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Fichamento:

Núcleo de Estudos Hispánicos.

Profa. Dra. Margareth Torres

Livro: A Poética do Espaço

Autor: Gaston Bachelard

Aluna: Ana Raquel Lima

Bachelard, Gaston: O novo Espirito Científico; A poética do espaço. Tradução


Remberto Francisco Kuhnen, Antonio da Costa Leal, Lídia do Valle Santos Leal – São
Paulo: nova cultura, 1988.

Sobre o autor

De origem humilde, Gaston Bachelard formou-se tarde, tornando-se professor de física


em sua cidade natal. De 1930 em diante, ensinou na Universidade de Dijon. Publicara,
dois anos antes, seu primeiro livro, Ensaio sobre o conhecimento. Um dos filósofos de
maior influência no mundo contemporâneo, Bachelard tem como ponto de partida de
suas idéias uma filosofia das ciências naturais, especialmente da física. Originam-se
nesse campo suas contribuições à epistemologia e à poética, para cuja interpretação
também se vale dos recursos metodológicos da psicanálise.

Fonte: https://educacao.uol.com.br/biografias/gaston-bachelard.htm

Sobre a Obra

Uma das obras mais importantes dedicadas por Bachelard ao estudo da imaginação
poética e criadora. Descrevendo fenomenologicamente as imagens referentes ao
espaço – aquelas que constituem “os valores da intimidade do espaço interior” , o
filósofo mostra a função de imagens como casa, cofre, ninho, cocha, e traça “ a
dialética do pequeno e do grande sob o signo da Miniatura e da Imensidão”.

Introdução

A imagem poética é um súbito relevo do psiquismo, relevo mal estudado nas


causalidades psicológicas secundárias. Também não há nada de geral e coordenado
que possa servir de base a uma filosofia da poesia. (p.95)

Quando, no decorrer das nossas observações, tivermos que mencionar a relação de


uma imagem poética nova com um arquétipo adormecido no inconsciente, será
necessário compreendermos que essa relação não é propriamente causal. A imagem
poética não está submetida a um impulso. Não é o eco de um passado. É antes o
inverso: pela explosão de uma imagem, o passado longínquo ressoa em ecos e não
se vê mais em que profundidade esses ecos vão repercutir e cessar. Por sua
novidade, por sua atividade, a imagem poética tem um ser próprio, um dinamismo
próprio. Ela advém de uma ontologia poética. (p.95)

Para um leitor de poemas , o apelo a uma doutrina que traz o nome, frequentemente
mal compreendido, de fenomenologia, corre o risco de não ser entendido. No entanto,
fora de toda doutrina, esse apelo é claro: pede-se ao leitor de poemas para não tomar
uma imagem como objeto, menos ainda como substituto do objeto, mas perceber-lhe a
realidade específica. É preciso para isso associar sistematicamente o ato da
consciência criadora ao produto mais fugaz da consciência: a imagem poética. (p.97)

A imagem, em sua simplicidade , não precisa de um saber. Ela é a dádiva de uma


consciência ingênua. Em sua expressão, é uma linguagem jovem. O poeta, na
novidade de suas imagens, é sempre origem de linguagem. Para especificarmos bem
o que possa ser uma fenomenologia da imagem, para frisarmos que a imagem existe
antes do pensamento, seria necessário dizer que a poesia é, antes de ser uma
fenomenologia do espírito, uma fenomenologia da alma. (p.97)

MINHA EXPLICAÇÃO: Bachelard aborda sobre os efeitos de causa da imagem


poética,, restringindo o efeito de causalidade enfatizada pelos psicólogos e
psicanalistas, desvinculando-os , mesmo que com um teor de gravidade, enfatiza que
estas análises não podem explicar de forma coerente o caráter realmente inesperado
da imagem nova. O autor afirma que o leitor de poemas deva ter uma percepção
fenomenológica das imagens poéticas .

Capítulo I

A casa. Do porão ao Sótão. O sentido da cabana.

