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• g.P/M,.~ . ce tJ.

l/H Contardo Calligaris


12-14, rue St-Antoine

• 75004 PARIS
Cab.42.74.46.14
Dom. 42.78.80.43

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SUMÁRIO

1. PERVERSÃO - UM LAÇO SOCiAL? Pág. 7

2. AQUESTÃO DO FANTASMA NA
CLfNICA PSICANALfTICA Pág. 21

3. NOSOGRAFIA - SERIA POSSfVEL UMA


NOSOGRAFIA PSICANALfTICA? Pág. 59
1. Perversão- Um Laço Social?
Conferência realizada em 25.07.86, Salvador, Bahia.

Vou tentar Ihes dizer, hoje, o essencial de como eu me interesso pela


questão da perversão.

Inicialmente vou Ihes dar um exemplo, um exemplo banal. Alguns dias


antes de sair para vir aqui, estando no interior da França, conheci
alguém, fora de minha qualificação profissional; um rapaz de 35 anos, que
tinha todo tipo de razão para ser infeliz na sua vida. Ele sofria
notadamente de uma lesão hereditária bastante grave, uma lesão da
córnea, que o tornava quase cego.

Vocês sabem quão delicado é viver um sintoma somático proveniente de uma


lesão hereditária, porque ao mesmo tempo que é uma coisa da ordem
do Real, é também algo que sigla ~ assina a sua própria filiação, ou
seja, de certa forma, frente à doença hereditária, fica-se forçado a situar
seu próprio gozo fálico sobre um Real (a filiação simbólica torna-se Real).
É sempre absolutamente dramático. Não é por acaso que, num
desvio da conversa, este senhor disse, em determinado momento, que
seu filho de dois anos e meio de idade o tinha finalmente chamado de papai.
Ou seja, até os dois anos e meio, aquela criança não podia chamá-Io de pai.
Eu digo que não é surpreendente, porque, quando se é tomado
numa lesão hereditária, é normal que a questão de "ser pai"
seja uma questão quente.

Bem, aquele rapaz se apresentava como alguém bastante feliz porque estava
perfeitamente integrado. Quando lhe faziam perguntas do tipo "como
vai. .. ", tudo o que podia falar é que ele era um comerciante bem integrado
na comunidade de comerciantes do seu povoado.

Se eu falasse dessahistória a um dos meus amigos anglo-saxônicos, ele diria


que é um caso típico de falso self. É verdade. Mas dizer isso - falso self -
não acrescenta nada. É preciso dizer algo mais; o que eu diria, é que
sua posição neurótica era tão difícil que ele conseguia se subjetivar
numa montagem perversa - a montagem perversa dos comerciantes
do seu povoado.

9 * N. da T. "Sigle" no original. Trata-se de um neologismo do autor.


Evidentemente eu suponho que vocês estão surpreendidos com o uso do
termo perverso nessecontexto.

o que eu gostaria de tentar hoje, esta noite, no pouco tempo que temos,
seria de justificar o uso de tal termo nessecaso. Eu acho que,
primeiramente, para falar de perversão, é preciso limpar o terreno. O
primeiro ponto: habitualmente falamos de perversão a partir de uma
fenomenologia inaceitável: a fenomenologia da conduta sexual dita
desviante. Por que uma fenomenologia inaceitável? Por duas razões, ou
melhor por duas ordens de razões.

Inicialmente por uma razão, eu diria, epistemológica, porque o catálogo das


perversões ditas sexuais, seja o sadismo, masoquismo, voyeurismo, etc.etc.,
este catálogo foi estabelecido pelo direito canônico. Foi uma herança
do direito canônico para a medicina, no início do século XIX, ou seja,
quando o direito moderno, o direito napoleônico, cessou de se interessar
pela vida privada das pessoas... Vocês certamente já observaram que nos
países nos quais Napoleão não passou, o direito continua regulamentando a
vida privada das pessoas.A herança dessasituação é que nos EUA (como
vocês puderam ler nos jornais recentemente), o Congresso brincou de
proibir certas práticas sexuais, o que para os olhos de um europeu
não-alemão e não-inglês é um fato absolutamente insólito.

Portanto, uma primeira razão epistemológica: o fato de que uma clínica não
pode justificar "apres-coup". um conjunto de fenômenos que são reunidos
por uma desaprovação de ordem moral. Se uma categoria das perversões
deve existir em nossa clínica, é preciso que ela própria estabeleça os
fenômenos que dela decorrem. Eis a primeira ordem de razões.

A segunda ordem de razões será mais propriamente psicanalítica. De início,


vocês sabem (falaremos disso amanhã certamente), que a cl ínica
psicanal ítica é uma cl ínica estrutural, e fundada sobre a transferência, no
sentido de que a transferência manifesta experimentalmente a própria
estrutura. A cl ínica psicanal ítica não parte de fenômenos objetivados, e sim
diretamente da estrutura, isto é, não fazemos diagnósticos a partir,
por exemplo, de fenômenos elementares, mas estabelecemos um diagnóstico
a partir da maneira como a transferência se amarra. Não podemos,·portanto,
estabelecer um diagnóstico de perversão a partir de uma conduta sexual.

O segundo ponto, ainda de ordem psicanal ítica: essascondutas sexuais, que


10 seriam as perversões, na tradução psicanal ítica, o que as especifica é que
são condutas que colocam em jogo o objeto parcial (já era este o ponto de
do
vista de Freud nos "Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade").

Simplesmente, nós, hoje, percebemos que só há sexualidade pelo viés do


os,
objeto parcial, ou seja, não há amor genital. A colocação em jogo do objeto
parcial no fantasma é uma regra absolutamente universal. Na verdade,
o neurótico disso se defende; quando fala, por exemplo, de seu fantasma
sexual, na maioria dos casos ele não alcança o objeto que o fundamenta, e,
sobretudo, ele não deseja saber, em absoluto, que aquele objeto é ele mesmo.
Ele prefere, de modo geral, colocá-Io nas costas de seu parceiro, mesmo que
seja para encher o saco desse parceiro, para que ele acabe cuspindo esse
objeto. E esse objeto, verdadeiramente o neurótico não o mostra. Apesar de
tudo, é bastante fácil, na análise, perceber que o fantasma neurótico é
fundado sobre um objeto parcial. Quero dizer, que o que faz com que
alguém tenha uma vida sexual, é que existe olhar, voz, esperma, etc. etc.
Se isto é verdadeiro para todo mundo, o que faria a especificidade
ssar
da perversão?
e nos
ando a
Nós temos alguns elementos teóricos para responder a essa questão. Na
amo
montagem do fantasma, escrevo D, que é a Demanda do Outro. A posição
e do neurótico se escreve nas pequenas letras lacanianas do g, porque, em vez
de responder àquela demanda enquanto objeto, o neurótico se defende
respondendo com palavras, ou seja, responde se autorizando pelo pai, pelo
saber do pai suposto, para pagar ao Outro com palavras. Por isso o gozo
nica não
unidos que encontra é o gozo fálico. No entanto, sua posição de sujeito ligado ao
sões gozo fálico só faz esconder sua posição de objeto, inteiramente
essencial para o fantasma.

D <> L.
(a)
início,
Vocês sabem que no que diz respeito à prática sexual, se pode mudar tudo,
menos o objeto. Isso quer dizer que, se o objeto está presente, o neurótico
é capaz de grande flexibilidade com relação às suas montagens sexuais.
O que muda na perversão?

O perverso encontrou uma maneira de reunir, no fantasma, as duas coisas: a


posição fálica de sujeito e a posição objetal. Como?

Db.$}
(a) I{)

ais, que
11
que
Aí vou escrever I{J : fazendo do objeto um falo imaginário, ou melhor,
antes um instrumento que um objeto. Como conseguir não ser um
objeto e sim um instrumento? Precisa-separa tanto, usurpar o lugar do pai,
ou seja, apropriar-se do saber suposto ao pai. O saber do pai, sabe-se
o que é, supõe-se que há ao menos um que pode domar o gozo do Outro.

Se este saber, que permite ter o dominio do gozo do Outro, eu próprio


o tenho, não se trata de o supor a um suposto sujeito; mas, se eu próprio
o tenho, então eu posso realizar o fantasma - já que agora é sem
perigo, já que tenho o saber que domina este gozo e·também sei como
utilizar o objeto para fazer o Outro gozar. Por isso esseobjeto se torna um
instrumento: meu ser objetável se torna tolerável por que eu tenho
o dominio de seu uso.

Nessaposição de I{J ,o perverso é, ao mesmo tempo, o objeto que se


tornou instrumento ( a ~ I{J ) e também o sujeito do saber sobre o bom

uso desse instrumento.

Há que se observar que ele é, de certa forma, duas coisas, o que nos mostra
uma propriedade única do fantasma perverso. Do lado do sujeito há,
no fantasma perverso, ao menos dois lugares, e desde o início dois lugares.

Lado do Outro Lado do Sujeito


O
I
o
I
1
2 a}
$ I{J

Isso parece pouco, mas é importante, já que o neurótico, no fantasma, está


sozinho. Sozinho com o Outro, enquanto que a perversão, na medida em que
há dois lugares frente ao Outro, instrumento e saber (saber sobre o uso
desseinstrumento), permitiria estar-se ao menos dois no mesmo fantasma.
Por isso a perversão é "sernblant" de relação possível. Pode-sefazer aqui
um parênteses: vê-se logo, ao considerar essaescritura, como se apresenta o
perverso na transferência. Apresenta-se sempre de duas maneiras.
No registro da cumplicidade, ou seja, de um dessesdois lugares do
instrumento e do saber - ele nos fala como se fôssemos o outro lugar, como
se estivéssemoscom ele no mesmo fantasma. A segunda possibil idade é o
desafio: neste caso ele nos fala como se fôssemos realmente o Outro,
mas no desafio, pois se somos o Outro, é ele que sabe como nos fazer gozar.

O diagnóstico de perversão, numa clmica fundada na transferência, se coloca


a partir do discurso, ou seja, da maneira como alguém se dirige a nós, do
12 lugar que nos coloca quando nos fala. Portanto, o diagnóstico de perversão
v
elhor, pode-se dar quando esse lugar é da curnpl icidade ou do desafio. Entendam
bem, quando esse tipo de cumplicidade ou de desafio - sentimos e
r do pai, constatamos - são a maneira de falar, eu diria, decisiva para o sujeito. I
~
e
)utro.
Bem, será que o que acabamos de avançar a respeito da perversão do ponto
de vista mais psicanalítico bate com o que costumamos chamar de catálogo
.or!o
das perversões como condutas sexuais desviantes? Eu acho que não é
'óprio
absolutamente o caso, pela razão seguinte, que depois poderemos discutir
me Ihor:...9::-essenciaI para essa posição perversa é, evidentemente, que o saber
mo
que foi apropriado, esse saber que domina o gozo do Outro, precisa estar
lrna um
sem falha. Estar sem falha significa que esse saber possa se manter na
continuidade. E vocês sabem que o ato sexual é algo que confronta sempre
o sujeito diante a descontinuidade. Para a estrutura perversa, o ato

Je se
sexual é um risco. 1: um risco porque a simples detumescência do órgão
masculino já é perigosa para a continuidade do domínio.
bre o bom
Vamos fechar parênteses e avançar.

s mostra O que mais me interessa na questão das perversões não é tanto a estrutura
á, perversa, que, evidentemente, é pouco comum, mas a facil idade com a qual o
lugares. neurótico se prende em formações perversas. Eu diria mesmo que a
formação perversa é o núcleo da nossa vida social, da vida social do neurótico,
o pela razão que dizia antes: o fantasma perverso aparece como o único no
qual, prontamente, o lado do sujeito tem já pelo menos dois lugares. A que
outro título os neuróticos poderiam manter-se juntos, a não ser no
fantasma perverso?
sma. está
ida em que
) uso Uma questão que se deve levantar, simplesmente, e vocês devem ter
sntasrna percebido: como dois sujeitos, dois neuróticos (um casal por exemplo),
sr aqui vão entrar juntos no mesmo fantasma, isto é, na mesma montagem perversa?
resenta o À primeira vista vai ser fácil, eles vão repartir esses lugares; um vai
desempenhar o instrumento e outro o saber. Mas não é tão simples, porque
a questão que vem em seguida é como dois sujeitos singulares vão entrar
rqar, como numa montagem na qual perseguem o gozo de um mesmo Outro. Ora, mas
lade é o cada um tem seu Outro!
ro,
szer gozar. Vou tentar, de uma maneira um pouco rápida, dar-Ihes a minha resposta
a essa questão. Vocês sabem, certamente, que todo neurótico sonha
a, se coloca em ser perverso. Sonha em ser perverso porque a posição neurótica é
\ mu ito insatisfatória. No que diz respeito a um gozo Iigado à sua posição de
16s, do
perversão 13 objeto, não somente esse gozo é impossível, mas justamente é dele que
o neurótico se defende. O gozo que ele tira dessa defesa é insatisfatório,
em primeiro lugar, porque não é o outro. *

O problema da neurose, como se sabe, é de referir-se a um pai suposto para


fundar a defesa. Não é um negócio seguro. Por isso nós, neuróticos, somos
tão sensíveis às questões de insegurança na cidade. É por isso que o
discurso político maneja tão bem a questão da insegurança, ou seja
ele funda sobre uma posição neurótica a sua resposta, a única possível:
"vamos inflar imaginariamente o lugar do pai".

Na França, no momento, inventou-se a verificação de identidade.


O que vai confortar-nos é o fato de que eles vão nos verificar, ou seja, o fato
de que o Poder vai mostrar-se a nós. Isso vai nos confortar. Os polrticos
entenderam perfeitamente que, quando alguém se queixa de insegurança,
está pedindo para tomar uma paulada. Aqui fechamos o parênteses.

O neurótico sonha em ser perverso, eu disse. É preciso dizer um pouco mais:


ele está pronto a aceitar quase tudo para aceder à montagem perversa,
para chegar a uma modalidade mais tranquila de gozo. Ele está pronto até
a abandonar sua singularidade, ao ponto de aceitar perseguir um
gozo do Outro, o que é um artefato. Sabem o que significa um
artefato? Significa que, numa montagem perversa, na qual os lugares de
saber e instrumento se repartem, o gozo perseguido é o gozo da montagem;
o que representa o Outro é a própria montagem. Fazer o Outro gozar é
a mesma coisa que fazer a montagem funcionar. O gozo que aí se
obtém, ou seja, de ser instrumento do saber, que assegura um domínio do
gozo do Outro, significa uma recompensa exorbitante.

Se tomarmos as coisas sob este ângulo, percebemos que a anál ise nos leva
a interrogar os fenômenos sociais de maneira bastante nova. O exemplo que
mu itas vezes uso, diz respeito a algo que me toca: as defesas dos
criminosos de guerra, no processo de Nuremberg. É uma leitura muito
interessante e vou Ihes dizer porquê. A pergunta que Ihes era colocada,
pela acusação, sobre os crimes de guerra ... Finalmente, o que o Ministério
Público se perguntava - o que não é diferente do que nesses casos
os psicanal istas se perguntam habitualmente - como se pôde ter gozado, por
exemplo, em exterminar milhões de pessoas.

* N. do A. Gozo ligado à posição de objeto, do qual o neurótico justamente se defende, mas também
é insatisfatório porque a sua defesa nunca lhe parece suficientemente segura. Em outras palavras,
14 ele fica insatisfeito em defender-se e em não defender-se o bastante.
.istatório. Ora, as respostas são totalmente defasadas em relação às perguntas: "eu fui
sempre um militar exemplar". O comandante de Auschwitz, por exemplo,
Rudolf Hess, escreveu trezentas páginas de memórias antes de ser
suposto para enforcado, nas quais se justificava; contou como ele era um funcionário
ticos, somos exemplar ... Eu acho que se tem que acreditar nessas respostas. O que
~ueo ele respondia era isso: "vocês estão enganados, o meu gozo não passava
I seja por onde vocês pensam, meu gozo não era pelo fato de matar milhões de
possível: pessoas, meu gozo era de estar numa montagem perversa com os outros
do meu partido, e para ter esse gozo estive pronto a pagar qualquer
preço, evidentemente". Então a questão não é a do sadismo do torturador,
Ide. senão nunca poderíamos sair disso (não podemos conceber que metade
bu seja, o fato da Alema nha tenha sido presa num fantasma sádico desse tipo). O gozo
pai íticos era de ser tomado numa montagem, na qual, cada um é, ao mesmo
segurança, tempo, instrumento e saber, e, numa montagem que nada persegue,
teses. com o gozo do Outro, senão o seu próprio funcionamento.

m pouco mais: Eu acho que para participar desse tipo de montagem - que é mais um
~erversa, "sernblant" de saída da neurose - o neurótico muitas vezes está disposto a
r:ronto até pagar qualquer preço. Eu vou dar um exemplo agora.

Há dois anos na Europa, houve um grande surto de movimentos pacifistas, e


[ugares de uma das palavras de ordem de um desse movimentos era: "antes
pa monta,gem; vermelho do que morto". Então, qual o sentido desse enunciado?
ro gozar e
í se Esse enunciado vinha da maior parte daqueles que eram chamados de
domínio do
decepcionados do socialismo. Escolher a morte, no esprrlto dessa frase,
escolher combater, era escolher o gozo fálico, e dizer então, "melhor
vermelho do que morto" (o que faz pensar que vermelho não é muito bom
lise nos leva também), quer dizer antes um universo totalitário do que combater
exemplo que em nome de valores fálicos (a liberdade, por exemplo). É muito mais fácil
os para o neurótico entrar numa montagem perversa desse tipo do que
ra muito permanecer no conflito neurótico.
colocada,
e o Ministério Talvez vocês vejam, através desses exemplos e colocações, que a idéia que ora
casos persigo,_é que {2"erversão encontra a sua fenomenologia no campo do,
ter gozado, por social o mais cotidiano, ou seja, tudo o que diz respeito à vida associativa.
'É outra coisa, algo totalmente diferente de um desvio sexual. Vou parar aqui
para abrir a discussão. *

defende, mas também * N. da R. Em decorrência da má qualidade do gravação, o que apresentamos a seguir é resultante da
Em outras palavras, colaboração de participantes do debate, que identificados. O autor preferiu que sejam mantidas as
15 suas respostas, mesmo quando não identificados as peguntas.
URANIA PEREZ - No que você disse a respeito de Auschwitz, aplicaria ao
nazismo como totalidade, quer dizer, o interpretaria dentro de uma
dimensão da montagem perversa, na quat os indivíduos, por exemplo, Hitler
- que perseguia o ideal de uma raça pura - estariam na mesma posição?

