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VIVIANE ROSE FOWLER

A Musicoterapia e suas Interações com os Ritmos Biológicos

FMU - FACULDADES METROPOLITANAS UNIDAS


São Paulo
2008
VIVIANE ROSE FOWLER

A Musicoterapia e suas Interações com os Ritmos Biológicos

Trabalho de Conclusão do Curso de Musicoterapia


da FMU – Faculdades Metropolitanas Unidas –
sob orientação da Professora Doutora Ivette
Catarina Jabour Kairalla e co-orientação da
Professora Mestre Maristela Smith

São Paulo
2008
VIVIANE ROSE FOWLER

A Musicoterapia e suas Interações com os Ritmos Biológicos

Trabalho de Conclusão do Curso de Musicoterapia


da FMU – Faculdades Metropolitanas Unidas –
sob orientação da Professora Doutora Ivette
Catarina Jabour Kairalla e co-orientação da
Professora Mestre Maristela Smith.

Aprovada em

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________
Profª Dra. Ivette Catarina Jabour Kairalla
Faculdades Metropolitanas Unidas - Orientadora

_____________________________________________
Profª Ms. Maristela Smith
Faculdades Metropolitanas Unidas – Co-orientadora

______________________________________________
Profª Ms. Cléo Monteiro França Correia
Universidade Federal de São Paulo – Unifesp

_______________________________________________
Profª Ms. Cristiane Amorosino
Faculdades Metropolitanas Unidas
AGRADECIMENTOS

Muitas pessoas contribuíram para a realização desta monografia. Algumas compartilhando


generosamente conhecimento, material didático, artigos científicos, outras oferecendo
incentivo constante através de palavras e gestos e outras apoiando e dando sustentação dia
após dia (às vezes até de madrugada) na concretização deste ideal. A todas expresso meus
mais sinceros agradecimentos.

Gostaria de destacar a estimada colaboração da minha orientadora, Profª. Dra. Ivette Catarina
Jabour Kairalla, da minha co-orientadora Profª Maristela Smith e da Profª. Dra. Mirian David
Marques que muito me auxiliaram apontando a melhor direção no caminho em busca do
saber.

Agradeço ao Regente Supremo da Vida e a minha adorada família, a quem dedico este
trabalho.
“Comecemos a pensar em nossos ritmos cotidianos e
descobriremos que existe uma pulsação subjacente a todos,
que nos identifica e nos diferencia dos demais.”

Carlos Fregtman
RESUMO

Este trabalho busca identificar as interações entre a Musicoterapia, ciência que estuda os
fenômenos sonoro/musicais e suas aplicações terapêuticas nos indivíduos, e os ritmos
biológicos, eventos orgânicos que se repetem regularmente nos seres vivos expressando o seu
comportamento como, por exemplo, nos humanos: os batimentos cardíacos, a freqüência
respiratória, as ondas cerebrais, os ritmos de atividades motoras, entre outros.
A Cronobiologia é a disciplina científica que estuda o funcionamento dos ritmos biológicos
endógenos tanto no que diz respeito a sua auto-regulação como em suas relações com os
fatores ambientais.
Sendo assim, foi realizado um trabalho de pesquisa abrangendo as duas áreas do
conhecimento - Musicoterapia e Cronobiologia - visando identificar trabalhos que abordassem
os possíveis efeitos do som e/ou da música sobre a ritmicidade biológica dos indivíduos.
Os resultados demonstraram que os ritmos biológicos podem ter seu comportamento
influenciado por estímulos sonoro/musicais.
O fenômeno que favorece a sincronização, denominado entrainment, é amplamente estudado
na área da Cronobiologia e, na área da Musicoterapia, é utilizado como técnica nas
experiências musicais receptivas.
Pode-se observar similaridades entre as estruturas temporais presentes nos ritmos biológicos e
nos ritmos musicais. Ambos organizam o movimento em um fluxo dinâmico de contração e
dilatação, antecipação, excitação, descarga e relaxamento.

Palavras-chave: Ritmos biológicos, ritmos sonoros, cronobiologia, musicoterapia, interação,


entrainment, sincronização.

ABSTRACT

This assignment is trying to identify the interaction between musictherapy, the science that
studies the sound and musical phenomena, and their therapeutical applications in the human
beings, and the biological rhythms, organic events that repeat regularly in the beings livings
creature, expressing their behavior like, for exemplo, in menkind: the heart beating, the
respiratory frequency, the brain wave, the rhythms of motor activities, among others.
Cronobiology is the scientific area that studies the endogenous biological rhythms working,
according to their self regulation and their relation with environmental factors.
Because of that, it was made a research covering both knowledgement areas – musictherapy
and cronobiology – trying to find assignments that would include all the possible sound
and/or musical effects about biological rhythmicity from the individuals.
The results showed that the biological rhythmis can have their behavior influenced by sound
and musical stimulations.
The phenomena pro the synchronization is called entrainment and it is widely studied in the
cronobiology area, and in the musictherapy it is used as a technique in the receptive musical
experiences.
It is easy to notice the similarities between the time structures found in the biological rhythms
and in the musical rhythms both organizes the movement in a dynamic flow of contraction
and dilatation, anticipation, excitement, discharge and relaxation.

Key words: biological rhythms, sound rhythms, cronobiology, musictherapy, interactions,


entrainment, synchronization.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 8
Justificativas......................................................................................................................... 11
Objetivos............................................................................................................................... 12
Fundamentação teórica......................................................................................................... 12
Metodologia.......................................................................................................................... 15

CAPÍTULO 1 – RITMOS BIOLÓGICOS...............................................................................16


1.1 - Cronobiologia......................................................................................................... 17
1.2 - Homeostase............................................................................................................. 20
1.3 - Ritmos Circadianos, Ultradianos, Infradianos........................................................ 21
1.4 - Ritmos biológicos endógenos e suas manifestações............................................... 23
1.4.1 - Ritmos em Livre-curso........................................................................................... 24
1.4.2 - Ritmos sincronizados a ciclos ambientais.............................................................. 25
1.5 - Os fenômenos rítmicos e o comportamento humano............................................. 26
1.6 - Os ritmos do sono................................................................................................... 27

CAPÍTULO 2 – RITMOS SONOROS................................................................................. 31


2.1 - O ritmo sonoro e suas propriedades.......................................................................... 35
2.2 - As origens do ritmo sonoro....................................................................................... 36
2.3 - Percepção Rítmica..................................................................................................... 37

CAPÍTULO 3 – MUSICOTERAPIA
3.1 - Breve Histórico.......................................................................................................... 39
3.2 - A Musicoterapia e o universo sonoro musical.......................................................... 40
3.3 - O olhar musicoterapêutico perante o indivíduo biopsicossocial............................... 44
3.4 - Musicoterapia e Medicina......................................................................................... 49
3.5 - Identidade Sonora – O Princípio de ISO................................................................... 54

CAPÍTULO 4 – AS INTERAÇÕES ENTRE OS RITMOS BIOLÓGICOS E OS RITMOS


SONOROS............................................................................................................................ 57
4.1 - Conceito de Entrainment........................................................................................... 57
4.2 - Mecanismos de interação entre os ritmos.................................................................. 60
4.3 - Estudos pioneiros envolvendo ritmos sonoros e ritmos biológicos.......................... 62
4.4 - A Musicoterapia e suas interações com os ritmos biológicos................................... 66
4.5 - Trabalhos enfocando cronobiologia e música........................................................... 70
4.6 - Pesquisas científicas na musicoterapia...................................................................... 74

CAPÍTULO 5 – DISCUSSÃO ............................................................................................ 80

CAPÍTULO 6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................... 82

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.................................................................................. 83

GLOSSÁRIO........................................................................................................................ 86
/
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Exemplo de ritmos ultradianos..................................................................................22

Figura 2 - Localização dos núcleos supraquiasmáticos.............................................................24

Figura 3 - Registro das ondas cerebrais durante o ciclo do sono...............................................29

Figura 4 - Variações das freqüências das funções rítmicas em humanos..................................61

Figura 5 - Reação do sistema nervoso autônomo ao estímulo acústico.....................................72

Figura 6 - Relações entre as freqüências dos ritmos cardíaco, respiratório, motor e musical...74
8

INTRODUÇÃO

A Musicoterapia é um campo do conhecimento que estuda o universo sonoro-


musical e suas interações com o homem enquanto ser biopsicossocial. Sendo assim, na prática
clínica, todos os fatores inerentes às questões biológicas, psicológicas e sociais do paciente
devem ser consideradas no decorrer do processo terapêutico.

Sabe-se que os fenômenos rítmicos e temporais têm função relevante na regulação e


organização do comportamento humano. A palavra ritmo, de origem grega, significa “aquilo
que flui, movimento ordenado no tempo.” Todos os seres vivos, dos mais simples até os mais
complexos, apresentam ritmos nos diferentes níveis de organização das suas funções
biológicas – nas células, nos tecidos, nos órgãos, nos sistemas e no organismo como um todo.
Alterações no equilíbrio rítmico dessas redes podem estar associadas a distúrbios patológicos.

Além das variações rítmicas que ocorrem internamente, os indivíduos mantém


interações constantes com o meio ambiente que, igualmente, apresenta características cíclicas
bem definidas como o ciclo claro/escuro (dia e noite), o ciclo das estações do ano, o ciclo das
fases da lua, os ciclos de temperatura, os ciclos de alimentação, os ciclos sociais, entre outros.

As manifestações rítmicas que ocorrem no ambiente atuam como agentes


arrastadores ou zeitgebers dos ritmos biológicos dos seres acarretando sincronizações. “Se o
ambiente oscila, uma espécie para se adaptar a ele precisa oscilar também e a adaptação
temporal consiste na harmonização entre a ritmicidade biológica e os ciclos ambientais.”
(MARQUES & MENNA-BARRETO, 2003, p.56)

O tema central deste trabalho é investigar de que forma os estímulos sonoros e/ou
musicais podem estabelecer sincronizações com os ritmos biológicos endógenos e,
paralelamente, quais as possíveis interações entre a Musicoterapia e a ritmicidade biológica
dos indivíduos.

O som é um fenômeno físico que não incide de forma periódica no ambiente gerando
oscilações rítmicas como os ciclos citados anteriormente, porém, dependendo do tipo de
ocorrência, bem como da variabilidade de suas características tais como o volume, a duração,
a intensidade, a altura, o timbre e, principalmente, devido a fatores subjetivos como a
9

motivação e o interesse do ouvinte pode provocar efeitos físicos e psíquicos acarretando,


conseqüentemente, alterações nos ritmos biológicos.

Desde a vida intra-uterina, o ritmo e o som estão presentes nas etapas do


desenvolvimento fetal. “Com um mês, o embrião tem aproximadamente 1 cm, sua massa é
menor do que 1 g e inicia-se a formação do cérebro, órgãos dos sentidos e membros e o
coração começa a bater.” (OBRA COLETIVA, 2007, p. 59) “No terceiro mês de
desenvolvimento os batimentos do coração fetal são bastante fortes para poderem ser ouvidos
por um estetoscópio. Nesse período, todos os grandes sistemas de órgãos estão formados.”
(MELLO, 1989, p.249)

Após o nascimento, pode-se constatar padrões de atividade rítmica com relação a


alimentação, sono e choro do bebê. Segundo Benenzon (2002, p. 55) “pesquisas recentes
mostram que os movimentos rítmicos de sucção do recém nascido estão em íntima relação
com seus próprios batimentos cardíacos, quer dizer, se aceleram os batimentos cardíacos, se
aceleram os ritmos de sucção e vice-versa.”

O pesquisador Lee Salk defendeu a tese de que um dos primeiros ritmos a influenciar
o comportamento humano é o das batidas do coração da mãe durante o ambiente pré-natal.
Ele argumenta que “os bebês recebem o imprinting auditivo do ritmo cardíaco materno
durante a vida pré-natal, e que tal som continua a ter um papel benéfico para o
comportamento infantil durante a vida pós-natal.” (1973 apud SALK; FITZGERALD;
BUNDY, 1978, p.22)

A teoria do imprinting, descrita pela primeira vez por Lorenz (1935,1937) refere-se a
uma predisposição instintiva do recém-nascido de estabelecer um vínculo duradouro com
quem teve seu primeiro contato, pressupondo-se que os processos vinculares iniciam-se após
o nascimento.

Benenzon discorda dessa idéia porque considera que os vínculos maternos-fetais


iniciam-se na vida intra-uterina. Na sua opinião:

A partir do momento em que se aninha no útero, o embrião se encontra em


contato com as pulsações do batimento cardíaco e com inumeráveis
sensações vibratórias de movimento e de fenômenos acústicos, como: o
10

fluxo sangüíneo, atrito de paredes uterinas, ruídos intestinais da mãe, sons de


inspiração e expiração e o conseqüente movimento de todas as estruturas
anatômicas que se põem em funcionamento, ondas aquosas do líquido
amniótico, sons que chegam amortecidos pela voz da mãe, e os ruídos, sons
ou fenômenos sonoro-vibratórios, que irão se agregando através de toda a
história gestacional desse ovo-feto-indivíduo. (BENENZON, 1988, p. 37)

Percebe-se que as inter-relações entre os ritmos biológicos e o fenômeno sonoro


ocorrem de forma intensa desde o início da vida do indivíduo envolvendo-o em sensações de
movimento espacial e temporal que atuam como princípios vitais de organização.

Segundo Thayer Gaston (1968, p. 37), “o ritmo é aquele que organiza e proporciona
energia.” O autor considera o emprego do poder singular do ritmo, para energizar e ajudar a
organizar o comportamento do indivíduo, um dos princípios da musicoterapia.

Para Benenzon (2002, p. 55), “deve buscar-se a base da relação do ritmo e do ser
humano no contato sonoro intra-uterino do feto e a música é a evocação da mãe, é reeditar a
relação com ela e com a natureza.”

A comunicação entre mãe e filho apresenta implicações profundas no que tange aos
registros sonoros. Roederer (2002, p. 265) sugere que:

os sons “musicais” simples e as sucessões rítmicas de sons (como as que são


vocalizadas pela mãe) despertam a atenção da criança para ouvir, analisar e
armazenar esses sons como prelúdio para a aquisição da linguagem. Isso
pode ter levado ao surgimento da motivação para ouvir, analisar, armazenar
e também vocalizar sons “musicais”, bem como da reação emocional ou
recompensa límbica quando esses atos são realizados.

Dentre os elementos que constituem a música – ritmo, melodia e harmonia – o ritmo


é o que mais se associa à percepção de duração no tempo, de periodicidade. Para Edgar
Willems (1979) “o ritmo e seu elemento disciplinador, o pulso, são um recurso pelo qual o
indivíduo aprende a viver o tempo que passa, um tempo que é percebido, aceito, dominado e
experienciado em cada nova escuta musical.” (1979 apud WILLEMS; SEKEFF, 2007, p.44)

Pode-se observar paralelos significativos entre as estruturas temporais presentes nos


ritmos biológicos e nos ritmos sonoro musicais. Ambos organizam o movimento em um fluxo
dinâmico de contração e relaxamento cujos parâmetros são medidos em periodicidade
11

(duração), fase, amplitude (intensidade) e composição das freqüências (altura). Na visão de


Roederer (2002, p.267):
a propagação, pelo tecido cerebral, de um fluxo ciclicamente variável de
sinais neurais disparados por padrões sonoros rítmicos pode de alguma
forma entrar em “ressonância” com os “relógios” naturais do cérebro, que
controlam as funções do corpo e as respostas comportamentais. Esses
relógios provavelmente trabalham com base na atividade neural que se
propaga em circuitos fechados, ou engramas, ou quaisquer outros sistemas
de interligação neural que têm períodos naturais de resposta cíclica.

Os relógios naturais do cérebro ou “relógios biológicos” são estruturas localizadas no


Sistema Nervoso (nos animais superiores) que coordenam as atividades temporais endógenas
e intermediam as sincronizações com o meio externo. Segundo Lent (2005, p.520) esses
“relógios biológicos” recebem informação do ambiente, e desse modo a sua oscilação
espontânea fica acoplada aos ciclos ambientais. No hipotálamo está o relógio dos ritmos do
dia-a-dia (circadianos); no epitálamo fica o relógio dos ritmos sazonais (circanuais).

Para Jourdain (1997, p. 197) “a maioria desses relógios é regulada para durações que
seriam inúteis no caso da música. Mas, recentemente, os cientistas parecem ter identificado
um tipo de relógio diferente, apelidado relógio dos intervalos, que pode fabricar uma ampla
gama de pulsações e é candidato provável a fonte biológica do ritmo musical.

Ampliar o conhecimento sobre os mecanismos de funcionamento dos ritmos


biológicos e suas interações com a Musicoterapia é relevante sob o ponto de vista
profissional, em virtude das possíveis aplicações na prática clínica, e pessoal uma vez que os
mesmos causam impacto em nossa rotina diária incidindo sobre a regulação do sono,
atividades motoras, desempenho cognitivo e psíquico.

Justificativas

Uma vez que a Musicoterapia utiliza o som e a música como ferramentas


sistemáticas em sua prática clínica, faz-se necessário a busca contínua de conhecimentos
específicos que ampliem a capacidade de avaliação das reações e interações que ocorrem com
o paciente frente a esses estímulos durante o atendimento, visando conduzir, da melhor
maneira possível, o processo musicoterápico.
12

A Cronobiologia é um campo do conhecimento que estuda os mecanismos temporais


presentes nas funções biológicas. A Musicoterapia estuda as relações entre o universo sonoro-
musical e o ser humano. O tempo biológico e o tempo musical possuem similaridades que
merecem ser estudadas ampliando a discussão sobre as possíveis conexões entre os ritmos
presentes nas funções orgânicas o os ritmos presentes nos movimentos sonoros.

Estima-se que o desenvolvimento de estudos interdisciplinares entre essas duas áreas


estimule a criação de novos paradigmas na relação som – ritmos biológicos.

Objetivos

I - Investigar trabalhos científicos publicados por pesquisadores das disciplinas


Cronobiologia e Musicoterapia relacionados a aplicações clínicas de estímulos sonoros e/ou
musicais e suas correlações com os ritmos biológicos endógenos dos indivíduos;

II – Identificar os possíveis mecanismos de interação entre a ritmicidade biológica e


a Musicoterapia.

Fundamentação Teórica

A fundamentação teórica deste trabalho baseia-se nos conceitos sistematizados pela


Cronobiologia e Musicoterapia.

Buscou-se averiguar, através de revisão bibliográfica, entrevistas pessoais realizadas


com pesquisadores renomados e pesquisas na internet, se a Cronobiologia considera o som e a
música agentes arrastadores ou zeitgbers eficientes dos ritmos biológicos e, paralelamente,
como a ritmicidade biológica é compreendida e investigada pela Musicoterapia
13

Dos resultados obtidos na Cronobiologia, o que despertou maior interesse foi a


página da Universidade Mozarteum de Salzburg – Áustria, contendo o resumo de trabalhos de
pesquisa que participaram do congresso internacional: O Impacto da Música – Um Diálogo
das Ciências e das Artes Sobre os Efeitos da Música em Arte, Educação e Medicina, realizado
no mês de outubro de 2006, em Viena. O objetivo do evento foi estabelecer um diálogo
interdisciplinar entre os vários campos científicos envolvidos em pesquisas referentes aos
efeitos da música, dentro de seus específicos contextos.

Dentre os trabalhos expostos, um era de autoria do cronobiologista Prof. Dr. Hans-


Ullrich Balzer, intitulado – Aspectos Cronobiológicos do Impacto da Música - (vide seção 4.5
p. 70). Em sua pesquisa, Balzer procura explicar as interações entre as funções vegetativas e a
audição musical através de um complexo método matemático baseado em algoritmos. Os
resultados demonstraram diferentes influências do estímulo musical nos ouvintes dependendo
da fase em que se encontravam os ritmos biológicos dos mesmos (ativação, desativação e
regulação) e das características da música. Balzer demonstrou em um gráfico como a música e
o sistema nervoso começavam a sincronizar quando os ouvintes eram expostos à audição do
concerto de piano nº 17, de Mozart. (vide figura 05 – p. 72).

