pode haver mediação. Os conflitos envolvem lutas entre duas ou mais pessoas com relação a valores ou competição por status, poder ou recursos escassos (Coser, 1967). Os mediadores intervêm em conflitos que alcançaram vários níveis de desenvolvimento e intensidade — latentes, emergentes e manifestos. Estes níveis diferem segundo o seu grau de ordem, as atividades das partes e a intensidade da expressão das preocupações e das emoções. Os conflitos latentes são caracterizados por forças implícitas que não foram reveladas de forma plena e não chegaram ainda a um conflito extremamente polarizado. Em geral, uma ou mais partes, muitas vezes a mais forte, pode nem estar consciente de um conflito ou do potencial para que ele exista (Curle, 1971). Exemplos de conflitos latentes são mudanças nos relacionamentos pessoais em que uma parte não tem consciência da seriedade da discórdia ocorrida, tais como: perspectiva de cortes de pessoal dentro de uma organização; planos desenvolvidos, mas não anunciados, para a montagem de uma instalação previsivelmente controvertida, como uma mina ou um local de depósito de lixo; ou alterações potencialmente impopulares na política pública. Os mediadores (ou facilitadores, outro tipo de terceira parte) que atuam em disputas latentes ajudam os participantes a identificarem as pessoas que serão afetadas por uma mudança ou que podem estar preocupadas com um problema que possa surgir no futuro. Eles ajudam no desenvolvimento de um processo de educação mútua em torno das questões e dos interesses envolvidos e trabalham com os participantes no projeto — e, às vezes, na implementação — de um processo de resolução de problemas. Conflitos emergentes são disputas em que as partes são identificadas, a disputa é reconhecida e muitas questões estão claras. Entretanto, não ocorreu uma negociação cooperativa viável ou um processo de resolução de problemas. Os conflitos emergentes têm um potencial para crescer se um procedimento de resolução não for implementado. Muitas disputas entre colegas de trabalho, empresários e governos ilustram este tipo de conflito. Ambas as partes reconhecem que há uma disputa e pode haver uma troca áspera de palavras, mas nenhuma das duas sabe como resolver o problema. Neste caso, o mediador ajuda a estabelecer o processo de negociação e auxilia as partes a começarem a se comunicar e a barganhar. Conflitos manifestos são aqueles em que as partes estão envolvidas em uma disputa ativa e contínua, que podem ter começado a negociar, tendo chegado a um impasse. O envolvimento do mediador em conflitos manifestos, em geral, consiste em mudar o procedimento de negociação ou em intervir para adiar um determinado prazo. Os mediadores trabalhistas, que intervêm nas negociações anteriores a uma greve marcada, trabalham para resolver conflitos manifestos, assim como os mediadores comerciais que lidam com uma reivindicação específica de cobertura de seguro por um dano pessoal. Os mediadores de custódia dos filhos e mediadores de divórcio também intervêm, usualmente, em disputas totalmente manifestas. Um mediador, via de regra, tem um poder de tomada de decisão limitado ou não-oficial; ele não pode unilateralmente mandar ou obrigar as partes a resolverem suas diferenças e impor a decisão. Esta característica distingue o mediador do juiz ou do árbitro, os quais, de forma genérica, são investidos do poder de tomar uma decisão pelas partes, baseado na concordância prévia dos disputantes, ou normas sociais, regras, regulamentos, leis ou contratos. O objetivo de um processo judicial ou quase-judicial não é a reconciliação ou o acordo entre os lados, mas uma decisão unilateral da terceira parte sobre qual dos litigantes está certo. O juiz examina o passado e avalia “os acordos que foram realizados entre as partes, as violações que uma infligiu à outra” e “as normas que dizem respeito à aquisição de direitos, responsabilidades, etc., que estão relacionadas a estes acontecimentos. Quando ele toma a sua posição baseado nisso, sua tarefa está terminada” (Eckhoff, 1966-67, p. 161). O mediador, por outro lado, trabalha para reconciliar os interesses competitivos dos dois adversários. A tarefa do mediador é ajudar as partes a examinar seus interesses e necessidades e a negociar uma troca de promessas e a definição de um relacionamento que venha a ser mutuamente