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EDITORIAL Manoel Canuto

A Mãe dos Crentes


A
Igreja visível é a mãe de todos os crentes. Estas pa- especialmente a Palavra, os sacramentos e a oração, todos os
lavras soam como um pensamento romanista. Mas quais se tornam eficazes aos eleitos para a salvação”. O próprio
quando a Igreja Católica Apostólica Romana assim Deus nos promete usar e abençoar as orações, a pregação da
afirma, está dizendo que somente ela é a verdadeira mãe Palavra, os sacramentos e o louvor, em benefício do seu povo.
de todos os crentes. Roma diz: “Todos devem, portanto, sub- A Igreja reunida em adoração e liderada pelos pastores
meter-se à autoridade de Roma, se querem estar na Igreja é o lugar onde os crentes corporativamente expressam
de Cristo, continuada pelos Apóstolos”. Dessa forma, além louvor e adoração ao Pai. A Igreja é também um lugar onde
do sofisma e da completa incoerência de se conceber um Deus ministra ao Seu povo. Assim, pela Palavra lida e pre-
catolicismo (universal) localizado em ROMA, esta afirmação gada e na administração dos Sacramentos, Deus relembra
romanista concebe que a vida moral, os mandamentos e o ao seu povo o seu perdão e os edifica. Mas se a Igreja é
magistério da Igreja procedem da Palavra e dos pastores simplesmente uma maneira de podermos demonstrar nos-
da Igreja — o Sumo Pontífice de Roma e os Bispos, como sa piedade e zelo, então, sua liderança, seus ministérios e
sendo os autênticos doutores e sucessores dos apóstolos. “A suas normas se tornarão um fardo.
infalibilidade do magistério dos pastores se estende a todos Se a Igreja é um lugar para se ouvir as boas novas através
os elementos de doutrina, incluindo a moral. Sem esses ele- de seus pastores devidamente ordenados, sob a bênção do
mentos, as verdades salutares da fé não podem ser guarda- Espírito Santo, ela será a força vital para a peregrinação e
das, expostas ou observadas” (Catecismo da Igreja Católica piedade do cristão.
Romana – Edição Típica Vaticana, p. 538). Os reformados devem resgatar a visão da Igreja como mãe.
Mas a afirmação de que a Igreja é a mãe de todos os Essa noção tem sido esquecida ou desconhecida dos herdeiros
crentes não veio da Igreja de Roma e sim dos pais da Igreja, de Calvino, embora ele tenha explicitamente escrito e ensina-
Cipriano, Bispo de Cartago (210-258): do sobre isso dizendo que é a Igreja que alimenta os crentes:
“Quem abandona a Igreja de Cristo não chegará aos prê- “Contudo, uma vez que agora nosso propósito é discorrer
mios de Cristo. Torna-se estranho, torna-se profano, torna-se acerca da Igreja visível, aprendamos, mesmo do mero título
inimigo. Não pode ter Deus por Pai quem não tem a Igreja mãe, quão útil, ainda mais, quão necessário nos é seu conhe-
por mãe. Como ninguém se pôde salvar fora da arca de Noé, cimento, quando não outro nos é o ingresso à vida, a não ser
assim ninguém se salva fora da Igreja. O Senhor nos alerta que ela nos conceba no ventre, a não ser que nos dê à luz, a
e diz: "Quem não está comigo está contra mim, quem comi- não ser que nos nutra em seus seios, enfim, sob sua guarda
go não recolhe, dissipa" (Mt 12,30). Quem rompe a paz e a e governo nos retenha, até que, despojados da carne mortal,
concórdia de Cristo trabalha contra Cristo. Quem faz colheita haveremos de ser semelhantes aos anjos” (Institutas, IV.I, iv).
alhures, fora da Igreja, esse dissipa a Igreja de Cristo". Calvino e os reformados ensinam que sem a Igreja o cren-
João Calvino concorda com este Pai da Igreja quando afir- te definha e morre, assim como um bebê morre sem sua mãe
ma: “... de sorte que, àqueles de quem ele é o Pai, a Igreja possa para amamentá-lo.
também ser mãe” [Institutas IV 1.1]. “O que Cipriano e Calvino A Igreja sustenta o cristão na sua peregrinação, assim
queriam dizer era que Deus nos deu a Igreja visível como como Deus cuidou dos israelitas na sua caminhada pelo de-
nossa mãe para ministrar Sua Palavra e os sacramentos sob serto. Os meios de graça são como o maná e as codornizes
a direção e a influência do Espírito Santo. À parte desta mãe que alimentaram o povo de Deus até à Terra Prometida.
e sua alimentação e instrução, eles diziam, não há salvação. Provavelmente a visão pobre da Igreja deriva diretamente
Cipriano em sua época e Calvino na sua, sem preocupação de uma avaliação excessivamente elevada de seus membros.
ousaram fazer esta forte declaração para a unidade da Igreja”. A grande visão de Calvino sobre a Igreja e dos cuidados que
Os crentes precisam aprender que o ministério da Igreja ela dispensa estava ligada à noção de que os crentes têm
é comunicar ordinariamente aos crentes as bênçãos da re- necessidade de serem sustentados e edificados na fé.
denção. O Breve Catecismo de Westminster, na pergunta 88, Para os Reformados a Igreja visível “Não pode ter Deus
diz: “Os meios exteriores e ordinários pelos quais Cristo nos por Pai quem não tem a Igreja por mãe”.
comunica as bênçãos da redenção são as suas ordenanças, Boa leitura.

Revisores OS PURITANOS é uma publicação trimestral da CLIRE —


REVISTA OS PURITANOS Manoel Canuto Centro de Literatura Reformada
Tradutores R. São João, 473 - São José, Recife-PE, CEP 52020-120
Recife, Ano XIX - Número 2 - 2010 Linda Oliveira; Marcos Vasconcelos, Márcio Dória, Josafá Fone/Fax: (81) 3223-3642
Vasconcelos E-mail: ospuritanos@gmail.com
Editor Projeto Gráfico Miolo e Capa DIRETORIA CLIRE: Ademir Silva, Adriano Gama, Waldemir
Manoel Canuto Heraldo F. de Almeida Magalhães.
mscanuto@uol.com.br Impressão
Conselho Editorial Facioli Gráfica e Editora Ltda.
Josafá Vasconcelos e Manoel Canuto Fone: 11- 6957-5111 — São Paulo-SP

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A Igreja como Nossa Mãe
“...que eles possam ser guiados pelo seu cuidado maternal... de sorte que,
por àqueles de quem ele é o Pai, a Igreja possa também ser mãe”. (J.Calvino)

Rev. Cornelis Pronk Igreja Visível e Invisível → Nós vemos que para
Calvino a Igreja visível é uma ajuda indispensável para

O
nome de João Calvino é frequentemente asso- a salvação dos eleitos de Deus que constituem a Igreja
ciado com a predestinação; e algumas pessoas, invisível. Não que Calvino veja a Igreja visível e invisível
muitas vezes, pensam que ele inventou essa como co-extensiva. Elas são intimamente relacionadas,
doutrina. Para outros o nome do reformador está liga- mas, precisam ser distintas uma da outra porque nem
do às doutrinas da soberania divina, depravação total todos os membros da Igreja visível são membros da
do homem e a incapacidade de salvar-se a si mesmo. O Igreja invisível.
que não é geralmente entendido, entretanto, é que a De acordo com Calvino, a Escritura fala da Igreja de
principal contribuição de Calvino para a Reforma foi a dois modos. Algumas vezes o termo “igreja” refere-se ao
doutrina bíblica da igreja. número total dos eleitos que foram salvos pela graça
através da fé em Jesus Cristo. Mas a Bíblia também usa
O Fundamento da igreja → Para Calvino a igreja a palavra “igreja” para designar as assembléias públicas
está firmemente enraizada na soberana eleição de de pessoas que professam adorar a Deus e ao seu filho,
Deus. Esta é a fundamentação da doutrina da igreja Jesus Cristo. Nesta igreja, Calvino diz, “estão misturados
em Calvino. Desde a eternidade Deus escolheu em muitos hipócritas que nada têm de Cristo a não ser o
Cristo um povo para a salvação eterna. No livro III das nome e a aparência externa”.
Institutas Calvino explica como estes escolhidos são tra- Que a igreja visível é uma assembléia mista, Calvino
zidos à fé em Cristo pela “energia secreta do Espírito” se baseia na parábola do trigo e do joio registrada em
por meio da qual nós somos unidos a Cristo pela fé de Mateus 13:24-30. Seguindo Agostinho, Calvino inter-
modo que chegamos a usufruir de Cristo e de todos os preta esta parábola para significar que a Igreja será
seus benefícios. Contudo, em assim fazendo, o Espírito composta de crentes verdadeiros e de hipócritas que
Santo faz uso de certos meios, e aqui é onde a igreja e o não podem ser efetivamente separados até o dia do
seu ministro entram. Este assunto é visto extensivamen- julgamento.
te no livro IV, intitulado: O meio externo ou a ajuda pela
qual Deus nos convida para a sociedade de Cristo e então Marcas da Verdadeira Igreja Visível → Embora
nos segura. Embora seja por meio da fé no evangelho possa ser uma assembléia mista, esta Igreja visível, a
que Cristo se torna nosso, Calvino escreve: despeito de suas muitas fraquezas, é a verdadeira Igreja
de Cristo a qual todos os crentes deveriam se juntar e
Devido à nossa ignorância e indolência nós necessitamos nunca deixar porque, insiste Calvino, fora dela não há
de ajuda externa para gerar e aumentar a fé dentro de nós salvação.
e avançá-la para o seu objetivo... Ele instituiu “pastores e Esta alta visão da igreja levanta a pergunta quanto a
mestres”, por cujos lábios ensinasse aos seus... Começarei, qual Igreja visível está mais próxima da Igreja invisível.
pois, pela igreja, em cujo seio Deus agradou-se juntar seus Esta foi a pergunta para muitos cristãos de mente re-
filhos... que eles possam ser guiados pelo seu cuidado ma- formada do tempo de Calvino. Eles foram convencidos
ternal até que estejam maduros e finalmente alcancem o de que Roma não era sua verdadeira mãe, mas como
objetivo da fé... de sorte que, por àqueles de quem ele é o poderiam estar seguros sobre qual das igrejas alterna-
Pai, a Igreja possa também ser mãe. [IV 1.1] tivas tinha se tornado a certa: a Luterana, a Anabatista

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Cornelis Pronk

e as igrejas Reformadas eram sua subs- Cartago, do primitivo século III, Norte Uma vez que existe apenas uma igre-
tituta legítima? da África. O que Cipriano e Calvino que- ja, argumenta Calvino, fora dela não há
Calvino sobrescreve estas preocu- riam dizer era que Deus nos deu a Igreja salvação. A razão para isto é que Deus
pações no livro IV das suas Institutas. visível como nossa mãe para ministrar confiou somente a ela o ministério da
“Aqueles que estavam procurando sua Sua Palavra e os sacramentos sob a di- Palavra e os sacramentos como meios
verdadeira mãe”, ele explicou, “podiam reção e a influência do Espírito Santo. de graça. Esta linguagem forte foi mais
reconhecê-la facilmente por meio de À parte desta mãe e sua alimentação e tarde modificada na Confissão de Fé
dois critérios objetivos, a saber: a pura instrução, eles diziam, não há salvação. de Westminster em 1647, ao declarar
e fiel pregação da palavra e a adminis- Cipriano em sua época e Calvino na que fora da igreja de Cristo não exis-
tração fiel dos dois sacramentos que sua, sem preocupação ousaram fazer te “qualquer possibilidade ordinária
Cristo instituiu, isto é, o Batismo e a esta forte declaração para a unidade de salvação”. Há exceções, mas, estas
Ceia do Senhor”. “Daqui nos despon- da Igreja. apenas provam a regra de que somos
ta”, escreve Calvino, “e nitidamente Cipriano e Agostinho depois dele, dependentes da igreja como nossa mãe
nos emerge aos olhos, a face da Igreja. contenderam com os Donatistas que para a concessão de todos os benefícios
Pois onde quer que ouçamos a Pala- estavam causando o primeiro gran- salvíficos que Cristo obteve para os
vra de Deus pregada com pureza e os de cisma na igreja. Os reformadores crentes. Calvino explica a crucial impor-
sacramentos administrados de acordo de Genebra viam o protestantismo se tância do ministério dela deste modo:
com a instituição de Cristo, ali, não há despedaçando em toda sorte de seitas
dúvida, existe uma igreja de Deus” (IV e cultos. Isto foi em parte o resultado “Contudo, uma vez que agora nosso pro-
1.9). Mais tarde as igrejas Reformadas da doutrina do sacerdócio de todos os pósito é discorrer acerca da Igreja visível,
adicionaram ainda uma terceira mar- crentes, de Lutero, a qual foi muito er- aprendamos, mesmo do mero título mãe,
ca, a saber, a disciplina da igreja (ver a radamente interpretada para significar quão útil, ainda mais, quão necessário
confissão Belga, Art. 29). que todos eram livres para explicar as nos é seu conhecimento, quando não ou-
Escrituras como achassem adequado. tro nos é o ingresso à vida, a não ser que
Todos os Crentes Verdadeiros Têm Para Calvino a unidade espiritual dos ela nos conceba no ventre, a não ser que
a Mesma Mãe → Referir-se à igreja crentes não pode existir sem a unidade nos dê à luz, a não ser que nos nutra em
como nossa “mãe” soa estranho e mes- visível da igreja. Esta unidade flui direta seus seios, enfim, sob sua guarda e go-
mo errado para muitos cristãos hoje. e logicamente da doutrina Calvinista da verno nos retenha, até que, despojados
Tem um elo Católico Romano ligado a união mística entre Cristo e o seu povo da carne mortal, haveremos de ser se-
isso. Estamos habituados a ouvir a Igre- (Ef. 5:31). Exatamente como os crentes melhantes aos anjos (Mt. 22:30). Porque
ja de Roma descrita como “Igreja Mãe”, são ligados a Cristo, seu cabeça, eles nossa fraqueza não permite que sejamos
porém os protestantes, falando de for- estão ligados a todos os membros do despedidos da escola até que tenhamos
ma geral, raramente fazem uso deste seu corpo. Daí a possibilidade de haver passado toda nossa vida como discípulos”
termo. Contudo, para Calvino, a palavra apenas uma igreja. (Institutas, IV.I, iv).
“mãe” era uma palavra apropriada para Os crentes em Cristo, por isso, deve-
descrever a Igreja de Cristo. Ele natural- riam zelosamente guardar e promover A lógica aqui é surpreendente. Se
mente sabia muito bem que Roma rei- a unidade da igreja. “Existe apenas uma Deus é nosso pai através da regenera-
vindicava manter um monopólio deste noiva de Cristo”, insiste Calvino, “e essa ção, a igreja deve ser nossa mãe que
título. Ele estava convicto, contudo, de noiva é o totalidade de todos os cris- nos traz ao nascimento e nos alimenta
que Roma perdera o direito de chamar- tãos neste mundo” (Comentário sobre o para a vida espiritual (Gl. 4:19-31; Hb.
se a mãe de todos os crentes; ela não salmo 133:1). “Unidade e unanimidade”, 5:13-6:1). A igreja, como noiva de Cris-
cumpriu as tarefas e responsabilidades ele diz “são necessárias quando a igreja to, diz Calvino,
usualmente associadas às mães. deseja persistir neste mundo”. Em seu
O emprego de Calvino do termo Comentário sobre o Salmo 47:10, ele es- “... é o ventre no qual o descrente infértil
“mãe” para descrever a Igreja tem um creve que “a unidade da igreja consiste encontra o evangelho, está impregnada
precedente antigo. Sua afirmação que no fato de que aquele povo é santamen- pelo Espírito Santo pela pregação da pa-
“Você não pode ter Deus como seu pai a te preparado para seguir a Palavra de lavra. É ela que nos nutre, alimentando-
menos que tenha a Igreja como sua Mãe” Deus, de modo que há um rebanho e nos em seu seio com o leite puro do evan-
é citação direta do bispo Cipriano de um pastor”. gelho, dando-nos mais tarde o alimento

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A Igreja como Nossa Mãe

sólido da sã doutrina e do discipulado. sinando a palavra, muitos terminavam


Ela nos guia com sua longa sabedoria, no pântano do subjetivismo e do mis-
ensinada a ela pelo Espírito Santo da
É ela que nos nutre, ticismo.
palavra de Deus, pelos longos tempos Calvino vê como evidência do
da sua história — a mesma sabedoria de
alimentando-nos em amor de Deus por nós o fato dele lidar
Deus em Cristo, a quem ela se submete. conosco de acordo com nossa pequena
E o seu noivo divino-humano cuida dela,
seu seio com o leite capacidade. Citando a declaração de
conduzindo-a e amando-a, ensinando- Paulo de que “nós vemos em parte, e
nos através da sua palavra e por meio
puro do evangelho, conhecemos em parte e por isso cami-
do seu Espírito — em sua igreja”. nhemos, mas pela fé”, Calvino pergunta:

dando-nos mais
Em Gálatas 4 o apóstolo Paulo fala “De onde jorra esta fé? Como ela é alimen-
da igreja como a Jerusalém do alto, a tarde o alimento tada e aumentada? Por meio da Palavra
qual é livre e a mãe de todos os cren- de Deus (Rm. 10:17). Quando temos
tes (v. 26). Ele compara esta cidade sólido da sã doutrina pregação e somos diligentes para ser-
celestial com a Jerusalém da terra, a mos edificados por ela, este é o primeiro
qual, ele diz, está em cativeiro com os e do discipulado ponto por meio do qual e no qual nossa
seus filhos. O que ele quer dizer é que fé começa, e esse é o meio pelo qual ela
apenas os verdadeiros cristãos salvos continua a crescer dia a dia até que seja
pela graça são a verdadeira e legítima completamente aperfeiçoada...” (Comen-
descendência de sua mãe, a Jerusa- felicidade nele, e manter o caminho que tário, 1Co 13:9).
lém celestial, enquanto os outros, os nos é mostrado, caminho o qual é nosso
judeus que buscam ser salvos pelas Senhor Jesus Cristo, de modo que nós, Algumas Aplicações para Hoje → A
obras da lei, são os filhos de sua mãe, livres de todo orgulho e alta opinião so- doutrina da igreja de Calvino é de gran-
a Jerusalém terrestre que ainda existia bre nós mesmos, permitamo-nos ser ves- de importância para nós que vivemos
naquele tempo. tidos com a roupa que nos é oferecida em 500 anos após seu nascimento num
nosso Senhor Jesus Cristo e descansar ali tempo que é, de muitas maneiras, bem
As Duas “Jerusaléns” → Em seus ser- toda a nossa glória, eu digo quando tiver- diferente do dele e, contudo, também
mões em Gálatas, Calvino traça várias mos a doutrina após certo ponto, então apresentando muitas semelhanças com
analogias entre estas duas “Jerusaléns” é a casa de Deus e o santuário, então ela o seu dia. Podemos acreditar que Deus
e as igrejas do seu próprio tempo, a é a verdadeira igreja e nossa mãe, e nós ainda tem sua Igreja visível na terra,
igreja de Roma e as igrejas da Reforma. podemos estar bem seguros de que Deus uma Igreja ainda identificável pelas
Como a Jerusalém terrena, Roma ensi- também nos declarará e aceitará como marcas assentadas por Calvino. Confio
na a salvação pelas obras enquanto as seus filhos” (Sermão em Gálatas, p. 627). que todos os nossos leitores pertencem
igrejas Reformadas, nascidas da Jeru- às igrejas que possuem estas marcas.
salém do alto, proclamam a mensagem Calvino e os Ana­batistas → Con- Calvino, como vimos, esteve aguda-
da salvação pela graça. quanto fossem sérios os erros de mente preocupado com a composição
A diferença entre estas duas igre- Roma, Calvino não pouco se opôs aos mista da igreja visível. Ele acentuou
jas, que reclamam ambas o honorável Anabatistas, que em sua visão, mostra- que não somos membros da Igreja por
título de mãe, é enorme. É crucial, por vam desdém pela Palavra de Deus e os nascimento natural, mas tornamo-nos
isso saber de qual mãe nascemos espiri- ofícios de pastor e mestres, que alega- membros dela por um renascimento
tualmente. “Onde quer que tenhamos a vam não necessitar. Eles consentiam espiritual. Mas ele também enfatizou
palavra de Deus pregada para nós com em que a pregação é útil para iniciantes que quando somos renascidos para a
pureza”, Calvino escreve: na vida cristã, mas após algumas lições vida celestial, isto de nenhum outro
nas doutrinas básicas prosseguiriam modo acontece senão através do mi-
“... sem qualquer mistura, assim como por si mesmos. Confiando naquilo que nistério da igreja (Comentário no Sal-
não há corrupção nenhuma do Evange- acreditavam ser uma operação direta mo 87:5). “Aqueles que negligenciam
lho, mas nós seremos guiados totalmen- do Espírito Santo em lugar de ministros este meio [i. e., o ministério da igreja] e
te para Deus para buscar toda nossa devidamente ordenados pregando e en- ainda esperam tornar-se perfeitos em

