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atividade física
na infância e
na adolescência
E77 Esporte e atividade física na infância e na adolescência [recurso
eletrônico]: uma abordagem multidisciplinar / [organizado por
] Dante De Rose Jr. ; Alessandro H. Nicolai Ré ... [et al.]. – 2.
ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2009.
2a edição
Dante
De Rose Jr.
e colaboradores
2009
© Artmed Editora S.A., 2009
Capa
Paola Manica
Preparação do original
Juliana Escalier Ludwig Gayer
Leitura final
Carolina Rübensam Ourique
Supervisão editorial
Laura Ávila de Souza
Projeto e editoração
Armazém Digital ® Editoração Eletrônica – Roberto Carlos Moreira Vieira
SÃO PAULO
Av. Angélica, 1091 - Higienópolis
01227-100 São Paulo SP
Fone (11) 3665-1100 Fax (11) 3667-1333
IMPRESSO NO BRASIL
PRINTED IN BRAZIL
AUTORES
Dante De Rose Jr.: Doutor em Psicologia Social pelo Instituto de Psicologia da Universidade de
São Paulo (USP). Professor Livre-Docente pela Escola de Educação Física e Esporte da USP. Pro-
fessor Titular e Diretor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP.
Alessandro H. Nicolai Ré: Doutor em Educa- GEPPSE) da Escola de Educação Física e Es-
ção Física pela Escola de Educação Física e Es- porte da USP. Psicólogo/Pedagogo.
porte da USP. Membro do Laboratório de Trei-
namento e Esporte para Crianças e Adolescen- Antonio Prista: Professor Catedrático da Fa-
tes e do Grupo de Estudos e Pesquisa em Es- culdade de Ciências de Educação Física e Des-
porte e Treinamento Infanto-Juvenil da Escola porto da Universidade Pedagógica, Maputo,
de Educação Física e Esporte da USP. Moçambique.
A criança, pelo menos a maioria das que temos hoje de criança não é um dado
vivem em sociedades industrializadas, tem atemporal. Pode-se dizer que é uma “in-
como principal ocupação a escola. O fato venção” da modernidade. Segundo o his-
de ela precisar frequentar a escola, ser edu- toriador francês Philippe Ariès (1981), no
cada e se preparar gradualmente para a decorrer da História, a criança tem ocupa-
vida adulta aparece como “natural” e in- do diferentes posições ante as expectati-
questionável. vas dos pais e da sociedade.
Atualmente, a criança está no centro Tomando como ponto de partida a
dos estudos de várias áreas de conhecimen- sociedade medieval, Ariès (1981, p. 156)
to: não só a psicologia, mas também a me- afirma que nesse período, “assim que a
dicina, a biologia, a pedagogia, a psicaná- criança tinha condições de viver sem a so-
lise, a educação física, a história, a socio- licitude constante de sua mãe ou de sua
logia, entre outras, pesquisam e escrevem ama”, ela passava a fazer parte do grupo
sobre ela. Mas qual a ideia de criança que dos adultos, participando das mesmas ati-
permeia todos esses trabalhos? A criança vidades e frequentando os mesmos espa-
como “um adulto em miniatura”, como ços. Não havia uma preocupação com a
“uma tábula rasa”, como “um ser inocen- educação escolar. A diferença e a passa-
te” ou como “um ser plenamente feliz”? gem entre o mundo da criança e o mundo
Essa criança que vem sendo estudada sem- do adulto não se constituíam em proble-
pre existiu? ma, já que a criança, independente da mãe,
O presente capítulo visa buscar algu- passava a integrar o grupo dos adultos, no
mas respostas a essas indagações, e, para qual fazia seu aprendizado para a vida.
isso, o caminho a ser trilhado passa por al- Consequentemente, a transmissão dos co-
guns aspectos considerados na história da nhecimentos prescindia de instituições
criança no Ocidente e nos escritos de Freud. especializadas e de textos escritos. Em re-
lação a isso, o autor escreve (Ariès, 1981,
p. 229):
A CRIANÇA NO OCIDENTE
Não havia lugar para a escola
nessa transmissão através da
Com o passar dos séculos, o conceito
aprendizagem direta de uma ge-
de criança e de infância modificou-se de ração a outra. [...] E a escola era
acordo com visões de mundo peculiares a na realidade uma exceção, e o
um determinado tempo e lugar. A ideia que fato de mais tarde ela ter-se es-
12 Dante De Rose Jr. e colaboradores
o que faz com que algumas crianças te- Para Chauí (1996, p. 169), com a no-
nham o dia repleto de atividades. ção de inconsciente surge algo desconhe-
A história atual da criança, no Brasil cido – ou só indiretamente conhecido – pa-
e no mundo, tem evidenciado contradições ra a consciência, algo sobre o qual a cons-
relevantes. Como escreve Del Priore (1999, ciência nunca poderá refletir diretamente
p. 8): e que determina tudo que a consciência e
o sujeito sentem, falam, dizem e pensam.
Existe uma enorme distância en- Com a noção de inconsciente, Freud des-
tre o mundo infantil descrito pe- cobre “uma poderosa limitação às preten-
las organizações internacionais, sões da consciência para dominar e con-
pelas não governamentais ou pe-
trolar a realidade e o conhecimento”.
las autoridades e aquele no qual
a criança encontra-se cotidiana- O inconsciente freudiano não deve
mente imersa. O mundo do qual ser pensado como o lugar da irracio-
a “criança deveria ser” ou “ter” nalidade em oposição à racionalidade da
é diferente daquele onde ela vi- consciência. Ele tem seus atributos e sua
ve, ou, no mais das vezes, sobre- lógica própria (lógica do inconsciente),
vive. O primeiro é feito de ex- que diferem marcadamente das leis da ati-
pressões como “a criança precisa”, vidade psíquica consciente (lógica do cons-
“ela deve”, “seria oportuno que”,
ciente). O inconsciente freudiano designa
“vamos nos engajar para que”,
etc., até o irônico “vamos torcer um sistema psíquico que possui um modo
para”. No segundo, as crianças próprio de funcionamento (processo pri-
são enfaticamente orientadas pa- mário, deslocamento e condensação) e
ra o trabalho, o ensino, o ades- opera segundo leis próprias (desconhece
tramento físico e moral, sobran- o tempo, a negação, a contradição). A
do-lhes pouco tempo para a ima- melhor maneira para se admitir a existên-
gem que normalmente se lhes cia do inconsciente é prestando atenção
está associada: aquela do riso e
nas suas formações. Nasio (1999, p. 33)
da brincadeira.
escreve de forma clara sobre isso.
As formações do inconsciente
O mundo do qual a “criança deveria ser” apresentam-se diante de nós
ou “ter” é diferente daquele onde ela como atos, falas ou imagens ines-
vive, ou, no mais das vezes, sobrevive. peradas, que surgem abrupta-
mente e transcendem nossas in-
tenções e nosso saber conscien-
te; esses atos podem ser condu-
tas corriqueiras, por exemplo, os
CONTRIBUIÇÕES DA atos falhos, os esquecimentos, os
PSICANÁLISE FREUDIANA sonhos, ou mesmo o aparecimen-
to repentino desta ou daquela
Freud, com a psicanálise, traz um ideia, ou a invenção improvisada
novo discurso sobre o ser humano, não de um poema ou de um conceito
como indivíduo (objeto da ciência), mas abstrato, ou ainda certas manifes-
marcado pelo inconsciente, por essa “ou- tações patológicas que fazem so-
frer, como os sintomas neuróticos
tra cena” ao mesmo tempo inquietante e ou psicóticos; (...) os produtos do
familiar, um ser humano passível de so- inconsciente são sempre atos sur-
nhar, amar, desejar, construir crenças, preendentes e enigmáticos para
odiar, culpar-se, etc. a consciência do sujeito.
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 17
Com a “descoberta” da sexualidade
infantil (perverso-polimorfa), Freud pro- Freud aponta para um sujeito que esca-
pa ao controle da educação.
voca uma enorme onda de protestos. Ele
mesmo se refere a isso, assinalando que
til, Freud descobre o corpo erógeno: o cor- Esse autor, seguindo o espírito da obra
po representado investido sexualmente; o freudiana, mostra de forma enfática a im-
corpo representado originário, ou a ima- portância da linguagem para a constitui-
gem que se tem do corpo, marcado pela ção do sujeito humano, já que somos hu-
pulsão, “no qual as manifestações somáti- manos porque falamos. O inconsciente,
cas surgem articuladas à fantasmática do como formulado por Freud, revela-se na
sujeito e suas vicissitudes” (Cukiert; Prisz- fala, mesmo que o sujeito não queira e
kulnik, 2000, p. 57). além de seu conhecimento consciente, ou
Como consequência, a noção de cor- seja, a linguagem opera fora de nosso con-
po para a psicanálise tem uma espe- trole consciente. Para estudar o discurso
cificidade que merece ser mencionada, pois humano, já que o humano é um sujeito
difere da noção de corpo para a biologia. falante, Lacan (1985) recorre à linguísti-
ca e ao signo linguístico (esse signo com-
O corpo biológico é um corpo porta duas faces, o significado ou o con-
objetivado (objeto da ciência), ceito da palavra e o significante ou a ima-
um organismo, para ser estuda-
gem acústica do som material), reexamina
do em termos de suas funções
(digestão, respiração, etc.), do o campo da linguagem e centra esse cam-
funcionamento específico dos po sobre o conceito de significante. Pro-
vários órgãos e seus tecidos, do curando articular o inconsciente freudiano
funcionamento das células. O cor- e a linguagem, Lacan (1985, p. 139) afir-
po, para a Psicanálise, é um corpo ma que o inconsciente é “estruturado, tra-
tecido e marcado pela sexualida- mado, encadeado, tecido de linguagem; e
de e pela linguagem (Priszkulnik, não somente o significante desempenha ali
2000, p. 20).
um papel tão grande quanto o significa-
Freud, portanto, propõe uma nova do, mas ele desempenha ali o papel fun-
leitura da corporeidade, que acaba ofere- damental”.
cendo uma nova leitura da construção do Um significante pode produzir várias
sujeito humano. significações, ou seja, uma mesma imagem
A psicanálise freudiana enfatiza a pa- acústica pode querer dizer coisas diferentes
lavra e o poder da palavra. Freud (1976a, p. para sujeitos diferentes; posso querer di-
214) destaca isso quando escreve: zer uma palavra com determinada signifi-
cação, mas quando falo, falo sem saber e
Não desprezemos a palavra; afi- sempre mais do que sei (além do conheci-
nal de contas, ela é um instru- mento consciente); portanto, ao falar, pos-
mento poderoso; é o meio pelo so estar dando à palavra uma significação
qual transmitimos nossos senti- diferente daquela que realmente queria
mentos a outros, nosso método dar. Quem ouve pode dar à mesma pala-
de influenciar outras pessoas; as
vra uma outra significação, bem diferente
palavras podem fazer um bem
indizível e causar terríveis feridas. da minha, da qual também não tem co-
nhecimento. Essa situação também abala
A palavra nomeia, ordena, alivia, con- a ilusão do ser humano de saber perfeita-
sola, cura; chega a criar quando nomeia mente o que está falando, de ter certeza
algo. O poder da palavra e o fato de o su- que o outro está entendendo plenamente
jeito humano estar inserido na linguagem o que está sendo falado e de ter a convic-
e falar merecem, de Jacques Lacan, um ção de que é possível uma comunicação
nome de peso no universo psicanalítico, sem ambiguidades. A fala tem a caracte-
um desenvolvimento teórico considerável. rística de ser inevitavelmente ambígua.
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 19
Lacan, nas suas formulações, também inevitável, e é inevitável pelo fato de o ser
se refere ao corpo marcado pela lingua- humano pertencer a uma dada filiação, a
gem, o corpo que pode ser “tocado” por uma dada sociedade, a uma dada cultura.
meio da palavra. Essa ideia de a palavra Portanto, nasce inserida na linguagem e
poder “tocar” e modificar o corpo aparece em um determinado contexto familiar e
em Freud (1972, p. 297), em um texto em socioeconômico-cultural. Essa criança
que discorre sobre o tratamento psíquico. freudiana, que já existe antes mesmo do
nascimento biológico, persiste no adulto,
[...] um leigo sem dúvida achará porque o que Freud acentua é a importân-
difícil compreender de que forma cia das impressões nos primeiros anos de
os distúrbios patológicos do cor- vida para a compreensão dos distúrbios
po e da mente podem ser elimi-
futuros.
nados por “meras” palavras. Ele
achará que lhe estão pedindo que Se pensarmos na palavra criança, ela
acredite em mágica. também é uma criação da linguagem, e
vimos como essa noção se modifica no
decorrer da História, e como a noção de
A CRIANÇA PARA FREUD criança, nos dias atuais, está muito ligada
à “criança escolar”. Então, a criança freu-
Com esses parâmetros – inconscien- diana está aquém e além da criança estuda-
te, sexualidade, corpo, linguagem –, como da, por exemplo, pela biologia e também
pensar a criança na perspectiva de psica- está aquém e além da criança escolar.
nálise freudiana? Demora algum tempo para a criança
A criança que Freud (1976b, p. 139) ter acesso à sua própria fala, para dispor
descortina, portadora de sexualidade, “é de uma função simbólica própria. Mas isso
capaz da maior parte das manifestações não significa que não se possa conversar
psíquicas do amor, por exemplo, a ternura, com ela. Ela nasce inserida na linguagem
a dedicação e o ciúme”, vive conflitos e e, portanto, precisará aprender a falar; os
contradições. Ela é um sujeito desejante, adultos que não conversam com crianças
está submetida às leis da linguagem que a pequenas pela simples razão de acredi-
determinam, demandando amor e não só tarem que elas não entendem o sentido
os objetos que satisfaçam suas necessida- das palavras estão equivocados; é eviden-
des. Não é a criança “inocente”, aquele ser te que o vocabulário delas é mais reduzi-
em quem o “demônio da sensualidade” não do, entretanto, quando nos dirigimos a elas
provoca abalos, inquietações e perturbações. com palavras mais simples, não só enten-
A construção desse sujeito humano dem o que está sendo dito, como as pala-
criança começa antes mesmo de ela nas- vras dirigidas a elas adquirem um sentido
cer biologicamente. Antes de vir ao mun- “humanizador” (somos seres humanos por-
do, já é falada pelos outros, já é marcada que falamos). Resgatar a criança por meio
pelo desejo inconsciente dos pais e ocupa de sua fala possibilita separá-la das con-
um lugar no imaginário deles (esses pais cepções que os adultos possam estar fa-
têm as marcas de seus pais, estes últimos zendo dela.
têm as marcas dos respectivos pais, e as- A criança freudiana nasce com o cor-
sim sucessivamente); ela é esperada de po-organismo que passará pelas etapas de
determinado jeito, já representa algo para desenvolvimento e de maturação estuda-
ambos os pais em função da história de das pela biologia. Entretanto, irá cons-
cada um, já tem um lugar marcado simbo- truindo seu corpo de modo que seja teci-
licamente. Ao nascer, encontra essa trama do e marcado pela sexualidade e pela lin-
20 Dante De Rose Jr. e colaboradores
guagem (dependente das vicissitudes de esse fracasso pode ser até “saudável”, na
sua própria vida e de sua estruturação in- medida em que fracassar diante de um
consciente). Esse corpo, muitas vezes, não ideal inatingível é uma condição para se
coincide com o corpo-organismo e pode buscar um caminho próprio, para buscar
chegar a alterar seu funcionamento. usufruir suas características específicas e
Freud observa que o nascimento de singulares.
uma criança nunca corresponde exatamen- A psicanálise sublinha que idealizar
te ao que os pais esperam dela, pois o que o outro (criança, aluno, amigo, cônjuge,
eles esperam é a perfeição. Refere-se a isso etc.) é inevitável, uma vez que qualquer
escrevendo que os pais relação com o outro traz a marca do nar-
cisismo, faz parte da constituição do su-
acham-se sob a compulsão de atri- jeito humano, e ninguém se livra ou se
buir todas as perfeições ao filho “cura” dele.
[...] e de ocultar e esquecer todas Outro aspecto importante que mere-
as deficiências dele. [...] A crian-
ce ser enfatizado na relação entre a crian-
ça concretizará os sonhos doura-
dos que os pais jamais realizaram. ça e o adulto é a amnésia infantil. Freud
[...] O amor dos pais, tão como- se refere a essa questão, conhecida e ex-
vedor e no fundo tão infantil, nada plicada pela ciência como uma imaturida-
mais é senão o narcisismo dos pais de funcional da criança para registrar as
renascido, o qual, transformado suas impressões, apresentando uma expli-
em amor objetal, inequivocamen- cação específica. Laplanche e Pontalis
te, revela sua natureza anterior (1976, p. 52), no verbete amnésia infan-
(Freud, 1974, p. 108).
til, escrevem de maneira clara que é a
Assim, os pais sempre idealizam a
amnésia que geralmente cobre os
criança. Esperam que ela seja inteligente, fatos dos primeiros anos de vida.
educada, obediente, boa aluna, asseada, [Para Freud] ela resulta do recal-
ordeira, etc., enfim, uma supercriança que camento que incide na sexualida-
se transformará em um superadulto. Como de infantil e se estende à quase
é impossível para qualquer ser humano totalidade dos acontecimentos da
atingir a perfeição, quanto mais se espera infância. O campo abrangido pela
de uma criança, mais ela pode fracassar, e amnésia infantil encontraria o seu
limite temporal [por volta dos 5
ou 6 anos].
relativo à idade e ao sexo, utilizando como co muito comuns em pessoas adultas tam-
critério as tabelas do National Health and bém já estão afetando adolescentes. Cali
Nutrition Examination Survey. Os autores e Caprio (2008) argumentam que compli-
encontraram prevalência de excesso de cações metabólicas e cardiovasculares as-
peso de 12,3% nas meninas e 11,3% nos sociadas com a obesidade são apresenta-
meninos e prevalência de obesidade de das já na infância, como a resistência à
13,7% nas meninas e 12,3% nos meninos. insulina e a hipertensão arterial.
Freedman e colaboradores (1999)
utilizaram pontos de corte derivados de
estudos nacionais e examinaram a relação
A obesidade é considerada um dos prin- da obesidade com fatores de risco cardio-
cipais problemas de saúde pública de vascular em crianças e adolescentes. A
crianças e adolescentes de países como amostra foi composta por 9.165 escolares
o Brasil.
dos Estados Unidos (Louisiana), com ida-
de entre 5 e 17 anos, avaliados em sete
estudos transversais conduzidos pelo Bo-
Abrantes, Lamounier e Colosino galusa Heart Study – estudo de base comu-
(2002) estudaram a prevalência de obesi- nitária sobre fatores de risco cardiovas-
dade entre crianças e adolescentes com cular na infância e na adolescência – en-
idade entre 0 e 19 anos das regiões Sudes- tre 1973 e 1994. A obesidade foi definida
te e Nordeste do Brasil, utilizando dados pelo índice de massa corporal acima do
da pesquisa sobre padrões de vida realiza- percentil 95, de acordo com dados combi-
da pelo Instituto Brasileiro de Geografia e nados de cinco pesquisas nacionais con-
Estatística (IBGE) em 1996 e 1997. Por duzidas entre 1963 e 1994 (Health Exami-
meio da classificação do índice de massa nation Survey II e III; National Health and
corporal relativo à idade e ao sexo, usan- Nutrition Examination Surveys I, II e III).
do como critério as tabelas da World Pontos de corte para níveis elevados de
Health Organization (1995), com a classi- colesterol total, lipoproteína de baixa den-
ficação de excesso de peso com valores sidade (LDL), triglicerídeos e lipoproteínas
iguais ou superiores ao percentil 85 e, para de alta densidade (HDL) foram definidos
obesidade, valores iguais ou superiores ao como > 200 mg/dL, > 130 mg/dL, > 130
percentil 95, os autores encontraram uma mg/dL e < 35 mg/dL, respectivamente
prevalência de excesso de peso de 6,6% (American Academy of Pediatrics, 1998).
no Nordeste e 10,4% no Sudeste. Quanto As prevalências encontradas foram de 11%
à obesidade, a região Sudeste apresentou para obesidade, 7% para triglicerídeos ele-
maior prevalência de obesidade entre crian- vados e 10% para colesterol total eleva-
ças (11,9% vs. 8,2%), enquanto a região do. As crianças obesas tiveram 2,4 vezes a
Nordeste apresentou maior prevalência de chance de terem colesterol elevado em
obesidade em adolescentes (4,2% vs. comparação com as crianças com peso
1,7%). normal, bem como para níveis elevados de
Além dos graves problemas que o LDL, com três vezes mais chances, e níveis
excesso de peso e a obesidade podem pro- elevados de triglicerídeos, com sete vezes
vocar já na própria fase de infância e ado- mais chances na comparação com as crian-
lescência, a maior preocupação é que esse ças e adolescentes com o peso normal.
problema pode persistir na idade adulta. Moura e colaboradores (2004) ava-
Como se não bastasse o excesso de peso e liaram a prevalência de pressão arterial
a obesidade serem problemas importan- elevada em uma amostra de 1.253 crianças
tes nessa faixa etária, outros fatores de ris- e adolescentes entre 7 e 17 anos de Maceió
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 25
(AL). A pressão arterial elevada foi deter- Franca e Alves (2006) descreveram
minada quando a medida da pressão arte- a prevalência de dislipidemia e excesso de
rial sistólica e/ou diastólica apresentou-se peso entre 414 crianças e adolescentes de
igual ou maior que a encontrada no per- 5 a 15 anos do estado de Pernambuco. Os
centil 95 nas tabelas de referência do Upda- resultados mostraram que 29,7% foram
te on the 1987 Task Force Report on High classificados como dislipidêmicos (perfil
Blood Presssure in Children and Adolescents lipídico caracterizado por altos níveis de
(Task, 1996). Observou-se prevalência de triglicerídeos, colesterol total e colesterol
9,4% de pressão arterial elevada quando LDL), e, entre as crianças e adolescentes
as medidas foram avaliadas de forma iso- avaliados, 18,9% e 12,4% apresentavam
lada e prevalência de 7,7% quando consi- níveis plasmáticos de triglicerídeos mais
derada apenas a média das duas medidas. altos que os recomendados para a faixa
Encontrou-se maior prevalência de pres- etária.
são arterial elevada entre os escolares e Um outro grave problema é o taba-
adolescentes classificados com excesso de gismo, que é considerado o maior fator de
peso seguindo as classificações do Center risco para todas as doenças crônicas. Es-
for Disease Control and Prevention (2001). tudo realizado em 5.914 adolescentes com
Souza e colaboradores (2004) avalia- 18 anos em 2000 mostrou prevalências de
ram 39 crianças e adolescentes obesos, en- 15,6% de fumantes, e por volta de 50%
tre 5 e 16 anos, para identificar a presença dos fumantes com 18 anos experimenta-
de resistência à insulina e estabelecer rela- ram cigarro na adolescência (Menezes;
ções entre essa resistência, idade, sexo, trigli- Hallal; Horta, 2007).
cerídeos, colesterol, acantose nigricans e his- A Tabela 2.1 apresenta as principais
tórico familiar de diabete melito tipo II. Co- características dos estudos citados. Ressal-
mo critério de inclusão, as crianças e os ta-se que são dados preocupantes de pro-
adolescentes tinham que apresentar índi- blemas anteriormente mais comuns em
ce de massa corporal igual ou superior ao pessoas adultas, cuja prevalência, hoje
percentil 95 para sexo e idade, seguindo comum em crianças e adolescentes, é con-
os critérios do Center for Disease Control siderada alarmante.
and Prevention (2001). Todos os partici-
pantes foram submetidos ao teste de tole-
rância à glicose oral e foi calculado o Ho- ATIVIDADES FÍSICAS PARA
meostatic Model Assessment-Insulin Resis- CRIANÇAS E ADOLESCENTES
tance (HOMA). Diabete melito tipo II e in-
tolerância à glicose foram determinados A recomendação atual para a prática
como glicemia de jejum maior ou igual a de atividade física na adolescência é de que
126 mg/dL e glicemia 120 minutos pós- todo jovem deveria envolver-se, diaria-
-sobrecarga de glicose maior ou igual a 140 mente, por cerca de 60 minutos ou mais
mg/dL. Os resultados mostraram que 5,1% em atividades físicas moderadas e/ou vi-
apresentavam diabete melito tipo II, 15,4%, gorosas pelo menos cinco vezes por sema-
intolerância à glicose e 90,8%, índice na (Strong et al., 2005; Pate et al., 2002).