CONTAR DO - Não posso responder no que diz respeito ao sujeito


H itler. Vocês sabem que foram tentados diagnósticos sobre ele, e que
durante a guerra, psicanalistas americanos foram pagos pelo governo
americano para essatarefa. Penso que a grande maioria das pessoasque entra
I num sistema total itário é tomada em uma montagem perversa; e que uma
I grande parte de neuróticos, quando tomados numa montagem perversa,
consideram que os benefícios que tiram disso não têm preço. Pareceque
estão prontos para qualquer sujeira para permanecerem nesta montagem.
Mas isso não é somente verdadeiro para o nazismo.

*
CONTARDO - Acredito nisso... Creio que temos tendência em esquecer o
quanto a posição neurótica é desconfortável; suponhamos que sejamos uma
maioria de neuróticos (o que é provavelmente verdadeiro estatísticamente) e,
bem, se devêssemossempre viver a título de nossa neurose, que dizer,
se nunca tivéssemos tempos de montagem perversa, na nossavida social,
como também de casal (social aqui também significando casal), nossavida
seria insuportáveUO problema é que talvez não estivéssemos todos
dispostos a pagar o mesmo preço para permanecer numa montagem perversa.

? +Você diria que a tendência a pertencer a um grupo, a uma instituição,


a ser por ela reconhecido, não seria de certa forma uma atitude perversa?

CONTARDO - Mas sim, certamente. Seguramente eu não penso que a vida


seja possível sem a montagem perversa. Mas o importante é reconhecê-Io.
Acontece que, nas institu ições psicanal ít icas, ou nas associações de
pescadores, isso é bastante inocente. O problema é que as montagens
perversasvão muito mais longe.

JAI RO GERBASE - O título de sua conferência despertou muito minha


atenção. E com atenção, acompanhei o seu desenvolvimento pensando
nos discursos propostos por Jacques Lacan e me perguntando se o Sr.
pretende propor um novo discurso, um laço social de novo tipo. É isso
que o Sr. vem nos propor?

16 • N. da R. Foi feita uma observação sobre a facilidade de se entrar em montagens perversas.


/

z, aplicaria ao CONTARDO - Vocês sabem, certamente, que Lacan dizia que a psicanálise
luma deveria poder fundar um laço social de novo tipo; dizia também que estava
~emplo, Hitler decepcionado porque a psicanálise não inventou um novo tipo de perversão.
a posição? Gostaria de reunir as duas frases dizendo isso: em geral eu não acho que a
psicanálise possa mudar grande coisa no que diz respeito à ordem da
estrutura. Acredito, porém, que se possa habitar as estruturas (inclusive a
~jeito
sua própria) e as mõntagens perversas nas quais se é obrigado a estar preso,
f'e que
de um modo diferentê depois da experiência de uma análise. Isto é o que se
~verno
pode esperar de melhor. No fundo, o que a experiência de uma
ssoas que entra
análise nos traz? Se tivesse que dizer isso em duas palavras, diria que todo
e que uma
aquele lado, ou seja, o lado do Outro, não é habitado, é uma inchação
perversa,
do Imaginário. Talvez depois de feita essa experiência, se esteja disposto a
arece que
pagar menos caro para dominar o gozo daquele Outro, ou pagar menos caro
ontagem.
para proibir-se a si mesmo o gozo daquele Outro, na medida em que aquele
Outro é somente uma inchação. Mas eu não penso que a experiência de
uma análise possa permitir uma mudança de estrutura.
em esquecer o
sejamos uma JAI RO GERBASE - Vou formular então minha pergunta de maneira
~ísticamente) e, direta: então a perversão é um laço social? Sim ou não?
e dizer,
ida social, CONTARDO - Sim, eu acho, até que é o laço social, no sentido, diria eu,
l. nossavida corriqueiro do laço social - o que faz com que as pessoas se associem.
odos Faço essa colocação porque quando Lacan diz "o laço social é um fato de
agem perversa. discurso", ele utiliza esse termo num uso inteiramente específico
e diferente do sentido comum de laço social.
institu ição,
e perversa? JAIRO GERBASE - Eu acrescentaria apenas se, quando o Sr. afirma que
sim, que a perversão é um novo tipo de discurso e até que é o laço social por
nso que a vida excelência, o Sr. se refere à estrutura perversa ou à montagem
conhecê-lo, perversa do neurótico?
ees de
ntagens CONTAR DO - Sim, é muito importante isso. Refiro-me à formação
perversa, quer dizer, a complacência neurótica para com a montagem
perversa. Penso que haveria montagens perversas, que o nosso laço social
uito minha cotidiano seria uma montagem perversa, mesmo que não houvesse perversos
ensando de estrutura. Não é necessário que haja um perverso de estrutura para que
se o Sr. dois neuróticos façam um casal perverso - perverso no sentido de
o. É isso formação e não de estrutura. Posso dar um exemplo banal, banal, diria eu,
porque pertence a fenômenos da vida amorosa banal. Uma posição, diria
assim, de complacência histérica, como esta palavra do amor tão
corriqueira que uma mulher diz para seu homem: "faça de mim o que
s perversas.
17 você quiser". Basta o homem acreditar nisso (e ela deve tê-lo encorajado)
para que possam funcionar numa montagem perversa. Habitualmente isso
não dura muito tempo; apenas o tempo de um jogo sexual, porque a
estrutura histérica, se é somente da mulher, vai fazer com que, se o
homem acreditar nisso demais, ela diga-lhe: "você está pirado", ou seja, vai
mostrar-lhe sua castração, e tudo pára ai, como também pode não parar.

Bastam dois neuróticos para que seja possível a montagem perversa.

*
CONTAR DO - Não posso responder porque não se trata de um paciente. O
que me surpreendeu no caso desse rapaz, é que havia todos os elementos para
uma grande infelicidade neurótica, mas, o que aparentemente o subjetivava
era a sua função social de comerciante numa cooperativa de comerciantes.
A sua palavra de sujeito era aquela. É por isso que eu tinha o sentimento
que aquela montagem perversa, ou seja, aquela montagem associativa,
dava-lhe uma subjetivação de troca (falso self).

MARCUS DO RIO - Num seminário realizado o ano passado, Charles


Melman disse que é surpreendente que ninguém tenha observado até
hoje a proximidade do discurso analrtico com a perversão, e que uma das
consequências dessa proximidade poderia ser o analista vir a se tomar
como seu próprio fetiche. Gostaria de saber se isto tem relação com o que
você falou sobre a montagem perversa.

CONTARDO - É verdade que há uma proximidade, já que do lado do


analista há, para retomar esses termos, o objeto e o saber suposto. Há, no
entanto, 2 distinções para serem introduzidas: no que diz respeito ao lado
do saber, ele é somente suposto e, por esta razão, o objeto nunca é
encoberto por um véu fálico. Apesar de tudo é verdade que a prática
anal ítica pode se tornar uma montagem perversa. Acho que é algo que se
deve cuidar, sobretudo nos termos que você está evocando, quer dizer,
a fetichização da posição de objeto do analista. Enfim, para que isso se
verifique é preciso que o analista acredite assegurar o saber que está
suposto na transferência.

JAIRO GERBASE - Ainda uma questão que me parece ser necessário


colocar: é saber se, o que o Sr. chama de montagem perversa, é algo
diferente da fantasia perversa. Ouvindo o Sr. desenvolver esse
conceito me pareceu tratar-se do próprio conceito de fantasia perversa.

18 * N. da R. Pergunta a respeito do exemplo dado no início da conferência. 19


Imente isso CONT AR DO - É um mal entendido porque no que diz respeito ao
rque a perverso de estrutura, essa escritura: "à Demanda do Outro, eu me
se o apresento como instrumento do seu gozo e como saber sobre as
" ou seja, vai modalidades desse gozo"; em geral, na estrutura perversa, estas duas posições
não parar. estão no mesmo sujeito. Isto eu chamaria normalmente de fantasma
perverso. O fato do neurótico aceder a essa distribuição de lugares que é a
versa. mesma do fantasma perverso, isso eu chamaria de montagem perversa.
Esta seria a diferença.

m paciente. O *
elementos para
o subjetivava CONT AR DO - Não. Lacan escreve desta maneira, em função do
ornerciantes. (D O 3l. E a posição propriamente neurótica do fantasma, quer dizer, à
;entimento Demanda do Outro, com relação à qual deveria normalmente me oferecer
xiativa. como objeto, eu respondo com palavras, ou seja, pelo gozo fál ico ( $ ).
Respondo em nome do pai, em nome daquele que eu chamo
para me defender contra essa Demanda. É isso que devemos chamar de
, Charles fantasma do neurótico, vocês vêem, trata-se de um fantasma solitário, quer
sdo até dizer, o neurótico está aí enquanto singular, face a seu Outro. Não
lue uma das é um fantasma que se possa entrar mais de um.
,etomar
'0 com o que O que me interessa é a maneira como o neurótico pode chegar a entrar numa
montagem perversa que lhe torne possível uma vida social, ou seja,
prender-se cçrn outros numa mesma montagem. Mas existe realmente
o lado do um fantasma neurótico. Por exemplo, quando dois neuróticos dormem na
osto. Há, no mesma cama, cada um a título de seu fantasma neurótico - é verdade que
Jeito ao lado não há relação sexual - cada um faz amor com o seu Outro. E normalmente
mca é cada um fala com o seu Outro. E é tudo o que acontece. Por isso entrar
prática numa montagem perversa é tão tentador.
~algo que se
urer dizer, Para colocar o que acabei de dizer me inspiro mais num escrito de Lacan
iue isso se que se chama "Subversão do sujeito e a Dialética do Desejo" do que
ue está no Seminário sobre a "Lógica do Fantasma" - porque no Seminário sobre a
"Lógica do Fantasma" o que me interessa sobretudo é a dedução
lógica do objeto "a".
ecessário
3, é algo Vocês sabem que não devem confiar nos títulos dos Seminários de Lacan,
e porque com raras exceções, como no "Seminário da Angústia", Lacan não
a perversa. fala nunca daquilo que está no título, porque do título ele
sempre diz "eu falarei amanhã".

19 * N. da R. Pergunta a respeito do fantasma neurótico.


2. A questão do Fantasma na
Clínica Psicanalítica
Seminário realizado em 26.07.86, Salvador - 8ahia.

I PARTE

Gostaria de falar da relação entre fantasma e sintoma, pelo menos da maneira


como eu tento articular essarelação.

Por isso vou propor uma espécie de nosografia, e de qualquer modo isso nos
permitirá, amanhã, falar mais precisamente da prática, ou seja, o que
nós esperamos de uma psicanálise. Então, ~ara dizer-Ihes como eu articulº-
fantasma e sintoma, vou ser obrigado a considerar as coisas de muito
longe, ou seja, daquilo que me parece ser ~ origem da estrutura. A origem,
entre aspas,já que se trata de uma oriqem jn ítica e não genética.

Parece-meque o problema ao qual responde a estrutura, a estrutura de cada


um de nós, é o problema de conciliar duas.coisas heterogêneas. Por um lado,
o fato de existir linguagem e isso nos faz sujeitos; por outro lado
temos um corpo. Como, evidentemente, vocês desconfiam, um corpo e a
linguagem não são duas coisas homogêneas. A meu ver, o fantasma e o
sintoma são duas maneiras complementares de resolver essaheterogeneidade .
.
Comecemos por aquilo que seria a origem: a origem certamente está do ieco.
do Outro, porque simplesmente o Outro vem antes. Mas, na origem, do
lado.do.Outro básomente o fato de que "isso fala". E vocês sabem que uma
das grandes contribuições de Lacan à psicanálise é de ter entendido
que "isso fala" bem antes de poder identificar quem fala.

E um fato da experiência, mesmo para um recém-nascido, ele ouve bem antes


de poder identificar um locutor imaginário. São coisas que a psicologia
experimental estabeleceu (Ademais, o recém-nascido ouve bem antes de
nascer, quer dizer, o feto ouve).

O fato de que "isso fala", tem uma consequência que Lacan destacou: se
"isso fala", "isso deseja", se "isso deseja", não significa que isso deseja
alguma coisa. ~ um problema constante na psicanálise. A linguagem comum
nos faz pensar o desejo como desejo de alguma coisa. Mas o desejo não
implica em nenhum objeto como alvo a ser alcançado: cata que haja objeto é
preciso que o desejo se transforme em demanda.
23
Se simplesmente "isso fala", "isso deseja" (mas ninguém sabe o que isso
. deseja), e como simplesmente há desejo, a posição do sujeito frente a
esse desejo é inteiramente indeterminada, enigmática. O corpo do sujeito é
alguma coisa frente a esse desejo. Se eu escrevo pequeno .a no sentido
do objeto, é alguma coisa no sentido do nada.

LADO DO OUTRO LADO DO SUJEITO


S li a
(isso deseja)
heterogeneidade

c Se vocês me concederem que esse pode ser o ponto de partida,


compreenderão que todo o trabalho da subjetivação vai ser, inicialmente,
)
tentar determinar esse desejo para determinar a posição do
\ sujeito face a esse desejo.

Há um primeiro nível muito importante, que é, eu diria, um fato de


estrutura. É o que Lacan mostrou da maneira seguinte: se há desejo na
linguagem, é sempre entre dois significantes, isto é, há um significante (SI)
que e!0auz sujeito ($) para um outro significante (S2 ); o primeiro
significante existe somente por efeito retroativo de outro
siqnificantaEis o-funcionamento habitual da linguagem. Se alguma coisa que
eu digo tem para vocês um sentido é porque isso tira o seu sentido de algo
que eu não digo e que nós supomos juntos, nem que seja o conjunto
dos significantes.

Se há desejo ($), portanto, deve haver lugar de saber (S2), um lugar onde
estão depositados os significantes, que faz com que um significante (SI)
possa produzir sujeito. Mas esse saber não é absolutamente enunciável, é
) simplesmente o fato de, por exemplo, nós supormos que a linguagem está
1 entre nós. Não é enunciável, porém, é um saber.

Lado do Outro Lado do Sujeito


li
.A S ..,. a
+-

Essa suposição que é de estrutura - estrutura minima da linguagem -


'"' faz com que o sujeito seja logo levado a conceber que deve existir
um saber (S2 ), sobre o desejo que apareceu no Outro.

24 ~5
o que isso Este saber suposto (S2 ) sobre o desejo que apareceu no Outro ($) permitira
frente a uma operação, que já constitui.a estrutura propriamente dita, isto é,
o do sujeito é um laço entre o desejo no Outro e esse a. Com respeito a este, temos que
sentido recordar que se ele designa o corpo real do sujeito, esse corpo real é nada
face ao desejo, pois um é completamente heterogêneo em relação ao outro.

DO SUJEITO Penso que esta primeira operação é uma metáfora pela qual esse a igual a
a nada pode se transformar em uma significação em relação ao saber suposto
(S2) sobre o desejo que apareceu no Outro. Aqui eu escrevo uma fórmula
que é a da metáfora em .Lacan.

a, 1 (~)
nicialmente, a

Podemos entendê-Ia assim: um saber suposto (S2) se superpõe ao desejo no


Outro, de modo que o sujeito que era nada (a) para este desejo ($) pode
fato de constituir-se como uma significação (s) para este saber (S2). Não sei
~sejo na se está claro. Quero dizer simplesmente que pelo fato do sujeito entrar
gnificante S ) na linguagem (e a linguagem estruturalmente supõe um saber sobre
meiro õ desejo), ele tira dela uma singificação m(nima. É isso que
significa entrar na linguagem; é isso que faz com que uma criança pequena
alguma coisa que possa começar a falar. Ela não é mais simplesmente um corpo face a
entldo de algo linguagem, mas também dela participa, tem uma significação. Mas
conjunto já que o saber suposto (S2) está totalmente indeterminado, a significação (s)
que tira dela também é indeterrninada.

m lugar onde Vejam que por uma simples primeira operação, que naminha opinião é
ificante (SI) universal, já há um efeito de homo eneização entre o sujeito e o Outro,
enunciável, é Qor ue do lado do Outro é linguagem e do lado do sujeito não é mais o reaL
inguagem está ~o~eu corpo e sim uma~ignificação, algo da ordem da linguagem.

Lado do Outro Lado do Sujeito


do Sujeito ..?r S '" a (Corpo real
a 5 /S
2 2
•I
nada)
I

~
I
I
I
.l. (significação
I

nguagem- a / ,,
I
.h mínima indeter-
I

existir minada)"

Eu penso que esta primeira metáfora é o que chamamos de recalcamento


originário. Pois na minha opinião, não há recalcado originário, mas sim
25 recalcamento originário; é uma operação sem conteúdo; tudo que é da ordem

BíSUOTcC.:\ SETORIAL DE (!Ê,.~CI,a.S SO~I.~·iS


E HUMM~jDAOES - ACERVO DE PSICOLOGIA
do saber suposto, do lado da linguagem, é algo que cai
logo sob o recalcamento.

Esta primeira operação tem um efeito imaginário: mesmo que essesaber seja
indeterminado, o simples fato de supor que possa haver saber sobre o
desejo no Outro, transforma essedesejo em uma Demanda, porque se
"isso quer", em algum lugar se deve saber "o que isso quer". Então, "isso
quer algo", ou seja, essedesejo é uma Demanda.

t
o importante é que essa Demanda me seja endereçada. Essaprimeira
operação é o que faz com·que essedesejo no Outro me diga respeito. É algo
muito importante, pois eu creio que sem isso não se pode viver.

Penso que se poderia interrogar o fenômeno das mortes precoces de


recém-nascidos (do ponto de vista médico, totalmente misterioso) como
um fracasso desta primeira operação; se o desejo no Outro não nos concerne,
só temos que morrer, porque não há mais nenhuma razão para viver.

Volto à consequência: o que aparéce no Outro é Demanda e, com relação a


esta, novamente podemos ser objeto, objeto não no sentido do
nada mas sim de alguma coisa. Algo de indeterminado sempre,
contudo, algo. E aqui também temos um efeito de homogeneização, porque
do lado do Outro temos uma demanda imaginária e, do lado do sujeito,
uma posição objetal imaginária.

Lado do Outro Lado do Sujeito


S2 S 1
S a Asignijicação mínima
~ Demanda a ~190 objeto
imaginário inde-
terminado

Essaduas posições, ou seja, significação indeterminada no Simbólico e


posição objetal indeterminada no Imaginário, são absolutamente
complementares. Penso que são a origem, respectivamente, do sintoma - no
que é da significação, e do fantasma - no que é do objeto.