A legitimidade da fonte pesquisada foi confirmada pela Professora Dra. Mirian


David Marques, responsável pelo Laboratório de Cronobiologia do Museu de Zoologia da
USP. Ela atestou a credibilidade do autor Balzer junto à comunidade científica e, com grande
empenho, forneceu orientações relevantes para a compreensão dos mecanismos de
funcionamento dos ritmos biológicos.

Além desse trabalho, foi selecionado, também, o artigo escrito em 1998 pelo Prof.
Dr. Gunther Hildebrandt, fundador da Sociedade Européia de Cronobiologia, intitulado
“Ritmos Biológicos em Humanos e suas Similaridades com a Música” buscando demonstrar
como os processos rítmicos de um organismo humano saudável seguem as leis harmônicas da
natureza presentes, igualmente, na música. (vide seção 4.5, p. 72) Em sua opinião “os
resultados encontrados na Cronobiologia e cronomedicina têm mostrado que o organismo
humano não só possui um design interior complicada em termos de estrutura espacial, mas
também tem um design temporal altamente sofisticado, uma vez que é construído a partir de
inúmeras estruturas rítmicas. Existe, portanto, razão suficiente para procurar estruturas
14

biológicas temporais nos seres humanos que possam ser consideradas equivalentes ou
reagentes às experiências musicais.

O Prof. Dr. Hildebrandt consta nas referências bibliográficas do livro Cronobiologia:


Princípios e Aplicações. Essa obra, escrita por 24 especialistas brasileiros, que atuam nesse
campo, e organizado pelos Professores Drs. Nelson Marques e Luiz Menna-Barreto, que se
dedicam ao estudo da Cronobiologia desde 1981 e coordenam o Grupo Multidisciplinar de
Desenvolvimento e Ritmos Biológicos (GMDRB) da USP, foi utilizada como fonte de
referência no que tange às definições conceituais e teóricas da cronobiologia expostas nesta
monografia. Em suas 320 páginas não aparece nenhuma citação de fenômenos sonoros
correlacionados aos ritmos biológicos.

Dos resultados obtidos na Musicoterapia, foram selecionados artigos que enfocavam


o entrainment (arrastamento) da ritmicidade biológica através da música ou de técnicas
musicoterápicas. O primeiro intitula-se “O efeito da música, terapia e relaxamento sobre
corticosteróides adrenais e re-arrastamento dos ritmos circadianos”, escrito por Mark Rider e
colegas, em 1985. (vide seção 4.6, p.75) Rider é Ph.D., professor de musicoterapia na
Universidade Metodista do Sul, em Dallas e atua como pesquisador no Centro de Ciências
Não-Lineares, na Universidade do Norte do Texas. O segundo intitula-se “As conexões entre
ritmicidade e funções cerebrais”, escrito por Michael Thaut e colegas, em 1999. (vide seção
4.6, p. 76) Thaut é Ph.D., diretor científico do Centro para Investigação Biomédica em
Música na Universidade Estadual do Colorado, atua como professor de música e engenharia
elétrica e, como violinista, apresenta-se em concertos juntamente com seu trio.

Em complemento as pesquisas, será citado um interessante trabalho, desenvolvido


por pesquisadores da área de fisiologia, intitulado “Ritmos musicais no ciclo dinâmico do
coração: uma abordagem interdisciplinar e inter-cultural dos ritmos cardíacos”, escrito por
Bettermann e colegas, em 1999 (vide seção 4.6, p. 78), no qual é demonstrado que padrões
cíclicos do coração podem ser interpretados como ritmos musicais.

Com relação às definições conceituais e teóricas da Musicoterapia foram utilizados


como referência os seguintes livros: “Definindo Musicoterapia” de Kenneth Bruscia (Prof. Dr.
da Temple University, Philadelphia), “A Comprehensive Guide to Music Therapy – Theory,
15

Clinical Practice, Research and Training” de Tony Wigram, Inge Nygaard Pedersen & Lars
Ole Bonde (University of Aalborg, Dinamarca), “From Out of the Silence - Music Therapy
Research and Practice in Medicine” de David Aldridge (Prof. Dr. da University of Herdecke,
Alemanha), “Teoria da Musicoterapia” de Rolando Benenzon e “Cadernos de Musicoterapia
2” de Lia Rejane M. Barcellos.

Neste trabalho será dado continuidade ao assunto pesquisado na Iniciação Científica


intitulada “As Possíveis Correlações entre a Ritmicidade Biológica e a Percepção de
Estímulos Sonoros e/ou Musicais”, realizada no ano de 2007, buscando-se o aprofundamento
do tema, uma vez que, se no início das pesquisas supunha-se haver possíveis correlações entre
a ritmicidade biológica e a percepção de estímulos sonoro-musicais, ao final de um ano de
investigações constatou-se, efetivamente, existirem interações entre os dois campos.

Metodologia da Pesquisa

Para a realização desta monografia utilizou-se o método teórico-conceitual. Foi


realizado levantamento bibliográfico por meio de livros didáticos e especializados, artigos
científicos nacionais e estrangeiros, revistas especializadas e páginas eletrônicas. Foram
realizados contatos com autores, entrevistas abertas pessoalmente e pela internet.
16

CAPÍTULO 1 – RITMOS BIOLÓGICOS

Os ritmos biológicos se manifestam regularmente em todos os organismos vivos. A


cronobiologia é uma área da ciência que estuda os comportamentos rítmicos presentes na
organização temporal de diferentes espécies.

Segundo Araujo & Marques (2002, p.96) “como organização temporal


compreendemos, a capacidade dos seres vivos de expressarem seus comportamentos e
controlarem a sua fisiologia de uma forma recorrente e periódica.”

Os seres vivos são dotados de uma estrutura organizacional que mantém padrões
constantes de movimento oscilatório, ou seja, tudo o que ocorre no organismo obedece a
padrões rítmicos gerados endogenamente.

Esses ritmos, porém, podem ser alterados devido a fatores ambientais como a
presença ou não de luz (ciclo claro/escuro), ciclo das estações do ano, ciclos da lua, ciclo das
marés, e, também, pelos ritmos de outras freqüências e sem correlatos com os ciclos
geofísicos como, por exemplo, ciclos de temperatura, ciclos de alimentação e ciclos de
interação social, apesar destes serem mais difíceis de serem quantificados.

Os eventos rítmicos biológicos possuem um tempo de duração do ciclo de atividade,


bastante variável. De acordo com Marques & Menna-Barreto (2003, p.57) “os ritmos
biológicos manifestam-se em períodos que vão de milissegundos, como os ritmos de disparo
de neurônios ou de batimento do flagelo de espermatozóides, até anos, como o ciclo
reprodutivo da cigarra americana (13 ou 17 anos) ou do bambu chinês (100 anos).”

Nos humanos, o ato de dormir, as atividades motoras, o desempenho psicomotor e


cognitivo, a percepção sensorial, a secreção hormonal, a temperatura corporal, as atividades
reprodutoras e vários outros fenômenos fisiológicos e psicológicos manifestam-se em
períodos rítmicos.

As pesquisas no campo da cronobiologia, realizadas na primeira metade do século


passado, constataram gradualmente que “os ritmos biológicos observados não eram simples
flutuações de reações químicas internas do organismo, mas, sim, o resultado da interação
17

entre mecanismos internos e sincronizadores externos.” (MARQUES & MENNA-


BARRETO, 2003, p.39)

O organismo vivo e o meio ambiente estão em contínua interação na busca de um


estado de equilíbrio dinâmico. Na opinião de Fitzgerald & Bundy (1978, p. 12) “como os
sistemas biológico e psicológico do ser humano são mais ‘abertos’ do que os dos organismos
não humanos, podemos, com razão, esperar encontrar interações organismo-meio ambiente
muito mais complexas influenciando os biorritmos e o comportamento humano.”

Os ritmos biológicos se manifestam regularmente em ciclos com diferentes períodos


de duração e são agrupados de acordo com a periodicidade das oscilações, conforme será
abordado na seção 1.3 (p. 21).

1.1– Cronobiologia

A Cronobiologia é uma ciência que estuda a organização temporal dos seres vivos.
Por organização temporal compreende-se o equilíbrio entre dois fatores: a ritmicidade
endógena (eventos biológicos que se repetem regularmente no organismo) e a reação a
estímulos ambientais (ciclos ambientais).

Um dos objetivos da Cronobiologia é investigar os mecanismos envolvidos na


manifestação dos ritmos biológicos e suas interações com os ritmos ambientais visando
contribuir, através dos resultados, com diversas áreas do conhecimento, direcionando
aplicações diretas na organização das atividades humanas e na compreensão de patologias e
terapêuticas.

Outra questão relevante para os cronobiólogos refere-se ao funcionamento de


mecanismos medidores de tempo (relógios biológicos) que seriam os responsáveis pelos
padrões dos ritmos de atividade regular orgânica. Para Lent (2005, p.522) os relógios
biológicos são ajustáveis ao ambiente pela ação de células sensoriais e vias aferentes,
tornando-se sincronizados com os ciclos naturais. Seus efeitos, por outro lado, são produzidos
por vias eferentes. Um dos possíveis relógios biológicos foi identificado há algum tempo e
refere-se ao núcleo supraquiasmático que se localiza no hipotálamo (vide figura 2, p.24).
18

As proposições teóricas e metodológicas da Cronobiologia foram efetivamente


sistematizadas a partir de 1960, porém as descrições fenomenológicas de ritmos remontam à
Antigüidade. Uma das primeiras descrições detalhadas e com caráter mais científico foi a de
Andróstenes de Thasos em 325 a.C. Este historiador, acompanhante das explorações de
Alexandre, o Grande, descreve com riqueza de detalhes o movimento periódico diário das
folhas da planta Tamarindus indicus, o conhecido tamarindo. Provavelmente, este é o
primeiro relato documentado de um ciclo de atividade/repouso em plantas (1983 apud
SCHILDKNECHT; MARQUES & MENNA-BARRETO, 2003, p.33)

Outro relato semelhante a esse foi descrito muitos anos depois por Jean Jacques de
Mairan. O pesquisador estudou, em 1729, os movimentos periódicos das folhas de Mimosa
mantidas isoladas de ciclos ambientais de claro/escuro (ibid., p. 33)

Entre os séculos XVII e XIX, as investigações sobre os ritmos biológicos


distinguiam-se entre duas linhas principais. A primeira voltava-se para o homem, abordando
variáveis fisiológicas em condição de saúde e doença como o peso e a temperatura corporais,
volume urinário e comportamento humano, sendo que a maioria dos ritmos observados
referiam-se a mudanças diárias. A segunda envolvia a manipulação do ambiente, ou seja, os
ciclos ambientais eram eliminados ou atenuados para que os ritmos pudessem ser observados
sob essas condições. Essas experiências eram, geralmente, realizadas com plantas. Até a
primeira metade do século passado, essa linha de investigação havia se ampliado para uma
grande variedade de organismos: abelhas e outros insetos, crustáceos, coelhos e roedores.
(ibid., p. 33)

Com os resultados dos estudos, constatou-se que a ritmicidade se manifestava em


toda a matéria viva, em diversos níveis de análise (desde metabolismo celular até sistemas
complexos), restando identificar de que forma estes ritmos eram gerados e quais os processos
orgânicos envolvidos na sua sincronização com o meio ambiente.

Pittendrigh (1981) postulou “que esta ritmicidade seja gerada por um conjunto de
osciladores, os relógios biológicos, assim chamados por possuírem características que
permitem considerá-los análogos a relógios.” (1981 apud PITTENDRIGH; MARQUES &
MENNA-BARRETO, 2003, p. 59)
19

Teorias referentes ao relógio biológico vinham sendo desenvolvidas havia algum


tempo. No final da década de 50, Bünning propõe modelos hipotéticos para explicar o
funcionamento do relógio biológico. Nestes haveria uma alternância de “tensão” e
“relaxamento”, ou seja, oscilações de “relaxamentos” fisiológicos (ou bioquímicos) como
mecanismos geradores da ritmicidade. (ibid., p.39)

Recentemente, conforme explica Araujo & Marques (2002, p.109):

estão surgindo evidências de múltiplos osciladores para o sistema circadiano;


evidências de osciladores circadianos independentes do
núcleosupraquiasmático, incluindo os osciladores periféricos fora do sistema
nervoso central; evidências de múltiplas freqüências simultâneas e
evidências de osciladores para outras freqüências.

Passados mais de 60 anos de sistematização e organização disciplinar desse campo


do conhecimento, existem atualmente 14 Sociedades de Cronobiologia espalhadas pelo
mundo e, recentemente, foi fundada a Federação Mundial de Sociedades de Cronobiologia.

Em São Paulo e em outros estados brasileiros diversos grupos de pesquisa estão


desenvolvendo estudos interdisciplinares contínuos que vem contribuindo muito para uma
maior divulgação dos conceitos cronobiológicos.

O GMDRB – Grupo Multidisciplinar de Desenvolvimento e Ritmos Biológicos, da


Universidade de São Paulo, tendo como um dos coordenadores o Prof. Dr. Luiz Menna-
Barreto, “pode ser considerado o grupo pioneiro em tomar a Cronobiologia como objeto
principal de investigação científica desde a sua constituição em 1981.” (ibid., p.46)

Esse grupo é responsável pelo desenvolvimento de estudos sobre a ontogênese do


ciclo vigília/sono, pela publicação de livros contendo os fundamentos e aplicações principais
da cronobiologia e pela organização de simpósios brasileiros e latino-americanos. No Museu
de Zoologia da USP, sob a coordenação da Profª. Dra. Mirian David Marques, “também são
desenvolvidas pesquisas sobre a evolução da ritmicidade biológica e sobre a interação entre
fatores cronobiológicos e ecológicos.” (ibid., p.47)
20

1.2 - Homeostase

O termo homeostasia foi cunhado pelo fisiologista americano Walter Cannon (1871-
1945) e refere-se às “reações fisiológicas coordenadas que mantêm constante a maioria dos
estados do corpo... e que são características do organismo vivo”. LENT (2005, p. 455).

A homeostase é o processo de regulação de funções orgânicas - pressão arterial,


temperatura, concentração de hormônios, dentre inúmeras outras - que ocorrem
simultaneamente, em vários sistemas como digestório, cardiovascular, respiratório, urinário,
etc., sob a coordenação do sistema nervoso autônomo (SNA).

O SNA dispõe de dois modos de controle do organismo: um modo reflexo e um


modo de comando. Segundo Lent (2005, p. 464) o “modo reflexo” envolve o recebimento de
informações provenientes de cada órgão ou sistema orgânico e a programação e execução de
uma resposta apropriada. O “modo de comando” envolve a ativação do SNA por regiões
corticais ou subcorticais, muitas vezes voluntariamente.

Dentro de cada sistema ocorrem funções bastante complexas que necessitam


sincronizar o ritmo de suas atividades com outro órgão ou sistema e com o meio ambiente
visando à manutenção do equilíbrio do indivíduo. Essas interações são coordenadas através do
mecanismo de ação do relógio biológico.

Conforme descreve Lent (2005, p.484):

O órgão que coordena a homeostasia é o hipotálamo. Para isso, utiliza


informações neurais provenientes de diversos receptores sensoriais
estrategicamente posicionados e informações químicas provenientes
de diversas substâncias circulantes, principalmente hormônios
secretados pelas glândulas endócrinas. De posse dessas informações
sobre o organismo, o hipotálamo ativa o SNA e o sistema endócrino e
emite através deles comandos neurais e químicos para os diversos
órgãos e tecidos realizarem os ajustes fisiológicos necessários. Além
disso, ativa outras regiões neurais que por sua vez irão provocar os
comportamentos motivados: ações de busca de abrigos aquecidos,
água e alimentos, atos sexuais e outros.
21

Alguns cronobiologistas sugerem uma profunda revisão no conceito de homeostasia


por acreditarem que “as flutuações de um sistema biológico fazem parte de sua essência, ou
seja, não podem ser entendidas como meras perturbações, uma vez que expressam um
processo de adaptação a um ambiente também essencialmente variável.” (MARQUES &
MENNA-BARRETO, 2003, p.49)

Outros, por sua vez, sugerem “que princípios cronobiológicos seriam entendidos
como uma complementação à homeostasia”. (1979 apud ASCHOFF; MARQUES &
MENNA-BARRETO, 2003, p.49)

Na visão dos musicoterapeutas, a homeostase é um estado fisiológico flexível e


balanceado (equilibrado); um estado permanente de equilíbrio do organismo, sempre
direcionado para restabelecer as condições iniciais (como um termostato). Originalmente o
termo vem da biologia e define o estado do organismo de manter a estabilidade em meio às
mudanças das condições de equilíbrio. (WIGRAM et al.,2002, p.319)

No livro Definindo Musicoterapia, Bruscia (1998, p.90) faz uma reflexão sobre os
conceitos de saúde e comenta que “ela existe ao longo de um continuum multidimensional,
em mudança constante, indo do insalubre até a saúde; ela não é um ideal, um estado
dicotômico de homeostase que diferencia o bem estar da doença”. Essa afirmação parece
indicar a necessidade de reavaliação do conceito de homeostase, assim como foi preconizado
pelos cronobiologistas.

A despeito da discussão teórica, percebe-se na prática musicoterápica que algumas


experiências receptivas como escuta somática, entrainment, biofeedback musical, anestesia
musical, relaxamento musical e escuta eurrítmica atuam diretamente no SNA evocando
respostas corporais específicas. Essas técnicas serão citadas na seção 4.4 (p.66).

1.3 – Ritmos Circadianos, Ultradianos e Infradianos

Os ritmos biológicos são classificados de acordo com a sua periodicidade. Os ritmos


que se repetem a cada dia são denominados circadianos, um termo derivado das palavras
latinas circa (em torno) e dias (dia).
22

O ciclo vigília-sono é um ritmo circadiano comum a vários seres que se repete a cada
dia, em um período que varia de 20 a 28 horas, de acordo com a espécie.

Lent (2005, p.520) explica que:

o ciclo vigília-sono nada mais é do que uma oscilação do nível geral de


atividade do sistema nervoso: maior atividade durante a vigília, menor
durante o sono. Regulam este ciclo os sistemas modulares difusos, conjuntos
de neurônios – cada um deles com um neurotransmissor diferente – que
emitem extensos e longos axônios que estabelecem sinapses em grandes
territórios do córtex cerebral e regiões sub-corticais, do tálamo à medula
espinhal. Por ação deles, ao final do dia adormecemos: nossa consciência se
apaga, os músculos repousam, as funções orgânicas ficam mais lentas e
pausadas.

Além dos ritmos circadianos, existem os ritmos infradianos (ritmos de baixa


freqüência), que tem a duração maior do que um dia com períodos de oscilação superiores à
28 horas, como os ciclos ligados à reprodução (ciclo menstrual humano) e os ritmos
ultradianos (ritmos de alta freqüência), que tem a duração menor do que um dia com períodos
de oscilação menores que 20 horas, como os ritmos de respiração, de batimentos cardíacos e
de disparo de neurônios, entre outros.

Fig. 01 – Exemplo de ritmos ultradianos


Fonte: HILDEBRANDT, 2002
23

Lent (ibid., p.520) esclarece melhor a nomenclatura utilizada “nos ritmos ultradianos
o período é de horas (menor que um dia), mas a freqüência é alta (vários ciclos por dia). Daí o
prefixo ultra. Nos ritmos infradianos ocorre o contrário: o período pode ser até de meses
(maior que um dia), mas a freqüência é baixa (alguns ciclos por ano). Daí o prefixo infra.”