Para um estudo fenomenológico dos valores da intimidade do espaço interior, a casa


é, evidentemente, um ser privilegiado, sob a condição, bem entendido, de tomarmos,
ao mesmo tempo, a sua unidade e a sua complexidade, tentando integrar todos os
seus valores particulares num valor fundamental. A casa nos fornecerá
simultaneamente imagens dispersas e um corpo de imagens. (p.111)

Pois a casa é nosso canto do mundo. Ela é, como se diz frequentemente, nosso
primeiro universo. É um verdadeiro cosmos. Um cosmos em toda a acepção do termo.
Até a mais modesta habitação, vista intimamente, é bela. (p.112)

Assim, abordando as imagens da casa com o cuidado de não romper a solidariedade


da memória e da imaginação, esperamos fazer sentir toda a elasticidade psicológica
de uma imagem que nos comove a graus de profundidade insuspeitos. Pelos poemas,
talvez mais do que pelas lembranças, tocamos o fundo poético do espaço da casa.
(p.113)

Nosso objetivo está claro agora: é necessário mostrar que a casa é um dos maiores
poderes de integração para os pensamentos, as lembranças e os sonhos do homem.
Nessa integração, o princípio que faz a ligação é o devaneio. O passado, o presente e
o futuro dão à casa dinamismo diferente, dinamismos que frequentemente intervêm,
às vezes se opondo, às vezes estimulando-se um ao outro. (p.113)
É graças a casa que um grande número de nossas lembranças estão guardadas e se
a casa se complica um pouco, se tem porão se sótão, cantos e corredores, nossas
lembranças têm refúgios cada vez mais bem caracterizados. voltamos a ele durante
toda a vida em nossos devaneios. Um psicanalista deveria portanto dar atenção a
essa simples localização das lembranças. (...) A topoanálise seria então o estudo
psicológico sistemático dos lugares físicos de nossa vida intima. (p.114)

Todos os espaços de intimidade se caracterizam por uma atração. Repitamos uma vez
mais que seu ser é o bem-estar. Nessas condições, a topoanálise tem a marca de
uma topofilia. É no sentido dessa valorização que devemos estudar os abrigos e os
aposentos. (p.117)

Para que serviria, por exemplo, dar a planta do aposento que foi realmente o meu
quarto, descrever o pequeno quarto no fundo de um sótão, dizer que da janela,
através de um buraco no teto, via-se a colina? Só eu, nas minhas lembranças de outro
século, posso abrir o armário que guarda ainda, só para mim, o cheiro único, o cheiro
das uvas que secam sobre a sebe.( ...) quando é um poeta que fala, a alma do leitor
ecoa. (p.118)

A casa natal, mais que um protótipo de casa, é um corpo de sonhos. Cada um desses
redutos foi um abrigo de sonhos. E o abrigo muitas vezes particularizou o sonho . nela
aprendemos hábitos de devaneio particular. A casa, o quarto, o sótão em que
estivemos sozinhos, dão os quadros para um devaneio interminável, para um
devaneio que só a poesia poderia, por uma obra, acabar, perfazer. (p.119)

A casa é um corpo de imagens que dão ao homem razões ou ilusões de estabilidade.


(...) a casa é imaginada como um ser vertical. Ela se eleva. Ela se diferencia no
sentido de sua verticalidade.(...) a casa é imaginada como um ser concentrado.(p.120)

MINHA EXPLICAÇÃO: o autor utiliza o espaço “casa” para exemplificar


fenomenologicamente a complexidade desta neste espaço fornecendo imagens e
recordações distintas para o ser. Para o autor a casa é o nosso canto no mundo.
Representando com isso um lugar de segurança pessoal. Porém é de se evidenciar
também que dentro da casa há diversos espaços que trarão imagens verticalizadas ou
concentradas.

