Você está na página 1de 10

6º - COLÓQUIO INTERNACIONAL MARX E ENGELS

GRUPO DE TRABALHO 2: OS MARXISMOS

AS ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA NO BRASIL

Rachel Aguiar Estevam do Carmo – Mestranda pela Faculdade de Educação da UFF.

1 - INTRODUÇÃO:

O presente artigo apresenta algumas reflexões sobre o desenvolvimento do capitalismo


no Brasil a partir dos estudos da obra A Revolução Burguesa no Brasil do sociólogo brasileiro
Florestan Fernandes. A importância de estudar os seus escritos é devido a sua originalidade
analítica, pois consegue articular o rigor heurístico e os fenômenos dialéticos da história, cujo
objetivo é mostrar as contradições estruturais da sociedade brasileira.

A nossa tarefa é apontar as principais características que impulsionaram o


desenvolvimento capitalista no Brasil. Sem o intuito de esgotar a discussão de sua obra neste
presente artigo, pretendemos destacar dos eixos teóricos analisados por Florestan, que nos
fazem refletir criticamente duas questões: a construção, ao longo da historia do Brasil, das
relações de classe; e de que forma são articuladas as determinações estruturais do capitalismo
com as particularidades da inserção capitalista do nosso país na economia mundial. Estas
questões não pretendem ser esgotadas neste texto, mas a sua menção torna-se historicamente
necessária para entendermos de que maneira são realizadas as transformações sociais
capitalistas no Brasil.

2- APRESENTANDO A REVOLUÇÃO BURGUESA NO BRASIL

Nada mais rico do que apresentar o ensaio Revolução Burguesa no Brasil, escrito em
1975, com uma breve citação que caracteriza uma das principais reflexões de Florestan acerca
da relação entre a economia brasileira e a economia mundial, ditada principalmente pelos
países capitalistas centrais:

A dupla articulação impõe a conciliação e a harmonização de interesses dispares (tanto


em termos de acomodação de setores econômicos internos quanto em termos de
acomodação da economia capitalista dependente às economias centrais); e pior que isso,
acarreta um estado de conciliação permanente de tais interesses entre si. Forma-se, assim,
um bloqueio que não pode ser superado e que, do ponto de vista da transformação
capitalista, torna o agente econômico da economia dependente demasiado impotente para
enfrentar as exigências da situação de dependência.1

1
Florestan Fernandes, A revolução burguesa no Brasil: um ensaio de interpretação sociológica. 2ª ed. Rio de
Janeiro, Zahar, 1975, p. 413.
2

A chamada dupla articulação, que seria o entrosamento econômico de maneira


desigual e dependente entre os países que possuem maior desenvolvimento dos móveis
capitalistas em detrimento dos países que possuem relações sociais ainda estamentais, é a
grande questão do ensaio e a sua explicação é desenvolvida inicialmente no primeiro capítulo.
Questões Preliminares de Natureza Interpretativa.

São três questões trabalhadas neste capítulo que vão caracterizar as especificidades do
surgimento do capitalismo no Brasil. Comecemos pela primeira:

A EXPLICAÇÃO SOCIOLÓGICA DE BURGUÊS E DE BURGUESIA:

Fernandes aponta três problemas a serem enfrentados pela historiografia e pela


sociologia histórica brasileira. Para entender estas “questões de alcance heurístico”, o autor se
propõe analisá-las cuidadosamente.