Segundo Marques & Menna-Barreto (2003, p. 248) “apenas mais recentemente a


ontogênese da ritmicidade ultra e infradiana tem sido objeto de estudo, sendo bastante
incompleta a compreensão das modificações na composição de freqüências.”

1.4 – Ritmos biológicos endógenos e suas manifestações

Como foi descrito, os ritmos biológicos manifestam-se em diferentes freqüências. Os


ritmos circadianos referentes ao ciclo vigília/sono são os mais estudados. Com relação aos
ritmos ultradianos, os batimentos cardíacos são os ritmos que têm recebido maior atenção.
Quanto aos ritmos infradianos, os eventos que ocorrem sazonalmente (nas mudança das
estações) têm sido alvo de pesquisas.

Na opinião de Marques & Menna-Barreto (2003, p. 117):

ritmos de diferentes freqüências podem estar inter-relacionados de diversas


formas e a compreensão das correlações e interações dos ritmos circadianos-
ultradianos-infradianos é fundamental para a compreensão da organização
temporal dos seres vivos.”

Cabe salientar que a ritmicidade biológica endógena é um fenômeno bastante


complexo. Os conceitos expostos neste trabalho, apresentam-se de forma resumida no intuito
de elucidar alguns aspectos de âmbito geral.

Está comprovado que todo organismo vivo manifesta um comportamento rítmico,


porém o processo de investigação sobre como esse ritmo se origina e qual ou quais estruturas
regulam a sua atuação ainda não foram totalmente desvendados.

As evidências experimentais mostram que, nos mamíferos, os ritmos circadianos são


controlados por circuitos neurais localizados nos núcleos supraquiasmáticos (NSQ) – par de
núcleos da porção anterior do hipotálamo que funcionam como um multioscilador. (ibid., pg.
102)
24

Fig. 02 – Localização dos núcleos supraquiasmáticos


Fonte: htpp://www.hhmi.org/biointeractive/mu

Apesar de não se conhecer ainda os mecanismos geradores de freqüências


infradianas, cujas oscilações se manifestam em períodos superiores à 28 horas, resultados de
testes confirmam que o NSQ influi sobre a expressão dos ritmos circanuais (com período de
aproximadamente 12 meses) (ibid., p. 183)

No que tange aos ritmos ultradianos, cuja freqüência de oscilação acontece em


períodos abaixo de 20 horas, ou seja, com durações que variam entre milésimo, centésimo,
décimo de segundos, segundos, minutos e horas, não se conhece, igualmente, os mecanismos
geradores desses ritmos. Especialistas sugerem que estes padrões rítmicos sejam originados e
controlados por redes neurais, capazes de gerar atividades oscilatórias sem requerer
informação sensorial. (MARQUES & MENNA-BARRETO, 2003, p.153)

Outras investigações demonstraram a presença, em mamíferos, de osciladores


autônomos em diversos órgãos periféricos do organismo (ibid., p.178). As estruturas
biológicas capazes de gerar uma oscilação regular espontaneamente além dos núcleos
supraquiasmáticos são, por exemplo, os marca-passos cardíacos.

1.4.1- Ritmos em livre-curso


25

Nas experiências realizadas em laboratório, onde são mantidas condições de claro


constante ou escuro-constante, diversos ritmos biológicos continuam a se expressar durante
dias, meses ou anos, dependendo da espécie e das condições experimentais. Estes ritmos são
conhecidos como ritmos em livre-curso e são a expressão de relógios biológicos endógenos.
(MARQUES & MENNA-BARRETO, 2003, p.59)

1.4.2-Ritmos sincronizados a ciclos ambientais

Os ritmos endógenos são sincronizados a acontecimentos externos através de um


processo que envolve diversas etapas denominado adaptação temporal. Tomando como
exemplo o ciclo vigília-sono que, em geral, é sincronizado ao ciclo de 24 horas claro-escuro,
constatou-se que os mecanismos do relógio biológico liberam hormônios como o cortisol e
elevam a temperatura interna nas últimas etapas de sono ajustando de maneira antecipada a
transição entre os dois estados. (1980 apud CZEISLER et al.; MARQUES & MENNA-
BARRETO, 2003, p.60)

Além da antecipação, a adaptação temporal consiste na harmonização das fases dos


ritmos da espécie com aquelas dos ciclos ambientais. Isto implica em que os estados dos
ritmos fisiológicos e comportamentais estejam associados às fases mais propícias do ciclo
ambiental para a sobrevivência da espécie. Esta harmonização de fases é alcançada através do
arrastamento ou entrainment; processo em que o ritmo em livre-curso, gerado pelo oscilador
interno, tem sua fase e sua freqüência ajustadas por um ou mais fatores cíclicos do ambiente.
(1981b apud PITTENDRIGH; MARQUES & MENNA-BARRETO, 2003, p.60)

O mecanismo de arrastamento ou entrainment (ajuste temporal de um ritmo por


outro ritmo) é amplamente estudado em pesquisas científicas em diversas áreas do
conhecimento, assim como na Musicoterapia. Esse assunto será abordado mais
especificamente na seção 4.1 (p. 57).

Ao fator cíclico ambiental que promove o arrastamento dos ritmos biológicos,


Aschoff (1960) deu o nome de zeitgeber, neologismo alemão que significa “doador de
tempo”. Mas não só os ciclos geofísicos constituem-se em zeitgebers; também os ciclos de
pressão atmosférica, de temperatura, de disponibilidade de alimentos, ou os ciclos de
interação social podem arrastar eficientemente os ritmos de diversas espécies.
26

Um importante exemplo de sincronização por interação social é o observado entre a


mãe e suas crias em mamíferos. No momento do nascimento, a cria é sincronizada
principalmente por ciclos de presença/ausência da mãe, dado que o zeitgeber CE
(claro/escuro) não age com tanta força como fará durante a vida adulta. (1985 apud
VISWANATHAN & CHANDRASHEKARAN; MARQUES & MENNA-BARRETO, 2003,
p.75)

1.5 – Os fenômenos rítmicos e o comportamento humano

Conforme salienta Marques & Menna-Barreto (2003, p. 252):


o estabelecimento da ritmicidade biológica é um processo bastante
complexo, que envolve a maturação de vários sistemas e que não deve ser
confundido com o momento do nascimento. Existem ritmos presentes nas
formas embrionárias assim como ritmos que vão aparecer mais tarde, por
exemplo, os ritmos hormonais relacionados as funções reprodutivas.

O ritmo alimentar é um dos primeiros a serem estabelecidos. Os bebês são levados


para que sejam alimentados no peito por suas mães dentro de horários preestabelecidos. Após
um período, o ritmo da produção de leite materno e a “fome” do bebê colocam-se mais e mais
em fase, atingindo, a sincronia. (FITZGERALD & BUNDY, 1978, p.20)

A sucção apresenta igualmente uma atividade rítmica. Crianças normais chupam seus
dedos numa razão de cinco a quinze sucções consecutivas. Wolff (1967) sugeriu que os ritmos
de sucção refletem a atividade de um relógio endógeno. Crianças que apresentam danos no
cérebro apresentam freqüentemente padrões anormais de sucção. (ibid., p. 24)

Lee Salk (1973) considera que um dos primeiros ritmos a influenciar o


comportamento humano é o das batidas do coração da mãe durante o ambiente pré-natal. Ele
observou que a maioria das mães carrega seus filhos de tal forma que a cabeça da criança fica
recostada sobre seu lado esquerdo. Salk acredita que essa posição seria preferida devido a um
reflexo instintivo pois os bebês recebem o imprinting do som do ritmo cardíaco materno
durante a vida pré-natal, e que tal som continua a ter um papel benéfico para o
comportamento infantil durante a vida pós-natal. (ibid., p. 22)
27

Os ritmos estão presentes em nosso cotidiano e, na maioria das vezes, não nos damos
conta de quanto influenciamos e somos influenciados por eles. Recentemente, estudos
científicos sobre relaxamento e meditação estão comprovando que os seres humanos podem
ser capazes de um controle voluntário muito maior do que se pensava anteriormente sobre o
funcionamento do sistema nervoso central e autônomo.

Mas, de uma forma geral, os indivíduos apresentam ainda comportamentos bastante


vulneráveis perante as variações rítmicas como, por exemplo, as alterações no temperamento
feminino relacionadas à liberação do hormônio estrógeno e a síndrome da tensão pré-
menstrual.

Pesquisas realizadas por fisiólogos e psicólogos buscam comprovar as possíveis


correlações entre os ritmos biológicos e fatores psicológicos. Estudos sugeriram que homens e
mulheres têm ciclos de disposição. Em alguns, as alterações encontradas eram tão pequenas
que mal podiam ser distinguidas, enquanto que em outros variavam de períodos de grande
atividade e júbilo a períodos de profundo desespero e depressão. (FITZGERALD & BUNDY,
1978, p.29)

A psicose maníaco-depressiva ou transtorno bipolar é um tipo de enfermidade mental


que incide de forma recorrente promovendo alterações cíclicas no estado de humor do
paciente oscilando, periodicamente, entre o estado maníaco e o estado depressivo.

Além dessas variações no comportamento, existe uma predisposição natural de


funcionamento do relógio biológico que distingue os indivíduos entre matutinos (apresentam
tendência a dormir cedo e acordar cedo), vespertinos (apresentam tendência a dormir tarde e
acordar tarde) ou indiferentes.

É importante ressaltar que as questões relativas aos fenômenos rítmicos e o


comportamento humano variam entre os indivíduos.

1.6 - Os ritmos do sono

Os primeiros pesquisadores a estudarem sistematicamente o sono foram psicólogos


alemães, por volta de 1860. Eles avaliaram a profundidade do sono determinando o volume de
28

ruído necessário para acordar pessoas adormecidas em várias ocasiões durante a noite.
Descobriram que as pessoas têm maiores dificuldades em acordar durante as primeiras horas
de sono concluindo que o sono no princípio da noite era diferente do sono posterior.
(FITZGERALD & BUNDY, 1978, p.25)

Somente após a invenção do eletrencefalograma (EEG), por volta de 1930, que os


cientistas puderam medir e registrar as atividades elétricas do cérebro constatando a existência
de diferentes padrões de ondas cerebrais durante o sono. Na década de 50, os fenômenos do
sono foram estudados pelo americano Nathaniel Kleitman e seus alunos William Dement e
Eugene Aserinsky os quais descobriram que o sono possui vários estágios e dois estados
diferentes. (LENT, 2005, p.535)

Os dois estados diferentes de sono foram denominados sono de ondas lentas e sono
paradoxal ou sono REM (Rapid Eye Movements). E os vários estágios identificados na
verdade são quatro e acontecem no estado de sono de ondas lentas. Os ritmos das ondas
cerebrais são diferentes durante os estágios do sono.

Durante o estágio 1, o indivíduo vai tornando-se sonolento, os registros da atividade


cerebral medidos no EEG passam de um traçado dessincronizado chamado ritmo beta para um
traçado ligeiramente diferente, de voltagem um pouco maior e menor freqüência, o ritmo alfa.
Durante o estágio 2, o indivíduo vai se tornando mais adormecido e seu EEG passa a
apresentar algumas ondas de alta voltagem (chamadas fusos de sono e complexos K, por
homenagem a Kleitman). Em seguida ocorrem os estágios 3 e 4 nos quais o sono se torna
ainda mais profundo, o EEG mais sincronizado apresentando ritmos de alta voltagem e baixa
freqüência, o chamados ritmos theta e delta. Após esses estágios, o EEG volta a se tornar
dessincronizado e os olhos passam a mover-se ativamente, embora o corpo do indivíduo
permaneça imóvel. Caracterizando-se assim o sono paradoxal ou sono REM. (LENT, 2005,
p.535)
29

Figura 03 – Registros das ondas cerebrais


durante os ciclos do sono
Fonte: UnicenP – Centro Universitário Positivo

-Ondas Gama: ondas de alta freqüência, acima de 30 Hz, consideradas como reflexo de
codificação e concatenação temporal entre áreas cerebrais distintas.
-Ondas Beta: entre 13 e 30 Hz no estado normal de vigília, são associadas às atividades
que requerem uma certa concentração.
-Ondas Alpha: entre 8 e 13 Hz, presentes no estado de sonho e na meditação leve,
quando os olhos estão fechados. Essas ondas pulsam através de todo o córtex cerebral.
-Ondas Theta: entre 3 e 8 Hz no estado de sono, mas também nos estados de
meditação profunda. Durante os sonhos lúcidos somos receptivos às informações além da
nossa consciência normal.
-Ondas Delta: entre 0,05 e 3 HZ, presentes durante o sono muito profundo. Foi
observado que o hormônio de crescimento (melatonina) fica estimulado durante esse
período. Esse hormônio é propício à cura e à regeneração dos tecidos.

Hoje se sabe que há sistemas neurais para manter o indivíduo alerta e ativo durante a
vigília, outros para iniciar os fenômenos do sono e controlar a transição gradual pelos estágios
do sono de ondas lentas, outros ainda que disparam os fenômenos do sono paradoxal, e ainda
outros que possibilitam o despertar. Os neurocientistas não querem só identificar os sistemas
moduladores envolvidos nessas operações de controle, mas determinar como eles interagem, e
como são todos controlados pelos sistemas temporizadores circadianos, que em última análise
fazem com que o ciclo funcional se repita a cada 24 horas. (ibid., 2005, p.543)
30

A cronobiologia estuda a intermodulação (combinação de freqüências que se


influenciam mutuamente) entre os ritmos biológicos. A ontogênese do ciclo vigília/sono no
homem é um exemplo de presença simultânea de freqüências ultradiana-circadiana-
infradiana, com diferentes pesos de cada uma dessas faixas de freqüência ao longo do ciclo de
vida do homem. (1981, 2002 apud BENOIT; MARQUES et al.; MARQUES & MENNA-
BARRETO, 2003, p. 113)

Conhecer os mecanismos envolvidos na regulação do sono é relevante para a


Musicoterapia devido às implicações clínicas relacionadas à diminuição da atividade elétrica
cerebral. Sabe-se que o estímulo rítmico sonoro, dependendo de sua estrutura, favorece o
rebaixamento do nível de consciência promovendo, paralelamente, a redução geral das
funções vegetativas diminuindo a freqüência cardíaca, a freqüência respiratória, a pressão
arterial, a temperatura corpórea, além da redução da atividade metabólica dos órgãos e
tecidos.
31

CAPÍTULO 2 – RITMOS SONOROS

No dicionário Aurélio encontra-se a seguinte definição de ritmo, no que diz respeito


ao aspecto musical: “agrupamento de valores de tempos combinados de maneira que
marquem com regularidade uma sucessão de sons fortes e fracos, de maior ou menor duração,
conferindo a cada trecho características especiais”. (FERREIRA, 1975, p. 1240)

Moraes (1983, p.197) sugere que “o ritmo pressupõe relações temporais e qualidades
envolvidas ciclicamente em três fases sucessivas e recorrentes de fluxo de qualquer tipo de
energia (acumulação, descarga, relaxamento).”

Para melhor compreensão dessas definições, faz-se necessário recorrer,


primeiramente, ao conceito de som.

O som é um fenômeno acústico que consiste na propagação de ondas sonoras


produzidas por um corpo que vibra em meio material elástico (especialmente o ar). As ondas
se deslocam no tempo em movimentos para cima (picos) e para baixo (depressões) dentro de
uma determinada amplitude.

Conforme afirma Menezes (2004, p.19) “sem movimento não pode haver som, e todo
movimento produz som, sejam estes percebidos ou não por nosso mecanismo auditivo.”
Teoricamente existem ondas sonoras de qualquer freqüência, entretanto o aparelho auditivo
humano é sensível somente a sons cuja área de freqüência esteja situada entre 20 Hz e 20.000
Hz. Abaixo de 20 Hz estão os infra-sons e acima de 20.000 Hz os ultra-sons. (SANTOS &
RUSSO, 1988, p.38) Freqüência é o número de vibrações por unidade de tempo ou o número
de ciclos que as partículas materiais realizam em um segundo (ciclos/segundo). Esta unidade
é medida em Hertz.

Se o movimento da onda se repete de forma quase exata após um certo intervalo de


tempo (período ou ciclo da vibração) ela é chamada de periódica. O som musical é
proveniente de uma vibração periódica que se caracteriza por determinadas propriedades
físicas: altura, intensidade, duração e timbre.
32

Serão descritas abaixo definições de diferentes autores sobre os parâmetros sonoros:

Altura - “a percepção da altura é a capacidade para distinguir se um som musical é


mais baixo (grave) ou mais alto (agudo) que outro. A freqüência (número de vibrações por
segundo) do corpo vibratório é o que determina a altura de um som.” (KÁROLYI, 2002, p.6)

Intensidade - (acusticamente ligada à amplitude do movimento vibratório) “pode ser


definida como sendo a energia que atravessa uma área num intervalo de tempo em função da
pressão sonora exercida pelas partículas materiais sobre a superfície na qual incidem.”
(SANTOS & RUSSO, 1988, p. 38)

Duração - (tempo de produção do som) “elemento mais primitivo e genuíno das


práticas musicais, além do fator mais próximo de fenômenos sonoros periódicos naturais, tais
como: batimentos cardíacos, respiração, etc. Relaciona-se às formas pelas quais percebemos o
tempo sonoro.” (MORAES,1983, p. 202)

Timbre - “a qualidade, ou o timbre, é o que nos permite distinguir os sons de


diferentes instrumentos, mesmo que eles tenham a mesma altura e a mesma intensidade.”
(ROEDERER, 2002, p. 21)

Como bem pontuou Wisnik (1989, p.21) cabe lembrar que: “em música, ritmo e
melodia, durações e alturas se apresentam ao mesmo tempo, um nível dependendo
necessariamente do outro, um funcionando como o portador do outro.”

A despeito dos conceitos formais inerentes a cada função acima descrita, é


importante destacar que no domínio da musicoterapia, os parâmetros sonoros são elementos
colocados a serviço da expressão do cliente/paciente sendo, portanto, passíveis de múltiplos
significados e variadas interpretações.

Da mesma forma, os efeitos que os elementos sonoros musicais podem vir a exercer
sobre o indivíduo são incontáveis. Sob o ponto de vista dos efeitos psíquicos, pode-se dizer
que “a música é um recurso que faculta a expressão do “eu” mediante simbolismos
aparentemente inocentes (duração, altura, intensidade, timbre, densidade, notas, pausas,
escalas, sistemas, categorias, funções, relações).” (SEKEFF, 2007, p.18)
33

A música cria um estado de ânimo ao qual respondemos em um nível subconsciente


e não verbal. (Wigram, 2002, p. 57)

Ainda com referência aos efeitos biológicos do som e da música, na interpretação de


Benenzon (2002, p.52), pode se dizer que:

a) segundo o ritmo, incrementa ou diminui a energia muscular.


b) acelera a respiração ou altera sua regularidade.
c) produz efeito marcado, porém variável, na pulsação, na pressão sangüínea e na
função endócrina.
d) diminui o impacto dos estímulos sensoriais de diferentes modos.
e) tende a reduzir ou retardar a fadiga e, conseqüentemente, incrementa o
endurecimento muscular.
f) aumenta a atividade voluntária e incrementa a extensão dos reflexos musculares
empregados no escrever, desenhar, etc.
g) é capaz de provocar mudanças nos traçados elétricos do organismo.
h) é capaz de provocar mudanças no metabolismo e na biossíntese de vários
processos enzimáticos.

Para que o processo musicoterápico possa cumprir com êxito seu papel de agente
mobilizador e transformador de forças psíquicas e biológicas, entra em jogo:

a capacidade do musicoterapeuta em perceber os elementos musicais


contidos na produção ou reprodução musical de um paciente (altura,
intensidade, timbre, compasso e todos aqueles que formam o tecido
musical) e a habilidade em responder, interagir, mobilizar ou ainda
intervir musicalmente na produção do paciente, de forma adequada
(Barcellos, 2004, p. 83).