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Cornelis Pronk

Cristo, são loucos”, escreve Calvino Bíblia eram permitidos apenas se o qual deveríamos medir todas as coisas
comentando Efésios 4:12. “Tais são ministro ou um oficial, ou pelo menos pertinentes à doutrina e à vida.
os fanáticos”, ele acrescenta, “que in- algum membro da igreja bastante co-
ventam relações secretas do Espírito nhecedor da Palavra estivesse presente. Vamos Apreciar Nossa “Mãe” → Nós
para si mesmos, e os orgulhosos que Isto era visto por alguns como muito entramos numa outra temporada de in-
pensam que para eles a leitura privada controlador e também eu pensava as- tensas atividades da igreja com uma ên-
das Escrituras é suficiente, e que eles sim naquele tempo. fase no ministério de ensino. Todo mun-
não têm necessidade do ministério co- Mas agora, vendo retrospectivamen- do está de volta das férias, os bancos da
mum da Igreja” (Ibid). te e especialmente depois da leitura de igreja estão cheios novamente.
Enquanto Calvino estava se referin- Calvino, imagino se esta antiga abor- Os nossos pastores estão rejuvenes-
do aos Anabatistas radicais do seu tem- dagem era assim tão errada. Rigorosa- cidos e ansiosos para pregar novas sé-
po, acho que alguns dos perigos que mente ligado a isto está a proliferação ries de sermões. A Escola Dominical e as
ele menciona aqui ainda estão conosco dos guias de estudo que o nosso povo classes de Catecismo estão começando
hoje. Não apenas na igreja evangelical, jovem e muitas pessoas mais velhas novamente, como também vários gru-
mas igualmente nas igrejas Reforma- igualmente utilizam. Alguns destes pos de estudos da Bíblia. Vamos consi-
das há uma tendência para contornar estudos, penso, não são sadios e estão derar um grande privilégio termos uma
o ministério oficial da igreja local pre- longe de serem Reformados. igreja saudável para frequentar, uma
ferindo procurar o alimento espiritual Uma marca da verdadeira igreja é sua mãe amorosa, que ensina a verdade
em outra parte. Muitos alcançam seus apostolicidade, a qual significa que esta apostólica por meio de pastores orde-
enlevos espirituais em Conferências igreja adere às doutrinas como expostas nados e equipados por Deus. A mesma
onde eminentes oradores bem produ- pelos apóstolos divinamente nomeados mãe que nos dá nascimento espiritual,
zidos deslumbram suas audiências com que lançaram os fundamentos da Igreja também nos alimenta amorosamente,
sua eloquência e imaginação. Não me Cristã. Isto implica em que, se desejamos primeiro com o leite da Palavra e em
oponho às Conferências, já fui mui- ser parte desta igreja apostólica, nossa seguida com alimento mais sólido. No-
to beneficiado por muitas delas. Mas, compreensão da Escritura deve estar em vamente a mesma mãe que nos ensina
como insiste Calvino, nosso principal harmonia com o que os apóstolos ensi- a verdade e nos nutre, também nos
alimento espiritual deve vir dos pasto- naram. Para dizê-lo como um dos após- disciplina quando necessário ― e tudo
res e mestres que Deus tem dado à sua tolos — Judas — nós devemos “batalhar, isto por intermédio de pastores fiéis
igreja. Os crentes devem estar assistin- diligentemente, pela fé que uma vez por designados pelo nosso Pai celestial. Se
do regularmente a igreja local, mesmo todas foi entregue aos santos” (Jd 3). isto é assim ― e quem ousa negá-lo? ―
que o pregador não seja Spurgeon, mas Em outras palavras, compreender nós precisamos receber estes homens
um homem de médias habilidades. “apostolicidade” significa empenhar-se e ouvi-los. Como diz Calvino,
Um outro perigo que vejo neste con- para compreender a Palavra de Deus e
texto tem a ver com o modo como os a interpretação desta Palavra com a aju- “Se desejamos nossa salvação, devemos
estudos bíblicos são conduzidos. En- da daqueles que a têm ensinado através aprender a ser alunos humildes ao rece-
quanto eu aprovo de coração os grupos da história da igreja. Como crentes re- ber a doutrina do Evangelho e em escu-
de estudo da Bíblia, estou preocupado formados isto significa que nós deverí- tar com atenção os pastores que nos são
que as Escrituras são algumas vezes dis- amos estar com aqueles intérpretes que enviados, como se o próprio Jesus Cristo
cutidas sem que haja alguém presente seguem a linha de Agostinho, Calvino e falasse para nós em sua própria pessoa,
que possa falar com alguma autoridade os outros reformadores e seus suces- assegurando-nos que Ele reconhecerá
quanto à exegese própria das passagens sores, os Puritanos, e aqueles que fica- a obediência e submissão da nossa fé
da Escritura. Como resultado, ouve-se ram com as tradições deles. Jonathan quando ouvimos o homem mortal para
declarações como, “Eu acho que esta Edwards, Spurgeon, Hodge, Warfield, quem ele deu esse fardo” (Sermões em
passagem significa isto” ou “Eu sinto que Brakel, Bavinck e muitos outros. Este Efésios, p. 374).
significa aquilo”, ou “Para mim parece é o melhor caminho para manter-nos e
dizer algo assim”, enquanto outro tem ao nosso povo, livres de cair no subje-
Rev. Cornelis Pronk é Prof. Visitante de História da
uma visão totalmente diferente. tivismo e relativismo. O ensino de uma Igreja e Teologia Sistemática no Puritan Reformed
Theological Seminary, Grand Rapids, MI; Atualmen-
Nossos leitores mais idosos lembrar- igreja visível que ostenta as três mar-
te é Pastor da Free Reformed Church em St. George,
-se-ão do tempo quando os estudos da cas da verdadeira igreja é o padrão pelo Ontário, Canadá.

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O Que é a Verdade
“Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade.”(Jo17.17)

Morton H. Smith Em outra ocasião, Jesus falou sobre si mesmo nestes


termos: “Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida; ninguém

I
ntegridade Doutrinária → Nesta era de lassidão vem ao Pai senão por mim” (Jo 14.6). Ele estava afirman-
geral e afastamento da fé cristã ortodoxa, uma das do que, desde o momento em que Satanás introduziu
maiores necessidades é o retorno à integridade a mentira, ou a falta de integridade no mundo, e que
doutrinária. Em especial, os homens responsáveis pela Adão a abraçou em sua queda, uma das necessidades
pregação sagrada deveriam ser homens que ensinam básicas do mundo é a reintrodução da verdade. E foi
a verdade, e nada mais do que a verdade da Palavra de exatamente isso que Jesus declarou estava fazendo no
Deus. Uma das urgentes necessidades deste mundo de mundo. Também disse que só existe um meio de salva-
trevas, repleto de falsidade, é a proclamação clara da ção: vir a ele, que é a própria verdade. Jesus testemunho
verdade da Palavra de Deus. isto a Pilatos: “Tu dizes que sou rei. Eu para isso nasci
A tentação de Satanás para Eva ocorreu na área da e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da
integridade doutrinária. Ele ousou acusar a Deus de fal- verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz”
ta de integridade. A queda do homem resultou em que (Jo 18.37). Pilatos respondeu cinicamente: “Que é a ver-
a tentação permanente do mundo, da carne e do Diabo dade?”, mostrando assim sua natureza não-regenerada.
nos tornou menos do que verdadeiros em nosso viver Nesse mesmo evangelho, lemos que Jesus confiou
diário. Como Jesus disse, Ele mesmo é a verdade e a aos seus discípulos o ministério que recebera do Pai:
vida; por isso, o evangelho envolve uma proclamação da “Santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade. Assim
verdade em um mundo de mentiras. Todos os cristãos como tu me enviaste ao mundo, também eu os enviei ao
devem, mediante o seu testemunho por Cristo, declarar mundo. E a favor deles eu me santifico a mim mesmo,
toda a verdade do evangelho. para que eles também sejam santificados na verdade” (Jo
Todo o conhecimento que podemos encontrar neste 17.17-19). Jesus estava rogando que o Pai santificasse
mundo foi colocado aqui por Deus, o Criador. Em últi- os discípulos “na verdade”, para que pudessem procla-
ma análise, toda a verdade está em Deus. Ele é a fonte mar a verdade de seu Evangelho neste mundo de falsi-
de toda a verdade que encontramos no mundo que ele dade e trevas.
criou. Portanto, quando Deus falou a Adão as palavras A grande comissão de Jesus, registrada em Mateus
da aliança de obras, proibindo-o de comer da árvore do 28, define a missão da igreja em dois empreendimen-
conhecimento do bem e do mal, ele afirmou a verdade tos. Primeiramente, ela deve evangelizar o perdido e,
para Adão. Na tentação dirigida a Eva, Satanás decla- assim, unir os eleitos na igreja. Em segundo, a igreja
rou abertamente que isso era falso. Quando Jesus falou deve ensinar aos seus membros todas as coisas reve-
com os judeus incrédulos, ele lhes disse que Satanás é ladas nas Escrituras. Qualquer outra coisa que a igreja
o pai da mentira: “Vós sois do diabo, que é vosso pai, e faça tem de ser subsidiária a essa comissão. Tanto a
quereis satisfazer-lhe os desejos. Ele foi homicida desde o evangelização como o ensino dos membros exigem que
princípio e jamais se firmou na verdade, porque nele não a igreja mantenha integridade doutrinária. Qualquer fa-
há verdade. Quando ele profere mentira, fala do que lhe é lha em cumprir isso é desobediência à ordem de Cristo
próprio, porque é mentiroso e pai da mentira” (Jo 8.44). A para a igreja.
incredulidade deles se alicerçava no fato de que tinham Se isso é verdade, é óbvio que Deus colocou sobre os
um coração pecaminoso e não-regenerado. ministros da Palavra a absoluta necessidade de serem

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Morton H. Smith

leais e fiéis à Palavra em sua pregação A Reforma produziu um novo com- essa subscrição serem fiéis em sua pre-
e ensino. Tornar-se verdadeiro intér- promisso com o princípio de Sola Scrip- gação e ensino e proclamarem todo o de-
prete da Palavra é o dever sublime e tura. O resultado foi a redescoberta do sígnio de Deus expresso nas Escrituras
celestial de cada homem que prega as evangelho pela igreja, à medida que e interpretado nas Confissões da igreja.
Escrituras. Visto que a Palavra foi dada procurava ser reformada pela Palavra Deixar de fazer isso significa corromper
tanto no hebraico como no grego, os de Deus. Um dos benefícios da Reforma a integridade doutrinária que o Senhor
pregadores têm de ser capazes de abor- foi a destilação dos dogmas da igreja espera de seus servos.
dar essas línguas de modo tão suficien- em vários Credos ou Confissões refor- Em nossa evangelização, tendemos
te, que entendam apropriadamente o mados. Foram produzidas cerca de 39 frequentemente a insistir em uma res-
texto que desejam proclamar às suas Confissões; e um dos fatos notáveis é posta emocional ao evangelho, sem
congregações. Em outras palavras, a que elas mantinham um unidade bá- antes transmitir apropriadamente as
exigência de integridade no ministé- sica. grandes doutrinas da fé cristã à pes-
rio da Palavra exige dos pregadores o A fim de preservar a integridade da soa. Precisamos reconhecer que uma
compromisso de estudarem a Palavra pregação nessas igrejas, exigiu-se dos resposta correta do coração ou da
em suas línguas originais. ministros que subscrevessem a Confis- consciência só pode ser manifestada
Uma parte da verdadeira interpreta- são das igrejas em que serviam. Uma depois que a verdade do evangelho é
ção da Bíblia inclui o entendimento de forma histórica de subscrição exigida comunicada ao pecador. Uma respos-
como textos específicos se enquadram até hoje por algumas denominações é ta bíblica genuína acontece somente
em todo o sistema de verdade apresen- esta: “Você recebe e adora a Confissão quando a verdade do Evangelho é com-
tado nas Escrituras. Portanto, o ministro de Fé e o Catecismo desta igreja como preendida. Percebemos, assim, a neces-
da Palavra precisa estar ciente de todo documentos que contém o sistema de sidade de integridade doutrinária por
o sistema de teologia apresentado na doutrina ensinado nas Escrituras Sagra- parte de todos os cristãos, que devem
Bíblia. O estudo da história da igreja das?”. Em outras palavras, o ministro a ser testemunhas do evangelho para o
revela que a igreja medieval perdera ser ordenado está dizendo que a Confis- mundo que nos rodeia.
amplamente a verdade bíblica, visto que são de Fé e o Catecismo de Westminster
Dr. Morton H. Smith é Prof. de Teologia Bíblica e
substituíra o ensino da Palavra de Deus afirmam o que ele acredita ser o ensino Sistemática no Greenville Presbyterian Theological
Seminary, SC
pela tradição dos homens. da Bíblia. Cumpre àqueles que assumem

Confissão de Fé de Westminster
Capítulo XXV → Da Igreja

I. A Igreja Católica ou Universal, que é invisível, consta do número total dos eleitos que já
foram, dos que agora são e dos que ainda serão reunidos em um só corpo sob Cristo, seu
cabeça; ela é a esposa, o corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todas as coisas.

II. A Igreja Visível, que também é católica ou universal sob o Evangelho (não sendo restri-
ta a uma nação, como antes sob a Lei) consta de todos aqueles que pelo mundo inteiro
professam a verdadeira religião, juntamente com seus filhos; é o Reino do Senhor Jesus, a
casa e família de Deus, fora da qual não há possibilidade ordinária de salvação.

III. A esta Igreja Católica Visível Cristo deu o ministério, os oráculos e as ordenanças de
Deus, para congregamento e aperfeiçoamento dos santos nesta vida, até o fim do mundo,
e pela sua própria presença e pelo seu Espírito, os torna eficazes para esse fim, segundo a
sua promessa.
Ef. 1: 10, 22-23; Col. 1: 18; I Cor. 1:2, e 12:12-13,; Sal .2:8; I Cor. 7 :14; At. 2:39; Gen. 17:7; Rom. 9:16; Mat. 13:3 Col. 1:13; Ef. 2:19, e 3:15; Mat. 10:32-33; At. 2:47;
Ef. 4:11-13; Isa. 59:21; Mat. 28:19-20.

8 Revista Os Puritanos 2•2010


A Experiência de Deus
Quais são as implicações do pensamento calvinista, desta visão da majestade de Deus
e da verdade salvadora das Escrituras no que diz respeito a nós como indivíduos?

A. N. Martin vida de um ministro é a vida do seu ministério”. Você


não pode separar o que você é daquilo que você faz;

O
teólogo norte-americano B.B. Warfield, descre- você não pode separar o efeito da verdade sobre o seu
ve o Calvinismo como sendo “a visão da ma- relacionamento com Deus, do efeito da verdade através
jestade de Deus que permeia a vida e a expe- do seu ministério. A fim de termos o foco bem centrado
riência como um todo”. Ao se referir especificamente nesses princípios eu os estou separando, mas de manei-
à doutrina da salvação, a sua feliz confissão se resume ra nenhuma quero dar a impressão de que esses dois
em três palavras significativas: Deus salva pecadores. aspectos estão separados.
Sempre que somos confrontados com grandes decla- Então pergunto: Quais são as implicações do pensa-
rações doutrinárias nas Sagradas Escrituras, Deus não mento calvinista, desta visão da majestade de Deus e da
nos deixa meramente com a afirmação da doutrina. O verdade salvadora das Escrituras no que diz respeito a
propósito da verdade de Deus colocada nas mentes do nós como indivíduos? Como resposta voltemos àquele
Seu povo é que, ao compreendê-las, eles venham a co- princípio geral que B.B.Warfield chama de “princípio
nhecer o seu efeito na sua própria experiência pessoal. formativo do Calvinismo”. Eu cito as palavras de War-
Assim sendo, os grandes temas doutrinários de Efésios field: “Este princípio se encontra então, deixe-me repetir,
capítulos 1, 2 e 3 são seguidos pela aplicação de tais numa apreensão profunda de Deus, na Sua Majestade,
doutrinas à vida prática e à experiência, em Efésios com a pungente compreensão que inevitavelmente
capítulos 4, 5 e 6. O fim para o qual Deus deu a Sua acompanha esta apreensão, da relação mantida com
verdade não foi somente para a instrução de nossas Deus, pela própria criatura, e, em particular, pela cria-
mentes, mas muito mais para a transformação de nos- tura em pecado. O calvinista é o homem que vai a Deus,
sas vidas. No entanto, uma pessoa não pode aterrissar e que, tendo-O visto na Sua glória, por um lado está
diretamente na vida e na experiência; a compreensão cheio do senso de sua própria indignidade de estar na
deve vir através da mente. Assim, a verdade de Deus presença de Deus como criatura, e muito mais ainda
é dirigida ao entendimento e o Espírito de Deus age como pecador; e por outro lado, acha-se em atitude de
no entendimento como Espírito de sabedoria e conhe- adoração e admiração à Sua pessoa, com base no fato de
cimento. Ele não ilumina a mente simplesmente para que este Deus é um Deus que recebe pecadores. Aquele
que as gavetas dos arquivos do estudo mental sejam que crê em Deus sem reservas e está determinado que
preenchidos com informações. O fim com que Deus Deus será Deus para ele em todo o seu pensamento,
instrui a mente é para que Ele, assim, possa transfor- sentimento e vontade — em todo âmbito das atividades
mar a vida. de sua vida: intelectual, moral e espiritual —, em todas
Quais são então as implicações pessoais do pensa- as suas relações individuais, sociais e religiosas — não
mento e das verdades calvinistas tanto na vida do in- importa como ele se intitule, o que ele pensa de si mes-
divíduo como no ministério exercitado pelo indivíduo? mo ou como vê a si mesmo, essa pessoa é, pela força
O que eu quero dizer, com implicações pessoais, são da lógica, um calvinista” (Calvin as a Theologian and
as implicações do seu relacionamento com Deus, sem Calvinism Today).
nenhuma referência consciente ao seu ministério. Eu Note que quando B.B. Warfield define calvinismo e
sei que essas coisas não podem ser separadas num o calvinista ele usa palavras de forte natureza experi-
sentido absoluto, pois como já foi muito bem dito, “a mental. As palavras “apreensão” e “compreensão” tra-

Revista Os Puritanos 2•2010 9


A.N. Martin

tam primariamente do entendimento, Deus que o afetou tanto, que sua vida que na sua própria confissão ele não
apesar do seu significado ir além disso. jamais foi a mesma. A primeira coisa apenas diz “Sou homem de lábios impu-
Mas quando chegamos a palavras tais que o impressionou nesta ocasião foi ros”, mas também diz, “habito no meio de
como “ter visto a Deus”, “estar cheio, por esta visão de Deus em posicionamen- um povo de impuros lábios”. Nos regis-
um lado, por um senso de sua própria to Alto e Sublime, assentado no trono. tros em que descreve o estado em que
indignidade”, “admiração e adoração’’, Qualquer outra coisa introduzida na o povo se encontrava, como por exem-
“pensamento, sentimento e vontade”, visão – a santidade de Deus, a graça de plo em Isaías 58, vemos que eles eram
são palavras que tratam de experiência. Deus, o perdão de Deus – está compre- extremamente religiosos; eles vinham
Warfield está realmente dizendo que endida no brilho de Deus entronizado diariamente ao templo e ofereciam sa-
ninguém é calvinista, nenhuma pessoa – “Eu vi o Senhor assentado sobre um crifícios. Leia Isaías 1, e você verá os
é realmente bíblica no seu pensamento alto e sublime trono”. Estaria correto, contemporâneos dos profetas trazendo
a respeito de Deus, nenhum homem é portanto, dizermos que foi ali exercida os seus sacrifícios e observando os seus
verdadeiramente religioso, nenhum ho- uma santidade soberana assim como dias de festa. No entanto Deus disse:
mem é verdadeiramente evangélico até uma soberania santa. Ali visualizava-se “Estou farto de tudo isso. Não continueis
que esses conceitos tenham impregna- uma graça soberana assim como a so- a trazer ofertas vãs; ...quando multipli-
do as fibras nervosas da sua experiên- berania cheia de graça. Esta exposição cais as vossas orações, não as ouço”. E se
cia. Em outras palavras, Warfield diria ao Senhor, como Rei, trouxe consigo eu e você tivéssemos estado lá como es-
que um calvinista acadêmico é uma vários resultados específicos na vida pectadores, teríamos dito que a religião
contradição de termos; a mesma coisa do profeta. em Israel ia muito bem, obrigado. Mas
que se falar do termo contraditório: um quando este homem teve uma visão e
“cadáver ambulante”. Quando a alma e o Em primeiro lugar, esse contato um senso da majestade de Deus, a visão
corpo estão separados é porque a morte com Deus trouxe a ele um conhecimen- trouxe consigo não só um vislumbre da
se fez presente, e Warfield nos ensina- to da sua própria pecaminosidade. “Ai de sua própria pecaminosidade, mas tam-
ria que quando a alma do pensamento mim! Estou perdido! Estou em choque. bém uma percepção completa do seu
calvinista está morta ou ausente, tudo Desfaleço!” Quem era ele? Seria ele um estado natural, de sua geração.
que sobra é uma carcassa e o mau chei- andarilho qualquer arrancado das es-
ro nas narinas de Deus, e, muitas vezes, tradas e que costumava falar palavrões Em segundo lugar, esse contato
o odor desagradável na igreja quando para aqueles que não gostavam das com Deus trouxe um conhecimento ex-
este se acha presente no ministro. coisas que lhe interessavam? Era ele perimental da graça e do perdão. Quan-
algum tipo de estudante sem rumo, sob do Isaías sentiu a sua impureza, a sua
Considerando Isaías 6 → Com este a cobertura das proposições vazias da ruína na presença do Senhor, o serafim
pano de fundo quanto às implicações nova moralidade, dando vazão às suas toma uma brasa viva do altar do sacri-
pessoais, eu gostaria que considerásse- paixões animalescas? Não! Essa pessoa fício, uma brasa que se torna o símbolo
mos uma passagem das Escrituras, na era Isaías e, conforme todas as indica- da base sobre a qual Deus perdoa pe-
qual temos um relato histórico de como ções das Escrituras, tratava-se de um cadores. Essa brasa toca os lábios do
Deus faz um calvinista. Veja Isaías 6: “No homem santo, um homem de Deus, o profeta, e apesar de sentir dor no seu
ano da morte do rei Uzias, eu vi o Senhor que chamaríamos de um cristão dedica- íntimo, há também uma maravilhosa
assentado sobre um alto e sublime trono”. do. Mas ele ainda teria de ter uma visão palavra de graça: “A tua iniquidade foi
Isaías, que conhecia o rei Uzias muito do Senhor que o quebrantasse e o sacu- retirada e limpo o teu pecado”. Eis aí um
bem, e o tinha visto no seu trono, diz disse, no sentido de expor a corrupção homem que foi trazido a uma visão do
que, no ano em que aquele rei morrera, inerente ao seu próprio coração e à sua seu próprio pecado, de maneira tal que
ele viu o verdadeiro Rei. Ele O menciona própria vida. Eu creio que Deus jamais ele se pergunta quem pode habitar na
de novo no final do versículo 5: “e os faz calvinistas, ao apresentar-lhes Sua presença de alguém como o Senhor. É
meus olhos viram o Rei, o Senhor dos glória e majestade, sem também trazer para esse tipo de pessoa que a palavra
Exércitos!”. E ele O viu essencialmente consigo esta exposição mensurável ao de perdão é humilhante, opressora e
como um Rei entronizado. pecado à luz da Sua soberania e da Sua cativante. A razão porque a graça é
Aqui está o registro de como Deus santidade. Essa visão também trouxe tão pouco apreciada nos nossos dias é
faz um calvinista, como Deus levou um consigo um vislumbre profundo do seu porque a majestade transcendente e a
homem a ter uma visão da majestade de estado natural e de sua geração. Note soberania e a santidade de Deus são tão