HOMA. Essas atividades físicas devem ser desen-
volvidas de forma apropriada, divertida e
conter uma grande variedade de movimen-
Problemas comuns em adultos, como tos (Strong et al., 2005).
pressão arterial elevada, estão começan- Essa recomendação tem origem no
do a aparecer já nos adolescentes. United Kingdom Expert Consensus Group
e foi confirmada como ideal no estudo re-
26 Dante De Rose Jr. e colaboradores
TABELA 2.1 Estudos de fatores de risco e doenças crônicas realizados com amostras de adolescentes
em diversas regiões do Brasil
Autores N Idade Local Fator de risco Prevalência
Excesso de peso
– adolescentes Nordeste: 6,6%
Sudeste: 10,4%
Healthy People 2010 Atividade física moderada > 30 Intensidade >3 METs
Objetivo 22.6 minutos/dia em 5 ou mais dias por
semana
Figura 2.1 Proporção de crianças e adolescentes que não atingiram as recomendações de pelo
menos 300 minutos por semana de atividades físicas em alguns estudos realizados no Brasil.
meninos praticavam mais do que as meni- tre 16 e 19 anos (em comparação com ado-
nas, os adolescentes de maior nível socio- lescentes de 14 a 15 anos), nos alunos que
econômico praticavam mais em compara- estavam cursando o terceiro ano do ensi-
ção com os adolescentes de menor nível, no médio, em níveis socioeconômicos mais
quem teve a mãe ativa no lazer praticou altos, nos adolescentes que relataram fu-
mais em comparação com quem não teve, mar cigarros, usar bebidas alcoólicas, em
e quem jogou videogame por mais de uma adolescentes que não participavam das
hora por dia foi mais ativo em relação a aulas de educação física escolar, que não
quem não jogou ou jogou menos de uma tinham incentivo dos pais, que permane-
hora por dia. ciam mais do que três horas assistindo te-
Ceschini, Florindo e Benício (2007) levisão e que jogavam uma hora ou mais
avaliaram a prevalência de inatividade fí- de videogame diariamente. Alguns resul-
sica e fatores associados entre 775 adoles- tados encontrados nesse estudo, como a
centes (14 a 19 anos), estudantes de uma utilização do videogame por mais de uma
escola pública localizada em uma região hora ao dia e o nível socioeconômico da
com alto índice de vulnerabilidade juve- família, foram similares aos resultados en-
nil, no município de São Paulo. O questio- contrados no estudo com adolescentes de
nário utilizado para avaliar o nível de ati- 10 a 12 anos da cidade de Pelotas (Hallal
vidade física foi composto por questões re- et al., 2006a). É interessante ressaltar que
ferentes à prática de exercícios físicos ou a maior parte das atividades físicas prati-
esportes fora da escola e atividades físicas cadas pelos adolescentes teve contribuição
de deslocamento para a escola. Os resul- do deslocamento ativo, pois, caso este não
tados mostraram que 77,9% dos adoles- fosse considerado, a prevalência de ado-
centes relataram caminhar ou ir de bici- lescentes que não atingiriam as recomen-
cleta para a escola. As principais modali- dações aumentaria para 84,4% (Ceschini;
dades praticadas no lazer foram futebol, Florindo; Benício, 2007).
treinamento com pesos e caminhada. A Seabra e colaboradores (2008) rea-
prevalência de adolescentes que não atin- lizaram uma revisão bibliográfica para re-
giram as recomendações, considerando os ver alguns aspectos do estado atual do co-
300 minutos por semana, foi de 64,3% e nhecimento acerca da influência de deter-
foi maior nos adolescentes com idade en- minantes de âmbito demográfico, biológi-
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 29
co e sociocultural das atividades físicas de
adolescentes. Os autores identificaram um Estudos no Brasil mostram que os ado-
lescentes de menor nível socioeconômico
declínio na atividade física com o avanço
se deslocam mais a pé ou de bicicleta,
da idade. Apesar da opinião generalizada enquanto os de maior nível socioeconô-
da importância da escola, muito parti- mico são mais ativos no lazer e na práti-
cularmente da disciplina de educação físi- ca de esportes e exercícios físicos.
ca e o seu professor, na promoção e de-
senvolvimento de estilos de vida saudáveis,
os autores observaram que os resultados
disponíveis na literatura atual são ainda município de Piracicaba, SP. A análise de
controversos e não permitem obter con- atividade física mostrou que 54,9% dos
clusões esclarecedoras acerca da possível adolescentes não atingiram as recomen-
influência do professor de educação física dações dos 300 minutos por semana, sen-
sobre a atividade física de seus alunos. De do 65% do sexo feminino e 35% do sexo
acordo com os autores, os meninos apre- masculino.
sentaram maior participação em ativida- Reis e colaboradores (2008, no pre-
des físicas (principalmente atividades es- lo) avaliaram a associação da prática de
portivas e de intensidade vigorosa), en- atividade física entre adolescentes e a per-
quanto as meninas parecem preferir ativi- cepção dos mesmos em relação às carac-
dades de lazer e baixa intensidade. Os re- terísticas ambientais dos parques públicos
sultados acerca da associação entre ní- de Curitiba (PR). A amostra foi composta
vel socioeconômico e atividade física não por 1.718 adolescentes (671 rapazes e 979
são suficientemente esclarecedores, pro- moças) de 14 a 18 anos. Foram classifica-
vavelmente devido à grande variabilidade dos como ativos os adolescentes que pra-
dos métodos utilizados para avaliar o ní- ticavam 60 minutos de atividade física
vel socioeconômico. O suporte social ofe- moderada ou vigorosa em cinco ou mais
recido pela família e pares representa um dias da semana. Os adolescentes informa-
fator significativo no envolvimento e na ram o número de dias por semana que pra-
participação de crianças e adolescentes em ticavam atividades físicas em parques e o
comportamentos saudáveis como a práti- o tempo de percurso (caminhando) até o
ca de atividades físicas. Os resultados de- local. As características ambientais perce-
monstram que, com o decorrer da idade, bidas pelos adolescentes que poderiam in-
a influência da família em relação à ativi- fluenciar a prática de atividade física fo-
dade física dos adolescentes tende a dimi- ram avaliadas por meio de questões sobre
nuir, enquanto a dos pares costuma au- as facilidades do parque, segurança, com-
mentar. portamento social dos outros frequenta-
dores e acessibilidade. A análise das ativi-
dades físicas mostrou que 78,3% dos ra-
pazes e 90,9% das moças não atingiram
Os meninos são mais ativos no lazer e as recomendações dos 300 minutos de ati-
no deslocamento do que as meninas.
vidades físicas moderadas ou vigorosas por
semana. Mais da metade dos rapazes
(54,4%) e 46,2% das moças relataram a
Romero (2007) estudou as relações existência de um parque a menos de 30
entre atividades físicas e o índice de mas- minutos de caminhada. As principais ca-
sa corporal em 328 adolescentes (meni- racterísticas ambientais percebidas pelos
nas e meninos) com idade entre 10 e 15 adolescentes e que foram associadas com
anos, estudantes de escolas públicas do o não engajamento na prática de ativida-
30 Dante De Rose Jr. e colaboradores
Baquet e cols. 551 11-16 anos Ensaio clínico Aptidão Treinamento aeróbio de
(2001) randomizado e física intensidade alta contribui
controlado de forma significativa
para melhora da
aptidão aeróbia e
da força muscular.
(continua)
32 Dante De Rose Jr. e colaboradores
TABELA 2.2 Resumo dos estudos que investigaram os benefícios imediatos da atividade física para
crianças e adolescentes (continuação)
Autores N Idade Tipo de estudo Variável Conclusão
Figura 2.2 Benefícios imediatos e na idade adulta da prática de atividades físicas na infância e
adolescência.
dades físicas na vida adulta. Porém, os au- diovascular, como gordura corporal eleva-
tores concluíram também que comporta- da, níveis alterados de pressão arterial e
mentos sedentários na infância e na de lipídeos e baixa aptidão cardiorrespi-
adolescência, bem como baixa aptidão físi- ratória aos 40 anos. Foram selecionados
ca na adolescência, foram associados a pio- 166 homens com 40 anos participantes do
res desfechos relacionados à saúde na ida- estudo Leuven Longitudinal Study on
de adulta, como baixa aptidão cardiorres- Lifestyle, Fitness and Health. Os dados fo-
piratória, maior índice de massa corporal, ram coletados entre 1969 e 1974, quando
aumento nos níveis de colesterol total e os participantes tinham entre 13 e 18 anos,
tabagismo. em 1986 aos 30 anos, 1991 aos 35 anos e,
Nesse sentido, alguns estudos têm finalmente, em 1996 aos 40 anos. Na pri-
procurado estabelecer as relações entre meira fase (adolescência), a atividade fí-
práticas de atividades físicas na infância e sica foi estimada por meio de um questio-
adolescência e saúde cardiovascular na nário padronizado no qual eram registra-
idade adulta. das as atividades realizadas no último ano.
Lefevre e colaboradores (2002) inves- Na idade adulta, utilizou-se uma versão
tigaram a relação entre participação em adaptada do Tecumseh Community Health
esportes/atividades físicas na adolescên- Questionnaire, que estima as atividades
cia e na idade adulta e fatores de risco car- físicas no trabalho e no lazer. Os autores
38 Dante De Rose Jr. e colaboradores
QUADRO 2.2 Tópicos do conteúdo programático elaborado para as oficinas de educação física
do Projeto Miramundo, São Paulo, SP, 1997
1. Saúde, doença, qualidade de vida, aptidão física, atividade física, exercício físico e esporte:
conceitos.
2. Histórico da atividade física e do processo saúde-doença.
3. Relações das atividades físicas com temas contemporâneos: obesidade; drogas; estética; futebol;
lazer; esportes radicais; estresse; meio ambiente; violência; trabalho.
4. Componentes de uma sessão de exercício físico: aquecimento; intensidade, frequência e
duração das atividades; controle da frequência cardíaca; relaxamento muscular.
5. Treinamento físico para a saúde: avaliação física; avaliação e treinamento da força; avaliação e
treinamento da flexibilidade; avaliação e treinamento da aptidão aeróbia; avaliação da composi-
ção corporal.
MARQUES, A. T.; GAYA, A. C. A. Atividade física, REIS, R. S. et al. Associations between physical
aptidão física e educação para a saúde: estudos na activity in parks and perceived environment. J. Phys.
área pedagógica em Portugal e no Brasil. Rev. Paul. Act. Health, 2008. No prelo.
Educ. Fis., v. 13, p. 83-102, 1999. RIDEOUT, C. A.; MCKAY, H. A.; BARR, S. I. Self-
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MELLO, E. D.; LUFT, V. C.; MEYER, F. Atendimento corporal em adolescentes de escolas públicas de Pira-
ambulatorial individualizado versus programa de cicaba, São Paulo. 2007. Dissertação de Mestrado –
educação em grupo: qual oferece mais mudança de Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São
hábitos alimentares e de atividade física em crian- Paulo, 2007.
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Esporte e atividade física na infância e na adolescência 45
O ESPORTE, A CRIANÇA E O
ADOLESCENTE: CONSENSOS
E DIVERGÊNCIAS
3
Osvaldo Luiz Ferraz
A opinião dos adultos sobre a prática es- cipalmente, à precocidade com que crianças
portiva de crianças e de adolescentes é são submetidas a competições esportivas e
unânime, ou seja, os pais não se opõem a a processos de treinamento sistematizado,
que seus filhos pratiquem esporte. Além podendo provocar efeitos psicológicos ne-
disso, devido à valorização da atividade gativos ao desenvolvimento harmônico da
física para a qualidade de vida, a tendên- personalidade. No caso dos adolescentes,
cia em considerar a prática esportiva tão em função de o esporte historicamente
importante quanto as atividades intelec- estar associado a propagandas políticas de
tuais tem crescido bastante nos últimos governos totalitários, muitos educadores
anos. Pesquisas têm demonstrado que os e pesquisadores o veem como uma forma
pais consideram a prática de esportes be- sutil de alienação da juventude.
néfica para a saúde e favorável ao rendi- Tanto em um caso quanto no outro,
mento escolar. trata-se de análises que procuram estabe-
Os argumentos que sustentam essa lecer um paralelismo entre a situação es-
posição relacionam-se à aquisição de regras portiva, sua estrutura e suas tradições e a
de conduta, de normas de comportamento organização político-econômica em que
e de valores sociais que fundamentam nos- vivemos, além do sistema de valores de
sa cultura. Pressupõe-se que atitudes de per- nossa civilização.
severança, de disciplina e de cooperação Apesar de o tema ser controverso e
exigidas na prática esportiva contribuam de a produção científica, sobretudo no
para a formação da personalidade. Outro Brasil, ainda não fornecer elementos para
aspecto mencionado é o de que a competi- um posicionamento mais específico, estu-
tividade adquirida no esporte pode ser dos em desenvolvimento humano têm
transferida para a competitividade ineren- apontado princípios básicos para a estrutu-
te à vida social, sobretudo profissional, pre- ração de programas esportivos adequados
parando a criança e o adolescente para en- às crianças e aos adolescentes. Essas pes-
frentar a vida mais adequadamente (Tani; quisas podem auxiliar na indicação de
Teixeira; Ferraz, 1994). parâmetros gerais de adequação, inibindo
Entretanto, muitos pais, professores análises carregadas de preconceitos, com
e pesquisadores têm questionado o en- base na experiência particular da vida de
volvimento de crianças e de adolescentes renomados atletas ou até mesmo de pais
em práticas esportivas sem restrições. O que gostariam de compensar frustrações
argumento apresentado diz respeito, prin- antigas no campo esportivo.
46 Dante De Rose Jr. e colaboradores
a criança, verificava o quanto ela seguia das regras. Tem-se agora a presença da
essas regras. No caso da segunda questão, regra, provavelmente aprendida de
Piaget direcionava a pergunta no sentido crianças maiores, sem, contudo, o seu
da origem das regras ou de possíveis mo- cumprimento. Sendo assim, a criança
dificações ao longo do tempo e, ao propor nessa fase pronuncia alguns termos que
que a criança inventasse uma regra nova, caracterizam a regra, mas paradoxal-
perguntava se essa era justa e se seria acei- mente não realiza o menor esforço para
ta por outros companheiros de jogo. utilizá-la. É como se demarcássemos os
Por meio dessas pesquisas, foram es- limites espaciais do jogo e a todo mo-
tabelecidos quatro níveis para a prática da mento ultrapassássemos as linhas de-
regra e três níveis para a consciência da marcatórias. A incompreensão das re-
regra (Quadro 3.1). gras parece ser total, e a imitação al-
cança somente os aspectos superficiais
da atividade. Frequentemente obser-
Desenvolvimento da vam-se nesse tipo de jogo vários ven-
prática das regras cedores e nenhum perdedor! Parece
que seu prazer consiste simplesmente
a) Motor individual: Nessa fase, a criança em desenvolver suas habilidades moto-
não participa da relação social impli- ras e em ter êxito nas jogadas que se
cada no jogo, sendo esse essencialmen- propõe a realizar.
te individual e correspondendo à sim- c) Cooperação nascente: Nessa etapa, a
ples aplicação funcional dos esquemas regra normatiza realmente as ações
de ação. Ainda é prematuro falar de entre os competidores e, ao prazer
regras, por mais que esses comporta- motor que se apresentava no nível an-
mentos se repitam, ritualizando-se, e terior, acrescenta-se o gosto pela vitó-
de uma certa forma anunciando as re- ria sobre o oponente, respeitando-se ri-
gras que, com mais idade, a criança gorosamente as regras do jogo. Portan-
empregará em seus jogos sociais. Um to, a criança passa a ser fiel às regras,
exemplo desse tipo de “jogo” é o do vigiando cuidadosamente seus oponen-
bebê que arremessa sua chupeta ao tes; nesse caso, o não cumprimento da
chão repetidamente para que o adulto regra é um delito grave.
a pegue, revelando assim o início de d) Codificação das regras: Nessa última
uma coordenação mútua das ações. fase, a criança demonstra grande inte-
b) Egocêntrico: Essa segunda etapa carac- resse pela regra em si e por possíveis
teriza-se por uma “imitação superficial” estratégias para tirar proveito e vencer
QUADRO 3.1 Níveis de desenvolvimento de Piaget para a prática e a consciência das regras
Estabilidade Locação
INTERNA EXTERNA
da nossa área é aproximar este conheci- que se envolve com o esporte, seja uma
mento teórico da atuação prática dos pro- criança ou um atleta veterano, é demons-
fissionais de Educação Física e Esporte. trar competência. No entanto, o sentido
O eixo condutor deste capítulo será de competência é atribuído subjetivamen-
a prática pedagógica desenvolvida pelo te, caracterizado pela orientação ao ego,
educador, por intermédio dos seus com- quando ser competente significa ser o me-
portamentos e atitudes, e pela forma como lhor, ou pela orientação à tarefa, quando
ele estrutura o ambiente para a aprendi- a competência é entendida como melhora.
zagem do esporte, valendo-se do conceito
de Clima Motivacional, originário da Teo-
ria das Metas de Realização.
Parte-se do pressuposto de que a princi-
pal meta ou objetivo de qualquer pes-
AS METAS DE REALIZAÇÃO: soa que se envolve com o esporte, seja
A TEORIA POR TRÁS DA PRÁTICA uma criança ou um atleta veterano, é
demonstrar competência. No entanto, o
sentido de competência é atribuído sub-
A Teoria das Metas de Realização, sin- jetivamente, caracterizado pela orienta-
teticamente, defende que as variações de ção ao ego, quando ser competente sig-
comportamento em um mesmo contexto nifica ser o melhor, ou pela orientação à
esportivo parecem não ser resultantes de tarefa, quando a competência é enten-
baixa ou alta motivação, mas de manifes- dida como melhora.
tações de diferentes percepções sobre qual
é a meta adequada em determinado con-
texto (Roberts, 2001).
Aplicando esse conceito no esporte Uma criança está orientada para a
infantil, crianças diferentes podem inter- tarefa quando o critério para avaliar a sua
pretar e atribuir significados diversos ao competência é autorreferenciado, ou seja,
esporte de acordo com seus próprios valo- quando o foco da ação está centrado no
res, expectativas e crenças, tidos como progresso e no aperfeiçoamento de de-
determinantes dos seus comportamentos terminada habilidade. Ela avalia seu de-
de motivação. Isto quer dizer que, em uma sempenho pessoal para checar se seu es-
mesma situação, duas crianças podem ter forço foi suficiente para aprender, utili-
comportamentos diferentes em razão dos zando a autocomparação em busca de
significados que atribuem subjetivamente melhora em relação aos seus desempe-
a ela, da mesma forma que podem de- nhos anteriores, e percebe que obteve
monstrar comportamentos semelhantes sucesso pela evolução pessoal, pelo pro-
em situações inteiramente diferentes, por gresso e pelo domínio.
possuírem interpretações distintas do con- Essa orientação faz com que a crian-
texto em que estão inseridas. ça demonstre comportamentos positivos
Tais interpretações e significados são para a aprendizagem, como escolha de ta-
representados nessa teoria pela orientação refas desafiadoras, esforço, persistência e
motivacional, tida como uma predisposi- interesse intrínseco pela atividade (Brustad,
ção individual que é influenciada por fa- 1993; Duda, 1992; Roberts, 2001).
tores situacionais e está relacionada a Já na orientação voltada para o ego,
como a criança avalia seu desempenho. a criança avalia seu desempenho pessoal
Parte-se do pressuposto de que a prin- com base no desempenho dos outros cole-
cipal meta ou objetivo de qualquer pessoa gas, utilizando a comparação social para
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 63
analisar sua competência. Isso faz com que
sua demonstração de competência seja As crianças cuja orientação está voltada
para o ego estão mais expostas a expe-
dependente da competência dos outros e
riências negativas e ameaçadoras de sua
com que ela reconheça que obteve suces- autoestima no esporte, pois as falhas e
so em uma tarefa somente quando alcan- os fracassos, inerentes ao processo de
ça desempenhos melhores que os outros. aprendizagem, assumem um caráter ex-
Os mesmos comportamentos positi- tremamente prejudicial para elas. Ao
vos de uma criança orientada para a tare- contrário destas, as crianças orientadas
fa, como escolha por tarefas desafiadoras, para a tarefa, por serem autorreferen-
esforço e persistência, são esperados para ciadas quanto às suas competências,
costumam manter o foco no processo,
crianças com orientação ao ego, desde que
não dando tanta importância aos erros
tenham uma alta percepção de competên- quando percebem que estão progre-
cia; porém, ao contrário do que ocorre na dindo.
orientação para a tarefa, quando a crian-
ça se percebe com pouca competência di-
ante do fracasso ou das dificuldades, es-
ses comportamentos se tornam muito frá-
geis, fazendo com que ela opte por tarefas podem interferir na forma de envolvimen-
muito fáceis ou muito difíceis, diminua o to da criança com esporte e, consequente-
esforço ou desvalorize a tarefa quando o mente, na educação dela, entendida como
sucesso parece improvável e falte persis- um processo que socializa conhecimentos,
tência principalmente após uma situação normas e valores.
de fracasso (Ames, 1992; Duda, 1992; Por esta razão, as pesquisas sobre esse
Roberts, 1992). tema têm procurado, entre outras coisas,
Percebe-se, portanto, que as crianças compreender de que forma aspectos pe-
cuja orientação está voltada para o ego dagógicos do ambiente de aprendizagem
estão mais expostas a experiências negati- no esporte infantil influenciam o grau pelo
vas e ameaçadoras de sua autoestima no qual as metas relacionadas à tarefa ou ao
esporte, pois as falhas e os fracassos, ine- ego são percebidas como salientes em um
rentes ao processo de aprendizagem, as- contexto e, sendo assim, como interferem
sumem um caráter extremamente preju- na adoção de metas individuais pelas
dicial para elas. Ao contrário destas, as crianças e em seus comportamentos fren-
crianças orientadas para a tarefa, por se- te às atividades (Ames, 1992; Treasure,
rem autorreferenciadas quanto às suas 2001). A seguir, apresento o clima motiva-
competências, costumam manter o foco no cional no esporte infantil.
processo, não dando tanta importância aos
erros quando percebem que estão progre-
dindo (Korsakas, 2003). CLIMA MOTIVACIONAL:
A relevância desses dados está no fato APLICANDO A TEORIA NA PRÁTICA
de que a orientação motivacional não é
compreendida como um traço de perso- Qualquer ação pedagógica está dire-
nalidade, podendo ser resultante do pro- tamente ligada aos princípios e valores
cesso de socialização da criança em um daquele que a executa. Nesse sentido, o
contexto esportivo que enfatize uma ou educador explicita seus objetivos em rela-
outra forma de envolvimento, pois a na- ção à prática esportiva pela forma que or-
tureza das experiências esportivas e as in- ganiza as atividades, como agrupa as
terpretações subjetivas destas experiências crianças, quais os critérios que utiliza para
64 Dante De Rose Jr. e colaboradores
a avaliação, e pela maneira que se relacio- tências, além de valorizar o esforço em-
na com elas, podendo estimular determi- preendido em uma tentativa, mais do que
nada orientação motivacional, moldando o resultado final, denotando a adoção de
a estrutura do contexto esportivo e, con- um critério relacionado à tarefa (Korsakas,
sequentemente, definindo um clima mo- 2003).
tivacional que expressa metas específicas A estruturação do clima motivacional
para as crianças. orientado por uma ou outra concepção
A orientação do clima motivacional, expõe às crianças diferentes critérios de
assim como a orientação motivacional in- julgamento de suas competências, que in-
dividual, se diferencia pelo significado atri- terferem diretamente na adoção de um ou
buído às capacidades das crianças e pela outro critério por elas. Se a ênfase do am-
maneira como a competência das mesmas biente está na orientação à aprendizagem,
é julgada, podendo estar voltada para a a tendência é de que a criança assuma uma
aprendizagem ou para a performance. orientação individual voltada à tarefa. In-
versamente, quando o educador enfatiza
no ambiente a orientação à performance,
a criança tem mais chances de desenvol-
A orientação do clima motivacional, as- ver uma orientação voltada ao ego.
sim como a orientação motivacional in- Retomando a ideia de esporte como
dividual, se diferencia pelo significado um fenômeno de natureza educacional, a
atribuído às capacidades das crianças e orientação do clima motivacional aponta
pela maneira como a competência das
as intenções do educador, indicando em
mesmas é julgada, podendo estar volta-
da para a aprendizagem ou para a que direção ele pretende educar e qual a
performance. prática pedagógica mais adequada para tal
realização, correspondentes às suas cren-
ças e valores sobre o esporte, a educação
e a criança.
Um clima motivacional orientado à
performance assume a vitória ou o resulta-
do do desempenho como critério de su- Retomando a ideia de esporte como um
cesso, semelhantemente à orientação para fenômeno de natureza educacional, a
o ego, reforçando a comparação de desem- orientação do clima motivacional apon-
ta as intenções do educador, indicando
penhos entre as crianças, diferenciando- em que direção ele pretende educar e
-as entre melhores e piores e criando um qual a prática pedagógica mais adequa-
ambiente que oferece oportunidades desi- da para tal realização, correspondentes
guais para as crianças se desenvolverem às suas crenças e valores sobre o espor-
por enfatizar sempre o resultado final al- te, a educação e a criança.
cançado ou não. Em contrapartida, um am-
biente orientado para a aprendizagem pre-
ocupa-se com o desenvolvimento de cada Nos últimos anos, experimentos fei-
um dos praticantes, respeitando a indivi- tos com base em uma proposta de inter-
dualidade de cada criança. Para isso, ba- venção elaborada para o ambiente esco-
seia-se na autorreferência e no progresso lar da sala de aula têm procurado adaptar
individual como critérios de avaliação, es- seus conceitos para o contexto esportivo.
timulando também a autoavaliação para As pesquisas que vêm sendo conduzidas
que a criança julgue suas próprias compe- no contexto esportivo tomam emprestado
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 65
o modelo de intervenção em que se consi- aprender e a orientação para a tarefa. Além
dera tarefa, autoridade, reconhecimento, disso, o autor dá outros exemplos de pes-
agrupamento, avaliação e tempo – identi- quisas que sugerem que o formato unidi-
ficados pelo acrônimo TARGET1 – como mensional da tarefa, em que as crianças
dimensões ou estruturas do ambiente de usam os mesmos materiais e/ou têm as
aprendizagem, tidas como variáveis inter- mesmas atribuições ao mesmo tempo, fa-
dependentes que, juntas, definem o clima vorece a comparação de desempenhos.
motivacional (Ames, 1992; Biddle, 2001; Em uma tarefa unidimensional, por
Treasure, 2001). exemplo, as crianças são alinhadas em um
Em um quadro comparativo, Biddle canto da quadra e, ao sinal do educador,
(2001) descreve sinteticamente as diferen- devem repetir o salto demonstrado por ele
ças da prática pedagógica, considerando até o outro lado. Essa forma de prática po-
essas dimensões em diferentes climas mo- de fazer com que as diferenças de desem-
tivacionais (Tabela 4.1). penho sejam vistas como diferença em ter-
mos de competência e, consequentemente,
estimular a comparação entre as crianças
Tarefa como critério de avaliação. Por outro lado,
uma sessão de prática multidimensional,
Essa dimensão trata da estrutura das em que as crianças são desafiadas a supe-
atividades, considerando aspectos como rarem diversos obstáculos espalhados pela
variação dos exercícios, envolvimento dos quadra executando os saltos que conhe-
praticantes, objetivos, utilização de mate- cem ou criando outros, faz com que elas
riais, etc. Oferecer a prática de uma habi- se envolvam em diferentes tarefas distri-
lidade em situações variadas parece im- buídas no espaço e no tempo, oferecendo
portante não só para motivar o educando menos oportunidade e necessidade de as
diante de novos desafios, mas também crianças se compararem, além de estimu-
para estimular sua capacidade de respon- lar o desenvolvimento do senso de com-
der à variação das condições ambientais. petência independente dessa comparação.