De acordo com Barcellos (1992, p.20) existem cinco tipos de intervenções musicais
em musicoterapia:

1. Intervenções Rítmicas – visando descarregar e canalizar energias.


2. Intervenções Melódicas – visando a expressão de conteúdos do paciente por
intermédio de trechos musicais.
34

3. Intervenções Harmônicas – visando ampliar a linguagem musical do paciente


e através disto favorecer o desenvolvimento do seu “modelo de mundo”.
4. Intervenções Paraverbais – visando explorar aspectos da comunicação não-
verbal.
5. Intervenções Corporais – visando utilizar no contexto clínico gestos, posturas,
olhares e, principalmente, o corpo, considerado o primeiro instrumento
musical do homem.

Para concluir serão descritos brevemente conceitos mais abrangentes, portanto mais
condizentes com a visão que a musicoterapia tem da música e de seus três elementos
constitutivos, ritmo, melodia e harmonia.

Música - “é gesto, é expressão corporal, vocal, instrumental; é ato criativo


repertoriado numa cultura, sustentado numa rede de estímulos, emoções e pulsões que
escapam do regime lógico-formal; porque ela mobiliza potencialidades e emoções; porque
música é poética pura, processo de penetrar na consciência e nos sentimentos do indivíduo por
meio da percepção de imagens sonoras em movimento.” (SEKEFF, 2007, p.173)

Ritmo - “o ritmo está presente em todo tipo de vida – biológica, fisiológica,


psicológica, estética, criadora -, e como elemento pré-musical pode existir independentemente
de qualquer realização auditiva. Quem fala em ritmo musical fala em “ordem no movimento”,
cuja natureza é tanto fisiológica quanto psicológica, por sua dupla condição de duração e
intensidade. Pela duração o ritmo penetra em nossa vida fisiológica e pela intensidade, em
nossa vida psicológica.” (ibid., 2007, p. 43)
.
Melodia - “a melodia fala diretamente à fisionomia afetiva do indivíduo. E assim
como temos um ritmo próprio, resultado de trocas químicas e metabólicas, também temos
uma fisionomia afetiva própria, fisionomia permanente, ou pelo menos de certo modo
duradoura, e estreitamente relacionada com a totalidade de nossos interesses e preferências.
Ela representa a fisionomia sentimental característica de cada indivíduo, estrutura particular
de suas respostas emocionais, é radicada em suas tendências e é apresentada num repertório
sociocultural, pois o homem é fruto de uma cultura.” (ibid., 2007, p. 47)
35

Harmonia: “som, ritmo, melodia se completam com a harmonia, sustentada esta no


acorde, uma das concepções mais originais do homem ocidental, com seu tríplice poder:
sensorial, afetivo e mental.

a) sensorial: o acorde, fundamento da harmonia pelo qual a música do


Ocidente se distingue de todas as outras, é uma simultaneidade de três ou
mais sons que guardam entre si determinadas relações intervalares. Como
tal é um fenômeno fisiológico sensorial, que se torna realidade no ouvido
interno, graças ao sistema nervoso;
b) afetivo: o acorde é uma simultaneidade de relações sonoras, intervalares,
relações de consonância e dissonância, tensão e relaxamento, que induz
sensibilidade afetiva;
c) mental: o acorde é uma função tonal (tônica, subdominante, dominante)
acessível apenas à consciência, capaz de análise e síntese, que induz uma
experiência humana e psicológica única.” (ibid., 2007, p. 47)

2.1 – O Ritmo Sonoro e suas Propriedades

Assim como o som, o ritmo também é composto por diferentes propriedades: pulso,
acento métrico, desenho rítmico e andamento.

O pulso pode ser definido como uma marcação de tempo regular que se baseia no
princípio da pulsação (movimento de contração e dilatação do coração e das artérias). A
pulsação funciona como uma base constante que sustenta as variações do movimento. Como
relata Jourdain (1998, p.172) “nosso sistema nervoso acrescenta pulsação onde não se
encontra nenhuma.”

O metro ou acento métrico é a acentuação periódica e regular dos pulsos. Por


exemplo, no ritmo binário o acento métrico obedece ao seguinte padrão: a ocorrência de um
tempo forte e de um tempo fraco ou, no caso, do ritmo ternário: a ocorrência de um tempo
forte e dois tempos fracos facilitando, dessa forma, a percepção rítmica, pois de acordo com
Jourdain (1998, p.172) “uma característica dos nossos cérebros é medirem as distâncias no
tempo em termos de agrupamento de batidas.”
36

O desenho rítmico é a combinação de durações curtas e/ou longas que caracteriza os


contornos da obra musical por meio de figuras rítmicas positivas, que registram o som através
de notas, e figuras rítmicas negativas, que registram o silêncio através de pausas.

O andamento determina a velocidade das pulsações, podendo-se acelerar ou retardar


o tempo entre um pulso e outro. Existem três níveis de andamentos: lentos, moderados e
rápidos, com velocidades que variam entre 40 batimentos por minuto (grave - muito lento) a
208 batimentos por minuto (prestíssimo - o mais rápido possível).

Para se executar com mais precisão os andamentos musicais utiliza-se o metrônomo


– instrumento inventado pelo mecânico austríaco Johann Maelzel, em 1816, que possui o
mesmo mecanismo de um relógio, acionado por um pêndulo. Atualmente existem
metrônomos de bolso e eletrônicos.

2.2 – As Origens do Ritmo Sonoro

Ao que parece, a maioria dos teóricos que estudam as origens da música concordam
com a idéia de que a expressão rítmica precedeu a expressão melódica no que tange às
primeiras manifestações musicais dos indivíduos.

Ribeiro (1965, p.5) descreve que “antes de tudo vive a música pelo ritmo, repetição
de ruídos cadenciados em intervalos iguais: danças ritmadas, poesias ritmadas, cerimônias
religiosas ao compasso dos mais variados ritmos.”

Na opinião de Andrade ( 1980, p.17) “por seu caráter dinamogênico, o ritmo agia
com grande poder sobre a parte física produzindo a absorção do indivíduo pela coletividade.
Na música primitiva havia complexidade rítmica e pobreza melódica.”

Por outro lado, o musicólogo Curt Sachs (in: Jourdain, 1998, p.386) declara que a
organização do ritmo veio muito tempo depois que os homens deram forma melódica à
alegria e ao luto. A idéia sustenta-se no fato de que os bebês aprendem primeiro a melodia
através da modulação dos sons vocálicos. A regularidade rítmica vem anos depois.
37

Esse assunto tem sido alvo de investigações de neurocientistas que estudam os


fatores filogenéticos e ontogenéticos aliados ao desenvolvimento musical. As pesquisas visam
elucidar experiências que comprovem algum tipo de predisposição inata dos seres para a
aquisição de habilidades musicais.

2.3 - Percepção Rítmica

A percepção consciente dos sons obedece uma ordem previamente determinada


começando 1) pela captação das ondas pelo tímpano que as converte em ondas mecânicas e as
transmite por meio da ligação de três pequenos ossos para o ouvido interno; 2) no ouvido
interno ou cóclea, ocorre a classificação de acordo com a gama de freqüências captadas e sua
conversão em impulsos nervosos e 3) no sistema nervoso auditivo os sinais neurais são
transmitidos ao cérebro onde a informação é identificada, armazenada na memória e
eventualmente transferida para outros centros do cérebro. (ROEDERER, 2002, p.19)

O primeiro e mais “primitivo” elemento de entrada a ser reconhecido pelo sistema


nervoso provavelmente é a intensidade, com o seu correlato perceptivo, o volume. O próximo
elemento auditivo de entrada a ser considerado é a periodicidade do som (representada pela
distribuição espacial dos máximos de ressonância, ou pela distribuição temporal de pulsos
neurais). (ibid., p.220)

Zatorre et al. (2006) realizaram um estudo sobre as interações entre o córtex auditivo
e pré-motor dorsal durante a sincronização com os ritmos musicais. Os resultados
demonstraram que a habilidade em perceber o ritmo musical se deve a regularidade da
ocorrência do estímulo, pois, cria-se um padrão de expectativa, ou uma previsão da ocorrência
de um padrão rítmico, com base no anterior, mesmo quando cessa o estímulo, ocasionando
uma antecipação da batida do mesmo.

Os autores relataram que em estudos anteriores foi observado que ritmos que têm
acentuação foram reproduzidos corretamente com maior freqüência do que aqueles sem
acentuação, sugerindo que a acentuação habilita a percepção mais acurada do ritmo.
38

Os pesquisadores ressaltaram que as bases neurológicas do movimento rítmico, ainda


são pouco entendidas. Alguns estudos feitos com pessoas que sofreram lesões mostram que os
lobos temporais desempenham um importante papel na discriminação do pulso sonoro, mas
não descrevem a predominância de alguns dos lados, ou anterior versus posterior.

Com relação a esse assunto, Jourdain (1998, p.200) acredita que os modelos rítmicos
são percebidos com mais precisão ao entrarem no ouvido direito e, conseqüentemente, no
hemisfério esquerdo. Sugere ainda, que maiores provas da lateralização do ritmo na esquerda
são fornecidas pela habilidade desigual das duas mãos, ao baterem o ritmo.

Na pesquisa de Zatorre et al. (2006) foi observado que à medida que a acentuação
métrica aumentava, mudanças comportamentais podiam ser medidas pela duração das batidas,
acopladas a uma atividade neural no giro superior temporal posterior e no córtex pré-motor
dorsal vista pela modulação durante essas interações auditivo-motoras.

Foi sugerido pelos autores que o giro superior temporal posterior deve decodificar os
padrões da métrica rítmica, enquanto o córtex pré-motor dorsal deve representar a integração
desta informação auditiva com ações motoras, organizadas temporariamente. Houve também
grande envolvimento de regiões do córtex auditivo secundário bilateral. O córtex auditivo
secundário do hemisfério esquerdo visa às relações entre sucessões de sons. Preocupa-se com
hierarquias de seqüências e desempenha papel de destaque na percepção do ritmo. Lesões no
córtex auditivo secundário podem causar interferências na capacidade de reproduzir padrões
métricos.

Segundo Jourdain (1998, p.201) as lesões no cérebro esquerdo não apagam a


habilidade rítmica no mesmo grau em que as lesões no cérebro direito podem apagar a
habilidade harmônica. Isso ocorre porque, provavelmente, a função rítmica é tão espalhada no
cérebro e mostra tamanha capacidade de recuperação devido ao fato de que o tempo é um
fator que influi em todos os tipos de cognição, já a harmonia, ao contrário, é uma qualidade
apenas da audição.

Ratey (2002, p.114) adverte que o processo geral de percepção de sons envolve
muitos níveis de processamento e é influenciado pelas experiências do indivíduo.
39

CAPÍTULO 3 – MUSICOTERAPIA

3.1 – Breve Histórico

Desde a Antiguidade atribui-se à música poderes curativos. Conforme explica Cordás


(2002, p. 27) “as condutas médico-filosóficas no século III recomendavam ouvir música
suave para relaxar, banir o medo e mudar os pensamentos.”

A psiquiatria francesa do século XIX, comandada por expoentes como Philippe Pinel
(1745-1826) e Jean-Etienne Dominique Esquirol (1772-1840) dava início a um tratamento
mais humano aos doentes mentais. Pinel sistematizou o emprego da terapêutica da música nos
hospitais de alienados. (ANDRADE, 1980, P.26) Esquirol, seu discípulo, dizia “ainda que a
música não cure, ela distrai e, por conseguinte, alivia.” (LEINIG, 1977, p. 16)

Entretanto, foi após a Segunda Guerra Mundial (1939–1945) que os hospitais de


veteranos, nos Estados Unidos, passaram a contratar músicos profissionais para atenuar a dor
dos pacientes. Os resultados foram tão positivos que despertaram a atenção da comunidade
científica. Instituiu-se o Comitê da Fundação Nacional de Terapêutica Musical com o objetivo
de viabilizar o estudo do uso da música nas instituições hospitalares. Paralelamente, os
músicos passaram a receber treinamento específico para atuarem em centros médicos e
instituições hospitalares. (LEINIG, 1977, p.16)

Em 1950, cria-se a Associação Nacional Para a Musicoterapia (National Association


for Music Therapy, Inc.), hoje englobada à Associação Americana de Musicoterapia
(American Music Therapy Association - AMTA) com as seguintes finalidades: colaborar no
desenvolvimento progressivo do uso da música na medicina; na preparação profissional do
musicoterapeuta e no estabelecimento de um trabalho aliado à profissão médica. Com o
advento desta associação, muitas universidades americanas instituíram em seus departamentos
musicais, cursos para treinamento de musicoterapeutas em colaboração com escolas médicas
e hospitais. (ibid., p.16)

A partir daí, o desenvolvimento da musicoterapia ocorreu em âmbito mundial e o


intercâmbio entre os países resultou na criação da Federação Mundial de Musicoterapia
(World Federation of Music Therapy - WFMT), no ano de 1983, em Paris. A WFMT
40

produziu, por intermédio da Comissão de Prática Clínica, em 1996, uma definição global de
musicoterapia:
Musicoterapia é a utilização da música e/ou dos elementos musicais (som,
ritmo, melodia e harmonia) pelo musicoterapeuta e pelo cliente ou grupo, em
um processo estruturado para facilitar e promover a comunicação, o
relacionamento, a aprendizagem, a mobilização, a expressão e a organização
(física, emocional, mental, social e cognitiva) para desenvolver potenciais e
desenvolver ou recuperar funções do indivíduo de forma que ele possa
alcançar melhor integração intra e interpessoal e conseqüentemente uma
melhor qualidade de vida. (REVISTA BRASILEIRA DE
MUSICOTERAPIA, 1996, p.4)

A Musicoterapia é uma área científica em franco desenvolvimento. A sua prática


ocorre dentro de um processo sistemático de intervenção baseado em procedimentos
metódicos regulados, no intuito de alcançar objetivos terapêuticos.

Como disciplina, ela é um corpo organizado de conhecimentos e de práticas


com interesse fundamentalmente no processo através do qual os terapeutas
utilizam a música para ajudar o cliente a promover a saúde. Como profissão,
a musicoterapia é um grupo organizado de pessoas que compartilham,
utilizam e desenvolvem esse corpo de conhecimentos e práticas através de
seu trabalho como clínicos, supervisores, teóricos, pesquisadores,
administradores e educadores. (BRUSCIA, 1998, p. 257)

Atualmente, além da WFMT, instituiu-se a Confederação Européia de Musicoterapia


(European Music Therapy Confederation) e a Confederação Sulamericana de Musicoterapia
(South American Music Therapy Confederation), organizações responsáveis pela integração
de cerca de 100 associações que reúnem mais de 10.000 musicoterapeutas, em todo o mundo.

3.2 – A Musicoterapia e o universo sonoro musical

Na definição da WFMT, acima citada, afirma-se que a musicoterapia é um processo


estruturado que utiliza a música e/ou os elementos musicais (som, ritmo, melodia e harmonia)
visando favorecer mudanças significativas na vida do cliente.

Nesse capítulo será abordado como os musicoterapeutas utilizam a música e os sons


durante a prática clínica e, paralelamente, serão descritas as teorias dos professores: Dr. Even
Ruud (Universidade de Oslo, Noruega) e Dr. Kenneth Bruscia (Universidade Temple,
Filadélfia, USA) sobre as funções da música na experiência musicoterápica.
41

Bruscia (1998, p. 113) explica que a musicoterapia não é simplesmente a utilização


da música, mas a utilização de experiências musicais. Isso significa que o agente da terapia
não é visto apenas como sendo a música, mas principalmente a experiência do cliente com
aquela música. É preciso ressaltar que o conceito de música em musicoterapia é bastante
abrangente.

Conforme foi relatado, no início da história da musicoterapia, os hospitais de


veteranos contratavam músicos profissionais visando auxiliar a recuperação dos internos.Essa
prática promovia benefícios no estado de saúde geral dos pacientes.

O interesse em compreender melhor os efeitos sonoro-musicais nos indivíduos foi


crescendo e, conseqüentemente, a forma de utilização da música e de seus elementos
constitutivos visando promover inter-relações, cada vez mais significativas com o cliente,
também se ampliaram.

Além da apreciação musical através da audição, os clientes passaram a ser engajados


em experiências que envolviam atividades práticas como: manipular instrumentos musicais,
produzindo sons variados com instrumentos de percussão (tambores, congas, alfaias,
pandeiros, chocalhos, guizos, etc.), instrumentos melódicos (cítara, xilofone, flauta, gaita,
ocarina, etc.), instrumentos harmônicos (piano, teclado, violão, etc.) e, concomitantemente,
experiências de exploração das possibilidades sonoras da própria voz, através do canto, e do
corpo.

As diversas atividades referentes à escuta e ao fazer sonoro-musical revelaram


inúmeras oportunidades de ação, reação e interação entre o cliente e o musicoterapeuta
aumentando ainda mais a crença nos benefícios propostos pela nova ciência.

E mais do que isso, os elementos constitutivos do som – intensidade, altura, duração,


timbre e de outros parâmetros contemporâneos - e da música - ritmo, melodia, harmonia
comprovaram exercer ação psicofisiológica no indivíduo mobilizando a expressão do “eu” em
outros domínios, além do racional.
42

Tomando como base os diferentes tipos de atividades musicais observadas na prática


clínica, Ruud (1990) (in: Wigram, 2002, p. 40) apresentou um modelo classificando quatro
diferentes níveis de experiências através da música:

- O nível fisiológico – corresponde à música como um fenômeno sonoro físico: com


propriedade materiais. Nesse nível, o foco concentra-se nos efeitos fisiológicos e no potencial
médico da música. Música como estímulo.

- O nível sintático – corresponde à música como um fenômeno estético: os elementos


musicais organizados ou estruturados. Nesse nível, o foco concentra-se na descrição e
interpretação precisas dos elementos musicais, seu papel no processo musical, suas ações e
funções nas interações terapêuticas. Música como terapia.

- O nível semântico – corresponde à música como expressão e significado: a


“mensagem” da música e suas referências ao mundo externo ou interno. Nesse nível, o foco
concentra-se na interpretação da música como uma metáfora, ícone ou símbolo, e o
significado da música para o cliente e na relação terapêutica. Música na terapia.

- O nível pragmático – corresponde à música como um fenômeno social interativo: o


papel da música no processo terapêutico ou no contexto social. Nesse nível, o foco concentra-
se no potencial das interações musicais e seus efeitos no tratamento. Música como
comunicação e interação social.

Assim como Ruud, Bruscia (1998) (in: Wigram 2002, p. 41) também analisou as
práticas clínicas da musicoterapia identificando seis modelos básicos utilizados para estruturar
a experiência musical do cliente:

- Música como experiência objetiva – consiste na utilização das propriedades da


música para influenciar diretamente o corpo ou o comportamento do cliente de modo
observável (seguindo padrões de estímulo-resposta documentado através de pesquisa).

- Música como forma de energia universal – consiste na utilização da música como


uma forma de energia viva que manifesta os princípios de ordem, equilíbrio e harmonia
encontrados na natureza visando restaurar essas mesmas qualidades no organismo do cliente.
43

- Música como experiência subjetiva – consiste na utilização da música para explorar


conteúdos internos ou qualquer aspecto do universo do cliente visando auxiliar a compreensão
de como o mesmo se relaciona dentro desse contexto.

- Música como experiência coletiva – consiste na utilização da música como meio de


expressar costumes, tradições inserindo o cliente nas várias esferas da sociedade em que vive.

- Música como experiência estética – consiste na utilização da música por si própria


não sendo nesse caso prescrita de acordo com objetivos terapêuticos.