A primeira questão seria exatamente a forma pela qual a historiografia e a sociologia


histórica encaram a noção de burguês e de burguesia. Segundo Fernandes, ou os
pesquisadores analisam essa questão de maneira “demasiada vazia”, partindo da afirmação de
que a burguesia e o burguês teriam surgido com a “grande lavoura exportadora”, ou seja, o
senhor de engenho assumiria um papel sócio-econômico de controle das atividades agrícolas e
da articulação com as organizações da Metrópole e da economia mercantil européia. Ou de
afirmações “muito estreitas” que seriam a negação da existência da burguesia no Brasil, pois
tal negação evitaria a descontextualização dos reais fatos em que se desenvolveu a história
brasileira. Essas duas interpretações, afirma Fernandes, são “impróprias e extravagantes”,
porque na primeira interpretação, não se pode associar o burguês ao senhor de engenho, por
este possuir funções sócio-político-econômicas distintas das do burguês. O senhor de engenho
fazia parte do “processo de mercantilização da produção agrária” e, por isso, não era o
“antecessor do empresário moderno”. Ele ocupa uma posição marginal dentro do processo
geral de mercantilização agrária. O senhor de engenho, que vivia no Brasil, seria o “agente
econômico especializado” cuja função sócio-econômica era a “[...] organização de uma
produção de tipo colonial, ou seja, uma produção estruturalmente heteronômica, destinada a
gerar riqueza para a apropriação colonial”2.

2
Idem, ibidem, p. 16.

2
3

Tal acúmulo de riqueza mencionado não era a noção de lucro empreendida pela
burguesia. Era a “parte que lhe cabia” no processo geral de mercantilização agrária. Nesse
sentido, seria um “contra-senso” comparar senhor de engenho ao burguês.

A outra afirmação de que inexiste uma burguesia no Brasil, exercita teoricamente o


que Fernandes chamou de historicismo anti-histórico. Para ele, esse referencial considera o
“aqui e agora”, além de não articular os acontecimentos históricos que ocorrem ao mesmo
tempo, repletos de sentidos e significados sociais.

A EXISTÊNCIA OU NÃO DE UMA BURGUESIA NO BRASIL.

A partir da sua exposição criticando as duas grandes interpretações que atravessavam


o debate na época, Fernandes apresenta a sua posição quanto à primeira questão. Para ele, não
existiu no Brasil um feudalismo muito menos burgos, tal como fora criado historicamente
pelas nações européias. O que tivemos foi a existência de um burguês como uma entidade
especializada “seja na figura do agente artesanal inserido na rede de mercantilização da
produção interna, seja como negociante” – dos mais variados tipos e características de
comerciantes que tivemos no Brasil entre os séculos XVIII e XIX. O caráter da consciência
burguesa a qual tratada na obra como “espírito burguês” marca todo o percurso metodológico
do ensaio. Não nos cabe aprofundar tal caráter, mas sinalizamos para as particularidades que a
compõem, quando Fernandes aborda a idéia da organização de classe não como classe
burguesa, mas sim como uma “congérie social”. Segundo ele o que une “os vários setores
dessa congérie não eram interesses fundados em situações comuns de natureza estamental ou
de classes. Mas, a maneira pela qual tendia polarizar socialmente certas utopias”3.

Essa idéia é central para entendermos a segunda questão apontada por Fernandes, além
de caracterizar também de forma peculiar a origem da organização e da consciência de classe
no Brasil do século XIX. A segunda questão refere-se à existência ou não de uma revolução
burguesa no Brasil. A busca do autor não é afirmar ou negar, mas sim de buscar os fatores
pelos quais a economia brasileira absorve as características econômicas dos países centrais
capitalistas. Para Fernandes, entender a revolução burguesa no Brasil é compreender as
transformações histórico-sociais que levaram a “desagregação do regime escravocrata-
senhorial e da formação da sociedade de classes no Brasil”4.

LOCALIZAÇÃO ESPAÇO-TEMPORAL DA NOÇÃO DE BURGUÊS.

3
Idem, ibidem, p. 18.
4
Idem, ibidem, p. 20
3
4

A terceira questão seria como a noção de burguês e burguesia pode ser localizada nos
fatos históricos que desencadearam o processo de construção da sociedade brasileira.

