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AS MARCAS DA ÉPOCA NO EPISÓDIO

 Este episódio favorece, de certo modo a obra, pois, Eça dá uma “radiografia” da
situação do nosso país naquela altura, podendo assim apresentar a sua visão
crítica de acerca da literatura e de alguns problemas sociais, históricos, políticos
e financeiros do país e a mentalidade limitada e retrógrada dos portugueses.

Desta forma, neste episódio são discutidos alguns temas que nos permitem ter
uma perceção clara da época que a obra retrata.

Que temas são esses?

1. a Literatura (a crítica literária)


2. as finanças
3. a história e política de Portugal,

Esses temas são abordados e discutidos por alguns senhores, tais como,
João da Ega (promotor da homenagem no jantar e representante do
Realismo / Naturalismo); Jacob Cohen (o homenageado, representante das
altas Finanças); Tomás de Alencar (o poeta ultra-romântico); Dâmaso
Salcede (o novo-rico, simboliza os vícios do novo-riquismo burguês, a
catedral dos vícios) e Craft (o britânico, simboliza a cultura artística e
britânica, o árbitro das elegâncias).
Marcas da época a nível Literário:

Alencar revela ser opositor do Realismo / Naturalismo e defensor da


crítica literária da natureza académica, “Esse mundo de fadistas, de faias,
parecia a Carlos merecer um estudo, um romance... Isto levou logo a falar-
se do Assomoir, de Zola e do realismo: - e o Alencar imediatamente,
limpando os bigodes dos pingos de sopa, suplicou que se não discutisse, à
hora asseada do jantar, essa literatura latrinaria. Ali todos eram homens
de asseio, de sala, hein? Então, que se não mencionasse o excremento! |
Pobre Alencar! O naturalismo; esses livros poderosos e vivazes, tirados a
milhares de edições…”

 Designa o realismo/naturalismo como: “literatura «latrinária»”;


“excremento”; “pústula, pus”;

• Culpabiliza o naturalismo de publicar “rudes análises” que se apoderam


“da Igreja, da Burocracia, da Finança, de todas as coisas santas dissecando-
as brutalmente e mostrando-lhes a lesão”(pág. 162), e deste modo destrói a
velhice de românticos com ele;

• Acusa o naturalismo de ser uma ameaça ao pudor social (pág.163);

• Critica os verso de Craveiro e acusa-o de plágio, pois “numa simples


estrofe dois erros de gramática, um verso errado, e uma imagem roubada de
Baudelaire!”(pág.172/174).

Esta personagem revela-se incoerente, pois condena no presente o que


defendera no passado em relação ao estudo dos vícios da sociedade, mostra
que é um falso moralista, uma vez que se refugia na moral, por não ter outra
arma de defesa, considerando o Realismo/ Naturalismo imoral. É um
desfasado do seu tempo, defende a crítica literária de natureza académica.
(Mostra uma sociedade dominada por valores tradicionais, que se opõe a
uma nova geração, a geração de 70 representada por Ega).

Este opõe-se a João da Ega, defensor da escola realista/naturalista. Ega


exagera e defende o cientificismo na literatura. Não distingue ciência e
literatura.

“O naturalismo, com as suas aluviões de obscenidade, ameaçava corromper o pudor


social? Pois bem. Ele, Alencar, seria o paladino da Moral, o gendarme dos bons
costumes.”, mostra estar desfasado do seu tempo e é muito preocupado com aspectos
formais em detrimento da dimensão temática e com o plágio. Em contrapartida, Ega
defende o Realismo/ Naturalismo, exagera demasiado ao defender o cientificismo na
literatura e revela ignorância nas diferenças entre Ciência e Literatura. Em relação a
Carlos e Craft, estes recusam o ultra-romantismo de Alencar e o exagero de Ega, Carlos
considera inadmissíveis os ares científicos do realismo e defende que os caracteres se
manifestam pela ação, “…Ega trovejou: justamente o fraco do realismo estava em ser
ainda pouco científico, inventar enredos, criar dramas, abandonar-se à fantasia literária!
A forma pura da arte naturalista devia ser a monografia, o estudo seco dum tipo, dum
vício, duma paixão, tal qual como se se tratasse dum caso patológico, sem pitoresco e sem
estilo!... | - Isso é absurdo, dizia Carlos, os caracteres só se podem manifestar pela ação...
| – E a obra de arte, acrescentou Craft, vive apenas pela forma... | Alencar interrompeu-
os, exclamando que não eram necessárias tantas filosofias…”.
Nesta discussão entram também, Carlos e Craft, recusando
simultaneamente o ultra- romantismo de Alencar e o exagero de Ega.
Carlos da Maia considera que “o mais intolerável no realismo era os seus
grandes ares científicos” (pág.164) e Ega apesar de defender o realismo
concordava com esta crítica;

Craft defende a arte como idealização do que de melhor há na natureza,


defende a arte pela arte.“Craft não admitia também o naturalismo, a realidade feia
das coisas e da sociedade estatelada nua num livro. A arte era uma idealização!” .

No entanto, nesta discussão sobre crítica literária, Eça dá “voz” ao narrador,


tendo este, uma posição contra o ultra-romantismo de Alencar e contra a
distorção do naturalismo contido nas afirmações de Ega, afirmando uma
estética próxima da de Craft, “estilos, tão preciosos e tão dúcteis”.

De referir que estas discussões quase terminam em agressões físicas, donde


se pode concluir que das atitudes dos senhores, anteriormente mencionados,
revela a falta de cultura e de civismo que dominava as classes mais distintas
desta época, salvo Carlos e Craft.