- Música como experiência transpessoal – consiste na utilização da música visando


facilitar estados meditativos e de consciência expandida.

Avaliando os modelos descritos pelos musicoterapeutas Ruud e Bruscia constata-se


uma ampla gama de estímulos que emergem em uma experiência musical. Escutar música,
tocar instrumentos, cantar, produzir sons, vivenciar a experiência musical e, se possível,
refletir sobre ela permite ao indivíduo perceber-se como parte ativa e criativa dentro do todo.
Essa sensação possibilita a re-significação de condutas e valores perante a vida.

As experiências musicais são classificadas em duas categorias: interativas ou


receptivas. Para Barcellos (1992, p. 9) “na musicoterapia ‘inter-ativa’ ou ‘musicoterapia ativa
interpessoal’ somos às vezes, desafiados por um som, impulsionados por um ritmo ou atraídos
por uma melodia. Somos puxados pela música para fora de nós mesmos e levados a interagir
com o outro, pelo prazer que nos causa fazer música ou partilhar essa experiência”.

Nessa modalidade, o paciente executa improvisações musicais através do canto,


manipulação de instrumentos musicais e de qualquer meio musical dentro de sua capacidade
visando dar sentido à auto-expressão, estimular e desenvolver os sentidos, desenvolver
habilidades perceptivas e cognitivas, desenvolver a memória, melhorar a atenção e a
orientação.

Nas experiências receptivas, o paciente ouve música para estimular ou relaxar,


evocar respostas corporais específicas, evocar estados e experiências afetivas, explorar idéias
e pensamentos.
44

Na visão de Lécourt (1996 apud Sekeff, 2007, p. 123) “fazendo música, escutando,
cantando, vivenciando, o indivíduo acaba por influir no ritmo de seus pensamentos e
emoções, na harmonia de sua saúde corporal e mental. E é assim que a música pode mudar o
comportamento de uma pessoa.” Dessa forma, pressupõe-se que o trabalho desenvolvido pelo
musicoterapeuta deva seguir uma base teórica coerente com as propostas de intervenção
terapêutica, na qual os recursos sonoro-musicais utilizados contemplem os fenômenos
biológicos, fisiológicos, psicológicos e sócio-culturais da vida humana.

3.3 – O olhar musicoterapêutico perante o indivíduo biopsicossocial

Os indivíduos são constituídos de um complexo sistema biológico e psíquico que


atua no meio social comandado pelo cérebro.

Segundo Ratey (2001, p. 27) “experiências, pensamentos, ações e emoções mudam a


estrutura do cérebro adulto que é plástico e resiliente e está sempre ávido por aprender.”

Conforme foi relatado anteriormente, as experiências musicais planejadas pelo


musicoterapeuta mobilizam pensamentos, ações e emoções do cliente durante o processo
terapêutico e essas dinâmicas, comprovadamente, mudam a estrutura do cérebro alterando
capacidades e aptidões.

Para Benenzon, (1988, p.15):

o ser humano não é corpo e mente ou corpo mais mente, nem psique e soma
ou psique e alma, nem matéria e espírito; é um todo; e a Musicoterapia (que,
praticamente, entre todas as especialidades médicas utiliza elementos
abstratos que não se vêem e que somente se percebem com o transcorrer do
tempo) é a técnica que mais se dirige à totalidade do indivíduo.

A musicoterapia é uma atividade profissional indicada para atuar na profilaxia,


tratamento e reabilitação de distúrbios físicos (paralisias cerebrais, congênitas, deficiência
auditiva, visual, motora, oncologia, AIDS, coma, acidentes vasculares cerebrais, Alzheimer,
Parkinson, etc.), distúrbios mentais (síndrome de down, retardo mental, neuroses, psicoses,
autismo, esquizofrenia, etc.) e emocionais (distúrbios do sono, da alimentação, sexuais,
depressão, síndrome do pânico, ansiedade, etc.). De acordo com o perfil e as necessidades
45

inerentes a cada cliente, o musicoterapeuta desenvolve o plano de atendimento visando


alcançar objetivos terapêuticos específicos.

O perfil do cliente é determinado a partir das informações colhidas na avaliação


diagnóstica junto ao próprio cliente ou, no caso da impossibilidade de comunicação verbal do
mesmo, através dos dados obtidos com os familiares ou com profissionais da equipe
terapêutica.

Smith (n/p) esclarece que as informações coletadas referem-se especialmente a três


aspectos:
1. Pessoal, em que se verifica como ocorre a inserção do sujeito na família e nos
outros ambientes dos quais faz parte;

2. Clínico, para se ter ciência de medicamentos de que faz uso e/ou de outros fatores
relevantes que possam interferir no andamento do processo musicoterápico;

3. Sonoro-musical, em que toda e qualquer informação relativa à relação que o


sujeito estabelece com o elemento musical é importante.

Neste último item, inclui-se o levantamento detalhado a respeito da história sonoro-


musical do sujeito.

Com base nos dados colhidos na avaliação diagnóstica o tratamento é planejado de


acordo com os objetivos clínicos que se pretende alcançar. Em função dos objetivos,
seleciona-se o método musicoterápico e as variações mais indicadas a serem aplicadas, bem
como os procedimentos e as técnicas que deverão ser utilizadas durante o processo.

Os principais métodos de musicoterapia, de acordo com a denominação de Bruscia


(1988), são: “improvisação” (consiste nas várias formas de engajar o cliente no fazer-música
improvisada), “re-criação” (consiste nas várias formas de engajar o cliente em reproduzir
música), “composição” (consiste nas várias formas de engajar o cliente em compor) e
“audição” (consiste nas várias formas de engajar o cliente em experiências de ouvir música).
Os três primeiros métodos são considerados ativos e o último, receptivo.
46

Na seção 4.4 (p. 66), que aborda as interações entre a musicoterapia e os ritmos
biológicos endógenos, serão descritas as variações dentro do método receptivo que parecem
favorecer o arrastamento (entrainment) da ritmicidade dos indivíduos, em função de
determinados estímulos sonoro-musicais.

Além dos quatro métodos descritos, existem ainda, os modelos de musicoterapia que
correspondem a uma abordagem sistemática e abrangente de avaliação diagnóstica,
tratamento e avaliação que inclui princípios teóricos, dentre os quais a visão que o modelo
tem do homem enquanto ser biopsicossocial, indicações e contra-indicações clínicas,
objetivos, orientações e especificações metodológicas e utilização de certas seqüências de
procedimentos e técnicas.

Os modelos de musicoterapia e suas aplicações clínicas serão relatados,


resumidamente, a seguir, no intuito de avaliar a orientação teórica dos mesmos e se as
abordagens utilizadas consideraram possíveis interações com a ritmicidade biológica do
cliente.

Imagem Guiada e Música (GIM) – o Modelo Bonny

Desenvolvido por Helen Bonny, musicoterapeuta e violinista, no princípio dos anos


70, durante seu trabalho no Centro de Pesquisas Psiquiátricas de Maryland, nos Estados
Unidos. Esse modelo consiste na evocação de imagens durante a audição musical. GIM-
Guided Imagery and Music é a profunda abordagem da psicoterapia musical na qual um
específico programa de músicas clássicas é utilizado para gerar conteúdos dinâmicos de
experiências internas. O cliente tem a oportunidade de rever sua história de vida por um meio
simbólico e reconfigurar episódios ocorridos e as emoções conectadas a eles visando
promover insights e mudanças positivas.

O modelo propõe uma experiência musical transpessoal através da indução a estados


alterados de consciência.
47

Musicoterapia Analítica – o Modelo Priestley

Desenvolvido por Mary Priestley, musicoterapeuta, violinista e psicanalista, no


começo dos anos 70, na Inglaterra. Nesse modelo, a forma de experiência musical mais
utilizada é a improvisação visando combinar musicoterapia e psicanálise. A composição
musical pode ser utilizada também. Durante a improvisação musical, freqüentemente ocorre
um leve estado alterado de consciência do cliente e do musicoterapeuta. Esse fenômeno pode
auxiliar a criação de novas idéias, a auto-expressão e a compreensão de conflitos existentes. O
objetivo principal é conectar o cliente com certas emoções, fantasias, sonhos, experiências
corporais, memórias ou situações através da música.

Após a improvisação, desenvolve-se uma reflexão verbal no intuito do cliente


conscientizar-se dos conteúdos internos que foram mobilizados durante a seção.

Musicoterapia Criativa – o Modelo Nordoff-Robbins

Desenvolvido pelo compositor e pianista americano Paul Nordoff e pelo músico e


psicopedagogo, em educação especial, inglês Clive Robbins, por volta dos anos 60. Nesse
modelo, a música apresenta-se liberta de convenções sendo utilizada de uma maneira bastante
flexível, no intuito de estabelecer o vínculo com o cliente, que geralmente possui
incapacidades diversas, propiciando um conteúdo de comunicação e auto-expressão para que
o mesmo possa efetuar mudanças e realização do potencial.

Nesse modelo, acredita-se que a música por si só é um meio que promove


crescimento e que cada pessoa apesar da incapacidade, doença, distúrbio ou trauma possui
uma parte que pode ser alcançada e estimulada através da música possibilitando a melhora na
saúde e em outros aspectos de sua vida.

Terapia de Livre Improvisação – Modelo Alvin

Desenvolvido por Juliette Alvin, musicoterapeuta e violoncelista, nos anos 50, na


Inglaterra. Nesse modelo, a música é utilizada como força para revelar aspectos do
inconsciente.
48

Alvin acreditava que “música é uma criação do homem, portanto, o homem pode ver
a si próprio na música que ele cria”. Na terapia de livre improvisação, clientes e terapeutas
podem improvisar sem regras musicais e a música pode ser uma expressão do caráter e
personalidade do indivíduo. Dentro desse contexto, ocorrem naturalmente descargas
terapêuticas.

Do ponto de vista teórico e psicoterapêutico, a autora trabalhou com o conceito de


“igualdade na relação” onde o terapeuta e o cliente dividem experiências musicais no mesmo
nível, e tem igual controle sobre a situação musical. Autistas e crianças excepcionais
respondem bem dentro dessa abordagem, uma vez que ela oferece uma significativa e sensível
organização musical.

Alvin enfatizou a importância dos musicoterapeutas compreenderem a fisiologia


humana e a forma como o corpo reage à música e ao som para se inteirarem plenamente das
formas de aplicação da musicoterapia.

Modelo Benenzon

Desenvolvido por Rolando Benenzon, médico psiquiatra, músico e musicoterapeuta,


por volta dos anos 60, na Argentina. Nesse modelo, o som, a música e o movimento são
utilizados para produzir efeitos regressivos e abrir canais de comunicação, com o objetivo de
empreender através deles o processo de treinamento e recuperação do paciente para a
sociedade. Benenzon (1988, p.33) considera que “no princípio de ISO se baseiam todas as
técnicas não-verbais e fundamentalmente a musicoterapia.”

Segundo o autor, o princípio de ISO é um conceito totalmente dinâmico que resume


a noção de existência de um som, ou um conjunto de sons, ou o de fenômenos acústicos e de
movimentos internos, que caracterizam ou individualizam cada ser humano. Para estabelecer
um canal de comunicação eficiente, o musicoterapeuta procura identificar os elementos
referentes à identidade sonoro-musical (ISO) do paciente através do contexto não-verbal.
Benenzon relatando um caso clínico explica que o diálogo não-verbal tem um ritmo que
pertence a ambos (terapeuta e paciente) e que se ajustam. Em sua opinião, este ritmo é quase
que biológico e matemático, próprio do sistema humano primitivo. (ibid., p.100)
49

O princípio de ISO desenvolvido por Benenzon baseia-se na teoria proposta pelo


médico psiquiatra Altshuler (1943) que durante suas observações clínicas da aplicação da
Musicoterapia constatou que para ocorrer a comunicação entre o terapeuta e seu paciente é
necessário que coincidam o tempo mental do paciente com o tempo sonoro-musical expresso
pelo terapeuta. Esse assunto será exposto com maior abrangência na seção 3.5 (p.54).

Avaliando os modelos citados constata-se que os mesmos foram desenvolvidos


praticamente na mesma época, há cerca de quarenta anos. Dessa forma, os autores, pioneiros
na área, não dispunham dos recursos tecnológicos e dos avanços nas pesquisas científicas em
diversos campos do conhecimento, que atualmente contribuem para um estudo pluralístico da
musicoterapia. A despeito dessa condição, percebe-se nos conceitos e idéias divulgadas pelos
autores em livros e artigos clínicos, o cuidado no trato das questões fisiológicas tanto quanto
psicológicas do cliente/paciente durante o tratamento musicoterápico.

Cabe salientar que as pesquisas na área da cronobiologia acerca da ritmicidade


biológica alcançaram maior projeção dentro do meio científico a partir dos a nos 90, ou seja,
vários anos após a sistematização dos modelos de musicoterapia.

Além disso, o desenvolvimento das pesquisas científicas em diversas áreas como


neurociência, neuropsicologia, psicoacústica, psicologia da música, etnomusicologia e outras
afins, vem contribuindo, paulatinamente, para a compreensão dos aspectos físicos,
neurológicos, psíquicos e sociais envolvidos na compreensão de como a música é processada
pelo sistema nervoso e de que forma seus efeitos atingem outras estruturas do complexo
orgânico.

3.4 – Musicoterapia e Medicina

A área da musicoterapia sempre esteve próxima à área da medicina uma vez que
ambas têm por objetivo tratar da saúde do paciente. Desde quando a musicoterapia foi
instituída como profissão, nos anos 50, a National Association for Music Therapy, Inc.
buscou consolidar o trabalho desenvolvido pelos musicoterapeutas aliado às práticas médicas.
“No início, estabeleceu-se uma forte ligação com a área da psiquiatria e, posteriormente, com
outras especialidades como a cardiologia, a ortopedia e a neurologia.” (LEINIG, 1977, p. 16)
50

Na verdade, pesquisas científicas sobre os efeitos do som e da música nos indivíduos


vinham sendo realizadas desde o século XIX. Conforme descreve Costa (1989, p.30):

à partir de 1880 surgem fatos novos na medicina – tem início a


experimentação psicofisiológica, aproximando a psiquiatria da neurologia e
possibilitando a proposta do modelo médico para o tratamento do alienado,
que passa a ser encarado como doente. Já em 1845, Moreau de Tours
apontava a necessidade de distinguir a ação sensorial, neurológica da
música, de sua ação sobre as funções superiores.

Naquela época, os resultados encontrados nas pesquisas costumavam ser bastante


contraditórios entre si impossibilitando conclusões confiáveis. Essas variações ocorriam
porque “a música não é um somatório de sonoridades, mas sim uma organização de relações
entre sons, havendo portanto uma mudança qualitativa”. (op.cit., p.37)

Na visão do neurologista, Dr. Mauro Muszkat (2007) “falar sobre as relações


fisiológicas, comportamentais, psíquicas, afetivas, entre a música e o cérebro humano é nos
remetermos ao diálogo entre estes dois sistemas cibernéticos complexos autônomos e
interdependentes – a música e o cérebro”.

Se por um lado a complexidade dos elementos musicais (altura, ritmo, timbre, etc.)
dificultava a sistematização dos resultados obtidos nas pesquisas, por outro as medidas físicas
e matemáticas precisas encontradas em sua constituição os tornavam, cada vez mais, alvo do
interesse científico.

Hoje, além dos avançados recursos tecnológicos, as investigações passaram a contar


com a participação efetiva de uma equipe multidisciplinar composta por profissionais
especializados e aptos para avaliar com mais precisão as correlações entre os parâmetros
musicais e as reações detectadas no âmbito psicofisiológico.

O interesse pelas investigações nessa área contempla tanto os aspectos biomédicos


relacionados, principalmente, a influência da música nos batimentos cardíacos, pressão
sangüínea, respiração, temperatura, ondas cerebrais, funções imunológicas, funções motoras,
entre outros, e aspectos psicossociais relacionados à influência da música na redução do
estresse e ansiedade dos pacientes durante os procedimentos médicos, na redução de traumas
e temores, na redução de estados depressivos e de isolamento, etc.
51

Wigram (2002, p. 138) definiu parâmetros na utilização dos elementos musicais tanto
para a estimulação como para o relaxamento musical, dependendo das necessidades
específicas do paciente. Através de pesquisas, constatou que se os elementos musicais são
estáveis e previsíveis o sujeito tenderá a relaxar. Se, por outro lado, os elementos musicais
variarem significativamente no tempo ocorrendo mudanças súbitas e imprevisíveis, o sujeito
deverá manter um nível elevado de consciência e atenção.

De acordo com a sua teoria, os elementos potenciais para a estimulação musical são:
mudanças imprevisíveis no tempo; mudanças imprevisíveis e súbitas no volume, ritmo,
timbre, altura e harmonia; variação na textura da música; dissonâncias inesperadas; acentos
inesperados; timbres irritantes; falta de estrutura e de forma na música; súbitos accelerandos,
ritardandos, crescendos e diminuendos; paradas súbitas na música.

O autor considera que os elementos potenciais para o relaxamento musical são:


tempo estável; estabilidade ou somente uma mudança gradual no volume, ritmo, timbre, altura
e harmonia; textura consistente; modulação harmônica previsível; cadências apropriadas;
linhas melódicas previsíveis; repetição do material; estrutura e forma; timbres suaves; poucos
acentos.

A musicoterapia aplicada na medicina é orientada para práticas clínicas inerentes à


desordens patológicas de diversas especialidades. Dessa forma, têm sido desenvolvidos
estudos referentes aos efeitos da música relacionados a necessidades diversas como, por
exemplo, durante tratamentos intensivos em pacientes neonatais, cardiológicos, pulmonares,
no acompanhamento de procedimentos cirúrgicos, radiológicos, oncológicos, nas reabilitações
físicas e neurológicas, entre outros.

Segundo Maranto (in: Wigram et al , 1995, p. X), a musicoterapia é uma área que
engloba arte e ciência. Os procedimentos sistematizados na prática clínica dependem dos
objetivos terapêuticos a serem alcançados e os resultados obtidos são difíceis de serem
relatados dentro de modelos tradicionais de pesquisa quantitativa. Por essa razão, métodos de
pesquisa qualitativa assim como a combinação de métodos quantitativos e qualitativos devem
ser considerados visando uma análise consistente.
52

Standley (in: Spintge; Droh, 1989, p. 365) realizou um extenso trabalho de


investigação baseado nos resultados de pesquisas realizadas entre os anos de 1957 e 1989, que
avaliavam os efeitos da música em tratamentos médicos com os objetivos de sistematizar,
tanto quanto possível, respostas corporais similares e delinear as implicações do uso da
música na área médica. A maioria dos trabalhos científicos analisados enfocava os efeitos
audioanalgésicos ou ansiolíticos da música. Os dados obtidos foram comparados e
contrastados estatisticamente através de múltiplas variáveis possibilitando que os resultados
fossem transferidos para aplicações clínicas, assim como as implicações técnicas do
tratamento musicoterápico fossem descritas e identificadas.

O interesse dos médicos, musicoterapeutas e outros profissionais de saúde por esse


tipo de pesquisa crescia à medida que os efeitos do estresse afetavam um número cada vez
maior de pessoas acarretando graves problemas de saúde e, principalmente, com a constatação
clínica de que o estresse crônico afetava o sistema imunológico.

Aldridge e Brandt (1991) (in: Wigram, 2002, p. 147) estudaram a importância da


musicoterapia no tratamento da inflamação do trato gastro intestinal, pois na base dessa
desordem poderia haver um componente imunológico influenciado pelo estresse crônico.