satisfatório e possa corresponder aos padrões de justiça de ambos. O interventor não tem autoridade para tomar decisões e este fato torna a mediação atraente para muitos grupos que estão em disputa, porque eles podem manter o poder fundamental da tomada de decisão. Entretanto, os mediadores exercem influência. A autoridade do mediador, como tal, reside em sua credibilidade pessoal e confiabilidade, habilidade para melhorar o processo de negociação, experiência no trato de questões similares, capacidade para manter as partes unidas com base nos seus próprios interesses, desempenho passado ou reputação como pessoa capaz e, em algumas culturas, pelo seu relacionamento com os disputantes. A autoridade ou o reconhecimento do direito de influenciar o resultado de uma disputa é garantido pelos próprios envolvidos, mais do que por uma lei, contrato ou agência externos. Até agora, examinamos algumas características de um intermediário. Agora vamos explorar algumas das funções que ele desempenha. Segundo a definição acima, um mediador ajuda as partes disputantes. A ajuda pode relacionar-se a atividades muito gerais ou extremamente especificas. Vamos examinar aqui alguns papéis e funções mais genéricas do mediador, deixando a discussão dos papéis específicos para mais tarde, quando formos analisar as atividades de intervenção realizadas durante fases especificas da negociação. O mediador pode assumir vários papéis para ajudar as partes na resolução de disputas (American Arbitration Association, s.d.):
• O facilitador da comunicação, que inicia ou facilita a melhor comunicação
quando as partes já estiverem conversando. • O legitimador, que ajuda todas as partes a reconhecerem o direito das outras de estarem envolvidas nas negociações. • O facilitador do processo, que propõe um procedimento e, em geral, preside formalmente a sessão de negociação. • O treinador, que instrui os negociadores iniciantes, inexperientes ou despreparados no processo de barganha. • O ampliador de recursos, que proporciona assistência às partes e as vincula a especialistas e a recursos externos (por exemplo, advogados, especialistas técnicos, pessoas responsáveis pela tomada de decisão ou bens adicionais à negociação) que podem capacitá-los a aumentar as opções aceitáveis de acordo. • O explorador do problema, que permite que as pessoas em disputa examinem o problema a partir de várias perspectivas, ajuda nas definições das questões e dos interesses básicos e procura opções mutuamente satisfatórias. • O agente de realidade, que ajuda a elaboração de um acordo razoável e viável e que questiona e desafia as partes que têm objetivos radicais e não- realistas. • O bode expiatório, que pode assumir certa responsabilidade ou culpa por uma decisão impopular que as partes, apesar de tudo, estejam dispostas a aceitar. Isto lhes permite manterem sua integridade e, quando for o caso, obterem o apoio de seus constituintes. • O líder, que toma a iniciativa de prosseguir as negociações através de sugestões processuais ou fundamentais.
O último componente da definição descreve a mediação como um processo
voluntário para alcançar um acordo mutuamente aceitável das questões em disputa. Voluntário refere-se a uma participação por livre escolha e a um acordo realizado livremente. Os litigantes não são obrigados a negociar, mediar ou fazer acordo influenciados por nenhuma parte interna ou externa à disputa. Stulberg (1981b, p. 88-89) assinala que “não há nenhum dispositivo legal contra qualquer pessoa que se recuse a participar de um processo de mediação... Como o mediador não tem autoridade unilateral para impor uma decisão às partes, ele não pode ameaçar o lado relutante com um julgamento”. No entanto, a presença voluntária não significa que não possa haver influência para se tentar a mediação. Outros disputantes ou figuras externas, como amigos, colegas de trabalho, constituintes, líderes em posições de autoridade ou juizes, podem exercer pressão significativa em um envolvido para tentar a negociação com a ajuda de um mediador. Alguns tribunais de família e casos cíveis nos Estados Unidos chegaram ao ponto de determinar que as partes devem realizar um bom esforço através da mediação antes que o tribunal ouça o caso. Mas a tentativa de mediação não significa que os participantes sejam obrigados a realizar o acordo.