Por que são complementares e ligadas? Porque, como vocês vêem, a


Demanda do Outro, com relação à qual nos encontramos como objeto
imaginário indeterminado, é um efeito imaginário do saber suposto do
recalcamento originário, saber com relação ao qual temos
26 uma significação simbólica. ~7
------~----------=-------:---------- ~--~--
~-----

~ A Demanda de que se trata aqui (e voltaremos a falar a respeito) é algo duma


grande evidência cl ínica, no fenômeno da angústia. A confrontação
a umaOemanda imaginária do Outro, indeterminada, e, por consequência,
e essesaber seja total, nos reduz a nosso ser objetal, mais uma vez sem determinação. É por isso
r sobre o - que temos tanta dificuldade em falar da angústia, porque o próprio
rorque se da angústia é que a posição objeta I e a Demanda são indeterminadas.
Então, "isso
Vocês sabem que se se quer curar rapidamente a angústia - rapidamente mas
de modo não duradouro - basta determinar a Demanda e o objeto. Conheci
primeira uma mulher que encontrou essa solução. Ela tinha grandes crises de
respeito. É algo angústia cada vez que se encontrava sozinha numa casa, por exemplo. Ela
ver. não podia falar nada a respeito claro, salvo que para sair disso, imaginava que
aquilo que temia era, por exemplo, a chegada de um assaltante que a
coces de violentava. Logo que pensava nisso ela tinha medo, mas a angústia acabava.
srioso) como Era uma operação elementar dum processo da defesa.
ião nos concerne,
ara viver. A esse nível elementar da estrutura, o que o sujeito vai fazer,
tendo em conta que sua posição face à Demanda do Outro é
l, com relação a terrificante? Acho que a í ele vai escolher estratégias de defesa. Só conheço
I do três estratégias de defesa. A primeira - para começar - é o que chamaria
ire, de estratégia autística. Acho que esta é totalmente distinta da estratégia
neização, porque psicótica. A estratégia autística é, na minha opinião, a que diz isso:
o do sujeito, "Seria melhor não ter nascido"; não é a mesma coisa que dizer "seria
melhor morrer".

) do Sujeito "Seria melhor não ter nascido", porque é fundamentado num raciocínio
falso: é que se eu não tivessenascido, não haveria desejo no Outro e
nííicacão mínima portanto, nada faltaria ao Outro. Trata-se de uma defesa que volta, de certo
go objeto modo, para o Outro e que é fundada na idéia de que haveria desejo
naginário inde- no outro porque há sujeito.
srrninado
Costumo dizer por isso que os autistas são teólogos, porque colocam de
Simbólico e maneira perfeita.o problema teológico segu inte, como vocês sabem:
mente se Deus é perfeito, porque então precisou criar? Ou seja, se há criaturas é
, do sintoma - no porque Deus é imperfeito. O raciocínio autístico é esse. É um raciocínio
teológico, porque ele tem por consequência que para restabelecer
a perfeição de Deus é preciso que não haja criatura.
ls vêem, a
corno objeto As duas outras estratégias de defesa são, a defesa neurótica e a defesa
r suposto do psicótica, pois eu acredito, com Freud, que as psicoses são também
estratégias de defesa.
27
~ Tomemos a estratégia neurótica. Ela vai no mesmo sentido daquilo que já
foi falado: é preciso (e é isso que vem espontaneamente) determinar
a Demanda do Outro para poder sair de uma posição objetal indeterminada.
É preciso poder responder à questão "mas o que é que isso quer de mim,
o que isso quer que eu seja?" ...

~ Como se passa esse processo de defesa neurótica? É uma nova metáfora.


Vamos supor um saber (S2 ), mas desta vez determinado, por um sujeito
suposto deste saber. É o que nos convém chamar de pai, quer dizer,
deve ter ao menos um que saiba como ter o domínio dessa Demanda,
que saiba o que isso quer. Como vocês sabem, segundo o Édipo,
há ao menos um que pode tomar conta da mãe, que pode ter o domínio
da demanda da mãe.

Desta nova metáfora vamos obter uma nova significação, determinada, assim
como é determinado o saber suposto a um pai. Voltaremos depois sobre a
ligação de tudo isso com o sintoma, sobre o tipo desta significação e
do gozo a ela ligado. Antes disso, porém, vamos nos deter sobre a
consequência desta segunda metáfora: se o saber determ inado é suposto a urr
sujeito que segura a defesa contra a Demanda do Outro, este saber é limitado
- por exemplo, um saber sexual. Sendo limitado, este saber transforma
aquilo que era a Demanda indeterminada do Outro em uma Demanda
determinada, dominada pelo saber do pai.

Lado do Outro Lado do Sujeito


O o a
indeterm inada objeto indeterm inado

DEFESA ------------------~----------------------

Saber +- S2 O
a

I
s (significação fálica)
determinado [O
suposto
ao Pai ~ O a
determinada
o determ inado
I

") Se o saber suposto ao pai pode dominar a Demanda, que era indeterminada,
então essa Demanda torna-se determinada tal como o saber do pai pode
dominá-Ia. Com essa Demanda vamos poder jogar, jogar naquilo que
chamamos habitualmente fantasma. Vamos poder nos situar como
objeto determinado face a essa Demanda, não arriscando nada, porque
28 ela é determinada pelo saber suposto ao pai, saber que dela nos protege. 29
.t: ~ _.__ -----

:laquilo que já Então, podemos jogar tranquilamente, porque não é mais a Demanda
terminar indeterminada que podia nos absorver.
I indeterminada.
quer de mim, A neurose é muito difícil de se viver porque a decalagem * entre o saber
suposto ao pai e a demanda indeterminada do Outro (da qual
esse saber é considerado como podendo nos defender), fica evidente para
va metáfora. todo neurótico. "De pai nunca se tem o bastante", porque simplesmente
)r um sujeito supor um saber determinado, com um sujeito determinado - por
er dizer, exemplo, o pai - é necessariamente supor um dominio restrito de uma
Demanda, Demanda que era total.
fipo,
er o domínio Essa Demanda não é apagada pela metáfora paterna. Por isso o neurótico está
sempre exposto à angústia. E não somente à angústia, porque no estágio
da simples metáfora paterna, a escolha, por exemplo entre histeria
eterminada, assim e obsessão, ainda não está feita.
: depois sobre a
ificação e Trata-se de uma posição que eu chamaria de neurótica de base. De certa
sobre a forma é a simples sexuação, ou seja, sexuação macho ou fêmea na castração.
ido é suposto a um
te saber é limitado Seria preciso mostrar como a metáfora paterna é algo que se pode ler nas
~rtransforma fórmulas da sexuação de .Lacan. Para tomar somente as duas primeiras
a Demanda linhas de cima:

Homem Mulher
.ito
3x !~ 3x !~
nrninado
tJx !~ ~x !~
Do lado homem, há ao menos um que não é castrado, 3x ao menos !~
um pai, ao menos um que pode dominar a Demanda do Outro. Do lado
scão fálical
.mulher, não há nenhum que escape à castracão 3 x É muito!~.
interessante, porque esquecemos muitas vezes, quando falamos das
fórmulas de sexuação, que esses dois lados andam juntos, isto é, não há
homem sem mulher e, mesmo que se seja sexuado do lado homem,
sabemos que há outros que são sexuados do lado mulher. Há uns, pois - e a
era indeterminada,
histérica não pára de lembrar isso a todos os homens que ela encontra -
er do pai pode
para quem ninguém escapa à castração.
iaquito que
uar como
nada, porque * N. da T. A tradução mais próxima seria "defasagem", ainda que não dê totalmente o sentido do
Ia nos protege. 29 "decallage", Por isso optamos pelo neologismo.
É uma maneira de dizer que a sexuação, na medida em que é dupla, mostra
já toda a fraqueza da defesa neurótica, ou seja, da suposição de um pai
não castrado. A fraqueza é que simplesmente há uns que são mulheres, que
são sexuados do lado mulher, e os homens não podem ignorar isso.
Os únicos que ignoram, diga-se de passagem, são os perversos. Os perversos
são todos os sexuados do lado homem, por uma razão simples, pois, como
vimos ontem, a perversão não suporta falhas no dorrunio da Demanda do
Outro; portanto, se são todos sexuados do lado homem, nada
questiona a posição do p_aie de seu saber.

Na neurose não é assim. Para mim, o que acabo de chamar de neurose


de base, que ainda não é nem a histeria nem a obsessão, é uma entidade
~ nosográfica, que recobre o que tradicionalmente chamamos de fobia. O
fóbico é justamente o sujeito que "sabe" que a metáfora paterna é sempre
insuficiente, enquanto operação de defesa. Ele está sempre entre dois
paios; de um lado, nas fobias tradicionais (fobia de animais), a do pequeno
Hans, por exemplo, trata-se de amedrontar-se com o pai, para valorizá-Io;
o que o pequeno Hans mais teme não são cavalos, mas que os cavalos
caiam. I omem uma fobia tradicional, eu a conh'eço bem pois é a do meu
filho que tem sua fobia dos cinco anos (é sinal de boa saúde, não estou
preocupado). Ele tem a fobia dos palhaços, porque os palhaços fazem
besteira e os palhaços caem. Ele tem medo que eu seja um palhaço, que eu
caia. Amedrontar-se com os palhaços é uma maneira mu ito simpática de me
valorizar, de valorizar a metáfora paterna.

De outro lado, temos o que se chama fobia de espaço, por exemplo, a fobia
das janelas abertas, que como vocês sabem é uma atração para atirar-se janela
afora. Outra fobia magnífica, porque poética, é a fobia do vento,
é a fobia de ser levado. Na fobia do espaço, o que o fóbico teme? É que
se o pai não faz bastante medo, vou me encontrar no lugar do objeto
(objeto da Demanda indeterminada do Outro) ou seja, se o pai não me
defende, eu vou ser levado pela Demanda indeterminada do Outro.
E o fóbico está sempre entre os dois palas, como dizia antes.

Pensem também nessa categoria de neurose de base - falo disso porque


acho que na cl (n ica vocês devem encontrar isso - contextos certamente
neuróticos, porque o sujeito está preso em significações fál icas.
porque ele organiza a transferência com o sujeito suposto saber, .
com um lugar paterno; vocês, portanto, estão certos de que se trata de um
neurótico, e, ao mesmo tempo, ele não Ihes parece nem obsessivo
nem histérico.
30

dupla, mostra êAcho que essa é a posição neurótica de base. O que se chama depressões
de um pai neuróticas, por exemplo, termo comum na Psiquiatria, embora esta não
mulheres, que saiba o que fazer com elas, já que não cedem aos anti-depressivos, são
depressões muito severas. São neuróticos que, nesse quadro, estão
sr isso.
muito fortemente a par da fraqueza da metáfora paterna (fraqueza
;. Os perversos
verdadeira, já que, como vimos, o saber suposto ao pai é sempre parcial).
3S, pois, como
repetindo, estão tão a par dessa fraqueza que se encontram reduzidos,
Demanda do
de maneiras diferentes, à posição de objeto da Demanda
Ia
indeterminada do Outro.

Tomem, igualmente, o fascínio da decadência em alguns neuróticos que


le neurose
pode levar, algumas vezes, até a toxicomania. Sobre isso tenho
na entidade
um exemplo: lembro-me de um jovem paciente, cujo sonho, no sentido
de fobia. O
de aspiração, era tornar-se mendigo em Calcutá. Não sei se vocês
terna é sempre
percebem o que é ser mendigo em Calcutá ... as favelas são brincadeiras
entre dois
comparadas com o que se vê lá.
), a do pequeno
Ira valorizá-Io;
Ele ia regu larmente para a lndia e operava em dois ou três meses uma
os cavalos
decadência quase completa. Estava perto de realizar seu sonho
iis é a do meu
e, felizmente, a cada vez, no último minuto, já doente, ele ia
3, não estou
para a Embaixada da França, que regularmente o mandava de volta.
3ÇOS fazem
palhaço, que eu
. Porque era um neurótico? Porque a cada vez saía dessa? Esqueci-me de Ihes
simpática de me
dizer qual era o fim do seu sonho: ser um mendigo em Calcutá, no último
grau de decadência, irreconhecível e, nesse momento, ver passar na rua,
exemplo, a fobia como turistas, seus pais. Isso o salvava. O que queria era confrontar
iara atirar-se janela seu próprio pai ao fato da insuficiência de sua própria significação fálica,
vento, mas não numa ótica histérica. Não se tratava de mostrar ao pai a sua
I teme? É que castração, mas de mostrar-lhe que a metáfora paterna - digo "a" sublinhado
. do objeto - toda metáfora paterna é de todo modo insuficiente para apagar a
D pai não me Demanda indeterminada do Outro, com relação à qual somos
10 Outro. objetos indeterminados.
tes
Ora, acredito que, com relação a essa neurose de base, as estratégias
) disso porque histéricas e obsessivas são logicamente segundas, porque ambas, de modo
os certamente diferente, vão no sentido de um fortalecimento necessário da posição paterna.
ílicas,
saber, . Vocês conhecem bem a posição do obsessivo: é preciso duplicar o pai, ou
ue se trata de um triplicá-Io. Por isso o obsessivo inventou Deus; ele é o inventor da religião.
Por isso junto ao obsessivo há sempre uma figura que é uma espécie de
'bsessivo
guarda de toda eventual castração imaginária do pai, por exemplo,
31 essa figura de um ancestral todo poderoso.
A h istérica tem uma estratégia diferente, porque ela é sexuada do lado
mulher - e ela tem a posição mais difícil. De início, ela sabe que não
há nenhum a quem supor o saber do pai. E então o seu achado é dizer "se
eu sei que não há um só que possa ser um pai, já que eu sei, eu sou aquela
que pode se colocar neste lugar". "Eu (ao título da mulher) posso
ser aquela que sabe", e os homens entram nessa. Por isso Lacan podia dizer,
graças às histéricas, que a mulher é um nome do pai.

Mas não vou entrar agora nos detalhes das estratégias histéricas e
obsessivas. O que me importava era, propor-Ihes esta idéia de uma
neurose de base.

Vejamos agora como se organizam fantasma e sintoma. O que chamamos


de sintoma, ou seja, a determinação simbólica, que é aquilo que força,
que força à repetição, se deve a quê? Deve-se à significação que cada um de
nós tira do saber que supôs no recalcamento secundário, que supôs
como saber do pai. E um saber singular dessa significação. Isso
significa que somos sujeitos no Simbólico somente sob a determinação
simbólica desse saber recalcado.

f importante observar que esse saber na origem é sempre um saber sexual,


ou seja, que o núcleo do sintoma é sempre sexual - o que é bastante
freudiano. Se o núcleo do sintoma é sexual, se o sintoma se estende (como
Freud já o tinha notado), o recalque atrai. O que isso quer dizer? Quer
dizer que sempre há interesse, numa análise, de reconduzir o sintoma
a seu núcleo sexual.

Vamos parar por aqui. Falaremos disso noutro momento. Mas, (para Ihes
dizer isso de um modo simples), é melhor ser submetido a obrigações
sexuais, digamos, masoquistas, vestir-se com um colete de couro
toda noite, etc ... do que receber bronca no trabalho todo dia. Significa
que o sintoma tem um núcleo sexual e que isso prolifera.

Mas, ao mesmo tempo, essa origem, esse nucleo sexual do sintoma que
é o saber suposto ao pai, determina a Demanda imaginária do Outro,
em relação à qual somos um objeto determinado, o que nos
permite uma prática do fantasma.

32 3
da do lado S2 E5 = 1
l que não 2) a • .h (sign ificação fá Iica)
do é dizer "se
eu sou aquela
~
~ndeter~inada o
posso o a (objeto determinado)
can podia dizer, (determinada)

Vocês vêem que as duas coisas são completamente ligadas ... Para mim,
icas e
não há outro acesso ao núcleo sexual do sintoma, numa análise, senão o de
le uma
tentar apreender qual e
a determinação imaginária do objeto do
fantasma. Se soubermos de que objeto se trata no fantasma praticável
de alguém, então saberemos qual é a Demanda à qua~ ele é confrontado e,
ue chamamos
consequentemente, teremos acesso ao saber que modela essa Demanda.
que força,
Teremos, portanto, acesso ao núcleo sexual do sintoma.
que cada um de
re supôs
E uma escolha na prática. No meu trabalho, por exemplo, eu caminho pelo
sso
imaginário, do ponto de vista tático, se assim posso dizer. Parece-me que o
3terminação
acesso que eu posso permitir ao paciente à sua determinação simbólica,
passa pelo reconhecimento de seu lugar imaginário no fantasma.

m saber sexual,
é bastante Para um neurótico não é uma coisa evidente, já que esse lugar está
3estende (como obviamente desconhecido. Quando ele fala de seu fantasma, como dizia
dizer? Quer ontem, fala do ponto de vista de sua significação de sujeito e não
o sintoma desde a sua posição de objeto. Apesar disso, creio que é por ai o modo
mais fácil de apreender as coisas.

Mas, (para Ihes De qualquer forma, importa sublinhar o laço entre Demanda do Outro, tal
obrigações qual é modelada pelo saber suposto ao pai, e esse saber.
couro
I dia. Significa Tanto que é impossível dizer se operamos sobre o fantasma ou sobre o
sintoma. Tocar esse saber que comanda o sintoma é tocar nessa Demanda
que o saber modela. Tocar essa Demanda é também tocar nesse saber.
sintoma que
Ido Outro, Eu falei do fantasma, a respeito do que chamei fantasma praticável do
)s neurótico. Praticável quer dizer fantasma edfpico. Não quero dizer
fantasma incestuoso: quero dizer a posição de objeto tal qual é determinada
pelo saber suposto ao pai. Na realidade, considero que também se trata de
fantasma na relação desse objeto indeterminado à Demanda indeterminada.

Eu falo de fantasma cada vez que a homogeneização entre o sujeito e o


33 Outro, é considerada em seu aspecto imaginário; e de sintoma, cada vez
que consideramos essa homogeneização no seu aspecto simbólico. Mas os
dois são completamente ligados, não há uma análise do fantasma e
uma análise do sintoma. Não se pode tocar em um sem tocar em outro.