Os estudos citados por Treasure
(2001) demonstram que tarefas variadas
e diversificadas favorecem o interesse em Autoridade
que os papéis se invertem para que expe- do a elas que o critério avaliativo é a sua
rimentem situações que exijam dos meni- evolução individual.
nos a flexibilidade que lhes falta e das Nessa perspectiva, o progresso indi-
meninas a força que não desenvolveram vidual ou os pequenos sinais de evolução
pode ser uma estratégia interessante para da criança na execução de determinada
que valorizem a contribuição do outro e a tarefa serão os indicativos positivos de que
união de seus esforços para a conquista ela está aprendendo, tornando-a, portan-
de metas comuns. to, merecedora do reconhecimento do edu-
cador por meio de elogios e instruções para
que continue a progredir. A preocupação,
Avaliação nesse caso, está focada no processo de
aprendizagem e não simplesmente em seu
Essa dimensão vem sendo comenta- resultado.
da, ao longo deste capítulo, como uma das Desse modo, a autoavaliação passa a
principais diferenças entre as orientações ser um processo fundamental tanto para o
motivacionais, tanto da criança quanto do autoconhecimento e o desenvolvimento da
ambiente. Conforme Treasure (2001) autoestima quanto para o desenvolvimen-
aponta, a questão aqui está centrada no to de uma conduta de respeito e solidarie-
significado das informações avaliativas. dade diante do outro, já que é mediante o
Pesquisas indicam que, quando a avalia- reconhecimento dos nossos próprios limi-
ção baseia-se em critérios normativos, é tes e possibilidades que aprendemos a acei-
pública e está vinculada à avaliação da ca- tar a individualidade do nosso colega, va-
pacidade das crianças, ela pode ter efeitos lorizando a diversidade do grupo.
negativos, pois os sistemas de avaliação
que enfatizam a comparação social e os
padrões normativos evocam um estado de Tempo
orientação para o ego, prejudicando a
autovalorização e o interesse intrínseco da Essa última dimensão tem como as-
criança pela atividade. Quando o resulta- pectos relevantes a flexibilidade do plane-
do do desempenho é estabelecido como jamento, a velocidade e o ritmo de apren-
critério de avaliação, define-se uma única dizagem e a administração das atividades,
meta para todo o grupo, ignorando a indi- estando relacionada com todas as outras
vidualidade. Dessa forma, fica evidencia- dimensões abordadas até aqui.
da a comparação de desempenhos entre Como Ames (apud Treasure, 2001)
as crianças, que se identificarão como ca- exemplifica, o tempo tem relação com a
pazes ou não na realização de determina- tarefa quando ela tem um prazo determi-
da tarefa. nado para ser finalizada ou não; ou com a
Se, durante a aprendizagem da ban- autoridade, considerando se é permitido
deja no basquetebol, somente as crianças que as crianças programem o ritmo, a se-
que executam o movimento correto e acer- quência ou o tempo para completar uma
tam a cesta são elogiadas, fica claro que o tarefa. Além disso, o tempo também está
critério de avaliação é o resultado do de- ligado ao agrupamento e à avaliação quan-
sempenho. Por outro lado, quando o es- do se analisa se o educador distribui suas
forço da criança é recompensado pelo fato instruções e informações avaliativas igual-
de ela conseguir coordenar os movimen- mente no tempo entre as crianças e entre
tos dos membros superiores e inferiores – os grupos.
o que não fazia antes –, apesar de ainda Se a proposta educativa tem como fi-
não converter o arremesso, estamos dizen- nalidade o desenvolvimento das crianças,
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 69
preocupando-se com o processo de apren- em contexto real afeta as percepções e as
dizagem, é necessário dar-lhes tempo para reações das crianças, e seus resultados têm
que aprendam. Sendo assim, o planeja- sido bastante sugestivos.
mento e seus prazos não devem ser esta- Em um estudo pioneiro, Theeboom,
belecidos unicamente com base nas expec- De Knop e Weiss (1995) investigaram a
tativas do educador, mas de acordo com a influência de diferentes climas motiva-
evolução apresentada pelas crianças. Da cionais de um programa de ensino de ar-
mesma forma, não se deve seguir à risca o tes marciais para crianças entre 8 e 12
que foi planejado apenas para se ter a sen- anos, manipulando tais dimensões, e os
sação de tarefa cumprida, e sim ser sensí- resultados indicaram que as crianças que
vel e flexível diante das necessidades das participaram do ambiente orientado à
crianças. aprendizagem se divertiram e gostaram
Se o educador adota a evolução indi- mais das atividades do que o outro grupo,
vidual como critério para o reconhecimen- além de demonstrarem melhor desempe-
to e avaliação dos seus desempenhos, é nho nas habilidades aprendidas, o que su-
necessário também que atentemos para o gere que tal clima favorece a aprendiza-
fato de que crianças diferentes aprenderão gem e o desenvolvimento motor.
em ritmo e velocidade também distintos. Outro estudo semelhante foi desen-
Em uma situação em que lidamos volvido por Solmon (1996 apud Treasure,
com um grupo heterogêneo – como geral- 2001) nas aulas de educação física, em que
mente são os grupos de crianças –, o esta- dois grupos distintos de crianças partici-
belecimento de objetivos individuais e a param de aulas que diferiam quanto ao
definição de prazos para seu alcance po- clima motivacional. Seus resultados indi-
dem ser estratégias eficientes. caram que as crianças perceberam os am-
Assim, é possível que todas as crian- bientes de maneiras diferentes e suas res-
ças estejam praticando uma mesma ativi- postas a eles também divergiram. As crian-
dade, mas cada uma sabe qual o objetivo ças do clima orientado para a aprendiza-
a ser atingido, pois foi estabelecido den- gem demonstraram mais disposição para
tro de um plano de trabalho elaborado persistirem em tarefas difíceis, enquanto
pelo educador juntamente com a criança. as crianças do ambiente orientado para a
As questões referentes ao tempo são performance apresentaram maior tendên-
extremamente importantes, pois muitas cia a atribuírem o sucesso à capacidade.
das estratégias discutidas até aqui serão Treasure (2001) também cita outro
ineficazes se as crianças não contarem com estudo desenvolvido por ele próprio com
o tempo necessário para aprender. sessões de futebol, demonstrando que a
manipulação dessas dimensões afetou, de
fato, o clima motivacional percebido pe-
INVESTIGAÇÕES SOBRE las crianças, além de indicar que o educa-
O CLIMA MOTIVACIONAL dor era capaz de estruturar o clima motiva-
cional favorecendo determinada orienta-
Cada uma das dimensões do clima ção, assumindo um papel decisivo na qua-
motivacional possui características parti- lidade da experiência esportiva das crian-
culares, mas fica claro que representam um ças. Nessa pesquisa, as crianças que per-
sistema de ações que se complementam e ceberam um clima motivacional em que
se articulam, caracterizando o ambiente suas competências eram fundamentadas
esportivo com uma ou outra orientação em progresso individual e esforço demons-
motivacional. Estudos têm buscado anali- traram preferência pelo engajamento em
sar como a manipulação dessas dimensões tarefas desafiadoras, acreditaram que o su-
70 Dante De Rose Jr. e colaboradores
tes fases do ensino, bem como as caracte- tacam-se a corporal cinestésica, espacial,
rísticas dos alunos em cada uma delas. interpessoal, intrapessoal e lógico-mate-
Nesse sentido, é preciso adequar a propos- mática), mas também trabalhar a auto-
ta pedagógica às necessidades e possibili- estima (reforçando acertos em geral e
dades do aluno. Na educação infantil, qua- promovendo intervenções positivas) e,
tro pontos devem ser destacados: desen- por fim, facilitar as intervenções dos pro-
volvimento das habilidades básicas, estí- fessores no sentido de trabalhar princí-
mulos das inteligências múltiplas (Balbino; pios essenciais à sua educação (coopera-
Paes, 2007), vivência de valores e apren- ção, participação, emancipação, coedu-
dizado de comportamentos. cação e convivência).
Já no ensino fundamental, é possível O esporte é considerado um dos
organizar o conhecimento e, de forma fle- maiores fenômenos socioculturais neste
xível, estabelecer um cronograma da 1a a início de novo milênio, e, mesmo com toda
8a séries considerando quatro momentos: a evolução, por si só não faz nenhum mila-
pré-iniciação (1a e 2a séries), quando os gre. Segundo Parlebas (apud Betti, 1991):
temas desenvolvidos seriam o domínio do
corpo e a manipulação da bola; iniciação I O desporto não possui nenhuma
(3a e 4a séries), quando os temas desen- virtude mágica. Ele não é em si
volvidos seriam passe, recepção e drible; mesmo nem socializante nem an-
tissocializante. É conforme: ele é
iniciação II (5a e 6a séries), quando os te-
aquilo que se fizer dele. A práti-
mas seriam finalizações e fundamentos ca do judô ou do rúgbi pode for-
específicos; e iniciação III (7a e 8a séries). mar tanto patifes como homens
Neste último, os temas seriam situações perfeitos, preocupados com o fair
de jogo, transições e sistemas. No caso do play.
ensino fundamental, os jogos coletivos se-
riam desenvolvidos por meio de aulas Essa afirmação de Parlebas eviden-
temáticas, envolvendo diferentes modali- cia a importância do professor de educa-
dades e não especificamente uma. ção física na condução do processo educa-
No ensino médio, os jogos coletivos cional e da utilização do esporte na pers-
poderão ser desenvolvidos considerando- pectiva de torná-lo mais socializante. Nesse
se suas especificidades, como, por exem- contexto, destacam-se três pontos impor-
plo, futebol, voleibol, basquetebol e han- tantes, aos quais o profissional deve estar
debol. É importante salientar que essa for- atento. Primeiro, a educação é uma área
ma de organização e distribuição de te- de intervenção, e o professor deverá sem-
mas não implica uma fragmentação dos pre promover intervenções construtivas,
conteúdos, mas sim uma tentativa de su- positivas, ou seja, mostrar para o aluno o
prir uma das mais graves deficiências no certo e não simplesmente comentar e cri-
ensino do esporte nas aulas de educação ticar o errado. Segundo, o professor deve-
física escolar, que é a repetição da mes- rá sempre incentivar e motivar todos os
ma prática em diferentes períodos esco- alunos a praticar esportes. Todas as crian-
lares. Em síntese, para que o esporte te- ças e jovens têm o direito de aprender e
nha um tratamento pedagógico na esco- vivenciar o esporte. Não se trata de excluir
la, deverá não apenas possibilitar aos alu- o talento, mas sim de incluir quem não tem
nos o desenvolvimento motor (aquisição talento. Terceiro, caberá ao professor de
de habilidades básicas e específicas) e o educação física promover e administrar a
desenvolvimento das inteligências (des- relação de ensino e aprendizagem do es-
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 81
porte na escola. Para tanto, será necessá-
rio valer-se da pedagogia do esporte e não Na escola ou fora dela, o esporte para
crianças e jovens deve ser proposto no
da simples administração e condução da contexto educacional e contribuir para
prática esportivizada. sua educação e formação como cidadãos
que, no exercício pleno de sua cidada-
nia, podem ou não ser atletas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O contexto do esporte, quando abar- ter como objetivo contribuir para sua edu-
ca crianças e jovens, lança-nos a discussões cação e formação como cidadãos que, no
em diferentes dimensões, sendo a pedago- exercício pleno de sua cidadania, podem
gia do esporte uma delas. Ao apresentar- ou não ser atletas.
mos este capítulo, uma das proposições foi A pedagogia do esporte, consideran-
a de promover uma articulação da pedago- do-se cenário, personagens, modalidades
gia do esporte com a escola nos períodos e objetivos delimitados no estudo, deverá
referentes à educação infantil, ao ensino proporcionar às crianças e aos jovens o
fundamental e ao ensino médio. Foi apon- conhecimento de diferentes modalidades,
tada a relevância de se estruturar uma pro- devendo sua prática ser organizada em
posta pedagógica para o ensino de modali- referência a um tempo pedagógico adequa-
dades esportivas na escola, levando em do, respeitando as características da faixa
consideração os aspectos técnicos e tam- etária do aluno, bem como a fase de ensi-
bém os aspectos relativos aos valores e aos no do qual o aluno faz parte.
modos de comportamento. Nesse contexto, Em se tratando dos jogos coletivos, é
os referenciais metodológico e sociocultu- preciso proporcionar ao aluno a compreen-
ral são norteadores da proposição de uma são da lógica interativa da técnica e tática
prática que visa a dar ao esporte o trata- do jogo e desenvolver amplamente as ha-
mento pedagógico necessário para seu de- bilidades básicas, como as corridas, os sal-
senvolvimento na escola. A prática descon- tos e os lançamentos e habilidades especí-
textualizada do esporte na educação for- ficas, referentes aos fundamentos e gestos
mal e não formal pode reduzir as suas pos- técnicos da modalidade.
sibilidades, limitando as suas funções. A A evolução do esporte transformou-
subutilização do esporte pode até mesmo o em um fenômeno sociocultural cuja ri-
torná-lo uma prática de caráter simplista queza maior é sua pluralidade de funções
e de exclusão. No entanto, é preciso deixar e intervenções. Essa multiplicidade de sig-
claro que esse problema não pode ser nificados propicia sua prática nos diferen-
atribuído ao fenômeno esporte, mas à fal- tes segmentos da sociedade. Ao tratarmos
ta da consideração de importantes elemen- de crianças e jovens, alguns aspectos de-
tos, aqui apontados para compreendê-lo vem ser destacados. Dos princípios sinali-
melhor. zados neste capítulo, a participação confi-
Na escola ou fora dela, o esporte para gura-se como um princípio básico de fun-
crianças e jovens deve ser proposto no con- damental importância para a prática de
texto educacional. Um dos equívocos cons- uma pedagogia do esporte em que a in-
tantemente observados é a busca pela ple- clusão é um fator preponderante em todo
nitude atlética em crianças ainda em for- o processo.
mação. Como apresentado neste capítulo, Outro aspecto importante refere-se
o esporte na vida de crianças e jovens deve ao reconhecimento dos problemas causa-
82 Dante De Rose Jr. e colaboradores
liares sobre os dirigentes, os professores e ticas esportivas competitivas. Vale dizer que
os técnicos esportivos. raras vezes alguns princípios explicitamente
Essas constatações de que existem for- formulados no contexto das aulas de edu-
tes influências das lideranças adultas, par- cação física são modificados em prol de uma
ticularmente, sobre o comportamento e o prática capaz de reconhecer as limitações
desempenho esportivo dos filhos/alunos dos alunos menos habilidosos: o “gordinho”
indicam que a supervalorização do talento é o último a ser escolhido e o primeiro a
esportivo pode prejudicar o processo natu- ser colocado na posição de goleiro.
ral de formação educacional e os processos Os professores raramente interferem
de socialização por meio das práticas educa- nas relações de escolha entre os alunos ou
tivas escolares e das práticas esportivas lançam pregações para condenar determi-
competitivas, contribuindo para o surgi- nadas ações manifestadas pelas crianças
mento de problemas quanto à estabilidade em relação aos companheiros de turma.
sociodinâmica no plano das relações intera- Talvez seja a noção de espaço potencial
tivas vivenciadas nas escolas/escolinhas de que marca a realidade institucional do es-
esportes e clubes sociais esportivos. Talvez porte moderno que leva à dicotomia exis-
o principal dilema dos professores de edu- tente entre ludens e faber, tendo em vista
cação física seja aquele associado com os que a realidade competitiva vai além de
papéis que assumem perante as práticas uma relação didático-pedagógica entre
esportivas escolares – muitos desses profis- professores e alunos. Isso equivale a dizer
sionais são unânimes em dizer que, diante que o esporte de competição infantil se
dos alunos, agem como verdadeiros técni- tornou sinônimo de esporte de rendimen-
cos. O mesmo acontece no plano dos pais to. Diríamos que existe um padrão de
quanto à participação dos filhos – exceção interação de habilidades, de valores e de
feita às crianças e aos jovens que seguem disposições dos indivíduos para ocuparem
as cartilhas estabelecidas pelas lideranças posições de destaque no meio esportivo.
adultas, que carregam consigo uma consi- O estabelecimento de um critério vá-
derável dose de narcisismo. lido de competência faz com que o esporte
É preciso esclarecer que, de acordo de competição infantil seja moldado, con-
com Felker (1998), as práticas escolares forme Simões e Böhme (1999), pela causa
esportivas fazem parte das atividades es- (prestígio, fama, bolsas de estudos) e pela
portivas desenvolvidas como elementos condição atlética (capacidade de produção)
constitutivos das aulas de educação física, dos indivíduos para produzir resultados
enquanto as práticas esportivas escolares consistentes. Ser lúdico e esportista impli-
são aquelas atividades desenvolvidas den- ca ser competidor, o que por sua vez impli-
tro de condições voltadas para o desenvol- ca produzir, obter resultados, desenvolver
vimento das capacidades atléticas dos dife- ligações individuais e aceitar a natureza das
rentes tipos de esportes individuais e cole- regras do jogo. A esse respeito, é interes-
tivos. Aqui se encontra a essência das con- sante notar que os meios de comunicação
cepções que procuram entender as condi- de massa estão modificando a cultura so-
ções em que as atividades lúdicas, os jogos cial esportiva em todos os continentes.
e o esporte de competição infantil são de- As informações obtidas possibilitam
senvolvidos. Tais aspectos reforçam a ideia acrescentar que o esporte moderno é cons-
de que o participar, o brincar e o jogar se tituído por instituições mobilizadas para dar
organizam em torno de normas estabele- condições às circunstâncias nas quais os
cidas pelas instituições, que têm por finali- indivíduos se encontram. Não é acidental
dade valorizar as relações interativas e de o crescimento das escolinhas de esportes.
produção no ensino-aprendizagem das prá- A premissa de Maquiavel de que os fins jus-
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 95
tificam os meios faz parte desse cenário para Esta pode ser considerada uma ques-
que fique demonstrada a superioridade do tão que engloba o bojo de processos edu-
poder adulto em relação a crianças e jo- cacionais e socioculturais esportivos inte-
vens adolescentes em idade escolar. A tôni- grados. Daí os problemas que mais pare-
ca é que dificilmente se vê crianças partici- cem dificultar a participação infantil no
pando de “peladas” de rua e/ou brincando cenário do esporte serem aqueles alinha-
com “bolinhas de gude”. É desnecessário dos com o poder do esporte como um mo-
dizer que o esporte moderno vive uma or- delo esportivo de realidade social insti-
dem diferenciada de prioridades em uma tucionalizado, que persuade a vida espor-
perspectiva sociocultural. tiva das crianças desde que ingressam nas
Essa posição naturalmente leva ao escolas até se tornarem adultas. O apoio
problema de o esporte moderno não ser social esportivo constitui-se um centro de
escola de virtudes. Constantino (1993) afir- energias afetivas relacionais para constru-
ma que o esporte é constituído por valores ção das formas pelas quais os indivíduos
socioculturais contraditórios. Exemplo dis- são socializados e incluídos no mundo dos
so é que os efeitos das práticas escolares esportes; por conseguinte, isto abrange as
esportivas e dos treinamentos devem ser expectativas dos pais, das escolas/profes-
considerados para dar visibilidade a mui- sores, dos clubes e da sociedade em que
tas práticas profissionais. É importante des- convivem.
tacar que todos tentam provar para si que A percepção que os indivíduos têm de
são melhores que os outros. Por essa ra- seu mundo social esportivo, como se orien-
zão, os adultos acabam fantasiando a ideia tam e como podem persuadir/influenciar
de serem responsáveis pela formação de está relacionada com a construção de re-
grandes “atletas”. O fato de as lideranças des de apoio social e afetivo, já que todos
adultas terem a capacidade de se ajusta- querem ser reconhecidos. Svoboda e
rem, em diferentes contextos sociais espor- Patriksson (1996) postularam que, para
tivos, consegue impor alguns desafios para melhorar a consciência social e ética do
seus filhos/alunos; entre eles, os desafios mundo social esportivo, seria necessário
de estabelecer diretrizes no plano da con- ampliar o espaço de discussão das questões
secução de objetivos concretos. Não é raro que se conjugam com a formação acadêmi-
observar pais ensinando os filhos a darem ca dos profissionais que trabalham nos di-
“bicicletas” em uma quadra de cimento e/ ferentes segmentos sociais esportivos. Não
ou procurando os professores ou os técni- é por acaso que os vínculos de relaciona-
cos para impor a presença dos filhos nas mentos das lideranças adultas estão alinha-
equipes representativas das escolas, clubes, dos às suas capacidades de poder pessoal,
etc. Outros, ainda, veem nos amigos o apoio de influência e de perícia sobre a formação
que não encontram em suas tentativas para e o desenvolvimento da personalidade das
influenciar os profissionais das áreas da crianças e dos jovens adolescentes.
educação física e do esporte – usam a más-
cara da inteligência para manterem os fi-
lhos em evidência no cenário esportivo. A IMAGEM DAS INFLUÊNCIAS
Também existem aquelas crianças e ado- NA VIDA ESPORTIVA DE
lescentes que se julgam verdadeiros “cra- CRIANÇAS/ADOLESCENTES
ques” – e individualmente afligem fami-
liares, professores e técnicos, porque, para Uma comprovação prática do que foi
eles, a competência esportiva está associa- exposto até aqui é que o esporte escolar
da à imagem de muitos atletas veiculada traz em si revelações importantes a res-
pelos meios de comunicação. peito da participação das pessoas (crian-
96 Dante De Rose Jr. e colaboradores
to desafios para comunidade esportiva in- nos como “atletas”. Contudo, permite tra-
fantil. No entanto, é a dimensão psicos- zer à luz o poder das práticas esportivas
social que emerge mais fortemente na cria- escolares e suas implicações no posiciona-
ção de vínculos interativos e operativos que mento dos parentais, especialmente no que
possibilitem que adultos e crianças/ado- concerne à iniciação esportiva. Lucato
lescentes estabeleçam relações de apoio (2000) diz que existe uma comprovação
social esportivo e afetivo relacional nas prática sobre o processo de socialização e
fases de desenvolvimento das práticas es- cooperação das crianças por meio das prá-
portivas escolares. A presença ou a ausên- ticas esportivas escolares. A dinâmica en-
cia de vínculos diversos permite que as volvendo as condições físicas e mentais en-
crianças e jovens adolescentes se desen- trariam como fatores alinhados com o ní-
volvam social e emocionalmente. Vemos vel de conhecimento dos professores e a
aqui formulado um questionamento que convivência com os amigos no ambiente
mostra que a criança ou o adolescente e o escolar. A falta de infraestrutura esporti-
esporte de competição infantil estão em va, o curto tempo de treinamento e a não
interação bidirecional e constante com as participação em eventos esportivos com-
lideranças adultas, como instrumentos de petitivos seriam os fatores desvantajosos
poder com os desempenhos esportivos. perante outras instituições de ensino.
Com isso, queremos dizer que, além de Acredita-se que as dificuldades meto-
quererem brincar, participar e jogar de for- dológicas alinhadas com o binômio ensi-
ma espontânea, as crianças e os jovens nar e aprender têm ligação direta com a
estão diante de um cerceamento adulto integração social, pela qual assimila-se um
quanto às suas inclusões e exclusões nos patrimônio cultural, em grande parte, à
diversos tipos de esportes. base das relações de sucesso e insucessos.
Barbanti (1989) demonstrou que os Daí serem considerados como elementos
meninos são mais influenciados pelos ami- benéficos – os maléficos estariam relacio-
gos quando comparados com as meninas – nados à frustração infantil diante das der-
mais influenciadas pelos pais –, existindo, rotas, especialmente pela pressão exercida
ainda, uma pequena tendência destes em pelos professores para obtenção de resul-
exigir mais do comportamento das filhas tados positivos. Em seu estudo, Lucatto
do que dos filhos. Em muitos casos, a fa- (2000) revelou, também, que os pais de
mília tende a valorizar demasiadamente crianças com idade entre 7 e 9 anos acre-
as qualidades que os filhos não têm ou que ditavam que a iniciação esportiva fosse um
gostariam que eles tivessem. A vida espor- dos elementos fundamentais da formação
tiva infantil é então associada aos esque- educacional; os pais de crianças entre 10
mas estabelecidos dentro de padrões bem- e 12 anos consideraram que existia um
-determinados. Se os pais reconhecerem acentuado aumento no processo de socia-
suas limitações em relação ao seu conhe- lização e de cooperação entre os colegas.
cimento do esporte e se tornarem capazes As crianças entre 7 e 9 anos revelaram que
de reconhecer as limitações das capacida- o estímulo esportivo para o confronto di-
des atléticas dos filhos, prestarão um enor- reto com os adversários pode, em caso de
me serviço não apenas às crianças e aos derrota, causar frustrações – sendo que
adolescentes, mas a todo o esporte de com- tudo isso pode estar associado aos profis-
petição infantil. sionais da área esportiva que se preocu-
Competir, ganhar, vencer a qualquer pam demasiadamente com as vitórias.
custo: essas ações poderiam estar repro- No rastro desses acontecimentos, po-
duzindo tudo aquilo que as lideranças deríamos ainda identificar outros, todos li-
adultas mais querem para os filhos e alu- gados às associações que separam os dese-
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 99
jos das lideranças adultas dos desejos in- Segundo Simões e Böhme (1999), os
fantis, o coletivo do individual, e assim por resultados indicam também que nenhuma
diante. No entanto, se as reflexões, nesse relação significativa foi encontrada entre
sentido, remetem à visibilidade da partici- o nível de incentivo familiar e o fato de as
pação adulta na vida esportiva infantil, em crianças serem do sexo masculino ou fe-
um segundo sentido elas remetem à possi- minino. Não há dúvida de que os pais e as
bilidade de se compreender e se discutir mães separadamente incentivam seus fi-
mais alguns resultados que mostram duas lhos no caminho da aprendizagem esporti-
realidades interligadas. Assim é que Simões va. Além disso, o fato de incentivarem seus
e Böhme (1999), com o intuito de verificar filhos faz com que se acentue o fato de
a participação dos pais e das mães separa- que as crianças em idade escolar não es-
damente na vida esportiva dos filhos, de- tão apenas situadas na relação com as
tectaram que nenhuma relação estatistica- diferentes práticas esportivas competitivas,
mente significativa foi observada entre o em um processo educativo que não daria
fato de os indivíduos serem do sexo mas- possibilidade de a criança fugir da identi-
culino ou feminino e sua assistência direta. ficação por esse ou aquele tipo de esporte.