10 Revista Os Puritanos 2•2010


A Experiência de Deus

pouco estimadas. Nós enxergamos pou- lógica foi saciado por meio do sistema
co mais do que meio palmo entre Deus e teológico calvinista. Você “viu” a Deus?
nosso ego pecaminoso. Todavia, Isaías Um calvinista Você foi trazido para perto dEle? Essa
viu essa questão como ela é de fato, é a questão. Eu vou relembrá-lo das pa-
como um abismo profundo, e quando acadêmico é uma lavras de B.B.Warfield: “Um calvinista é
o Senhor soberanamente estendeu Sua um homem que ‘viu’ a Deus”. A expres-
misericórdia por cima daquele abismo contradição de são “um calvinista orgulhoso” é uma
e o tocou, então, ele se tornou um ho- contradição de termos. Se um calvinis-
mem que evidenciou o fruto da graça. termos; a mesma ta é um homem que viu a Deus assim
como Ele é, alto e elevado, entronizado,
Em terceiro lugar, esse contato com coisa que se falar do então ele é um homem que foi trazido
Deus fala de um homem que foi trazido à ao quebrantamento perante aquele tro-
completa resignação perante Deus. Ten- termo contraditório: no assim como foi Isaías. Um calvinista
do sido purificado, em seguida Isaías carnal? Outra contradição de termos!
nos diz: “Ouvi a voz do Senhor que di- um “cadáver O Entronizado é o Santo, e Ele habita
zia: A quem enviarei, e quem há de ir por em comunhão consciente com aqueles
nós?”. Note a reação do profeta. Tendo ambulante”. que se relacionam corretamente com
visto o Senhor na Sua soberania e san- Ele como sendo o Entronizado e o Santo.
tidade, e a si mesmo na sua imundícia, Estas duas coisas são colocadas juntas
e tendo ouvido a palavra de graça e de maneira belíssima em Isaías 57:15
perdão, o que pode um homem fazer Senhor, mas isso não é justo. Não me onde o profeta diz: “Porque assim diz o
quando o Senhor fala e ele ouve a Sua chames a um trabalho como esse!”? Alto, o Sublime, que habita a eternidade,
voz, senão dizer “Eis-me aqui!”? Nada Não, de modo algum! Ele simplesmen- o qual tem o nome de Santo: Habito no
existe aqui do missionário que conta te diz, “Até quando, Senhor?”. Em outras alto e santo lugar, mas habito também
histórias “água com açúcar” sobre o palavras, “Senhor, Tu tens todo direito com o contrito e abatido de espírito”. O
pecado humano e sobre a necessidade de me enviar para um ministério que que é contrição? É a reação de um pe-
humana, na tentativa de arrancar jo- vai ser basicamente um ministério de cador na presença de um Deus Santo. E
vens dos bancos da auto-indulgência endurecimento e julgamento. Tu és o que é humildade? É a reação de um
em que se assentam, e de extraí-los de Deus. Eu sou pecador. O que eu posso súdito na presença de um soberano.
sua rebelião para com a vontade revela- fazer senão ser cativo à expressão da Isaías jamais esqueceu esta visão, e ele
da de Deus, no sentido de fazer com que tua vontade, não importa quais sejam diz: “Este grande Deus habita naquele
eles profiram um “Eis-me aqui!” Temos as implicações?” alto e sublime lugar, com ele também
aqui apenas o reflexo de um homem É isso o que Deus faz, quando torna aquele de espírito abatido e contrito,
que viu o Senhor e ouviu a Sua voz, e diz, uma pessoa calvinista. De uma forma para reviver o espírito humilde, e rea-
“Eis-me aqui Senhor, envia-me a mim!”. ou de outra, Ele lhe dá uma visão da vivar o coração dos contritos”.
E então, no seu papel, o Senhor testa Sua própria majestade, soberania e Se o entendimento que você tem do
a profundidade de tal confissão e nós santidade como sendo o Alto e Sublime, pensamento calvinista o levou ao ponto
vemos uma total resignação à vontade que acaba trazendo consigo um senso onde você pode, por assim dizer, se glo-
e aos caminhos do Senhor, não importa experimental profundo e pessoal da pe- riar em sua liberdade e usá-la como pre-
quão estranhos possam parecer, pois se caminosidade humana e em termos da texto para licenciosidade, então você
torna imediatamente claro ao profeta nossa própria natureza. Esse encontro jamais se tornou um calvinista bíblico.
que ele vai ter um ministério primaria- traz um conhecimento íntimo da voz de Deus faz calvinistas hoje da mesma for-
mente de julgamento: “Vai e dize a este Deus, uma total resignação à vontade e ma que Ele os fazia nos dias de Isaías.
povo: ouvi, ouvi e não entendais; vede, aos caminhos de Deus. A meu ver, eu creio que um homem
vede, mas não percebais. Torna insen- não tem o direito de falar em ser um cal-
sível o coração deste povo!”. “Isaías, eu Você é um Calvinista? → Para apli- vinista só porque pode repetir como um
te comissiono a um ministério de endu- carmos isso, eu quero dizer que não papagaio as frases que chegaram até ele
recimento e de julgamento”. E agora, o fale em ser um calvinista simplesmente por meio da grande herança da literatu-
que faz o profeta? Ele recua e diz: “Ah porque o seu apetite por consistência ra reformada. Ele tem que perguntar a

Revista Os Puritanos 2•2010 11


A.N. Martin

si mesmo, se foi o Espírito Santo que o criatura. Que mais posso fazer senão e contrição. Olhando o outro lado mais
trouxe a este profundo senso de que foi dizer “Eis-me aqui?”. positivo, ela deve produzir gratidão, na
Deus que operou nele, pelo menos em Ó, o prazer indizível de conhecer e expectativa de que Deus, exercitando
alguma medida, a graça da humildade. fazer a vontade de Deus! Não só traz os Seus direitos soberanos, me abençoe
Fui eu dotado de dons e habilidades? Se humildade e submissão, mas contrição com sanidade, saúde corporal, clareza
assim for, que tenho eu que não tenha verdadeira, porque eu, então, vejo que de mente e, acima de tudo, com a Sua
recebido? Quem me faz sobressair? Se todo pecado tem sido um espírito vio- graça, produzindo a confiança de que
Deus me dotou de dons e habilidades lentamente anarquista exercido contra Deus está no Seu trono e que nada no
sejam intelectuais ou doutra ordem, eu os direitos de Deus. Tenho falhado em passado, no presente ou no futuro fez
reconheço que os tenho porque o So- amá-Lo com todo meu coração? Então aquele trono se abalar um milésimo
berano sobre o trono se agradou em isso tem sido anarquia. Ele exige e é de centímetro sequer de sua posição.
dispensá-los a mim, e a única diferença digno da minha afeição integral. Tenho Jeová reina! Trema a terra. Confiança,
entre mim e aquela pobre criança retar- falhado em amar meu próximo como a confiança inabalável, alegria, indepen-
dada que me comove o coração, é que mim mesmo e tenho expressado esse dentemente do que se passe na minha
Ele se agradou em me fazer diferente. pecado ao desrespeitar meus pais, des- esfera de visão! Tudo está bem onde Ele
“Quem te faz sobressair?”. O homem que respeitar os direitos e a vida de outros, está assentado.
está na presença de um Deus entroni- a pureza e a santidade de outros, a repu- Deus fez de você um calvinista? Eu
zado, e que teve esta visão e senso da tação de outros? Vá aos dez mandamen- não estou perguntando se você leu um
majestade de Deus, reconhece que tudo tos e aprenda que quebrar qualquer um livro de Boettner, de Kuyper ou de War-
que ele tem lhe foi dado. Humildade não deles é, no seu âmago, uma anarquia field e você se tornou calvinista. Estou
é timidez. Humildade é aquela disposi- violenta contra os direitos entroniza- perguntando se Deus lhe deu uma “vi-
ção de reconhecimento honesto. Ele é dos de Deus. Todo orgulho — o que não são” dEle? Ele lhe quebrantou? E lhe
Deus, e eu não passo de uma criatura. passa de uma tentativa de partilhar da trouxe àquele lugar, por Sua graça, de
Tudo o que eu tenho vem dEle e lhe é de- glória que pertence ao trono, e ao Deus humildade, submissão, contrição, gra-
vido em adoração e em honra. Ele trará sobre aquele trono, e dizer na realidade, tidão, confiança e alegria? Isso é o que
consigo a submissão que nós vemos em “Ó Deus, por favor me deixe entrar em faz de alguém um calvinista.
Isaías. Ele está assentado sobre o trono; cena e levar um pouquinho da glória
A.N. Martin serviu como ministro na Trinity Baptist
eu não tenho direito algum de defesa, também?”. Não seria isso orgulho? — é Church Of Montville - New Jersey, desde sua cria-
no entanto tenho o indizível privilégio uma tentativa ímpia de compartilhar o ção em 1967. Com mais de 30 anos de experiência
pastoral e o seu evidente dom de pregar aplicativa-
de conhecer e fazer a Sua vontade. Não louvor do Deus entronizado! mente, o fez um pastor e conselheiro amplamente
reconhecido. Tem sido frequentemente convidado
foi esse o reflexo que levou Isaías a agir? E assim, esta visão de Deus não pode para falar em conferências e outros encontros espe-
O Senhor está sobre o trono; eu sou a senão produzir humildade, submissão ciais ao redor do mundo.

Catecismo Maior de Westminster


P.62 → Que é a Igreja Visível?
R. A Igreja visível é uma sociedade composta de todos quantos, em todos os tempos e lugares do mundo, professam a
verdadeira religião, juntamente com seus filhos.

P: 63 → Quais são os privilégios da Igreja visível?


R. A Igreja visível tem o privilégio de estar sob o cuidado e governo especial de Deus; de ser protegida e preservada em
todos os tempos, não obstante a oposição de todos os inimigos; e de gozar da comunhão dos santos, dos meios ordi-
nários de salvação e das ofertas da graça por Cristo a todos os membros dela, no ministério do Evangelho, testificando
que todo o que crer nEle será salvo, não excluindo a ninguém que queira vir a Ele.

Ref. P.62: 1 Cor. 1:2; Gen. 17:7; At. 2:39; 1 Cor. 7:14.
Ref. P.63: Isa. 4:5-6; Mat. 16:18; At. 2:42; Sal. 147:19-20; Ef. 4:11-12; Rom. 8:9; João 6:37.

12 Revista Os Puritanos 2•2010


O Presbiterianismo no Brasil
e a Subscrição Confessional
Quantas igrejas ainda fazem o salutar uso dos Catecismos em suas classes
de Catecúmenos ou que o incentivam no uso familiar?

Ulisses Horta Simões contrário à predecessora americana (PCUSA).8 Algo que


não é fácil explicar é a razão pela qual certas edições da

A
primeira igreja presbiteriana a se instalar no Confissão de Fé, por uma iniciativa do início do século
Brasil foi a Igreja Presbiteriana do Brasil. Tanto assinada por John Merryl Kyle, vinham trazendo estes
a Junta de Missões da então PCUSA quanto a textos não aprovados pela IPB9. Mas o próprio Pierson
da PCUS (após 1867) estiveram envolvidas nas ações nos afirma que a IPB não as adotou10 e que “nenhu-
missionárias no país. O fundador, Ashbel Green Simon- ma modificação subsequente foi feita”11, evidentemen-
ton, era um ministro da igreja do norte, ordenado sob te após a formação do Sínodo do Brasil, em 1888. No
os auspícios da “Old School”, em função da influência entanto, a edição mais recente da Confissão de Fé da
de Hodge, seu professor em Princeton. Paul Pierson é Igreja Presbiteriana do Brasil, embora não mais conten-
de opinião que este fato moldou uma combinação de do a Declaração Explicativa, agrega os dois capítulos
duas características da futura igreja: “a predominância adicionados sem dar qualquer indicação de quando a
da ortodoxia de Westminster e o espírito eclesial que, IPB tenha resolvido adotá-los, ou que tenha mudado de
no contexto brasileiro, se tornou bastante autoritário posição. Certamente faltou uma indispensável nota de
em certos tempos”1. Pierson afirma ainda que, em sua explicação acerca da razão de lá constarem esses dois
opinião, a IPB que surgiu no século XIX foi fruto do capítulos12.
Presbiterianismo da Velha Escola, o que se evidencia No âmbito da Igreja Presbiteriana Independente,
pelos primeiros missionários que vieram e pelas pri- surgida em 1903, também houve controvérsia sobre
meiras obras teológicas publicadas em Português (exa- a subscrição confessional. Por volta de 1938, o Sínodo
tamente o Comentário à Confissão de Westminster de Geral da IPIE recebeu uma consulta sobre a validade
A. A. Hodge , bem como a Confissão e os Catecismos:
2
de uma licenciatura ao ministério de um candidato que
Acrescenta ainda que dentre os teólogos mais citados declarasse exceção quanto a uma doutrina da Confis-
no Brasil, Charles Hodge, Thornwell e Dabney sempre são de Fé, no caso o Capítulo XXXIII:2, que versa sobre
eram presentes!”3. Daí, diz ainda, o Presbiterianismo “as Penas Eternas”. O caso é verídico: o candidato em
brasileiro se tornou “fortemente conservador desde o questão disse que não subscreveria essa doutrina, além
princípio”.4 de haver declarado sua inclinação à doutrina herética
Este historiador nos informa ainda que, quanto à do “aniquilamento dos ímpios”, e o seu presbitério, mes-
subscrição confessional, a IPB adotou, em seu Livro de mo sob protesto de vários de seus membros, decidiu
Ordem de 1937 um requerimento estrito de todos os licenciá-lo. Tal natureza de assunto gerou uma enorme
seus ordenandos: antes estes apenas tinham que sus- controvérsia dentro da denominação, o que conduziu, ao
tentar o governo da Igreja Presbiteriana do Brasil; daí, fim, à separação dos chamados “conservadores” de entre
passaram a votar também uma aceitação estrita dos Sím- os liberais da IPIE, vindo os primeiros a constituir uma
bolos de Westminster, isto é, não apena como contendo, nova denominação a Igreja Presbiteriana Conservadora
mas sendo o sistema de doutrina da Bíblia.5 do Brasil. E um dos seus ministros, o Rev. João Alves dos
Quanto às mudanças efetuadas pelas igrejas-mães6, Santos, que também é professor no CPAJ da IPB, oferece
em 1903, nada se encontra no Digesto Presbiteriano um substancioso histórico dos eventos.13 Pierson ainda
pioneiro de Mário Neves7; é Pierson, mais uma vez, quem acrescenta o dado de que a polêmica alcançou também o
nos socorre, informando que a IPB não as adotou, ao seminário Independente, no qual o candidato à licencia-

Revista Os Puritanos 2•2010 13


Ulisses H.Simões

tura havia estudado, “onde quatro dos lavra, requer “lealdade à Confissão de mandato numa igreja — “irmão, onde
liberais eram professores”. 14
Obviamen- Fé, aos Catecismos e à Constituição da está sua Confissão de Fé?” — ou então
te que os liberais a que se refere eram Igreja Presbiteriana do Brasil”.16 Quan- — “irmão, você já leu toda a Confissão de
ministros da IPIB que tendiam a favor da to ao Manual do Culto, este dispõe a Fé?”, viemos a receber respostas negati-
liberdade de proceder-se à licenciatura questão da subscrição confessional vas. Numa igreja em que, oficialmente, o
do candidato, a despeito da exceção. para o ato público de ordenação, tanto voto de subscrição do presbítero regen-
Quanto à IPIB, isto é, ao contingente de diáconos quanto de presbíteros e te é exatamente igual ao do presbítero
remanescente depois da saída dos “con- ministros, e bem assim para licenciatu- docente, é de se perguntar: quem pode
servadores”, o que transparece é que ra de candidatos ao ministério, com o garantir a sinceridade e a honestidade
a questão confessional e subscricional seguinte teor: “Recebeis e adotais sin- de um voto assim?
passou mesmo por mudanças. Hoje, a ceramente a Confissão de Fé e os Cate- Quantos pastores e presbíteros que
denominação apresenta características cismos desta Igreja, como fiel exposição não conseguem reconhecer os riscos
que deixam um observador externo do sistema de doutrina ensinado nas de acalentar doutrinas espúrias como
à vontade para anotar decisões que Santas Escrituras?”.17 muitas que temos visto e enfrentado
percebem a denominação no rumo da À primeira vista, tal formulação da modernamente, e permitem que sejam
liberalização: a denominação referenda pergunta não deixa margem para dú- cultivadas nas suas igrejas, até convi-
a agenda ecumênica internacional do vida sobre o objeto da subscrição — é dando palestrantes de outras confis-
Concílio Mundial de Igrejas 15
via Alian- mesmo à Confissão de Fé e aos Cate- sões, com convicções alheias ao siste-
ça Mundial de Igrejas Reformadas; além cismos da Igreja que o ordenando ou ma doutrinário de Westminster, para
disto, ironicamente, voltou a IPIB a se licenciando subscreve. Por que então ministrá-las aos seus rebanhos. São
relacionar com a PC (U.S.A.) após a fusão é difícil de se definir? Porque o pano- doutrinas como o carismatismo (que se
das duas denominações presbiterianas rama que se enxerga na denominação abre para as revelações contemporâne-
norte-americanas em 1983. Mais que não reflete o que se subscreve! Apa- as), línguas e profecias, maldições here-
isso, a IPIB aprovou recentemente a or- rentemente, cresce o número de minis- ditárias, “confissão positiva” e “palavra
denação feminina em quaisquer níveis tros que são trôpegos no púlpito ou no de fé” (que impõem uma dimensão hu-
de seu ministério, tal como já têm feito ensino, procurando proporcionar bem manista em detrimento da divina sobre
as denominações chamadas “reforma- estar atraente, muitas vezes na forma as realizações e os decretos), conceitos
das” que estão adotando a agenda do de entretenimento associado ao cultivo de “unção” (que tão alienados se encon-
liberalismo moderno; isto significa, para do experiencialismo, mas oferecendo tram do sentido bíblico da palavra), o
todos os efeitos, a adoção de uma “qua- pouca substância da Palavra e doutrina, uso do evangelicalismo conversionis-
lificação” oficial surpreendente sobre os e deixando de “anunciar todo o desíg- ta e universalista (que depõe contra a
capítulos XXX e XXXI da CFW: o texto nio de Deus” (Atos 20.27). Em muitas soteriologia calvinista), a proclamação
sempre se refere, e todas as denomina- partes do país se repetem ocorrências franca e aberta do dispensacionalismo
ções reformadas assim entenderam até de pastores que sucumbem facilmente (que está numa via frontalmente oposta
ao advento do liberalismo, tratar-se de a “cantos de sereias”, isto é aos ventos de à doutrina da Aliança do Reino), e assim
“homens” para o presbiterato; somente doutrinas, que frequentemente vêm as- por diante; estas são ministradas irres-
uma reinterpretação do gênero masculi- sociados a métodos populistas de cres- ponsavelmente sobre a vida dos servos
no usado no texto, passando a significar, cimento. Há mais de cento e sessenta de Deus, em muitos casos sem o devido
masculino e feminino ao mesmo tempo, anos, Samuel Miller alertava colegas da zelo pela sanidade da doutrina, como é
poderia permitir tal mudança. Em ou- igreja do Norte, muitos deles seus ex- dever pastoral. Pergunta-se: onde está
tras palavras, o significado livre estaria alunos em Princeton, contra esse risco18. a “lealdade” da subscrição?
recaindo sobre a idéia de “gênero hu- Por outro lado, é triste ver que mui- Continuando o diagnóstico, se é
mano”. Foi o que aconteceu com a IPIB. tas igrejas naufragam em determinados que possamos fazê-lo, inquirimos:
Voltando à IPB, o quadro que hoje fracassos acarretados por seus próprios quantas igrejas ainda fazem o salutar
se nota é difícil de se definir. A Consti- pastores, quando poderiam evitá-los se uso dos Catecismos em suas classes de
tuição da Igreja, em seus Princípios de tivessem em bom número presbíteros Catecúmenos ou que o incentivam no
Liturgia, dispõe que o ato de ordena- preparados, firmes na doutrina; quan- uso familiar? Pode-se perguntar ainda:
ção e instalação, tanto de presbíteros tas vezes, tendo feito a pergunta a quantos presbitérios podem se sentir
e diáconos, quanto de ministros da Pa- presbíteros já em pleno exercício de seu honesta e suficientemente desincumbi-

14 Revista Os Puritanos 2•2010


O Presbiterianismo no Brasil e a Subscrição Confessional

dos em relação ao exame que fazem de É fato que a questão confessional, 2 Publicação esta que, desde há muito, foi descon-
tinuada pela editora oficial da denominação, e só
seus candidatos ao ministério? Quantos seja enfocando o conteúdo, seja a recentemente re-lançada em Português pela Edi-
tora Os Puritanos.
conselhos também o podem em relação hermenêutica, seja a subscrição dos 3 Ibid, 95.
aos candidatos ao oficialato da igreja? Símbolos de Fé, sempre esteve no epi- 4 Ibid,97
5 Ibid, 192.
Quantos presbitérios executam com a centro de turbulências denominacio- 6 Ou seja, acréscimo em XVI:7 (Obras), os novos ca-
pítulos XXXI (Espírito Santo) e XXXV (Amor de Deus
devida e necessária seriedade o escru- nais; algumas provocaram divisões, é e Missões), e a “Declaração
tínio dos ministros de outras confissões verdade. Outras, com menos frequência Explicativa”, bem como supressões em XXV:6 (Papa
como Anticristo).
que se candidatam e pleiteiam o minis- provocaram e têm provocado reflexões 7 Mario Neves, Digesto Presbiteriano (São Paulo:
Casa Editora Presbiteriana, 1950).
tério presbiteriano em suas jurisdições? sadias. O que está acontecendo com a 8 326 Pierson, A Younger Church, 26.
Qual o motivo, pergunta-se, de crescer PCA nos Estados Unidos, presentemen- 9 Confissão de Fé e Catecismo Maior da Igreja
Presbiteriana (São Paulo Casa Editora Presbiteriana,
o número de judicações presbiteriais te, é salutar. Mas certamente ajuda 1980). O mesmo vale para as edições de 1970 e 1951,
por nós consultadas.
por afinidade teológica, e não por es- lembrar que também foi assim no pas- 10 Pierson, A Younger Church, 99.
tratégia geográfica, paroquial? Miller sado: os primeiros concílios, aos quais 11 Ibid, 63.
12 Nota importante: Uma vez que o texto original do
também condenava tal artifício, com toda a cristandade tributa seu apreço, livro é anterior a 2002, digna de crédito, nos tempos
mais recentes, é o esforço do atual trabalho editorial
tristeza por ver que já se tornava reali- correram também esses riscos. E cor- da publicadora presbiteriana, procurando corrigir
dade em sua denominação, há mais de reram conscientemente. Não há de ser essa falha histórica, consignando os devidos escrú-
pulos históricos à matéria.
um e meio século19. diferente hoje. 13 http://www.ipcb.org.br/historia/ a_questao_
doutr.htm.
Se esse quadro for verdadeiro, ain- 14 Pierson, A Younger Church, 193.
Extraído do livro Subscrição Confessional do Rev.
da que sem correr o risco de proclamar Ulisses Horta Simões, pp 158-164
15 Ver O Estandarte, N°104, Ano 11, Novembro de
1997, p. 10.
se ele reflete maioria ou minoria, vale Rev. Ulisses Horta Simões é Prof. de Teologia Sis- 16 Manual Presbiteriano, 15a Edição, Artigos 28 e
temática e Apologética no Seminário Presbiteriano 33 (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1999), 120,
a pena a IPB voltar os olhos para a his- de Belo Horizonte, Mestre em Teologia Sistemática 122.
pelo CPAJ (Centro Presbiteriano de Pós-Graduação
tória vivida pelas denominações que a Andrew Jumper)
17 Manual do Culto. São Paulo: Casa Editora
Presbiteriana, 60, 65,69, 72.
antecederam nessas mesmas questões. 1 Paul E. Pierson, A Younger Church in Search of Matu- 18 Miller, Doctrinal Integrity, 65.
rity (San Anto nio: Trinity University Press, 1974), 1974. 19. Ibid, 111, 116.