Nesse estudo, os autores tentaram traçar correlações entre o comportamento dos


pacientes, descrito de acordo com a literatura médica, e os elementos de suas improvisações
musicais, descrito de acordo com os parâmetros musicais. Estabelecendo uma comparação
entre o comportamento de perda de mobilidade intestinal com os elementos que surgiam na
improvisação musical dos pacientes observou-se, nesta, a falta da flexibilidade rítmica, não-
responsividade às mudanças de tempo e falta de fraseado rítmico.

Aldridge acreditava que se a mobilidade intestinal é rítmica, parece ser razoável que
a musicoterapia possa restaurar ou promover a flexibilidade rítmica. Assim como o sistema
imunológico que é um ritmo ultradiano. “A música pode promover o arrastamento de vários
sub-sistemas fisiológicos.” (ALDRIDGE, 1996, p.180)

Esse trabalho é importante na medida em que avalia cientificamente as condições


patológicas através da musicoterapia improvisacional.
53

Além desse estudo, o Dr. David Aldridge, PhD., professor de pesquisa clínica da
faculdade de medicina na Universidade de Witten Herdecke, Alemanha, conduziu vários
estudos interdisciplinares nas quais profissionais de diferentes áreas contribuíram para o
levantamento de metodologias adequadas para a pesquisa em musicoterapia relatadas no livro
Musicoterapia Pesquisa e Prática em Medicina, de sua autoria. Editou ainda cerca de dez
livros relatando como a musicoterapia pode ser uma intervenção eficiente em diferentes áreas
médicas.

Em São Paulo, a musicoterapeuta Cléo Monteiro França Correia realiza um trabalho


de musicoterapia voltado para reabilitação neurológica de pacientes geriátricos em parceria
com o Departamento de Neurologia da Unifesp-Universidade Federal de São Paulo. Pacientes
com Alzheimer, demência fronto-temporal, demência vascular e outras síndromes clínicas
cadastrados no Nudec-Núcleo de Envelhecimento Cerebral são encaminhados para a
musicoterapia no intuito de atenuar, por meio de recursos sonoro-musicais, o declínio das
funções intelectuais incluindo memória, linguagem, função executiva e habilidades visuo-
espaciais, dos distúrbios comportamentais como a agitação, agressividade, apatia, além do
declínio social e do isolamento.

No atendimento musicoterápico, pacientes com problemas de linguagem (afásicos) e


com déficits de memória, surpreendentemente, cantam entoando as letras de suas canções
preferidas estimulando, assim, padrões de ativação neural relacionados às lembranças e as
áreas do cérebro envolvidas na sensação de prazer. As ações decorrentes dessa e de outras
práticas utilizadas na musicoterapia auxiliam o paciente a restaurar a auto-confiança, o
interesse e a concentração reduzindo o sentimento de inutilidade e insegurança.

Quando os aspectos fisiológicos referentes à captação e decodificação do som estão


preservados no paciente, as respostas aos estímulos sonoro-musicais estão diretamente
relacionadas a questões subjetivas como atenção e interesse associados a fatores emocionais.

Wigram (2002, p. 57) relata que a maioria das pesquisas demonstra que os efeitos da
música são maiores quando a música tem mais significado para o ouvinte e que as reações
emocionais à música provocam reações fisiológicas nos indivíduos e vice-versa. O
musicoterapeuta deve observar e considerar essas reações como parte do processo de
investigação sobre o paciente.
54

O fato da música evocar estados e experiências afetivas deve ser cuidadosamente


considerado tanto na prática clínica quanto na audição musical aplicada em pesquisas porque
os sentimentos que correspondem às emoções podem ser benéficos ou maléficos e irão refletir
diretamente no sistema orgânico do ouvinte. Sendo assim, faz-se necessário proceder uma
investigação minuciosa com relação ao histórico sonoro-musical do cliente/paciente antes de
dar início ao tratamento.

3.5 – Identidade Sonora – O Princípio de ISO

Conforme foi exposto, os indivíduos reagem ao som e à música espontaneamente


pressupondo-se haver registros na memória remota ou de evocação que classificam esses
estímulos como agradáveis ou desagradáveis. As preferências tanto quanto a indiferença com
relação às músicas podem revelar características psicológicas e conteúdos internos do
paciente relevantes para o desenvolvimento do processo terapêutico.

No início do atendimento musicoterápico, enquanto ainda está se formando o vínculo


com o musicoterapeuta, recomenda-se que sejam utilizados os sons e as músicas com os quais
o paciente se identifica visando promover a ressonância entre o estímulo e o paciente.

O princípio de ISO foi desenvolvido pelo psiquiatra americano Dr. Ira Altshuler
(1943) durante suas experiências clínicas, com música, realizadas no Eloise Hospital, EUA,

Altshuler verificou que o humor e o tempo mental do paciente podem ser


influenciados mais rapidamente pela música cujo caráter e andamento coincidam com esse
tempo mental. Com um paciente depressivo empregava música de caráter triste, em
tonalidade menor, conseguindo desse modo um envolvimento mais rápido do que se usasse
música alegre, viva. (LEINIG, 1977 p.71). Ao contrário, os pacientes maníacos, cujo tempo
mental se apresenta rápido, disperso, podem ser estimulados ao entrar em contato com a
música de tempo “allegro”, “vivace”, do que com um “andante.” (BENENZON, 1988, p. 33)

Hoje, entretanto, essas considerações são bastante contestadas. Não se pode afirmar
que o caráter e o modo (maior ou menor) da obra musical estejam relacionados com estados
de ânimo. Pode-se citar como exemplo a música Tristesse, de Frédéric Chopin, que apesar de
ter sido composta na tonalidade maior, possui um caráter melancólico.
55

Segundo Wigram (2002, p.110), na seleção de música para modificação do humor


dois princípios diferentes podem ser seguidos:

1 – Seguindo o princípio de ISO, a música deve ser selecionada visando manter o


humor do cliente no início e depois gradualmente induzir ao humor pretendido.
2 – Seguindo o princípio da compensação, a música deve ser selecionada visando
contrastar o humor do cliente e depois gradualmente retornar ao humor inicial.

O princípio de ISO trabalha no nível vegetativo onde a seqüência musical


corresponde ao senso de tempo orgânico do paciente (devagar/rápido;
accelerando/ritardando), excitação e elevação, tensão e relaxamento. O princípio da
compensação trabalha no nível emocional onde existe uma complexa interação entre o humor
expresso na música, o humor do paciente e o estado emocional. (ibid., p.110)

Para Benenzon (1987, p.183), “ISO é um fenômeno de som e movimento interno que
resume nossos arquétipos sonoros, nossas vivências sonoras gestacionais intra-uterinas e
nossas vivências sonoras de nascimento e infantis até nossos dias.”

Baseado na teoria de Altshuler (1943), o autor preconiza que para produzir um canal
de comunicação entre terapeuta e paciente o tempo mental do paciente deve coincidir com o
tempo sonoro-musical executado pelo terapeuta.

Na relação terapêutica, Benenzon (2002, p. 227) distingue a ocorrência de três


tempos característicos:

1) Tempo cronológico: é aquele cronometrado pelos aparatos criados pelo


homem. É o tempo que se consome.
2) Tempo biológico: é aquele que trazemos desde a época fetal e que vamos
perdendo ao longo de nossa convivência, na civilização. O tempo
biológico é aquele que devemos voltar a reconhecer em nós mesmos.
3) Tempo terapêutico: é o tempo que se estabelece no processo vincular e
que caracteriza a terapia, o paciente e seu musicoterapeuta. Tomar
consciência desse tempo permite avaliar a sincronia entre ambos e é parte
fundamental do mosaico dinâmico do ISO guestáltico e universal.
56

Como foi exposto, na área clínica, as constatações sobre a existência do tempo


biológico e suas possíveis interações com a musicoterapia não são recentes. No campo da
pesquisa científica, por sua vez, cresce o interesse em elucidar os mecanismos de
sincronização entre as estruturas rítmicas orgânicas e os estímulos sonoro-musicais.

O fenômeno da sincronização e da temporalidade tem sido igualmente alvo de


estudos na neurociência. Damásio (1996, p. 121) argumenta que o cérebro humano processa
simultaneamente, através do mecanismo da sincronização, representações de todas as
modalidades sensoriais ativas quando experienciamos ao mesmo tempo o som, o movimento,
a forma e a cor, num registro temporal e espacial perfeito.

Para que a interpretação cognitiva e emocional dos dados possa ser processada e
compreendida ocorre o que vários teóricos têm chamado de ligação pelo tempo (time binding)
desses conjuntos de atividade neural localizados em regiões cerebrais distintas. (ibid., p.122)

No próximo capítulo, será enfocado propriamente o tema central deste trabalho


referente aos fenômenos de sincronização entre os ritmos biológicos e os ritmos sonoros
começando pela descrição do conceito de entrainment (arrastamento), em seguida
apresentando um breve histórico da evolução das pesquisas nesse campo, citando as
abordagens e técnicas da musicoterapia que favorecem esses mecanismos, culminando com o
relato de pesquisas recentes realizadas nas áreas da cronobiologia e musicoterapia sobre o
assunto.
57

CAPÍTULO 4 – AS INTERAÇÕES ENTRE OS RITMOS BIOLÓGICOS E OS


RITMOS SONOROS

Conforme foi descrito no primeiro capítulo deste trabalho, os ritmos biológicos são
eventos inerentes a todos os organismos vivos que se repetem regularmente, interagindo entre
si e com o meio ambiente.

Os ritmos sonoros, por sua vez, são elementos inerentes à música que se repetem na
forma de sucessão temporal organizando os valores de duração do som.

Podem-se observar paralelos significativos entre as estruturas temporais presentes


nos ritmos biológicos e nos ritmos musicais. Ambos organizam o movimento em um fluxo
dinâmico de contração e relaxamento cujos parâmetros são medidos em periodicidade
(duração), fase, amplitude (intensidade) e composição das freqüências (altura).

Para Langer (apud Sekeff, 2007, p. 118):

Há relações entre música e ritmo humano, pulso e tempo musical pois certos
aspectos da chamada vida interior e da vida física e mental apresentam
propriedades formais similares às da música: esquemas de movimento e
repouso, de tensão e distensão, de preparação, satisfação, excitação e
relaxamento.

Antes de enfocar as questões referentes ao assunto deste capítulo, faz-se necessário


discorrer sobre os conceitos de alguns fenômenos envolvidos nas interações entre ritmos
biológicos e ritmos sonoros.

4.1 - Conceito de Entrainment

O fenômeno intitulado entrainment pela ciência contemporânea foi observado, pela


primeira vez, em 1665, pelo cientista alemão Christian Huygens quando percebeu que dois ou
mais osciladores no mesmo campo, pulsando quase ao mesmo tempo, tendem a um
deslocamento que faz com que passem a pulsar sincronizados.
58

“A razão da ocorrência deste fenômeno atribui-se ao fato de que na natureza a


energia mais eficiente prevalece e gasta-se menos energia pulsando-se em conjunto do que em
oposição.” (1978 apud LEONARD; WIGRAM et al., 1995. p. 64). É importante salientar que
para a sincronização ocorrer é essencial que os dois osciladores estejam pulsando quase ao
mesmo tempo.

Atualmente, os mecanismos de entrainment são estudados por pesquisadores de áreas


diversas como biológicas, exatas e humanas. Na área da saúde, esse fenômeno tem sido alvo
de investigações pela cronobiologia, musicoterapia, psicologia, entre outras.

Na área da cronobiologia, entrainment ou arrastamento é definido como:

Ajuste temporal de um ritmo por um outro ritmo. Mais comumente, refere-se


ao processo de ajuste temporal de organismos a ciclos ambientais (como a
sincronização do ritmo da temperatura central com o claro/escuro
ambientais). Diz-se que um ritmo está arrastado quando mantém relações de
fase estáveis com o ciclo arrastador. (MARQUES & MENNA-BARRETO,
2003, p.362)

Na área da musicoterapia, entrainment é definido como:


a utilização de vibrações, de sons e de música sob várias formas elementares
e combinadas para estabelecer sincronismo com as respostas corporais
voluntárias ou autônomas: entre o cliente e a música, entre partes do corpo
do cliente e entre o cliente e outra pessoa. Os estímulos utilizados podem ser
gravados ou criados pelo terapeuta e/ou cliente, podendo ser instrumentais
ou vocais (BRUSCIA, 1998, p.130).

Uma vez que no fenômeno do entrainment dois ou mais processos rítmicos


independentes sincronizam entre si ajustando-se até travar em uma fase e/ou periodicidade
comuns cabe ressaltar o conceito de sincronização.

Para a cronobiologia, sincronização significa “a manutenção de relação de fase


estável entre ciclos, podendo ocorrer através de arrastamento (entrainment) ou
mascaramento.” (MARQUES & MENNA-BARRETO, 2003, p.367)

Sendo assim, os ritmos biológicos endógenos podem ser alterados pelo ambiente de
duas maneiras distintas. A primeira, através do fenômeno de arrastamento “que envolve
controle de fase e período da oscilação arrastada e, em geral, pode somente ser efetuado
59

dentro de uma faixa de períodos, próximos ao período natural do sistema arrastado.” (1959
apud PITTENDRIGH & BRUCE; MARQUES & MENNA-BARRETO, 2003, p.84)

No arrastamento, o controle de fase e período é realizado pelo mecanismo do relógio


biológico. E a segunda, através do fenômeno de mascaramento no qual “fatores ambientais
podem ter uma ação direta sobre o ritmo expresso, modificando-o, sem que haja envolvimento
do relógio biológico.”(ibid., 2003, p.84)

No mascaramento, o organismo responde ao sinal ambiental instantaneamente, mas


não antes dele. Apesar de o mascaramento ser primariamente descrito para atividades
locomotoras, seus efeitos podem ser detectados em outras funções. (ibid., p. 87)

O mascaramento pode ser detectado também em ritmos de outras freqüências, tal


como acontece com os ritmos ultradianos da atenção em humanos. Este ritmo é um ritmo
básico, conhecido como ciclo básico de atividade e repouso ou BRAC (do inglês, basic rest
activity cycle), que tem um período de 1,5 hora. Efeitos mascaradores provocam uma
instabilidade destes ciclos e, conseqüentemente, uma dificuldade de reproduzir os resultados.
(1989 apud LAVIE; MARQUES & MENNA-BARRETO, 2003, p.87)

Se o arrastamento representa um mecanismo para a sincronização geral de um


indivíduo ao seu meio ambiente, o mascaramento parece ser adaptativamente importante para
o ajuste fino da ritmicidade biológica. (MARQUES & MENNA-BARRETO, 2003, p. 90)

Além dos conceitos de entrainment, mascaramento e sincronização, faz-se necessário


citar a definição referente ao fenômeno da ressonância para auxiliar na compreensão das
diferenças inerentes a cada um.

No dicionário Aurélio encontra-se a seguinte definição de ressonância, no que diz


respeito ao aspecto físico: “transferência de energia de um sistema oscilante para outro
quando a freqüência do primeiro coincide com uma das freqüências próprias do segundo.”
(FERREIRA, 1975, p. 567)
60

Segundo Goldman (in: Spintge; Droh, 1992, p. 196): “ressonância pode ser definida
como a freqüência na qual, mais naturalmente, um objeto deseja vibrar. É um fenômeno
cooperativo entre dois objetos diferentes dividindo a mesma freqüência.”

Na opinião do autor a ressonância ocorre de forma passiva na natureza, enquanto que


o entrainment parece ser ativo. “Através do entrainment você está mudando padrões naturais
de oscilação de um objeto e substituindo-os por diferentes padrões de oscilação de outro
objeto. Você está mudando ativamente a vibração (a freqüência ou ritmo) de um objeto para
outro padrão.” (ibid., p. 196)

Concluídas as definições dos fenômenos envolvidos nas interações entre ritmos


biológicos e ritmos sonoros, será descrito na próxima seção de que forma podem ocorrer
sincronizações entre os mesmos.

Cabe salientar que neste trabalho não serão abordados assuntos referentes a
ressonância, uma vez que esse fenômeno não é enfocado nas pesquisas realizadas na
cronobiologia . O conceito foi descrito somente no intuito de esclarecer o quanto possível
eventuais dúvidas sobre o tema.

4.2 – Mecanismos de interação entre os ritmos

Como foi exposto na seção 1.3 (p. 21), os ritmos biológicos são classificados de
acordo com a sua periodicidade.

Os ritmos circadianos apresentam períodos de oscilação girando em torno de 20 a 28


horas, de acordo com a espécie, os ritmos infradianos apresentam períodos de oscilação
superiores a 28 horas e os ritmos ultradianos apresentam períodos de oscilação inferiores a 20
horas.

No quadro a seguir, são apresentados alguns exemplo de ritmos biológicos com


diferentes periodicidades.
61

Fig. 04 – Variações das freqüências das


funções rítmicas em humanos
Fonte: HILDEBRANDT, 2002

A ritmicidade biológica dos indivíduos é um sistema bastante complexo que envolve


inter-relações entre diferentes padrões de oscilação. Conforme explica Koepchen (in: Spintge;
Droh, 1992, p. 40) “nós temos percepção de somente uma parte muito limitada de todos esses
ritmos. Existe um amplo espectro o qual pode ser medido utilizando métodos objetivos.”

Vários pesquisadores, entre as décadas de 50 e 60, levantaram suposições referentes


às possíveis interações entre a música e os ritmos biológicos. “A música tende a ativar os
ritmos humanos inerentes a cada um.” (ALTSHULER 1960; ALVIN 1966, COTTON 1965;
GILLILAND 1957; in: Spintge; Droh, 1992, p. 267)

Na década de 90, Aldridge (1993, p.19) considerava que “se a música pode
influenciar condições fisiológicas como batimentos cardíacos ou pressão sangüinea, talvez
possa ser usada terapeuticamente para ajudar pacientes com disfunções cardíacas ou
hipertensão.”
62

Mais recentemente, Saperston (in: Wigram et al., 1995 , p. 65) sugere que:

ambos, estímulos musicais e respostas fisiológicas são constituídos de


vibrações que ocorrem de uma forma regular e periódica. Sendo assim,
estímulos musicais e respostas fisiológicas consistem em oscilações.
Considerando-se que entrainment é o ajustamento de fase de oscilações, é
possível que estímulos musicais possam sistematicamente funcionar como
sincronizadores (zeitgeber) para influenciar mudanças previsíveis nas
respostas fisiológicas através do entrainment.

De acordo com os resultados de várias pesquisas, os estímulos sonoro-musicais


podem efetivamente arrastar e sincronizar os ritmos biológicos. O fenômeno do arrastamento
ocorre com mais freqüência nos ritmos ultradianos, que oscilam em uma periodicidade
inferior a 20 horas, ou seja, o ritmo das ondas cerebrais, o ritmo da respiração, o ritmo dos
movimentos motores, o ritmo cardiovascular e o ritmo básico de atividade e repouso (BRAC).

Koepchen (in: Spintge; Droh, 1992, p. 41) comenta que:

certamente deva ser mais do que pura coincidência o fato de que a extensão
das freqüências instaladas no metrônomo que é utilizado no treino prático da
música, corresponde exatamente a extensão da freqüência das batidas do
coração que ocorrem entre o repouso e a intensa atividade física.

Com relação aos mecanismos de interação é preciso considerar mais uma questão.
Pode ocorrer uma resistência voluntária, por parte do indivíduo ao fenômeno da
sincronização.

4.3 – Estudos pioneiros envolvendo ritmos sonoros e ritmos biológicos

Antes de relatar as primeiras investigações relacionadas às interações entre ritmos


sonoros e ritmos biológicos, serão citadas as idéias de alguns teóricos sobre as relações entre
arte e saúde.