Como Funciona a Mediação
Este capítulo examina os vários papéis dos mediadores e seus
relacionamentos com as partes. Também explora questões relacionadas ao posicionamento dos intermediários e com a escolha de foco entre a resolução de problemas e os relacionamentos entre as partes. Também apresenta uma visão geral das abordagens e das atividades do mediador. Variações nos Papéis e nos Procedimentos do Mediador
A definição e descrição da mediação apresentadas no Capítulo 1 esboçam,
em linhas gerais, o papel dos mediadores e os processos utilizados para ajudar as partes a atingir acordos voluntários. No entanto, o fato da mediação ser praticada em muitas situações, fóruns, conflitos e culturas diferentes conduziu a variações, tanto nos papéis quanto nos procedimentos. Em geral, há três grandes classes de mediadores que são definidos pelo tipo de relacionamento que têm com as partes envolvidas: (1) mediadores da rede social, (2) mediadores com autoridade e (3) mediadores independentes. A Tabela 2.1 ilustra algumas características de cada tipo. De certa forma, o tipo de relacionamento que o intermediário tem com os disputantes também influencia o tipo e o grau de influência que é utilizado para ajudar as partes. Vários tipos de mediadores podem ser encontrados na maioria das culturas, embora o desenvolvimento da mediação em uma cultura especifica possa enfatizar ou legitimar uma forma em detrimento de outra. Os mediadores da rede social são indivíduos procurados por terem relacionamento com os disputantes e geralmente fazem parte de uma rede social duradoura e comum. Esse mediador pode ser um amigo pessoal, vizinho, sócio, colega de trabalho, colega de profissão, autoridade religiosa (padre, ministro, rabino, ‘ulama maometano, xamã) ou um líder comunitário ou idoso respeitado, que é conhecido por todas as partes e talvez alguém com quem essas partes já tinham um relacionamento. Lederach refere-se à mediação da rede usando a expressão em espanhol — mediação de confianza (1995): “O motivo fundamental de as pessoas serem escolhidas eram as idéias de ‘confiabilidade’, o fato de “nós as conhecermos’ e o fato de elas poderem ‘silenciar sobre nossas confidências” (p. 89). Ele prossegue, “A confianza indica um relacionamento construído com o passar do tempo, uma impressão de ‘sinceridade’ que a pessoa transmite e uma sensação de ‘segurança’ que a pessoa ‘inspira’ em nós, de que ‘não seremos traídos” (p. 89). O mediador da rede tem uma obrigação pessoal com as partes de ajudá-las como amigo — um desejo de ajudá-los a manter relacionamentos interpessoais agradáveis, tanto no presente quanto a longo prazo. Também pode ter um compromisso de manter a harmonia dentro das redes sociais das partes. O envolvimento do mediador da rede com os lados potencialmente disputantes muitas vezes é promissor antes do início de um conflito especifico e pode se estender durante todo o período do processo de resolução, incluindo a implementação do acordo. O relacionamento do mediador da rede com os indivíduos é contínuo e com intenso envolvimento. Um exemplo das atividades de um mediador de rede é uma disputa que observei em uma comunidade das Filipinas próxima a Manila. Um homem e uma mulher envolveram-se em uma discussão pública acalorada, o homem declarando que a mulher lhe devia dinheiro por seus serviços como jardineiro e motorista dos filhos dela. Ele havia ido duas vezes a sua casa para receber seu pagamento; na primeira vez, ela não estava; na segunda, disse-lhe que não tinha o dinheiro. Quando foi lá pela terceira vez e o pagamento lhe foi negado, ele fez um escândalo que atraiu os vizinhos e, quando saiu, bateu o portão com tanta força que soltou suas dobradiças. Ela, por sua vez, gritou com ele e o acusou de estar difamando o seu bom nome. Os dois terminaram este confronto sabendo que precisariam de ajuda para resolver o conflito. Tentaram pensar em uma terceira pessoa com quem poderiam falar, primeiro individualmente e depois juntos, que pudesse ajudá-los a resolver suas diferenças e restaurar os aspectos positivos do relacionamento que mantinham há vários anos. Ambos sugeriram o nome de um líder comunitário informal e respeitado que fazia parte das redes sociais de cada um deles. O líder era “relacionado” a ambos: a mulher era madrinha dele e o homem havia crescido com ele na mesma aldeia e foi seu amigo de infância. A mulher procurou o líder e obteve sua concordância em servir como mediador. Ele procurou o homem e, após