Fernandes aponta dois efeitos estruturais globais devido ao crescimento interno da


economia da Colônia. Uma seria a ligação de “dentro para fora” da economia colônia para a
economia externa (Metrópole). A renda, aqui produzida, era destinada para a Coroa e para os
grupos financeiros fora de Portugal. Outra seria a imobilidade de desenvolvimento de outros
setores comerciais internos, fruto de uma espécie de “acomodação” a que ficavam os senhores
de engenho.

Nesta parte, Fernandes trabalha com os fatores e agentes econômicos que sob a
construção social heterônomica da Colônia constituem a formação dependente do capitalismo,
levando em conta as duas questões tratadas nos itens anteriores. Isso aponta para a formação
da mentalidade econômica entre o agente interno e o agente externo. Essa dupla articulação
marca uma etapa do capitalismo dependente através do qual o aumento da autonomia interna,
por causa do desenvolvimento embrionário do mercado interno, amplia a idéia de ruptura com
o regime escravocrata e fortifica a defesa da independência nacional, alardeado pelos setores
da congérie social.

Estes dois fatos representam a mudança, limitada, da elite senhorial e da recente


burguesia brasileira. Não obstante, os laços sociais que caracterizam o regime senhorial,
principalmente no modo de ser colonial e o status social que isto repercute ainda permanecem
presentes intencionalmente pelas elites consolidadas (senhores de engenho) e pelas elites em
ascensão (burguesia). Essa ruptura limitada marca as relações com os países centrais externos,
como também marca o estilo de vida desenvolvido pelas diversas camadas sociais no Brasil.

Essas questões desenvolvidas introduzem as análises e interpretações das etapas do


desenvolvimento do capitalismo no Brasil.

3 - AS ETAPAS DO CAPITALISMO NO BRASIL:

3.1 - UMA BREVE INTRODUÇÃO

Fernandes situa historicamente o surgimento do capitalismo no Brasil levando em


consideração as três questões abordadas anteriormente: noção e a existência de burguesia; a
relação interna e a externa entre países, constituindo o conceito sociológico capitalismo
dependente. Neste item, mostraremos as interseções no marco histórico dessas três questões e
como dialeticamente se tornam parte constitutiva e estruturante da sociedade brasileira. Para

4
5

fins didáticos, chamaremos de questões-chaves os fatos e períodos históricos relevantes. O


nosso objetivo, com isso, é facilitar o entendimento de cada etapa a ser tratada neste artigo.

3.2 - A PRIMEIRA ETAPA:

Em todo o ensaio, Fernandes enfatiza a necessidade de analisar as particularidades do


processo de implantação capitalista adotado nas regiões periféricas, uma vez que o seu
desenvolvimento não é regido por um padrão único, “universal e invariável”. Portanto, o
capítulo 6, Natureza e Etapas do Desenvolvimento Capitalista, trata da especificidade de cada
etapa, sendo analisada as relações sociais distintas de cada fase, mas que são, ao mesmo
tempo, constitutivas para a mudança inevitável de uma etapa para outra.

A primeira grande questão-chave seria a indirect rule, os traços inexoráveis que o


capitalismo apresenta nas nações ditas periféricas e heterônomicas. A indirect rule é uma
“condição estrutural permanente” que permite a mutabilidade da dominação, expropriação e
da extração de mais-valia em diferentes fases históricas do capitalismo dependente. Essa
questão-chave possui em sua base três pontos que legitimam o seu caráter constitutivo das
sociedades capitalistas dependentes, por não proporcionar5:

A ruptura com o exterior;

A dissolução da antiga ordem social;

A superação de estados relativos de subsedenvolvimento interno, por conta da extrema


concentração de riqueza.

Esses três fatores caracterizam a indirect rule, expressando a dupla face da dominação:
na relação com os países centrais capitalistas, bem como no interior do próprio país capitalista
dependente, executando tal dominação as frações dominantes internas, que seguem
“comportamentos coletivos tão egoístas e particularistas”6.

Prossigamos nas características de cada etapa.