O desejo e a necessidade dos adultos de As manifestações humanas, conforme
estarem presentes de forma contínua na Martens e colaboradores (1981) e Brown
vida esportiva dos filhos poderiam explicar e Grineski (1992), apontam que as influên-
o significado dessa assistência direta. Tan- cias adultas, a capacidade de rendimento
to o pai quanto a mãe parecem desempe- e a detecção de talentos são elementos que
nhar papéis igualmente importantes na vida asseguram os objetivos propostos nos di-
esportiva de jovens atletas. ferentes níveis de ensino das práticas es-
Essa análise pode dar uma ideia da colares esportivas e esportivas competiti-
riqueza de problemas existentes nas situa- vas. Essas indicações parecem necessárias
ções de incentivo dos pais para que seus para a compreensão dos resultados obti-
filhos se tornem bons atletas. Parte desses dos pelo estudo de Simões e Böhme (1999)
problemas é produto de uma discussão sobre os níveis de exigência estabelecidos
inacabada nas situações competitivas. Nin- pelos pais em relação às crianças e aos jo-
guém poderia negar que um desses pro- vens atletas. Os resultados apontaram que
blemas é a preparação esportiva infantil os níveis de exigência estabelecidos tanto
ligada a critérios precisos para se escolher pelos pais quanto pelas mães são maiores
crianças e jovens que tenham talento. para os filhos do que para as filhas. Uma
Greendorfer e colaboradores (1996) apon- interpretação possível para esses resulta-
tam que adultos deveriam compreender dos é a de que os pais tendem a acentuar
melhor o processo de socialização das crian- mais os valores das capacidades atléticas,
ças através das práticas escolares esporti- sobretudo se acreditam que o esporte de
vas. Quase todas as lideranças adultas se competição pode levar seus filhos a se tor-
deixam levar pelos valores educacionais e narem atletas famosos. Lima (1990) afir-
esportivos envolvidos com as influências ao mou que os indivíduos que competem são
longo dos caminhos a serem percorridos pe- submetidos a inúmeras exigências, inclu-
los jovens atletas. Tanto a assistência dire- sive sociais, tendo em vista que se expõem
ta quanto o nível de incentivo parental cons- ao julgamento dos demais. Entretanto, os
tituem processos de interação. O incenti- dados apontam que a maioria dos pais (pai
vo, portanto, é um procedimento essencial e mãe) não exige isso dos seus filhos.
para que as crianças adquiram consciência Essas diferenças de exigência mos-
participativa no mundo dos campos, das tram em que condições as crianças e os
quadras, das piscinas e das pistas. jovens adolescentes se adaptam às normas
100 Dante De Rose Jr. e colaboradores
de condutas no campo dos esportes infan- sidades nas vitórias. Vencer a qualquer
tis. Pode-se dizer que as exigências das li- custo é algo que reproduz exatamente tudo
deranças adultas em relação à participa- aquilo que as lideranças adultas querem
ção infantil nos diferentes tipos de espor- das crianças e dos jovens como atletas.
tes levam a uma só pergunta: “Seria a
criança um atleta em miniatura?”
Esse comportamento é justificado na CONSIDERAÇÕES FINAIS
medida em que as participações adultas
influenciam as crianças. Há poucas opor- Os vínculos estabelecidos entre as li-
tunidades para que as crianças e os jovens deranças adultas e a participação de crian-
atletas exerçam influências sobre o pro- ças/jovens adolescentes no campo dos es-
cesso de tomada de decisões estabelecido portes nos remetem a explicações que con-
pelas lideranças adultas. Essa situação tem templam um conjunto de fatores psicosso-
consequências educacionais e pode estar ciais, sociodinâmicos e institucionais. Es-
presente no processo de formação e de ses vínculos demonstram que as relações
desenvolvimento das crianças e dos jovens envolvendo componentes cognitivos, so-
no cenário esportivo. É indispensável, ain- cioafetivos e comportamentais podem fa-
da, citar que o nível de orientação educa- cilitar ou dificultar a inclusão ou a exclu-
cional e esportiva inclui uma questão psi- são dos indivíduos das práticas escolares
cossocial fundamental no comportamen- esportivas e esportivas competitivas, cujos
to esportivo: a que coloca a participação eventos são realizados em um meio so-
adulta como maléfica, especialmente cioambiental que é psicossocial, sociodi-
quando voltada para participar, competir nâmico e institucionalizado. Existe um
e vencer a qualquer custo. Os pais cuidam conjunto de valores, crenças e ideologias
da evolução do desempenho infantil nos pela integração da formação educacional
treinamentos e nas competições e veem na e do desenvolvimento da personalidade
evolução das habidades atléticas uma pos- por meio das práticas educacionais espor-
sibilidade para conseguirem prestígio so- tivas e competitivas, veiculado pela pró-
cial por meio dos filhos. E como se inte- pria sociedade do esporte escolar de com-
ressam em fazer com que seus filhos se tor- petição, atingindo as instituições de ensi-
nem bons atletas, acabam apoiando suas no fundamental e médio.
ambições pela motivação infantil. Acredi- O surpreendente é que praticamente
tam, conforme Hahn (1988), que podem “todas” as lideranças adultas se orientam
valorizar seus filhos por conhecê-los me- em consonância com uma ótica individua-
lhor do que os demais, organizando sua lista, voltada para a condução das crian-
vida social esportiva. As causas e os efei- ças e dos jovens adolescentes para o es-
tos dessas participações se mantêm de ge- porte de alto nível. O poder de persuasão/
ração em geração com os diferentes tipos influência por parte das lideranças adul-
de práticas escolares esportivas e práticas tas é tão acentuado que pode colocar em
esportivas competitivas. risco a própria valorização da formação e
Alguns estudiosos citados por Bar- do desenvolvimento educacional e espor-
banti (1992) realçam que o esporte edu- tivo dos indivíduos. Contemplam-se, assim,
cacional se sustenta na competitividade, desde os processos de iniciação do desen-
pressionando em demasia as crianças e os volvimento esportivo até os níveis de ha-
jovens atletas sob o ponto de vista físico e bilidades atléticas, os conteúdos programá-
psicológico, colocando as condutas das li- ticos e as compensações idealizadas pelas
deranças adultas como maléficas quando lideranças adultas. Do ponto de vista so-
tentam canalizar seus interesses e neces- cioafetivo interativo, a questão do compor-
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 101
tamento competitivo exigido das crianças crianças/jovens adolescentes consigam
e dos jovens adolescentes traduz o mais desenvolver ações que promovam um cres-
alto grau de exigência entre o aprender, o cimento adequado e condizente com as
jogar e o competir de maneira educativa e suas capacidades produtivas.
comparativa de desempenhos. Nessa perspectiva, os problemas rela-
Os problemas interativos e conflituo- cionados com as práticas escolares esporti-
sos se mantêm atrelados às normas de con- vas e esportivas competitivas continuarão
duta estabelecidas pelas lideranças adul- a ser avaliados e julgados por pais e profes-
tas. O abandono precoce de muitas moda- sores como educadores/técnicos de equipes
lidades coloca em dúvida tanto a política escolares de várias modalidades esportivas.
educacional esportiva das escolas quanto Existe a sugestão de que seria importantíssi-
as ideologias educacionais das lideranças mo que as lideranças adultas respeitassem
adultas em valorizar demasiadamente os as brincadeiras, os jogos e os esportes de
desempenhos. Nesse contexto, muitos as- competição infantil nos processos de forma-
pectos das competições tornam-se emer- ção e desenvolvimento da personalidade es-
gentes, e muitas situações podem levar à portiva. Do ponto de vista psicossocial,
frustração devido à submissão das crian- sociodinâmico e institucional, o estabeleci-
ças às condutas dos professores, dos téc- mento de sistemas relacionados com o ensi-
nicos ou dos pais. O desenvolvimento es- nar, o aprender, o jogar e o competir permite
portivo competitivo seria, portanto, fruto que crianças e jovens adolescentes se desen-
do interjogo estabelecido entre a nature- volvam cognitivamente, emocionalmente e
za das exigências determinadas pelo sis- socialmente. Se as definições e as interpre-
tema esportivo educacional e as perfor- tações são complexas, as diferentes abor-
mances de condutas das lideranças adul- dagens mostram que as práticas escolares
tas em relação aos processos de integração esportivas e esportivas competitivas inte-
e socialização de crianças/jovens adoles- gram aspectos educacionais e esportivos
centes enquanto alunos e atletas. formativos no desenvolvimento escolar.
Muitos professores de educação físi- Verifica-se, desde logo, que, no plano des-
ca e técnicos esportivos têm as habilida- sas práticas escolares, a necessidade de
des para desenvolver vínculos socioafetivos oportunizar uma forte rede de apoio cog-
e estreitamento de vínculos com os alunos/ nitivo, afetivo e comportamental para que
atletas, visando a solucionar problemas crianças e jovens adolescentes/alunos/
pela procura e pela disponibilidade para atletas participem e desenvolvam adequa-
ajudá-los em situações esportivas competi- damente tais competências cognitivas.
tivas. O universo do esporte escolar se tor- Esses apoios representam os desafios
na um modelo de realidade social na vida das lideranças adultas para estabelecerem
esportiva de crianças/jovens adolescentes, programas educacionais esportivos alinha-
e muitos fatores psicossociais, sociodinâ- dos com padrões definidos de organização,
micos e institucionais podem estar presen- canais de comunicação e comportamentos
tes, tornando-se importante para que os indicativos de amizade, confiança e respei-
educadores e esportistas lancem seus olha- to humano às crianças e aos jovens adoles-
res a fim de implementar projetos de for- centes. Esses mecanismos podem ser vistos
mação educacional e desenvolvimento da como procedimentos eficazes para que alu-
personalidade esportiva. Por conseguinte, nos/atletas possam desenvolver seus senti-
lideranças adultas (professores/pais) po- mentos de satisfação com a vida escolar e
dem responsabilizar-se por suas condutas esportiva. Esse quadro observado na socie-
e atitudes adotando comportamentos pró- dade do esporte escolar esportivo nos leva
sociais esportivos e efetivos, para que as a concluir que o esporte escolar de compe-
102 Dante De Rose Jr. e colaboradores
tição e os padrões de comportamentos com- –––––––––– . Integrating socialization influences into the
petitivos infantis estão intrinsecamente rela- study of children’s motivation sport. Journal of Sport
& Exercise Psychology, v. 14, p. 59-77, 1992.
cionados com as ideologias de condutas das
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Esporte e atividade física na infância e na adolescência 103
ESPORTE, COMPETIÇÃO E
ESTRESSE: IMPLICAÇÕES NA
INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA
7
Dante De Rose Jr.
O esporte tem ocupado cada vez mais es- psicológica e social da grande maioria dos
paço na vida das pessoas. Especialmente perdedores.
para crianças e adolescentes, a influência De certa maneira, esse pensamento
dos eventos esportivos divulgados pelos não deixa de ter coerência, principalmen-
meios de comunicação e a identificação te quando a competição é encarada ape-
com os ídolos fazem com que eles convi- nas como o ponto final de um processo
vam com as mais variadas situações rela- que não permite ajustes e reestruturações
cionadas ao esporte e imaginem-se nessas em sua trajetória. Nesse caso, prevalecem
situações, levando-os a traçar objetivos o imediatismo e a tentativa de explorar
frequentemente inatingíveis em seu con- essas situações, a fim de que outros consi-
texto social, cultural e familiar. gam alguma vantagem.
A expectativa de tornar-se um gran- No entanto, a competição infanto-ju-
de atleta leva muitos jovens a abandonar venil não deve ser encarada de forma tão
suas atividades básicas, como, por exem- radical. Ela pode ser um importante meio
plo, estudar, para se dedicar a uma ativi- de aprendizagem, desde que realizada sob
dade que demanda grandes sacrifícios e condições que respeitem as características
entrega total. Como nem todos que ten- dos praticantes e que possa ser desenvol-
tam conseguem ser grandes atletas, esse vida de forma natural e progressiva no pro-
“sonho” pode levar à frustração. cesso de formação e preparação do ser
Como aspecto inerente ao esporte, a humano.
competição na infância e na adolescência Neste capítulo, não será feita uma
é um tema bastante discutido, pois gera análise aprofundada de cada uma dessas
diversas dúvidas sobre benefícios, prejuí- características relacionadas ao esporte. O
zos, adequação às faixas etárias, partici- enfoque principal será o do aspecto com-
pação dos adultos no processo competiti- petitivo e suas relações com o esporte in-
vo e fatores de estresse que permeiam essa fanto-juvenil.
atividade.
A simples menção do termo “compe-
tição” leva, imediatamente, a imaginar si- O ESPORTE E A COMPETIÇÃO
tuações prejudiciais que têm como objeti-
vo principal destacar poucos privilegiados, A competição esportiva é tão antiga
enfatizando a inferioridade física, técnica, quanto a própria humanidade. Mesmo não
104 Dante De Rose Jr. e colaboradores
QUADRO 7.1 Principais jogos realizados na Grécia Antiga, cidades onde eram realizados
e deuses homenageados
Situação competitiva
objetiva
Habilidades
Consequências Personalidades Situação competitiva
Capacidades subjetiva
Motivos
Respostas
momento que o jovem começa a ter uma Mesmo sendo o sucesso fundamen-
compreensão mais madura e um raciocí- tal nesse processo, é da natureza da com-
nio compreensivo suficiente para enten- petição criar mais perdedores do que ven-
der as nuanças desse processo. cedores. A minoria experimenta a vitória.
Marques e Oliveira (2002) afirmam Por isso, se essa experiência negativa for
que as competições devem ser coerentes constante, o jovem passará a questionar a
com os objetivos do processo de formação validade do processo, tornando a compe-
esportiva a longo prazo, sendo uma exten- tição desencorajadora e até mesmo amea-
são dos treinamentos e mais uma etapa da çadora, especialmente para aqueles que
educação dos jovens. No início, as compe- não possuem capacidades e habilidades
tições podem ser direcionadas para algu- suficientes para desempenhar de forma
ma modalidade esportiva, mas com conteú- satisfatória a atividade e obter o sucesso
dos diversificados, enfatizando o desenvol- desejado.
vimento multidisciplinar. À medida que os Com base no que foi visto com rela-
jovens vão passando para a adolescência, ção à competição, duas perguntas devem
adquirem melhores condições de suportar ser colocadas em discussão: O sucesso está
cargas maiores de treinamento e compe- necessariamente vinculado à vitória em
tência para lidar com situações específicas. uma competição? Uma derrota deve sig-
Com isso, a competição torna-se mais for- nificar, necessariamente, ter fracassado?
mal e voltada para uma determinada mo- Essas questões podem ser respondi-
dalidade esportiva. das sob várias perspectivas. Com relação
Segundo De Rose Jr. (2004), apesar ao esporte infanto-juvenil, deveria haver
de esses conceitos parecerem óbvios, a uma reflexão mais aprofundada sobre os
prática mostra, de forma constante, situa- objetivos da prática esportiva para que eles
ções nas quais as características e as ne- fossem estabelecidos de forma compatível
cessidades de crianças e adolescentes não com essas faixas etárias. Se a competição
são respeitadas, o que, analogamente, po- for encarada como parte do processo de
deria ser comparado a “correr antes de dar formação dos jovens competidores, é pos-
os primeiros passos”. sível afirmar que a resposta para ambas as
Além dos fatores já citados, deve-se questões seria não.
ressaltar a função social da competição, que Nesse caso, o sucesso deve estar atre-
é a forma pela qual crianças e jovens são lado às conquistas individuais (e que po-
comparados e avaliados. Essa avaliação e/ dem ser refletidas em relação às coletivas)
ou comparação também serve, na maioria e ao esforço despendido para a realização
das vezes, para hierarquizá-los em seus gru- de uma tarefa. O sucesso não deveria de-
pos sociais. Principalmente na pré-adoles- pender do resultado numérico da compe-
cência, é importante que os jovens tenham tição, mas sim da obtenção de um feito
competência para alcançar o sucesso e se- importante para o jovem esportista (p. ex.,
jam bem avaliados por seus pares. Se esse a realização eficiente de um determinado
nível de realização não for atingido, o indi- movimento ou o esforço para realizá-lo
víduo pode ficar de fora de seu grupo, de- denotando uma predisposição em acertar).
sencadeando desequilíbrios em seu compor- Esse tipo de atitude depende muito das
tamento. Muitos jovens acabam se desinte- pessoas envolvidas no processo, especifi-
ressando pela competição por não fazerem camente pais, técnicos e professores.
parte da equipe, participarem pouco dos Ao incentivar esse tipo de atitude
jogos ou não jogarem, bem como pelo medo (predisposição em acertar) e ao reconhe-
do fracasso e de serem ridicularizados por cer o esforço dos atletas, essas pessoas
seu desempenho. contribuirão para que o jovem esportista
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 111
adquira confiança e maturidade para en- Nível de expectativa exagerado (pes-
frentar desafios cada vez maiores em sua soal e dos outros) em relação ao de-
carreira esportiva e em sua vida. sempenho
A criança e o adolescente se envol- Treinamento e especialização precoces
vem no esporte por inúmeros motivos: Excesso ou inadequação dos treinamen-
afiliação, desenvolvimento de habilidades, tos
diversão, sucesso, status, manutenção da Falta de repouso
condição física, gasto de energia, indepen- Competições mal estruturadas
dência, agressividade e influência de ou- Nível e importância da competição
tras pessoas (pais, amigos, professores, Situações específicas das provas ou dos
modelos, etc.). jogos
Preocupações com o resultado e com
as avaliações
A criança e o adolescente se envolvem Medo de competir de forma inadequa-
no esporte por inúmeros motivos: afilia- da e cometer erros
ção, desenvolvimento de habilidades, Medo de decepcionar as pessoas
diversão, sucesso, status, manutenção da
Ansiedade exagerada
condição física, gasto de energia, inde-
pendência, agressividade e influência de
Esses resultados foram obtidos a par-
outras pessoas.
tir de estudos desenvolvidos com atletas
brasileiros de diferentes faixas etárias (dos
7 aos 18 anos) e de diferentes modalidades
Todos esses fatores de participação, esportivas, tais como: atletismo, basquete-
quando associados e mal explorados, le- bol, futebol, futsal, ginástica, handebol, na-
vam os jovens e as crianças a vivenciar o tação, nado sincronizado, tênis e voleibol
esporte como situação de elevado estresse (Barros; De Rose Jr., 2006; De Rose Jr.,
(a quantidade deste depende das deman- 1996, 1997, 1998, 2003; De Rose Jr. et al.,
das do meio ambiente e das habilidades 2000, 2004; De Rose Jr.; Deschamps;
para lidar com elas). Portanto, se o espor- Korsakas, 2001; Ré; De Rose Jr.; Bohme,
te é colocado na vida de um jovem de for- 2004; Samulski; Chagas, 1992, 1996).
ma inadequada, poderá gerar consequên- O estresse gerado antes e durante as
cias como aumento do risco de contusões, competições infanto-juvenis poderia ser mi-
baixo nível de envolvimento, abandono, nimizado se fossem respeitados alguns con-
desempenho inadequado e queda dos ní- ceitos básicos de inserção de crianças e ado-
veis de motivação. lescentes no esporte. O Quadro 7.2 apre-
Os fatores de estresse associados à senta os aspectos favoráveis e desfavoráveis
competição no esporte infanto-juvenil po- dessa inserção (De Rose Jr., 2002b, 2004).
dem ter diferentes causas:
siderar de forma lúcida e cautelosa esse enxergar no jovem sua “galinha dos ovos
tipo de atividade no processo de cresci- de ouro”.
mento e desenvolvimento infanto-juvenil. Deve-se levar em conta que, para che-
O que normalmente se observa é a gar ao topo no mundo do esporte, o cami-
grande pressão que pais e técnicos exer- nho é muito árduo. Manter-se nesse topo
cem sobre os jovens atletas, exigindo re- é ainda mais complicado, pois nem sem-
sultados muitas vezes impossíveis de se- pre “querer é poder”. O sucesso no espor-
rem alcançados em função das caracterís- te depende de uma combinação de fato-
ticas da faixa etária dos competidores. Essa res relacionados a aspectos biológicos, mo-
postura que busca somente a vitória pode tores, psicológicos, culturais e sociais, fa-
desencorajar a participação de crianças e zendo com que os futuros atletas sejam co-
adolescentes. Vencer é importante, mas de- locados em um “funil” (que tem entrada
veria ser um objetivo secundário do pro- muito ampla, mas saída muito estreita).
cesso competitivo. Muitos iniciam esse processo, mas pou-
Outro aspecto relacionado aos adul- quíssimos atingem o nível de excelência.
tos é o nível de expectativa depositado no Há várias formas de se ter um pro-
desempenho da criança e do adolescente. cesso competitivo adequado e saudável
Espera-se muito em relação ao rendimen- para o desenvolvimento do jovem espor-
to, sem que se considerem as condições tista, de modo a aproveitar suas experiên-
pessoais para a realização da tarefa. Isso cias competitivas na vida cotidiana. Alguns
se agrava quando o esporte é vislumbrado objetivos podem ser apontados como faci-
como uma possibilidade de ascensão so- litadores para uma participação adequa-
cial e um meio de ganhar dinheiro. Hoje da de crianças e adolescentes em ativida-
em dia, de forma especial no futebol, os des esportivas competitivas:
jovens são levados a acreditar que poderão
ser ídolos e obter somas astronômicas que Sensibilizar os adultos sobre as neces-
resolveriam todos os seus problemas e os sidades, capacidades e expectativas dos
de seus familiares. Além dos pais e dos téc- jovens em relação à participação em
nicos, surge também um novo persona- competições esportivas
gem: o empresário, que procura obter Entender que a criança não é um adulto
ganhos a partir dos sonhos de muitos jo- em miniatura e que, portanto, a compe-
vens. Nesse processo, não se pode eximir tição deve ser organizada para ela e não
a responsabilidade da família, que passa a para satisfazer os desejos de adultos
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 113
Respeitar seus limites e adequar as ativi- REFERÊNCIAS
dades ao seu nível de desenvolvimento
Proporcionar aos jovens experiências BARBANTI, V. J. Dicionário de educação física e es-
porte. Barueri: Manole, 2005.
positivas na competição
BARROS, J. C. T. S.; DE ROSE JR., D. Situações de
Encorajá-los a desenvolver autocon- stress na natação infanto-juvenil: atitudes de técni-
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permita obter senso de competência dos futuros atletas. In: SONOO, C. N.; SOUZA, C.;
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A competição será muito benéfica se –––––––––– . Sintomas de stress no esporte infanto-ju-
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12-20, 1997.
preendidos e aplicados por aqueles que se
incumbem de sua organização. Não se tra- –––––––––– . Stress esportivo pré-competitivo. In: KISS,
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ta de superproteger a criança, mas de res- prescrição. São Paulo: Roca, 2003. cap. 13.
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vida. O esporte deve ser um instrumento TANI, G. (Org.). Desporto para crianças e jovens:
para servir aos anseios e às necessidades razões e finalidades. Porto Alegre: UFRGS, 2004. cap.
da criança e do adolescente. 12.
Praticar esporte e competir como DE ROSE JR., D.; DESCHAMPS, S. R.; KORSAKAS,
consequência dessa prática é direito de P. O jogo como fonte de stress no basquetebol in-
todos, o que deve ser incentivado, mas le- fanto-juvenil. Rev. Port. Cienc. Desporto, v. 1, n. 2, p.
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vando-se em consideração que chegar ao
DE ROSE JR., D. et al. Sintomas de estrés precompe-
alto rendimento é prerrogativa de poucos. titivo em jóvenes deportistas brasileños. Rev. Psicol.
A função do profissional da área do espor- Deporte, v. 9, n. 1/2, p. 143-157, 2000.
te é proporcionar às crianças e aos adoles- DE ROSE JR., D. et al. Situações de jogo como fonte
centes o acesso a esse direito. Cuidar do de stress em modalidades esportivas coletivas. Rev.
futuro talento é muito importante, mas Bras. Educ. Fis. Esporte, v. 18, n. 4, p. 385-395, 2004.
cuidar da grande maioria, que não atingi- FERRAZ, O. L. O esporte, a criança e o adolescente:
consensos e divergências. In: DE ROSE JR., D. (Org.).
rá esse status, é obrigação.
Esporte e atividade física na infância e adolescência.
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jovens serão cidadãos ativos, saudáveis e KORSAKAS, P.; DE ROSE JR., D. Os encontros e
felizes. E, quem sabe, até grandes atletas. desencontros entre esporte e educação: uma discus-
114 Dante De Rose Jr. e colaboradores
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Esporte e atividade física na infância e na adolescência 115
sidades. Esses motivos poderiam justificar pois depende das características de cada
ou explicar nossos comportamentos, pla- pessoa (personalidade e subjetividade).
nos de ação e nosso envolvimento em ta- 2. A expectativa ou a probabilidade (de
refas e situações, dentro do complexo pro- êxito ou de fracasso): diz respeito à
cesso motivacional aqui discutido. Pode- probabilidade de êxito que o indivíduo
mos perceber que a maioria desses moti- estabelece. Ela desenvolve-se a partir
vos pode ser observada e é presente no de experiências passadas em situações
contexto pedagógico da Educação Física, semelhantes que o sujeito enfrentou.
do esporte competitivo e das práticas cor- Por exemplo, desempenhos prévios
porais. Dentre eles, destacamos a apropria- bem-sucedidos tendem a aumentar a
ção do motivo de realização para compre- expectativa de êxito e a diminuir a ex-
endermos o processo de motivação e ade- pectativa de fracasso na mesma tarefa.
rência ao esporte e às práticas corporais, É a partir desse desempenho que o in-
focos deste capítulo. divíduo desenvolve uma ideia da difi-
A teoria do motivo de realização refe- culdade da tarefa.
re-se a um importante domínio do compor- 3. O valor de incentivo (do êxito, ou o
tamento, isto é, à atividade orientada para valor negativo de incentivo do fracas-
a realização (Atkinson; Feather, 1974). De so): esse fator também depende da ex-
acordo com os autores, a atividade orien- periência passada do indivíduo em si-
tada para a realização é aquela vivenciada tuações específicas semelhantes à que
por um indivíduo com a expectativa de que ele enfrenta no momento.
seu desempenho seja avaliado com algum
padrão de excelência. Então, a atividade De acordo com Roberts (1993), para
orientada para a realização é sempre influen- a compreensão da motivação e dos com-
ciada por uma resultante de um conflito portamentos de realização, devem ser con-
entre duas tendências opostas, a tendência siderados o significado e a função do com-
para alcançar o êxito e a tendência para portamento, bem como a identificação das
evitar o fracasso. metas de ação. Essas metas dirigem o com-
O motivo de realização (traduzido de portamento de realização quando a apren-
need of achievement) foi definido por dizagem e o domínio são determinados
Heckhausen (1980) sinteticamente como como importantes para o indivíduo. Além
“a busca da melhoria ou manutenção da disso, as percepções das habilidades e das
própria capacidade nas atividades em que capacidades são de autorreferência, per-
é possível medir o próprio desempenho, sistentes e estabelecem metas apropriadas
sendo que a execução dessas atividades a suas capacidades.
pode levar a um êxito ou a um fracasso”. O pano de fundo desses pensamen-
Dessa forma, o motivo voltado para a com- tos autorreferentes, das autopercepções e
petição com algum padrão de excelência do julgamento ou tomada de decisões a
apresenta duas tendências básicas nos in- respeito dos planos de ação seria efetiva-
divíduos: a expectativa de êxito/orienta- mente a autoeficácia em ação, sendo o
ção à tarefa ou o medo do fracasso/orien- mecanismo central de autocrenças, re-
tação para o ego. Em ambas as tendências, gulação, autopercepções e decisões por
devem ser consideradas: planos de ação efetivos e eficazes na reali-
zação das tarefas.