uma longa conversa informal, combinou um encontro conjunto. Este encontro envolveu a discussão das questões em disputa, o relacionamento de longa data que as partes tinham uma com a outra, a necessidade de recuperar a harmonia à comunidade e a preocupação de que um restaurasse o bom nome do outro na opinião de seus vizinhos. Depois de uma prolongada discussão, as partes chegaram a um acordo sobre todas as questões. Foi feito o pagamento integral pelos serviços de jardinagem, foram trocadas desculpas e cada um deles concordou em se referir ao outro de maneira cortês e positiva nas conversas futuras, assim como usar uma linguagem educada sobre o outro quando conversasse com os vizinhos sobre seu problema passado. Alguns vizinhos compareceram à sessão aberta da mediação, viram os resultados e apressaram-se em espalhar a notícia de que o relacionamento havia sido restabelecido pelo respeitado líder. Nesta disputa, a autoridade do mediador residia no relacionamento que ele tinha com as partes, na confiança e no respeito que ambos tinham por ele como indivíduo e em seu conhecimento pessoal de suas histórias e das questões envolvidas. O relacionamento entre as pessoas e o mediador foi, na verdade, o ponto fundamental para resolver as diferenças. Embora esta disputa tenha ocorrido no contexto da cultura filipina, os mediadores da rede social atuam em todas as culturas. São especialmente comuns nas disputas interpessoais, quer entre vizinhos, quer em organizações. Entretanto, podem ser também encontrados em disputas públicas ou políticas mais amplas. Por exemplo, um respeitado líder comunitário ou político, o qual é solicitado a intervir por possuir um relacionamento passado ou presente com as partes ou por ocupar uma determinada posição que inspire confiança e respeito por parte dos disputantes. A segunda grande classe de mediador é uma pessoa que tem um relacionamento de autoridade com os litigantes, por estar em uma posição superior ou mais poderosa, e tem capacidade potencial ou real para influenciar o resultado de uma disputa. Entretanto, os mediadores com autoridade, se permanecerem em um papel de mediador, não tomam decisões pelas partes. Por inúmeras razões — um compromisso de conduzir a decisão pelos disputantes, a crença de que uma solução desenvolvida pelas partes vai resultar em maior satisfação e compromisso entre seus constituintes, limites sobre a capacidade ou autoridade da terceira parte para impor unilateralmente uma decisão — estes interventores, via de regra, tentam influenciar indiretamente as partes e procuram persuadi-las a chegar às suas próprias conclusões. Isto não significa que, eventualmente, não exerçam importante influência ou pressão, talvez visando limitar os parâmetros do acordo. Podem até acenar com a possibilidade de uma decisão unilateral, como um suporte para uma tomada de decisão cooperativa se as partes não estiverem conseguindo chegar a um acordo. A influência do mediador com autoridade pode ter como base sua posição ou reputação pessoal, mas, usualmente, depende de uma posição formal em uma comunidade ou organização, escolha ou indicação de uma autoridade legítima, imposição legal ou acesso a recursos valorizados pelas partes disputantes. Se a autoridade, independente de sua forma, vai ser realmente exercida e o modo como será exercida depende muito da situação e da orientação do intermediário com respeito à sua influência. Em geral, há três tipos de mediadores com autoridade: benevolente, administrativo/gerencial e com interesse investido. Um mediador benevolente com autoridade tem a capacidade de influenciar ou decidir uma questão em disputa, mas normalmente valoriza o acordo feito pelas partes mais do que o seu envolvimento direto para conseguir que cheguem a uma decisão. Um mediador benevolente deseja um acordo que seja para ambos satisfatório e não está, particularmente, preocupado em satisfazer suas necessidades ou interesses principais ligados à resolução. Entretanto, os mediadores benevolentes podem ter interesse pessoal na justiça, eficiência, parcimônia e minimização do conflito aberto e interesses psicológicos na manutenção de sua posição pessoal, conseguindo o respeito das partes e de outros observadores da disputa, ajudando efetivamente os indivíduos a resolver suas diferenças ou sendo vistos como servidores dos interesses mais amplos de paz e harmonia na comunidade. Um exemplo de um mediador benevolente com autoridade e de suas atividades poderia ser os