A primeira etapa seria a fase de eclosão de um mercado capitalista especificamente


moderno e que vai da abertura dos portos até aos meados ou à sexta década do século XIX.
Nesta fase, há duas grandes questões-chaves que seriam o surgimento da acepção sociológica
de mercado e o entendimento dessa fase como uma transição neocolonial. Esta última já foi

5
Idem, ibidem, p. 223.
6
Idem, ibidem, p. 223.
5
6

discutida em capítulos anteriores7, mas que no capitulo, em estudo refere-se à “passagem da


satelização colonial para a satelização pelos mecanismos do mercado”8.

O surgimento da noção de mercado deve ser feito com base em três enlaces que
caracterizam o tipo de condição histórico-social que se construiu a idéia de mercado no Brasil
e quais foram os pontos que Fernandes chama de “enlaces distintos”, ou seja, os fatores
históricos que se conectam, mas que possuem características específicas. São eles: i) o enlace
da economia interna com o mercado mundial e com o mercado externo hegemônico
(Inglaterra); ii) o enlace do mercado capitalista moderno à cidade e a sua população e; iii) o
enlace do mercado capitalista moderno com o sistema de produção escravista. Este último é
uma analise em que mostra a relação estrutural entre o desenvolvimento do capitalista e
produção escravista, na primeira fase do desenvolvimento capitalista no Brasil.

Essas duas questões-chaves marcam a transição colonial para a fase em que o mercado
dinamiza-se, ou melhor, torna-se capitalista.

3.3 - A SEGUNDA FASE:

O título da segunda fase é a Emergência e expansão do capitalismo competitivo que


vai da sexta década ou do último quartel do século XIX até a década de 1950. Esse período
compreende a consolidação da economia urbano-industrial. É nesse momento em que há a
consolidação e disseminação do mercado, ganhando uma acepção sociológica. Esta é uma das
questões-chaves para entendermos a fase da consolidação de uma ordem social competitiva
no Brasil. A outra questão seria o surgimento das chamadas cidades-chaves que concentraram
a expansão do mercado e o desenvolvimento da indústria no Brasil.

A importância do mercado em uma estrutura que possuía ainda relações sociais


coloniais ganha projeção maior do que naqueles países em que houve períodos de produção
bem específicos. Fernandes discorda da afirmação de que a produção escravista atrapalha o
processo de desenvolvimento do capitalista no Brasil. Ele critica essa visão devido à
inexistência de uma passagem direta e bem delimitada da fase que vai da transição
neocolonial até a fase urbano-industrial avançada. Como ele afirma que esse processo não
aconteceu no Brasil, o autor vai defender a existência de uma interdependência entre a
produção escravista e o desenvolvimento urbano, impulsionando a consolidação de parque

7
Idem, ibidem, p. 224. Em outros capítulos neocolonialismo foi tratado “para esclarecer os processos histórico-
sociais e econômicos que ocorreram em conexão com a emancipação nacional e a concomitante modernização
institucional”.
8
Idem, ibidem. p, 225.
6
7

industrial brasileiro. Em outras palavras, a aristocracia agrária, especialmente a fração social


dominante representada pelos senhores de engenho, estavam dispostos a consolidar o mercado
capitalista moderno, mas em um contexto da vigência da produção escravista, destinando a
consolidação do consumo desse mercado às elites nacionais.

Essa interpretação aponta para o primeiro momento da fase de expansão do


capitalismo competitivo, ainda século XIX, por meio da qual o sistema escravista, por excluir
uma significativa parcela de consumidores, concentra riqueza a ponto de a aristocracia agrária
começar a investir no mercado interno. A congérie social, isto é, a burguesia, ainda não tinha
força de capital suficiente para expandir o seu comercio, mas notemos que o seu surgimento
serviu também para o aburguesamento da aristocracia agrária no Brasil, sendo um dos fatores
que impediram uma ruptura com a fase sócio-econômica antecedente. Fernandes se dirige a
chamada “revolução urbana” da seguinte maneira:

Enquanto que os problemas reais da política econômica das camadas dominantes


girassem em torno da consolidação e da disseminação do mercado capitalista moderno,
revolução urbana significava, pura e simplesmente, lançar o peso do desenvolvimento
capitalista sobre o trabalho escravo e o regime de produção escravista9.