A Morte de John Bunyan


A morte de John Bunyan ocorreu no dia 31 de Agosto de 1688, há pouco mais de trezen-
tos anos. Bunyan nasceu em Elstow próximo a Bedford em 1628. Ele foi submetido a uma
poderosa obra do Espírito de Deus em 1650. Foi pastor em Bedford por dezesseis anos,
morreu em Holborn e foi sepultado em Bunhill Fields. O relato a seguir, da sua morte, é
de George Offor escrito em suas memórias, de 1862.

O tempo foi chegando em que, em meio à sua utilidade, e com pouco aviso, ele seria
convocado para o descanso eterno. Ele foi gravemente acometido da perigosa pestilên-
cia que em anos anteriores havia devastado o país, chamada de doença do suor, uma
doença tão misteriosa e fatal quanto a cólera seria em tempos posteriores. A doença foi
acompanhada por uma grande prostração da força; mas, sob a gestão cuidadosa da sua
afetuosa esposa, sua saúde foi suficientemente restaurada para lhe permitir responsabi-
lizar-se por uma obra de misericórdia; cuja conclusão, como um abençoado fechamento
à sua incessante obra terrena, faria com que ele ascendesse ao seu Pai e seu Deus para
ser coroado com a imortalidade. Um pai tinha ficado gravemente ofendido com seu filho,
e tinha ameaçado deserdá-lo. Para evitar o duplo dano de um pai morrer com ira contra
seu filho, e a horrível consequência para um filho de ser arrancado de seu patrimônio,

Revista Os Puritanos 2•2010 15


Bunyan novamente aventurou-se, em seu debilitado estado, na sua obra costumeira de
conquistar as bênçãos de um pacificador. Ele fez uma viagem a cavalo até Reading, sendo
aquele o único modo de viajar naquela época, e foi recompensado com sucesso. Regres-
sando para casa passou por Londres para transmitir as gratificantes notícias, quando foi
apanhado por um grande volume de chuvas, e, em exaustão, encontrou um agradável
refúgio na casa de seu amigo cristão, o senhor Strudwick, e foi ali acometido de uma febre
fatal. Sua tão amada esposa, que tinha clamado tão fortemente por sua liberdade junto
aos juízes, e com quem ele estava unido há trinta anos, estava distante dele. Bedford
ficava então a dois dias de viagem de Londres. Provavelmente, a princípio, seus amigos
tinham esperanças de uma rápida recuperação; mas quando o golpe veio, todos os seus
sentimentos, e dos seus amigos, parecem ter sido tão absorvidos pelas aguardadas bên-
çãos da imortalidade, que não temos registros que indiquem que sua mulher, ou algum
de seus filhos, tenham visto ele atravessar o rio da morte. Existe abundante testemunho
de sua fé e paciência, e de que a presença de Deus estava claramente com ele.

Ele suportou seus sofrimentos com toda a paciência e coragem que poderia se esperar
de um homem assim. Sua resignação foi exemplar; suas únicas manifestações foram: “um
desejo de partir, de ser desfeito, de estar com Cristo”. Seus sofrimentos foram abreviados,
sendo limitados a dez dias. Ele usufruiu de uma disposição mental santa, desejando que
seus amigos orassem com ele, e unindo-se fervorosamente a eles neste exercício. Suas
últimas palavras, enquanto lutava com a morte, foram: “não chorem por mim, mas por
vós. Eu vou para o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, sem dúvida, através da media-
ção de seu bendito Filho, me receberá, apesar de pecador, no lugar onde espero que em
breve estejamos reunidos, cantando um novo cântico, e permanecendo eternamente
felizes, num mundo sem fim. Amém”. Ele sentiu o chão firme a seus pés na passagem do
rio negro que não tem ponte, e seguiu o seu peregrino para dentro da cidade celestial em
Agosto de 1688, no sexagésimo ano da sua vida. As circunstâncias do seu pacífico faleci-
mento são bem comparadas pelo Dr. Cheever com a experiência de Esperança, quando
este foi chamado pelo Senhor a atravessar o rio — o grande sossego, o firme fundamento,
o discurso aos espectadores — até que sua expressão mudou, seu homem forte rendeu-
-se, e suas últimas palavras foram: “Recebe-me, porque eu venho a ti”. Então houve alegria
entre os anjos enquanto saudavam o herói de tantos combates espirituais, que conduziu
sua alma errante na jornada para a Nova Jerusalém, a qual ele tinha descrito de forma tão
bonita como “a cidade santa”; e então houve nele pasmo e assombro ao descobrir quão
infinitamente aquém sua descrição tinha ficado da jubilosa realidade.

George Offor
Fonte: Extraído do site Fire and Ice; Tradução: Juliano Heyse Fale conosco: mail@bomcaminho.com.

16 Revista Os Puritanos 2•2010


Deus Reclama Contra
o Seu Povo
“O boi conhece o seu possuidor e o jumento a manjedoura do seu dono, mas
o Meu povo não conhece a Mim” (Is.1:3)

Por Dr. Don Kistler Suas declarações em Isaias para avaliar o estado de
coisas hoje:

P
ara compreendermos Deus, Ele deve falar para “Meu povo conhece os conceitos financeiros; eles conhecem
nós em termos antropomórficos. Deus não tem as linguagens do amor; eles conhecem a psicologia–pop;
um corpo, assim Ele não tem partes do corpo. eles sabem como expressar suas ‘necessidades’ um ao ou-
Mas quando Ele nos fala de angústia, deve explicá-la tro; eles sabem como dar abraço apertado nas mulheres;
de um modo que possamos entender. Assim nós temos eles sabem como livrar-se dos demônios, como libertar-
Deus vociferando como se fosse um ser humano: “Ó mi- se da opressão, como perder peso, como tomar decisões,
nha alma. Eu estou afligido no meu próprio coração”. como amarrar satanás, como reivindicar isto e aquilo, como
Isto não podia ter sido o profeta Jeremias falando, expulsar demônios, e sabem um milhão de coisas periféri-
pois no verso 22 o texto diz: “Pois o Meu povo não Me cas... mas eles não me conhecem!”.
tem conhecido”. Jeremias não estava chorando porque
seu povo não o conhecia. Ao contrário, Deus estava vo- Nós parecemos interessados nos benefícios, mas não
ciferando que o Seu povo era tolo, e a essência da sua no Benfeitor. Nós parecemos mais interessados no que
tolice era que eles não O conheciam! Deus pode fazer por nós do que quem Ele é em Si mesmo.
Está também declarado nesta passagem que a fonte Jonatham Edwards disse uma vez, e muito precisamente,
dos problemas deles era exatamente essa: sua ignorân- “Se nós amamos a Deus apenas pelo que Ele pode fazer
cia do seu Deus. É muito mais gráfico e, de longe, menos por nós, realmente amamos apenas a nós mesmos”.
lisonjeiro, em (Isaias 1: 2 – 3): “Ouvi, ó céus, e dá ouvido, A coisa espantosa é que Deus tem revelado tanto de
ó terra, porque o Senhor é quem fala: Criei filhos e os Si mesmo a nós, não apenas em Sua Palavra, mas na Sua
engrandeci, mas eles estão revoltados contra mim. O própria criação. “Os céus proclamam a glória de Deus”,
boi conhece o seu possuidor e o jumento, o dono da sua diz o salmista. Mas nós estudamos Astronomia vendo as
manjedoura; mas Israel não tem conhecimento, o meu maravilhas de um Deus que faz tudo tão incrível! Deus
povo não entende”. tem se revelado em Sua Palavra repetidamente. Mas
Na tradução da Septuaginta desta passagem, a pa- nós a usamos como um manual de auto-ajuda mais do
lavra “Eu” é acrescentada depois das palavras “conhe- que como um livro que revela Deus.
cimento” e “entende”. “Israel não me conhece, O meu Não me interprete mal. Existe muito na Escritura que
povo não me entende”. pode nos ajudar, mas o foco da Escritura não somos nós
Muito se diz do que acontece em Atos quando Pau- e nossos problemas, mas Deus e Sua Glória! Deus se
lo diz que ele viu o santuário ao “Deus desconhecido”, revela no Antigo Testamento numa quantidade imensa
mas, é de temer que essa passagem descreva muitas de formas. Agora Ele revela-se em Sua Palavra. Como
das assim chamadas igrejas Cristãs dos nossos dias, não os Puritanos eram habituados a dizer, “A lei de Deus é
apenas o templo pagão dos dias de Paulo! simplesmente o caráter de Deus em forma transcrita”.
Num recente artigo da revista “World” (Mundo) no Deus revela-se e ao Seu caráter em Seus nomes. Cada
topo dos 100 livros cristãos mais vendidos, apenas um dos Seus nomes revela algo do Seu caráter. Seus fei-
quatro foram remotamente sobre Deus, Cristo ou Sal- tos revelam algo do Seu caráter. Nos disse: “Manifestou
vação ― e isto sendo extremamente caridoso em minha os seus caminhos a Moisés e os seus feitos aos filhos de
avaliação deles. Você pode ouvir Deus reformulando Israel” (Salmos 103: 7).

Revista Os Puritanos 2•2010 17


Dr. Don Kistler

As narrativas da Escritura nos dizem túpidos, que eram destituídos de todo


como Deus faz as coisas, e a partir daí conhecimento, como pedras ou animais
podemos deduzir muito do Seu caráter. Meus amigos; brutos, sem uma partícula de uma men-
Mas não parecem estar interessados te sã ou conhecimento racional perma-
nos benefícios de Deus. E não devemos olhem para tudo o necente neles.
nos surpreender de que Deus notifica Isto significa que eles não podem dis-
isto, como vimos em Isaias e Jeremias. que Deus tem feito tinguir o preto do branco? Não, mas que
Afinal de contas, nós somos ordenados eles são totalmente ignorantes de fazer
a “crescer na graça e no conhecimen- para revelar-se, e o bem, de fazer aquilo que é agradável
to do Senhor Jesus Cristo”. Nós somos a Deus. Ele admite que eles sejam sábios
ordenados a amar a Deus com todo o quão agressivamente para o mal, mas fazer o bem, eles não
nosso entendimento. sabem. A idéia de tolo ou estúpido aqui
O conhecimento de Deus é tão am- o homem tem também carrega com ela uma arrogân-
plo que Deus resume tudo da vida eter- cia óbvia; eles não são apenas estúpidos,
na com estas palavras: “E a vida eterna é rejeitado esse mas eles são arrogantes em sua igno-
esta: que te conheçam a ti, o único Deus rância, que chama à mente as palavras
verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem conhecimento. de Paulo: “professando a si mesmos se-
enviaste”. (João 17: 3). A vida eterna rem sábios, eles tornaram-se tolos”!
é conhecer Deus e Cristo. É conhecer Meus amigos; olhem para tudo o que
sobre eles tanto quanto é conhecer a Deus tem feito para revelar-se, e quão
eles. Você não daria dois centavos para córdia. Em Oséias 6: 6 Deus declara que agressivamente o homem tem rejeitado
alguém que queria um relacionamento está mais interessado no conhecimento esse conhecimento. Em Romanos, Pau-
com você, mas não estivesse interessa- d’Ele mesmo, do que em holocaustos. lo nos diz que Deus colocou o conhe-
do em quem você era! E muito menos O Apóstolo Paulo disse que graça e cimento d’Ele mesmo, dentro de cada
Deus faz isso, meus amigos. paz seriam multiplicadas a nós através homem, de modo que todos os homens
Agora compare a atitude da maioria do conhecimento de Deus (2 Pedro 1: 2). são indesculpáveis (Rm 1: 20).
de nós hoje com a do apóstolo Paulo, De fato, ele diz que “... todas as coisas Paulo diz que os atributos invisíveis
que declarou, “Porque decidi nada sa- que conduzem à vida e à piedade, pelo de Deus são claramente vistos. Ele en-
ber entre vós, senão a Jesus Cristo e conhecimento completo daquele que tão explica que a ignorância de Deus é
este crucificado”. Que contraste, não é? nos chamou” (2 Pedro 1: 3). Esta é uma uma escolha consciente que os homens
E, contudo, não é bastante dizer apenas declaração abrangente, não diria você? têm feito. Ele diz, “porquanto, tendo co-
que desejamos conhecer Jesus, pois o Através do verdadeiro conhecimen- nhecimento de Deus ...”
Próprio Jesus estabeleceu que conhe- to de Deus, que pressupõe existir um E então Paulo continua a dizer: “Eles
cê-Lo era conhecer o Pai. O Espírito nos falso conhecimento, vem “tudo” que não têm Deus em seus pensamentos”.
aponta para Deus. tem algo a ver com vida (zoe, do qual Agora, antes de você não poder ter Deus
O profeta Oséias conecta alguns dos nós temos Zoologia) ou santidade. A em seus pensamentos, você tem de ter
pontos para nós quando diz em nome vida física e a vida espiritual, todas têm Deus em seus pensamentos, certo? As-
de Deus: “Ouvi a palavra do SENHOR, como sua fonte o verdadeiro conheci- sim o ateísmo é uma escolha consciente
vós, filhos de Israel, porque o SENHOR mento de Deus, e tudo que tem a ver da parte dos homens perversos para eli-
tem uma contenda com os habitantes com qualquer dessas duas coisas! minar o conhecimento de Deus das suas
da terra, porque nela não há verdade, É algo assombroso, então, que Deus consciências. O ateísmo não é uma coi-
nem amor, nem conhecimento de Deus” diga em Jeremias que o Seu povo é tolo sa intelectual, é uma coisa moral! Deus
(Oséias 4: 1). por não conhecê-Lo? O hebraico leva diz repetidamente: “Eles têm rejeitado
Não há verdade, e não há miseri- consigo a idéia de que as pessoas não são o conhecimento”.
córdia na terra, Por que não? Porque apenas tolas, mas que são moralmente Nós não conhecemos Deus porque
não há conhecimento de Deus na terra. deficientes; e então, Deus acrescenta não é importante para nós fazê-lo. É
Estes itens são inseparáveis. Somente que elas não têm nenhum entendimento. muito mais importante para nós co-
na medida em que há conhecimento de Calvino diz que a palavra sugere que nhecer a nós mesmos do que conhecer
Deus na terra haverá verdade ou miseri- eles eram tão tolos, tão insensatos e es- a Deus. Mas é uma escolha consciente,

18 Revista Os Puritanos 2•2010


Deus Reclama Contra o Seu Povo

e todos nós, até o último de nós, somos nhor”. Nós devemos confessar o pecado “O boi conhece o seu possuidor e o ju-
indesculpáveis. da ignorância auto–imposta e afastar- mento a manjedoura do seu dono, mas
Em Efésios 4: 17–18, Paulo explica mo-nos dela. E devemos agora dar-nos o Meu povo não conhece a Mim”. Deste
que os pecadores caminham na futi- a conhecer não apenas os fatos sobre momento em diante, devemos proposi-
lidade das suas mentes, tendo o seu Deus, mas o Deus dos fatos. Como Ele tada e agressivamente empenharmo-nos
entendimento obscurecido, estando pensa? Como Ele age? Como Ele age da- em elevarmo-nos acima do status dos
alienados da vida de Deus, por causa quela maneira? O que isso me diz sobre bois e jumentos em nosso conhecimento.
da ignorância que está neles, por causa Sua natureza e caráter? Estejamos determinados a conhecer ao
da cegueira do seu coração porque eles Adolescente, eu ouso dizer que nosso Deus, pois isto é vida eterna.
entregaram-se a si mesmos ao pecado. vocês sabem mais sobre Justin Timber-
Nós somos amantes do prazer ao in- lake1 e Britney Spears do que sabem a
Justin Randall Timberlake (Memphis, Tennessee,
vés de amantes de Deus. Esta é a acusação respeito de Deus. Adultos, eu ouso di- 31 de Janeiro de 1981) é um cantor pop, compo-
sob a qual nós todos permanecemos; esse zer que vocês conhecem mais sobre seu sitor, ator, produtor e dançarino norte-americano.
Tornou-se famoso durante o período em que par-
é nosso problema, e ele é auto–induzido. herói esportivo favorito, filme favorito, ticipou do programa musical Mickey Mouse Club
(Clube do Mickey) junto com Britney Spears e Chris-
Assim, o que devemos fazer? De- ou grupo musical favorito do que você tina Aguilera.
vemos “prosseguir em conhecer o Se- conhece sobre Deus. Traduzido por: Linda Silveira. 19 de Abril de 2010.

Um Homem Piedoso é um Amante da Palavra


“Oh quanto amo a tua Lei” (Salmos 119: 97).
Crisóstomo compara a Escritura a um jardim arrumado com ornamentos e flores. Um homem piedoso
deleita-se em caminhar neste jardim para docemente confortar-se. Ele ama cada ramo e cada parte da Palavra:
(1) Ele ama a parte de aconselhamento da Palavra, como livro de oração e regra de vida. A Palavra é o sinal
de direção que nos aponta o nosso dever. Ela contém em si coisas para serem cridas e praticadas. Um homem
piedoso ama os direcionamentos da Palavra.
(2) Ele ama a parte ameaçadora da Palavra. A Escritura é como o Jardim do Éden: como ele tem em si uma
árvore da vida, assim ele tem uma espada flamejante em seus portões. Esta é a ameaça da Palavra. Ela acende
fogo na face de toda pessoa que continua obstinadamente em perversidade. “Sim, Deus parte a cabeça dos
seus inimigos e o cabeludo crânio do que anda nos seus próprios delitos” (Salmos 68: 21). A Palavra nenhuma
indulgência dá para o mal. Ela não deixará um homem vacilar entre Deus e o pecado. A verdadeira mãe não
deixaria o filho ser dividida (1 Reis 3: 26), e Deus não terá o coração dividido.
A Palavra troveja ameaças contra a só aparência do mal. É como aquele rolo voante cheio de maldições. (Zc 5: 1).
Um homem piedoso ama as ameaças da Palavra. Ele sabe que há amor em cada ameaça. Deus não quere-
ria que nós perecêssemos; por isso misericordiosamente nos ameaça, de modo a que possa assustar-nos do
pecado. As ameaças de Deus são como a bóia, que aponta para as rochas no mar e ameaça de morte aos que
chegam perto. A ameaça é um fragmento de restrição para nos refrear de modo que não possamos correr a
todo galope para o inferno. Há misericórdia em cada ameaça.
(3) Ele ama a parte consoladora da Palavra — as promessas. Ele vai se alimentando nela como Sansão con-
tinuou seu caminho comendo o favo de mel. (Jz. 14: 8 e 9). As promessas são todas essência e doçura. Elas
são revivificantes para nós quando estamos desfalecendo; elas são os canais da água da vida. “Nos muitos
cuidados que dentro de mim se multiplicam, as tuas consolações me alegram a alma” (Salmos 94: 19). As
promessas foram a harpa de Davi para afugentar pensamentos tristes; elas foram os seios que lhe deram o
leite da consolação divina.

Thomas Watson

Revista Os Puritanos 2•2010 19


O Cânon para a Vida Cristã
A viva voz “inspirada pelo Espírito” dentro da igreja ou a voz do Espírito ouvida na Escritura?