serviços prestados por um executivo que estivesse envolvido em resolver uma disputa de trabalho. Dois chefes de departamento estavam envolvidos em uma disputa acirrada em relação ao modo como um determinado trabalho, que requeria a cooperação entre os dois departamentos, deveria ser tratado e realizado. Tentaram conversar diretamente sobre as questões, mas chegaram a um impasse devido a fortes sentimentos com relação ao problema e desacordos sobre a maneira como questões similares foram tratadas no passado. Ambos concordaram em conversar juntos com uma de suas colegas, a diretora executiva (DE) da companhia. Embora a DE pudesse tomar uma decisão sobre a questão que lhe estava sendo apresentada, ela na época não tinha uma opinião firme, pessoal ou “organizacional” sobre a melhor maneira do problema ser resolvido. Também não estava pressionada por nenhuma exigência organizacional ou legal que pudesse definir os parâmetros da solução. Acreditava ser melhor para as partes envolvidas, para seus subordinados e para a organização como um todo se os dois disputantes chegassem a sua própria decisão sobre o assunto. Entretanto, estava disposta a dar uma opinião quanto ao procedimento e, se necessário, um parecer definitivo. Após um breve debate conjunto com a DE, que sugeriu alguns princípios que poderiam proporcionar uma estrutura para uma decisão aceitável, os colegas discutiram as questões com mais detalhes e chegaram a uma solução mutuamente aceitável para suas diferenças. Um segundo tipo de mediador com autoridade é o mediador administrativo/gerencial. Ele tem alguma influência e autoridade sobre as partes em virtude, ocupando uma posição superior em uma comunidade ou organização e tendo uma autoridade organizacional ou legal para estabelecer os parâmetros de negociação em que uma decisão aceitável possa ser determinada (Kolb e Sheppard, 1985). Este tipo de mediador difere do tipo benevolente porque tem um interesse fundamental no resultado, além do interesse institucional ou legalmente imposto. Dois exemplos breves de um mediador administrativo/gerencial, um dentro de uma organização e outro na esfera pública, ilustra este tipo de relacionamento com as partes. No primeiro, um funcionário e uma funcionária de uma agência governamental dos Estados Unidos estavam discutindo sobre um comportamento que a mulher achava ser sexista, aviltante e molestante por parte do homem. Ela lhe pediu que parasse aquele comportamento, mas ele não obedeceu. Finalmente, ela foi até sua supervisora, explicou seu ponto de vista e pediu-lhe que dissesse a ele que parasse de fazer comentários sobre a sua aparência, de tocá-la no ombro e de constantemente convidá-la para sair. A supervisora, ao ouvir a descrição que a mulher fez do caso e ao saber que o homem era um imigrante recém-chegado, imaginou que a disputa poderia ter surgido devido a diferenças culturais com relação aos comportamentos entre os sexos. Apesar disso, nos termos dos regulamentos da organização e de leis importantes, o comportamento do homem era inaceitável. Depois de se encontrar em particular com o homem, ouvir seu ponto de vista sobre a situação e lhe explicar o conceito da organização sobre assédio sexual e os tipos de comportamento considerados inaceitáveis, a supervisora decidiu ter um encontro conjunto com as partes. Começou reconhecendo que ambos tinham idéias muito diferentes sobre a situação e sobre os significados dos comportamentos. Pediu-lhes que descrevessem como viam a situação. A mulher disse que encarava o comportamento do homem como aviltante e que não gostava de ser tocada. O homem disse que não pretendia desvalorizá-la e que a sua atenção significava apreço e admiração, e o toque fazia parte da sua vida e da sua cultura. A supervisora reconheceu essas diferenças, mas prosseguiu explicando o que constituía assédio sexual segundo os regulamentos da organização e a lei. Depois solicitou às partes que discutissem como poderiam interagir dentro desses parâmetros e continuar sendo colegas eficientes. Embora tivesse a autoridade para tomar uma decisão de comando, ela acreditava que estabelecer parâmetros gerais para o comportamento e deixar que as pessoas elaborassem os detalhes era a melhor maneira de ajudá-las a desenvolver uma solução que ambas pudessem aceitar. O homem imediatamente concordou em não tocar a mulher. Esta, uma vez que compreendeu o significado de seus cumprimentos e o papel que eles desempenhavam em sua cultura, concordou em