Capítulo II

A casa e o universo

Indicamos no capítulo anterior que há sentido em dizer que se “lê uma casa”, que se
“lê um quarto”, já que o quarto e a casa são diagramas de psicologia que guiam os
escritores e os poetas na análise da intimidade. (p.134)

Em curiosidades estéticas, pág.331, Baudelaire fala de uma tela de Lavieille que


representa “uma choupana perdida nos confins de um bosque” no inverno, “a estação
triste”. E no entanto: Alguns dos efeitos que Lavieille traduziu me parecem,
frequentemente, diz Baudelaire, “extratos da felicidade do inverno”. O inverno evocado
é um reforço da felicidade que existe em habitar. No reino único da imaginação, o
inverno evocado aumenta o valor da habitação da casa. (p.135)

De qualquer maneira, além da casa habitada, o cosmos do inverno é um cosmos


simplificado, é uma não-casa no estilo em que o metafísico fala de um não-eu. Da
casa à não-casa se encadeiam facilmente todas as contradições.na casa, tudo se
diferencia, se multiplica. (p.135-136)

Nessa comunhão dinâmica do homem e da casa , nessa rivalidade da casa e do


universo, estamos longe de qualquer referência às simples formas geométricas. A
casa vivida não é uma caixa inerte. O espaço habitado transcende o espaço
geométrico. (p.139)

Mas a fenomenologia da imaginação não se pode satisfazer com uma redução que faz
das imagens meios secundários de expressão: a fenomenologia da imaginação sugere
que se vivam diretamente as imagens como acontecimentos súbitos da vida. Quando
a imagem é nova, o mundo é novo. (p.140)

Com efeito a casa é, a primeira vista, um objeto que possui uma geometria rígida.
Somos tentados a analisá-las racionalmente. Sua realidade primeira é visível e
tangível. É feita de sólidos bem talhados, de vigas bem encaixadas. A linha reta é
dominante. O fio de prumo deixou-lhe a marca de sua sabedoria, de seu equilíbrio. Tal
objeto geométrico deveria resistir a metáforas que acolhem o corpo humano. Mas a
transposição ao humano se faz imediatamente, desde que se tome a casa como um
espaço de conforto e intimidade, como um espaço que deve condensar e defender a
intimidade. Abre-se então, fora de toda racionalidade, o campo do onirismo. (p.140)

Toda grande imagem é reveladora de um estado de alma. A casa, mais ainda que a
paisagem, é “um estado de alma”. Mesmo reproduzida em seu aspecto exterior, fala
de uma intimidade. (155)

Psicólogos, em particular Françoise Minkowska, e os trabalhadores que ela soube


treinar, estudaram os desenhos de casa feitos por crianças. Podemos fazê-los motivo
de um teste. O teste da casa tem a vantagem de estar aberto à espontaneidade, pois
muitas crianças desenham uma casa espontaneamente, sonhando com um lápis na
mão. Aliás, diz a Sra. Balif: “ pedir a uma criança que desenhe uma casa é pedir-lhe
que revele o sonho mais profundo em que ela quer abrigar sua felicidade; se for feliz
saberá encontrar a casa e protegida, a casa sólida e profundamente enraizada”.
(p.155)

Se a criança é infeliz, a casa traz a marca das angústias do desenhista. Françoise


Minkowska expôs uma coleção particularmente comovente de desenhos de crianças
polonesas ou judias que sofreram as sevícias da ocupação alemã durante a última
guerra. Acriança que viveu escondida, ao menor grito de alerta, num armário, desenha
por muito tempo depois das horas malditas, casas estreitas, frias e fechadas. E é
assim que Françoise Minkowska fala de “casas imóveis”, de casas imobilizadas em
sua rigidez: “Essa rigidez e essa imobilidade se encontram tanto na fumaça como nas
cortinas das janelas.(155-156)
MINHA EXPLICAÇÃO: O autor continua sua explanação sobre a imagem da casa
percebida pelo poeta. Apresentando alguns exemplos através de partes de obras
literárias. Em continuação Bachelard explicita uma dialética da casa como imagem
objetiva e como imagem sensitiva. Ao final, a imagem da casa em forma de desenho
na percepção infantil é apresentada, no viés psicológico, demonstrado a maneira
como uma criança pode se expressar através de seus desenhos. O fator relevante
neste momento, é a relação do desenho da criança que não sofreu traumas de guerra
e a criança que sofre com este acontecimento. Dessa forma, para o autor a
representação da imagem da casa nos proporciona singular percepção vividas,
recordadas, ou mesmo oníricas.

Capitulo III

A gaveta, os cofres e os armários.