1. A força da tendência ou o motivo: esse Indivíduos com forte motivação para
fator é relativamente geral e estável, a realização trabalham mais, aprendem
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 119
mais depressa e são mais competitivos do da mais essa necessidade (Angelini,
que aqueles com baixo nível de motiva- 1973).
ção. No plano da ação, são aqueles que A motivação para a realização per-
assumem responsabilidades pessoais pelos mite que a pessoa estabeleça metas e tare-
seus atos, que assumem riscos apenas fas de maneira persistente até atingi-las
moderados e que tentam atuar de manei- (com excelência), com seu próprio toque
ra criativa e inovadora, podendo-se dizer pessoal. O sujeito tenta superar-se cons-
que têm senso de autoeficácia elevado e tantemente. Assim, o indivíduo motivado
autopercepções reguladas e condizentes para a realização quer ser competente,
com seus domínios, habilidades e compe- capaz e sentir que domina a atividade que
tências. realiza (Müller, 1998).
Em contrapartida, indivíduos com Nesse ponto, os mecanismos psíqui-
baixa motivação para a realização esco- cos de satisfação (das necessidades), pu-
lhem tarefas com dificuldade extrema e nição e recompensa (pessoal e social, re-
apresentam alta taxa de ansiedade quan- lacionados às normas de referência para a
do colocados em situações nas quais são avaliação, que veremos mais adiante), ava-
avaliados; além disso, apresentam baixos liações subjetivas e interpretações a res-
níveis de autoeficácia e autopercepção, peito dos resultados e da motivação so-
muitas vezes incoerentes com suas com- frem, direta ou indiretamente, influência
petências e reais habilidades, justamente da autoeficácia, daí sua importante rela-
em virtude de suas crenças (ou, no caso, ção com a motivação e o engajamento para
descrenças), de pouco envolvimento e in- a realização nas práticas corporais.
teresse e experiências aversivas no domí- Segundo Roberts (1992), é um erro
nio a ser considerado: ambiente das ativi- relacionar motivação no esporte ou nas
dades esportivas e práticas corporais. práticas corporais diretamente com a
Estudos realizados em motivação performance (resultado final e rendimen-
para a realização também sugerem que tos), sendo mais coerente dizer que é com
indivíduos com altos níveis dessa motiva- a ajuda da motivação que podemos enten-
ção são independentes, mais persistentes der e analisar as diferenças individuais em
em tarefas de dificuldade moderada, rea- situações variadas, em que é exigida uma
listas ao estabelecer expectativas para ati- boa performance. A motivação do indiví-
vidades, fixam padrões de excelência cada duo pode melhorar ou piorar seu desem-
vez mais altos por não se satisfazerem so- penho no esporte, mas não pode justificá-
mente com um único e determinado êxi- -lo. A performance seria apenas o objetivo
to. Têm compreensão clara de seus objeti- final de todo o processo motivacional, sem
vos e estão conscientes da relação entre contar que muitas vezes o atleta pode es-
as metas de realização presentes e os ob- tar motivado, mas não apresentar os re-
jetivos futuros (De La Puente, 1982). sultados ou o desempenho esperados, em
Muitas vezes, esse motivo revela-se virtude de diversos fatores intrínsecos e
no desejo de realizar algo único, que im- extrínsecos.
plica êxito pessoal ou indica realização O motivo de realização, para Murray
a longo prazo, com antecipação do resul- (1978), refere-se ao esforço do indivíduo
tado promissor. Alcançar êxito será uma em concluir uma tarefa, atingir excelên-
forma de satisfazer a necessidade criada cia, superar obstáculos, atuar melhor que
por esse motivo, enquanto fracassar na re- os outros e orgulhar-se de suas habilida-
alização será uma forma de acentuar ain- des. É a motivação que orienta as pessoas
120 Dante De Rose Jr. e colaboradores
Figura 8.1 Reciprocidade triádica e determinismo recíproco. Interação entre os fatores pessoais,
comportamentais e ambientais, além da interdependência entre os mesmos. Esse construto é
uma das premissas teóricas para a compreensão da TSC de Bandura (1986).
Fonte: Adaptada de Bandura (1986, p. 24-25) e encontrada em Venditti Jr. (2005, p. 10).
cadas a determinados desempenhos. En- mos especificar essa utilização para o con-
globa também julgamentos do conheci- junto de tarefas e atividades que compõem
mento da pessoa (individual), habilidades, a realização no contexto da Educação Fí-
estratégias e administração de tensão, que sica (EF), e, assim, compreender os meca-
também entram na formação de convic- nismos que participam no controle inter-
ções de eficácia e, no nosso caso, da eficá- no dessas crenças e percepções para o do-
cia do praticante de atividades corporais mínio das práticas corporais, dos esportes
(nosso aluno/a, atleta ou cliente). e do exercício.
As experiências diretas são a fonte
principal de influência da autoeficácia,
Fontes de autoeficácia constituindo-se pela interpretação dos re-
sultados de uma performance esportiva
Segundo Bandura (1977, 1997, 2001), realizada. Por meio destas, os indivíduos
o senso de autoeficácia é constituído por avaliam o efeito de suas ações, o que aju-
quatro fontes, sendo elas: experiências di- da a criar suas crenças de eficácia. Resul-
retas e pessoais; experiências vicariantes; tados interpretados como sucesso aumen-
persuasão verbal ou social; e estados fisi- tam a autoeficácia; os interpretados como
ológicos e emocionais (Figura 8.2). A auto- carência ou insucessos (fracassos) a dimi-
eficácia pode ser considerada em várias nuem. Dessa forma, a autoeficácia apre-
tarefas e ações humanas, nas diversas senta relação diretamente proporcional
áreas do conhecimento. Neste capítulo, va- com a motivação para a realização, ou seja,
124 Dante De Rose Jr. e colaboradores
quanto maior a autoeficácia, maior a mo- dicadores para o desempenho, mais rela-
tivação, em virtude dos êxitos anteriores cionados às expectativas quanto ao resul-
nas tarefas de mesmo domínio. tado e ao desempenho. Por exemplo, sin-
As experiências indiretas ou vicarian- tomas físicos aversivos, como dor de ca-
tes são a segunda fonte de autoeficácia; beça, cólicas, fadiga, são apontados como
constituem-se pelos efeitos decorrentes das indicadores de ineficiência. Nesse caso, o
interpretações feitas sobre as ações de ou- indivíduo tende a confiar menos em sua
tras pessoas, de terceiros; seriam praticamen- capacidade para obter sucesso em deter-
te a aprendizagem por modelos ou pela ob- minada atividade. Apresentam maior se-
servação (aprendizagem social). gurança em suas capacidades os indivíduos
Observando modelos, como outros que se sentem em adequado estado de
atletas, esportistas ou pessoas relevantes alerta, prontidão e ativação.
que façam determinadas ações ou repitam É importante destacar que essas fon-
determinados comportamentos, pode tes de autoeficácia não traduzem direta-
ocorrer aprendizagem observacional e in- mente os julgamentos de competência. Os
cremento na autoeficácia dos aprendizes. indivíduos interpretam os resultados dos
As experiências vicariantes são especial- eventos, e são as informações retiradas
mente úteis em duas situações: quando há dessas interpretações que formam o jul-
insegurança quanto às próprias capacida- gamento, não seus resultados diretos. Es-
des (ao comparar-se ao modelo, o obser- tudos apontam evidências de que um alto
vador aprende sobre si mesmo); e quando senso de autoeficácia apoia a motivação,
o observador tem um baixo senso de auto- afirmando que indivíduos otimistas em
eficácia e precisa aprender a lidar com ele, relação ao futuro acreditam que podem ser
o modelo pode indicar tanto estratégias eficientes na realização de suas ações, es-
comportamentais que levem ao sucesso tabelecendo assim objetivos mais elevados,
quanto mostrar formas de lidar com as tendo menos medo de fracassar e persis-
autopercepções de incapacidade e supe- tindo mais tempo quando encontram difi-
rar essas dificuldades, respondendo às de- culdades ou situações aversivas às suas
mandas situacionais no ambiente esporti- metas (Bandura, 1997).
vo e competitivo. Para Bandura e Pintrich (apud
Já a persuasão verbal ou social ocor- Woolfolk, 2000), pessoas com elevado sen-
re por meio da exposição (verbal ou so- so de autoeficácia atribuem seus fracas-
cial) dos julgamentos que outras pessoas sos à falta de esforço, e pessoas com baixo
têm sobre as habilidades do indivíduo. senso costumam atribuí-los à falta de ca-
Quando utilizada isoladamente, causa um pacidade. Neste último, a motivação fica
senso de autoeficácia não duradouro, mas comprometida quando os fracassos forem
pode momentaneamente criar condições ligados à baixa capacidade e à carência de
motivacionais para comportamentos bem- características necessárias à situação em
-sucedidos; porém, é possível gerar um fal- análise. A Figura 8.2 pode ilustrar as fon-
so senso de autoeficácia sobre competên- tes de construção da eficácia pessoal no
cias inexistentes. A persuasão verbal ou ambiente do esporte, do exercício e das
social é comumente aplicada para a ade- práticas corporais.
De acordo com Iaochite (2006, p. 139),
são ou o incentivo às práticas corporais.
Finalmente, as informações obtidas [...] é fundamental que os respon-
por fonte dos estados fisiológicos e emocio- sáveis por planejar, implementar
nais são utilizadas pelas pessoas como in- e avaliar os programas de avalia-
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 125
Composição da
Persuasão autoeficácia no
verbal e social esporte e no exercício Sensações
Estados Emoções
Feedbacks fisiológicos e Saúde –
Ex emocionais funções orgânicas
p
vic eriên
(in arian cias
dir te
eta s
s)
Experiências
Observação de diretas e
modelos e terceiros pessoais
(aprendizagem social)
Êxitos e fracassos
Figura 8.3 Componentes do motivo de realização no esporte, nas práticas corporais e/ou nos
exercícios. O motivo de realização teoricamente considera o nível de aspiração, a atribuição
causal e as normas de referência.
130 Dante De Rose Jr. e colaboradores
Os indivíduos:
Trabalham mais. Acreditam no seu esforço. São otimistas.
Buscam a satisfação pessoal (motivação intrínseca). Apresentam elevadas crenças de autoeficácia.
Optam por metas compatíveis e apropriadas com suas capacidades. Tentam superar-se constante-
mente.
Têm percepção de sua habilidade e capacidade. São mais criativos e inovadores.
São mais competitivos, independentes e mais persistentes (engajados). Não demonstram alta
capacidade (não se exibem).
Assumem responsabilidades pelos seus atos e escolhem riscos moderados. Buscam a satisfação e o
prazer em uma tarefa. Têm sentimento de êxito e maior autocontrole. Demonstram segurança no
comportamento.
Atribuem a causa dos resultados à própria capacidade e esforço.
Preocupam-se com a aprendizagem e com o domínio da tarefa. Aprendem mais depressa.
Favorecem a capacidade para cooperar e o esforço para o domínio pessoal.
Julgam seu êxito pela qualidade de seu trabalho.
Fontes de autoeficácia mais efetivas a serem exploradas: experiências diretas e domínio pessoal;
estados fisiológicos e afetivos.
Os indivíduos:
Escolhem tarefas com dificuldades extremas ou muito fáceis para não se frustrarem. São pessimistas.
São orientados a normas sociais e necessitam ser motivados extrinsecamente.
Optam por metas abaixo dos rendimentos alcançados anteriormente.
Atribuem seus resultados à dificuldade da tarefa ou ao acaso (fatores externos). Nunca assumem
falta de esforço ou incapacidades (falta de competência).
São menos persistentes, mais ansiosos e inseguros no comportamento.
Preocupam-se com a comparação de sua capacidade e motivam-se pelo reconhecimento social.
Têm baixa percepção da competência e níveis reduzidos de autoeficácia.
Apresentam falta de autodeterminação. Abandonam a atividade em caso de derrota ou fracasso.
Fontes de autoeficácia a serem trabalhadas: experiências vicariantes e persuasão verbal ou social
(são influenciáveis socialmente).
atividade física. Dessa forma, fica muito dades e as competências dos alunos e dos
clara a relação entre autoeficácia e moti- atletas, suprindo e adaptando as carências,
vação no ambiente esportivo. as dificuldades e as limitações, sem que as
Entretanto, como seria possível que mesmas sejam foco ou fonte de perturba-
o profissional de EF pudesse contribuir ou ções ou ansiedade. Poderíamos pensar em
alterar esses níveis de autoeficácia dos in- como proporcionar alimentações daquelas
divíduos com os quais se relaciona? quatro fontes de autoeficácia e de que for-
No contexto esportivo e do exercício, ma poderíamos reestruturar nossas práti-
devem-se criar condições e estímulos am- cas e metodologias de modo que essas fon-
bientais com os quais sejam estimuladas e tes fossem sempre nutridas e repletas de
valorizadas as potencialidades, as habili- estímulos.
134 Dante De Rose Jr. e colaboradores
Acreditamos que esse seria o papel HECKHAUSEN, H. Motivation und handeln. Berlin:
fundamental do profissional de EF, pois Spriger, 1980.
incrementando as fontes de eficácia pes- IAOCHITE, R. T. Aderência ao exercício e crenças
de autoeficácia. In: AZZI, R. G.; POLYDORO, S. A. J.
soal, os interesses e os incentivos pode- Autoeficácia em diferentes contextos. Campinas: Alí-
riam perdurar por tempos mais longos, nea, 2006. p. 127-148.
sendo o professor o principal foco de con- JAGACINSKI, C. M.; NICHOLLS, J. G. Reducing efort
trole dessas motivações extrínsecas, per- to protect perceived ability: “they’d do it but
mitindo um ambiente seguro, agradável, wouldn’t”. J. Educ. Psychol., n. 82, p. 15-21, 1990.
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APRENDIZAGEM MOTORA
IMPLÍCITA EM CRIANÇAS
E ADOLESCENTES
9
Renato de Moraes
Minha filha sempre gostou de brincar na transpor um obstáculo, mas, apesar disso,
cama elástica desde que começou a andar. elas aprendem a realizar esses ajustes no
Toda ida ao shopping center resultava em padrão de locomoção. As crianças apren-
alguns minutos pulando nesse aparelho. dem a falar sem serem instruídas sobre
No início, ela tinha dificuldades para se como proceder para realizar essa tarefa,
equilibrar na cama e caía com frequência. da mesma forma que aprendem a andar,
Após mais de dois anos brincando even- por volta de um ano de idade, sem que
tualmente na cama elástica, ela conseguiu um instrutor lhes diga como executar tal
equilibrar-se muito bem sobre ela e incor- movimento.
porou o uso dos membros superiores para Em todas essas situações, é razoável
auxiliar na manutenção do equilíbrio cor- supor que a criança aprendeu sem saber
poral durante os saltos. É interessante ob- que estava aprendendo, ou seja, ela apren-
servar, entretanto, que tanto eu quanto deu de forma implícita. O objetivo deste
minha esposa nunca fornecemos nenhu- capítulo é apresentar e discutir a aprendi-
ma dica sobre como realizar os saltos de zagem motora implícita em geral e, espe-
uma forma mais eficiente. Apesar disso, cificamente, em crianças e adolescentes.
ela demonstrou uma melhora acentuada Além disso, é de interesse também apre-
no desempenho de seus saltos. Em outras sentar sugestões de como usar o conheci-
palavras, ela aprendeu a saltar na cama mento sobre aprendizagem motora implí-
elástica sem nenhuma instrução efetiva. cita no processo de ensino-aprendizagem
Como isso é possível? Qual mecanismo de de habilidades motoras. Este capítulo está
aprendizagem está envolvido nesse caso? organizado em três seções: a primeira
Esse exemplo não é único. Na verda- aborda a aprendizagem motora implícita
de, isso é muito mais comum do que pode em termos gerais (paradigmas de pesqui-
parecer. Como explicar, por exemplo, o fato sa e evidências empíricas); a segunda se-
de uma criança de pouca idade conseguir ção é dedicada aos estudos que investiga-
adaptar o padrão de locomoção a partir ram a aprendizagem motora implícita em
das demandas do ambiente, como desviar crianças e adolescentes; e a seção final
de obstáculos no caminho ou transpor apresenta algumas implicações práticas,
outros obstáculos de menor magnitude? relacionando o conhecimento sobre a
As crianças não são explicitamente ensina- aprendizagem implícita e o processo de
das a elevar mais o membro inferior para ensino de habilidades motoras.
138 Dante De Rose Jr. e colaboradores
Nesse mesmo estudo, pacientes com vam um número maior de segmentos cor-
a síndrome de Korsakoff que sofrem de porais. Shea e colaboradores (2001) tes-
amnésia anterógrada foram testados na taram essa hipótese com o uso de uma pla-
TTRS. A amnésia anterógrada impede a taforma de equilíbrio, em que os partici-
transferência do conhecimento da memó- pantes ficavam em pé e deviam mover a
ria de curto prazo para a memória de lon- plataforma para cima e para baixo em tor-
go prazo. Esses pacientes melhoraram seus no do eixo de rotação anteroposterior.
desempenhos na sequência de estímulos Nessa tarefa, os participantes foram ins-
repetidos da mesma forma que os indiví- truídos a perseguir um padrão exibido na
duos do grupo controle. Além disso, os pa- tela de um computador movimentando a
cientes amnésicos foram incapazes de de- plataforma de equilíbrio. Da mesma for-
tectar a presença de uma sequência repe- ma que no estudo de Pew (1974), o pa-
tida. Portanto, apesar de serem incapazes drão do segmento intermediário (25 s) era
de aprender fatos e eventos novos (i.e., sempre repetido, enquanto o padrão dos
memória declarativa), os pacientes amné- segmentos inicial e final (25 s cada) era
sicos são capazes de aprender novas habi- aleatório. Depois de cinco dias de prática,
lidades perceptivo-motoras (i.e., memória o teste de retenção apontou um melhor
de procedimentos). desempenho para o segmento repetido.
Willingham, Nissen e Bullemer (1989) Após o teste de retenção, os participantes
ampliaram essa descoberta ao comparar foram entrevistados para identificar se eles
indivíduos que obtiveram conhecimento haviam notado alguma repetição durante
explícito sobre a sequência de estímulos e a realização do experimento. A maioria dos
indivíduos que não obtiveram esse conhe- participantes relatou a inexistência de um
cimento. Nos dois casos, houve melhora segmento repetido.
no desempenho durante a fase de aquisi- Posteriormente, os participantes fo-
ção, sendo que o grupo que obteve conhe- ram informados de que havia um segmen-
cimento explícito durante a realização da to que era sempre o mesmo e foram solici-
tarefa exibiu uma melhora mais acentua- tados a assistir cinco segmentos (um de-
da (205 ms) em comparação ao grupo que les sendo o repetido) e identificar o seg-
não adquiriu conhecimento explícito du- mento repetido. Somente 26% dos parti-
rante a prática da tarefa (94 ms). Esses cipantes escolheram o segmento correto.
resultados sugerem que a aprendizagem Portanto, mesmo com dicas de recupera-
declarativa e a de procedimentos podem ção, os participantes foram incapazes de
ser dissociadas em adultos jovens. O fato selecionar o padrão repetido acima da pro-
de o grupo sem conhecimento explícito babilidade do acaso. Como observado nos
melhorar seu desempenho ao longo da estudos acima citados, o segmento repeti-
prática sugere que a aprendizagem não do foi aprendido implicitamente. Em con-
segue sempre a sequência proposta por traste com os estudos anteriormente des-
Anderson (1982). Em suma, pode-se critos, a tarefa usada no estudo de Shea e
aprender a realizar uma habilidade motora colaboradores (2001) é muito mais com-
sem estar consciente desse processo. plexa em termos de coordenação de mo-
É importante destacar, entretanto, vimentos. Isso sugere que o mesmo prin-
que as tarefas descritas acima são relati- cípio da aprendizagem implícita encontra-
vamente simples, pois envolvem alguns do em tarefas motoras menos complexas
poucos segmentos corporais. Assim, tor- pode ser generalizado para a aprendiza-
na-se relevante questionar se a aprendi- gem de habilidades motoras complexas.
zagem motora implícita pode ser observa- Masters (1992) foi um pouco mais
da em tarefas mais complexas que envol- além e encontrou uma relação interessan-
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 141
ticando sob as mesmas condições iniciais.
O mesmo princípio da aprendizagem im- Na situação estressante, os participantes
plícita encontrado em tarefas motoras
foram informados que o pagamento que
menos complexas pode ser generaliza-
do para a aprendizagem de habilidades receberiam pela participação no experi-
motoras complexas. mento poderia aumentar ou diminuir de-
pendendo da avaliação do desempenho
deles por um especialista em golfe que os
assistiria durante a sessão de prática. A
efetividade da situação estressante foi ava-
te entre aprendizagem motora implícita e liada através da monitoração da frequên-
desempenho motor em situações estres- cia cardíaca (FC) e da aplicação de um
santes. A tarefa escolhida foi a tacada de questionário sobre o nível de ansiedade-
golfe em direção a um buraco localizado a estado. Tanto a FC quanto a ansiedade-
1,5 m de distância do local da tacada. Essa estado aumentaram da situação pré para
tarefa motora foi praticada durante cinco pós-estresse nos três grupos estressados,
dias. Cinco grupos compuseram esse estu- mas não foram diferentes para os dois gru-
do: aprendizagem implícita (AI), aprendi- pos não estressados. Os resultados dos
zagem implícita controle (AIC), aprendi- grupos AI, AIC e SEC foram similares, ou
zagem explícita (AE), estresse controle seja, eles exibiram uma tendência contí-
(EC) e sem estresse controle (SEC). Os in- nua de melhora no desempenho (medido
tegrantes dos grupos AI e AIC não recebe- pelo número médio de acertos da tacada
ram nenhuma instrução sobre como reali- no buraco), mesmo sob a condição
zar a tacada e tiveram que realizar uma estressante (i.e., AI). Os grupos EC e AE
tarefa secundária (dizer uma letra toda vez apresentaram um declínio no desempenho
que o metrônomo clicava) durante a fase relacionado com a situação estressante.
de aquisição. A tarefa secundária foi usa- Isso sugere que a aprendizagem implícita
da para suprimir a aquisição de conheci- é mais robusta do que a aprendizagem
mento explícito sobre a tarefa ao longo das explícita em situações estressantes. Resul-
sessões de prática. Os participantes dos tados semelhantes foram obtidos por Liao
grupos EC e SEC também não receberam e Masters (2001) durante a aprendizagem
nenhuma instrução sobre como executar da rebatida de forehand com topspin no
a tarefa, mas não realizaram a tarefa se- tênis de mesa. Dessa forma, os desempe-
cundária. O grupo AE recebeu instruções nhos pífios observados em atletas profis-
específicas sobre como desempenhar a ta- sionais sob situações estressantes podem
cada de golfe. Ao final da quinta sessão de ser explicados, pelo menos em parte, pelo
prática, os participantes foram solicitados fato de a aprendizagem das habilidades
a descrever por escrito os fatores que se motoras ter ocorrido de forma explícita.
tornaram conscientes e que foram impor-
tantes para acertar a tacada. O número de
regras explícitas relatado pelos participan-
tes foi significativamente maior para o gru-
po AE (~ 6 regras), seguido pelos grupos
EC e SEC (~ 3 regras) e por fim pelos gru- Os desempenhos pífios observados em
pos AI e AIC (< 1 regra). No quinto dia de atletas profissionais sob situações estres-
prática, os participantes dos grupos AI, AE santes podem ser explicados, pelo me-
nos em parte, pelo fato de a aprendiza-
e EC praticaram a tacada sob uma situa- gem das habilidades motoras ter ocorri-
ção estressante, enquanto os participan- do de forma explícita.
tes dos grupos AIC e SEC continuaram pra-
142 Dante De Rose Jr. e colaboradores
lescentes. Os estudos descritos neste capí- MASTERS, R. S. W. Knowledge, knerves and know-
tulo focaram em habilidades aprendidas -how: the role of explicit versus implicit knowledge
in the breakdown of a complex motor skill under
em laboratório, no qual as condições alta- pressure. Br. J. Psychol., v. 83, p. 343-358, 1992.
mente controladas permitem uma maior MASTERS, R. S. W. et al. Implicit motor learning in
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Esporte e atividade física na infância e na adolescência 149
COORDENAÇÃO MOTORA:
DA TEORIA À PRÁTICA
10
Cynthia Y. Hiraga
Ana Maria Pellegrini
meira é descrita em termos da relação en- lar pode ser observada no contexto espor-
tre segmentos de um mesmo membro, tivo: um atleta de alto rendimento no vo-
como, por exemplo, a combinação de mo- leibol executa no seu treinamento diário
vimentos dos dedos da mão e da articula- algumas dezenas de serviços (i.e., saque).