aceitar o elogio de seus atrativos, enquanto fosse algo generalizado. O homem perguntou se era aceitável continuar a convidar a mulher para sair, mas finalmente ambos concordaram que, por enquanto, devido ao incidente ocorrido com os dois, um encontro estava fora de questão. Um segundo exemplo de mediação gerencial vem do Conselho de Avaliação do Impacto Ambiental da Indonésia, mas poderia ter ocorrido em muitas agências governamentais em outros lugares do mundo. Foi ordenado ao conselho controlar e evitar a poluição da água por indústrias e proteger a qualidade ambiental. Um grupo de defensores do interesse público fez uma queixa à agência de que uma determinada companhia estava poluindo a água do local e que os detritos liberados estavam tendo impactos adversos sobre as colheitas e sobre a saúde das pessoas que viviam rio abaixo. A agência investigou e determinou que a companhia estava realmente liberando efluentes acima dos limites legais. A companhia foi notificada de que teria de controlar seus detritos, fazer a limpeza da poluição anterior e, possivelmente, discutir os impactos passados com as partes afetadas. Os representantes da companhia relutantemente consentiram em se encontrar com a agência e com as partes afetadas. O encontro foi presidido e mediado por um dos representantes da agência. Depois de terem em mãos os resultados do teste da agência, os representantes da companhia concordaram que poderiam estar poluindo e que teriam de tomar medidas para evitar esses problemas no futuro. O governo proporcionou assistência técnica à companhia e participou das suas negociações com o grupo representante do interesse público com relação à tecnologia, aos procedimentos e ao prazo de instalação do equipamento para o controle da poluição. A companhia, no entanto, relutou muito em negociar um reparo aos interesses das partes que viviam próximas ao rio. A agência não conseguiu impor uma compensação, mas concordou com o grupo de interesse público que alguma atitude deveria ser tomada para remediar os danos passados. Sugeriu, enfaticamente, que a companhia reconhecesse a necessidade de fazer algo para remediar os problemas sérios causados às pessoas do local. Finalmente, na seqüência das negociações com o grupo de interesse público, a companhia concordou em dar uma “contribuição” à comunidade, em vez de pagar uma “compensação”. A companhia disse que não estava preparada para admitir publicamente a culpa ou os efeitos potencialmente adversos de sua poluição passada, mas estaria disposta, como boa vizinha, a auxiliar a comunidade em sua fase de necessidade. Por fim, a contribuição acertada foi o fornecimento de água pura para a comunidade através de caminhões, o estudo de como a cidade poderia ser ligada ao sistema de água do município e a construção de uma nova mesquita e de um centro comunitário. Neste caso, como no caso do assédio sexual anteriormente relatado, o mediador gerencial tinha autoridade suficiente para tomar uma decisão, mas em vez disso forneceu os parâmetros para um acordo geral e ajudou as partes a negociar um acordo aceitável dentro desses limites. O terceiro tipo de mediador com autoridade é um mediador com interesse investido. Este papel é um pouco parecido com aquele do mediador gerencial, pois o intermediário tem interesses fundamentais e processuais no resultado da disputa. O que o diferencia é o grau em que os interesses do intermediário são defendidos. Se o mediador gerencial estabelece os parâmetros gerais para um acordo que vai satisfazer as normas organizacionais ou legais, e encoraja e ajuda as partes a trabalhar dentro desta estrutura, o mediador com interesse investido, em geral, tem interesses específicos e objetivos com relação a todos os aspectos da disputa e defende estes objetivos com entusiasmo e convicção (Smith, 1985). Alguns observadores comentaram que, neste modelo, o mediador praticamente não é intermediário, mas meramente outra parte que defende fortemente seus interesses fundamentais. Os exemplos mais evidentes de mediadores com interesse investido são, provavelmente, encontrados no cenário internacional. Henry Kissinger tinha fortes interesses investidos quando atuou como mediador para as negociações entre árabes e israelenses em agosto de 1975 (Rubin, 1981). Este foi também o caso do presidente Carter em seu papel de intermediário nas conversações de paz entre egípcios e israelenses em Camp David (Carter, 1982; Princen, 1992) e dos vários mediadores das Nações