AUR~LlO SOUZA - Eu gostaria de fazer um consideração para ver se em


seguida eu poderia formu lar a pergunta que eu tenho, que é a respeito
dessa passagem entre a relação do sujeito com uma Demanda indeterminada
do Outro e momento que ela é significada pela metáfora paterna.
Gostaria de saber se nessa passagem nós poder Iarnos falar da castração, mas
também do recalque primário; e se nessa Demanda indeterminada, no
momento em que o sujeito é colocado numa posição absolutamente ...
desprovido de qualquer autonomia e significação, se também aI' não estaria,
digamos, o núcleo do que poderia ser o supor-eu. Ou até esse super-eu,
como num certo momento nas" Formações do Inconsciente" Lacan fala,
super-eu materno. A questão seria essa relação de equivalência entre o
recalque primário, a castração e a constituição do super-eu como se
fossem momentos estruturais que falassem quase que de uma mesma coisa.

CONTAR DO - Bem, há três perguntas articuladas. A primeira questão é:


será que a castração e a metáfora paterna são a mesma coisa, quer dizer, qua
é esse momento aí, onde se adota uma defesa neurótica. Com isso concordo
inteiramente. Eu acho que - e veremos mais tarde - a defesa psicótica.
por exemplo, não passa pela castração. A castração me parece a modalidade
da defesa neurótica. É a castração pois o saber que é chamado no lugar do
pai é um saber sexual, um saber cuja suposição permite a sexuação homem e
mulher. Estou de acordo.

Agora, no que diz respeito à questão do recalque, penso que na defesa, isto
é na metáfora paterna, esta metáfora que supõe um saber (lugar a partir
do qual se opera a determinação simbólica), creio que se trate do
recalque secundário.

Quanto ao recalque primário, eu tentei situá-Io antes. Minha idéia é que o


simples acesso à linguagem é o recalque primário, na medida em que não
pode haver efeito de sujeito no Outro senão na divisão significante; algo que
postula um lugar de saber porém não é ainda o saber paterno. Acho
que vemos aI' o recalque primário enquanto simples operação, ou seja, não
há, como já disse, recalcado originário e sim recalque originário.

A questão do super-ego é muito lmportante=- falarei à respeito hoje à


tarde - é verdade que há um super-ego que fala desse lugar, (o lugar da
34 Demanda indeterminada do Outro) que você chama de super-ego materno. 5
ico. Mas os Mas também é verdade que para o neurótico há um super-ego que fala
rna e do lugar do pai. (Falaremos, certamente, hoje à tarde, sobre o super-ego
rn outro. psicótico, pois acho que existe um super-ego psicótico). E creio que esses
dois super-ego dizem coisas diferentes: o super-ego que fala a partir
na ver se em dessa Demanda indeterminada do Outro é um mandamento, um
respeito mandamento de gozo certamente, mas que ainda não é "goza". Seria mais
nceterm inada "me faça gozar", isto é, "venha a mim".
·na.
:astração, mas Na relação entre essa Demanda e o objeto, vocês reconhecem a escritura
iada. no lacaniana da pulsão; enquanto pulsão é sempre algo que vem do Outro,
mente ... apanhar nosso corpo, um pedaço do nosso corpo. O super-ego que ressoa
a í não estaria, deste lugar, não é bem um mandamento, é quase uma declaração
super-eu, de pertença; é mais do que "me dê seu corpo para gozar", já é "teu corpo
Lacan fala, é o pedaço do meu corpo, o pedaço que me faz gozar".
a entre o
imo se
mesma coisa.
Do contrário, o super-ego que ressoa do lugar paterno, é também um
ra questão é: imperativo de gozo, mas que se endereça ao sujeito, quer dizer, "goza". Isso
quer dizer, qual é irrisório, de certa forma o neurótico sempre o escuta como algo que está
1 isso concordo gozando da sua cara, "goza e você vai ver" ... que não será nada
l psicótica, senão o gozo fál ico.
e a modalidade
10 no lugar do Ao mesmo tempo é isso que se pede ao pai, que haja somente este gozo
uação homem e fálico, que nos defenda daquele outro gozo, nos defenda de fazer gozar essa
Demanda, de ficar preso nela. Então "goza e você verá que graças a
mim o único gozo que se vai encontrar é ligado à linguagem", ou
na defesa, isto seja, afinal, ligado ao sintoma.
Jgara partir
te do Mas é inteiramente verdade que o super-ego dito materno - nós o veremos -
é o super-ego que opera na psicose. Mas dizer que ele é materno já é
um ponto de vista de neurótico, porque o neurótico só pode falar dessa
I idéia é que o Demanda como se fosse a demanda da mãe. Ora, isto só aparece
I em que não como demanda da mãe pelo fato se supormos que foi o saber do pai que
ficante; algo que a determinou. Na realidade, essa Demanda é inteiramente indeterminada,
o. Acho trata-se da Demanda do Outro.
ío. ou seja, não
ário. Esse é um ponto muito importante, a meu ver, na terapia das psicoses, pois
creio que não se deve edipianizar as psicoses. Deve-se apreender como, na
eito hoje à psicose, essa Demanda não é traduzida em termos maternos, a não ser
, (o lugar da pelos próprios terapeutas.
ar-eco materno. 35
Sabe-se que o paciente esquizofrênico, que já foi visto por muitos analistase
psiquiatras, quando vem nos ver, chega sempre com uma história
edipiana. Acho que se deve desconfiar disso. É preciso chegar a permitir-lhe
falar, falar dessa Demanda nos termos que sejam seus. Tem-se que
ser consequente.

Se pensarmos que a defesa psicótica não é uma defesa paterna, ou seja, se a


psicose é ligada à forclusão do nome do pai, então devemos aceitar que essa
Demanda não é traduzida em termos maternos, senão para nós neuróticos,
• que somente assim podemos pensar. Mas quando o esquizofrênico fala que
uma imensa aranha o suga, interpretarmos como a mãe devoradora
faz parte de nosso fantasma neurótico. Se ele fala de uma aranha,
trata-se de uma aranha.

Vocês sabem que Lacan, quando, em controle, lhe falavam coisas desse
tipo "é certamente a mãe devoradora", ele respondia: "o que é certo
é que seu paciente não disse isso".

As terapias de psicoses são tão difíceis porque ex istem muito poucos


analistas psicóticos. É uma pena, pois não há nenhuma contra-indicação.
Não vejo porque um psicótico não poderia ser um analista.

AURÉLIO - Ontem, quando você terminou a sua conferência, eu fiquei cor


uma questão para colocar. Achei que talvez fosse mais pertinente fazê-Ia
hoje ou, talvez amanhã ... Mas agora que você puxou esse tema ...

É a respeito do que você falava do analista, pagar para ser analista. Lacan na
"Direção da Cura" fala disso também. Mas agora você evoca a possibil idade
de um analista psicótico, A sua posição à respeito, de como opera essa
relação do anal ista como objeto causa para o anal isante, e ele sendo
psicótico, perverso, neurótico, de que maneira ele pode, digamos assim,
operar nesse lugar, como objeto a, se a relação de gozo que ele
tem é diferente, por exemplo.

CONTAR DO - Será mais fácil para mim responder amanhã, porque para
poder fazê-Io preciso primeiramente situar a psicose no meu esquema e em
segu ida defender esta idéia que eu defendo, que uma psicanál ise - não
uma terapia - uma psicanál ise da psicose é possível; é possível para o
psicótico fazer uma análise acabada, condição para que ele se torne analista
A partir desses dois pontos eu poderei responder. Mas amanhã eu falarei
precisamente da maneira como eu vejo o fim de anál ise e, por consequênci
36 como o fim de análise situa o analista. Prefiro esperar. 17
muitos analistas e *
istória
gar a permitir-lhe CONTAR DO - Um dos nomes do pai, não o. Então tome ios as linhas de
l-seque cima das fórmulas de sexuacão: do lado homem há ao 11)6 .• os um que não é
submetido à castração. Do lado mulher, não há nenhum. Para aquela que é
sexuada do lado mulher (eu disse "aquela" mas poderia muito bem ser
una, ou seja, se a um homem), saber que não há nenhum, significa poder se sustentar com um
IS aceitar que essa gozo diferente do "gozo fálico". (o gozo que nos permite a posição
I nós neuróticos, paterna). Ora, o movimento histérico é reinvindicar esse gozo outro que
itrênico fala que fálico como o que justamente prova que o pai não o é; que há alguma coisa
/oradora que ele não sabe dominar, já que justamente não se o reconhece, e que
aranha, o acesso a um outro gozo é possível.

A partir disso, a histérica "conclui" que ela conhece o que escapa ao pai,
I coisas desse como, por exemplo, "o que é a mulher", e então, se ela sabe o escapa
nre é certo ao pai, é ela quem de direito pode ocupar esse lugar.

Do lado da histérica, obviamente não é fácil sustentar esse lugar e ela nunca
uto poucos vai parar de se perguntar "o que é a mulher" que ela pretende ser. Do lado
ltra-indicação. homem, o que vai acontecer é que ele vai considerar a mu Iher como a
depositária de um saber sobre o gozo do Outro, que será um saber mais
"forte" que aquele do pai, já que é um saber que saberia também o que
íncia, eu fiquei com escapa ao pai. Será que estou lhe respondendo?
tinente fazê-Ia
tema... **

analista. Lacan na cONTARDO - Acho que há diferença, você tem inteira razão em apontar
ca a possibiIidade isso. A prova é que os fenômenos fóbicos são muito frequentes na histeria.
10 opera essa A diferença que eu faço é a seguinte: a posição fóbica se detém no que
ele sendo acontece na sexuação, ou seja, no fato de que não há nenhum que escape
igamos assim, à castração. A histeria começa quando se acrescenta, "se sou eu que sabe
e ele isso, posso me colocar nesse lugar".

hã, porque para


eu esquema e em
análise - não
;sível para o
e setorne analista.
anhã eu falarei • N. da R. Pergunta sobre A mulher como Nome do Pai
por consequênc ia,
37 •• ' N. da R. Comentário sobre a diferença da posição fóbica e histérica diante as fórmulas de sexuação
*

CONTAR DO - Sim, mas' é um saber completamente incerto, porque eis a


questão que vai perseguir a histérica: "o que é uma mulher?" . É aos olhos d
homem que ela pode aparecer como detentora desse saber, ou seja, um
nome do pai, porque para si mesma ela só o tem na máscara. Para ela, a
questão não é nem um pouco resolvida.

**

cONTARDO - O que ela sabe do fato da sexuação, por assim dizer, é que o
pai é castrado. Isso já foi dito pOF Freud a respeito da castração feminina.
O que ela vai ter que incrementar para se colocar nesse lugar está como
dizia, no registro da máscara, ou seja, ela vai se apresentar como o lugar ond
está o falus, como sendo o falus, isto é, o falus que ela sabe faltar ao pai.

38 * e **N. da R. Perguntas não identificados.


II PARTE

porqueeis a Para começar, vou responder a uma pergunta que me foi colocada hoje de
. É aosolhos do manhã. Era a propósito da inibição; evidentemente, já que eu falei do
J seja,um sintoma, da angústia, a inibição vem em seguida.
Paraela, a
Eu creio que a inibição está no mesmo registro do sintoma, e essaé também
a posição de Freud. Eu penso que é um sintoma especificamente neurótico
porque, se tomarmos a inibição, por exemplo, da neurose obsessiva -
pois é o mais frequente ~ vê-se muito bem como isso funciona. apoio
dizer, é que o paterno é também o lugar onde se constitu i o ideal do eu. O problema do
ãofeminina. ideal é que não há nada mais incômodo do que conseguir atinqf-lo, pois
estácomo se se atinge o ideal, então não se o tem mais. A única maneira de preservar o
no o lugar onde ideal do eu é impedir-se de atingí-Io. A inibição obsessiva está sempre
iltar ao pa i. nesseregistro, ou seja, é preciso tentar agradar os olhos de seu ideal mas
tem-se que cuidar para não alcançá-Ia. A inibição para a escrita, por exemplo,
nunca é tão temível como no obsessivo cujo avô tenha sido
um grande escritor ...

Acho intessante notar também inibições no campo fóbico. Isso não quer
dizer que a fobia seja uma inibição. Não se deve confundir uma fobia de
objetos cortantes, por exemplo, (que sempre está, como eu dizia, relacionada
com o significante paterno, com o qual o fóbico tenta amedrontar-se) com
uma inibição. A inibição na fobia aparece cada vez que se teme colocar em
perigo o pai. O que dizia esta manhã é que o lugar paterno está
exposto justamente na fobia. Por consequência, vemos como a inibição
intervém por medo de tocar o ideal.

Já que falei do "significante" * paterno na fobia, vocês sabem, por exemplo,


que o animal como significarite fóbico não é exatamente um significante.
I: um tipo de insfqnia. de emblema, e como diziam os amigos de Littoral -
de brazão - quer dizer, um significante que é erigido em imagem. (I: um
significante no sentido que você pode dizer que a insígnia de um
restaurante é o significante restaurante, mas também é a insígnia). Por que
essacolocação? Apercebe-se, numa cura, que não se pode tratar como
significante (por exemplo pelo chlste), um significante fóbico, pois seria
completamente sem efeito. O significante fóbico é uma concreção
imaginária, uma bandeira do pai.

39 • N. da R. Aspas do Autor
Uma segunda questão colocada esta manhã era em torno do fato de que eu
não falei da categoria do Real. Voltarei sobre isso amanhã, mas, vocês já
podem ver, se se lembrarem do esquema de hoje que a posição objetal
primeira do sujeito, aquela na qual o objeto seria "nada", trata-se
propriamente do real, do real do corpo. E no segundo tempo do
fantasma, isto é, objeto indeterminado, algo face à Demanda indeterminada
do Outro, trata-se duma posição de objeto imaginária, na medida em
que o objeto é oferecido a uma Demanda imaginária, mas também real,
no sentido propriamente Lacaniano. E isso é sensível, pois, como vamos
ver em seguida, na crise psicótica, vê-se bem como o sujeito se faz
oferenda real duma Demanda imaginária. Pensem, por exemplo, nos
fenômenos de auto-mutilação da esquizofrenia e também nos de saco de
objetos, quer dizer, o paciente se apresenta como um saco que contem
seu corpo despedaçado, esperando que o outro meta a mão e se sirva. A
dimensão da oferenda é real, mesmo que seja feita para uma
Demanda imaginária.

Pelo contrário, a respeito do que chamei de fantasma praticável, isto é,


depois da defesa, a posição de objeto é inteiramente imaginária. Introduzi
rapidamente a noção do Real no esquema de hoje. Voltaremos depois
sobre isso, quando falarmos do final de anál ise.

Gostaria de colocar, agora, a questão das psicoses e falar, muito rapidamente


a respeito de como a penso hoje. Dizia que considero a psicose, como a
neurose, um processo de defesa contra a mesma ameaça, ou seja, a ameaça
da Demanda indeterminada do Outro. Penso até que o processo de defesa
seja o mesmo: nos dois casosé um procedimento metafórico, que vai
referir-se a um saber que possa dominar essaDemanda por conta do sujeito .
...J Esta metáfora psicótica vai ser diferente da metáfora neurótica. Trata-se
de saber como.

Antes de abordar essaquestão, é preciso que vocês me permitam uma


distinção entre estrutura psicótica e crise psicótica. Se a nossa cl ín ica é
estrutural, devemos interrogar não a crise psicótica em suas manifestações
mas, primeiramente, a estrutura psicótica. ou seja, qual é a relação do sujeit
e do Outro na psicose, mesmo e sobretudo fora da crise. Isso somente
a psicanálise pode fazer, porque a psiquiatria só dá seu diagnóstico a
partir das manifestações da crise.

Devemos poder dar um diagnóstico de psicose mesmo na ausência de todo


fenômeno elementar da psicose, ou seja, na ausência de dei írios,
40 alucinações... etc ... Quando se presta atenção a isso (na minha experiênci
fato de que eu pelo menos), o diqanóstico de estrutura psicótica é muito mais frequente
mas,vocês já do que se pensa. Acredito que muito facilmente se pode ser psicótico
:ão objetal e atravessar a vida sem nunca encontrar uma crise psicótica.
-ata-se
o do Ora, perdemos um pouco essa distinção entre estrutura e crise por causa de
a indeterminada uma certa leitura do texto de Lacan que vocês conhecem. "A questão
edida em preliminar a todo tratarnento.possrvet da psicose". Nesse texto, Lacan
srnbérn real, dá uma definição da psicose pela negativa, ou seja, ele nos diz (é isso que nos
como vamos lembramos habitalmente), a psicose é a forclusão do nome do pai. Não
sefaz se teria simbolizado um significante (vamos nos deter depois, a respeito do
iplo. nos que é o nome do pai). que é aquele que permite ao neurótico sustentar, por
os de saco de um sujeito suposto, o pai, o saber com o qual ele opera sua defesa. Então,
~uecontem o psicótico não teria simbolizado esse significante. O que isso quer dizer?
e sesirva. A
a ~ preciso se deter nisso pois, não sei aqui, mas na França, este texto de
Lacan teve consequências terríveis, quer dizer, num primeiro tempo
pensou-se que se tratava de uma ausência de simbolização do sobrenome
.ável. isto é, paterno e a consequência foi que os pais analistas pegavam seus filhos
nária. Introduz i no colo e, terrificando-os, gritavam o sobrenome deles. Não é uma boa
mos depois terapia, evidentemente!

Isso é engraçado, mas o lado menos engraçado foi que se acreditou que, face
iuito rapidamente à ausência de simbolização, era preciso responder, na cura, com uma espécie
.ose. como a de simbolização forçada; dizia-se, por exemplo, que com o psicótico é
J seja, a ameaça preciso ter pulso, desempenhar o pai severo, como se se pudesse, na
cessode defesa transferência, suprir a ausência de simbolização. Só colocando-se no lugar
:0, que vai de Deus para acreditar nisso.
conta do sujeito.
lt ~ca.Trata-se 'Oque quer dizer, portanto, forclusão do nome do pai? Não é a forclusão de
um significante determinado - leiam novamente o Seminário de Lacan
sobre as psicoses. Trata-se do fato de que o Sujeito não consegue se inserir
mitam uma numa filiação, seja ela paterna ou não, pouco importa. O que
)ssacl ín ica é significa inserir-se numa filiação?
s manifestações
I relação do sujeito Sabemos bem o que isso quer dizer para o neurótico: no campo da linguagem
so somente ter-se-à um polo, a partir do qual tudo toma significação. O neurótico
gnóstico a estabelece seus valores, suas significações ditas fálicas, medindo-os
sempre no metro-padrão.

iusência de todo Vocês conhecem aquelas tabelas de medir distâncias entre as cidades: há uma
dírios, lista de cidades na vertical e outra na horizontal e, fazendo-se um
minha experiência 41 cruzamento, se obtém a distância entre as duas cidades. O neurótico é um
centralista, quer dizer, se estivêssemos na França, haveria na horizontal
uma cidade só, Paris, e todas as distâncias às outras cidades se mediriam
somente em relação a Paris. Então, para calcular a distância entre
\ Toulouse e Montpellier, somente se poderia fazê-Io com relação a Paris.
r
~ Este ponto de referência único é o que falta no psicótico.