ção do cotovelo e do ombro para abrir uma Qualquer uma de suas execuções certa-
gaveta. A segunda é descrita em termos mente não será exatamente igual a qual-
da relação entre dois ou mais membros, quer outra.
como, por exemplo, aplaudir uma apre- Contudo, uma observação casual dos
sentação de uma peça de teatro. Em ge- serviços executados pelo atleta de volei-
ral, como vimos, nossas ações se baseiam bol, ou mesmo da ação de levar a xícara
na combinação desses dois tipos de coor- com café até a boca, permite-nos dizer que
denação (p. ex., descascar uma laranja ou tais movimentos são muito parecidos. Se,
combinar movimentos entre membros in- por um lado, a ação motora é única, por
feriores e superiores para controlar a con- outro, a mesma ação pode ser consisten-
dução de um automóvel). te. A consistência da ação se apoia na inva-
Ainda temos a coordenação social riância topológica. Como os músculos nun-
(Schmidt; Carello; Turvey, 1990). Esse tipo ca trabalham sozinhos, mas são limitados
de coordenação motora envolve segmen- a operar coletivamente para alcançar uma
tos ou membros corporais de dois ou mais determinada meta, isso assegura consis-
indivíduos. Considere dois indivíduos an- tência na ação. Embora o ser humano não
dando lado a lado: inicialmente, seus pas- seja capaz de reproduzir as variáveis do
sos são desencontrados, mas após algum controle motor com exatidão e, portanto,
tempo eles tendem a sincronizar, isto é, a replicar uma ação realizada anteriormen-
coordenar as passadas tanto em termos te, as características espaciais e temporais
espaciais quanto temporais. Esse tipo de dos movimentos dos segmentos corporais
coordenação tende a emergir de movimen- permanecem relativamente estáveis de
tos contínuos ou repetitivos. Em várias si- uma tentativa para a seguinte. No conjun-
tuações esportivas, a coordenação entre to, as características (i.e., unicidade e con-
atletas garante o sucesso na competição. sistência) das ações motoras humanas es-
Tome como exemplo uma coreografia exe- tão associadas diretamente com o fato de
cutada por um dueto ou uma equipe de sermos ou nos tornarmos coordenados.
nado sincronizado ou, ainda, o desempe- A distinção entre coordenação e con-
nho dos atletas em uma competição de trole é muito importante para identificar
remo por equipe. os mecanismos responsáveis pelo compor-
Independentemente do tipo da coor- tamento motor. A coordenação pode ser
denação motora, toda e qualquer ação vista como uma função que agrupa vários
motora é única (Bernstein, 1967), ou seja, elementos do organismo para fazer com
não se repete no tempo e no espaço, de que o propósito seja atingido (Kelso,
modo que essa característica invalida qual- 1982). Já o controle pode ser descrito em
quer proposição de que sejamos capazes termos da magnitude absoluta do movi-
de reproduzir nos mínimos detalhes uma mento observado em um ou vários mem-
ação anteriormente realizada. Em nosso bros (i.e., o nível de força, velocidade, ace-
cotidiano, realizamos ações que são roti- leração, deslocamento observado). Uma
neiras, tal como levar uma xícara com café ação coordenada com destreza envolve
até a boca. Realizamos essa ação pratica- ambos, coordenação e controle, sendo que
mente todos os dias. Entretanto, nunca a um conjunto ótimo de valores é alcança-
trajetória do movimento será exatamente do nas variáveis a serem controladas. A
igual à do dia anterior. Situação bem simi- coordenação e o controle podem ser ma-
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 151
nipulados independentemente, de modo de redundantes na escolha de uma solu-
que a meta de uma ação pode ser alcan- ção eficiente. Mais recentemente, Latash
çada alterando um ou ambos os compo- (2000) questiona tal eliminação, pois para
nentes (Kugler; Kelso; Turvey, 1980). Além esse autor não é possível eliminar essas
disso, é possível observar e medir esses possibilidades. Isso significa dizer que não
dois componentes independentemente é possível ignorar elementos predispostos
(Kelso, 1982). e inerentes ao sistema, exceto se os elemen-
tos forem retirados deste. Então, a questão
que segue é para que servem as inúmeras
COORDENAÇÃO MOTORA: possibilidades de organização permitidas ao
DA REDUNDÂNCIA À ABUNDÂNCIA sistema? O próprio autor propõe o princí-
pio da abundância no controle dos graus
Escrever sobre coordenação e não de liberdade do sistema. A ideia da abun-
mencionar algumas ideias propostas por dância é a de que todos os elementos do
Bernstein (1967) é o mesmo que não dis- sistema participam de alguma forma da
cutir sobre coordenação. Para esse cien- atividade, isto é, da solução escolhida pelo
tista, a coordenação pode ser vista como sistema (Gelfand; Latash, 2002).
um processo que desafia o sistema em con-
trolar os muitos graus de liberdade resul-
tantes da ação dos inúmeros elementos
A ideia da abundância é a de que todos
individuais, tais como ossos, articulações
os elementos do sistema participam de
e músculos. Ou seja, como o indivíduo lida alguma forma da atividade, isto é, da
com as inúmeras possibilidades que o sis- solução escolhida pelo sistema (Gelfand;
tema musculoesquelético oferece para en- Latash, 2002).
contrar uma solução única a fim de exe-
cutar a ação e atingir a meta da tarefa.
Um construto teórico bastante útil para
entender a forma como o sistema reúne A flexibilidade é uma característica
temporariamente os vários elementos (i.e., que permite uma liberdade maior, para que
músculos e articulações) para expressar o indivíduo possa atuar de formas distin-
um movimento coordenado é o da sinergia tas mesmo quando a meta da tarefa é a
ou estrutura coordenativa. Mais precisa- mesma. Em outras palavras, o sistema
mente, Turvey, Shaw e Mace (1978) defi- motor humano pode recrutar diferentes
nem estrutura coordenativa como um gru- segmentos, músculos e articulações para
po de músculos que se estende sobre as alcançar uma mesma meta (Rose; Chris-
articulações e que é restrito a atuar como tina, 2006). Essa característica, por exem-
uma unidade. plo, nos permite produzir uma escrita le-
Muitos estudos (p. ex., Kelso, 1995) gível mesmo quando controlamos um lá-
têm enfatizado que o número excessivo de pis com uma parte do corpo não conven-
possibilidades de movimento inerentes ao cional, como a mão não dominante ou os
sistema é o problema central a ser resolvi- dedos dos pés. A flexibilidade do sistema
do por ele. Ainda, esse número excessivo pode também ser observada quando algum
pode ser visto como uma redundância do segmento corporal do indivíduo está imo-
sistema, pois não seria necessário disponi- bilizado por uma fratura ou apresenta pou-
bilizar tantas possibilidades, uma vez que ca funcionalidade em decorrência de uma
somente uma solução será utilizada. Sob lesão encefálica. A forma alternativa que
esse prisma, a coordenação é vista como o sistema encontra para se locomover ou
uma forma de eliminar graus de liberda- manipular objetos se deve à capacidade
152 Dante De Rose Jr. e colaboradores
Saída Chegada
1,80 m 9. Passagem
pelos obstáculos
1,40 m
1. Cambalhota para trás
altura
2m
0,50 m 8. Saltitar em
2. Cambalhota para a frente 6m torno do quadrado
2m
9 10
o
3. Rotação de 360
7 8
5 6
1m
3 4 7. Saltos cruzados
1 2
3m 0,40 m
4. Equilíbrio
1m
2m
5. Corrida em “oito”
(0,75 m de altura) 1m
2m 6. Deslocamento com
bola em zigue-zague
Bola 2 kg
Percurso do indivíduo
2m 2m
Figura 12.1 Modelo das relações dos componentes de desempenho esportivo no treinamento a
longo prazo.
Fonte: Adaptada de Martin e cols. (1999).
174 Dante De Rose Jr. e colaboradores
DETECÇÃO, FORMAÇÃO,
Os pressupostos relevantes para o de- SELEÇÃO E PROMOÇÃO
sempenho esportivo são: psíquico- DE TALENTOS ESPORTIVOS
-cognitivos, neuromusculares, orgânico-
-energéticos e constitucionais. Detecção, busca ou procura de talen-
tos esportivos são sinônimos utilizados na
especificação de todas as medidas e dos
meios utilizados, com o objetivo de detec-
As solicitações de desempenho são tar um número suficientemente grande de
alcançadas mediante treinamento e com- pessoas – em regra crianças e adolescen-
petições para crianças e jovens, idealmente tes –, as quais estão dispostas e prontas
por meio do alcance de objetivos bem- para a admissão em um programa de for-
-definidos no decorrer das diferentes eta- mação esportiva geral básica, o que é con-
pas do processo de TLP. Elas podem ser siderado como primeira etapa do TLP. Ten-
realizadas por meio da aplicação e do de- do em vista o caráter multifatorial e dinâ-
senvolvimento de diferentes habilidades e mico do desempenho esportivo, a possível
capacidades motoras, da solicitação dos exclusão de alguns indivíduos é conside-
pressupostos psíquicos, neuromusculares, rada um dos principais problemas da
orgânico-energéticos e da utilização de detecção de talentos esportivos, muitas
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 175
vezes limitando a geração de futuros atle-
tas (Abbott; Collins, 2002). A promoção é dependente de condições
adequadas de treinamento, com treina-
A formação de talentos esportivos
dores devidamente capacitados para tra-
visa a desenvolver todo o potencial espor- balhar no processo de TLP.
tivo dos jovens por meio do TLP. Para isso,
são necessários paciência e esforço por par-
te do praticante, métodos pedagógicos de
treinamento adequados e também apre-
sentação de sucessos competitivos no de- O TREINAMENTO A LONGO PRAZO
correr do processo, de forma gradativa e,
principalmente, sem “queimar” etapas do O treinamento a longo prazo, reali-
processo de treinamento. Isso significa zado de forma planejada e sistemática,
que, nas crianças, o resultado competitivo pode ser uma estratégia efetiva para o
não é um indicador confiável da qualida- aumento do número de envolvidos com o
de do treinamento. esporte como opção de lazer e prática de
Como seleção de talentos esportivos, atividades físicas, e desempenha papel pre-
entendem-se os meios utilizados para a de- ponderante na formação e na promoção
terminação dos indivíduos com condições dos talentos esportivos, auxiliando a for-
de serem admitidos/aceitos em níveis mais mação de futuras gerações de atletas.
altos de TLP, o qual objetiva um desempe- A prática esportiva mundial demons-
nho esportivo de alto nível. Quanto mais tra que o desempenho esportivo para o alto
cedo for realizado o processo de seleção, nível de rendimento só pode ser obtido
maior a probabilidade de erro. quando os seus fundamentos são desenvol-
vidos durante os períodos da infância e da
juventude, o que pressupõe o planejamen-
to sistemático de um TLP (Weineck, 1999).
Quanto mais cedo for realizado o pro-
cesso de seleção, maior a probabilidade
de erro.
O desempenho esportivo para o alto ní-
vel de rendimento só pode ser obtido
quando os seus fundamentos são desen-
volvidos durante os períodos da infância
e da juventude.
A promoção de talentos esportivos
envolve a utilização dos procedimentos de
treinamento e outras medidas para se ob-
ter o desempenho esportivo ideal a longo
prazo. A promoção é dependente de con- Dessa maneira, o treinamento para o
dições adequadas de treinamento, com esporte de alto nível fundamenta-se em um
treinadores devidamente capacitados para processo de treinamento a longo prazo (em
trabalhar no processo de TLP, além de di- média de 6 a 10 anos de duração, confor-
versos fatores psicossocioculturais, como me a modalidade esportiva), o qual, nor-
a motivação, as condições de acesso aos malmente, de acordo com a literatura
locais de treino, o apoio familiar, a valori- (Barbanti, 1997; Bompa, 2002; Carl, 1988;
zação cultural do esporte, a massificação, Joch, 2005; Martin et al., 1991, 1999;
entre outros. Weineck, 1999), é dividido em três níveis:
176 Dante De Rose Jr. e colaboradores
A formação básica geral deve ocorrer até Força, velocidade, resistência (e, para
aproximadamente os 10 anos de idade, alguns autores, flexibilidade) são as ca-
utilizando-se a maior variabilidade pos-
sível de movimentos e materiais.
pacidades motoras condicionais (Ré; Bar-
banti, 2006). Qualquer HM depende des-
sas variáveis para ser executada; por exem-
plo, saltar, correr, chutar, recepcionar, sa-
A execução correta de uma habilida- car, rebater, andar, equilibrar-se, etc. É
de motora (HM) depende da adequada necessário deixar claro que as capacida-
coordenação de movimentos corporais des motoras condicionais são altamente
para atingir determinado objetivo. Eviden- dependentes do sistema muscular e, por-
temente, para que esse movimento acon- tanto, apresentam maior treinabilidade a
teça, é necessária liberação de energia do partir do momento em que este atinge o
organismo, ou seja, a execução de HM padrão maduro, ao final da puberdade.
depende do metabolismo energético (aeró- As capacidades coordenativas são
bio, anaeróbio lático e/ou alático). Além determinadas essencialmente por compo-
da coordenação e do metabolismo energé- nentes nos quais predominam os proces-
tico, também é necessário destacar a in- sos de condução nervosa, organizando e
fluência da decisão correta sobre o movi- controlando o movimento. Em outras pa-
mento a ser executado, o que implica de- lavras, são dependentes de comandos emi-
cidir qual ação motora é mais adequada tidos pelo SNC. Em termos maturacionais,
em determinado contexto. o SNC apresenta uma rápida taxa de de-
Resumidamente, pode-se afirmar que senvolvimento, apresentando-se maduro
a execução de habilidades motoras relacio- por volta dos 10 anos de idade. Em virtu-
na-se com as capacidades motoras condi- de dessa rápida velocidade de desenvolvi-
cionais (dependentes da capacidade meta- mento, é adequado que a criança seja ex-
bólica de geração de energia), com as capa- posta a movimentos que exijam um eleva-
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 177
criança de um ano de idade, mas não apre-
Em termos maturacionais, o SNC apre- senta tal predominância em um adolescen-
senta uma rápida taxa de desenvolvimen-
te de 15 anos – apesar de a tarefa ser a
to, apresentando-se maduro por volta
dos 10 anos de idade. mesma, a estrutura do indivíduo faz com
que a predominância seja diferente; en-
tender o contexto tático de um jogo talvez
não seja um grande desafio cognitivo para
do grau de organização e controle (coor- um atleta profissional, mas a mesma situa-
denação). ção pode exigir uma grande participação
Somando-se a esses fatores, as habi- cognitiva em um jovem de 10 anos.
lidades motoras devem ser executadas em Durante a fase básica geral, a crian-
resposta a determinada solicitação, ou seja, ça passa por um período adequado de ex-
existe a necessidade de decidir qual movi- posição a tarefas com predominância
mento deve ser realizado e o momento coordenativa, uma vez que apresenta uma
correto de realizá-lo (“o que fazer” e rápida taxa de desenvolvimento do SNC.
“quando fazer”, respectivamente). Utili- Do mesmo modo, a solução de problemas
zando o voleibol como exemplo, observa- motores (desafio cognitivo) induz a crian-
se que o ataque pode ser executado com ça a “pensar” antes de executar determina-
uma cortada ou uma “largada”, com o do movimento, evitando sua “mecaniza-
movimento mais ou menos acelerado, em ção” e estimulando a integração cognição-
determinada região da quadra adversária, ação. Portanto, é muito importante que,
ou ainda “explorando” o bloqueio, etc. desde o nascimento até os 10 anos de ida-
Portanto, fica evidente que a execução de, ocorra uma ampla exposição a habili-
motora (técnica) correta não necessaria- dades motoras que priorizem os aspectos
mente terá sucesso se o processo de toma- coordenativo e cognitivo. Idealmente, essa
da de decisão não for adequado. Assim, o exposição deve ser proporcionada não ape-
sucesso na execução de determinada HM nas pelo treinamento formal, mas também
depende da ótima integração das capaci- por outros setores da sociedade, como a
dades motoras condicionais, coordenativas família. A escola, por meio da educação
e do conhecimento cognitivo. física, ocupa um espaço privilegiado e pode
desempenhar um papel fundamental den-
tro desse contexto formativo.
O sucesso na execução de determinada
HM depende da ótima integração das
capacidades motoras condicionais, coor- A solução de problemas motores (desa-
denativas e do conhecimento cognitivo. fio cognitivo) induz a criança a “pensar”
antes de executar determinado movimen-
to, evitando sua “mecanização” e esti-
mulando a integração cognição-ação.
A integração desses fatores deve ser
considerada durante o processo de TLP,
pois não existe nenhuma HM que depen-
da apenas de um fator isolado. Todavia, Treinamento específico
as habilidades motoras podem apresentar
uma predominância de determinado fator. Essa etapa engloba a faixa etária
Por exemplo, caminhar tem importante aproximada de 11 a 16 anos de idade. Tem
predominância coordenativa em uma por objetivos gerais a melhoria planejada
178 Dante De Rose Jr. e colaboradores
Objetivos:
Treinamento de alto nível
melhorar o desempenho esportivo es-
Essa fase (a partir dos 17 anos) tem
pecífico da modalidade;
por objetivos gerais o alcance do alto de-
dominar as técnicas mais importantes
sempenho individual; o aumento otimi-
do esporte;
zado do volume e da intensidade de trei-
conhecer os métodos de treinamento
namento; a perfeição, a estabilização e a
específicos do esporte;
disponibilidade máxima da técnica espor-
iniciar a participação em competições
tiva; a melhoria e a manutenção da mais
visando à vitória, porém o resultado
alta capacidade de desempenho pelo maior
ainda não deve ser utilizado como úni-
período de tempo possível. O treinamen-
co meio de avaliação do processo de
to deve ter total relação com a especifi-
treinamento.
cidade da modalidade.
Durante essa etapa, o treinamento As formas de planejamento de TLP,
das capacidades condicionais deve ocupar com as possibilidades de objetivos, de con-
um lugar de destaque; porém elas devem teúdos e de métodos de treinamento de
ser treinadas de modo indireto, com tare- cada componente da capacidade de de-
fas que exijam elevada participação de sempenho esportivo almejado, são descri-
aspectos coordenativos e cognitivos. O trei- tos na literatura (Bompa, 2002; Carl, 1988;
namento deve ter elevada relação com a Joch, 2005; Martin et al., 1999; Weineck,
especificidade da modalidade. 1999).
Clubes • Histórico da
capacidade de
desempenho Treinamento 5a6
esportivo (testes, infanto-juvenil anos
desempenho
competitivo)
Escola • Capacidade de
desempenho Área de iniciação 3 anos
esportivo geral
• Interesses
TABELA 12.1 Idades médias de início do treinamento e início dos melhores resultados de atletas
alemães (adaptada de Martin et al., 1991)
Masculino Feminino
O ser humano passa de uma postura hori- meta motora. As funções do controle
zontal para uma vertical nos primeiros 12 postural são equilíbrio, suporte do peso e
meses de vida. Essa alteração exemplifica estabilização (Rothwell, 1994). A princi-
o desenvolvimento motor, que é um pro- pal forma de equilíbrio é o controle da
cesso temporal no qual o comportamento postura ereta. Esse controle usa informa-
motor de uma pessoa se modifica, e que ções sobre a posição do centro de massa
ocorre pela interação das exigências da do corpo (COM) (Horstmann; Dietz,
tarefa, do organismo individual e das con- 1990), com base nas informações senso-
dições ambientais (Gallahue; Ozmun, riais para relatar e reconhecer a posição e
2003). o movimento de cada parte do corpo
Uma ação motora envolve um con- (Mochizuki, 2002). O monitoramento in-
junto de posturas e movimentos para rea- dica quando é necessário alterar a postu-
lizar uma tarefa e atingir uma meta. Logo, ra. O controle do equilíbrio se dá por meio
a ação motora depende do controle de mo- do equilíbrio estático e dinâmico. No equi-
vimentos e da postura. A sinergia é a ação líbrio estático, o corpo permanece parado
integrada de elementos motores (grupos sobre a base de apoio, enquanto no equilí-
musculares, músculos, articulações e seg- brio dinâmico partes do corpo se movimen-
mentos corporais) para a execução de uma tam. O objetivo básico do equilíbrio é man-
ter a posição horizontal do COM dentro
da base de apoio.
A estabilidade postural permite que
Uma ação motora envolve um conjunto segmentos do corpo permaneçam estáveis
de posturas e movimentos para realizar enquanto ocorre o movimento focal. A es-
uma tarefa e atingir uma meta. Logo, a tabilidade postural é provida pelos ajus-
ação motora depende do controle de
tes posturais realizados antes do início do
movimentos e da postura. A sinergia é a
ação integrada de elementos motores movimento focal (ajuste postural anteci-
(grupos musculares, músculos, articula- patório, APA) e por aqueles realizados de-
ções e segmentos corporais) para a exe- pois do início desse movimento (ajuste
cução de uma meta motora. postural compensatório, APC). Logo, o
controle postural envolve a capacidade de
186 Dante De Rose Jr. e colaboradores
tipos de locomoção que as crianças exi- nuem (Tachdjian, 1995; Rose; Gamble,
bem são rastejar com o tronco no chão, 1998). O equilíbrio é desenvolvido para
engatinhar com padrão simétrico e não compensar a transferência de peso de um
alternado dos membros inferiores, balan- apoio para outro e para reagir a situações
çar para a frente e para trás na posição de inesperadas do ambiente.
engatinhar alto e engatinhar em um pa- Quando a postura ereta se torna mais
drão transversal (alternando os movimen- estável, mais a base de apoio pode ser re-
tos dos membros). A criança pode come- duzida, sem prejuízo no equilíbrio, permi-
çar a andar sem nunca ter passado pelo tindo maior mobilidade e capacidade do
estágio do rastejar e engatinhar, sem com- controle postural em situações que amea-
prometer seu desenvolvimento motor e çam a estabilidade, e experimenta-se o APA
cognitivo. no apoio e na oscilação da perna para o
Uma criança com 1 ano de idade ini- próximo passo. Assim, o desenvolvimento
cia a marcha com base alargada, quadris e do padrão da locomoção avançada é
joelhos hiperfletidos, braços mantidos em gradativo (Woollacott; Assaiante, 2002;
extensão e abdução e movimentos abrup- Haywood; Getchell, 2004) e contém mar-
tos. O padrão dessa marcha é chamado cos motores (Tabela 13.1).
toddler. Com o amadurecimento do siste- Com 2 anos de idade, uma criança
ma nervoso central (SNC) e dos múscu- mantém o equilíbrio ao caminhar rápido
los, a largura da base diminui. Surge o com forte ativação de todos os músculos
balanço recíproco dos membros superio- dos membros inferiores (sendo maior para
res, o aumento do comprimento do passo os músculos extensores) e com grande
e da velocidade da marcha e a inconsis- grau de coativação muscular (Berger et
tência nos parâmetros temporais muscu- al., 1995). A organização da estabilização
lares e a variabilidade da marcha dimi- corporal nessa idade é proximal-distal;
Rotação pélvica e inclinação da coxa de apoio para avançar o outro membro inferior 13 meses
Flexão de joelho no apoio médio 16 meses
Contato do pé com a base de apoio na largura do tronco 17 meses
Sincronização do balanço dos braços e apoio do pé no padrão calcanhar-ponta do pé 18 meses
Aumento gradativo do tempo em que um pé sustenta o peso enquanto o outro 1-2 anos
pé balança
Aumento da velocidade da passada 1-3 anos
Melhoria no ritmo e coordenação do andar Até os 5 anos
Amadurecimento do padrão rítmico de ativação dos músculos do membro inferior A partir dos
Habilidade de reagir efetivamente a perturbações durante a locomoção 4-5 anos
Aprimoramento da estabilização da cabeça A partir dos
6-7 anos
Aumento do comprimento da passada devido à maior amplitude de movimento Até a adolescência
do quadril, joelho e tornozelo, e ao aumento do comprimento das pernas
Fonte: Adaptada de Assaiante e Amblard (1996); Assaiante; Woollacott e Amblard (2000); Haywood e Getchell (2004);
Woollacot e Assaiante (2002).
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 189
porém, quando o equilíbrio é ameaçado, Amblard, 1996). A posição da cabeça é
ela passa a ter uma estratégia de organi- uma referência para a estabilização do cor-
zação em bloco (Assaiante et al., 2005). po na locomoção, e seu controle se dá a
A partir dos 4 ou 5 anos de idade, o partir de informações da visão. A visão tem
aperfeiçoamento dos marcos motores (Ta- grande importância na locomoção duran-
bela 13.1) e o desenvolvimento da força te a infância (Grasso et al., 1998). Até os
muscular e de controle postural promovem 7 anos, a criança se organiza no espaço de
o desenvolvimento da locomoção, levan- maneira egocêntrica e, após essa idade, ela
do a criança a deixar de se mover no pa- já começa a ser capaz de organizar o cor-
drão “em bloco” para o padrão articulado, po e os movimentos a partir do ambiente
no qual os segmentos têm um controle in- externo, ou seja, com melhor organização
dependente (Assaiante, 1998). Finalmen- espacial, até que, com cerca de 10 anos, já
te, aos 7 anos, ela é capaz de estabilizar a apresenta comportamentos antecipatórios
cabeça, os ombros e a pelve em situações (Vallis; McFadyen, 2005).
de instabilidade e de controlar suas arti- As principais diferenças do andar de
culações independentemente (Assaiante et uma criança em fase inicial de desenvolvi-
al., 2005). mento e um adulto estão na Tabela 13.2.
Crianças no início do andar indepen- Os fatores para a desestabilização das crian-
dente não mostram domínio das rotações ças de 1 a 4 anos são o aumento da oscila-
articulares e de suas consequências para o ção horizontal do tronco e da perna de ba-
movimento nos diferentes planos de mo- lanço, o padrão de coativação dos múscu-
vimento (Holt et al., 2006). Assim, o pa- los agonistas e antagonistas do joelho e do
drão de aceleração angular do COM apre- tornozelo e o aumento da força de reação
senta grande variabilidade de intensidade ao solo no primeiro passo. As crianças não
e tempo. separam as partes do corpo para fazer o
A oscilação do tronco e da cabeça ajuste da trajetória (Vallis; McFadyen,
afeta o equilíbrio na infância (Assaiante; 2005), são mais dependentes da visão para
Mudar de direção Cabeça, tronco e COM movimen- Antecipação visual por meio da
durante o andar tam-se em bloco rotação da cabeça em relação à
mudança de trajetória do COM
Andar no escuro Redução 40% maior que o adulto Redução da velocidade do andar
na velocidade do andar no claro para o escuro
Fonte: Adaptada de Vallis e McFadyen (2005); Grasso e cols. (1998); Assaiante (1998).
190 Dante De Rose Jr. e colaboradores
LESÕES E ALTERAÇÕES
OSTEOMUSCULARES NA CRIANÇA
E NO ADOLESCENTE ATLETA
14
Victor Matsudo
Lesões articulares
Não confundir entorse com luxação.
A dor na criança deve ser sempre va-
lorizada, especialmente nas articulações.
Lesões ósseas
A dor na criança deve ser sempre valori-
zada, especialmente nas articulações.
a) Fraturas incompletas: são as mais típi-
cas entre as fraturas que acontecem em
crianças, algumas chamadas de “fratu-
ras em galho-verde”, pois radiologica-
mente parecem não comprometer a
a) Entorse: definida como um estresse so- área cortical de forma completa, lem-
bre os ligamentos de uma articulação, brando um galho verde quebrado. Po-
sem levar à perda da congruência arti- dem mostrar o resultado de uma gran-
cular. Pode ser classificada como: leve, de força de compressão, quando se de-
quando não ocorre solução de conti- nominam “fratura por impacção”. Nor-
nuidade; moderada, quando ocorre malmente, atingem o antebraço, com-
rotura parcial do ligamento; grave, prometendo o rádio e/ou a ulna.
202 Dante De Rose Jr. e colaboradores
b) Fraturas completas: nessa faixa etária, e) Fratura exposta: quando o foco da fra-
acometem mais os membros superio- tura tiver contato perfurante com a
res, mesmo em um país do futebol, o pele, mesmo que transitoriamente, te-
que de certa maneira denota que, pa- mos um dos casos mais delicados de
radoxalmente, apesar dos longos pe- manejo: a fratura exposta. É uma “ur-
ríodos de treinamento, não se inclui um gência urgentíssima”, na qual a ênfase
cuidado com o exercício no sentido de nos primeiros socorros deve ser na re-
“saber cair”. Os ossos dos antebraços, dução das chances de infecção, e não
dos cotovelos, dos dedos e dos braços em qualquer tentativa de redução da
são os mais atingidos, vindo a seguir o fratura. Assim, cubra imediatamente a
tornozelo e, menos frequentemente, as lesão e não tente “colocar o osso no
pernas e as coxas. Como comprometem lugar” ou “limpar uma sujeirinha”; en-
mais os membros superiores, é funda- caminhe a criança ou o adolescente
mental que se observem sinais de vas- imediatamente para um serviço de
cularização e inervação adequados, emergência ortopédica, pois a osteo-
pois nessa idade e nessa região podem mielite poderá ser uma das complica-
acontecer compressões vasculares ou ções mais sérias.
nervosas em consequência da fratura.