Unidas envolvidos nos conflitos étnico-nacionais na ex- Iugoslávia. Os Estados Unidos há muito tempo têm interesses políticos, econômicos e estratégicos no Oriente Médio e intervieram, agressivamente, como intermediários nas tentativas de promover a estabilidade na região. Os Estados Unidos desempenharam o papel de um mediador com poder. Seus representantes, em vários momentos, convenceram, induziram ou pressionaram agressivamente as partes envolvidas a buscar uma paz permanente e forneceram tanto armas quanto recursos para ajudá-los a atingir esses objetivos. Os mediadores das Nações Unidas na ex-Iugoslávia, embora representando uma organização internacional, buscaram soluções que iam ao encontro dos interesses dos membros-chaves das Nações Unidas e também daqueles das partes em questão. Grande parte da sua atividade envolveu reunir as propostas baseadas nos princípios estabelecidos pelas Nações Unidas e depois tentar convencer os litigantes a aceitar estas estruturas (Owen, 1995). A mediação com interesse investido difere muito de várias outras formas de intervenção que põem maior ênfase na decisão tomada pelas próprias partes. Esta última postura está manifestada, particularmente, no mediador independente, imparcial, que será discutido a seguir. A mediação com interesse investido pode ser muito eficiente em determinadas circunstâncias e é uma variedade comum da prática da mediação, mas poderia ser melhor chamada de “defesa da terceira parte”. O mediador independente é o último tipo a ser discutido aqui. Seu nome deriva tanto do relacionamento que o interventor tem com as partes — de neutralidade — quanto da postura que ele assume com relação ao problema em questão — de imparcialidade. O intermediário independente é, em geral, encontrado em culturas que desenvolveram tradições de aconselhamento ou assistência profissionais independentes e objetivas. Os membros dessas culturas muitas vezes preferem o conselho e a ajuda de pessoas “de fora”, independentes, que são vistas não tendo interesse pessoal investido na intervenção ou em seu resultado, à assistência de pessoas “de dentro”, com quem podem ter relacionamentos ou obrigações mais complexos e freqüentemente conflitantes. Os membros das culturas que favorecem os mediadores independentes tendem a manter os vários grupos de suas vidas — familia, amigos íntimos, vizinhos, superiores e subordinados no trabalho, sócios nos negócios, companheiros de lazer, associados cívicos, aliados políticos, membros da igreja — em compartimentos separados. Eles podem confiar em especialistas, tais como terapeutas, conselheiros de assistência aos empregados, consultores financeiros, conselheiros legais, golfistas profissionais, líderes distritais e membros do clero para ajudá-los a atuar bem e lidar com os problemas potenciais ou reais de cada área. Um consultor ou assistente de uma área pode ter pouca ou nenhuma conexão com outro aspecto da vida de um indivíduo, e os membros dessas culturas parecem gostar das coisas dessa maneira. Os mediadores independentes são também comumente encontrados em culturas em que há uma tradição de um judiciário independente, o que fornece um modelo para procedimentos percebidos como justos e as terceiras partes imparciais para a tomada de decisões. Nos últimos anos, este tipo de intervenção tem sido chamado de modelo norte americano de mediação (Lederach, 1985), o que, na verdade, é uma denominação inadequada. As raízes deste processo podem ser encontradas na Europa Ocidental, especificamente no norte da Europa, que durante a Idade Média e a Renascença produziram os modelos ocidentais de relacionamentos compartimentados, profissionalismo, consultoria imparcial e sistemas de procedimento independente para a resolução de disputas. Embora este tipo de mediação tenha sido articulado — e talvez mais ativamente praticado — na América do Norte, o modelo e seus valores correspondentes não estão ligados à cultura. Eles se difundiram pelo mundo e influenciaram as abordagens de resolução de disputas de muitas culturas que tomaram conhecimento delas através da experiência colonial ou as escolheram voluntariamente porque as consideravam eficientes e justas. Como a imparcialidade e a neutralidade são, freqüentemente, consideradas críticas na definição das características deste tipo de mediação, é importante explorar esses conceitos em mais detalhes (Young, 1972). A imparcialidade refere- se à ausência de tendenciosidade ou preferência em favor de um ou