Agora, a segunda questão: porque Lacan, na "questão preliminar" ... nos


dá uma definição da psicose pela negativa? Dizer forclusão do nome do pai
significa que a psicose não é a neurose ..

Penso que o que Lacan fala na "questão preliminar" ... não é tanto da
estrutura psicótica mas sobretudo do desencadeamento da crise psicótica.
De onde ele parte, do ponto de vista da evidência clínica? Ele constata que,
quando a crise psicótica se desencadeia, há sempre apelo ao nome do pai.

Se um sujeito que não dispõe do registro de filiação for obrigado, por uma
injunção, a reportar-se ao polo paterno, que para ele não é simbolizado,
o seu mundo desmorona.

É por isso que o desencadeamento da psicose é tão frequente na


adolescência, no momento em que se pede ao jovem sujeito para
revezar o valor fálico, ou seja, para se referir à instância paterna e entrar na
vida. Se ele tem uma estrutura psicótica, se esse lugar para ele está vazio,
se se o força a referir-se a esse lugar, isso vai desencadear a crise.

E é por isso também que nas instituições para crianças psicóticas


(e vocês sabem que na França essas instituições são pedagógicas), á
psicose se cronifica, porque as crianças são constantemente submetidas a
uma instância pedagógica que Ihes pede referir-se ao polo paterno.
Essa exigência é justamente o que os torna loucos. Este é um grande
problema nas instituições para crianças e adolescentes psicóticos.

Mas, queria chamar a atenção de vocês sobre a primeira colocação de


Lacan, não no sentido de que a psicose seria a forclusão do nome do pai e
sim de que o apelo ao nome do pai desencadeia a crise psicótica. Isso prova
com certeza, que a filiação é impossível para o psicótico, mas
não define positivamente a psicose.

Retomando, no tratamento do psicótico, quando se decide adotar a posiçã


de pulso, desempenhar o papel do pai severo, desencadeia-se o pior, por est
mesma razão. Desencadear o apelo ao nome do pai vai provocar uma crise.
42 ~3
Ia horizontal Se nos interessarmos primeiro pela estrutura psicótica (depois entraremos
; se mediriam nos detalhes da crise), será que poderíamos pensar uma metáfora psicótica?
3 entre Não falo de dei írio, mas de metáfora de defesa, pois o dei írio é uma
lação a Paris. consequência da crise ... falaremos nisso depois .

. Suponhamos que o psicótico se refira a um saber, como o neurótico, com o


minar" ... nos qual ele pode dominar a Demanda do Outro e, portanto, capaz de lhe dar
do nome do pai algumas significações viáveis, em relação a esse saber, uma significação
que não seria a fálica, pois não se trata do saber do pai. Para complicar mais
é preciso imaginar um saber que assegure o domínio da Demanda do Outro,
) é tanto da mas que não pode ser o de um sujeito suposto; não pode ser um saber
crise psicótica. com relação ao qual estaríamos em filiação.
:Ie constata que,
I nome do pai. Eu levaria muito tempo para percorrer o trabalho que tentei fazer no meu
seminário sobre essa questão, mas posso Ihes dizer a que reposta cheguei.
igado, por uma Interessando-me de perto por psicóticos célebres, por assim dizer, que
;imbolizado, justamente nunca atravessaram uma crise, e, perguntado-me qual era o saber
que os sustentava, (falo disso rapidamente), cheguei a essa conclusão:
trata-se de um saber que não é parcial (como o do pai que é parcial porque
te na é sexual), mas de um saber total, que aparece como uma emanação da
própria Demanda do Outro.Esta Demanda do Outro deve trazer um saber
para
sobre ela própria que se trate de ler, um saber que não tem pontos de
srna e entrar na
referência, por ser um saber total. (
IIeestá vazio,
rise.
Se vocês lerem o Tractatus logico-philosophicus de Witt9\~stein, que era
psicótico (isso não retira nada, a qualidade do que escrev~~
nicas
surpreendente constatar que sua visão do mundo tem a ver com esta idéia
icas), á
de uma coincidência entre o mundo e a rede da linguagem, ou melhor,
submetidas a
a rede do discurso que o circunda.
nerno.
n grande
ticos. Mas tomem também Émile de Rousseau: vocês sabem que isso ainda anima
nossa pedagogia contemporânea: a idéia não é que o saber do sujeito não
cação de cultivado venha dele mesmo, não é isso; mas sim, que o saber viria d~
torne do pai e própria natureza.
tica. Isso prova,
IS E para Ihes dar o terceiro exemplo, tomo o caso do poeta H6lderlin; vocês
sabem que ele foi objeto do primeiro escrito sobre a forclusão do nome
do pai (a tese de Laplanche foi sobre Hõlderlin). Esse poeta tem uma
tdotar a posição relação com a natureza, que Heidegger entendeu muito bem: a
o pior, por esta natureza fala (aliás era a visão clássica na época do romantismo).
car uma crise.
43
Penso que o psicótico se refere a um saber (para resumir com uma última
imagem) bastante semelhante ao saber ao qual se referia o homem da
Idade Média: essaidéia de que o mundo era somente uma figura do Livro,
porém com a diferença que para o psicótico, não há nenhum Deus que
tenha escrito o Livro. Não há um Deus, não há significante que
organize o Livro.

o saber em questão é articulado, mas não em torno de um significante. Por


isso o destino psicótico é um destino de errância, que passeia,enquanto
que o destino do neurótico é sempre orientado no sentido da flecha.
E entre parênteses acrescento que há algo que nos incentiva a acreditar no
que acabei de dizer, que é a exigência de totalidade na constituição
do delírio.

Bem, se for assim, se for possível se subjetivar na psicose referindo-se a alqo


que é um saber, mesmo que não seja um saber organizado em torno de
um significante, o que acontece no momento em que se desencadeia uma
crise, no momento onde o sujeito, tomado numa significação não
fálica, é intimado a se referir ao pólo paterno, a tomar uma
significação fálica?

o que acontece é que dentro de seu saber ele não encontra um significante
que possa desempenhar esse papel. E nessemomento verifica-se o que é
chamado de crepúsculo do mundo, porque o saber que até ai
segurava e organizava o seu mundo desmorona.

A infelicidade dos psicóticos é viver num mundo cujo sintoma prevalescen


é neurótico. Não é uma reflexão antipsiquiátrica; acontece simplesmente
que, no nosso mundo, o que regula o intercâmbio é o falus. E se
não se dispõe disso, não se está no mundo.

Então, o que acontece depois do crepúsculo do mundo? A produção de un


alucinação particular, a alucinação auditiva, que é totalmente diferente
das outras alucinações, ou seja: o pai que foi interpelado no Simbólico, que
não pode responder no Simbólico, já que nenhum significante do saber
se destaca dos outros, essepai é ouvido falando no real.

A partir daí, existe apenas uma saída: é a constituição de uma metáfora-


delirante. O que é uma metáfora delirante? Não é porque se diz "piracões"
que é delirante. Diz-se delirante porque se tenta constituir uma filiação, não
a partir de um pai simbólico, não a partir de um significante, mas sim
44 a partir de um pai real. Por isso que é delirante. 45
com uma última Ao mesmo tempo, constituir, inventar uma metáfora delirante, é totalmente
) homem da essencial, porque se o psicótico em crise não consegue isso, já que o seu
Ifigura do Livro, próprio saber não o defende mais, ele vai se encontrar na posição de objeto
iurn Deus que real face à Demanda indeterminada do Outro. Quero dizer que dei írio
te que e alucinação - já que a alucinação é o surgimento real desse objeto - são
inversamente proporcionais. Creio pessoalmente que, face a um psicótico
em crise, é preferível assistf-lo na constituição de um delírio - não se
11 significante. Por deve absolutamente contrariar a constituição de um delírio.
sseia. enquanto
o da flecha. Alguém que eu estimo, Jean Girard, que dirige a CI ínica La Chesnaie (talvez
iva a acreditar no vocês o conheçam) e que se ocupa de esquizofrênicos, dizia-me "sabe,
mstitu ição o que eu espero para cada paciente é que ele possa sair daqui com um
delírio de qualidade". Eu ache i que foi muito bem dito, pois há
dei írio de boa e de má qualidade, isto é, um dei írio que permite
ireferindo-se a algo assegurar-se uma significação, seja qual for, não deixando afundar-se
o em torno de na alucinação.
desencadeia uma
:ação não Queria ainda, muito rapidamente, propor-Ihes mais uma coisa (são realmente
ma propostas, sobretudo quando apresentadas de uma maneira tão breve).
Num encontro como este, o que podemos esperar de melhor é que eu possa
Ihes dizer algo do meu trabalho, mesmo se fragmentário, e que sirva, de uma
tra um significante maneira ou de outra, para o trabalho de vocês. Queria acrescentar que
nifica-se o que é até agora, seguimos, de certo modo, a posição de Lacan, mantendo,
sté aí todavia, uma definição positiva da psicose.

O interesse da definição positiva a respeito do tratamento da psicose, nós o


ntoma prevalescente veremos amanhã.
sce simplesmente
nus. E se Mas há ainda uma questão que se faz muitas vezes aos lacanianos, com muita
razão: dizem-nos que a forclusão do nome do pai perrnite-lhes distinguir a
psicose. Mas não há somente uma psicose. É preciso se dar conta que há
I A produção de uma mais de uma tipologia das psicoses, e penso que devemos tentar avançar
nente diferente sobre a questão do que diferencia as psicoses.
) no Simbólico, que
ficante do saber Há dois caminhos de trabalho possíveis, se quisermos manter - como acho
que devemos - o conceito lacaniano de forclusão. O primeiro caminho é I

pensar que haveria tipos de forclusões diferentes, ou seja, em distinções


de uma rnetátora- na própria operação da forclusão. Para mim esse caminho é abstrato demais.
Je se diz "piracões"
uir uma filiação, não O segundo caminho, aquele que me interessa, parte desta idéia de que o pai
.ante, mas sim que é forclu ído como significante, este pai que faz retorno no real, por
45 exemplo na alucinação auditiva, talvez não seja sempre o mesmo. O
que me interrogo é sobre como o forcluído. que faz retorno no real.Jntrod
a diferença na crise psicótica. Vou Ihes dizer ao menos o que me levou
a refletir neste sentido.

É que sempre (eu cuido muito de psicóticos) constato o seguinte: se o sujei


histérico que se apresenta tivesse sido psicótico, poderia-se esperar uma
esquizofrenia; se o obsessivo tivesse sido psicótico, poderia-se esperar uma
paranóia: sê o fóbico tivesse sido psicótico, poderia-se esperar uma psicose
man íaco-depressiva.

Diagrama

NEUROSES PSICOSES

pai que retorna no Real - dificuldade de constituição eu

-
Histeria Pai enfraquecido ) do delírio c
Q)

- pobreza de alucinação
'-
o
N
auditivas
::::l
- riqueza de alucinações o
~
cinestésias, visuais.

}
- facilidade de constituição .~
-----------, . do dei írio -o
c
Obsessão eu
Pai incastrado ) - alucinações auditivas '-
eu
Q.
---------~ - pobreza de alucinações
visuais
6
Fobia Pai constitucionalmente
insuficiente
- abandono objetal a
Demanda do Outro(depressão)
-~o
c.
eu
E ..
ID
Neurose de Pai terrificante - excesso de significação Vl
o ,
"base" o
(mania) Vl
Q.t

N.S. Não há passagem da esquerda à direita, mas sim retorno no Real, na


psicose, de um Pai cuja tipologia pode estar estabelecida do lado
da neurose.

Na minha experiência isso nunca falha. Tenho que levar isso em conta.
Então, essa é a idéia que eu fqço: o que foi forcluído, o pai simbólico
que vai voltar no real, não é uma abstração, não é a simples função do pai,
46 e sim o pai tal como a neurose do Outro já o tinha preparado. É o 47
) no real, introduz que teria sido chamado, numa época pré-lacaniana, de neurose familiar.
e me levou Vocês entendem o que quero dizer?

AURÉLIO - Eu acompanho seu pensamento e acho-o altamente


uinte: se o sujeito provocante ....
ssperar uma /

;e esperar uma CONTAR DO - Você acha? Mas é preciso levar em conta o que se verifica,
ar uma psicose seja uma paranóia, uma esquizofrênia ou uma psicose maruaco-depressiva.
Suponha que o pai torcluído seja o da histeria, e isto é notoriamente
o pai enfraquecido. O que vai acontecer no momento da crise, do lado da
psicose? O que é que define majoritariamente o que nós chamamos de
esquizofrenia? É que a alucinação prevalece sobre a constituição
do delírio. A reconstituição de uma fi Iiação com relação ao pai real é um
trabalho sempre a refazer; não é surpreendente se pensarmos que o
mstituição .~ pai que retorna no real tem a cara do pai histérico.
c
a.>
I....
ração '+-
o
O que é um pai de obsessivo senão um pai não castrável? O que se verifica
N na paranóia é o inverso da esquizofrenia, ou seja, uma primazia do delírio
:::J
ações o- sobre a alucinação, exceto a alucinação auditiva, que é justamente
C/l
a.>
is. a voz do pai. Então, constituir essa filiação, em função de um tal pai real,

J~
é algo que se torna sempre possível e coloca o paranóico ao abrigo da
stituição posição de oferenda real à Demanda do Outro.
-o
c
:ivas ~ No que diz respeito à fobia, vimos esta manhã que o próprio dela era o lado
m
Q.
iacões duplo: de um lado um pai que se quer terrificante e de outro lado um
medo da sua fraqueza, medo de ser levado pela Demanda do Outro. Era
6 disso que eu falava à respeito das fobias de espaço.
o
Ia ,~
(depressão) ceo Vê-se bem que na psicose maníaco-depressiva o ciclo de excesso de
E ~
ch "ü) significação da mania corresponde a esse tipo de presença paterna tendo
C/l CI)
cação o ~ significação demasiada; a fase depressiva corresponde realmente à
.~ Q.
C/l a.> identificação ao objeto, num silêncio deste pai.
Q. "'O

Sou forçado a pensar que o pai que retorna no real, na crise psicótica,
) no Real, na
retorna inclusive com o que fazia a sua especificidade num quadro neurótico,
a do lado
que é aquele ao qual o sujeito teria sido destinado se fosse um neurótico.

cONTARDO - (lendo uma pergunta que foi formulada por escrito) "Será
em conta. que, numa relação terapêutica com psicóticos, não se realizaria uma
iirnbólico
montagem perversa igual à que falamos ontem?" - Acho
função do pai, inteiramente verdadeiro.
). É o 47
o psicótico (cujo mundo, que era organizado pelo seu saber de defesa, entra
em crepúsculo, na crise) tem que lidar com um Outro, o Outro da Demanda
indeterminada, um Outro que ele considera como sabendo o que ele quer;
não que ele supõe saber, mas um Outro ao qual ele atribui propriamente
o saber sobre o que ele precisa. Contra este Outro ele vai tentar
eventualmente elaborar um dei írio, quando o pai que retorna no real
lhe permite isso.

Mas quando recebemos um psicótico, particularmente um esquizofrênico


em crise, a distribuição transferencial é binária: de um lado essa Demanda
.toda poderosa e onisciente que nós encarnamos e, de outro, o sujeito que se
oferece realmente, ou seja, oferece seu corpo. Se vocês já tiveram a
oportunidade de trabalhar com pacientes esqu izofrênicos neste estado,
devem ter verificado que nesta posição que eles nos colocam, falar é muito
perigoso. Calar-se também.

Falar é muito perigoso porque tudo o que se pode dizer é ouvido como um
imperativo superegóico, um mandamento direto, cujos efeitos são
imediatamente reais. Eu me lembro de uma paciente que me ensinou isso;
devo dizer que eu tinha cortado sua frase, interrompendo a sessão.
Ela não compreendia que a sessão havia terminado (eu era um analista
iniciante, ela era minha segunda paciente, um verdadeiro presente, ai iás).
Bem, eu pensava que lhe fazia uma interpretação e quando ela me disse
"o que está acontecendo?" eu falei "cortamos aqui". Ela foi para a
minha cozinha e cortou o braço com a primeira faca que encontrou.
Aprendi, logo, o que é esse tipo de transferência.

A tentação, quando estamos neste lugar, é servir-nos do saber que nos é


atribuído na transferência, fazendo um trabalho, eu diria, ortopédico, -
ou seja, aproveitarmos deste lugar para socializar o paciente. Na maioria dos
casos, quando nos fel icitamos pelo fato de que um paciente psicótico, por
exemplo, se normaliza, que apesar de tudo, pode morar soz inho, ter um
trabalho, ser suportado pelo seu pessoal e assim por diante, o que
acontece é que usamos o saber que ele nos atribu ía na transferência para
nos situar como saber perverso sobre o bom uso do nosso paciente
como objeto, que transformamos em instrumento, ou seja, criamos uma
montagem perversa com ele. Vocês vão dizer, porque não? Não haveria razã
para ter preconceitos morais se isso fosse uma saída para a psicose, se
tornasse a vida mais tolerável para nosso paciente. Enquanto psicanalistas
talvez não estivéssemos de acordo mas, enquanto homens de bem,
poderíamos estar.
48 49
de defesa, entra Vou Ihes dizer então, qual é o inconveniente desse tipo de trabalho. Não
tro da Demanda pode jamais parar, e, para o terapeuta é terrivelmente angustiante, porque
que ele quer; quando ele está engajado nessa relação, perde o direito mais elementar, que é
'opriarnenta o direito de morrer um dia. Há um problema a mais, pois creio também
tar que a psicanálise tem outra coisa a propor para o psicótico. Retomarei
3 no real esse ponto amanhã.

Temos outra pergunta sobre o que se deve entender com dei írio de
quizofrên ico qualidade. !: frase de um amigo; deve ter falado assim para se sair bem
ssaDemanda naquilo que ele queria me dizer. Mas posso dizer o que eu entendi: creio que
) sujeito que se se trata de um delírio que permite ao sujeito obter uma significação viável
srarn a no mundo e estabelecer uma forma de filiação, mesmo se for uma
ite estado, filiacão com relação a um pai real. Permite portanto, não estar exposto todo
. falar é muito o tempo ao retorno alucinatório de sua própria posição de objeto
frente à Demanda do Outro.