A “revolução urbana” só ocorreu nas denominadas cidades-chaves, devido ao terceiro


ponto mencionado no subitem anterior acerca da caracterização da indirect rule, que seria a
concentração de riqueza desigual em regiões do Brasil. Essa concentração desigual fortifica as
desigualdades inter-regionais, impulsionando as famílias de renda alta a migrarem e a se
instalarem nas cidades-chaves, além de famílias do tipo “tradicional” que seriam, “rebentos de
famílias tradicionais empobrecidas que procuravam entrar, de uma forma ou de outra, nas
torrentes de prosperidades que se pronunciavam”10.

Já o grupo de baixa renda migrava para as cidades-chaves para buscar oportunidades


de emprego que tais regiões ofereciam ao trabalhador livre, como os empregos nas áreas do
“comércio, ocupações artesanais, vários tipos de serviços (inclusive públicos)”11. Esses
empregos eram poucos, mas abria uma oportunidade social nova no Brasil que era a
possibilidade de ascensão social, fruto da viável (porém extremamente limitada) mobilidade
econômica.

9
Idem, ibidem, p. 229
10
Idem, ibidem, p. 229.
11
“dentro de um mundo escravista”, idéia enfatizada por Fernandes.
7
8

Nessa conjuntura, do surgimento da ordem social competitiva, Fernandes menciona


dois pontos que merecem aqui ser brevemente relatados.

O primeiro é a manifestação de uma das formas da indirect rule, isto é, a


transformação promovida de fora para dentro. O segundo, as conseqüências dessa indirect
rule na articulação estrutural entre países hegemônicos capitalistas e o mercado interno. Esses
dois pontos, interdependentes, promovem o que Fernandes chama de “desenvolvimento
induzido de fora”, pois tal desenvolvimento: “[...] acelerava a revolução econômica no setor
novo [...], pois o que entrava em jogo não era o desenvolvimento capitalista em si mesmo,
mas a adaptação de certas transformações da economia brasileira aos dinamismos da
expansão das economias centrais”12.

Essa idéia é central para entendermos de que forma a economia brasileira desenvolveu
os mecanismos internos de acumulação de riqueza, uma vez que a articulação com o externo
impulsionava novas transformações e novos dinamismos para o crescimento econômico
nacional.

A organização social competitiva no Brasil ficou condicionada sob a articulação de


vários fatores. O desenvolvimento da ordem social competitiva gerou um acúmulo de riqueza
a ponto de haver processos de financerização e venda de capitais. Quando a economia
brasileira experencia esse processo histórico, a ordem social passa por outra etapa, e que
estava em curso na época em que Florestan Fernandes elaborara o ensaio. Essa nova fase
carrega todos os fatores anteriormente mencionados. Vejamos.

3.4 - A TERCEIRA FASE:

A terceira etapa consiste na deflagração do capitalismo monopolista e se caracteriza


por conta da “reorganização do mercado e do sistema de produção, através das operações
comerciais, financeiras e industriais da grande corporação”13. Tal período começa no final da
década de 1950, ganhando consolidação na pós “Revolução de 1964”.

Por grandes corporações Fernandes entende que são agentes econômicos que operam
“diretamente por meio de filiais, ou mediante concessionárias”14, explorando “a produção e
fornecimento de energia elétrica; operação de serviços públicos, exportação de produtos

12
Idem, ibidem, p. 236.
13
Idem, ibidem, p. 225.
14
Idem, ibidem, p. 225.
8
9

agrícolas e derivados”15. Na época da hegemonia da ordem social competitiva esses espaços


que servem para a valorização o capital ainda estavam sendo consolidados.