Inicialmente as palavras, todas as palavras, cumprem honestamente seu oficio numa


linguagem da vida cotidiana. Em seguida as palavras mais usuais, as palavras ligadas
às realidades mais comuns, não perdem por isso suas possibilidades poéticas. (p.157)

Em Bergson, as metáforas são abundantes e, no fim das contas, as imagens são


muito raras. Para ele, parece que a imaginação é totalmente metafórica. A metáfora
vem dar um corpo concreto a uma impressão difícil de exprimir. A metáfora é relativa a
um ser psíquico diferente dela. A imagem, obra da imaginação absoluta retira todo o
seu ser da imaginação. (p.157)

Como se sabe, a metáfora da gaveta assim como algumas outras como “terno de
confecção” são utilizadas por Bergson para exprimir a insuficiência de uma filosofia de
conceito. Os conceitos são gavetas que servem para classificar os conhecimentos; os
conceitos são ternos de confecção que desindividualizam os conhecimentos vividos.
Para cada conceito há uma gaveta no móvel das categorias. O conceito é um
pensamento morto, já que ele é, por definição, pensamento classificado.(p.157-158)

Uma metáfora não deveria ser senão um acidente de expressão e que há perigo em
fazer dela um pensamento. A metáfora é uma falsa imagem já que não tem a virtude
direta de uma imagem produtora de expressão, formada por devaneio falado. (p.159)

O armário e suas prateleiras, a escrivaninha e suas gavetas, o cofre e seu fundo falso
são verdadeiros órgãos da vida psicológica secreta. Sem esses “objetos” e alguns
outros igualmente valorizados, nossa vida íntima não teria modelo de intimidade. São
objetos mistos, objetos-sujeitos. Tem, como nós, para nós, por nós, uma intimidade.
(p.160)

No armário vive um centro de ordem que protege toda a casa contra uma desordem
sem limite. (p.160)

No cofre estão as coisas inesquecíveis, inesquecíveis para nós, mas inesquecíveis


para aqueles a quem daremos nossos tesouros. O passado, o presente, um futuro
estão aí condensados. E, assim, o cofre é a memória do imemorial. (p.164)
MINHA EXPLICAÇÃO: Neste capítulo é enfatizado a distinção da metáfora e da
imagem, partindo do pensamento de que as metáfora, citadas muitas vezes por
Bergson, são ideias esterotipadas, assim, há uma perda na espontaneidade da
imagem. Dessa forma Barchelar argumenta que “quando se pressente uma metáfora,
é a imaginação que não está mais em causa”.

Capítulo IV

O Ninho

Com o ninho, sobretudo com a conha, encontraremos toda uma série de imagens que
procuraremos caracterizar como imagens primeiras, como imagens que suscitam em
nós uma primitividade. (p.169)

No nosso mundo dos objetos inertes, o ninho recebe uma valorização extraordinária.
Deseja-se que ele seja perfeito, que traga a marca de um instinto muito seguro. Desse
instinto todos se admiram, e o ninho passam facilmente por uma maravilha do mundo
animal. (p.169)

O ninho, como toda imagem de descanso, de tranquilidade, associa-se imediatamente


à imagem da casa simples. Da imagem do ninho à imagem da casa ou vice-versa, as
passagens ó se podem fazer sobre o signo da simplicidade. (p.173)

A casa-ninho nunca é nova, poder-se-ia dizer, de uma maneira pedante, que ela é o
lugar natural da função da habitar. A ela se volta, ou se sonha voltar, como o pássaro
volta ao ninho, como o cordeiro volta ao aprisco. Este signo do retorno marca infinitos
devaneios, pois os retornos humanos se fazem sobre o grande ritmo da vida humana,
ritmo que atravessa os anos, que luta contra todas as ausências através do sonho.
Sobre as imagens aproximadas do ninho e da casa repercute um componente de
íntima fidelidade. (p.174)

MINHA EXPLICAÇÃO: O autor aborda sobre a expressividade da imagem do ninho,


fazendo uma relação deste as reminiscências do ser no desejo de um sempre retornar
a casa natal. Dessa forma, demonstra a expressividade da palavra ninho
proporcionada pelo aconchego, segurança, ou seja, a imagem da casa simples e
acolhedora.