/ido como um Os paranóicos elaboram facilmente delírios de qualidade. O delírio de


s são Schreber, por exemplo, não somente pela qualidade literária mas, tanto é
ensinou isso; um delírio de qualidade que, vocês lembram que ao apresentá-Io à Corte, ele
essão. pôde obter suspensão de sua interd ição. Foi reconhecido (e isso é
n analista extraordinário para ju ízes) que, fora o fato de se sustentar com uma
ente, ai iás). metáfora delirante, era um sujeito que tinha uma significação viável. !:
a medisse isso o que eu queria dizer com dei írio de qual idade.
para a
mtrou, Evidentemente, no caso dos esquizofrênicos, quando o pai com relação ao
qual eles deveriam reconstituir uma metáfora, uma fil iação, é um pai
enfraquecido, então, constituir um delírio de qualidade se torna muito difícil
que nos é para o sujeito. Quero dizer que ele não chega jamais a constituir uma filiação
opédico, - delirante estável. Está sempre exposto ao retorno alucinatório.
Na maioria dos
sicótico, por AUR E:LlO SOUZA - Queria colocar primeiro uma questão sobre esta
ho, ter um relação que você estabelece entre histeria, esquizofrenia, obsessão, paranóia,
que fobia e PMD. Sinto, quando você dizia que há uma certa lógica entre a fobia
rência para e a PMD como sendo algo que trata do objeto, que é absolutamente
.iente pertinente. Eu acompanho. O que me fez ficar com vontade de discutir
iamosuma essa questão foi sua colocação de que o neurótico funciona sempre com uma
io haveria razão referência comum; a partir disso pensei que nós poderíamos falar de trauma.
cose, se Eu entendo que esse trauma pode representar um ponto de referência
isicanal istas comum para o neurótico, como a h istória dele se repete, com aquela
iern, característica. Eu não faço a mesma leitura com o fenômeno da psicose.
Então não vejo nenhuma condição que possibilite estabelecer uma relação
49 entre a neurose e a psicose, desde que as duas têm pontos absolutamente
assintóticos. A neurose passaobrigatoriamente por um nó, nó de linguage
significante de gozo, tem a ver com o trauma, e a psicose passapor outro
circuito que nós falávamos. Você dizia com relação àquilo que Lacan
colocou que hoje falta uma certa sequência no desenvolvimento da
psicose, enquanto que na neurose ela existe.

Eu me lembrava, quando você colocava que num certo momento, o trabal


de... (7), quando ele fala sobre aquelas classificações, de que há uma
certa continu idade entre a neurose e a psicose, em traços de personal idade.
E fiquei pensando se você não evocava alguma coisa parecida.

CONTAR DO - E um mal-entendido, mas que nós podemos dissipar


facilmente. O que eu digo é que há uma só estrutura psicótica. E a respeito
disso eu concordo inteiramente com o que você diz, ou seja, o que
organiza a estrutura psicótica é a relação a um saber totalmente diferente
do saber que organiza a defesa neurótica.
Nesseaspecto fui mais além do que o próprio Lacan, pois eu disse que
acredito numa definição positiva possrvel da psicose, Creio que poder íamo
caracterizar o saber em jogo na defesa psicótica não somente com
relação à neurose (como forclusão) mas, ao contrário, deveríamos
trabalhar o que é essesaber em si mesmo, o que é um saber que não está
organizado em torno de um significante. E a esserespeito, penso que
estamos de acordo.
O que preside o desencadeamento da crise, é o que Lacan chamou
justamente, a meu ver, de apelo ao nome do pai. É isso que provoca a crise
porque aquilo que é chamado não está no simbólico e vai fazer
retorno da única maneira possível, no real.

Mas a questão que eu me coloco: o que vai fazer retorno, já que isso não e
no simbólico? O que respondo: o que vai fazer retorno no registro
do real é uma figura do pai da qual decide aquilo que é a neurose do
Outro do sujeito. Não é absolutamente uma ótica pós- Kreschmeriana. Não
/ é disso que eu falo. O que digo é que o pai que retorna no real não vem
do céu, vem realmente do Outro tal como está aí para o sujeito.

l:preciso compreender que ele retorna no real para o psicótico. que não
pode simbolizá-Io, mas não retorna como a estátua do cornendador em
D. Juan. Quero dizer que ele não é real - retorna no real - e o que
retorna é um pai simbólico e imaginário, delineado pelo que era chamado
antigamente de neurose familiar, ou seja, o Outro do sujeito.
50 Será que me expliquei? 51
Ó de linguagem, AUR~LlO SOUZA - Tenho outra questão para colocar, é a respeito de
sa por outro quando você falou sobre a metáfora delirante. O psicótico trata de constituir
Je Lacan uma filiação a partir não do significante, mas de outra coisa que você
nto da colocou, o pai real. Fico com uma dúvida, porque, em dois momentos
diferentes, Lacan conceitualiza esta entidade, o pai real, de duas formas
diferentes, na minha ótica. No seminário sobre relação de objeto, ele fala
ento, o trabalho que há uma tendência a se ler o pai real de uma forma muito
há uma
semelhante a um certo pai que poderia existir na realidade. Mas a partir
personalidade. do momento em que ele estabelece com mais precisão os operadores
real simbólico e imaginário, nos "Quatro Discursos", diz que o pai real é
espermatozóide, alguma coisa de irredutível.
dissipar
a. E a respeito Então eu lhe pergunto se na metáfora delirante, o que o psicótico toma
o que
para constituir como uma filiação não viria através de uma disposição
ite diferente
do imaginário e duma montagem mais do que do pai real.

disseque CONTARDO - Sim, talvez eu possa ter dito isso, mas é um risco da palavra.
ie poderíamos ~ verdade o que você está falando sobre as duas posições de Lacan, do
com pai real como gerador, mas de minha parte, acho que o termo pai real deve
unos ser reservado ao pai da horda primitiva, anterior ao assassinato. É o tipo
Je não está de pai que o fóbico evoca, ou seja, o pai que seria o agente da castração.
so que
Mas creio que na constituição do delírio, não se trata do pai real e sim do
retorno no real de um pai que é simbólico e imaginário. O que quer
irn ou
dizer no real? Para dizer de uma maneira bastante simplista, uma filiação no
rovoca a crise,
simbólico seria: há um significante um e as significações se ligam a esse
3r
significante. Agora, se estivermos numa rede na qual este significante falta,
I não no sentido de que teria o seu luqar vazio, mas no sentido de que a rede
ue isso não está
istro
rrose do
neriana Não
r
.
g ermitiria todo tipo de circulação ... E por isso que falo da definição
positiva da psicose; creio que o saber de defesa do psicótico não é
deficitário por SI mesmo - não que o pai lhe falte - ele é organizado sem
. ferência única. .

I não vem Quando a crise se desencadeia, a injunção de organizar esse saber com
10.
relação a um centro normalmente provoca o que se chama de crepúsculo,
ou seja, o fato de que todo esse saber vai embora.
o, que não
Jador em A partir disso, o trabalho de delírio vai ser organizar o saber em torno de
o que
alguma coisa que não pode ser um significante, quer dizer, religar
ra chamado
significantes a algo que é de outro registro. E não porque seria o pai real
(é 'um pai simbólico, é realmente um significante), mas porque retorna em
51 outro registro, no Real. :;ignifica que não se consegue religá-Io

BIBUOTECA SETORIAL DE UÊ.~C!AS SOCIAIS


E HUMANIDADES - ACERVO DE PSICOLOGIA

,.
a outros significantes. E o dei írio é o trabalho de Iigação, de tentativa
de ligação entre essas duas coisas heterogêneas.

Por que se poderia dizer, por exemplo, que as memórias de Schreber são u
texto delirante? Talvez não seja mais delirante do que qualquer texto.
religioso. !:delirante porque aquele pai, altamente simbólico que é Deus,
retoma para Schreber no Real. Para conseguir ligar um mundo de
significações a alguma coisa que seja um significante, mas que para ele é
desligado de qualquer significação, ele fica obrigado a inventar um
sistema totalmente extraordinário.

Não é por acaso que mu itas vezes os dei írios paranóicos insistem sobre a
questão da transmissão, os raios divinos de Shreber, por exemplo. Ouantas
vezes um dei írio paranóico trata de raios, de influências, que seriam ao
mesmo tempo simbólicos e reais, embora invisíveis? Eu acho que
isso coloca bem qual é a dificuldade em jogo num delírio. Trata-se de
ligar algo que é simbólico para nós, mas que para o sujeito está no Real.
Está respondida?

SOLANGE MATTOS - Como se poderia pensar a melancolia, nesse


esquema?

CONTARDO - O que apresento é o que chamo de minha cozinha. Eu


cozinho como posso. Minha idéia é que a melancolia encontra seu
"correspondente" neurótico no que eu chamava ontem de depressões
neuróticas. Neste quadro, onde escrevi fobia deveria ter escrito neurose de
base; o que eu chamava de depressão neurótica, fica também do lado
do fascínio à decadência, algo que tem a ver com um pai
constitucionalmente deficiente. O que acontece quando esse pai volta
no Real?

O tocante na melancol ia, fenômeno apaixonante, é o fato de que se suport


a eu Ipa; mas eu teria a tendência em colocá-Ia aí: depressão na psicose
maníaco-depressiva. (Deveria, para completar esse esquema, deter-me sobre
posição do objeto em cada uma dessas neuroses, em cada uma
dessas psicoses).

Acho que vocês podem perceber, seria por este viés que poderíamos cercar
melancolia neste lugar, como se - não sei se você vai concordar com isso-
o sujeito, reduzido à sua posição objetal, estivesse num luto impossível
do pai que o reduz a esse lugar, que o reduz a esse lugar por sua deficiência.
52 E, afinal de contas, a sua própria depreciação se torna um tipo de 5

------ -- -
le tentativa culto de si mesmo como dejeto. Acho que isso entra nesse trabalho
impossível do luto.

Schreber são um Mas precisaríamos, em duas palavras, ver o seguinte: vocês percebem porque
quer texto aí, do lado da esquizofrenia, o pai fraco, pelo fato de sua fraqueza imaginária,
:0 que é Deus, que volta no Real, dá lugar a uma abundância alucinatória? (Alucinação
ido de significa surgimento, diante do sujeito, do objeto que ele mesmo é).
ue para ele é
itar um Do lado da histeria, a relação do sujeito com o objeto é de outra ordem, ou
seja, não é uma relação de identidade, enquanto que a posição fóbica
oscila entre o que chamamos fobia do emblema e a identificação do
stem sobre a sujeito ao objeto (fobia de ser levado).
mplo. Quantas
e seriam ao E vocês encontram que a vertente depressiva da PMD, que não é alucinatória,
) que é justamente uma identificação à posição objetal, não um surgimento
rata-se de do objeto diante do sujeito.
stá no Real.
Poderíamos continuar, mas seria preciso estender o esquema. O
que você estava pensando sobre melancolia?
a, nesse
SO LANG E MA TTOS - O que me interessava era, conti nuando nesta
ótica, encarar o esforço para sair da melancolia, que é uma
Izinha. Eu passagem ao ato ...
a seu
lpressões CONTARDO - Você pensa numa passagem ao ato suicida?
to neurose de
do lado SOLANGE MATTOS - Sim. Uma passagem ao ato suicida e até
homicida. Então, uma resolução no real.
pai volta
CONTARDO - Sim, isto está certo, a melancolia não é um delírio, no
sentido de que dizíamos antes, de constituição de uma metáfora delirante. O
que se suporta que me detém aí, é que há uma questão para a qual não tenho resposta,
3psicose . (porque sempre tenho mais perguntas do que respostas): se você se
eter-me sobre a interessa pela melancolia, gostaria de ter sua opinião à respeito; a melancolia
I é uma psicose inteiramente distinta de uma frase depressiva da PMD ou lhe
parece pensável que seja simplesmente a parada de uma fase depressiva?

íamos cercar a SOLANGE MATTOS - Fiz essa pergunta justamente para avançar
lr com isso - nesse tipo de questionamento.
1possível
a deficiência. AURÉLIO SOUZA - No seu texto que nos foi distribuldo, você fala de
de 53 um obsessivo que fica louco, mas não psicótico ...

,.
I

CONTARDO - Que texto? .

AURÉLIO SOUZA - Conferência de Porto Alegre. Queria que


você me dissesse como ...

CONTARDO - Se me lembro bem, tratava-se de um casal.. Eu acho que


usei o termo "louco" de propósito, distinto do termo psicótico. Tratava-se
de uma situação totalmente particular, que era a seguinte: o começo de
uma tentativa de uma montagem perversa, que havia se iniciado, como
disse ontem, por aquela palavra de amor, "faça de mim o que você quiser".
o que aconteceu foi que ele acreditou. Quando sua mulher falou "basta",
o que ela estava ameaçando com essa recusa não era a chance dele ser um
mestre perverso e sim o próprio saber do qual ele se autorizava para ser
um mestre perverso. Portanto, em lhe dizendo "não" - já que ele se coloc
no lugar do pai - ela dizia não à versão do pai como tal. Ela recusava,
nele o fato de que houvesse um que soubesse; ela colocava em questão, para
ele, o que seria o fundamento de sua objetividade, ou seja, a relação com
o pai. E é por isso que ele se tornava louco, louco no sentido de
que ele precisava absolutamente provar que aquele saber, que ele considerav
agora como seu (pelo fato da proposição de complacência de sua mulher),
estava seguro. E, por exemplo, quando ela foi embora, ele tentou
imediatamente, de mulher em mulher, desdobrar esse saber, ou seja,
validá-Io, colocando a obra "montagens perversas" que ele dirigia. Isso não
funcionou porque as mulheres, evidentemente, concordavam. As mulheres
estão sempre de acordo porque sabem que, de qualquer forma, quando o
cara estiver em detumescência, elas poderão confortá-Io. Mas para ele
era dramático constatar que seu saber se esgotava ao fi m de suas
relações. E ele foi mais longe: tentou submeter-se a montagens perversas
no quadro de relações homossexuais, pelas quais normalmente ele não tinha
nenhum gosto, contento que esse saber fosse confirmado - mesmo que
não fosse mais o seu, mesmo que fosse aquele do seu parceiro homossexua

Para confirmar este saber, ele estava disposto a desempenhar o papel que
queria que sua mulher desempenhasse. Chegou ao ponto de dirigir-se a algo
- eu soube da existência na época - que se chamava o Clube da Fantasia.
Aparentemente isso existe e é dirigido por um grande perverso (um
verdadeiro). A gente paga a entrada, encontra aquele grande perverso,'e
expõe a fantasia que gostaria de realizar com o máximo dedetalhes. e
o clube a organiza. Então ele participou do clube, mas isso não foi suficiente
o que precisava era que sua mu Iher reconhecesse o valor daquele saber.

55
54
Eu disse que ele estava louco, porque quando veio me ver, estava
verdadeiramente mu ito mal; não podia falar, estava babando ... Dei-lhe
um copo d'água, e as primeiras palavras que me disse foram "eu sou
louco por ela". E ele tinha razão.

o fim da história é que, apesar de tudo, a montagem perversa havia se


acho que
realizado, embora pelo inverso: graças àquela recusa, foi ela quem se colocou,
ratava-se
para sempre, como o mestre perverso para ele. Dois anos após a partida
co de
dela, no momento em que ele estava começando a sair disso, ela lhe
.orno telefonou de alguns 2.000km, em plena noite, para perguntar "será que
ê qu iser ". E
você ainda me ama?" e ele bestamente respondeu "sim", e ela desligou.
"basta" ,
3 ser um
Acrescento uma coisa: por que o presidente do clube da fantasia é um
Ira ser
grande perverso? Porque, pelo que sei por meu paciente, ele realiza a fantasia
! se colocava
encomendada mas, com dois detalhes: de qualquer forma, isso acontece
sava,
numa sala, onde estão pendurados, na parede, quadros pintados por ele,
estão, para
enquanto que se toca música de sua composição ...
:ão com

URANIA PEREZ - Esta manhã, você colocou, em relação à angústia, o


considerava
indeterminado do objeto e da Demanda. Em nenhum momento você falou
mulher) ,
em objeto perdido, nem em carência de amor, de falta.

3ja,
CONTARDO - Você tem razão: é uma reação a uma leitura de Lacan, que
I. Isso não
vai para uma metafísica da falta, muito frequente na França, no inicio
mulheres
dos anos setenta. Acredito que na angústia, não se trata de falta de objeto,
uando o
mas sobretudo de um excesso de presença do objeto.
a ele
Não me lembro mais quem achou esta fórmula, muito bonita: "A angústia é
erversas
ser reduzido a seu corpo", naquilo que ele tem de real. Acho que é uma
le não tinha
fórmula bonita, no sentido de que se trata de ser reduzido a isto, que seu
110 que
próprio corpo se torna o objeto investido por uma pulsão indeterminada.
iomossexual.
Creio que a angústia, portanto, é um excesso de presença objetal, porque
acho que ela está face a uma Demanda.
apel que
jir-se a algo
A questão da perda do objeto está do lado do desejo. É por isso que nenhum
Fantasia.
objeto pode satisfazer uma Demanda. Quando se fala de perda do objeto, a
um
linguagem nos leva a pensar que um objeto teria sido perdido; mas a
verso.:e
questão é que o desejo é o efeito de uma falha que existe necessariamente
hes, e
entre dois siqnificantes, efeito da falha e não da falta de algo. Um objeto
foi suficiente;
se precipita nesta falha, na medida em que este desejo se transforma
~saber.
em Demanda.
Mas não há um objeto primeiro que teria sido perdido. Todos os objetos
são segundo em relação a uma falha, que é um fato de linguagem e não o
efeito de uma privação. Está claro?

URANIA PEREZ - Sim, mas ainda me fica uma questão sobre


o indeterminado.

CONTARDO - Sim. O lado indeterminado deste objeto ... Creio que o que
define a Demanda do Outro, aquilo contra a qual elaboramos nossas defesas,
é justamente que não sabemos o que o Outro quer de nós. Por isso a
defesa é sempre a suposição de um saber sobre o que o Outro quer de nós,
e, portanto, para poder determinar o objeto.

? - Na esquisofrenia haveria uma primazia da alucinação sobre o dei írio e,


na paranóia, do dei írio sobre a alucinação, exceto na alucinação
auditiva. Pelo que posso acompanhar do que Lacan coloca a esse respeito,
devemos ler as alucinações como auditivas ...