A mais temível de todas é a síndrome No caso de fratura, não se deve ten-
de Volkmann, que pode acontecer como tar colocar o osso no lugar. As consequên-
sequela de fratura de cotovelo. Sendo cias podem ser maiores do que a lesão ori-
uma urgência, requerem que o profis- ginal.
sional tenha conhecimento dos princí-
pios de imobilização provisória e pres-
teza nas ações necessárias de transporte
ao pronto-socorro, assim como na no- No caso de fratura, não se deve tentar
tificação de familiares desses menores. colocar o osso no lugar. As consequên-
São lesões que vão requerer um trata- cias podem ser maiores do que a lesão
mento mais prolongado, em que a rea- original.
bilitação merece um cuidado todo es-
pecial para que a criança retorne à prá-
tica esportiva recuperada física e emo-
cionalmente.
c) Fratura epifisária: nessa faixa etária, é Lesões nervosas
bom lembrar que em algumas ocasiões
a fratura pode comprometer a linha de Felizmente, não são lesões frequen-
crescimento, podendo levar a deformi- tes nesse grupo etário, e as que merecem
dades nos casos de evolução mais ne- atenção podem ser divididas em:
gativa, exigindo, assim, um maior cui-
dado desde o diagnóstico até o retorno a) Periféricas: podem corresponder a ape-
à prática esportiva. nas uma compressão nervosa (neuro-
d) Fratura-escorregamento epifisário: um praxia) até uma secção parcial (axo-
caso especial é o que pode acontecer notmese) ou total (axotomia) da fibra
na epífise proximal do fêmur, princi- nervosa.
palmente entre adolescentes acima do b) Centrais: têm na concussão cerebral seu
peso, que recebe o nome de epifisiólise, caso mais grave, em que o trauma na
situação que deve ser acompanhada por caixa craniana pode levar a uma perda
um ortopedista. da consciência momentânea ou prolon-
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 203
gada e, nos casos mais sérios, até a entre os profissionais da saúde, é rara nos
morte, fato muito raro, mas que res- primeiros anos da infância e aumenta sua
salta a importância do uso de capace- prevalência a partir da pré-puberdade, al-
tes nos esportes com maior risco, como cançando picos na adolescência. O dano à
o ciclismo, o esqueitismo, o automobi- estética nessa época é muito maior do que
lismo e mesmo a aparentemente ino- as queixas dolorosas, que, quando presen-
cente patinação. tes, geralmente representam um caso com
maior gravidade. Embora presente nos
dois sexos, no feminino costuma ser atri-
ALTERAÇÕES POSTURAIS buída a uma má adaptação ao novo es-
quema corporal, em virtude do rápido de-
As alterações posturais podem ser senvolvimento mamário, que resultaria em
classificadas em: uma posição de defesa; à postura na leitu-
ra em carteiras escolares não apropriadas;
a) coluna vertebral: hipercifose dorsal, à postura dos pais, ou mesmo a atitudes
hiperlordose lombar, escoliose toraco- de ídolos desses teenagers. No caso dos
lombar, espondilólise/espondilolistese; meninos, o crescimento rápido e de maior
b) quadril: anteversão, retroversão; dimensão em altura poderia gerar uma
c) joelhos: geno valgo, geno varo, joelho maior dificuldade de adaptação ao novo
recurvado; esquema corporal, como também, no ima-
d) pés: plano, cavo, hálux valgo; ginário, uma negação dessa nova e difícil
e) assimetrias. fase da vida, buscando uma postura de me-
nor estatura, mais próxima à fase infantil.
Evidentemente, existe um componen-
Coluna vertebral te genético que pode ser mais ou menos
intenso, mas, dos desvios posturais aqui
A coluna vertebral é sede das quei- mencionados, o “dorso curvo” é talvez o
xas dolorosas mais frequentes em ambu- mais reversível, desde que diagnosticado
latórios médicos. No entanto, grande par- precocemente e submetido a uma adequa-
te desses problemas começa na infância da terapia. O tratamento deve envolver o
ou na adolescência, quando o professor de fortalecimento dos músculos paravertebrais
educação física tem contato muito mais dorsais e o alongamento dos peitorais e
constante com os alunos, devendo assim isquiotibiais, que pode ser obtido por exer-
estar atento a um diagnóstico precoce; até cícios tradicionais na piscina, mediante o
porque muitas das alterações têm caráter estilo de nado de costas ou a hidroterapia.
progressivo, ou seja, pioram com o cresci- Nos casos em que socialmente seja possí-
mento da criança. Assim, uma pequena vel, podem-se usar técnicas de RPG (reedu-
alteração aos sete anos pode ser bem gra- cação postural global), GDS (global dynamic
ve aos 10 ou 11 anos de idade. stretching), iso-stretching ou Pilates, entre
outras. Nas situações mais graves, podem
ser necessários coletes, imobilizações gessa-
Hipercifose dorsal das e até mesmo cirurgia corretiva.
cerbação da região glútea, pode ser inter- caso, bem mais grave. Na maioria das ve-
pretada, principalmente em nosso meio, zes, o quadro se torna mais visível a partir
como uma grande “qualidade” da gracio- da fase escolar e, principalmente, na peri-
sa menina que, no entanto, poderá ter sé- puberdade, quando o crescimento rápido
rias consequências. Em algumas modali- pode imprimir o temível caráter progres-
dades, como na ginástica olímpica ou ar- sivo da enfermidade. Em pouco tempo, às
tística, chega a ser pré-requisito para faci- vezes meses, uma escoliose leve pode tor-
litar maior pontuação. Existe evidentemen- nar-se moderada e, em seguida, passar a
te um forte fator genético por trás dessa intensa, necessitando, portanto, de espe-
deformidade, mas o atual estado de valo- cial atenção dos profissionais da área. Es-
res em nossa cultura tem valorizado ina- ses profissionais provavelmente são os
dequadamente os glúteos mais pronun- mais indicados para fazer o primeiro diag-
ciados, principalmente em meninas, muitas nóstico ou pelo menos levantar a suspei-
vezes obtidos por acentuação da lordose ta, uma vez que nesse período as crianças
lombar. Essa posição não trará, em um nem sempre estão despidas em frente aos
primeiro momento, maiores problemas, pais e nem sempre estes prestam atenção
mas pode representar a porta de entrada a essas alterações. O bom exame inicial
de um maior risco de espondilólise ou poderá evitar o dissabor de, pelo caráter
espondilolistese ainda nessa faixa etária e, evolutivo da enfermidade, atribuir-se ao
a longo prazo, de hérnia de disco, ar- programa de exercícios a causa da defor-
tritismo e finalmente artrose da região. Por midade. A simples observação da coluna,
isso merece ser tratada o mais precocemen- anterior e posteriormente, pode fornecer
te, indicando-se o alongamento de para- os elementos para o diagnóstico, sendo que
vertebrais lombares e iliopsoas, assim co- o uso de um quadro quadriculado (estadiô-
mo dos isquiotibiais. Hidroterapia, RPG, metro) pode facilitar essa tarefa, além do
GDS, Pilates e iso-stretching poderão enri- chamado triângulo do talhe, formado pela
quecer a abordagem, mas dependem das borda interna dos braços e antebraços e
condições especiais da família e da região pela borda lateral do tronco. Completa-se
de moradia. a avaliação com a realização do chamado
teste de um minuto, com o jovem atleta
em flexão do tronco de aproximadamente
Escoliose toracolombar 70 a 90o, ficando o avaliador postado an-
terior ou posteriormente, tentando deter-
O desvio laterolateral da coluna ver- minar assimetrias principalmente de mús-
tebral é chamado de escoliose, denomina- culos paravertebrais, da caixa torácica, as-
ção dada por lembrar a forma da letra S. sim como angulações da coluna. Tanto nos
Quando esse desvio é acompanhado de um casos diagnosticados como nos suspeitos,
desvio rotacional, temos o quadro deno- deve-se encaminhar a criança ou o ado-
minado escoliose verdadeira. A primeira lescente para o ortopedista, que é o pro-
pode ser consequência de um simples en- fissional que poderá não só monitorar o
curtamento de um dos membros inferio- tratamento, mas também indicar a possi-
res, problema bem mais frequente do que bilidade de prática esportiva concomitan-
se imaginava, e que é abordado em outra te. Nos casos leves e estáveis, a participa-
parte deste capítulo. A segunda tem ção será permitida e, em algumas modali-
etiologia idiopática, com forte tendência dades, como a natação, até estimulada.
hereditária, comprometendo pouco mais Nos casos moderados, a supervisão médi-
meninas que meninos. Pode surgir desde ca será fundamental, enquanto nos casos
os primeiros anos de vida, sendo, nesse graves ou instáveis, de evolução progres-
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 205
siva, o mais prudente é a observação, man- ser leve (grau I), moderada (II), grave (III)
tendo-se o jovem atleta afastado do espor- ou gravíssima (IV). Embora possa ocorrer
te mais intenso por alguns meses. Ressal- em toda a coluna, compromete mais fre-
te-se que isso não significa que ele não po- quentemente a transição entre as vértebras
derá tomar parte em atividades modera- L5-S1 e L4-L5. A manifestação clínica de
das, com menor sobrecarga na região da dor não é tão comum, podendo se iniciar
coluna, estando ainda mais indicado nes- principalmente no final da puberdade e
ses casos o trabalho em meio líquido, par- início da adolescência. O diagnóstico não
ticularmente a hidroterapia. Via de regra, é tão difícil, obtido em geral por radio-
a ginástica corretiva, em que as técnicas de grafia simples, mas a etiologia envolve
RPG, GDS, Pilates e iso-stretching têm tido grande controvérsia, tendo de um lado
bons resultados, deve ser indicada a partir aqueles que apontam sua origem congê-
do momento em que a criança pode cola- nita e de outro os que sustentam ser uma
borar mais com o terapeuta, o que, na prá- fratura de estresse, decorrente de micro-
tica clínica, se observa a partir dos 10 anos traumas de repetição. Essa última hipóte-
de idade. Caminhar, dançar ou pedalar de se se sustenta também pelas modalidades
forma recreativa podem ser opções precio- esportivas em que o problema é mais pre-
sas não para a correção da deformidade, valente: ginástica olímpica, balé, hipismo
mas para a manutenção da aptidão física e esportes coletivos que envolvem mais
e da saúde como um todo. Em outras pala- saltos, como o voleibol. Por isso, se reco-
vras, o portador de escoliose grave não pode menda a suspensão total desses esportes
ser considerado, como no passado, um con- até que os controles radiológicos demons-
denado à inatividade física. Nos casos mais trem estabilidade por pelo menos seis
graves, coletes podem ser tentados. Além meses a dois anos. Trabalho de alongamen-
disso, podem ser necessárias cirurgias, que, to de paravertebrais lombares, hidrotera-
pela complexidade, riscos e custos, refor- pia, GDS, iso-stretching, Pilates e RPG es-
çam ainda mais a necessidade de medidas tão indicados mesmo em idade infantil,
preventivas. A escoliose tem que ser monito- sendo que, nos casos mais graves, coletes
rada, pois a leve de hoje pode ser a grave e mesmo cirurgia poderão ser necessários,
de amanhã. mostrando assim a importância da ação
preventiva do profissional de ciências do
esporte.
A escoliose tem que ser monitorada, pois a
leve de hoje pode ser a grave de amanhã.
Quadril
tação interna do quadril associado a uma para aqueles que tiverem condições eco-
diminuição da rotação externa, o que con- nômicas apropriadas.
fere aos pés uma posição peculiar em que
a parte anterior volta-se internamente,
principalmente ao caminhar e, de forma Joelhos
mais acentuada, ao correr. Por essa situa-
ção de maior expressão durante atividade Sem dúvida, essa articulação é a que
física, é o profissional de ciências do es- mais recebe atenção em estudos ortopédi-
porte que muitas vezes detecta essa ano- cos ou traumatológicos, pela complexida-
malia e/ou deveria estar atento a ela, prin- de de sua estrutura e alta prevalência de
cipalmente entre crianças, nas quais o fe- micro e macrolesões que a comprometem.
nômeno é mais frequente. É fundamental
a recomendação de não dormir em
decúbito ventral e a utilização de palmilhas Geno valgo
para acomodação biomecânica mais anatô-
mica e correção parcial ou total, que pode “Joelho em X”, como a população se
ser obtida se as medidas forem tomadas refere ao joelho (genu) valgo, é o afasta-
precocemente. Exercícios de rotação ex- mento das pernas em relação ao eixo prin-
terna, como os típicos do balé (para meni- cipal do corpo, problema mais prevalente
nas) e do artista Chaplin (para meninos), entre meninas, que pode ser nos casos le-
têm sua função, sendo que a RPG tem co- ves e na criança considerado fisiológico,
laborado efetivamente, podendo ser uma mas que nos casos mais intensos e na ado-
alternativa importante, porém ainda de lescência tem implicação direta na aptidão
alto custo. antropométrica e neuromotora, particular-
mente na adiposidade e na velocidade de
corrida de 50 m, como revelado em estu-
Retroversão de quadril dos recentes no Laboratório de Aptidão Fí-
sica de São Caetano do Sul (CELAFISCS).
O aumento da rotação externa do O diagnóstico pode ser determinado pelo
quadril, associado com uma diminuição da aumento do ângulo Q, mas, na prática, o
rotação interna, confere aos pés uma po- mais fácil é observar a medida da distân-
sição em que a parte anterior fica voltada cia intermaleolar (distância em cm entre
para fora, correspondendo ao que a popu- os dois maléolos mediais dos tornozelos,
lação costuma chamar de “dez para as com a criança em posição ortostática). O
duas”, porque os pés ficariam na posição uso de palmilhas tem um efeito na corre-
correspondente à dos ponteiros do reló- ção de muitos casos e, mais relevante ain-
gio nesse horário. Como no caso da an- da, na compensação do desalinhamento da
teversão, também se acentua clinicamen- articulação do joelho, responsável pela di-
te, embora de forma um pouco menos in- minuição do espaço interarticular, que
tensa, com a marcha e principalmente a poderá levar à sintomatologia dolorosa
corrida. Nesse caso, não é recomendado o (sinovite), acompanhada ou não de lesão
decúbito dorsal ao dormir, sendo que pal-
milhas para a acomodação biomecânica,
correção parcial ou mesmo total devem ser
indicadas o mais precocemente possível.
Exercícios de rotação interna, como os rea- O joelho valgo prejudica a velocidade dos
lizados na natação no estilo crawl, devem adolescentes.
ser recomendados, assim como a RPG,
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 207
meniscal, ligamentar ou cartilaginosa te, fato que merecerá mais estudos. Um
(condromalacia). É mais comum em pra- pouco de varo poderá ajudar na agilidade.
ticantes de basquetebol e entre nadado-
ras. O joelho valgo prejudica a velocidade
dos adolescentes.
Joelho recurvado
ção cirúrgica, na maioria das vezes, o uso por atividade esportiva excessiva, ou ain-
de palmilhas ortopédicas parece acomo- da pelo uso de calçados que comprimem
dar (na adolescência) ou até corrigir (prin- o antepé. A utilização de carretel ou de
cipalmente na infância) adequadamente tutores noturnos, associado a exercícios de
essa alteração ortopédica, a qual já foi usa- abdução passiva e ativa do hálux, com o
da como justificativa de exclusão do ser- uso de calçados confortáveis e que não
viço militar. A combinação entre o uso de comprimam o antepé, propiciará o melhor
palmilhas e exercícios parece ser a melhor resultado no tratamento dessa deformida-
conduta na maioria dos casos leves e mo- de, reservando-se a cirurgia para quadros
derados. álgicos mais intensos ou de estética total-
mente comprometida.
Cavos
Assimetrias (encurtamentos
Também conhecida por “pé alto”, a de membro inferior)
exacerbação do arco do pé, além de ser
considerada por alguns como motivo de Um dos problemas mais frequentes
beleza, poderia dar certas vantagens de e, infelizmente, pouco valorizado é a
performance esportiva, particularmente assimetria de membros inferiores; ou seja,
nos eventos que exigissem velocidade em por motivos genéticos ou ambientais, o
terra (como em corridas de curta distân- fêmur e/ou o conjunto tíbia-fíbula apre-
cia) ou ainda nos movimentos do salto sentam diferenças no seu comprimento.
(como na ginástica olímpica e no basque- Essa diferença pode passar despercebida
tebol). No entanto, a queda progressiva do por toda a infância e mesmo pela adoles-
arco anterior que acompanha essa afecção cência. No entanto, como nessa última fase
implicará dor, principalmente, na projeção o crescimento dos segmentos apendicu-
da cabeça dos metatarsianos, clinicamen- lares é mais rápido, o problema pode exa-
te conhecida como “metatarsalgia”, que na cerbar-se, resultando assim em um qua-
maioria das vezes é acompanhada de dro clínico mais claro. Essas assimetrias po-
calosidades nas plantas dos pés e mesmo dem criar forças de cisalhamento que com-
no dorso dos artelhos. O uso de palmilhas, prometem as estruturas próximas e mes-
combinado com procedimentos fisiotera- mo as mais distantes do corpo. Muitas des-
pêuticos nas fases agudas do problema, é sas alterações, com exceção do aspecto es-
o procedimento com maior sucesso; a ci- tético, passam despercebidas durante mui-
rurgia raramente é indicada, mesmo nos to tempo, pois sua repercussão nociva para
casos mais graves. os tecidos pode levar anos ou mesmo dé-
cadas. Por isso é fundamental o diagnósti-
co precoce que permita o monitoramento,
Hálux valgo a compensação com órteses (palmilhas) ou
mesmo a cirurgia, nos casos mais graves.
Conhecido pela população como “joa- Esse último procedimento é bem mais raro
nete”, corresponde a uma valgização (des- na prática esportiva, principalmente de
vio látero-externo) do hálux em relação alto rendimento, com exceção daqueles
ao primeiro metatarsiano, que confere ao atletas envolvidos em programas para gru-
pé um aspecto de pouca estética e, na pos especiais.
maioria dos casos, incomoda até mais que Assim, são os casos de assimetrias
a dor que pode instalar-se progressivamen- leves e moderadas que merecem a maior
te com o passar dos anos e/ou a provocada atenção dos profissionais de ciências do
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 209
esporte. De forma prática, diferenças me- forma contínua ou acumulada, como pre-
nores que 0,5 cm poderiam ser despreza- coniza o Programa Agita São Paulo, o
das, ou pelo menos consideradas dentro American College of Sports Medicine, o
das diferenças naturais entre os dois hemi- CDC e a American Heart Association. Para
corpos. Diferenças de 0,5 a 2 cm poderiam crianças e adolescentes, a duração deve-
ser facilmente compensadas com o uso de ria ser de pelo menos 60 minutos de ativi-
palmilhas e/ou saltos. As de 2 a 4 cm pre- dade física moderada, sendo recomendá-
cisariam de um acompanhamento mais ri- vel também que se envolvam em ativida-
goroso, sendo a cirurgia em geral indicada des vigorosas, durante 20 minutos, duas
para diferenças superiores a 4 cm. ou três vezes por semana.
O diagnóstico é realizado a partir do
exame clínico-ortopédico, com a determi-
nação do comprimento real e aparente dos LEITURAS COMPLEMENTARES
membros inferiores e, posteriormente, con-
firmado com o auxílio de uma escanome- CARVALHO, C. S.; MATSUDO, V. K. R.; MATSUDO,
tria de membros inferiores. S. M. M. Intercorrências de saúde em atletas de alto
nível de ginástica aeróbica de competição. Rev. Bras.
Muitas vezes, pais e filhos ficam na Ortop., v. 30, p. 735-740, 1995.
dúvida se é necessário o uso de palmilhas CELAFISCS. Isto é agita São Paulo. São Paulo, 2002.
também durante a prática esportiva. Evi- GARCIA, N. et al. Relação entre a aptidão física e
dentemente que a resposta é sim, princi- geno valgo em crianças e adolescentes (Ilhabela-
palmente naqueles esportes realizados em -SP). In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS
posição ortostática. DO ESPORTE, 23., 2000. Anais... [São Paulo :
CELAFISCS, 2000]. p. 142.
HASKELL, W. L. et al. Physical activity and public
health updated recommendation for adults from the
CONSIDERAÇÕES FINAIS American College of Sports Medicine and the Ame-
rican Heart Association. Circulation, v. 116, p. 1081-
Como mencionado no início deste ca- 1093, 2007.
pítulo, esperamos que os conhecimentos MATSUDO, V. K. R. Características epidemiológicas
aqui apresentados sejam um instrumento e ortopédicas do trauma esportivo. Rev. Bras. Med.
Esporte, v. 3, p. 41-43, 1975.
útil não para o afastamento, mas para a
inclusão de crianças e adolescentes na prá- –––––––––– . Espondilolise e esporte. Rev. Bras. Cien.
Mov., v. 4, p. 63-64, 1990.
tica regular de atividade física.
–––––––––– . Lesões osteomusculares e a prática da ae-
As evidências epidemiológicas que róbica. Rev. Bras. Cien. Mov., v. 4, p. 62-70, 1990.
consideram a relação custo (risco)/bene- MEJIA, C. G. et al. Incidência de alterações posturais
fício permitem concluir que qualquer pes- em escolares de ambos os sexos de 10-14 anos. In:
soa deveria acumular pelo menos 30 mi- BIENAL DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 1989, São
nutos de atividade física diária de intensi- Paulo. Anais... São Caetano do Sul: Celafiscs, 1989.
p. 33.
dade moderada na maioria dos dias da
OLIVEIRA, A. C. et al. Relação entre geno varo e
semana (cinco dias), se possível todos, de aptidão física em crianças e adolescentes. Rev. Bras.
Cien. Mov., v. 14, p. 149, 2006. Suplemento Especial.
OROZCO, G. P. O. et al. Incidência das alterações
posturais por nível socioeconômico em escolares do
Para crianças e adolescentes, a duração sexo feminino de 10-14 anos. In: BIENAL DE CIÊN-
deveria ser de pelo menos 60 minutos CIAS DO ESPORTE, 1990, São Paulo. Anais... São
de atividade física moderada, sendo re- Paulo. 1990. p. 32.
comendável também que se envolvam STRONG, W. B. et al. Evidence based physical
em atividades vigorosas, durante 20 mi- activity for school-age youth. J. Pediatr., v. 146, p.
nutos, duas ou três vezes por semana. 732-737, 2005.
ATIVIDADE FÍSICA E PESO
CORPORAL NA INFÂNCIA
E NA ADOLESCÊNCIA
15
Fabiana de Sant’Anna Evangelista
A prática regular de atividade física tem ram que 155 milhões de crianças no mun-
sido amplamente indicada para a promo- do, em idade escolar, estejam com sobrepe-
ção da saúde, a prevenção e o tratamento so ou obesidade.
de diversas patologias nas diferentes fai- Por se tratar de um período impor-
xas etárias. Nos últimos anos, os estudos tante para o desenvolvimento de caracte-
envolvendo o uso da atividade física como rísticas biológicas que refletirão nos pa-
ferramenta para o controle do peso cor- drões de composição corporal e estado de
poral na infância e na adolescência ganha- saúde de um indivíduo adulto, identificar
ram grande destaque, especialmente em os fatores etiológicos e as intervenções
virtude do aumento da prevalência de obe- mais adequadas para a prevenção e o tra-
sidade nessa população. Segundo dados do tamento da obesidade é fundamental para
Ministério da Saúde de 2004, estima-se diminuir a prevalência e os fatores de ris-
que 15 milhões de crianças e adolescen- co associados ao excesso de peso corporal
tes no Brasil, isto é, 25% da população na infância e na adolescência, tais como
infanto-juvenil, estejam com o peso cor- hipertensão arterial, diabete melito e dis-
poral acima do ideal, e 1,5 milhão seja con- túrbios do metabolismo de lipídeos.
siderado obeso. A atividade física regular na infância
A crescente prevalência de obesida- e na adolescência resulta em benefícios
de na infância e na adolescência é obser- para a saúde que vão além do controle de
vada em todo o mundo. Desde o início da
década de 1990, a Organização Mundial
de Saúde demonstrou grande preocupa- Por se tratar de um período importante
ção ao estimar 18 milhões de crianças me- para o desenvolvimento de característi-
nores de cinco anos classificadas com so- cas biológicas que refletirão nos padrões
brepeso (Childhood obesity: an emerging de composição corporal e estado de saú-
public-health problem, 2001). Ainda, con- de de um indivíduo adulto, identificar os
forme observado em 2005 pela Organiza- fatores etiológicos e as intervenções
ção Mundial de Saúde, nos últimos 10 anos mais adequadas para a prevenção e o
tratamento da obesidade é fundamental
houve aumento entre 10 e 40% da obesida-
para diminuir a prevalência e os fatores
de infantil na maioria dos países europeus. de risco associados ao excesso de peso
Dados epidemiológicos da International corporal na infância e na adolescência.
Obesity Task Force (IOTF) de 2005 estima-
212 Dante De Rose Jr. e colaboradores
peso corporal. Uma relação inversa entre vocadas pelo excesso ou pela falta de in-
atividade física e gordura corporal, lipídeos gestão e/ou de gasto energético podem in-
totais e pressão arterial é observada em fluenciar diretamente o peso corporal.
crianças e adolescentes fisicamente ativos Pode-se observar um aumento do peso
(Strong et al., 2005; Flynn et al., 2006). corporal quando o balanço energético é
Além disso, a promoção de um estilo de positivo, ou seja, a ingestão calórica é su-
vida ativo tem forte influência no padrão perior ao gasto energético. Em contrapar-
de crescimento e desenvolvimento e na tida, a perda de peso corporal está associa-
melhora da aptidão física e do desempe- da ao balanço energético negativo (inges-
nho. Acrescida aos benefícios para a saú- tão calórica inferior ao gasto energético).
de, a atividade física oferece oportunida- Com o aumento da idade, a quanti-
de de lazer e socialização, além de agre- dade de ingestão calórica diária absoluta
gar valores como autoestima, confiança aumenta; porém, quando corrigida pelo
e motivação para a participação futura em peso corporal, diminui com a idade. Na
programas de atividade física. adolescência, as demandas energéticas
estão mais relacionadas à maturidade bio-
lógica do que à idade cronológica. Nor-
malmente, os picos de consumo calórico
são coincidentes com os picos de veloci-
Uma relação inversa entre atividade fí-
sica e gordura corporal, lipídeos totais e dade de crescimento (Malina; Bouchard,
pressão arterial é observada em crian- 2002).