Capítulo V

A concha

À concha corresponde um conceito tão claro, tão seguro, tão rígido que, por não poder
simplesmente desenhá-la, o poeta, reduzido a falar sobre ela, fica a princípio com
deficiência de imagens. É interrompido em sua evasão para valores sonhados pela
realidade geométrica das formas. E as formas são tão numerosas por vezes tão
novas, que, a partir do exame positivo do mundo das conchas, a imaginação é vencida
pela realidade. (p.178)
O belo texto de Paul Valéry escreveu sobre o título “os moluscos” é iluminado de
espírito geométrico. Para o poeta: “um cristal, uma flor e uma concha, desprendem-se
da desordem comum do conjunto das coisas sensíveis. São objetos privilegiados, mais
inteligíveis para a vista, se bem que mais misteriosos para a reflexão que todos os
outros que vemos indistintamente. (...) Paul valéry fica muito tempo diante do ideal de
um objeto modelado, de um objeto cinzelado que justificasse seu valor de ser, pela
bela e sólida geometria de sua forma, deixando de lado preocupação simples de
proteger sua matéria. O lema do molusco seria então: é preciso viver para construir
sua casa e não construir sua casa para viver nela. (p.178-179)

O fenomenólogo que quer viver as imagens da função de habitar não deve seguir as
seduções das belezas exteriores. em geral, a beleza exterioriza, incomoda a
meditação da intimidade. (p.179)

Sobre o tema da concha, a imaginação trabalha também, além da dialética do


pequeno e do grande, a dialética do ser livre e do ser acorrentado: e o que não se
pode esperar de um ser libertado! (p.181)

Com um detalhe poético, a imaginação nos coloca diante de um mundo novo. Desde
então o detalhe prima sobre o panorama. Uma simples imagem, se for nova, abre um
mundo. Visto das mil janelas do imaginário, o mundo é mutável . ele renova,então, o
problema de fenomenologia. (p.197).

MINHA EXPLICAÇÃO: Neste capítulo, a imagem presente é a da concha com suas


várias expressividades, deve-se portanto, enfatizar a questão fantástica, vista a partir
de imaginações inesperadas, como: um elefante sair de uma concha de caracol. Para
o autor “tudo é dialética” entre o que fica e o que sai da concha. Portanto, há um
devaneio animalesco desenfreado. Este afirma ainda que “o animal é apenas um
pretexto para multiplicar as imagens do sair”.

Capítulo VI

Os Cantos

Com os ninhos e as conchas estávamos evidentemente diante de transposição da


função da habitar. Tratava-se de estudar as intimidades quiméricas ou grosseiras,
áreas como um ninho na árvore ou símbolos de uma vida duramente incrustada, como
um molusco, na pedra.(...) Eis o ponto de partida de nossas reflexões: todo canto de
uma casa, todo ângulo de um aposento, todo espaço reduzido onde gostamos de nos
esconder, de confabular conosco mesmos, é, para a imaginação, uma solidão, ou
seja, o germe de um aposento, o germe de uma casa. (p.198)

Recolher-se no seu canto é, sem dúvida, uma expressão pobre. Mas, se ela é pobre, é
também aquela que possui numerosas imagens, imagens de uma grande antiguidade,
talvez mesmo imagens psicologicamente primitivas. Muitas vezes, quanto mais
simples é a imagem, maiores são os sonhos. (p.199)

Inicialmente, o canto é um refúgio que nos assegura um primeiro valor de ser: a


imobilidade. (p.199)
O filósofo intelectualista que quer manter as palavras na precisão de seu sentido, que
toma as palavras como as mil ferramentazinhas de um pensamento lúcido, não pode
deixar de espantar-se diante das temeridades do poeta. Entretanto, um sincretismo da
sensibilidade impede que as palavras se cristalizem em sólidos perfeitos.