CONTAR DO - Sim. Mas sobretudo ele disse, se me lembro bem no


Seminário sobre as psicoses, que a alucinação auditiva é de natureza
totalmente diferente em relação às outras alucinações. Você está de acordo
com isso? Por que é de natureza diferente? Porque, creio, as alucinações
auditivas são a voz do pai que ressoa no real, isto é, a primeira
manifestação do retorno de um pai simbólico, mas de seu retorno no real,
já que se o ouve. Quanto às outras alucinações, particularmente as
visuais, são o surgimento, sempre no real, da posição objeta I do sujeito.
Portanto, é mu ito diferente.

Na paranóia, o sujeito, por escapar à sua própria posição objetal, não escapa
à voz do pai. É por isso que na esquizofrenia as alucinações visuais têm
a primazia. ~

Uma segunda observação: há fenômenos alucinatórios na neurose. Em geral,


trata-se quase sempre de fenômenos alucinatórios auditivos. Isso vai no
mesmo sentido.

AURÉLIO SOUZA - Esse é um tema que várias vezes tem sido objeto
de discussão. É o que fenomenologicamente se apreende, num certo
momento de um paciente, e de um paciente histérico, que faz um quadro de
loucura. Ele exibe certos fenômenos que sugerem uma psicose. E na
psiquiatria existe uma facilidade para se classificar como psicose histérica. Eu
56 tenho sempre me colocado contra isso; trabalhando dentro de um critério de 57
objetos estrutura, eu acho que não é pertinente, desde que as coisas não
t e não o passariam por aí.

Quando você fala da possibilidade de alucinações no neurótico, a questão


que eu coloco é de se o que retorna efetivamente, para produzir uma
alucinação que vou chamar primária, essa alucinação verbal, é o pai que
fala no real?
o que o que
ssas defesas, CONTARDO - Sim.
;0 a
sr de nós, AURE:LlO SOUZA - As outras alucinações são, poderíamos dizer, uma
consequência dessa desorganização da estrutura. Nesse momento, o
sujeito psicótico pode ter alucinações visuais, cinestésicas, etc ...tporque
dehrio e, se destroça toda essa organização de início, estruturada à partir
da fase do espelho ... Eu não entendo quando você fala da possibilidade
respeito, da alucinação na neurose, a não ser que sejam fenômenos de crença,
quando o histérico pode encontrar esse objeto real.

no CONTAR DO - Sim. Mas dizer que há fenômenos alucinatórios na


za neurose, para uma cl ínica estrutural, não tem nada de contraditório, já que
je acordo não dá para fazer diagnósticos a partir de fenômenos, e sim de estrutura,
nações ou seja, a partir da transferência. Da mesma forma que podemos dar
diagnóstico de psicose na ausência de fenômenos psicóticos, podemos
no real, reconhecer fenômenos alucinatórios na neurose.

jeito.
A meu ver, quando isso se verifica, tanto na alucinação auditiva da obsessão
(ouvir realmente), quanto na alucinação visual da histeria, acho que deve

t;;,
tão escapa
acontecer algo como isso: o sujeito neurótico está em posição de dever fazer
apelo a alguma coisa do pai que não é simbolizado para ele.
/
Quero dizer, ele está submetido a uma injunção (é a minha hipótese no
momento), como um apelo ao nome do pai, mas que o força a se
Em geral,
referir a alguma coisa que não faz parte dos seus significantes paternos.
li no
Nesse momento, o que se verifica é um efeito de retorno no Real
que não investe na estrutura - já que está bem estruturado em redor
ojeto do pólo paterno - mas que tem toda aparência de um fenômeno psicótico.
to
quadro de AUR E:LlO SOUZA - Eu gostaria de colocar outra questão sobre isso,
1a que quando você fala na possibilidade de alucinações na neurose
istérica. Eu obsessiva, eu me pergunto se o neurótico obsessivo percebe que
critério de 57 não tem (pelo menos na maneira como eu defino a alucinação) esse caráter
cinestésico de alteridade, quer dizer, por mais extravagante que seja,
no pensamento que o parasita, ele sabe que é um pensamento que sai dele.

CONTAR DO - Sim, estou de acordo, não se deve confundir idéias


obsedantes com alucinações.

Penso em um caso único, que me levou a acreditar em uma verdadeira


alucinação, aliás indistinta. Era o caso de um paciente obsessivo, que
um dia, no sanitário, tinha ouvido um murmúrio confuso e múltiplo,
de vozes que subiam.

Vocês sabem que, mu itas vezes, é pelo murmúrio que uma alucinação
auditiva começa. Na idéia daquele paciente, esse murmúrio era uma voz que
vinha do sanitário (ele não acreditava nisso no sentido da crença, mas, era
uma teoria infantil: o sanitário se ligava com o mundo dos mortos). Ele
tinha ouvido o murmúrio, e eu pensei que era uma verdadeira alucinação, já
que isso acontecia num momento especial de sua vida (uma situação de
vaudeville). Ele tinha voltado para casa e tinha encontrado sua mulher
na cama com outro; sua reação tinha sido de se trancar no sanitário
e, naquele momento, ouviu o murmúrio. Creio que ele fazia apelo a algo
do pai que não podia responder, porque ele próprio era filho abandonado de
pai desconhecido, e tinha de sua mãe uma opinião bastante med íocre.

Mas estou inteiramente de acordo que não é frequente haver uma


verdadeira alucinação na neurose.

58
~seja, 3. Nosografia - Seria possível uma
tue sai dele.
Nosografia Psicanalítica?
éias

ladeira
, que
tiplo,

nação
rrna voz que
, mas, era
JSl. Ele

ucinação, já
scão de
urlher
mo
o a algo
Indo nado de
íocre.
Conferência realizada em 27.07.86, Salvador, 8ahia.

Eu queria acrescentar duas observações ao que falei ontem à noite, à


respeito das psicoses.

A primeira, bastante breve - não sei se insisti o suficiente nisso - é que


segundo o nosso raciocmio. a psicose é uma estrutura. Isso, de certa maneira,
é óbvio.

o segundo ponto sobre o qual eu queria voltar é a respeito do apelo ao


nome do pai, para sublinhar algo que, para mim, ainda não é simples
e sim bastante enigmático. Entende-se no apres- coup o que é o apelo ao
nome do pai ... darei um exemplo.

Cuidei de u~ paciente argentino cuja crise psicótica tinha sido desencadeada


na morte do irmão primogênito, quando sua mãe lhe escreveu (ele estava
na Europa naquele tempo): "Volte, seu irmão morreu, e agora você é o único
homem da família". Vê-se muito bem o que isso significa, chamar alguém
para revezar, tomar o revés fálico.

Há uma questão que fica ainda suspensa para mim: porque um sujeito
psicótico de estrutura pode atravessar toda a sua dolescência sem crise e, de
repente, aos quarenta anos, no momento de u ma pequena promoção no
seu trabalho (que lhe dá um pouco mais de responsabilidade, por exemplo)
porque é nesse momento que uma crise se desencadeia? Porque este apelo ao
nome do pai e não um outro antes? Acho que não tenho absolutamente
nenhuma resposta a respeito, mas é uma questão com a qual
deveríamos trabalhar juntos.

A terceira observação que eu queria acrescentar é a respeito do retorno


do pai no real.

Vou Ihes dar um exemplo que me ocorreu que, como todo exemplo, é
evidentemente inadequado, mas que talvez possa melhor explicar o que eu
entendo com isso. Opai que retorna não é o pai real, mas o pai simbólico
com seus corolários imaginários, só que ele retorna no real.

Bem, suponham este exemplo: tomem alguém como nós, a quem se faria a
injunção de se referir a Buda. Se ele for um neurótico, pode perfeitamente
se tornar budista e mudar de sistema de referencias. Por quê? Porque
61 justamente todo interesse será de poder se servir do valor fálico, que é um

..
valor de intercâmbio. Ele vai simplesmente mudar de sistema de valores,
organizando esse sistema em relação a um significante, que dá sua
significação a todos os outros. Isso porque o falus é um valor de troca.

Por isso nós, os neuróticos, podemos, por exemplo, mudar de idéia, suportar
muito bem a contradição, podemos dizer a alguém "sim, errei, você está
certo", porque não está em jogo o nosso ser. O importante é que haja
alguma razão.

Suponhamos que essa injuncão "torne-se budista", incida num sistema que
não é organizado em torno de um significante, algo como o que eu dizia,
do saber de defesa do psicótico. O que vai acontecer será a necessidade,
para esse sujeito, de organizar significantes que ficarão os mesmos em torno
de Buda, mas sem que se mude de sistema. Quero dizer que os
significantes vão permanecer os mesmos, mas terão que se organizar em
torno de um significante estranho a esse saber.

Isso resulta em uma metáfora estranha, que chamamos delirante, já que é a


tentativa de constituir um sistema orientado em torno de um significante.
Esse significante está no real, portanto não está Iigado aos outros. Não sei se
esse exemplo pode esclarecer o que disse ontem, pelo menos o tanto
quanto eu desejaria.

Agora, gostaria de tirar as consequências, na prática, do esquema que


tínhamos constru ido ontem. Dividimos o esquema em duas partes; a
esquerda é o lado do Outro e a direita o lado do sujeito. Partimos dessa
idéia de que primeiro haveria, no lado do Outro, desejo; desejo pelo'
simples fato de que há linguagem. Do lado do sujeito haveria, eu digo, nada,
ou seja, seu corpo como real, o objeto "a" como real. A questão é
exatamente colocá-I o na relação com este efeito desejo na linguagem.

Na linguagem como tal, se há desejo no Outro, será forçosamente entre dois


significantes e isto quer dizer que um é o saber do outro; isso já basta
para que uma primeira metáfora se opere (haveria saber). E esta primeira
metáfora - eu insisto - é um simples efeito de linguagem, e não
uma operação do sujeito.

Se há, portanto, um saber sobre esse desejo, uma metáfora é possível, dando
ao sujeito um rnínirno de significação x , a possibilidade de habitar a
linguagem ou, melhor dizendo, ser habitado por ela.

62 63
alores, Mas acrescentamos logo que a consequência desta primeira metáfora é que se
há um saber sobre o desejo no Outro. esse desejo pode ser uma Demanda. E
'oca com relação a essa Demanda, somos realmente algo, algo de indeterminado,
porque essa Demanda, ela própria, é indeterminada, ou seja, é total.
3, suportar
:ê está Esse ponto é muito importante - já o vimos - porque acho que é com
laja relação a essa Demanda (que conhecemos na experiência cl (n ica,
notadamente a da angústia) que as estratégias de defesa se organizam. Deixo
de lado a estratégia autrstica, que não é propriamente uma estratégia de
)
ema que '-' defesa, mas uma estratéqia de lástima, no sentido de lástima por ter nascido.
Jdizia,
íaoe. Vou tomar somente as estratégias neuróticas e psicóticas. repetindo essa idéia
em torno de que para mim, nos dois casos, se trata de defesa. Defesa fundada sobre
o mecanismo da metáfora, isto é, repetições da metáfora através de uma
Ir em suposição de saber que vai permitir determinar essa Demanda.

o saber suposto pelo neurótico é um saber que vai dar uma significação
I que é a particular, a fálica, porque é um saber sustentado por um sujeito suposto que
'icante. chamamos de pai. Um sujeito a quem supomos, quase sempre, um
~ão sei se saber sexual. Isto tem como consequência que o neurótico terá que Iidar com
o uma Demanda do Outro, determinada pelo saber que ele supôs ao pai, no
quadro sexual edipiano. Em relação a esta Demanda ele pode praticar o
fantasma enquanto objeto determinado.
Je
a Do lado da psicose, o saber suposto pela operação de defesa tem, na minha
opinião, esta particularidade, eu diria, positiva, de ser um saber que não é
essa \
) . organizado em torno de um significante, Um saber ao qual um sujeito não
jo, nada, é suposto - um saber total e não parcial. Eu disse de maneira um pouco
ilustrada, que o concebo como um tipo de envelope de escritura em torno do
n. próprio mundo. É como se esse saber fosse para ser lido diretamente nessa
Demanda. Não há o terceiro que a dominaria: a própria Demanda
entre dois deve ser legivel.
.ta
E vocêsvêem que a defesa neurótica vai do lado do dormnio da Demanda
neira
do Outro, graças ao recurso a um terceiro, enquanto que a defesa
psicótica não está do lado do dorrunio e sim do lado do saber.
Evidentemente esta é toda a fraqueza e, ao mesmo tempo, todo o lado
simpático do psicótico.
~I,dando

URANIA PEREZ - O que poderia determinar o desencadeamento de uma


defesa ou outra? .

,.
CONTARDO - A escolha, o que decide a escolha ... a primeira resposta que
( me vem é que seria algo que já estaria no Outro. Mas o ponto é
absolutamente delicado, porque o termo escolha não é usado ao acaso.
~ O próprio Freud fala de escolha da neurose. É uma questão importante porq
podemos perguntar como, em psicanálise, onde verificamos uma
determinação simbólica muito forte, como e porquê podemos falar
de escolha.

De minha parte eu resolvo essa aporia da segu inte forma: se nós não
considerarmos que numa anál ise a responsabi Iidade do paciente está engajada,
é impossível conduzir a cura. Então devemos manter juntas essas duas
coisas contraditórias: o paciente é objeto de um destino; de certa forma
o que ele se tornou já estava escrito, porém, pelo seu destino ele é
responsável. Não é fáci I, mas há que se encarar os dois aspectos.

Então esta consequência, como vocês verão é, para mim, muito importante
na prática: o saber de defesa psicótico é uma espécie de película que envolve
a própria Demanda, contra a qual esse saber deveria defender o sujeito.

Ainda duas observações sobre este esquema, algo que já dissemos: tal
esquema tem o interesse de mostrar que sintoma e fantasma são
estreitamente Iigados, já que à cada ve~ o que decide o enodar fantasmático
é a determinação simbólica, ou seja, o saber que comanda o sintoma.
I

Não pode haver, portanto, anál ise do sintoma e anál ise do fantasma, pois se
trata da mesma coisa. Porque, como já disse, o trabalho do sujeito está
sempre no sentido de uma homogeneização do seu ser e do Outro. Do lado
do sintoma esta homogeneização é "real izada" no simból ico e do lado do
fantasma é "realizada" no imaginário *

É por isso que sintoma e fantasma são duas faces da estrutura, dando da
estrutura sua definição a mais ampla, isto é, a relação de um sujeito com o
Outro; o estado possível, para ele, dessa relação. É esse estado que a
transferência evidencia experimentalmente para nós.
~

Falo transferência num sentido um pouco mais amplo do que o sentido que
se lhe dá quando se fala da transferência como colocação em jogo do
sujeito suposto saber. A colocação em jogo do sujeito suposto saber
concerne somente a transferência neurótica, quer dizer, a única que se
deveria chamar normalmente de transferência.

64 • N. da R. Aspas do autor. 65

-:
/
posta que Eu prefiro falar de transferência de um modo mais amplo, mesmo, por
exemplo, no caso das psicoses. E certo que o psicótico se dirige a nós como
aso. o sujeito que sabe; nóssomos os que sabem e ele se dirige a nós como se
ante porque estivéssemos nesse lugar, já que o saber para ele está no lugar dessa Demanda,
o saber envolve esta Demanda. Prefiro falar de transferência também
nesse caso, porque a .partir dessa relação que o sujeito estabelece quando se
dirige a nós, é que o diagnóstico se torna possível em psicanálise.

Como já disse, há diagnóstico a partir da transferência. Por isso, um esquema


engajada, tão árido como este - ao contrário do que podem pensar, por exemplo,
Jas os psiquiatras - não é absolutamente uma abstração teórica e sim uma
rma escritura imediata daquilo que fundamenta a nossa clínica. Por qú~'7

Porque a psicanálise é uma clínica estrutural, não no sentido de que


deduz ir íamos, de certos fenômenos objetivados, o fato do sujeito pertencer a
ortante I determinada estrutura, mas no sentido de que damos nosso diagnóstico
3 envolve diretamente, a partir daquilo que a transferência evidencia da estrutura.
sito.
r E~por isso que podemos dar um diagnóstico de psicose, mesmo na ausência
31 de todo fenômeno psicótico. ou seja, simplesmente a partir da maneira
como o endereçar do paciente nos situa.
srnético
3. o mais importante no ato diagnóstico, a meu ver, é considerar certamente
não tanto o que diz o paciente, nem de onde ele faía, mas sim onde ele
, pois se me situa quando fala, de onde é que vou poder lhe falar. Se nôspodemos
sté marcar de onde ele nos deixa a chãriCêde lhe falar, então saberemos 10 o ue
)0 lado transferência e eiza.
do do
/ A questão, por exemplo, de decidir entre neurose e psicose, poderia assim se
\ formular: será que posso dirigir-lhe a palavra de um lugar terceiro ou não?
o da
com o Se a cena na qual ele nos coloca é binária, a transferência que ele organiza
a é psicótica. Por isso a meu ver, as intervenções do analista não devem ser
refletidas. O analista deve prestar-se ao engano, com a ressalva que mais 7
tarde, esclarecerei, da transferência.,Deve responder de lá mesmo onde está -I

tido que forcado a responder. Considerando o que podemos dizer, será possíve r J

o a meu ver, entender onde nos situa o discurso do paciente e então


dar um diagnóstico.
se I
Agora a questão mais importante de hoje: se as estruturas (não somente as
estruturas neurótica e psicótica. mas também as três articulações histeria,
65 obsessão, neurose de base e, naturalmente, a perversão, que deixei de lado no
esquema); se essas estruturas não são transitivas, ou seja, se para um sujeito
o fato de pertencer a uma estrutura é inalterável, se não é pensável passar
de uma estrutura a outra, então de que serve uma psicanálise?

Não vemos porque ela serviria para mudar de estrutura, já que a


psicanál ise não supõe nenhuma forma de normal idade. Não se tem certeza
de que se possa ganhar algo mudando de estrutura. Fico sempre surpreso
quando se considera a neurotização de um psicótico como uma coisa boa,
além do que isso é impossível.

~ engraçado que se pudesse ter acreditado nisso, que analistas acreditassem


ser possível se colocar nesta posição de simbolizar o nome do pai para um
sujeito psicótico. Esta é um efeito da transferência psicótica, ou seja, os
pacientes é que os colocavam numa tal posição que, para estar nela, só se
considerando deuses.

Mas, enfim, se uma psicanál ise não serve para mudar de estrutura, qual é
então o seu alvo?

Minha resposta - vou dá-Ia logo e depois esclarecerei o que é, para mim,
o movimento de um tratamento - é que acredito que a psicanáLise
atinge a nece i ELdedefesa como tal (não a defesa, mas sua necessidade).
Minha idéia é que experiência de uma psicanál ise leva a esta constatação,
constatação que não está no registro do saber mas no da experiência - o
que é muito diferente - de que a operação de defesa não é necessária.