Novamente, precisamos enfatizar que o ponto a ser considerado aqui é uma tendência.
Não se limita ao ramo carismático ou pentecostal do Cristianismo.
Nossa preocupação não é nos arrastar através da controvérsia cessacionista/não-cessa-
cionista. Seja qual for nossa opinião, é claro que hoje dentro de grandes setores do evan-
gelicalismo, quer no carismático ou até no não-carismático, a “revelação” contínua tem
sido bem-vinda. Numa geração anterior isso se expressava mais claramente naqueles que
esperavam achar um direcionamento “escutando o Espírito”.
Os reformados e os confessionais, incluindo pessoas como Calvino e John Owen, conhe-
ciam bem essa espécie de “revelações espirituais”. Acrescentando ou ignorando a voz do
Espírito na Bíblia, muitos diziam ouvir sua voz diretamente. Naquele tempo, como agora,
alguns deles diziam acreditar na infalibilidade das Escrituras, embora parecessem pouco
conhecer a doutrina da suficiência da Escritura. Lamentavelmente, como Calvino parece já
ter experimentado na Reforma, é impossível discutir o sentido da Escritura com aqueles que
presumem possuir a intervenção direta do Espírito.
Antigamente o que era pouco mais do que uma tendência mística, hoje já se tornou uma
enchente. Será exagero sugerir que as pessoas que mantêm a doutrina da Reforma, da
absoluta suficiência da voz do Espírito na Bíblia, iluminada pela obra do Espírito no coração,
sejam uma espécie em perigo de extinção? Tanto na teologia acadêmica como no nível das
pessoas comuns, essa posição da Reforma é cada vez mais julgada reacionária quando não
herética, porque só uma minoria a sustenta.
Mas o que tem isso a ver com a igreja medieval? Só isso: a igreja medieval inteira operava
no mesmo princípio, ainda que expresso de forma diferente. Para eles, o Espírito fala fora
da Escritura; os crentes não podem conhecer o direcionamento detalhado de Deus quando
dependem somente da Bíblia; a “voz viva do Espírito na igreja” é essencial.
Não só isso, mas, uma vez introduzida a “viva voz” do Espírito, parece psicologicamente
inevitável que essa viva voz se torne o cânon regulamentador da conduta para a vida cristã.
A equação — a palavra da Escritura mais a “viva voz” do Espírito, igual à revelação divina
— achava-se no centro da busca pelo poder do evangelho na escuridão da igreja medieval.
Agora, no final do segundo milênio (1996), estamos à beira, ou talvez mais do que à beira,
de sermos inundados por um fenômeno paralelo. O resultado na época (medieval) foi uma
fome de se ouvir e entender a palavra de Deus — tudo sob o disfarce daquilo que ainda o
Espírito estaria falando à igreja. E hoje?

Dr. Sinclair Ferguson

20 Revista Os Puritanos 2•2010


A Fusão do Calvinismo
com o Mundanismo
“Mas Deus lhe disse: Louco! esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado,
para quem será? (Lucas 12:20)

Dr. Peter Master nistas. E este cenário é repetido muitas vezes, através

Q
uando eu era jovem e recém-salvo, parecia que do livro ― grandes conferências sendo descritas, nas
o principal objetivo de todos os crentes zelosos, quais o sincretismo mundano, a sensação, a agitação,
quer Calvinistas ou Arminianos, era a consa- os altos decibéis e a música rítmica, são misturados à
gração. Sermões, livros e conferências destacavam a doutrina Calvinista.
consagração no espírito de Romanos 12:1-2, onde o Somos informados sobre a música agitada, milhares
apóstolo suplica aos fiéis que apresentem seus corpos de mãos levantadas, hip-hop “cristão” e letras de rap
em sacrifício vivo, e não a serem conformados com (os exemplos parecem inadequados e ineptos em sua
este mundo. O coração era despertado e desafiado. construção) unindo as Doutrinas da Graça às formas
Cristo deveria ser o Senhor de sua vida, e o ego devia musicais imorais ― e induzidas por drogas ― da cul-
ser rendido no altar do serviço a Ele. tura mundana.
Mas agora, ao que parece, existe um novo Calvinis- Collin Hansen conclui que o Calvinismo americano
mo, com novos Calvinistas, que deixou de lado os velhos desmoronou no final do século XIX e foi mantido ape-
objetivos. Um recente livro — Young, Restless, Refor- nas por um pequeno número de pessoas até este grande
med (Jovem, Inquieto, Reformado), por Collin Hansen reavivamento da juventude, mas, o seu cenário históri-
narra a história de como um chamado “ressurgimento” co é, francamente, absurdo. Como alguém que visitou
do Calvinismo conquistou a imaginação de milhares de regularmente seminários americanos desde o início dos
jovens nos E.U.A., e este livro tem sido analisado com anos 70, eu sempre conheci muitos pregadores e estu-
grande entusiasmo nas bem-conhecidas revistas do Rei- dantes que amavam as Doutrinas da Graça, pregando
no Unido, como Banner of Truth, Evangelical Times e também em igrejas de sólida persuasão Calvinista. No
Reformation Today. entanto, firmes evidências da presença extensiva do
O escritor desse artigo, no entanto, ficou profunda- Calvinismo são vistas a partir do fato de que imensas
mente entristecido ao ler tal livro, porque ele descreve firmas de publicações enviaram um fluxo de literatu-
uma séria distorção do Calvinismo, a qual está longe, ra reformada pós-guerra e também durante os anos
muito longe de uma autêntica vida de obediência a um 80. A poderosa Eerdmans foi solidamente Reformada
Deus Soberano. Se este tipo de Calvinismo prospera, em tempos passados, para não mencionar Baker Book
a verdadeira piedade bíblica estará sob ataque como House, Kregel e outros. Onde é que todos estes livros
nunca antes. foram parar ― milhares e milhares deles, inclusive os
O autor do livro é um jovem (que tinha mais ou menos frequentemente reimpressos conjuntos dos comentá-
26 anos, quando escreveu o livro) que cresceu em uma rios de Calvino e uma série de outras obras clássicas?
família cristã e formou-se em jornalismo secular. Somos Na década de 70 e 80, houve também pequenos edi-
gratos a ele pela pesquisa legível e de tão grande alcance tores Calvinistas nos Estados Unidos, e naqueles tem-
que ele nos oferece a respeito deste novo fenômeno, mas pos o fenômeno das livrarias cristãs Calvinistas com
o cenário não é, certamente, um dos mais felizes. descontos começou, com catálogos volumosos e uma
O autor começa por descrever a Passion, conferência considerável sequência. A alegação de que o Calvinismo
em Atlanta, em 2007, quando 21.000 jovens celebra- praticamente desapareceu é um irremediável equívoco.
ram com música contemporânea, e ouviram a preleto- Na verdade, um Calvinismo muito melhor ainda
res, como John Piper, proclamando sentimentos Calvi- floresce em muitas igrejas, onde almas são ganhas e

Revista Os Puritanos 2•2010 21


Peter Master

vidas santificadas, e onde Verdade e C. J. Mahaney é um pregador muito doutrina Puritana alienado do estilo de
prática estão submetidas ao domínio da aplaudido neste livro. Carismático, em vida e do louvor Puritano.
Escritura. Essas igrejas não têm qual- fé e prática, ele parece ser totalmen- A maior parte dos bem conhecidos
quer simpatia com o louvor mundano te aceito pelos outros grandes nomes pregadores que promovem e incenti-
diversificado do jornalista Collin Han- que caracterizam as novas “Conferên- vam este “reavivamento” do Calvinismo
sen, que pretende edificar igrejas utili- cias Calvinistas”, tais como John Piper, têm em comum as seguintes posições
zando exatamente os mesmos métodos John MacArthur, Mark Dever, e Al Mo- que contradizem a verdadeira perspec-
de entretenimento como a maioria dos hler. Evidentemente, alguém extrema- tiva Calvinista (ou Puritana):
carismáticos e do movimento Arminian mente bem-apessoado e amistoso, C. J.
Calvary Chapel. Mahaney é o fundador de um grupo 1. Eles não têm qualquer problema com
Os novos Calvinistas exaltam cons- de igrejas que mistura o Calvinismo à o louvor contemporâneo, de gênero
tantemente aos Puritanos, contudo, não idéias carismáticas, e é reputado como carismático, inclusive os estilos extre-
querem adorar, louvar ou viver como os alguém que influencia muitos Calvinis- mos de “heavy metal”.
Puritanos. Uma das conferências tem o tas a deixarem de lado o Cessacionismo. 2. Eles são morosos na separação do
nome “Resoluto”, por causa das famo- Foi um protegido deste pregador, mundanismo [ver nota 2].
sas Resoluções, de Jonathan Edwards chamado Joshua Harris, que começou 3. Não se preocupam com a orientação
(suas 70 resoluções). Mas a cultura des- a conferência de Jovens “Nova Atitude”. pessoal de Deus nas grandes decisões
ta conferência seria indiscutivelmente Somos informados de que, quando um dos crentes (verdadeira soberania), dan-
confrontada com a firme condenação rapper secular chamado Curtis Allen foi do assim um golpe certeiro na consagra-
do grande teólogo. convertido, o seu novo instinto cristão ção sincera.
A conferência “Resoluto” é de criação levou-o a abandonar a sua vida passada 4. Mantêm opiniões contrárias ao quarto
de um membro da equipe pastoral do Dr. e seu estilo musical. Mas Pastor Joshua mandamento, menosprezando o Dia do
John MacArthur, que reúne milhares de Harris evidentemente persuadiu-o a não Senhor, lançando assim outro golpe à
jovens anualmente, e caracteriza a ha- fazê-lo, para que ele pudesse cantar para vida consagrada.
bitual mistura de Calvinismo e louvor o Senhor. Os novos Calvinistas não hesi-
de estilo extremamente carismático. Os tam em passar por cima dos instintos da Quaisquer que sejam os seus pontos
jovens são incentivados a sentir sobre consciência cristã, aconselhando as pes- fortes e suas realizações (e alguns deles
o corpo o mesmo tremendo impacto da soas a tornarem-se amigas do mundo. são homens brilhantes nos padrões hu-
música rítmica que experimentariam Uma das mega-igrejas admiradas manos), ou seja, qual que for a sua visão
num concerto mundano de música pop, no livro é a Igreja Mars Hill em Seattle, teórica do Calvinismo, a má posição des-
inclusive com a mesma iluminação e at- fundada e pastoreada por Mark Dris- ses pregadores a respeito destas ques-
mosfera. Ao mesmo tempo, eles refletem coll, que combina idéias das igrejas tões cruciais apenas irá encorajar uma
sobre a predestinação e eleição. A cul- emergentes (de que os cristãos devem desastrosa versão defeituosa do Calvinis-
tura mundana proporciona uma cultura utilizar a cultura mundana) com teolo- mo que levará as pessoas a serem cada
corporal, de sentimentos emocionais, gia Calvinista [ver nota 1]. vez mais devotadas ao mundo, e a pro-
nos quais pensamentos cristãos são in- Este pregador é também muito ad- curarem um estilo egocêntrico de vida.
fundidos. Os sentimentos bíblicos são mirado por alguns homens reforma- Quando verdadeiramente proclama-
atrelados ao entretenimento carnal. (Fo- dos no Reino Unido, mas a sua igreja da, a soberania de Deus deve incluir con-
tos da conferência no website mostram tem sido descrita (por um simpatizan- sagração, reverência, obediência since-
a atmosfera totalmente mundana de sho- te) como a igreja na qual a música é ra à sua vontade, e separação do mundo.
wbusiness criada pelos organizadores). a mais alta de todas, e foi censurado Você não pode ter uma soteriologia
Em tempos de desobediência os ju- por outros pregadores pela utilização Puritana sem uma santificação Puritana.
deus antigos viviam uma espécie de sin- de muita linguagem imprópria e humor Você não deve atrair as pessoas a uma
cretismo, indo ao Templo ou à sinagoga totalmente inapropriado (mesmo na te- pregação Calvinista, ou qualquer outro
no sábado, e aos templos dos ídolos em levisão). Ele é visto em vídeos pregando, tipo de pregação, usando iscas munda-
dias de semana; mas o novo Calvinismo usando camisetas com o escrito “Jesus”, nas. Esperamos que os jovens neste mo-
tem encontrado uma maneira de unir simbolizando o novo compromisso com vimento compreendam as implicações
espiritualmente coisas incompatíveis a cultura, ao mesmo tempo oferecendo das doutrinas melhor do que seus mes-
ao mesmo tempo, na mesma reunião. ensino Calvinista. Tanto da abrangente tres, e não que comprometam a verdade.

22 Revista Os Puritanos 2•2010


A Fusão do Calvinismo com o Mundanismo

Mas há uma catástrofe iminente na pro- dadeiro Calvinismo e venha a arruinar


moção desta nova forma de Calvinismo. toda uma geração de jovens cristãos a
Por que alguns cristãos britânicos serem alcançados.
que abraçavam as Doutrinas da Graça Os novos Um triste espetáculo final relatado
dão opiniões entusiasmadas a respeito com entusiasmo no livro é a conferência
de um livro como este? No passado, Calvinistas exaltam “Unidos pelo Evangelho”, realizada desde
houve vezes em que subitamente mui- 2006. Uma conferência de perfil mais
tos jovens se tornaram intelectualmen- constantemente aos adulto convocada por respeitados Calvi-
te entusiasmados com a sólida doutrina nistas, que, não obstante, reúne cessacio-
cristã e, a seguir, a abandonaram. Pense Puritanos, contudo, nistas e não-cessacionistas, expoentes do
na tremenda reação que uma única ora- louvor tradicional e contemporâneo e, ao
tória de Francis Schaeffer assegurava não querem adorar, mesmo tempo em que mantém uma boa
em campus universitários na década pregação, condiciona todos os que fre-
de 60; sem dúvida alguns jovens foram louvar ou viver quentam a relaxarem em relação a estas
verdadeiramente salvos e persevera- questões controversas e aprender a acei-
ram, mas muitos mais se desviaram. como os Puritanos tar todos os pontos de vista. Em outras
Dominados pela superioridade de uma palavras, matam o ministério da adver-
cosmovisão bíblica, eles momentanea- tência, de modo que todo o erro do novo
mente desprezaram as idéias ilógicas, cenário possa avançar despercebido.
débeis deste mundo, mas a impressão Estes são dias trágicos para a autêntica
em muitos casos era natural e não es- nunca se estabelecerão numa igreja fidelidade, piedade e adoração espiritual.
piritual. O presente novo e inebriante dedicada na obra, porque as suas con- O verdadeiro Calvinismo e munda-
Calvinismo, desfalcado de obediência siderações doutrinárias estão apenas nismo são opostos. É preciso preparar o
prática irá certamente revelar-se efê- em suas mentes e não em seus cora- coração se vamos buscar as maravilhas
mero, deixando a causa comprometida ções. Sabemos de alguns cujas vidas e sondar as profundezas da Soberana
e dissipada. não são limpas. Sabemos de outros que Graça. Encontramo-lo no desafiador e
Essa forma de calvinismo já chegou vão a bares e boates. Quanto maior a decisivo chamado de Josué:
à Grã-Bretanha? Ai! Sim, basta olhar os sua proeza doutrinal, maior a sua hi- “Agora, pois, temei ao Senhor, e servi-
“blogs” de alguns jovens pastores Refor- pocrisia. -o com sinceridade e com verdade; e
mados que se colocam à frente como Estas são palavras duras, mas elas deitai fora os deuses aos quais serviram
mentores e conselheiros de outros. me levam a dizer que, quando o Calvi- vossos pais além do rio e no Egito, e servi
Quando você olha os seus “filmes fa- nismo bíblico, evangélico molda a con- ao SENHOR. Porém, se vos parece mal
voritos”, e “música favorita” você os vê duta e, especialmente, o louvor, é um aos vossos olhos servir ao SENHOR, es-
sem constrangimento algum nomear as humilde e bonito sistema da Verdade; colhei hoje a quem sirvais; se aos deuses a
principais bandas, músicas e entreteni- mas quando está confinado apenas à quem serviram vossos pais, que estavam
mento desta cultura depreciável, e é evi- cabeça, infla o orgulho e a autonomia. além do rio, ou aos deuses dos amor-
dente que o mundo ainda está em seus O “novo” Calvinismo não é um res- reus, em cuja terra habitais; porém eu e
corações. Anos atrás, tais irmãos não te- surgimento, mas uma fórmula inovado- a minha casa serviremos ao SENHOR”
riam sido batizados até que estivessem ra que tira totalmente a doutrina da sua (Josué 24.14-15).
limpos do mundo, mas agora você pode prática histórica, e une-a com o mundo. Notas:
1 Sua resolução sobre a questão da soberania divina
ir até para o seminário, e não se fazem Por que é que a liderança de pre- versus livre arbítrio humano, no entanto, está muito
mais próxima da visão Arminiana.
perguntas; pode-se assumir um pasto- gadores que servem a este movimen-
2 Um recente livro intitulado Worldliness: Resisting
rado, com ídolos ― não renunciados e to cedeu tão facilmente? Eles não têm the Seduction of a Fallen World (Mundanismo:
Resistindo à Sedução de um Mundo Caído por C J
não combatidos ― na sala do trono da sido ameaçados por um regime sovié- Mahaney e outros), prepara de modo deficiente os
jovens crentes para a separação do mundo, espe-
sua vida. Que esperança há para as igre- tico. Ninguém apontou uma arma para
cialmente na área da música, onde, aparentemen-
jas que têm sub-pastores cuja lealdade suas cabeças. Esta é uma vergonhosa te, o Senhor ama todos os tipos, e aceitabilidade é
reduzida a duas enganosas e subjetivas questões.
está tão dividida e distorcida? capitulação, e devemos orar fervoro- Artigo extraído de: http://www.metropolitantaber-
nacle.org/?page=articles&id=13
Além dos pastores, sabemos que al- samente para que aquilo que eles têm
Tradução: Laura Macal Lopez, membro do Taberná-
guns desses “novos” jovens Calvinistas incentivado não tome o lugar do ver- culo metropolitano de Londres.

Revista Os Puritanos 2•2010 23


Aberto e Fechado
A disciplina da igreja é um daqueles assuntos a respeito do qual ninguém realmente deseja falar. Não apenas as pessoas temem
que tal disciplina envolva oficiais da igreja bisbilhotando em torno dos seus negócios particulares e então externando seus pecados
particulares para outros na igreja. Membros da igreja não desejam também ser vistos como julgadores de outros. Se bisbilhotar é o
que a disciplina bíblica da igreja ocasiona, então as pessoas estariam certas em se preocupar. Felizmente, este não é o caso.
Um exemplo onde a disciplina da igreja é aplicada no Novo Testamento está na primeira carta de Paulo aos Coríntios. Paulo des-
creve uma situação na qual um membro da igreja (presumivelmente um membro proeminente) tomou “a esposa do seu pai”. Paulo
parece completamente perplexo pelo fato de que alguém pudesse fazer tal coisa. “Geralmente, se ouve que há entre vós imoralidade
e imoralidade tal, como nem mesmo entre os gentios” (1 Co 5: 1). Não foi apenas o comportamento deste homem uma violação dos
mandamentos bíblicos, mas, tal ato foi considerado escandaloso até entre os pagãos fora da igreja. O remédio de Paulo para isto foi
excomungar este homem: “Vós deveis entregar este homem a Satanás para a destruição da carne de modo que o seu espírito possa
ser salvo no dia do Senhor” (v. 5).
Neste caso, este homem devia ser disciplinado porque seu pecado foi público, escandaloso e destrutivo para a reputação da igreja.
O exercício da disciplina da igreja é como uma cirurgia de câncer. A doença deve ser removida antes que adoeça o corpo todo. Observe
que Paulo não menciona o nome do homem (ou da mulher, para este assunto). O apóstolo não está para envergonhar as pessoas ou
embaraçá-las em público. Na verdade, Paulo oferece a esperança de que esta ação por parte da igreja levará à restauração e salvação
deste homem no dia do Senhor. Esta ação (remover o homem da igreja) foi tomada para que ele pudesse considerar seu pecado e
arrepender-se dele. Este gesto foi também empregado para proteger a reputação da igreja.
Em Mateus 18:15–17, Jesus dá instruções muito específicas a respeito do que fazer quando se levantam disputas com membros
da igreja. O cristão que sente que foi ofendido por outro, deve dirigir-se diretamente àquela pessoa. Se não consegue qualquer repa-
ração, deve trazer uma testemunha. Se o assunto continua sem solução, somente então os líderes da igreja devem ser envolvidos, e
apenas depois de uma persistente evidência de falha em arrepender-se e ouvir o conselho bíblico, deve o assunto tornar-se público
e o ofensor deve ser tratada como “gentio e publicano”.
Consciente da importância de manter a paz e a pureza doutrinária da igreja, o Catecismo de Heidelberg, na pergunta e resposta
83 liga corretamente a prática e a necessidade da disciplina da igreja à instrução de Jesus aos discípulos sobre as chaves do reino.
De acordo com Jesus: “Tu és Pedro, e sobre esta rocha edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra
ela. Dar-te-ei as chaves do reino do céu, e o que ligares na terra será ligado no céu, e o que desligares na terra será desligado no céu”
(Mateus 16: 18 - 19). Os Cristãos na tradição Reformada entendem estar Jesus falando da missão da igreja de pregar o evangelho até os
confins da terra. Como o Catecismo de Heidelberg assinala, a pregação de Cristo, e esse crucificado, é o meio divinamente designado
através do qual o reino do céu está aberto para todos que respondem a essamensagem com fé e arrependimento.
Mas a função da igreja de “ligar” — através da qual a entrada para o reino está fechada — está relacionada aos que rejeitam a
mensagem do evangelho quando ela lhes é pregada, pois permanecem presos no pecado. Esta função de ligar (desligar) está tam-
bém relacionada à disciplina da igreja. Os que professam fé em Cristo, mas fazem o que o homem de nome não mencionado estava
fazendo em Corinto, têm a porta do reino dos céus fechada para eles através dos meios da disciplina da igreja.
Nesses casos trágicos onde a igreja deve tomar a determinação de que a conduta de alguém e sua recusa ao arrependimento
levanta sérias questões a respeito desse compromisso com Cristo, a igreja deve fechar a porta do reino para ele, com o objetivo do
eventual arrependimento e restauração daquela pessoa.
Embora sendo dura, a disciplina da igreja é ordenada por Paulo, e o procedimento a ser usado nos é dado por Jesus. Através da
pregação do evangelho, a igreja abre o reino para todos os que creem. Mas, para aqueles que rejeitam o evangelho, e que insistem
num comportamento tal que traz escândalo para a igreja de Cristo, a porta do reino é fechada.

Dr. Kim Riddlebarger é pastor da Igreja Reformada de Cristo (URCNA) em Anaheim, Califórnia e professor visitante de Teologia no Westminster Seminary
California.

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A Leitura Pública
“Porque Moisés tem, em cada cidade, desde tempos antigos, os que o pregam
nas sinagogas, onde é lido todos os sábados” (Atos 15: 21).