Capitulo VII

A miniatura

O psicólogo- e a fortiori o filósofo – dá pouca atenção às brincadeiras com miniaturas


que intervêm muitas vezes nos contos de fadas. Para o psicólogo, o escritor se diverte
em fabricar casas que cabem num grão de ervilha. É um absurdo inicial que situa o
conto no lugar mais simples da fantasia. Nessa fantasia, o escritor não entra realmente
no domínio do fantástico. (p.206)

É preciso no entanto dar uma certa objetividade a essas imagens, pelo próprio fato de
que elas recebem a adesão, até mesmo interesse, de numerosos sonhadores. Pode-
se dizer que essas casas em miniatura são objetos falsos providos de uma
objetividade psicológica verdadeira.o processo de imaginação é aqui típico. (p.206)

A miniatura literária – isto é, o conjunto das imagens literárias que tratam das
inversões da perspectiva das grandezas – ativa valores profundos. (p.207)

O conto é uma imagem que raciocina. Tende a associar-se a imagens extraordinárias


como se pudessem ser imagens coerentes. O conto traz assim a convicção de uma
primeira imagem a todo um conjunto de imagens derivadas. (p.215)

No conto do pequeno polegar, traduzido no céu, mostra que as imagens passam


facilmente do pequeno para o grande e do grande para o pequeno o devaneio de
Gulliver é natural. (p.217-218)

Como centralizarmos todas as nossas reflexões nos problemas do espaço vivido, a


miniatura provém, a nosso ver, exclusivamente das imagens da visão. Mas a
causalidade do pequeno mexe com todos os sentidos e teríamos que fazer, sobre
cada sentido, um estudo de suas miniaturas. Para sentidos como o paladar, o olfato, o
problema seria talvez mais interessante mesmo que para a visão. A vista encurta seus
dramas. Mas, uma marca de perfume, um cheiro íntimo pode determinar um
verdadeiro clima no mundo imaginário. (p.222)

Capitulo VIII

A imensidão íntima

A imensidão é, poderíamos dizer, uma categoria filosófica do devaneio. Sem dúvida, o


devaneio se alimenta de espetáculos variados, mas por uma espécie de inclinação
inata contempla a grandeza. E a contemplação da grandeza determina uma atitude tão
especial, um estado de alma tão particular, que o devaneio põe o sonhador fora do
mundo mais próximo, diante de um mundo que traz a marca do infinito. (p.228)
Se pudéssemos analisar as impressões da imensidão, as imagens da imensidão ou
aquilo que a imensidão traz para a imagem, entraríamos logo numa região de
fenomenologia mais pura – numa fenomenologia sem fenômeno ou, para falar menos
paradoxalmente, uma fenomenologia que não tem que esperar que os fenômenos da
imaginação se constituam e se estabilizem em imagens acabadas para conhecer o
fluxo de produção das imagens. (p.228)

Na análise das imagens da imensidão realizaríamos em nós o ser puro da imaginação


pura. Pareceria então que as obras de arte são subprodutos desse existencialismo do
ser imaginante. No caminho do devaneio da imensidão, o verdadeiro produto é a
consciência dessa ampliação. (p.229)

A imensidão está em nós. Está presa a uma espécie de expansão do ser que a vida
refreia, que a prudência detém, mas que volta de novo na solidão. Quando estamos
imóveis, estamos além; sonhamos num mundo imenso. A imensidão é o movimento
do homem imóvel. A imensidão é uma das características dinâmicas do devaneio
tranquilo. (p.229)

Capítulo IX

A dialética do exterior e do interior

O exterior e o interior formam uma dialética de dissecção, e a geometria evidente


dessa dialética nos cega desde o momento em que a fizermos aparecer nos domínios
metafóricos. Ela tem a nitidez decisiva da dialética do sim e do não, que tudo decide.
Fazemos de tal dialética, sem tomar maiores cuidado uma base para as imagens que
comandam todos os pensamentos do positivo e do negativo. (p.247)

O aquém e o além repetem surdamente a dialética do interior e do exterior: tudo se


desenha, mesmo o infinito. Queremos fixar o ser e, ao fixá-lo, queremos transcender
todas as situações para lhe dar uma situação de todas as situações. Confronta-se
então o ser do homem com o ser do mundo, como se tocássemos facilmente as
primitividades. Fazemos passar para o nível do absoluto a dialética do aqui e do
lá.(p.248)