Vigotski (1896-1934) sugeria que existem princípios psicofísicos que servem de base
à arte. Em sua opinião, “todo o nosso comportamento não passa de um processo de equilíbrio
do organismo com o meio e, pelo visto, a arte resolve e elabora aspirações extremamente
complexas do organismo.” (VIGOTSKI, 1998, p. 309)
63

O neurologista Oliver Sacks (1986) opina que “por maior que seja o problema
orgânico isso não diminui a possibilidade de reintegração pela arte, pela comunhão, abrindo o
espírito humano e isso pode ser constatado mesmo em estados neurológicos devastados que
aparentam não ter esperança.” (ALDRIDGE, 1996, p.44)

O educador musical Jacques Emile Dalcroze (1865-1950) acreditava que “é


indispensável, no campo da música ou qualquer outro domínio, ocupar-se dos ritmos do ser
humano, favorecer na criança a liberdade de suas ações musculares e nervosas, ajudá-la a
triunfar sobre as resistências e inibições e harmonizar suas funções corporais com as do
pensamento.” (BENENZON, 1985, p. 126)

Ao que parece, as opiniões formuladas expressam a percepção que os autores têm


sobre experiências cotidianas, embasadas em observações empíricas sobre a importância da
arte tanto nos aspectos físicos quanto psíquicos. Os dados analisados não foram colhidos em
laboratório, porém as conclusões a que chegaram denotam consistência e credibilidade.

A ciência, por sua vez, busca comprovar hipóteses dentro dos mais rígidos padrões
metodológicos visando garantir a confiabilidade dos resultados tanto nas pesquisas teóricas
quanto experimentais.

Pesquisas científicas enfocando respostas fisiológicas à música vêm sendo realizadas


desde o século XIX. Conforme relata Saperston (in: Wigram et al., 1995, p.58) “apesar de
numerosos estudos terem explorado os efeitos da música em uma variedade de respostas
fisiológicas, revisões dessas investigações tem demonstrado que pouco tem sido estabelecido
quanto a esse fenômeno.”

Esse fato se deve, principalmente, a problemas metodológicos associados à


apresentação sistemática do estímulo musical, assim como o registro confiável das respostas
fisiológicas. (ibid., p.60)
64

Com relação aos problemas metodológicos:

As tentativas de classificar os resultados e formular conclusões significativas são


questionáveis. As seleções musicais são altamente complexas compostas de vários elementos
(timbre, tempo, ritmo, metro, etc.) assim como vários estilos e combinações instrumentais.
Dainow (1977) recomenda que futuras pesquisas devam considerar alguma padronização do
estímulo musical e Hodges (1980) conclui que as definições de música estimulante e música
relaxante são muito gerais e não permitem a distinção suficientemente clara entre os dois tipos
de música. (ibid., p.60)

Outra questão refere-se à variação na qualidade do equipamento de reprodução usado


na apresentação do estímulo musical durante as investigações fisiológicas como, por exemplo,
fones de ouvido monaural (1938), gravadores acoplados a caixas-acústicas (1957), gravador
de 12 polegadas conectado a um fonógrafo de alta-fidelidade (1952) e gravadores com fones
de ouvido estereofônicos (1973). A variabilidade entre os equipamentos de reprodução
utilizados nos estudos sugere que os sujeitos foram expostos a estímulos qualitativamente
diferentes. (ibid., p.61)

Com relação aos problemas de qualidade técnicas da mensuração:

Na literatura percebe-se a utilização de variadas técnicas de mensuração. Por


exemplo, para registrar os batimentos cardíacos foram utilizados eletrencefalograma (EEG)
conectado ao pulso (1938), medida de pulso manual (1957), eletrodos colocados no peito e
acoplados a um transmissor telemétrico (1979) e um cardiotacômetro fotoelétrico acoplado ao
lobo da orelha (1963). A diversidade das técnicas dificulta a generalização dos resultados
tornando inapropriada a comparação com estudos mais recentes. (ibid., p.61)

Os problemas relatados evidenciam os motivos pelos quais são encontrados nas


pesquisas resultados tão discrepantes. (ibid., p.61)

Os recentes avanços tecnológicos possibilitam o controle sistemático dos


componentes do estímulo musical (tempo, timbre, ritmo, etc.), alterando um enquanto que os
outros se mantém constantes, através da utilização de música sintetizada. Essas investigações
65

podem conduzir a informações mais precisas sobre música estimulante ou relaxante e pode
auxiliar o desenvolvimento de novos modelos de investigação. (ibid., p.62)

Outros avanços tecnológicos incluindo a instrumentação fisiológica menos invasiva,


programas de computador desenvolvidos para registrar dados fisiológicos seguros,
automaticamente, e equipamento de reprodução musical de alta qualidade permitem eliminar
os problemas metodológicos encontrados em pesquisas anteriores. (ibid., p.62)

Consta na literatura que as primeiras investigações relacionadas especificamente aos


mecanismos de entrainment associados à estímulos auditivos ocorreram a partir dos anos 40.

Conforme relata Saperston (in: Wigram et al.,1995, p. 65):

Lovell e Morgan (1942) constataram que padrões de respiração


aproximaram-se aos padrões de um tom regular e recorrente, enquanto que
um estudo mais recente na Escola de Medicina da Universidade de Nova
Iorque, Hass et al., (1986) demonstraram que padrões de respiração da
maioria dos sujeitos foram sincronizados através de ritmos musicais
gravados previamente. Bason e Celler (1972) afirmaram que batimentos
cardíacos dos sujeitos estudados, sincronizaram através da apresentação de
pulsos audíveis no preciso tempo, do ciclo cardíaco, medido no
eletrocardiograma.

A pesquisa de Bason e Celler (1972) demonstrou que quando o pulso audível ocorria
dentro dos limites de variação do ciclo cardíaco, os batimentos poderiam aumentar ou
diminuir em 12% dentro de um período de 3 minutos ou menos. Flutuações nos batimentos
causadas pela respiração permaneceram. Porém, tendiam a ser menores quando o ritmo do
coração estava arrastado pelo estímulo auditivo. Quando o pulso não estava dentro do limite
de variação do ciclo cardíaco nenhuma alteração ocorria. (ALDRIDGE, 1993, p. 19)

A premissa de que o ritmo musical é um marca-passo (estimula a contração muscular


cardíaca) foi investigada por Hass e seus colegas (1986). Os pesquisadores examinaram os
efeitos dos ritmos musicais em padrões respiratórios, um padrão que serve tanto às funções
metabólicas quanto comportamentais. Os sujeitos, primeiramente, ouviam um metrônomo
ajustado em 60 batidas por minuto e batiam essa marcação em um microfone após um
determinado período. Em seguida eram submetidos a cinco condições de estímulo: quatro
trechos musicais que deveriam ser acompanhados por batimentos e um período de silêncio.
(ibid., p.19)
66

Durante a experiência, não foram encontradas mudanças significativas nos


batimentos cardíacos indicando alterações metabólicas, por outro lado, constatou-se que os
ritmos respiratórios foram sincronizados pelo ritmo musical, expresso pelas batidas
realizadas. (ALDRIDGE, 1993, p. 20)

Outro estudo realizado por Safranek et. al (1982) sugeriu que atividades musculares
diminuem quando o sujeito realiza tarefas motoras acompanhadas por ritmos musicais
similares aos padrões rítmicos de batimento cardíaco dos mesmos. (ibid., p.20)

As pesquisas descritas até aqui foram extraídas de livros e artigos da área de


musicoterapia, mas foram conduzidas por pesquisadores de outras áreas. A seguir serão
citadas algumas técnicas receptivas que são utilizadas na clínica e parecem favorecer o
arrastamento dos ritmos biológicos dos pacientes, bem como serão relatados trabalhos
científicos voltados para a área de musicoterapia enfocando os mecanismos de entrainment,

4.4 - A Musicoterapia e suas interações com os ritmos biológicos

Existem técnicas dentro do método receptivo de musicoterapia que parecem


favorecer o arrastamento (entrainment) da ritmicidade dos indivíduos, em função de
determinados estímulos sonoro-musicais. Bruscia (1988, p.129)) compilou um total de 20
técnicas receptivas e mais 15 subtipos. Dentre essas, serão destacadas algumas que se
relacionam com o sistema corporal:

Escuta Somática: A utilização de vibrações, de sons e de música sob várias formas


elementares e combinadas para influenciar diretamente o corpo do cliente e sua relação com
as outras facetas do cliente.

Entrainment: A utilização de vibrações, de sons e de música sob várias formas


elementares e combinadas para estabelecer sincronismo com as respostas corporais
voluntárias ou autônomas.

Biofeedback Musical: A utilização da música para fornecer feedback auditivo


contínuo das funções corporais autônomas (por exemplo, pressão sangüínea, freqüência
67

cardíaca, níveis hormonais, secreção glandular, etc.) durante a utilização da tecnologia de


biofeeedback.

Anestesia Musical: A utilização da escuta musical para aumentar os efeitos de drogas


anestésicas e analgésicas, induzir insensibilidade à dor sem anestesia, reduzir ou controlar a
dor, e reduzir a ansiedade associada à dor.

Relaxamento Musical: A utilização da escuta musical para reduzir o estresse e a


tensão, reduzir a ansiedade ou aumentar o condicionamento contra a ansiedade, induzir
relaxamento corporal, ou facilitar a entrada em estados alterados de consciência.

Escuta Eurrítmica: A utilização da música para organizar ritmicamente e monitorar


os comportamentos motores do cliente, inclusive da fala, da respiração, das seqüências de
movimentos grossos e de movimentos finos, dos exercícios corporais, e de passos formais de
dança.

Foram citadas algumas técnicas musicoterápicas receptivas, pois as mesmas têm


como objetivo evocar respostas corporais específicas, mas é preciso ressaltar que as técnicas
de musicoterapia “inter-ativa” (Barcellos, 1992), igualmente, induzem respostas
psicofisiológicas e, por conseguinte, devem favorecer o arrastamento dos ritmos biológicos.

Na visão de Aldridge, (1996, p.52):


“quando a periodicidade normal dos ritmos ultradianos, responsáveis pela
regulação do sistema autonômico e dominância cerebral, é interrompida pelo
estresse, reações psicossomáticas podem ocorrer. A restauração de uma
resposta rítmica hipotalâmica integrada pode ser um fator importante no
processo da cura. É provável que a musicoterapia seja um meio ideal para
promover essa integração e regulação através do ritmo.”

O fenômeno do arrastamento pode ocorrer na clínica, através de técnicas


musicoterápicas e no ambiente de laboratório, através de procedimentos metodológicos
padronizados.

O musicoterapeuta, por definição, possui competências específicas para exercer


plenamente o seu trabalho que inclui a aplicação de técnicas que podem induzir respostas
68

psicofísiológicas, bem como qualificação necessária para assumir as responsabilidades


inerentes as intervenções terapêuticas que realiza.

Com relação às investigações científicas envolvendo os mecanismos de entrainment


desenvolvidas na área de musicoterapia, foram encontradas, na literatura especializada,
citações aos trabalhos de Mark Rider, Bruce Saperston e Michael Thaut.

Mark Rider realiza pesquisas desde a década de 80, tendo publicado diversos artigos
abordando a técnica do entrainment. Em 1985, realizou uma investigação para verificar se a
aplicação do princípio de ISO na seleção das músicas tocadas durante o relaxamento muscular
progressivo associado a imagens poderiam acarretar mudanças fisiológicas nos sujeitos. Os
resultados demonstraram que músicas selecionadas pelo princípio de ISO foram mais efetivas
na redução da tensão muscular. Nesse mesmo ano, outra pesquisa conduzida por Rider e
colegas demonstrou que música associada a imagem e relaxamento muscular progressivo
resultaram no re-entrainment dos corticosteróides (hormônios do estresse) e temperatura
corporal. (WIGRAM et al., 1995, p.65) Essa pesquisa será descrita resumidamente na seção
4.6 deste capítulo.

Mais recentemente, Rider desenvolveu um procedimento terapêutico intitulado


homeodinâmica, baseado no fenômeno do entrainment que combina técnicas de imagem
improvisacional, biofeedback e música. É, também, autor do livro “A linguagem rítmica da
saúde e doença”, baseado em seu trabalho de investigação científica enfocando música,
imagens, EEG e o sistema imunológico.

Bruce Saperston desenvolveu o modelo de música interativa fisiológica no qual um


ou mais elementos da música (ou combinações do mesmo elemento) são continuamente
apresentados em uma relação sistemática com o ritmo do organismo, com os limites de
periodicidade necessários para o arrastamento do mesmo. Enquanto o ritmo do organismo
muda, tanto na direção desejada (em direção ao sincronizador musical) ou afastando-se dele, o
sincronizador musical é novamente apresentado dentro de novos limites de periodicidade
necessários para o arrastamento. O mecanismo é repetido de maneira contínua.
69

O processo é interativo por causa da hipotética relação de interdependência que


existe entre o estímulo musical e a resposta fisiológica. Um exemplo dessa abordagem seria o
uso do tempo interativo fisiológico alternando com os batimentos cardíacos. Primeiro, o
tempo da música é dependente do batimento cardíaco enquanto a música é apresentada em um
tempo logo abaixo do batimento cardíaco. Segundo, se o tempo está dentro dos limites de
periodicidade necessários para o arrastamento o batimento cardíaco é influenciado pelo
tempo. Terceiro, o tempo é novamente influenciado pelo batimento cardíaco uma vez que é
apresentado logo abaixo do novo batimento cardíaco. (WIGRAM et al., 1995, p.65)

Michael Thaut pesquisou, igualmente, os mecanismos do entrainment relacionados,


principalmente, à influência de estímulos rítmicos externos nas atividades motoras. Em 1985,
realizou uma pesquisa com crianças com disfunção motora grossa e os resultados
demonstraram que as crianças atuaram com uma melhora significante no ritmo motor quando
ajudadas por discurso rítmico e ritmos audíveis. Neste trabalho, concluiu-se que ritmos
musicais podem ser usados por sua influência terapêutica em parâmetros fisiológicos.
(ALDRIDGE, 1995, p.44)

Thaut participou de pesquisas voltadas ao tratamento de pacientes com desordens


neurológicas como doença de Parkinson obtendo significativo sucesso usando pulso e ritmo
para regularizar e estimular padrões de marcha. (Wigram et al., 2002, p.224). Publicou
inúmeros artigos científicos que são muito citados tanto na área da musicoterapia como em
outras afins. Em 2003, estudou a dinâmica neural do entrainment através das respostas das
ondas cerebrais tendo identificado redes neurais envolvidas em sincronização motora frente a
ritmos auditivos. (in: THAUT, 2003, N.Y. Acad. Sci, 999: 364-373). O artigo de Thaut e
colegas que será descrito nesta monografia intitula-se “A conexão entre ritmicidade e funções
cerebrais – Implicações para Terapia nas Desordens do Movimento”. (vide seção 4.6 – p.64)

Aspectos relacionados a ondas cerebrais são estudados também pelo musicoterapeuta


Raul Brabo que desenvolveu, uma técnica de musicoterapia associada a eletroestimulação,
aplicada ao tratamento e prevenção do estresse.

A técnica, denominada AudioMusicoTens, consiste na audição de músicas


selecionadas (musicoterapia receptiva) de acordo com o princípio de ISO (descrito na seção
3.5, p.54) e, simultâneamente, a aplicação de eletroestimulação nervosa transcutânea
70

(T.E.N.S.) visando promover no indivíduo uma “resposta induzida por freqüência”: fenômeno
que evidencia a modificação das ondas cerebrais, frente a estímulos exteriores, dentre eles o
som, ao qual certas áreas do nosso cérebro tende a adotar o mesmo padrão de freqüência do
estímulo sonoro, após 12 minutos de estimulação em média, bem como, a seguir as variações
do estímulo, se essas forem lentas e progressivas. REVISTA BRASILEIRA DE
MUSICOTERAPIA, 1996, p. 25)

Os resultados auferidos demonstram que a técnica promove analgesia e relaxamento


através do rebaixamento natural da freqüência das ondas cerebrais.

4.5 – Trabalhos enfocando Cronobiologia e música

Nesta seção serão relatadas investigações realizadas por dois cronobiologistas


renomados, localizadas através da Internet.

A primeira refere-se a uma pesquisa apresentada, em 2006, pelo Prof. Dr. Hans-
Ullrich Balzer, na conferência internacional intitulada O Impacto da Música – Um Diálogo
das Ciências e das Artes Sobre os Efeitos da Música em Arte, Educação e Medicina, realizada
em Viena. O objetivo do evento era estabelecer um diálogo interdisciplinar entre vários
campos da ciência envolvidos em pesquisas sobre os efeitos da música dentro de seus
específicos contextos. (www.mozart-science.at)

O Prof. Dr. Balzer atua como cronobiologista e diretor científico da Science Network
Man and Music e o seu campo de pesquisa engloba cronobiologia, distúrbios de estresse,
distúrbios do sono e medicina espacial. O trabalho que apresentou na conferência intitulava-se
“Aspectos Cronobiológicos do Impacto da Música” hipotetizando que as respostas dos
indivíduos ao impacto da música podem ser analisadas utilizando-se informações relativas às
mudanças de estados biológicos corporais.

Foram conduzidos por ele e colegas, diversos estudos explorando a inter-relação


entre os ritmos biológicos e as funções vegetativas (respostas emocionais, neurológicas e
motoras) de sujeitos saudáveis e pacientes com depressão, submetidos à audição musical.
71

Primeiramente, os pesquisadores determinaram as alterações nos estados biológicos


através da análise de sucessão de tempo (time series), um conjunto de informações
estatísticas, compiladas, registradas ou observadas em diferentes datas ou períodos de tempo e
organizadas cronologicamente. As interações entre as funções vegetativas podem ser
demonstradas através de correlações cruzadas.

Os parâmetros musicais (flutuação de volume, espectro de freqüências e densidade


tonal) foram analisados através dos mesmos métodos matemáticos aplicados às funções
vegetativas. O objetivo desses estudos era demonstrar como certos parâmetros fisiológicos
correspondem a componentes específicos contidos na estrutura da música.

Balzer hipotetiza que os ouvintes apreciam a música quando os ritmos biológicos


contidos na mesma (analisados por métodos matemáticos) começam a sincronizar com o seu
próprio ritmo biológico.

As interações entre as funções vegetativas e a audição musical podem ser


demonstradas através de um complexo método matemático baseado em algoritmos
desenvolvido por Balzer, em 1986, que permite avaliar como o sistema nervoso autônomo
reage ao estímulo acústico. Os resultados dos estudos demonstraram diferentes influências do
estímulo musical nos ouvintes dependendo da fase em que se encontravam seus ritmos
biológicos (ativação/desativação) e das características da música.

Balzer demonstrou em um gráfico como a música e o sistema nervoso começavam a


sincronizar quando os ouvintes eram expostos à audição do concerto de piano nr. 17, de
Mozart.
72

Fig. 05 – Reação do sistema nervoso autônomo ao estímulo acústico


Fonte: www.ostina.org

O pesquisador acredita que através de correlações-cruzadas, as inter-relações entre as


mudanças do estado vegetativo e as mudanças do estado musical podem ser demonstradas e
esse conhecimento aplicado terapeuticamente.

O segundo trabalho a ser relatado refere-se ao artigo intitulado Fundamentos


Biológicos da Administração do Estresse - Aspectos Cronobiológicos da Fisiologia da Música
escrito pelo Prof. Dr. Gunther Hildebrandt. (www.micromusiclaboratories.com)

O Prof. Dr. Hildebrandt é cronobiologista fundador da Sociedade Européia para


Cronobiologia e foi vice-presidente da Sociedade Internacional para Cronobiologia – ISC, por
muitos anos. Atualmente é professor emérito da Escola de Trabalho Fisiológico e Pesquisa em
Reabilitação da Universidade de Marburg e desenvolve estudos visando demonstrar como o
processo rítmico biológico de organismos saudáveis seguem as leis harmônicas da natureza
presentes também na estrutura da música. Em seu artigo, ele comenta que a música e o
movimento musical são formas de arte realizadas no tempo e constituídos de organismos
temporais. Sendo assim, os eventos biológicos em humanos que igualmente são estruturados
no tempo possuem equivalência e reagem ao sistema musical.
73

Devido aos recursos terapêuticos e educacionais da música, ele considera ser de vital
importância conhecer de que forma suas funções temporais interagem no organismo.