ças e adolescentes fisicamente ativos.
psicológicos e etnia também devem ser sumo de frutas, vegetais, peixe, leite e ce-
considerados, segundo Fisberg (2004). reais integrais. A forma de preparo dos
Mudanças no padrão alimentar nos alimentos e o aumento do tamanho das
primeiros meses de vida podem provocar porções também são determinantes para
alterações de peso corporal que refletirão o desenvolvimento da obesidade.
ao longo de toda a vida do indivíduo. Se- A contribuição do estilo de vida para
gundo Fisberg (2004), o abandono preco- a epidemia de obesidade na infância e na
ce do aleitamento materno e a substitui- adolescência tem sido marcante nos últi-
ção por alimentos com alta densidade mos anos. A diminuição do gasto metabó-
calórica, em quantidades superiores que lico energético, consequência do sedenta-
as necessárias para o crescimento e desen- rismo e da diminuição na quantidade de
volvimento, são determinantes para o iní- atividade física habitual, completa o ce-
cio da obesidade no primeiro ano de vida. nário para o aumento da obesidade nes-
sas faixas etárias. Uma pesquisa realizada
no Brasil mostrou prevalência de seden-
tarismo em 58% dos adolescentes entre 10
Mudanças no padrão alimentar nos pri-
e 12 anos de idade (Hallal et al., 2006).
meiros meses de vida podem provocar De acordo com Taylor e colaboradores
alterações de peso corporal que refleti- (1999), crianças obesas tendem a ser me-
rão ao longo de toda a vida do indivíduo. nos ativas, e, com o passar do tempo, a
necessidade energética para o crescimen-
to diminui, favorecendo a redução do gas-
to energético diário e, consequentemen-
te, o acúmulo de gordura corporal.
Durante a infância, o comportamen-
to alimentar sofre maior influência a par-
tir da idade escolar, quando maior sociali-
zação e independência promovem aceita- A contribuição do estilo de vida para a
ção, seleção e acesso a diferentes tipos de epidemia de obesidade na infância e na
alimentos. Nessa etapa, é comum a rejei- adolescência tem sido marcante nos úl-
ção de alimentos ricos em fibra (hortali- timos anos. A diminuição do gasto me-
ças e frutas) e o apetite por guloseimas, tabólico energético, consequência do
que acabam interferindo na refeição prin- sedentarismo e da diminuição na quan-
tidade de atividade física habitual, com-
cipal e sendo consumidas em excesso, le- pleta o cenário para o aumento da obe-
vando ao aumento de peso corporal sidade nessas faixas etárias.
(Fisberg; Pádua; Souza, 2007).
De acordo com Souza e colaborado-
res (2007), na adolescência, os requeri-
mentos calóricos estão aumentados, com O menor gasto energético diário tam-
consequente aumento do apetite e ganho bém é consequente do excesso de ativida-
de peso. Nessa etapa, as características de des de lazer sedentárias, tais como horas
comportamentos atípicos e a influência da despendidas em frente à televisão, ao video
mídia e do grupo favorecem o consumo game e ao computador. Klein-Platat e co-
alimentar não balanceado, com dietas hi- laboradores (2005) mostraram associação
percalóricas, excesso de alimentos do tipo entre o índice de massa corporal (IMC) e
fast food e lanches com alto valor calórico, circunferência abdominal e o tempo de ati-
ricos em açúcar, carboidratos refinados e vidades de lazer classificadas como seden-
gorduras saturadas, em detrimento do con- tárias por promover baixo gasto energé-
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 215
tico. O efeito negativo para a saúde ainda Embora os fatores exógenos tenham
é maior quando a redução do gasto ener- sido consistentemente estudados na lite-
gético vem acompanhada de hábitos ali- ratura, nos últimos anos tem-se observa-
mentares inadequados, normalmente di- do o crescente número de investigações so-
vulgados pela televisão e associados às bre a contribuição genética para o desen-
atividades de lazer sedentárias. Um resu- volvimento da obesidade. Kliegman e
mo das principais causas exógenas para o Gross (1985) mostraram a importância do
desenvolvimento excessivo de peso corpo- histórico familiar para a determinação da
ral na infância e adolescência pode ser suscetibilidade ao desenvolvimento de
observado na Figura 15.2. obesidade dos filhos. Quando os pais são
obesos, o filho possui 80% de chances de
desenvolver obesidade. Quando apenas
um dos pais apresenta obesidade, as chan-
O efeito negativo para a saúde ainda é ces caem para 40%, mas, se nenhum dos
maior quando a redução do gasto
energético vem acompanhada de hábi-
dois for obeso, as chances de o filho ser
tos alimentares inadequados, normal- obeso se reduzem para 7%.
mente divulgados pela televisão e asso- Perusse e Bouchard (2000), estudan-
ciados às atividades de lazer sedentárias. do gêmeos monozigóticos, demonstraram
que a tendência ao aumento de gordura
Figura 15.3 Redução do Índice de Massa Corpórea (IMC) em crianças submetidas à restrição do
•
tempo de televisão (o) comparadas a um grupo de crianças com tempo irrestrito de televisão ( ).
Fonte: Adaptada de Epstein e cols. (2008).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As crianças e os adolescentes devem ser
estimulados a praticar, de forma praze-
rosa, atividade física não estruturada, Tendo em vista a crescente prevalên-
jogos, exercícios físicos programados ou cia de obesidade e fatores de risco associa-
atividades esportivas, por no mínimo 30 dos na infância e na adolescência, moni-
minutos diariamente. torar o peso corporal desde os primeiros
dias de vida pode gerar benefícios para
todo o ciclo vital. A prática de atividade
física por crianças e adolescentes contri-
bui não apenas para o controle de peso
corporal, mas também para uma série de
res familiares e do ambiente da criança e fatores determinantes da saúde individual
do adolescente. Alguns cuidados devem e coletiva. A promoção de um estilo de vida
estar voltados para a garantia de acesso ativo tem forte influência positiva no pa-
aos locais próprios para a prática de ativi- drão de crescimento e desenvolvimento;
dades físicas e avaliação física completa favorece a manutenção de articulações,
para a identificação de restrições para a músculos e ossos saudáveis; previne ou re-
prática, como risco cardiovascular e neces- tarda o aparecimento de fatores de risco
sidades especiais. cardiovasculares, como hipertensão arte-
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 221
rial, diabete e dislipidemia; promove adap- TIRAPEGUI, J. Fisiologia da nutrição humana: as-
tações metabólicas e cardiovasculares con- pectos básicos, aplicados e funcionais. São Paulo:
Atheneu, 2007. p.431-435.
dizentes ao melhor estado de saúde; me-
FLYNN, M. A. T. et al. Reducing obesity and related
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Dessa forma, o desfecho para esse conjun- dations. Obes. Rev., v. 7, p. 7-66, 2006. Suppl. 1.
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1019-1030, 2006.
res e para as instituições, e integradas com
uma equipe multidisciplinar, como médi- KERSHAW, E. E.; FLIER, J. S. Adipose tissue as an
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cos, nutricionistas e terapeutas. Cabe a es- p. 2548-2556, 2004.
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Esporte e atividade física na infância e na adolescência 223
ATIVIDADES FÍSICAS E
ESPORTIVAS PARA CRIANÇAS E
ADOLESCENTES COM DEFICIÊNCIA
16
Márcia Greguol Gorgatti
nativas, tais como ritmo, coordenação fim de que o tônus muscular possa ser
motora, equilíbrio, agilidade, tempo de aumentado e que as articulações pos-
reação, entre outras; sam ficar mais protegidas;
Dependente: essa categoria define uma Instabilidade atlanto-axial: 10%, em
criança com perda extremamente acen- média, dos indivíduos com síndrome de
tuada na capacidade de aprender e que Down têm grande instabilidade entre
precisa de apoio e supervisão constan- atlas e áxis (primeiras vértebras cervi-
te em praticamente todas as tarefas do cais), devendo, dessa forma, evitar ati-
comportamento adaptativo. Uma crian- vidades de impacto ou grande mobili-
ça nesse nível apresenta dificuldades na dade nessa região;
aquisição de habilidades motoras, mes- Obesidade: muitos jovens com síndro-
mo com programas sistematizados. me de Down demonstram maior pre-
disposição à obesidade, o que é expli-
Dentre as causas da deficiência cogni- cado em parte pela hipotonia muscu-
tiva, pode ser destacada a síndrome de lar e, em alguns casos, pela presença
Down, provocada por uma alteração na de hipotireoidismo;
contagem no 21o par de cromossomos das Distúrbios cardíacos: mais de um terço
células (trissomia do 21). Essa síndrome, dos indivíduos com síndrome de Down
multifacetada, denota ao indivíduo carac- apresenta quadros de malformações
terísticas típicas, tanto do ponto de vista cardíacas congênitas, muitas das quais
fisionômico quanto estrutural, comporta- podem ser corrigidas com procedimen-
mental e orgânico. tos cirúrgicos nos primeiros anos de
vida. Por essa razão, é altamente indi-
cado que o profissional de educação
física que irá trabalhar com jovens nes-
Dentre as causas da deficiência cogniti- sas condições peça um encaminhamen-
va, pode ser destacada a síndrome de to de um médico cardiologista, com a
Down, provocada por uma alteração na liberação para que possam praticar
contagem no 21o par de cromossomos exercícios físicos;
das células (trissomia do 21). Deficiência imunológica: crianças com
síndrome de Down podem apresentar
deficiências imunológicas e, em decor-
rência disso, maior predisposição ao de-
Existem algumas características co- senvolvimento de infecções respirató-
muns da síndrome de Down que devem rias e dermatites, que devem ser moti-
ser de conhecimento do professor de edu- vo de preocupação por parte do pro-
cação física, a fim de que sua prescrição fessor, especialmente quando as ativi-
de exercícios possa ser segura e eficiente dades físicas são desenvolvidas em
para todas as crianças. São algumas delas: ambientes de piscina;
Alterações no equilíbrio e na visão: a
Hipotonia muscular e hipermobilidade imaturidade vestibular e alguns distúr-
articular generalizadas: a criança apre- bios visuais, tais como miopia e astig-
senta baixo tônus muscular e suas arti- matismo, podem estar presentes com
culações em geral são exageradamente maior frequência nesse grupo, geran-
móveis. Esse quadro pode gerar insta- do déficits sensoriais. Muitos desses
bilidades e lesões. Portanto, o fortale- déficits, no entanto, podem ser minimi-
cimento muscular deve ser uma opção zados por meio de programas de ativi-
nos programas de exercícios físicos, a dades físicas e de estimulação precoce.
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 231
Quer seja em instituições especiali- parem de programas mais repetitivos. Em
zadas, quer seja em academias ou escolas algumas situações, o professor poderá op-
comuns, o fato é que cada vez mais jovens tar por dividir uma determinada ativida-
com deficiência intelectual têm buscado de em outras menores, o que facilitará a
praticar algum tipo de atividade física ou assimilação por parte do aluno.
esportiva, com a motivação para o lazer, a Por fim, cabe ao professor saber li-
saúde e/ou o desempenho. Ao conduzir as dar com a possível instabilidade emocio-
atividades para jovens com deficiência in- nal. Alguns comportamentos agressivos
telectual, algumas estratégias podem ser por parte do aluno podem exigir algumas
utilizadas pelo professor de educação físi- ações diferenciadas por parte do profes-
ca a fim de que seu trabalho seja potencia- sor. Em casos mais extremos de agressivi-
lizado. dade ou outros distúrbios no comporta-
Um cuidado inicial seria o professor mento, é de fundamental importância o
apresentar poucas informações por vez auxílio de um monitor para a realização
durante as atividades e sempre da manei- das atividades. Por vezes, o afastamento
ra mais clara possível. O professor, ao en- temporário do aluno das atividades é ne-
sinar uma tarefa motora, deve buscar con- cessário para garantir sua própria seguran-
cisão em suas informações. A instrução ça e a dos demais. Evidentemente, cabe
deve ser apresentada de maneira clara, e também ao professor refletir se a forma
o ideal é que seja colocada apenas uma como a atividade está sendo estruturada
informação por vez. Outra estratégia que é mais adequada para seus alunos. O uso
pode ser muito útil é utilizar diferentes de punições e recompensas também pode
vias de comunicação e enfatizar exemplos ser de grande ajuda, mas é preciso que al-
concretos. Pela dificuldade mencionada guns cuidados sejam tomados. A simples
anteriormente de esses indivíduos realiza- punição ou recompensa pode ser danosa
rem abstrações, é importante o professor se o aluno não compreender claramente
tornar sua instrução a mais concreta pos- que esta está associada ao seu comporta-
sível para seu aluno. O professor deve ex- mento e não a ele próprio.
plorar diferentes meios para passar a in- É importante lembrar que as estraté-
formação. Além da instrução verbal, o mo- gias podem variar de acordo com o nível
vimento a ser executado deve ser demons- de comprometimento intelectual, a idade
trado para o aluno (o que ajuda a torná-lo dos participantes e o tipo de atividade a
concreto), e, em algumas situações, o pro- ser desenvolvida. Em todas as situações,
fessor pode favorecer o aluno com instru- no entanto, o desenvolvimento do progra-
ções também cinestésicas, fazendo com ma é muito facilitado quando se pode con-
que o aluno sinta inicialmente o movimen- tar com o apoio de equipes multidiscipli-
to a ser executado. nares, com médicos, psicólogos e fonoau-
O professor deve ter certeza de que diólogos.
os alunos compreenderam a atividade. Es-
pecialmente nos casos mais graves, é pre-
ciso trabalhar de forma sistematizada,
enfocando repetições de uma mesma ta-
refa e criando padrões consistentes duran- É importante lembrar que as estratégias
te as aulas (rotina). Os alunos com déficits podem variar de acordo com o nível de
cognitivos mais graves, diferentes daque- comprometimento intelectual, a idade
les educáveis, terão mais chances de su- dos participantes e o tipo de atividade a
cesso no processo de aprendizagem caso ser desenvolvida.
lhes seja dada a oportunidade de partici-
232 Dante De Rose Jr. e colaboradores
que podem praticar uma ampla gama de indivíduos. Verifica-se, dessa forma, que a
modalidades esportivas, muitas das quais inserção de crianças e adolescentes com
com pequenas adaptações quando compa- deficiência em programas de atividades
radas às modalidades convencionais. As físicas e esportivas demanda obrigatoria-
modalidades esportivas mais procuradas mente a quebra de estigmas enraizados em
por essa população são a natação, o bas- nossa cultura, para que possamos enxer-
quete em cadeira de rodas, o vôlei parao- gar pessoas, e não apenas muletas ou ca-
límpico (sentado) e a bocha. No Brasil, di- deiras de rodas, e, principalmente, para
versas entidades regem a prática do espor- que possamos vislumbrar possibilidades no
te adaptado para atletas com deficiência lugar de incapacidades.
motora, mas ainda praticamente não exis-
tem competições com estratificação por
faixa etária. Dessa forma, crianças e ado- REFERÊNCIAS
lescentes com deficiência motora, quando
querem participar de competições, preci- BLINDE, E. M.; MCCALLISTER, S. G. Listening to
sam fazê-lo na mesma categoria que atle- the voices of students with physical disabilities.
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Percebe-se que, de modo geral, as cial de adolescentes com deficiência visual e das ati-
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com deficiência não são advindas da defi- porte, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.
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clusivos ou específicos tornam-se cruciais. ponível em: http://www.specialolympicsbrasil.-
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Esporte e atividade física na infância e na adolescência 235
ASPECTOS SOBRE A
RELEVÂNCIA DO CAMPO DO
LAZER NA ADOLESCÊNCIA
17
Ricardo Ricci Uvinha
nos Estados Unidos e sua relação em es- Tal concepção sugere uma forma ro-
pecial com o trabalho, Edginton, Kowalski mântica e hedonística de entendimento da
e Randall (2005) discorrem sobre as difi- adolescência, em geral, e do tempo livre/
culdades em lidar com tal público na rea- lazer, em particular, que deve ser vista com
lidade norte-americana. Identificam ele- o devido cuidado, caso se pretenda reali-
mentos que estabelecem grandes desafios zar uma análise crítica dessa relação. Pais
para os educadores, em que se destacam (1993) destaca que, pelas práticas cultu-
sentimentos negativos de isolamento so- rais juvenis ocorrerem em grande parte no
cial, horizontes limitados e dificuldades em domínio do lazer, elas sugerem a noção
estabelecer um estilo que lhe é próprio. de que tal fase da vida é vivida sob a égide
Será desenvolvida, a seguir, uma re- da diversão e do prazer.
flexão sobre o papel do lazer na adoles- Também em um viés que tende a ser
cência, entendendo o impacto da vivência funcionalista, a vivência do lazer no tem-
desse elemento no tempo livre dos jovens. po liberado das obrigações pelo adolescen-
te pode sugerir uma experiência conturba-
dora e transgressora da ordem social vi-
A ADOLESCÊNCIA E SUA RELAÇÃO gente, fato que é visto com preocupação
COM O LAZER E O LÚDICO por setores que procuram prezar pela se-
gurança e conformidade no status quo.
Entende-se como fundamental a Nesse sentido, uma faceta moralista pode
compreensão das múltiplas experiências ser empregada sobre as atividades de lazer
de lazer vivenciadas pelo adolescente no dos adolescentes, sugerindo ser um tem-
seu tempo livre, atribuindo a esses momen- po de vivência excessiva do ócio, da vaga-
tos acentuada relevância em termos de va- bundagem, de não privilegiar dimensões
lores e expressão de signos sociais, reve- prioritárias como os trabalhos e estudos,
lando uma cultura juvenil multifacetada e entre outros (Requixa, 1980).
em constante transformação. Autores diversos verificaram como o
As questões que envolvem o tempo moralismo e o preconceito com relação ao
livre e suas características em termos de lazer juvenil historicamente estiveram pre-
vivência na sociedade moderna vão suge- sentes em suas sociedades. De Grazia
rir que um grupo em especial seria privi- (1966), por exemplo, ressaltou uma juven-
legiado no acesso ao lazer: o adolescente. tude americana na década de 1960 que
Isso porque, de acordo com o senso co- não podia formar suas próprias normas,
mum, parece não haver melhor fase da pois a sociedade a considerava como “me-
vida para se divertir e transgredir distin- nor”, sugerindo no termo empregado um
tas obrigações, como a trabalhista, a estu- certo estado de inferioridade. Isso acabou
dantil e a familiar. por acarretar uma vigilância social tam-
bém no tempo livre, desempenhada por
pais, professores e tutores na busca de uma
educação considerada adequada para o
Entende-se como fundamental a com- adolescente na época. Cursos de lazer, ar-
preensão das múltiplas experiências de tesanato e treinamento de hobbies foram
lazer vivenciadas pelo adolescente no seu desenvolvidos nessa lógica de controle e
tempo livre, atribuindo a esses momen-
tos acentuada relevância em termos de
bons modos do tempo livre do adolescente.
valores e expressão de signos sociais, re- Em oposição ao reducionismo român-
velando uma cultura juvenil multifacetada tico e moralista que alguns setores podem
e em constante transformação. conferir ao lazer vivenciado na adolescên-
cia, vemos estudos que reforçam tal esfe-
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 239
lizado na reflexão sobre o papel da escola
Em oposição ao reducionismo românti- em atenuar esse comportamento, em es-
co e moralista que alguns setores podem
pecial em momentos como o recreio, em
conferir ao lazer vivenciado na adoles-
cência, vemos estudos que reforçam tal que podem ser utilizados já desde a infân-
esfera social como decisiva na formação cia com materiais lúdicos, desenvolvendo
do jovem, em seus hábitos de saúde e sentimentos de autoconfiança, autoesti-
até mesmo na minimização da violência. ma e entreajuda (Ferreira; Pereira, 2001).
Pesquisas realizadas no Reino Unido
com adolescentes na educação formal re-
velaram o importante papel desempenha-
do pela escola na educação para o lazer,
ra social como decisiva na formação do identificando evidente correlação entre as
jovem, em seus hábitos de saúde e até atividades desempenhadas no tempo livre
mesmo na minimização da violência. e a educação gerada na escola. Em um
McLean, Hurd e Rogers (2005) apon- desses estudos, ressalta-se que alunos que
tam que, nos Estados Unidos, cresce for- permaneceram e vivenciaram atividades
temente a parcela da população adoles- em tempo integral na escola participavam
cente, tendo como projeção para 2045 um mais ativamente de atividades diversas de
contingente acima dos 51 milhões de pes- lazer em seu tempo livre (leituras, ativi-
soas entre 10 e 19 anos. Afirmam os au- dades em ambientes outdoor, esportivas,
tores que as pesquisas realizadas no país voluntariado) comparativamente àqueles
convergem para o fato de que os hábitos que não tiveram tais experiências na edu-
relacionados à recreação e ao lazer no cação formal (Bull; Hoose; Weed, 2003).
tempo livre desses jovens têm relação di- O elemento lúdico, também presen-
reta com seu desenvolvimento emocional te na educação formal e em outras distin-
e social. tas experiências ligadas à obrigação estu-
Em um estudo de um grupo compos- dantil, pode contribuir sobremaneira para
to por 426 estudantes com idades entre a formação do adolescente, sem necessa-
17 e 23 anos do primeiro ano do Ensino riamente adequá-lo aos valores sociais vi-
Superior em Portugal, Santos e Pais-Ribei- gentes, atuando como uma poderosa fer-
ro (2006) objetivavam verificar a noção ramenta de contraposição à ordem estabe-
de lazer como um modo de coping (redu- lecida e potencialmente propulsora de
tor de estresse) para os jovens abordados transformações em busca de uma socie-
na amostragem. Os resultados apontaram dade mais justa e igualitária.
para o fato de que a participação em ativi-
dades de lazer tem uma relação positiva
com estratégias de coping mais ativas e
com o estado de saúde, tanto referente ao O elemento lúdico, também presente na
componente físico quanto ao mental. educação formal e em outras distintas
Ainda na literatura acadêmica de experiências ligadas à obrigação estudan-
Portugal, tem recebido especial atenção no til, pode contribuir sobremaneira para a
estudo do tempo livre do adolescente o formação do adolescente, sem necessa-
conceito de bullying, adaptado para a lín- riamente adequá-lo aos valores sociais vi-
gentes, atuando como uma poderosa fer-
gua portuguesa para denotar qualquer tipo ramenta de contraposição à ordem esta-
de comportamento agressivo ou de viti- belecida e potencialmente propulsora de
mação, em que o agressor utiliza um certo transformações em busca de uma socie-
poder ou autoridade sobre a vítima com dade mais justa e igualitária.
intencionalidade. O termo vem sendo uti-
240 Dante De Rose Jr. e colaboradores
O lazer poderia assim desempenhar ram uma pesquisa com uma amostra cons-
uma importante função no contato do ado- tituída por 594 alunos com idades entre
lescente com o grupo, denotando uma for- 12 e 20 anos. Os autores verificaram que
ma de se expressar socialmente seja no as atividades de lazer mais vivenciadas
momento da vivência do lúdico, em expe- (presentes em mais de 9 a cada 10 adoles-
riências concebidas no espaço da educa- centes) foram não ativas, como “ouvir
ção formal, seja em atividades recheadas música” e “ver televisão ou vídeo” (Tabela
de valores e significados no tempo libera- 17.1). Atividades ligadas diretamente à
do das obrigações. Verificaremos a seguir prática de atividades físicas ou esportes
a atividade física e sua relação com o lazer vão surgir somente na 14a opção. Os au-
do adolescente. tores identificaram ainda um grande com-
ponente de tempo livre não estruturado
entre os adolescentes, o que sugere a ne-
LAZER E ATIVIDADE FÍSICA cessidade de programas para tal público
NA ADOLESCÊNCIA que atentem para essas características.
Na Austrália, Veal e Lynch (2001) res-
Em pesquisa com adolescentes brasi- saltam igualmente a relevância das ativida-
leiros de distintas classes socioeconômicas, des de entretenimento eletrônico no tem-
Zagury (1996) identifica que a prática de po livre de adolescentes entre 13 e 17 anos
atividades físicas aparece apenas em quar- de idade, em especial (e nessa ordem): “ver
to lugar nas atividades preferidas ligadas televisão” e “ouvir música”. Como comple-
ao tempo livre dos jovens, com 52%. As mento, apontam que entre 1995 e 1997 o
opções de “ouvir música” (72,9%), “ver TV” acesso pelos jovens a equipamentos de
(61%) e “bater papo com os amigos” tecnologia tradicional de mídia, como rá-
(58,2%) lideram a referida pesquisa em dio, CD/cassette players e aparelhos de te-
termos de respostas. É interessante notar levisão, continuou relativamente constan-
que o esporte recebe menção especial no te entre essa parcela da população. Con-
quesito da prática de atividades físicas, não tudo, o acesso a algumas novas tecnologias
ficando claro, porém, no estudo, se é o caso de mídia, como video games, sistemas de
de um formato competitivo ou recreacional. jogos interativos em computadores pessoais
Ainda na realidade nacional, Cavi- e sistema Pay-per-view na televisão, cres-
chiolli (2006) também identifica o item ceu significativamente no tempo livre dos
“ouvir música” e assistir “TV/vídeo/DVD” adolescentes australianos, principalmen-
como atividades lúdico-recreativas de des- te daqueles do gênero masculino.
taque no tempo livre de jovens, em pes- Ainda conforme os autores, os gran-
quisa realizada no estado do Paraná. Os des conglomerados vinculados ao marke-
esportes recebem menção na pesquisa, ting e aos meios de comunicação de massa
com ênfase em práticas como voleibol e estão atentos a tais resultados, intensifi-
futebol. Os autores postulam o grande cando as propagandas endereçadas aos
desafio para os gestores públicos a partir adolescentes seja por TV, rádio ou, mais
desses resultados, já que devem pensar em recentemente, pela internet. Segundo eles,
formas de implementar as oportunidades um sofisticado mercado de produtos tem
de lazer para os jovens também levando sido associado ao tempo livre do jovem,
em conta as atividades realizadas substan- com destaque para os refrigerantes, cigar-
cialmente no espaço doméstico. ros, álcool, moda, tênis esportivos, progra-
Tais dados coadunam resultados de mas televisivos, entre outros.
trabalhos realizados em outros países. Em Evidentemente, fenômeno semelhan-
Portugal, Esculcas e Mota (2005) realiza- te acontece no mundo todo, inclusive em
Esporte e atividade física na infância e na adolescência 241
TABELA 17.1 Tendências das práticas de lazer para os intervalos de idade e médias das práticas para a
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