Uma questão-chave é denominada pelo autor de “segunda partilha do mundo”, que


seriam os novos rearranjos de dominação imperialista territorial, cultural, política e
econômica, direcionados pelos países centrais do capitalismo, graças à consolidação do
mercado.

Dois momentos históricos marcam o embrião do capitalismo monopolista ainda sob a


vigência da ordem social competitiva e que apresentam elementos, ainda que fecundos, dessa
nova articulação dos países centrais com os países capitalistas dependentes: a crise de 29 e o
pós-guerra. Segundo Fernandes, o que predominava economicamente era a manutenção –
muito vantajosa –, por parte dos países centrais do capitalismo, da estrutura neocolonial,
colonial e competitiva dos países periféricos. As relações econômicas se davam por meio da
dependência estrutural em que se encontravam os países periféricos. Não obstante, a partir das
duas conjunturas históricas citadas, as relações entre os países centrais e os países
dependentes alteram-se na medida em que há um “deslocamento econômico das fronteiras
naturais”. Isso quer dizer que os países periféricos subsumiram-se “à estrutura, ao
funcionamento e ao crescimento das economias centrais como todo”, por causa do
desenvolvimento induzido que os países centrais incentivaram os países periféricos a
alterarem certas estruturas sociais para serem altamente atrativas para a economia externa,
uma vez que quanto mais dependente, mais aumenta a necessidade de suprir tal dependência.
Nesse sentido, houve condições objetivas para se implantar o capitalismo do tipo
monopolista. As condições objetivas que impulsionaram a mudança da ordem social podem
ser brevemente citadas numa passagem do ensaio do Fernandes: “[...] concentração
demográfica, não só em cidades-chaves, mas em um vasto mundo urbano-comercial e urbano-
industrial; de renda per capita, [...] de capital incorporado ou incorporável ao mercado
financeiro [...], de modernização tecnológica; de estabilidade política [...]”16.

Essas características cresceram no Brasil no período do governo de Kubitschek e dos


governos militares pós-1964. No primeiro, as grandes corporações só conquistaram espaços
econômicos limitados, fruto da presença marcante de laços neocoloniais no próprio
pensamento das elites brasileiras. No segundo momento, com a “ajuda” mais direta dos

15
Idem, ibidem, p. 225.
16
Idem, ibidem, p. 252.
9
10

governos militares, as grandes corporações foram beneficiadas pela “modernização


institucional” que estava em curso no Brasil, pois era condição estrutural “implícita” para a
organização social do tipo monopolista.

O que marca estruturalmente as três etapas é a forma de adaptação (precária e


induzida) para se constituir o modo de produção capitalista nos países periféricos, conduzida
pelos países centrais hegemônicos. A direct rule é parte constitutiva para a organização e
reorganização das frações dominantes e nas novas e imprevisíveis disputas fruto da irredutível
luta de classes presente em todas as sociedades capitalistas. A maneira pela qual a luta de
classes se dá no Brasil foi a questão percorrida e enfrentada pelo intelectual-militante
Florestan Fernandes.

Apresentamos nesse artigo uma breve análise das fases do desenvolvimento capitalista
no Brasil, com intuito de resgatar pontos, que a nosso ver são centrais para entendermos as
articulações das frações dominantes, sua relação com os países centrais do capitalismo e a
configuração da luta de classes no Brasil.

4 - CONSIDERAÇÕES INTERMINÁVEIS:

A tarefa revolucionária de entender a constituição da sociedade brasileira parte do


pressuposto da necessidade histórica da ruptura com a ordem burguesa.

Resgatar autores que nos ajudam a entender para transformar é tarefa de quem acredita
que esta ruptura seja possível e necessária. Florestan Fernandes acreditou no ideal concreto da
transformação e procurou compreender o real para contribuir com a superação do modo de
produção capitalista. É neste horizonte que está situada, portanto, a atualidade de sua obra
intelectual militante.

10

Você também pode gostar