Terry Johnson Toda minha vida pertenci a igrejas que acreditaram


na inerrante exatidão e autoridade infalível da Escritura.

S
abendo que sua morte é iminente, compreenden- Pertenci a igrejas evangélicas Batista, Congregacional
do, talvez, a oportunidade para dar direção à igre- e Presbiteriana. Tenho visitado uma porção de igrejas
ja para os séculos à frente, diz o apóstolo Paulo: evangélicas carismáticas e independentes. Contudo,
“Até que eu venha dê atenção” (NASB), ou “devote-se” (NIV), nem uma delas dava qualquer atenção a 1 Timóteo 4:
“à leitura pública da Escritura, para exortação e ensino”. 13. Curioso, não é?
É bastante claro o que o apóstolo Paulo quer que seja O que é um sermão adequado? É uma explanação da
feito na assembléia da igreja. Ele quer que a Escritura leitura. Quando Jesus concluiu a leitura do profeta Isaías
seja lida. A prática da sinagoga era desenrolar os rolos na sinagoga de Nazaré, “todos na sinagoga tinham os olhos
da Escritura, ler uma porção, marcar onde pararam e fitos nele” na antecipação dos seus comentários. “Então,
então no próximo Sabbath pegar novamente onde eles passou Jesus a dizer-lhes”, Lucas nos conta em seguida.
deixaram. A leitura era lectio continua, leitura sequen- Jesus, ao providenciar comentários expositivos, seguiu o
cial, consecutiva, não de forma “lectio selecta”, leituras padrão esperado no culto da sinagoga (Lucas 4: 16-21).
selecionadas daqui ou dali. A expectativa da exortação baseada na leitura pode
Jesus na sinagoga em Nazaré (Lucas 4: 16-19) e o ser vista nas Sinagogas em Atos também. A Lei e os
apóstolo Paulo na Antioquia da Pisídia e em qualquer Profetas eram lidos, como pode ser visto em Atos 13:
outra parte (Atos 13: 15; 17: 2-4; 18: 4, 19; 19: 8) pro- 15a. Então os oficiais da sinagoga perguntaram ao após-
vêm exemplos desta disciplina pública em ação. Nós tolo Paulo: “Se tem exortação para o povo, dizei-a”. A
temos igualmente a explicação do apóstolo Tiago da leitura da Escritura levava diretamente aos comentá-
prática da sinagoga: “Porque Moisés tem, em cada cidade, rios interpretativos e às exortações. Moisés é pregado
desde tempos antigos, os que o pregam nas sinagogas, em toda cidade, Tiago afirmou, porque ele é lido nas
onde é lido todos os sábados” (Atos 15: 21). sinagogas todo Sabbath (At. 15: 21). Leitura e prega-
“Moisés”, ele diz, “é lido na sinagoga todo Sabbath”. ção não são sinônimas, mas elas podem ser justapostas
É a esta prática que o apóstolo Paulo se refere e que da maneira que Tiago faz, porque elas são vistas como
a igreja primitiva tinha adotado. Literatos litúrgicos inseparavelmente ligadas; a pregação decorrendo e de-
concordam que leitura lectio continua era a prática da pendendo da leitura. Este parecia ser o contexto natural
igreja primitiva do tempo dos apóstolos através do pe- da exortação do apóstolo Paulo a Timóteo para “dar
ríodo da patrística. atenção à leitura pública da Escritura” e a “exortação e
Após Gregório, o Grande (540–604 AD), a igreja ensino” que surgem da leitura (1 Tim. 4: 13).
medieval oriental adotou uma aproximação da lectio A prática da sinagoga tornou-se a da igreja apostóli-
selecta para as leituras. Mas as leituras selecionadas não ca e posteriormente da igreja patrística. Os sermões de
eram satisfatórias para os Reformadores, que, quase Clemente de Alexandria (150-215 AD), Orígenes (185-
sem exceção, requereram em suas reformas litúrgicas 254), Crisóstomo (347-407) e Agostinho (354-430) for-
que amplas leituras lectio continua fossem restauradas necem abundante testemunho da pregação expositiva
para os cultos públicos da igreja. A leitura lectio conti- ou lectio continua nos primeiros séculos da igreja.
nua da Escritura foi a prática da ortodoxia Reformada Os pregadores medievais abandonaram a prática pa-
até bem entrado o século dezenove. trística e pregaram largamente sermões tópicos. Mas os

Revista Os Puritanos 2•2010 25


Terry Johnson

Reformadores, baseados em seu estudo tópicos, apenas levemente relaciona- exigiremos um papel proeminente na
da Escritura e dos pais da igreja, res- dos a um texto das Escrituras e direcio- assembléia pública para a Palavra de
tauraram a prática antiga da pregação nados às necessidades sentidas, têm-se Deus, quer para nosso benefício pesso-
lectio continua. Zuinglio, Bucer, Capito tornado a norma. Mas, se nós estamos al ou por causa da saúde e do bem-estar
e Calvino, entre muitos outros, foram convencidos de que somos nascidos de de toda a igreja.
todos pregadores lectio continua. Eles novo pela permanente e viva Palavra (1
pregavam verso-por-verso através dos Pe. 1: 23), que somos santificados pela
livros da Bíblia. verdade (João 17: 17), e que nossas
O Rev. Terry L. Johnson é ministro da Igreja Presbiteriana
Leituras extensas são praticamente almas, como diz aqui o apóstolo Pau- Independente em Savannah, Geórgia, e é o autor de
Adoração Reformada (Editora Os Puritanos)
inexistentes no meio ambiente do mer- lo, “são alimentadas com a palavra da fé Traduzida por: Linda Oliveira. Olinda, 24 de Março
cado da igreja dos dias de hoje. Sermões e da boa doutrina” (1 Tm. 4: 16), nós de 2010.

Receio de Lutar
Se permitirem que os receios humanos controlem suas ações e quiserem salvar-se de sofrimentos ou
situações ridículas, bem pouco conforto encontrarão nas promessas de Deus, “aquele que quiser salvar a
sua vida, perdê-la-á”. As promessas do Espírito Santo para nossa luta não são só para aqueles que sabem
comportar-se como homens e, pela fé, tornam-se arrojados na hora de enfrentar os conflitos. Eu desejo
que todos nós cheguemos ao ponto de não dar mais importância alguma à pretensão que alguns têm
de nos caluniar ou zombar de nós. Oh, lembro-me daquele fazer por onde esquecer, essa vontade de que
fala Fox, acerca de um mártir italiano! Condenaram-no a ser queimado vivo na fogueira, mas ele ficou
calmo ao ouvir tal sentença. Porém, sabem, queimar os mártires, por mais prazer que isso desse a alguns,
trazia-lhes despesas; o Presidente da Câmara da cidade não queria desembolsar dinheiro nos feixes de
lenha para o evento e o padre que o tinha acusado também não queria fazer qualquer despesa pessoal
no trabalho para esse fim. Deste modo, entraram os dois em tremenda discussão, enquanto o pobre
homem a quem se destinariam os molhos de lenha não providenciados, permanecia calmo a ouvir as re-
criminações mútuas, que dirigiam um ao outro. Ao concluir que eles não poderiam chegar a acordo sobre
o assunto, disse então: “Cavalheiros, vou terminar com esta discussão. É uma pena que cada um de vocês
ache assim tão caro pagar a lenha para me queimarem e para a glória de Deus; por isso eu quero pagar
a lenha que me vai queimar, se não se importam”. Há aqui um requintado toque de ironia, assim como
de humildade. Eu não sei se seria capaz de pagar tal coisa, mas eu próprio me sinto, por vezes inclinado
a ir ao encontro daqueles que são inimigos da verdade, a fim de os ajudar a encontrar o combustível que
procuram para as criticas que pretendem fazer a meu respeito. Sim, sim, eu até serei capaz de me tornar
mais “vil”, em dar-lhes mais motivos para queixas. Entro em controvérsia por amor a Cristo e, em seguida,
não faço nada para acalmar a indignação de alguns. Irmãos, se tentarem moderar um pouco opiniões
contrárias às de outrem, se tentarem salvaguardar, um pouco que seja, a vossa reputação em confronto
com homens entregues à apostasia, estarão perdendo o juízo. Aquele que se envergonhar de Cristo e da
Sua Palavra nesta geração perversa, verá que também Cristo se envergonhará dele naquele dia.

C.H. Spurgeon

26 Revista Os Puritanos 2•2010


Nosso Melhor Dia
“Para o crente, a morte é o dia de sua coroação e do seu casamento”

Dr. Leland Riken a Deus — e do que é ouvido, ah, quão pouco se enten-
de! Há uma excelente expressão usada por Agostinho:

O
s puritanos entendiam que, para os crentes, a “As coisas gloriosas do céu são tantas que excedem em
morte não é uma calamidade. Muitos pensam número; tão preciosas que excedem tudo que se pode
a respeito da sua própria morte com uma ex- estimar; tão grandiosas que excedem qualquer medi-
pectativa terrível, mas o título de um famoso sermão da!”. Bernard diz: “Que Cristo esteve com Paulo disso
fúnebre escrito por um Puritano nos oferece uma al- ele estava seguro — mas estar Paulo com Cristo, isso
ternativa agradável: o último dia de um crente sobre a era a maior das alegrias!”.
terra é seu melhor dia. Quando a morte desfere seu golpe fatal, há uma tro-
Os Puritanos dos séculos XVI e XVII produziram um ca da terra pelo céu; do imperfeito deleite para o per-
tesouro de escritos que podem ser lidos devocionalmen- feito deleite em Deus; então a alma deve ser abarcada
te. O que eles tinham de melhor em suas devocionais com uma satisfação plena em Deus; e nenhum ponto
estava inserido na categoria dos chamados “segredos da alma deve ser deixado vazio — mas todos devem
mais bem guardados”, isto é, os sermões fúnebres. ser preenchidos com a plenitude de Deus. Aqui neste
Normalmente um sermão fúnebre puritano era im- presente mundo, os crentes recebem a graça — mas no
presso, e frequentemente expandido na forma de um céu recebem a glória. Deus guarda o melhor vinho para
pequeno livro. Os sermões fúnebres escritos pelos o final; o melhor de Deus, Cristo e o céu — estão além
Puritanos traziam um único versículo da Bíblia no iní- deste presente mundo. Aqui tomamos apenas alguns
cio, mas à medida que o sermão se desenrolava eles goles, provamos alguma coisa de Deus; a plenitude está
quase sempre se tornavam um mosaico de versos que reservada para o estado de glória. Aquele que vê muito
evocavam assuntos como a morte, o céu, e a imortali- de Deus aqui na terra, não vê mais que seu rastro; Seu
dade. Alguns desses sermões são pequenas antologias rosto é uma jóia coberta por um esplendor de glória
de versos bíblicos escolhidos. que nenhum olhar pode contemplar, a não ser o dos
Quando Thomas Brooks pregou um sermão no fu- glorificados.
neral da senhora Martha Randall na Christ’s Church, O melhor dos cristãos é capaz de ter apenas um pou-
Londres, em 28 de junho de 1651, ele escolheu um co de Deus; seus corações são como os vasos da viúva,
título genial. Ao chamar o último dia de um crente sobre que poderiam receber apenas um pouco de azeite. O
a terra de seu melhor dia, Brooks demolia de imediato pecado, o mundo e as criaturas, ocupam tanto espaço
a visão convencional da morte como uma calamidade naqueles melhores corações, que Deus, de si mesmo, dá
terrena. O trecho a seguir reúne algumas passagens- apenas pouco a pouco, como os pais dão doces a seus
chave do sermão: Para o crente, a morte é o dia de sua filhos. Mas no céu Deus irá comunicar-se plenamente
coroação e do seu casamento com a alma! A graça será então engolida pela glória!
A morte é uma mudança de nossos prazeres imper- A morte é um outro Moisés: ela livra os crentes da
feitos e incompletos de Deus, para um mais completo escravidão, e de fazer tijolos no Egito. É um dia ou o ano
e perfeito deleite nEle. Como nenhum crente pode ter do jubileu para um espírito gracioso — o ano em que ele
uma visão clara de Deus aqui, assim também nenhum está livre de todos aqueles cruéis feitores sob os quais
cristão possui uma completa e perfeita visão de Deus. há muito gemia. A morte é o dia da coroação do crente,
Em Jó 26.14, quão pouco se ouve falar dele — refiro-me é o dia do seu casamento. É um descanso do pecado,

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Leland Riken

descanso do sofrimento, descanso das César Bórgia que, em seu leito de morte, cultor, como o dia da libertação para
aflições e tentações. A morte, para o disse: “Enquanto vivi, me preparei para um prisioneiro, o dia da coroação para
crente, é a entrada no seio de Abraão, tudo, menos para a morte! Agora que um rei, e como o dia do casamento para
no paraíso, na “Nova Jerusalém”, no devo morrer, estou despreparado”. Ah, uma noiva. O dia da sua morte será um
gozo do seu Senhor. Cristãos! Vocês precisam orar todos os dia de triunfo e exaltação, um dia de
Cristãos! De que serve sua vida in- dias como Moisés: “Senhor, ensina-nos liberdade e consolação, um dia de des-
teira — a não ser para torná-lo apto a contar nossos dias, para que alcance- canso e satisfação!
para o dia da morte? Qual o seu gran- mos um coração sábio” (Salmo 90:12).
de objetivo neste mundo — a não ser Que Cristo seja o seu Senhor e Mes-
preparar-se e estar pronto para o mun- tre, e então o dia da sua morte será Dr. Leland Ryken é professor no English at Wheaton
do eternal? Foi um discurso triste o de como o dia da colheita para um agri- College.

A Misericórdia de Deus
Tornou o SENHOR: Tens compaixão da planta que te não custou trabalho, a qual não fizeste cres-
cer, que numa noite nasceu e numa noite pereceu; e não hei de eu ter compaixão da grande cida-
de de Nínive, em que há mais de cento e vinte mil pessoas, que não sabem discernir entre a mão
direita e a mão esquerda, e também muitos animais?
Jonas 4.10-11

Deus mostra aqui como, a semelhança de um pai, ele toma conta da humanidade. Ele cuida de cada
um de nós com desvelo singular. Mas aqui ele chama a atenção para uma grande população para ma-
nifestar ainda mais o seu imenso interesse pelos seres humanos; por isso ele não fulminará nenhuma
nação sem motivos. Deus mostra a Jonas que o profeta tem-se deixado desviar pelo zelo sem miseri-
córdia. Embora o zelo de Jonas proceda de um bom princípio, ele, todavia, estava influenciado por um
sentimento impetuoso demais. Foi o que Deus demonstrou ao poupar tantas criancinhas até então
inocentes. Às crianças ele acrescenta os animais irracionais. Certamente o gado era superior às plantas.
Se Jonas tinha razão para ficar desolado por causa de uma planta ressecada, bem mais deplorável e
cruel seria a morte de muitos animais inocentes. Portanto, vemos assim quão opostas são todas as
partes dessa símile para levarem Jonas a abominar a própria insensatez e a se envergonhar dela, pois
ele pretendera frustrar o propósito secreto de Deus, e de alguma maneira fazer a sua vontade prevale-
cer à dele, para que os ninivitas não fossem poupados, apesar de se arrependerem verdadeiramente,
antecipando-se ao juízo divino.

Oração:
Concede, ó Deus onipotente, que do modo como tens, de várias maneiras, declarado e também de-
monstrado diariamente o tanto que a humanidade é querida aos teus olhos, assim como desfrutamos
cotidianamente de tantas e tão notáveis provas da tua bondade, — ó concede que aprendamos a nos
entregar totalmente à tua bondade, pois tantos são os exemplos que dela puseste, diante de nós e
da qual nos fazes provar continuamente, não somente para atravessar o nosso curso o mundo, mas
também para anelarmos confiadamente a esperança da bendita vida celestial, depositada para nós
no céu, mediante Cristo somente, nosso Senhor. Amém.

Devotions and prayers of John Calvin, 52 one-page devotions with selected prayers on facing pages. Org. Charles
E. Edwards, Old Paths Gospel Press. S/d. Págs. 54 e 55.
Tradução: Marcos Vasconcelos, outubro/2009
mjsvasconcelos@gmail.com

28 Revista Os Puritanos 2•2010


O Eclipse da Doutrina
Pessoas de todos os tipos de linhas denominacionais denigrem e descartam a doutrina.

Gerald M. Bilkes ricas. Não há nenhuma base na experiência real e diária


e é apenas um jogo da mente que os dotados disputam”.

L
utero uma vez escreveu: “Doutrina é céu... ‘um Não é um exagero afirmar: Nossa época pós-moderna
ponto’ da doutrina vale mais do que céu e terra”. faz pouco uso da doutrina.
Todos os reformadores teriam compartilhado Tudo isto levanta questões importantes. Será que te-
com esta grande apreciação da doutrina. Na presente mos acreditado na coisa errada concernente à doutri-
era, porém, esta visão positiva da doutrina tem passa- na? Será que precisamos dispensá-la? Devemos enter-
do por momentos difíceis. Há nada menos do que uma rar nossos catecismos e comentários e procurar outros
revolução acontecendo em termos de como a doutrina meios para sermos uma igreja? Deveríamos, como a
é vista e apreciada na Igreja contemporânea. Não es- Igreja Emergente, tentar uma abordagem radicalmente
tou falando de apenas certas doutrinas. Houve um tem- diferente? Ao invés de edifícios de Igreja devemos nos
po quando pessoas negariam uma doutrina particular, mudar para espaços nos shoppings e galpões? Deve-
tais como expiação limitada, a imputação do pecado mos remover o rótulo “igreja” de nossas placas, e nos
de Adão, ou a infalibilidade das Escrituras. Isso, claro, congratular em desprezar as algemas de nossas mentes
acontece ainda hoje. Mas, progressivamente, nos é dito restritas?
que a própria doutrina é o problema.
Reinventando a Igreja → Meses atrás, numa placa
Doutrina está Fora → Pessoas de todos os tipos de em frente a uma igreja próxima, lia-se: “Venha, vamos
linhas denominacionais denigrem e descartam a dou- reinventar a igreja juntos”. Algum tempo depois obser-
trina. Eles nos falam que a doutrina pertence a uma vei que a antiga placa identificando a denominação da
era diferente. As batalhas doutrinárias são coisas do igreja desapareceu. Ao invés disso havia uma placa de
passado, dizem. Os dias em que as pessoas memoriza- neon luminoso com apenas o nome da cidade e a pala-
vam, pregavam e promoviam a doutrina são agora coisa vra “Primeira” atrás dela. Não havia nenhuma referên-
do passado. Afirmando de modo simples: A doutrina cia a uma denominação, a uma convicção ou qualquer
está fora. Sermões de três pontos estão fora de moda. coisa do tipo. Até a palavra “Igreja” desapareceu. Ha-
A verdade é entediante. via apenas uma placa luminosa com um nome vazio,
Na verdade, os “experts” nos dizem que a razão da erigida como monumento aos esforços humanos por
Igreja estar perdendo para nossa cultura é porque está reinventarem a igreja.
focada demais em conceitos abstratos, tais como peca- Juntamente com a reinvenção da igreja, claro, vem
do, salvação e algo do tipo. Acadêmicos nos dizem: “A a reinvenção dos ofícios, dos sermões, e de tudo o que
doutrina tem sido a preocupação do mundo ocidental, a Igreja significa. O que então é deixado para a Igreja
isto é, Europa e América do Norte. As barreiras entre pregar ou ensinar, uma vez que a doutrina tem sido
leste e oeste entraram em colapso. Simplesmente não lançada fora?
podemos usar meios ocidentais de pensar e falar. Pre-
cisamos adaptar e ajustar. Nossa cultura tem desistido Teologia Narrativa → Quando eu estava na universi-
da verdade absoluta e se queremos alcançá-la então dade e no seminário, a mim foram ensinadas coisas que
devemos alcançá-la”. Certa pessoa escreveu: “A doutrina nunca imaginei que teriam um impacto sobre a Igreja
tem a ver com abstrações, conceitualizações, ideias teó- em tão larga proporção. Mas, uma lição eu aprendi nos