Estudos analíticos espectrais dos ritmos respiratórios e circulatórios durante o sono, à


noite, têm demonstrado que assim como a relação entre pulso e respiração, a relação de
freqüência do ritmo da pressão sanguínea e o ritmo da circulação periférica são ajustados com
grande precisão ao quociente de valor 4:1 (oitava dobrada) se, durante o sono, à noite, as
funções regeneradoras do sistema metabólico predominarem. Os ritmos da respiração e do
coração estão no centro de polarização da organização rítmica dos humanos. Em vista desta
posição central no espectro total dos ritmos autonômicos não é de surpreender que essas áreas
estão especialmente próximas das experiências musicais e movimento musical.

Hildebrandt afirma que no conjunto, uma investigação mais detalhada das funções
rítmicas corporais mostra que os elementos básicos da música podem ser encontrados em
humanos. Assim como, apresentam os mesmos princípios de organização funcional das
estruturas temporais.

A ilustração a seguir demonstra as freqüências rítmicas das áreas da respiração e do


coração e suas relações com as funções rítmicas do sistema motor, assim como suas relações
com os ritmos musicais.
74

Fig. 06 – Relações entre as freqüências dos ritmos cardíaco, respiratório, motores e musicais.
Fonte: Hildebrandt 2002

Ao final do artigo, Hildebrant conclui que não é possível provar em detalhes de que
forma a organização temporal dos humanos pode reagir a que tipo de música ou estímulo
musical. As experiências realizadas no campo da fisiologia musical e musicoterapia estão, em
parte, limitadas à dimensão das funções vegetativas, ativação motora, sono e alívio da dor. A
investigação da organização temporal em humanos, entretanto, torna claro que, para todos os
elementos básicos da música, aspectos funcionais fisiológicos adequados podem ser
encontrados. Esta consideração expande os pontos de vista e questionamentos da fisiologia
musical e musicoterapia, uma vez que são áreas que estudam os ritmos. As pré-condições
metodológicas relativas a isso já foram investigadas amplamente pela moderna cronobiologia.

4.6 – Pesquisas Científicas na Musicoterapia

Nesta seção serão apresentados resumidamente trabalhos de pesquisa enfocando os


mecanismos de entrainment com interesse voltado para área da musicoterapia.
75

Mark Rider, PhD, musicoterapeuta, psicólogo e pesquisador, realizou uma extensa


investigação referente a cura, música, imagens, eletrencefalograma e o sistema imunológico.

Rider (1997) acredita que no mecanismo mente/corpo não somente o corpo afeta a
mente mas a mente pode também controlar o corpo. Com base nos resultados de seus estudos
desenvolveu a teoria homeodinâmica. “Homo” refere-se às similaridades entre corpo e mente,
incluindo canais de comunicação química idênticos, comunicações elétricas idênticas e
organização harmônica idêntica. O cérebro-mente, sistema imunológico e sistema da dor
(corpo) são inter-relacionados uma vez que utilizam as mesmas conexões neurais e se
comunicam através de mensageiros químicos como os neurotransmissores e endorfinas.

Uma vez que a musicoterapia estimula esses mensageiros químicos, pode ser um
recurso efetivo para alterar o humor e a dor.

Em sua opinião, toda atividade elétrica e química no corpo e mente oscila em ritmos.
As ondas cerebrais, os hormônios, os neurotransmissores e o sistema imunológico tem ritmos
circadianos, assim como ritmos mais rápidos e mais lentos, criando uma organização
harmônica. O fato de todos os sistemas em nosso corpo atuarem ritmicamente sugere que os
indivíduos são facilmente arrastados ou alterados através do processo do Princípio de ISO.

Em 1985, Rider e colegas conduziram uma pesquisa visando avaliar os efeitos da


música, imagem guiada (GI) e relaxamento progressivo muscular (PMR) sobre os
corticosteróides adrenais (hormônios do estresse). Foram concebidas hipóteses baseadas no
teor médio da amplitude circadiana, do re-arrastamento da temperatura corporal e dos
corticosteróides da urina através da audição de fita musical e indução verbal. Foram
recolhidas amostras de urina e registrada a temperatura corporal de enfermeiras quando se
deslocavam para o trabalho durante três dias, com intervalos, no período de um mês. As
enfermeiras ouviam a fita em uma base diária começando após o primeiro período de registro.

Os resultados indicaram que a amplitude circadiana reduziu de forma acentuada e o


ritmo da temperatura foi significativamente mais arrastado durante a audição. O teor médio
dos níveis de corticosteróide na urina também diminuiram. Os pesquisadores concluiram que
devido a estreita relação entre os hormônios do estresse e o sistema imunológico, os
resultados sugerem a relação entre música, técnicas de relaxamento e saúde física.
76

Michael Thaut, PhD., é diretor científico do Centro para Pesquisas Biomédicas em


Música, na Universidade do Estado do Colorado. Tem publicado extensivamente pesquisas
nas áreas de neurociência dos sistemas auditivo e motor, fisiologia musical, psicologia,
reabilitação neurológica e musicoterapia.

O artigo intitulado “A conexão entre ritmicidade e funções cerebrais – Implicações


para Terapia nas Desordens do Movimento”, escrito por Thaut e colegas em 1999, será citado
nesta monografia por sua relevância para a área da musicoterapia, uma vez que, os autores
ressaltam a eficácia da aplicação de técnicas musicoterápicas para a obtenção de respostas
motoras em pacientes com disfunções neurológicas.

Neste artigo, são discutidas questões referentes às aplicações de estruturas rítmicas


sonoras na reabilitação motora. O mecanismo fisiológico para essa conexão é baseado em
interações entre os sistemas auditivo e motor frente a estímulos sonoros que podem provocar
e aumentar a excitação dos neurônios motores espinais (localizados na saída da medula)
mediados pelo circuito motor auditivo. Em outros artigos, já havia sido demonstrado que
padrões sonoros de estrutura rítmica, como uma simples melodia em um compasso 2/4, pode
arrastar o tempo dos padrões de ativação muscular.

Foram realizados testes clínicos com pacientes hemiparéticos utilizando-se a


freqüência de um metrônomo em uma composição instrumental do período renascentista
adequada ao padrão de marcha do paciente. Os resultados demonstraram que os efeitos da
estimulação rítmica acústica melhoram a simetria da marcha reduzindo a variabilidade nos
padrões medidos no eletromiograma (EMG).

A presença de estímulos rítmicos acrescentam estabilidade imediata no controle


motor, mais do que através de um processo gradual de aprendizagem. Essa estabilidade é
provavelmente mediada por um processo imediato de sincronização rítmica entre o
metrônomo e a resposta motora. Os mecanismos de adaptação temporal subjacentes a esse
processo sugerem a existência de processos diretos de acoplamento sensório-motor no qual a
informação sensorial dirige ações motoras diretamente, independentemente da adaptação
cognitiva ou processos de aprendizado.
77

Uma linha de pesquisa similar, utilizando o arrastamento e modelos terapêuticos


como protocolos experimentais, foi realizada com pacientes com doença de Parkinson. Nos
experimentos que estudavam o arrastamento rítmico imediato da marcha foi constatado que
sem treinamento, os pacientes eram capazes de sincronizar seu padrão de marcha ao
metrônomo e aos estímulos rítmicos musicais de uma forma similar a resposta de indivíduos
idosos saudáveis.

A importância terapêutica desses achados foi evidenciada pelo fato da sincronização


rítmica melhorar a simetria da marcha assim como arrastar intensamente a cadência e a
extensão da mesma resultando em uma maior normalização dos parâmetros motores.

Com base nas pesquisas, constataram-se algumas características importantes da


sincronização rítmica que auxiliam na compreensão do papel do ritmo no controle motor:

- Ritmos auditivos criam muito rapidamente referências internas de intervalo estáveis


para guiar o tempo das respostas motoras.
- O sistema motor é fisiologicamente muito sensível à estímulos do sistema auditivo.
- Os impulsos neurais dos ritmos auditivos acessam e estimulam impulsos motores
neurais, os quais tendem a ser arrastados pelo sinal auditivo de freqüência.
- O processo de arrastamento auditivo-motor pode ocorrer em níveis subliminares de
percepção sensorial.
- A estratégia dominante de sincronização é baseada na freqüência de arrastamento
(período similar entre estímulo e resposta), considerando que correções de fase flutuam mais
livremente com certos limites de entrada, às vezes, a apresentação da sincronização tem sido
aplicada erroneamente.

Os autores concluiram o trabalho afirmando que o achado mais excitante dessa


pesquisa refere-se à evidência de que as interações entre ritmos auditivos e respostas corporais
podem ser efetivamente aproveitadas para propostas terapêuticas específicas na reabilitação
de pessoas com desordens no movimento. Ressaltaram, ainda, que as técnicas de
musicoterapia originalmente designadas para necessidades sócio-emocionais estimulam
respostas motoras em pacientes com doenças neurológicas que não são prontamente
acessíveis por outras terapias.
78

O outro artigo que será descrito neste trabalho intitula-se: “Ritmos musicais no ciclo
dinâmico do coração: uma abordagem interdisciplinar e inter-cultural dos ritmos cardíacos.”,
publicado em 1999, por Bettermann e colegas. Essa pesquisa foi selecionada porque, de
acordo com os autores, o método apresentado pode ter um amplo potencial de utilização nas
pesquisas em musicoterapia.

No início do artigo afirma-se que até agora nenhum estudo revelou a ligação entre a
complexa fisiologia e os ritmos musicais. Somente o fenômeno do arrastamento ou a resposta
fisiológica a estímulos auditivos tem sido relatado. A pergunta continua sem resposta: os
complexos ritmos musicais podem ser representados fisiologicamente? A pesquisa procura
elucidar essa questão por meio da aplicação de princípios rítmicos composicionais da música
africana para analisar a sucessão de tempo nos batimentos cardíacos porque, segundo os
autores, a música africana é como a batida do coração: pulsátil e caracterizada por complexos
padrões rítmicos de repetição cíclica.

Foi aplicado o conceito rítmico da música africana estruturando todas as


possibilidades de padrões de tempo com três a oito pulsos, evitando redundância. Isso
resultou em um esquema musical rítmico com 42 classes de padrões que são intensamente
relatadas pela Classificação Rítmica Derler – desenvolvida por Thomas Pfob e Alfons Dauer,
em 1988, e baseado em combinações matemáticas.

Os batimentos cardíacos de sujeitos saudáveis foram convertidos em padrões


simbólicos binários que juntamente com os padrões da música africana permitiram uma
interpretação musical do ciclo dinâmico do coração. Em sujeitos saudáveis, padrões de
sincronização 4:1, foram encontrados mais freqüentemente, seguido por padrões 7:2, 3:1 e
5:1. A ritmização dos batimentos cardíacos pode ser observada primeiramente durante os
períodos de descanso.

Os autores sugerem que no futuro, a busca por ligações fundamentais entre ritmos
musicais e fisiológicos pode promover pesquisas interdisciplinares visando esclarecer
aspectos referentes a ritmo, percepção do tempo e estruturas de tempo da vida humana. Uma
estratégia possível seria criar ritmos fisiológicos audíveis através da adequada transformação
dos dados em arquivos de áudio do computador para depois, analisar as respostas fisiológicas
à percepção dos ritmos fisiológicos pessoais. Esse retorno psicoacústico ou ressonância
79

rítmica poderia ter um grande potencial de uso, particularmente, para avaliação em


musicoterapia.
80

CAPÍTULO 5 – DISCUSSÃO

A musicoterapia é uma modalidade terapêutica firmemente sustentada por teorias e


conceitos que foram sendo desenvolvidos durante, aproximadamente, 50 anos de prática
clínica. O som e a música, que são as ferramentas utilizadas pelo musicoterapeuta visando
alcançar objetivos terapêuticos, induzem respostas psicofisiológicas nos indivíduos,
suscitando o interesse da comunidade científica há mais de dois séculos.

As tentativas de quantificar e padronizar os resultados obtidos nas pesquisas sempre


foi uma tarefa bastante complexa porque envolve parâmetros de análise não-lineares,
subjacentes à subjetividade humana.

Atualmente, a ciência conta com um sofisticado aparato tecnológico permitindo


formas mais precisas de investigação e, também, com equipes transdisciplinares colaborando
no desenvolvimento dos projetos de pesquisa.

Nesse contexto, a musicoterapia procura acompanhar as mudanças de paradigmas e


estabelece-se como um campo do conhecimento que promove a aproximação entre a saúde e a
arte.

O musicoterapeuta, por sua vez, é um profissional que utiliza os recursos sonoro-


musicais visando alcançar objetivos terapêuticos junto a clientes/pacientes com necessidades
muito diversas sendo de fundamental importância possuir conhecimentos específicos da área
médica e habilidades na área musical para que possa apresentar a competência necessária à
prática musicoterápica.

Além das disciplinas que fazem parte da grade curricular da graduação como:
anatomia, neurofisiologia, neurologia, reabilitação, psicomotricidade, entre outras, faz-se
necessário pesquisar novas áreas do conhecimento como a cronobiologia, neurociência
cognitiva, neuropsicologia e biomusicologia visando aumentar a capacidade de compreender
os aspectos psicofisiológicos inerentes ao cliente/paciente para que ele possa ser atendido em
suas necessidades.
81

Neste trabalho foram enfocadas as interações entre os ritmos biológicos, estudados


pela cronobiologia e a musicoterapia. Compreender os mecanismos envolvidos nessa
dinâmica é relevante, uma vez que a expressão da ritmicidade biológica reflete estados de
equilíbrio ou desequilíbrio endógeno que podem ser influenciados pelos estímulos sonoro-
musicais.

Está cientificamente comprovado que pacientes com disfunção motora podem ser
beneficiados por meio de técnicas musicoterápicas como, por exemplo, a técnica de
entrainment, na organização dos movimentos.

Existem patologias caracterizadas por distúrbios rítmicos como a insônia, alguns


distúrbios do envelhecimento, alguns distúrbios psiquiátricos, entre outras. Sendo assim,
supõe-se que os mecanismos rítmicos endógenos peculiares a esses quadros também possam
estar sujeitos ao arrastamento e sincronização através dos ritmos sonoro-musicais.

Aldridge (1993) acredita que “se a música pode influenciar condições fisiológicas
como batimentos cardíacos ou pressão sangüinea, talvez possa ser usada terapeuticamente
para ajudar pacientes com disfunções cardíacas ou hipertensão.”

Com relação à influência dos estímulos sonoro-musicais no ritmo das ondas cerebrais
é necessário considerar que mudanças de freqüências podem promover estados alterados de
consciência, sendo, portanto, de extrema importância, nesses casos, a intervenção de um
musicoterapeuta visando restabelecer o equilíbrio do estado de vigília.

É importante ressaltar que a capacidade de estímulos sonoros influenciarem os ritmos


biológicos está diretamente relacionada ao interesse e a atenção do indivíduo. Sendo assim,
novamente o papel do musicoterapeuta é fundamental na identificação da identidade sonoro-
musical do sujeito.
82

CAPÍTULO 6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Musicoterapia é uma abordagem terapêutica expressiva que auxilia o


cliente/paciente a comunicar-se através do som e da música dando vazão às suas emoções. A
regulação do equilíbrio emocional tende a auxiliar a coordenação rítmica das funções
fisiológicas favorecendo um estado de bem-estar físico e psíquico.

O som e a música são constituídos por vibrações que pulsam em oscilações rítmicas.
O cliente/paciente, por sua vez, é constituído por estruturas físicas e não físicas que vibram,
igualmente em freqüências rítmicas oscilatórias.

O musicoterapeuta pode estabelecer a sincronia entre esses sistemas (som/ser


humano), através do arrastamento ou da ressonância, visando alcançar objetivos terapêuticos.
Esse procedimento requer conhecimento, habilidade e demanda tempo. O tempo, aliás, é o
fator primordial na relação terapêutica. O ajuste temporal entre o cliente e o terapeuta é o que
possibilita o início do vínculo e o desenrolar positivo do processo.

Na realidade, não poderia ser diferente porque o tempo é quem fornece a estrutura
para a construção sonoro-musical e, através dessa percepção, o paciente tem a chance de
perceber a si mesmo, ao outro, ao mundo e sentir-se integrado dentro dessa organização.

A compreensão da importância do som, da música, do paciente e do musicoterapeuta


no processo musicoterápico estimula a busca de aprimoramento constante através do
conhecimento científico, quantificável, mensurável, paupável, mas, principalmente, através da
valorização de atributos imponderáveis como o respeito, a consideração, a responsabilidade
frente ao indivíduo que se coloca sob os cuidados desse profissional.

A musicoterapia é um campo vasto. Conforme publicou a revista Veja (maio/2008):


“a profissão do futuro”. Considerando-se que o futuro depende do presente cabe aos
profissionais de agora participarem ativamente da edificação do porvir.
83

Referências Bibliográficas

ALDRIDGE, David. From out of the Silence: MusicTherapy and Practice In Medicine,
London: Jessika Kingsley Publishers, 1996.
_____________The Music of the body: Music Therapy in Medical Settings, Advances, The
Journal of Mind, Body Health,Vol. 09, nº 1, 1993.

ANDRADE, Mario de. Namoros com a medicina, 4. ed., Belo Horizonte, Itatiaia, 1980.

ARAÚJO, John Fontenele ; MARQUES, Nelson. Cronobiologia: uma multidisciplinaridade


necessária, São Paulo: Margem. nº 15. páginas 95-112, Junho 2002.

BALZER, Hans-Ullrich. Chronobiological Aspects of the Impact of Music, Austria, Jun.


2006. Disponível em:< http://www.ostina.org/index2>. Acesso em : agosto/2007.

BARCELLOS, Lia Rejane M. Cadernos de Musicoterapia 2, Rio de Janeiro: Enelivros,


1992.
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GLOSSÁRIO

adaptação temporal – processo de ajuste de ritmos biológicos a ciclos ambientais ou do


próprio organismo.

agente arrastador – ciclo que promove alterações de período em outro ciclo, tipicamente ação
de ciclo ambiental sobre relógios biológicos.

algoritmo – processo de cálculo, ou de resolução de um grupo de problemas semelhantes, em


que se estipulam, com generalidade e sem restrições, regras formais para a obtenção do
resultado, ou da solução do problema.

arquétipos – segundo C.G. Jung psicólogo e psicanalista suíço (1875-1961), imagens


psíquicas do inconsciente coletivo e que são patrimônio comum a toda a humanidade.

ciclos geofísicos – período gerado por fenômenos geofísicos, como o ciclo noite/dia gerado
pela rotação da Terra em torno de seu eixo.

coordenação relativa – modificação passageira da freqüência de um ritmo em livre-curso


provocada pela ação de um agente arrastador com força insuficiente para arrastar de forma
estável o ritmo biológico.

dinamogênico – relativo à dinamogenia: exaltação funcional dum órgão, sob a influência


duma excitação.

endógeno - originado no interior do organismo, ou por fatores internos

engrama - uma representação de algo a ser recordado.

filogênese / filogenético – história evolucionária das espécies.

hemiparético – paciente com fraqueza muscular que incide apenas em uma das metades do
corpo.

marca-passo – estrutura biológica, por exemplo um conjunto de neurônios, cuja característica


funcional é produzir oscilação regular.

neologismo – palavra, frase ou expressão nova.

ontogênese / ontogenético – desenvolvimento do indivíduo desde a fecundação até a


maturidade para a reprodução.

sincronização – manutenção de relação de fase estável entre ciclos, podendo ocorrer através
de arrastamento ou mascaramento.

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