Marcas da época a nível das Finanças:

Um outro tema era relacionado com finanças. A este respeito, a bancarrota


é um dos assuntos polémicos, que critica de forma irónica o país
(pág.165,166).

Identificámos como principais interveniente e que geram uma maior


desordem (neste assunto), João da Ega e Cohen.

Este assunto espelha a crise financeira que o país passava nesta época
(séc.XII).

Eça descreve-o de forma irónica através de Cohen, o representante das


Finanças ao afirmar que os “empréstimos em Portugal constituíam uma das
fontes de receita, tão regular, tão indispensável, tão sabida como o
imposto”, aliás era «cobrar o imposto» e «fazer o empréstimo» a única
ocupação dos ministérios (pág.165).

Desta forma concordavam que assim o país iria “alegremente e lindamente


para a bancarrota”. No entanto, Ega não aceitara baixar os braços e logo
dera a solução revolucionária para o problema de finanças que o país
atravessava – a invasão espanhola!

De toda a discussão, chega-se à conclusão que o país tinha uma absoluta


necessidade dos empréstimos do estrangeiro e que Cohen era um calculista
cínico, pois, tendo responsabilidades pelo cargo que exercia, lavava as
mãos e afirmava alegremente, que o país ia direitinho para a bancarrota, “O
Cohen colocou uma pitada de sal à beira do prato, e respondeu, com autoridade, que o
empréstimo tinha de se realizar absolutamente. Os emprestamos em Portugal constituíam
hoje uma das fontes de receita, tão regular, tão indispensável, tão sabida como o imposto.
A única ocupação mesmo dos ministérios era esta – cobrar o imposto e fazer o
empréstimo. E assim se havia de continuar... Carlos não entendia de finanças: mas
parecia-lhe que, desse modo, o país ia alegremente e lindamente para a bancarrota. | -
Num galopezinho muito seguro e muito a direito, disse o Cohen, sorrindo. Ah, sobre isso,
ninguém tem ilusões, meu caro senhor. Nem os próprios ministros da fazenda!... A
bancarrota é inevitável: é como quem faz uma soma...” .

Marcas da época a nível da História e da política:

A história e a política foram outros temas abordados no jantar. Ega é a principal


personagem que satiriza a história política daquela época.

 João da Ega delira com a bancarrota como fundamental para agitação


revolucionária e pretende “varrer a monarquia” e o “crasso pessoal do
constitucionalismo”.

 Defende a invasão espanhola e o afastamento violento da Monarquia.

Então Ega protestou com veemência. Como não convinha a ninguém? Ora essa! Era
justamente o que convinha a todos! Á bancarrota seguia-se uma revolução, evidentemente.
Um país que vive da inscrição, em não lha pagando, agarra no cacete; e procedendo por
principio, ou procedendo apenas por vingança – o primeiro cuidado que tem é varrer a
monarquia que lhe representa o calote, e com ela o crasso pessoal do constitucionalismo.
E passada a crise, Portugal livre da velha divida, da velha gente, dessa coleção grotesca
de bestas…”

 Aplaude a instalação da República e considera a raça portuguesa como


sendo a mais cobarde e miserável da Europa, “Lisboa é Portugal! Fora de Lisboa
não há nada.”.
 Provocando Sousa Neto, Ega percebe que este nada sabe do socialismo, o
tópico de Proudhon. E não é capaz de um diálogo consequente.

Contudo, Tomás de Alencar teme a invasão espanhola, diz ser um perigo para a
independência nacional, defende o romantismo político, a paz dos povos e esquece o
adormecimento geral do país.

Já Jacob Cohen diz que há gente séria nas camadas políticas dirigentes e afirma
que Ega é um exagerado, “…Cohen, com aquele sorriso indulgente de homem superior que lhe
mostrava os bonitos dentes, viu ali apenas «um dos paradoxos do nosso Ega.»…”.

Dâmaso Salcede demonstra ser cobarde quando assegura que se acontecesse


invasão espanhola, ele «raspava-se» para Paris e que toda a gente fugiria como uma
lebre, “Dâmaso … disse, com um ar de bom senso e de finura: | - Se as coisas chegassem a esse
ponto, se pusessem assim feias, eu cá, à cautela, ia-me raspando para Paris... | – Meninos, ao
primeiro soldado espanhol que apareça à fronteira, o país em massa foge como uma lebre! Vai ser
uma debandada única na história!”.
CONCLUSÃO

Caricaturando, de certa forma, o ponto de vista das classes de alta burguesia


através do modo diletante como se pronunciam sobre as diversas questões,
Eça, com esta reunião com elementos fulcrais da sociedade, retrata uma
Lisboa que se esforça para ser civilizada, mas que não resiste e acaba por
mostrar a sua falta de cultura. O “verniz” das aparências estala, quando Ega
e Alencar, depois de terminarem a sua “lista” de argumentos possíveis,
partem para agressão pessoal e física mostrando o tipo de educação das
classes altas da sociedade portuguesa, que mesmo tentando parecer digna e
requintada, não deixa de ser uma sociedade grosseira e inculta:

“Então Ega, que bebera um sobre outro dois cálices de cognac, tornou-se muito
provocante, muito pessoal … Cohen e Dâmaso, assustados, agarraram-no. Carlos puxara
logo para o vão da janela o Alencar que se debatia, com os olhos chamejantes, a gravata
solta. Tinha caído uma cadeira; a correcta sala, com os seus divãs de marroquim, os seus
ramos de camélias, tomava um ar de taverna, numa bulha de faias, entre a fumaraça de
cigarros.”.
AS MARCAS DO AUTOR NO EPISÓDIO
INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR

O QUE É O REALISMO?
O QUE É O NATURALISMO?

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