Revista Os Puritanos 2•2010 29


Gerald M. Bilkes

últimos dez anos, que aquilo que é en- trina para a narrativa. Um acadêmico eclesiástica com um apelo à razão do
sinado nas universidade e seminários da Universidade de Yale, Hans Frei, es- homem. Os reformadores desfiaram as
em um ano, infiltra-se na Igreja dentro creveu The Eclipse of Biblical Narrati- mesmas coisas com o apelo pela verda-
de uma década. Quando estava na Uni- ve (O Eclipse da Narrativa Bíblica). Frei de baseada na Bíblia. A verdade era a
versidade, foi-me apresentado a Nova argumentou que os teólogos dos dois paixão deles. Consequentemente, eles
Perspectiva de Paulo e agora nós a en- últimos séculos tinham minimizado as com frequência argumentariam contra
contramos em todo lugar. No seminário narrativas da Bíblia e perderam o re- os autores renascentistas e Católico-
tive que aprender algo chamado Teolo- alismo em favor do abstrato. Embora Romanos.
gia Narrativa e agora também é uma certos ângulos da discussão de Frei se- Toda reforma tem sido basea-
palavra da moda na Igreja. Na semana jam úteis, mesmo assim têm levantado da e conduzida pela Palavra. Todo
passada falei com alguém que estava uma completa mudança que não tem reformador verdadeiro tem declarado
aprendendo tudo sobre Teologia Nar- restaurado um equilíbrio apropriado, a Palavra de Deus não importando as
rativa e sua importância nas classes de mas abalado a doutrina como um todo. humilhantes sutilezas políticas exigi-
catecúmenos de uma igreja local. Agora temos uma situação em que a das. Cada reforma tem feito afirma-
A Teologia Narrativa enfatiza o uso doutrina é que está eclipsada, não a ções verdadeiras baseadas na Palavra
de histórias como contrárias às pro- narrativa. revelada de Deus. Reformadores bíbli-
posições (orações de verdade). Propo- cos como Elias e Josias não precisaram
sições são consideradas coisas abstra- “A Falha dos Puritanos” → Num livro inventar novos métodos. Nem Calvino
tas ,carentes de inspiração e de algo bem recente intitulado Telling God’s ou Lutero precisaram deles. Eles ape-
concreto. De acordo com alguns, as Story (Contando a História de Deus), nas resgataram o que era antigo. E as-
proposições traem a mentalidade mo- John Wright coloca a culpa sobre os sim tem sido com a igreja Reformada
derna e ocidental que premia exatidão Puritanos e seus herdeiros “como desde então. Ela tem sido forte a ponto
e “verdade”. A Teologia Narrativa pensa Edwards e Whitefield” pelos problemas de proclamar a verdade escriturística
que isto é artificial e restritivo. Fala-nos que a igreja Norte-Americana moderna como a verdade de Deus para o homem
que precisamos abraçar a cor de muitas está enfrentando. O esquema deles do em qualquer lugar ou tempo. E a igre-
perspectivas, a ambiguidade e o místico evangelho, que Wright denomina de ja da Reforma não deveria abandonar
da história, e os efeitos que a narrativa “pecado-salvação-culto”, é responsável esta política espiritual, certamente
pode produzir. por tornar a Igreja fechada em si mes- não nesta conjuntura.
A Teologia Narrativa é fa avorita ma. Por causa desta abordagem abs-
das pessoas que se chamam “pós- trata, a Igreja perdeu seu impacto no A Alma da Doutrina → A pregação
-modernas”. Elas creem que o tempo mundo. Wright quer fazer mudanças, e reformada é a pregação da doutrina
chegou para sacudir o que restringe ele crê que se recapturarmos a história bíblica, a doutrina das Escrituras, todo
a verdade que foi “colocada em uma de Deus e contarmos bem, poderemos conselho de Deus. Doutrina é simples-
caixa”, usando as palavras deles. Pelo criar uma comunidade nova que en- mente outra palavra para ensinamento,
contrário, elas crêem que há tantos ân- frentará e desafiará a cultura. ou instrução. Se o ministro reformado
gulos da verdade quanto há de pessoas. Muitos na Igreja Emergente estão não pode pregar doutrina, ele não tem
Como você pode imaginar, existe pouco dizendo a mesma coisa. Estão exigindo nada para pregar. Paulo descreve isto da
espaço para a doutrina quando tudo é ver a doutrina destronada e a narrativa seguinte forma: “Apega-te à palavra fiel
deixado para nossas opiniões. coroada. Em suas mentes, a narrativa que é segundo a doutrina, de modo que
tem todas as marcas para ser uma nova tenha poder, assim para exortar pelo
O Eclipse da Doutrina → Quando a campeã capaz de “ganhar o dia” e ven- reto ensino como para convencer os que
lua passa entre a terra e o sol, nós não cer a cansativa doutrina e uma geração a contradizem” (Tito 1:9). Paulo respon-
podemos mais ver o sol como normal- que abandonou a Igreja. sabiliza Tito para falar “o que convém
mente o vemos. Chamamos a isso de à sã doutrina” (Tito 2:1). Isto era o mo-
eclipse solar. Muitos hoje têm feito um A Relevância da Reforma → Não delo para os reformadores. Na verdade,
eclipse da doutrina ao exaltar a lingua- cesso de ficar maravilhado com a rele- Calvino diz que o pregador reformado
gem e a narrativa. vância da Reforma em nossos dias. A deve, ao interpretar, não apenas ficar
Em 1974 foi escrito um livro que Renascença estava desafiando a auto- na superfície, mas “chegar na alma da
tem ajudado a mudar o foco da dou- ridade do papado e o peso da tradição doutrina”.

30 Revista Os Puritanos 2•2010


O Eclipse da Doutrina

O Conforto da Doutrina → Em um na deveria “trazer às pessoas conforto reformado será relegado à inverdade e
excelente artigo sobre a pregação de real”. Apenas abraçando a doutrina das à inutilidade. Paulo nos adverte sobre
Ursinus, o Professor Willem van‘t Spi- Escrituras poder-se-ia oferecer confor- nossas pressões atuais: “Pois haverá
jker (CGK, Apeldoorn, Holanda) chama to real. Apenas o evangelho pode verda- tempo em que não suportarão a sã
a atenção para o fato de que a pregação deiramente confortar, pois vem de Deus doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão
de Ursinus era de natureza doutriná- e não do homem. Exalta a Deus e não ao de mestres, segundo as suas próprias
ria: “Quando o jovem Ursinus começou homem. Esta é a doutrina da Escritura cobiças, como que sentindo coceira nos
a pregar em Breslau, ele foi convenci- que a pregação deve abraçar. ouvidos; e se recusarão a dar ouvidos
do deste conceito: o conteúdo da pro- à verdade, entregando-se às fábulas”
clamação é a doutrina cristã, que por Doutrina ou Fábulas? → A fé cristã (2 Tm 4:3-4). O homem faz eclipsar a
meio de uma sinopse da religião deve não é simplesmente contar histórias doutrina de Deus com as fábulas dos
ser plantada no coração. Este é o nível para inspirar e unir, apesar de ser o homens.
mais profundo da obra de Deus. Mas que muitos pedem hoje. Nossa socie- Que Deus possa nos livrar desse
para alcançar isto Ele usa o ministério dade tem em suas prateleiras “sopa de eclipse. Que os raios das doutrinas, que
da pregação”. canja para a alma”, mas no final é dar ao são de acordo com a piedade, possam
O próprio Ursinus caracterizou o povo um tiro no braço e um enlevo emo- levantar-se e começar a banir nossas
método que ele adotou aos seus alunos cional, nada mais. O evangelho de Deus, trevas auto-induzidas como nos dias
para a pregação como “exposição escri- por outro lado, é a doutrina de Deus da Reforma. Então será novamente ex
turística com a visão de estabelecer a que leva à salvação. O homem natural a tenebris lux: “Depois das trevas ― luz”.
doutrina verdadeira”. É claro, como co- tem sempre desprezado. E tem mais ou
nhecemos bem do Catecismo de Heidel- menos meios fantasiosos para tornar Dr. Gerald M. Bilkes é Professor do Velho e Novo
Testamentos no Puritan Reformed Theological Se-
berg, Ursinus não estava preocupado invisível este desdém. Se abandonar-
minary e Pastor da Free Reformed Church de Grand
“com a doutrina pela doutrina”. A doutri- mos a doutrina na pregação, o púlpito Rapids, Michigan - USA

Cultivando a Santidade
“A melhor maneira de nos prepararmos para o amanhã é buscarmos o reino de Deus e a sua justiça no dia
de hoje” (John Blanchard).
“Quando Deus declara um homem justo, Ele imediatamente começa a santificá-lo” (A. W. Tozer).
“A santidade não é mais pela fé sem esforço do que é pelo esforço sem a fé” (James I. Packer)
“Irmãos, nós podemos ser muito mais santos do que somos. Alcancemos primeiro aquela santidade acerca
da qual não há disputa”. (Charles H. Spurgeon).
O fazendeiro piedoso que ara o seu campo, sabe com certeza que, em última análise, ele depende com-
pletamente de forças que estão fora de si para obter uma boa colheita. Ele sabe que não pode fazer a
semente germinar, a chuva cair e o sol brilhar. No entanto, ele prossegue com diligência em sua tarefa,
olhando para Deus em busca de benção e sabendo que se Ele não fertilizar e cultivar a semente que foi
semeada, sua colheita será, no mínimo, pobre.
De forma semelhante, a vida cristã deve ser como um jardim cultivado, de modo a produzir os frutos de
uma vida santa para Deus. “A teologia”, escreveu William Ames nas palavras iniciais de seu clássico “The
manow of theology” (O âmago da Teologia), “é a doutrina ou o ensino concernente à vida para Deus”.1
O próprio Deus exorta seus filhos: “Sede santos porque Eu sou Santo” (I Pe. l.l6).2
Paulo instrui aos Tessalonicenses: “Porquanto Deus não nos chamou para a impureza, e, sim, em
santificação” (I Tessalonicenses 4.7). O autor de Hebreus escreve: “Segui a paz com todos, e a santificação,
sem a qual ninguém verá o Senhor” (Hb. l2.l4). O crente que não cultivar de forma diligente a santidade,
não está nem seguro, de maneira genuína, de sua salvação e tampouco estará obedecendo ao chamado
de Pedro para buscá-la (II Pe. l.l0).

Dr. Joel Beeke. Trecho do livro “Cultivando a Santidade”, Ed. Os Puritanos, p.25.

Revista Os Puritanos 2•2010 31


Tiago e Paulo sobre
a Justificação
“Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, sem as obras da lei.”

David N. Steele & Curtis C. Thomas vemos dar razão a Tiago e rejeitar Paulo, ou o inverso?
Ou podem ser reconciliadas ambas as declarações?

A
través da história da Igreja houve dois pontos de O propósito deste apêndice é mostrar que este
vista opostos quanto ao modo em que os pecado- conflito é apenas aparente e não real. Quando os dois
res são justificados, isto é, como são feitos justos versículos (Rm 3:28 e Tg 2:24) são lidos em seu próprio
diante de Deus e, portanto, declarados aceitos por Ele. significado, de fato, apresentam-se como complemen-
Um dos pontos de vista ensina que a justificação é to um do outro, em lugar de contradizer-se. Ambas as
pela fé somente, sem as obras da lei. Os pecadores são declarações são corretas quando compreendidas no
declarados justos e, portanto, justificados, somente em sentido em que os seus autores desejaram que fossem
relação com a justiça de Cristo, a qual lhes é imputada entendidas. O pecador é justificado pela fé, sem as obras
no momento em que crêem nele. A salvação é pela graça, da lei, como Paulo afirma e, todavia, o pecador salvo é
mediante a fé, e em nenhum sentido pode ser o resultado justificado pelas obras, e não pela fé somente, como
ou depender das boas obras do pecador. Os atos de obe- disse Tiago. Para compreendermos como isto pode ser
diência pessoais não garantem, nem acrescentam nada possível, devemos examinar os dois versículos em seu
à justificação, pois esta se baseia unicamente na justiça contexto.
que Deus outorga livremente a todo aquele que crê. O propósito de Paulo em Rm 3:9-5:21 é mostrar
O outro ponto de vista ensina que os pecadores, para que o pecador culpado, que não possui justiça própria,
serem justificados, devem fazer algo mais do que crer todavia, pode obtê-la por meio da fé, em Jesus Cristo.
em Cristo, devem prestar obediência pessoal a lei de No momento em que o pecador crê, lhe é outorgado
Deus. Assim, é declarado que a justificação é pela fé a justiça de Cristo, e conseqüentemente, é declarado
mais as obras. O pecador se faz aceito por Deus sobre justo (é justificado) por Deus. A base da justificação do
a base de que o que ele crê equivale ao que ele faz, e pecador diante de Deus é a justiça de Cristo que lhe é
não sobre a única base do que Cristo fez em seu favor. imputada, e o meio pelo qual esta justiça é recebida, é a
Unicamente pode beneficiar-se da obra salvadora de fé somente. O ponto que Paulo deseja estabelecer é que
Cristo crendo no Evangelho e obedecendo a lei de Cristo. os pecadores são aceitos por Deus, pela fé em Cristo, a
Um sem o outro não vale para fazer o pecador aceito por parte de todo mérito pessoal. As obras do homem não
Deus. Deus requer ambas as coisas, fé e obra, daquele têm nada a ver com a sua justificação diante de Deus.
a quem justifica. É neste contexto que o apóstolo declara: “concluímos,
Os advogados destas duas escolas de pensamento pois, que o homem é justificado pela fé, sem as obras
apelam para as Escrituras para sustentar os seus pontos da lei” (Rm 3:28).
de vista. Os primeiros fazem suas as palavras de Paulo, O objetivo de Tiago é completamente diferente. O
em Rm 3:28, como exposição de sua opinião: “conclu- propósito de sua carta é mostrar como deve viver o
ímos, pois, que o homem é justificado pela fé, sem as cristão diante dos homens. Deve ser praticante da Pa-
obras da lei.” Os segundos citam as palavras de Tiago lavra, e não apenas ouvinte, para que não engane a si
como prova de sua doutrina da justificação pela fé mais mesmo (1:22-25). Este é o tema que é enfatizado no
as obras: “verificais que uma pessoa é justificada por decorrer de toda a epístola. Em 2:14-26, Tiago demons-
obras e não por fé somente” (Tg 2:24). À primeira vista tra que a fé que não produz obras é morta e não pode
estas duas declarações parecem ser contraditórias. De- salvar. Ninguém pode pretender que tem fé se ela não

32 Revista Os Puritanos 2•2010


Tiago e Paulo sobre a Justificação

pode ser provada com evidências. Em que justifica, mas a fé que justifica nun- é a aceitação original ou primária do
2:14 pergunta: “de que aproveitará se ca pode vir só.” Paulo se ocupa com
1
crente por parte de Deus, mas a subse-
alguém disser que tem fé, e não tem a primeira destas duas idéias em Rm qüente reivindicação de sua profissão
obras? Poderá semelhante fé salva- 3:28, enquanto Tiago da segunda, em de fé por seu modo de viver. Assim pois,
lo?” A resposta, naturalmente, é não! 2:24, mas uma não contradiz a outra. não é em conceito, mas na conclusão
Observe a afirmação que Tiago faz em J.I. Packer acerca dos vários usos bí- que Tiago difere de Paulo.”2
2:18: “mostra-me a tua fé sem obras, e blicos da palavra “justificar” disse que
eu te mostrarei a minha fé por meio das “em Tiago 2:21, 24-25 faz referência a
minhas obras”. Ele deseja que os seus prova da aceitação do homem por parte 1 Bispo Moule, The Epistle of Paul to the Romans,
p. 137.
leitores vejam que uma fé não pode ser de Deus, a qual é outorgada quando as 2 Packer, “Just, Justify, Justification”, Baker’s Dictio-
nary of Theology, p. 304.
justificada (provar a sua genuinidade suas ações mostram que leva a classe Bibliografia sobre a Justificação
por seus frutos) ante os homens, é falsa, de vida que resulta da fé que opera, a Berkhof, L., Teologia Sistemática, Editora Cultura
Cristã, 2004.
não podendo ser real; é uma mera pro- qual Deus imputa justiça.” Berkouwer, G.C., Faith & Justification, Grand Rapids,
Wm.B. Eerdmans, 1954.
fissão sem valor algum. É neste contex- “A declaração de Tiago de que o cris- Buchanan, J., The Doctrine of Justification, Grand
to que a declaração de Tiago se refere tão, que semelhante a Abraão, que foi Rapids, Baker, 1955.
Calvin, John, Institutes of the Christian Religion,
à necessidade das obras em relação à justificado pelas obras (vs. 24), não é Grand Rapids, Wm.B. Eerdmans, 1953.
Cunningham, Wm., Historical Theology, London,
justificação. “Verificais que uma pessoa contrária a insistência de Paulo de que The Banner of Truth, 1960.
é justificada por obras e não por fé so- o cristão, e que semelhante a Abraão, Hodge, Charles, Systematic Theology, Grand Rapids,
Wm.B. Eerdmans, 1952.
mente” (2:24). Está falando de um Cris- é justificado pela fé (Rm 3:28; 4:1-5), Morris, Leon, The Apostolic Preaching of the Cross,
Grand Rapids, Wm.B. Eerdmans, 1956.
tianismo justificado diante dos homens mas que se complementa. O mesmo Owen, John, The Doctrine of Justification by Faith,
por meio de suas obras, enquanto Paulo Tiago cita Gênesis 15:6 exatamente Evansville, Sovereign Grace Publishers, 1959.
Packer, J.I., “Just, Justify, Justification”, Baker’s Dictio-
em Rm 3:28 se refere ao pecador que com o mesmo propósito que o faz Pau- nary of Theology, Grand Rapids, Baker House, 1960.
Packer, J.I., “Justification”, The New Bible Dcitionary,
é justificado diante de Deus aparte de lo: mostrar que foi a fé que fez Abraão Grand Rapids, Wm.B. Eerdmans, 1962.
suas obras. Calvino expressou ambas as justo (vs. 23; cf. Rm 4:3ss., e Gl 3:6ss.). Extraído de Romanos un Bosquejo Explicativo, TELL,
1967, pp. 163-166.
idéias quando escreveu: “é a fé somente A justificação que concerne a Tiago não Traduzido por Rev. Ewerton B. Tokashiki

Confissão de Fé Belga
Artigo 27 → A Igreja Católica ou Universal
Cremos e confessamos uma só igreja católica ou universal1. Ela é uma santa congregação e assem-
bleia2 dos verdadeiros crentes em Cristo, que esperam toda a sua salvação de Jesus Cristo3, lavados
pelo sangue dEle, santificados e selados pelo Espírito Santo4.

Esta igreja existe desde o princípio do mundo e existirá até o fim. Pois, Cristo é um Rei eterno, que
não pode estar sem súditos5. Esta santa igreja é mantida por Deus contra o furor do mundo in-
teiro6, mesmo que ela, às vezes, por algum tempo, seja muito pequena e na opinião dos homens,
quase desaparecida7. Assim, Deus guardou para si, na perigosa época de Acabe, sete mil homens,
que não tinham dobrado os joelhos a Baal8.

Esta santa igreja também não está situada, fixada ou limitada em certo lugar, ou ligada a certas
pessoas, mas ela está espalhada e dispersa pelo mundo inteiro9. Contudo, está integrada e unida,
de coração e vontade, no mesmo Espírito, pelo poder da fé10.

1. Gn 22:18; Is 49:6; Ef 2:17-19. ; 2. Sl 111:1; Jo 10:14,16; Ef 4:3-6; Hb 12:22,23; 3. Jl 2: 32; At 2:21; 4. Ef 1:13; Ef 4:30; 5. 2Sm 7:16; Sl 89:36; Sl 110:4; Mt 28:18,20; Lc
1:32; 6. Sl 46:5; Mt 16:18; 7. Is 1:9; 1Pe 3:20; Ap 11:7; 8. 1Rs 19:18; Rm 11:4; 9. Mt 23:8; Jo 4:21-23; Rm 10:12,13; 10. Sl 119:63; At 4:32; Ef 4:4.

Revista Os Puritanos 2•2010 33


Um Chamado para uma
Volta aos Atributos de Deus
“A quem me comparareis para que eu lhe seja igual? Diz o Santo” (Is. 40:25)

Dr. Joel Beeke A centralidade dos atributos de Deus também é


confirmada pela história das igreja. Um exemplo é o

I
saías capítulo 40 é um grande capítulo da Bíblia que suficiente. Citando o Breve Catecismo de Westminster,
inicia uma longa sessão dentro do livro de Isaías de escrito no final dos anos 1640 para que crianças o me-
alguns dos mais confortadores versículos e capítu- morizassem, o grande teólogo de Princeton, Charles
los nas Escrituras. Mas Isaías capítulo 40 vai muito Hodge, escreveu: “Provavelmente a melhor definição de
além de confortar o povo de Deus, tão tentado. Este Deus escrita por homens é a que segue: Deus é espírito,
capítulo também coloca o que foi chamado de “o mais infinito, eterno e imutável em Seu ser, sabedoria, poder,
elevado exemplo na Escrituras de um estudo dos atri- santidade, justiça, bondade e verdade”.
butos de Deus”. Por atributos de Deus nos referimos A experiência pessoal dos cristãos também ressalta
a traços ou qualidades que pertencem unicamente a a necessidade de ser intimamente conhecido por Deus
Deus. Os versículos 12-20 de Isaías 40 são um hino da e conhecer Seus atributos. Os crentes sempre foram
criação exaltando o poder de Deus. O versículo 12 pro- profundamente impressionados com quem Deus é em
clama a Sua onipotência — que Ele é Todo-Poderoso; seus atributos, até um grau paralelo ao conhecimento
o versículo 13, Sua onisciência — que Ele sabe tudo; que têm dEle em Cristo. Daniel 11:32 nos instrui “mas
versículo 14, Sua independência — que Ele não precisa o povo que conhece o Seu Deus se tornará forte e ativo”.
de ninguém mais fora dEle mesmo. Estes e muitos ou- Deste modo as Escrituras, a história da igreja, e a
tros atributos de Deus estão apropriadamente sumaria- experiência da graça tornam uma coisa clara: quão mais
dos no versículo 25, “A quem, pois, me comparareis...”. perto um cristão está de Deus, tanto mais consciente ele
Os atributos de Deus nos ensinam que Deus não tem estará dos atributos de Deus. Os nossos antepassados
equivalentes. Ninguém é comparável a Ele. Isaías conti- protestantes eram tão conscientes da doutrina dos atri-
nua no restante do capítulo 40 a nos contar que Deus é butos divinos, que eles desenvolveram vários sinônimos
muito maior do que a Sua própria criação (vers. 26). Sua para a palavra Atributos; palavras tais como: perfeições,
energia não pode ser esgotada (vers.28). Só Ele é Deus. virtudes, qualidades e propriedades. Divisões eram fei-
A Bíblia fala de um ou mais atributos de Deus quase tas de uma forma até artificial, dentro dos atributos de
em toda página. O número é tão admirável, que é difícil Deus na tentativa de expô-los — a divisão mais comum
calcular quantas mil vezes a Bíblia fala dos atributos continua sendo a de comunicáveis e incomunicáveis. Co-
de Deus. Está mais do que claro que o fundamento de municáveis derivando de “possível de ser comunicado”,
todo verdadeiro conhecimento de Deus deve ser uma quer dizer que ao menos um traço destes atributos é
apreensão clara dos Seus atributos revelados nas San- capaz de ser comunicado às pessoas. Incomunicáveis
tas Escrituras. Um Deus desconhecido não pode nem derivando de “incapaz de ser comunicado”, indica que
ser adorado e nem merecer confiança. O próprio Deis nada destes atributos pode ser comunicado às pessoas.
nos adverte, “Assim diz o senhor: Não se glorie o sábio É óbvio que a ênfase nos atributos de Deis entre
na sua sabedoria e nem o forte na sua força, nem o os cristãos de gerações passados era mais pesada do
rico nas suas riquezas; mas o que se gloriar, glorie-se que se vê hoje em geral na igreja cristã. Mas por quê?
nisto: em me conhecer e saber que eu sou o Senhor, e Por que há uma tão grande baixa nos atributos de
faço misericórdia, juízo e justiça na terra; porque destas Deus — não só no mundo, mas também na igreja? Por
coisas me agrado, diz o senhor” (Jer.9:23-24). que há tão pouca percepção de que vir a conhecer os