O ser do homem é um ser não fixado.(...) a vista diz muitas coisas de uma vez. O ser
não se vê. Talvez se escute. O ser não se desenha. Ele não é cercado pelo nada.
Nunca está certo de encontra-lo ou reencontrá-lo como sólido aproximando-o de um
centro de ser. (p.249)

De qualquer modo, o interior e o exterior vividos pela imaginação não podem mais ser
tomados na sua simples reciprocidade; por conseguinte, não se referindo mais ao
geométrico para dizer das primeiras expressões do ser, escolhendo saídas mais
concretas, mais fenomenologicamente exatas, nós nos damos conta de que a dialética
do interior e do exterior se multiplica e se diversifica em inúmeros matizes. (p.250)
Precisamente, a fenomenologia da imaginação poética nos permite explorar o ser do
homem como o ser de uma superfície, da superfície que separa a região do próprio
ser da região do outro. Não esqueçamos que nessa zona de superfície sensibilizada,
antes de ser é preciso dizer. Dizer, senão aos outros ao menos a si mesmo. E avançar
sempre. (p.253-254)

MINHA EXPLICAÇÃO: o autor chama a atenção para a percepção das relações de


interior e exterior, no que se refere a aspectos geometricamente internalizados, para
os fenomenólogos é importante que estas expressões seja vista de forma mais
sensível, visto que, “o ser do homem é o ser não fixado “ afirma Barchelard. Há uma
predominância na interpretação do que o autor denomina de circuitos, o aqui léxico
pode não significar o aqui expressão. Tudo irá depender das diversas experiências do
ser. dessa forma o autor explicita que “a dialética do exterior e do interior está apoiada
num geometrismo reforçado onde os limites são barreias. É necessários estarmos
livres em relação a toda intuição definitiva.

Capitulo X

A fenomenologia do Redondo

Do enorme livro de Jaspers: Von der Wahrheit, extraio este julgamento lacônico:
“jedes dasein scheint in sich rund” (pág.50). “todo o ser parece em si redondo” (...)
assim, sem comentário, Van Gogh: “ a vida é provavelmente redonda” e joe Bousquet,
sem conhecer a frase de Van Gogh, escreve: ‘Disseram-lhe que a vida era bela. Não!
A vida é redonda”. Enfim, eu gostaria de saber em que parte da sua obra La Fontaine
disse: ‘Uma noz me faz redondinha”(...) Com esses quatro textos de origem tão
diferentes fica o problema fenomenológico claramente colocado. Devemos resolvê-lo
enriquecendo-o com outros exemplos, reunindo outros dados, tendo o cuidado de
reservar a esses dados sua característica de dados íntimos, independentes dos
conhecimentos do mundo exterior.

Diríamos então: das Dasein ist rund, o ser é redondo. Pois, acrescentar que parece
redondo, é guardar a dicotomia do ser e da aparência; enquanto que se quer dizer
todo o ser em sua redondeza. Não se trata de contemplar, mas de viver o ser em seu
imediatismo. A contemplação se desdobraria em ser contemplante e ser contemplado.
A fenomenologia, no domínio restrito em que trabalhamos, deve suprimir qualquer
intermediário, qualquer função superposta. Para se ter a pureza fenomenológica
máxima, é preciso tirar da fórmula jaspersiana tudo o que mascaria o valor ontológico,
tudo o que complicaria a significação radical. (p.262)

MINHA EXPLICAÇÃO FINAL: A obra configura-se como um tratado poético,


abordando diversas imagens a partir de diferentes espaços na literatura: casa, porão,
sótão, cabana, gaveta, cofre, armário, ninho, concha e canto, entre outros. O último
capítulo “A fenomenologia do redondo”, é um fechamento de tudo o que ele expôs na
obra, entendendo as imagens como redondas como circulares, ou seja, o circulo da
vida. Barchelard como fenomenologista que é, descata a importância da imagem para
a essência da imaginação dentro de um determinado espaço, explicita ainda sobre as
relações da fenomenologia com outras ciências como: filosofia e psicologia.

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