mais negociadores, de seus interesses ou das soluções especificas que eles estão defendendo. A neutralidade, por outro lado, refere-se ao relacionamento ou comportamento entre o interventor e os disputantes. Muitas vezes os mediadores independentes não tiveram um relacionamento anterior com as partes disputantes — ou pelo menos não tiveram um relacionamento do qual poderiam-se beneficiar direta e significativamente. Em geral não são ligados às redes sociais das partes. A neutralidade também significa que o mediador não espera obter benefícios ou pagamentos especiais de uma das partes como compensação por favores na condução da mediação. As pessoas buscam a assistência de um mediador independente porque querem ajuda nos procedimentos das negociações. Não querem um interventor tendencioso ou que possa iniciar ações que sejam, potencialmente, prejudiciais aos seus interesses. A imparcialidade e a neutralidade não significam que um mediador não possa ter uma opinião pessoal sobre um resultado desejável para uma disputa. Ninguém pode ser inteiramente imparcial. O que a imparcialidade e a neutralidade significam é que os mediadores podem separar suas opiniões pessoais quanto ao resultado da disputa do desempenho de suas funções e se concentrar nas maneiras de ajudar as partes a tomar suas próprias decisões sem favorecer indevidamente uma delas. O último teste da imparcialidade e da neutralidade do mediador está no julgamento dos disputantes: eles devem perceber que o interventor não é abertamente parcial, mas neutro para aceitar a sua ajuda. Kraybill (1979) eWheeler (1982) referem-se às tensões entre a imparcialidade e a neutralidade e as tendências pessoais dos mediadores, distinguindo entre os interesses fundamentais e processuais. Wheeler argumenta que os mediadores usualmente se distanciam de compromissos com resultados fundamentais específicos — a quantidade de dinheiro envolvida em um acordo, o tempo exato de realização e assim por diante mas têm compromissos com padrões de procedimento como comunicação aberta, eqüidade e negociação justa, durabilidade de um acordo no correr do tempo e obrigatoriedade do acordo. Os mediadores defendem um processo justo e não um acordo particular. Vamos tomar como exemplo um mediador independente em um caso de queixa de ofensa pessoal na América do Norte. Os indivíduos, o inspetor de seguros e o advogado do queixoso corresponderam-se e conversaram pelo telefone, chegando a uma decisão de utilizar a mediação para resolver suas diferenças. Concordaram em que o inspetor iria buscar a ajuda de uma empresa de mediação que tivesse uma reputação de imparcialidade e experiência na resolução deste tipo de disputa. A firma proporcionou-lhes os currículos de três possíveis interventores. Depois de examinar estas informações, as partes eliminaram dois candidatos: uma porque já havia atuado anteriormente como árbitro em um caso envolvendo um dos disputantes e tinha emitido uma opinião desfavorável, e o outro porque o número de anos em que ele trabalhava na prática da mediação foi considerado inadequado. O mediador escolhido não era conhecido pessoalmente por nenhuma das partes, mas tinha uma reputação conhecida por sua justiça, imparcialidade, eficiência, experiência e conhecimento no manejo deste tipo de caso. Foi realizada uma entrevista prévia com o mediador escolhido em que os sujeitos confirmaram sua decisão de utilizar seus serviços e explicaram-lhe o histórico do caso. Realizaram, então, uma primeira sessão conjunta. Durante o encontro subseqüente de mediação que durou meio dia, o mediador pediu a ambas as partes que explicassem sua visão do caso, ajudou-as a identificar as questões e os interesses fundamentais, auxiliou-as no levantamento de algumas opções de acordo possíveis na sessão conjunta e depois realizou uma reunião privada com cada uma delas para explorar que opções eram mais viáveis e para desfazer um impasse em uma questão particularmente difícil. Tanto durante as sessões conjuntas quanto durante as reuniões separadas, o mediador fez várias perguntas as partes, ajudou a tomar seus interesses explícitos e ajudou-as a desenvolver alguns padrões e critérios justos e objetivos que proporcionassem uma fórmula para o acordo. Ele fez poucas — se é que fez alguma — recomendações fundamentais sobre a maneira como deviam negociar e não declarou sua opinião pessoal ou concordância com a solução a que finalmente chegaram.
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