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Um Chamado para uma Volta aos Atributos de Deus

atributos de Deus através da experiên- Deixe-me ilustrar. A brancura de um com Isaías, “A quem me comparareis,
cia pessoal é parte essencial da vida diamante parece brilhar mais intensa- ou serei igual? Diz o santo”. Para nós, os
cristã? mente contra um pano de fundo escu- atributos de Deus são numerosos, mas
As respostas poderiam ser muitas: ro do joalheiro. Semelhantemente, os isto é apenas porque Deus os fragmen-
a escuridão espiritual do nosso tempo; “atributos-diamante” de Deus e nossa tou, como tal, para revelá-los em partes
nossa mente terrena; a influência pre- negritude inerente reforçam um ao ou- para acomodá-los à nossa frágil capaci-
sente do humanismo; a falta de expe- tro pelo seu contraste. O pecado se tor- dade de compreensão humana.
riência pessoal da graça salvadora em na excessivamente pecaminoso quando Os atributos de Deus são como a luz
comparação com gerações anteriores. o Espírito Santo nos ensina a vermos a brilhando através de um prisma. Antes
Certamente todas estas respostas nós mesmo no contexto da santidade de de alcançar o prisma, eles são um puro
são verdadeiras. Mas eu gostaria de ir Deus. Diante da pura luz da santidade facho de luz branca, mas através do pris-
um pouco mais fundo do que isso. Eu de Deus, nosso coração se torna inesca- ma da revelação, Deus torna Seus atribu-
gostaria de focalizar no porque da pou- pavelmente negro. E esta santidade de tos conhecidos a nós numa disposição/
ca percepção dos atributos de Deus en- Deus permeia todos os Seus atributos. coleção de cores diversas. A fé capta esta
tre os verdadeiros cristãos, a fim de soar Portanto, o antigo provérbio contem harmonia em Deus com adoração reve-
um chamado para fazê-los retornar ao muito de verdade: “Se conhecesse a si rente e anseia por conhecer os atributos
foco bíblico dos atributos de Deus. mesmo, conheceria a Deus; se você co- de Deus ainda mais integralmente.
Além das razões citadas, eu creio nhecesse a Deus, conheceria a si mesmo.” b) Uma segunda causa da ignorância
que há um número de razões maiores, 2) Segundo, a ignorância tem um pa- é que os Cristãos tendem a relaxar na
apesar de mais sutis, porque a doutrina pel fundamental em pelo menos três mo- busca de um conhecimento crescente
dos atributos de Deus está sendo rele- dos da falta de ênfase que a igreja con- de Deus e de seus atributos por meio
gada a um papel menor por cristãos temporânea dá nos atributos de Deus. de um uso diligente dos meios da graça
genuínos. Deixe-me mencionar quatro a) Uma causa de ignorância é que (Ef.4:15; I Pe. 2:2; II Pe 3: 18). Um en-
das razões mais proeminentes. muito poucos crentes possuem ao me- contro inicial com a santidade de Deus,
1) Primeiro, há uma séria falta de nos um entendimento básico da doutri- Sua justiça e soberania, que por fim leva
auto-conhecimento hoje em dia nas na dos atributos de Deus. Quão poucos a experimentar a graça indescritível de
igrejas de Jesus Cristo. Quanto mais percebem que os atributos de Deus são Deus e misericórdia em Jesus impressa
conhecermos a nós mesmos e nossa muito mais do que os nossos atributos para sempre na alma de cada crente
pobreza, tanto mais nos tornaremos — pois que os nossos atributos nos CA- num maior ou menor grau. Mas este
pessoalmente familiarizados com os RACTERIZAM, porém os atributos de é apenas o começo do crescimento no
ricos atributos de Deus. Jó detestava Deus SÃO Deus! Deus é Justiça, Amor, conhecimento dos atributos de Deus.
a si mesmo em pó e cinzas, como ele Retidão, Verdade, Soberania — com le- O avanço em conhecer os atribu-
jamais o havia feito antes, quando ele tra maiúscula. De fato, o Seu amor é a tos de Deus em cristo é a melhor par-
viu a Deus (42: 5-6). Isaías exclamou, Sua Justiça; Sua Justiça, Seu Amor. Nele te da vida contínua de conversão e
“Ai de mim, estou perdido”, quando viu todos os Seus atributos não apenas são santificação do cristão. Por exemplo,
a santidade de Deus (cap. 6). um, mas também o permeiam cem por é a contínua experiência da paciência
É contraditório que tantos falem de cento. Cada atributo é infinito (isto é, de Deus que nos dá coragem para nos
auto-conhecimento hoje em dia sem sem limitação) em Deus. Deus é tanto voltarmos repetidamente a oração, ape-
terem muito conhecimento de Deus todo-justiça como todo-amor. Os atri- sar de sermos filhos cambaleantes que
em Sua santidade, justiça, soberania, butos de Deus não são acrescentados parecem nunca aprender a lição. É a
misericórdia e graça. Conhecimento ao seu ser, porém cada atributo é o Ser contínua experiência da graça de Deus
de Deus e de si mesmo são paralelos, de Deus. Em Jesus Cristo, que é a ima- que nos ensina que a graça é tudo para
como Calvino apontou tão bem nas gem expressa de Deus, o próprio cora- nós e faz tudo que é essencial para a
suas Institutas da Religião Cristã. Nas ção de Deus é completamente expresso nossa salvação fora de nós e dentro de
páginas iniciais das Institutas, Calvino em cada atributo. nós. É a contínua experiência da sobe-
luta com a questão de qual tipo de co- Esta doutrina, de que os atributos rania de Deus que tanto nos ensina de
nhecimento vem primeiro, e conclui de Deus são o próprio Deus, vai muito que todo nosso louvor deve culminar
que conhecimento de Deus e de si são além da nossa compreensão; no entan- em Deus somente. É a contínua experi-
experimentados simultaneamente. to, cremos nela pela fé, confessando ência do seu amor que aumenta nosso

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Joel Beeke

amor por Ele em troca. É a contínua sincera do coração, em Deus” (Pergun-


experiência da Sua verdade que efetua tas 89-90). Do início ao fim, verdadeira
dentro de nós aquele naturalmente es- conversão sempre tem a ver com Deus e
tranho desejo de ser honesto conosco e “A quem, pois, me Seus atributos. É Ele “... a quem temos de
com outros na Sua santa presença. É a prestar contas” (Heb.4:13).
contínua experiência da Sua santidade comparareis para que 4) Quarto, nós injuriamos um conhe-
e misericórdia que nos assiste ao nos cimento espiritual dos atributos de Deus
achegarmos a Ele de maneira equili- eu lhe seja igual? — diz quando terminamos na nossa própria
brada com uma confiança reverente e experiência dos Seus atributos, ao invés
uma familiaridade infantil. Em resumo, o Santo” (Is.40:25) dos atributos propriamente ditos. Se
a experiência contínua dos Seus atribu- estivermos mais interessados em expe-
tos é valorosa para manter o sucinto riência pela mera experiência, podemos
sumário de João Batista, da santificação de jogar consciência e circunstâncias ficar certos de que receberemos pouca
progressiva: “Convém que Ele cresça e de acordo com nossos desejos, ao invés experiência, e ainda menos de Deus.
que eu diminua” (João 3:30). de uma vida tridimensional que envol- A verdadeira experiência jamais é um
c) Uma terceira causa da ignorância ve Deus e Sua vontade assim como nós fim nela mesma, mas, ela chama a igreja
para alguns cristãos é de caírem como mesmos e nossas circunstâncias. vivente a atingir seu clímax no Deus tri-
presas na sugestão de Satanás de que Infelizmente, Deus é a dimensão úno e em seus atributos incomparáveis.
os atributos de Deus não são conforta- mais facilmente deixada de fora — mes- Quando a experiência é corretamente
dores, mas sim ameaçadores. Em Cris- mo depois de termos nascido de novo. usada, ela olha mais para frente do que
to, a soberania predestinadora de Deus, Não teve Ele que reclamar de Israel, para trás. Como Paulo, o verdadeiro
santidade graciosa, e justiça majestosa “Vocês esqueceram de mim por inúme- crente não considera a si mesmo como
— longe de serem ameaçadoras — são ros dias”? O poder e a beleza de uma tendo aprendido via experiência; ele está
nossas mais profundas bases de força contínua consciência dos atributos de perfeitamente consciente do fato de que
e refúgio, pois não podemos achar tais Deus é simplesmente esta: ela serva há muito mais para ele experimentar
bases dentro de nós mesmos. Quando para manter o Deus Trino na diantei- tanto de Deus como dele. Por esta razão
nos tornamos acuradamente conscien- ra em nossas vidas. Ela nos mantém sua confissão continua como a do após-
tes da surpreendente pobreza de nos- vivendo na extremidade crescente da tolo, “Irmãos, quanto a mim, não julgo
sos melhores exercícios religiosos, para comunhão espiritual com Ele, e serve havê-lo alcançado; mas uma coisa faço:
onde fugiremos senão para a soberania como prevenção da sequidão de viver esquecendo-me das coisas que para trás
de Deus em Cristo? Quisera Deus que de qualquer forma fora dEle. ficam e avançando para as que diante de
fôssemos mais familiarizados com a A superficialidade do viver bidimen- mim estão, prossigo para o alvo, para o
confissão de Paulo nesta consideração: sional (impiedade) contrasta fortemente prêmio da soberana vocação de Deus em
“Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o com a riqueza e profundidade do viver cristo Jesus” (Fl. 3: 13-14).
qual se nos tornou da parte de Deus tridimensional (piedade). Realidade vi- Conclamemos a nós mesmos e uns
sabedoria, e justiça, e santificação, e vida com profundidade é sempre vivida aos outros para retornarmos a uma ên-
redenção” (I Co. 1:30)! na presença de Deus. Arrependimento fase escriturística, doutrinária e experi-
3) Terceiro, a doutrina dos atribu- sem Deus é mera convicção comum de mental dos atributos de Deus. O Deus
tos de Deus sofre baixa em nossos dias consciência. Libertação sem Deus é mera vivente é mais que digno de ser conhe-
porque verdadeiros crentes tendem a imaginação. Gratidão sem Deus é mera cido e amado com o coração, a mente e
se acomodar com muito pouco e com mudança de humor, atitudes externas, a força. Ele é nosso inigualável Deus e
muita facilidade em suas vidas e expe- ou circunstâncias. De fato, é este elemen- salvador: “A quem, pois, me comparareis
riências cristãs. Nós tendemos a cair to de “consciência de Deus” que é a pró- para que eu lhe seja igual? — diz o Santo”
como presas no espírito da nossa época pria base da conversão. É por isso que o (Is.40:25). O fruto de um tal retorno aos
que substitui excelência por mediocri- catecismo de Heidelberg define mortifi- atributos de Deus colherá grandes pen-
dade, qualidade por velocidade, miolo cação do velho homem como um “pesar samentos de Deus, grande confiança em
por casca, profundidade por superficia- sincero do coração, de que provocamos a Deus e grande contentamento em Deus.
lidade. Somos tentados a voltar ao que Deus com os nossos pecados” e o desper-
Fonte: “The Gospel Trumpet Broadcast”
eu chamo de uma vida bidimensional tar do novo homem como “uma alegria

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Em que os Alcunhados Neopuritanos1
São Semelhantes aos Puritanos?
1. Em nada.

2. Os puritanos eram profundamente conhecedores e praticantes das Escrituras, os neopuritanos ape-


nas sonham com isso e ainda têm muito a percorrer até que isso aconteça.

3. Os Puritanos eram gigantes da piedade, os neopuritanos são pigmeus, não sabem bem como tor-
ná‑la experimental, mas anseiam por isso.

4. Os Puritanos amavam e zelosamente santificavam o dia do Senhor como os Presbiterianos do pas-


sado também o faziam. Neste ponto os neopuritanos, se opondo e enfrentando a “neo-hermenêutica”
contemporânea, lutam quase que desesperadamente para estabelecer esta disciplina de vida pessoal
e da sua família, por considerar, como os Puritanos, que este é o único dia santo a ser guardado de
forma deleitosa como um santo descanso e guardando-se não somente de tudo quanto é pecaminoso,
mas até de todas as ocupações e recreios seculares que são lícitos em outros dias (CM p. 158); mas os
neopuritanos ainda sonham por alcançar esta prática.

5. Os Puritanos, seguindo o pensamento de Calvino, louvavam ao Senhor apenas com o Saltério. De


forma natural e zelosa, defendiam a salmodia exclusiva por considerarem que, assim como o que se lê
no culto deve ter um conteúdo inspirado, o cantar também. E faziam assim por questões hermenêu-
ticas esposadas por todos os grandes teólogos puritanos e por aqueles que escreveram a CFW e os
Catecismos e o Diretório de Culto. Os neopuritanos buscam esta prática puritano-reformada, mas ainda
“engatinham” nisso, pois nem Saltério organizado têm, mas sonham com um saltério Brasileiro para
louvar e glorificar a Deus com aquilo que Ele mesmo compôs sem impor isso às consciências daqueles
que não têm esta convicção puritana.

6. Os Puritanos e as puritanas nunca permitiram que as mulheres orassem no culto público, nem que en-
sinassem à congregação, nem pregassem a Palavra. Eles, como Calvino, sempre entenderam que esta
era uma prerrogativa dos homens que lideram a Igreja e que ninguém pode delegar esta autoridade
à mulher visto que Deus nunca autorizou qualquer concílio ou liderança eclesiástica a assim proceder.
Os Puritanos nunca transferiram para a mulher uma atribuição de autoridade própria dos homens por
Deus delegada. Os Puritanos faziam assim, não porque achassem que isso era uma prática apenas cul-
tural, ao contrário, era essencialmente uma questão teológica. Os neopuritanos, ainda que concordem
com isso, por falta de maior convicção e hábito, por constrangimento e receio, ainda tropeçam, mas
sonham com esta prática na igreja de hoje.

7. Os Puritanos levavam muito a SÉRIO o dia do Senhor e o momento de Culto a Deus. Na pregação, nos
sacramentos, nas orações, nos cânticos dos salmos e na leitura bíblica. Na adoração tinham aversão a
uma postura irreverente e descontraída por entenderem que estavam na presença de um Deus santís-
simo; assim o zelo do Senhor os consumia porque sabiam que Deus é fogo consumidor. Criam que isso
não deveria ser um traço de uma época, mas uma essencial prática teológica e piedosa. Os neopurita-
nos estão longe desta realidade, pois, forçosa e frequentemente, assumem, não sem constrangimento

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e vergonha, a posição Nicodemita2 de desconsiderar este temor santo que caracterizava o coração
puritano. No entanto, sonham e batalham neste sentido, sendo por isso criticados e ridicularizados.

8. Os Puritanos são chamados de os teólogos da santificação e conseguiram experimentar uma vida de


pureza. Os neopuritanos se envergonham de sua mediocridade nesta área. Os neopuritanos não sabem
o que isso significa na prática. Pecam por apenas admirar a ortopraxia puritana, mas não vivenciá-la.
Nesta área, os neopuritanos são uma vergonha, no entanto sonham com dias melhores, sonham com
um grande despertamento santificador na Igreja de Cristo associado a um profundo conhecimento
doutrinário.

9. Os Puritanos foram exemplos de piedade e ortodoxia. Foram gigantes na pregação, na interpreta-


ção das Escrituras, no ensino, no magistério, mas também na vida santa e piedosa. Para os Puritanos
Presbiterianos a ortodoxia estava representada e hermeneuticamente expressa na Confissão de Fé de
Westminster, nos Catecismo Maior e Breve e no Diretório de Culto. Fora disso temiam se colocar na po-
sição vulnerável de uma neo-hermenêutica que viesse a permear os púlpitos e o ensino da Igreja. Hoje
poucos escrevem e ensinam teologia de uma forma tão ortodoxa, santa e piedosa como os Puritanos
fizeram; hoje poucos meditam nas grandezas de Deus e as vivenciam como eles. Os neopuritanos têm
conhecimento deste fato e, por suas incoerências, limitações e fraquezas, coram de vergonha, mas
sonham com esta vivência doutrinária e experimental.

10. Os Puritanos pregavam e ensinavam que os dons extraordinários do Espírito Santo foram próprios da
era apostólica quando “Os apóstolos, os profetas e os que possuíam o dom de línguas, de curar e fazer
milagres, foram oficiais extraordinários empregados a princípio por nosso Senhor e Salvador para reunir
seu povo de entre as nações, conduzindo-os à família da fé. Esses oficiais e dotes miraculosos cessaram
há muito tempo”3 e que, sendo a Palavra de Deus suficiente, não existem novas revelações do Espírito.
O Sola Scriptura era o grande fundamento dos Puritanos. Os neopuritanos, ainda que concordando
com esta verdade e lutando por ela com grande ênfase, a têm no coração ainda de forma mais teórica
do que prática; no entanto sonham com a pureza desta verdade: Só a Escritura é indispensável, “tendo
cessado aqueles antigos modos de Deus revelar a sua vontade ao seu povo” (CFW – 1:1).

11. Os Puritanos não comemoravam Páscoa e Pentecostes porque consideravam que estes dias, tanto
quanto as festas dos tabernáculos, das primícias, os sacrifícios expiatórios de animais, etc. foram institui-
ções levíticas abolidas em Cristo. Os Puritanos amavam a doutrina da encarnação do Verbo e pregavam
sobre os textos que falam claramente sobre este evento, mas não comemoravam o Natal por ser um dia
ou uma festa não ordenada por Deus, além de ter origem pagã e papal. Os neopuritanos, porém, ainda
sofrem e caem sob a pressão e imposição reivindicadas pela tradição da cultura cristã dos nossos dias,
contudo ainda conseguem pelo menos se manifestar pela supressão desta prática não encontrada na
Igreja primitiva apostólica.

12. Os Puritanos não tinham corais e solos no culto, mas o louvor era puramente congregacional. O
esplendor dos corais e os cantores do Templo de Jerusalém que seguiam uma orientação levítico-
-sacerdotal-masculina eram considerados prática cerimonial e que os sacerdotes de hoje (sacerdócio
de todos os santos) são todos os crentes que congregacionalmente louvam ao Senhor na simplicidade
cúltica Reformada. Os Neopuritanos ainda coxeiam nesta área, mas enfrentando grande oposição, re-
sistência e desprezo, lutam e buscam esta visão puritano-reformada.

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Conclusão: Os alcunhados Neopuritanos, ou devem ser encorajados a permanecer no mesmo conhecimento
bíblico, convicção doutrinária, fé experimental, luta e piedade de seus pais antecessores que redigiram os do-
cumentos de Westminster ou devem ser desencorajados e não tolerados por tentarem ser cristãos como os
Puritanos foram: Um suposto introspectivo grupo pietista radical de um período distante da história que, de modo
não reformado, minimalista, restritivo e legalista, redigiram documentos eclesiásticos próprios da sua cultura e
época — CONFISSÃO DE FÉ DE WESTMINSTER, O CATECISMO MAIOR DE WESTMINSTER, O BREVE CATECISMO
DE WESTMINSTER, O DIRETÓRIO DE CULTO DE WESTMINSTER E UM SALTÉRIO (que continha os salmos, hinos e
cânticos espirituais “supostamente” recomendados pelo apóstolo Paulo).

NOTAS:
1. Apelido dado pela primeira vez na história do presbiterianismo e do evangelicalismo brasileiro a um grupo indefinido de crentes que lutam
por uma reforma da Igreja do Brasil segundo os padrões de Westminster produzidos pelos Puritanos e subscritos pelas Igrejas Presbiterianas
em quase todo o mundo. Aqueles que, de forma pejorativa, apelidaram estes irmãos com esta alcunha de Neopuritanos estão a afirmar que
este tipo de puritanismo reformado é diferente, “novo” e “estranho”, aos símbolos de Fé de Westminster ou no mínimo diferente do Pres-
biterianismo hoje praticado e oficialmente exigido e praticado pela maioria das igrejas Presbiterianas. Ou seja, os aplicadores desta alcunha
buscam e vivem um Presbiterianismo diferente dos nossos pais do passado — um “presbiterianismo brasileiro” — como se fosse coerente e
sensato viver um neopresbiterianismo com características próprias da cultura evangélica brasileira e da erudição de scolars brasileiros como
sendo o padrão de equilíbrio hermenêutico e de prática cristã reformada. Como pode ser isso? Resposta: Caso o presbiterianismo brasileiro
afirme que é fidelíssimo aos padrões de Westminster e se oponha à visão puritana explicitada na Confissão de Fé de Westminster e seus Cate-
cismos, somos forçados a responder a esta indagação dizendo que existe um novo entendimento em relação aos Padrões de Westminster e,
consequentemente uma “neo-hermenêutica forçosamente advinda de uma reinterpretação desteS padrões há séculos já consagrados dentro
da herança e tradição reformada.

2. Uma alusão à Nicodemos, entre os fariseus, um dos principais dos judeus (João 3:1-2) que ocultamente procurou a Jesus, mas ainda per-
manecendo na prática do judaísmo. O termo “Nicodemitas” foi aplicado a criptoprotestantes franceses que escondiam suas convicções ao
assistir a missa e outras ordenanças romanas de adoração. Esses protestantes viviam ocultamente em terras papais e temiam que uma decla-
ração aberta de sua fé lhes traria perseguição ou a perda de suas posses e o status social. Alguns, para se justificar, recorreram ao exemplo de
Nicodemos (que veio à noite falar com Jesus), como pretexto para manter suas convicções em segredo, até mesmo ao ponto de fingir serem
romanistas no seu comportamento exterior. Calvino repreendeu os Nicodemitas, mostrando que as Escrituras exigem que os crentes devem
permanecer imaculados da idolatria (como a missa papista). Quase um ano antes da morte do reformador Lutero, Calvino lhe escreveu uma
carta pedindo-lhe para escrever em poucas palavras sua opinião sobre os Nicodemitas na França, bem como sua opinião acerca do escrito
em que ele, Calvino, rejei­tava sua prática de continuar participando de cerimônias conforme o rito romano mesmo tendo assumi­do uma
consciência evangélica. Melanchthon,  portador da carta de Calvino, se opôs a entregá-la a Lutero.

3. MANUAL DE CULTO, da IPB, página 70.

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