~ Isso não quer dizer que vamos poder abandonar as estruturas às quais as
defesas nos conduziram. Mas o sujeito vai poder estar na sua estrutura, como
num destino, cuja necessidade não é mais fundada pela operação de defesa.

E uma mudança, para mim, considerável. Tão importante que essa


experiência me parece rad ical mente insubst itu ível para se ser anal ista.

Creio - para explicitar o que acabo de dizer - que numa análise, (tomemos
o caso de uma análise de neurótico) há dois movimentos, que não são
Iineares, não se sucedem, um não precede o outro," mas são dois movimentos.

Um primeiro movimento é a redução do~ntoma ao seu núcleo sexual, a


redução desse saber su osto do..pai (como diz Lacan "a versão.do pai") ao
se1.Lkeme.. sso já é algo que perm ite uma certa economia do sintoma, um
movimento que tem valor terapêutico certo.
66 67
ujeito Se a anál ise se limitasse a esse tipo de trabalho ... Deve-se observar que até
ssar a época onde a prática de Lacan lhe permitiu elaborar o Seminário XI, a
análise era isso. Lacan tinha razão de dizer que era preciso conceber o
fim da anál ise como uma identificação ao sintoma. (Na verdade, ele disse
isso depois do Seminário XI, e talvez com um sentido diferente, mais
'teza próximo do que vou propor mais adiante). Isto significa que uma vez
asa reduzido o sintoma ao seu cerne necessário, só restaria identificar-se a ele,
coa, ou seja, conviver com ele. Sempre o melhor a fazer como sintoma - uma
vez que está reduzido ao seu cerne - é tentar se virar com ele.

ssern Lacan, a esse respeito também, acrescentou - eu até diria, descobriu - algo
um essencial, ou seja, que a redução do sintoma ao seu núcleo é absolutamente
IS
impossível pelo viés de uma hermenéutica. Por que? Se para reduzir o
Ise sintoma ao seu essencial, ou seja, se, para reduzir ao essencial o saber
suposto que nos comanda, usamos algo que é um saber, então não
poderemos senão acrescê-Io. O saber que vamos fornecer ao paciente dentro
é de uma hermenêutica interpretativa vai se acrescentar ao saber que comanda
o seu sintoma, e o resultado de um trabalho hermenéutico será então o
acréscimo do sintoma. Inclusive o que chamamos a interpretação
1,
significante: se ela se tornar uma hermenêutica, terá exatamente o
mesmo resultado.
adejo
ío, Dizer a alguém que, ao esquecer seu guarda chuva, está perdendo seu pênis,
o é da mesma ordem que dizer ao perder seus sapatos (chaussuresl. que
está perdendo coisas seguras (choses súres). É sempre uma hermenéutica. Por
isso a interpretação significante está sempre, como dizia Lacan, no registro
do mal entendido, ou seja, ela não deve chegar como saber, pois seu efeito
como só tem interesse na medida em que racha o saber.
esa.
Isso não significa, diga-se de passagem, que, numa análise, não sejamos
levados a produzir interpretações hermenéuticas - nós o fazemos sempre,
de uma maneira ou de outra. Se uma interpretação hermenêutica tem um
efeito - um efeito na redução do sintoma - não é graças ao saber que ele
mos produz e sim ao lugar ativado na transferência, por nossa enunciação.

ntos. Pensem, por exemplo, no que chamamos de intervenções paradoxais, ou seja,


as que vão no sentido do sintoma - são tão eficazes porque ativam na
transferência, um lugar não ouvido.
30
"I Uma amiga (eu posso falar disso porque ela falou muito dessa intervenção
de l.acan). ao fim de uma sessão particularmente dramática, saiu do
67 consultório de Lacan e, na rua sentia-se extremamente mal. Então, subiu
novamente (vocês sabem que Lacan era de uma disponibilidade absoluta) e
disse, "depois de tudo o que acabo de dizer, tenho impressão de estar
fedida". E Lacan respondeu "não é uma impressão, você está fodida". Isso
lhe fez um grande bem. O que é lhe fez bem? Não foi a transformação de sua
impressão em um saber e sim que pôde ouvir de onde veio este enunciado
"você está fedida".

Vocês vêem o quero dizer: mesmo uma intervenção, que pode parecer
hermenêutica, tira o seu valor não do saber produzido, mas do lugar ativado
na transferência.

t preciso considerar essa redução do sintoma ao seu cerne - eu usei este


exemplo no meu livro - como o mapa de uma cidade, sendo o sintoma algo
como o plano da cidade com suas contramãos e sentidos obrigatórios.
Simplificar o sintoma significa conduzir o sujeito pelo caminho mais simples;
não é necessário, para ir daqui pra ali, seguir aquele percurso. Podemos
reativar lugares que vão permitir tomar o caminho mais curto, ou seja,
fazer economia do sintoma.

Voltaremos, talvez, na discussão, a falar do primeiro movimento ... Mas o


específico da anál ise seria o segundo movimento, o que vai além da

I
identificação ao sintoma como firrr possivel de um tratamento, (ou
talvez à uma identificação ao sintoma de outro tipo, da qual fala l.acan).

Uma vez que o sujeito esteja no essencial do seu si~oma (e mais uma vez,
a questão não é uma sucessão temporal), nossa tarefa será levá-to a-uma -
experiência na qual ele constatará que a necessidade do seu sintoma
pode nã~star ligada a uma operação de defesa, repetindo, nossa tarefa
será de esvaziar essa inchação - inchação que é a Demanda imaginária do
Outro.

Sigam a lógica desse raciocin io pois dissemos que é contra essa Demanda,
que é um efeito de linguagem, que a defesa organiza as estruturas.~a,
essa Demanda, sabemos que não é sustentada por nenhum sujeito, mas
e eito imaginário do simples fato de que há linguagem. Aqui, no início,
hão há um sujeito que fala, há "isso fala", e é simplesmente porque
"isso fala", "isso murmura", que Desejo aparece e, aparece porque
quando "isso fala", é entre dois significantes. A Demanda que nos persegue
é um efeito imaginário desse Desejo. ...

68 69
Iluta) e Então, atacar a necessidade da Demanda significa levar o sujeito a essa
r constatação, que atrás desta Demanda há um simples acidente
'. Isso de linguagem. E nada mais.
o de sua
:iado Vocês já compreendem, que a esse respeito, o fim de análise não é uma
experiência alegre, porque é sempre terrivelmente decepcionante constatar
que, onde nós mais tem/amos. não havia ninguém; constatar que o
r significante que produz esse Desejo não é o significante do Outro e sim
uivado do Outro barrado, quer dizer, não representa um sujeito, a não ser por um
efeito imaginário.

ste Não se deve confundir isso, na clínica, com o efeito depressivo que pode ser
ia algo induzido pela redução do sintoma ao seu núcleo, pois quando se renuncia
a seu sintoma há sempre um trabalho de luto a fazer (gostamos do sintoma)
.irnples: e além do mais (voltarei em detalhes para ver como isso acontece) no ,
I
IS momento de uma anál ise no qual o sujeito se encontra confrontado a essa
Demanda, então sua posição pode muito bem ser depressiva. Acho muito
importante não confundir essa posição depressiva, próxima da angústia,
(do seu abandono objetal à Demanda do Outro), com o efeito
as o também depressivo da despersonalização produzido pelo fim de uma análise.

Vocês compreendem o efeito de despersonalização: se no fim da análise


n). a experiência em jogo é a que está escrito ( ~ . a) no esquema, os dois
heterogêneos do inicio (real do corpo (a) e linguagem) ( S ) são
tez, confrontados sem que o imaginário estabeleça a rrunima homogeneização
a - entre os dois termos heterogênos. Então é absolutamente normal que
o sujeito se encontre despersonalizado. Porque, primeiro, nesta posição
ele não tem nenhuma significação e mesmo nenhuma determinação
ªdo imaginária do valor objeta I do seu corpo. Deve-se ver que, felizmente,
essa experiência é absolutamente pontual; se demorasse, a psicanálise
produziria aleijados. Ela é pontual no sentido em que o sujeito
ja, volta muito rapidamente à sua estrutura, ao seu destino, mas retendo
dessa experiência algo que, para mim, tem um efeito duradouro: que a
operação de defesa não é necessária, pois a Demanda contra a qual essa
defesa opera é uma inchação. Isso é um efeito duradouro.

Constata-se que não se fica mais disposto a pagar qualquer preço por um
sque sintoma, por exemplo, mas também poder íamos dizer, por um fantasma. que
não é uma necessidade vital de defesa.
/'
"" Há um efeito a mais, que talvez seja possível para o sujeito: produzir atos,
69 atos verdadeiros. O que isso significa? Significa ser produzido por um
significante que podemos chamar de novo, que não seria um simples
efeito de determinação de seu sintoma. Para colocar as coisas assim: ele
vai poder ser produzido por um significante que não é um efeito retroativo
do saber que determina o seu sintoma, mas por um significante que está
fora de sua determinação.

A mesma coisa pode ser dita para o fantasma: ele talvez vai poder - como
dizia Lacan - inventar uma nova perversão.

Agora, a questão que vem: como se ultrapassa essa barra de defesa? Como
um sujeito pode, em suma, em determinado momento, sair do horizonte
da determinação do seu sintoma, para nos permitir conduzr-lo a uma
experiência de esvaziamento dessa inchação? Só posso Ihes dizer ai alguma
coisa de inteiramente singular ... porque vocês compreendem bem que tudo
o que disse é forçosamente muito abstrato, pois isso não pode funcionar
em absoluto como caminho normativo para o fim de análise. Cada um
vai lá como pode.

Na minha experiência, parece-me que quando essa chance de uma análise


terminada pode se produzir - chance bastante rara - produz-se do
seguinte modo: é quando nessa redução do sintoma a seu núcleo,
a transferência nos oferece a chance de poder fazer ressoar
um significante, que se apresenta para o sujeito como o significante
./ que faz do Pai um sujeito. O significante que produz o sujeito que é
suposto ser o sujeito deste saber. (S2 em baixo da linha da Defesa).

Creia que neste momento o sujeito pode medir, às vezes, a parcialidade da


, sua defesa, e se confrontar com o caráter exorbitante da Demanda do Outro,
{ que excede em muito a sua defesa.

O que acontece na transferência naqueles momentos excepcionais-


pelo menos na minha experiência - é que nós nos confrontamos com essa
Demanda, de outra maneira que não com anqústia. Por que de maneira
diferente da angústia?

Porque essa Demanda é encarnada pelo analista. Na direção da cura, é


preciso se lembrar daquilo que Lacan nos repetia frequentemente: se-
Tirésias é um oráculo, também ele tem mamas, (é Apollinaire que dizia que
ele tinha mamas). Uma maneira de lembrar que há um momento, na
cura, no qual é preciso saber jogar com isso: a transferência nos atribui um
lugar imaginário do qual não podemos fugir. Trata-se, justamente de encarnar
70 este lugar, para esvaz iá-Io. A responsab iIidade do anal ista é engajada 71
~
!S sobretudo nesses momentos. Ele aceitou estar neste lugar, encontrou meio
: ele de fazer aparecer, dele, o artefato imaginário que este lugar é.
rtroativo
! está A meu ver, e mais uma vez na minha experiência, no fim desse esvaziamento,
as coisas vão se inverter. O sujeito vai estar do lado daquele acidente de
linguagem para encontrar, no analista, o absurdo de um objeto real,
-como proposto não a uma Demanda e sim a um jogo de linguagem. Isto sanciona
o fim da análise, no sentido em que, naquele momento, não se vê
absolutamente o que poderia reunir aquelas duas coisas.
Como
zonte Aliás, essa experiência é tão duradoura que, uma das dificuldades de uma
ia análise uma vez terminada é recomeçá-Ia, pois as condições talvez não
alguma sejam mais reunidas para que a relação de um sujeito ao Outro, de um sujeito
que tudo que atravessou o fim de análise, lhe permita organizar transferência.
ronar
Jm E por isso, vocês sabem, que Lacan inventou o processo do passe, ou seja,
para alguém, após o fim da análise, poder falar dela; a dificuldade é criar
condições justamente para que haja transferência para ele. Podemos
nálise concordar ou não com o processo inventado por Lacan (afinal pode ser um
detalhe); importa que sua questão a esse respeito é totalmente pertinente.

E, já me aconteceu uma vez, de levar uma anál ise até o seu fim verdadeiro
sem que tenha tido tempo de reduzir o sintoma a seu núcleo, quer dizer, de
aproveitar rápido demais a oportunidade que me foi dada, que é tão rara,
de terminar aquela análise, de levar o sujeito àquela experiência. É muito
chato, porque o sujeito poderia justamente pretender, com toda razão,
íade da a uma simplificação de seu sintoma, mas de certo modo a continuação
do Outro, da análise depois do seu fim, se tornou para ele impossível.

Gostaria agora de atrair sua atenção sobre o fato seguinte: numa cura de
psicótjco, não há redução de sintoma, porque vimos justamente que o
m essa saber de defesa psicótico não é parcial - é total~l.~ra de psjcótico,
eira nós estamos, logo no início, no lug_ Demanda, o I gar im.ag.imírio;
e o trabalho e o mesmo o se undo movimento de uma cura de neurótico.

No entanto, sustento que esse trabalho é inteiramente possível: levar um


psicótico à experiência da não necessidade da operação de defesa possível
izia que conseguir esvaziar a Demanda do Outro, levá-Io até o fim de sua análise,
3 O chato é que não sei como. Não sei como, porque cada vez que eu tive a
bui um impressão de que isso tinha acontecido comigo (aconteceu duas vezes,
3 encarnar considero muito), sempre me aconteceu por acaso.
I 71
Creio que é o mesmo "acaso" do qual falávamos há pouco a respeito do
nome do pai, ou seja, que não é absolutamente o acaso, só que não sei porque
isso se sucedeu comigo.

Vou Ihes dar um exemplo, de um daqueles pacientes, que estava na vertente


paranóica (para considerar as três psicoses das quais falávamos), e cujos
sintomas por assim dizer, maiores, eram hipocondríacos. Foi assim traduzido
num Iivro coletivo do ano passado, no qual há um texto meu de juventude
sobre hipocondria, que escrevi na época em que eu via este paciente.

Ele tinha sintoma hipocondríacos, até síndrome de Cottard ... Eu o estava


vendo durante mais ou menos seis meses, e não acontecia nada de decisivo,
claro, exceto que era uma pessoa muito simpática e inteligente. Era
alguém que vinha das Antilhas Francesas e, depois de um certo tempo, ele
me disse, "já que é assim, eu vou voltar para minha terra, afinal de contas é
melhor ficar doente na minha terra" (ele estava na França há dois anos).
E eu disse "muito bem". Eu não estava vendo suficientemente o que
estava fazendo, para dizer "não, fique aqui".

Então ele foi embora. Dois anos após (aconteceu que eu tinha mudado
minha manhã de folga), às 8, 30h da manhã eu tomava meu café,
pouco vestido, quando buzinaram na porta. Fui abrir pensando ser o
carteiro, mas era aquele rapaz. Eu lhe disse"mas o que está fazendo aqui",
ele respondeu "é hora da minha sessão". Era verdade, dois anos antes, seria o
horário de sua sessão. Recebi-o. Esse evento completamente imprevísivel -
vocês vêem muito bem em torno do que isso gira - significa que ao
mesmo tempo em que, por sorte, eu estava lá, não estava esperando por ele.

Mas foi a partir daquele evento que me foi possível - e para ele também -
poder Iidar com esta Demanda. Vocês vêem que sorte, eu estava lá mas
não o esperava. Isso teve consequências sobre minha prática de um modo
geral; ou seja, com pacientes psicóticos. por exemplo, não dou mais
encontros marcados. Eles sabem minhas horas de atendimento e escolhem
eventualmente dias, mas não vêm em horas fixas. Só pude me felicitar por
essa decisão, quer dizer, deixá-Ias neste sentimento de que eu estou
aí mas que, de certa forma, não os estou esperando.

Além do mais, isso tem uma vantagem na prática cotidiana, a de criar um


pouco de suspense: quando vou abrir a porta para a sala de espera, não sei de
antemão quem vai aparecer.

72 73
Acrescento também que foi muito importante para aquele paciente, que
ue estava se formando em Matemática. Ele ficou totalmente curado. O
que chamo de curado é que ele pode viver muito bem sem ter entrado
numa neurose de empréstimo. O que ele fez com aquilo que poderíamos
considerar sua loucura? É isso, lidar com o seu sintoma: ele era
hipocondríaco, tornou-se manipulador em radiologia.
10
O que faz com que eu considere esta cura como um sucesso? Eu o vejo de
tempos em tempos, a cada 8 meses mais ou menos: ele vem me ver, por
simpatia; telefona-me e vem me ver. Portanto eu o encontro ainda, e
tudo o que ele pode dizer, me confirma esta idéia: se é verdade que ele pode
atravessar a vida "corretamente", não é a titulo de um valor fál ice. ou seja,
ele não se tornou um falso neurótico. E foi por isso, em decorrência do
"acaso" daquele encontro (que eu disse não saber como, porque não foi
previsto, e nem sei prever) que a destitu ição deste lugar da Demanda
do Outro foi possível.

O segundo exemplo, vou dizer brevemente: tratava-se de uma mulher


esquizofrênica, e o momento de reversão se deu quando ela atribuiu à
sua loucura uma síndrorne. a qual eu podia dizer, com certeza, que
necessitava de intervenção médica. Encaminhei-a ao médico. E este efeito,
que se impôs como uma destituição de uma parte do meu saber, foi o
momento a partir do qual a anál ise pôde virar.
o
E mais uma vez para exempl ificar o que é I idar com o seu sintoma, esta
mulher, cujo campo alucinatório era r iqu íssimo e dizia respeito ao espaço de
seu próprio corpo e ao espaço circundante, tornou-se urbanista. É da
mesma ordem.

Bem, podemos abrir a discussão pois já falei muito ... *

* *

* N. da R. - Da mesma forma que nos debates anteriores, o fato de haver participantes e perguntas
não identificados (distantes do microfone) não impediu a transcriçdo das respostas do A.utor, pelo
interesse que podem conter.
le

73 ** N. da R. - Pergunta refere-se à saída do lugar da Demanda e sua relação com a cura do neurótico.
CONTARDO - Nunca se sabe, de antemão. No caso de um neurótico,
parece-me que, no apres-coup. eu posso apreender porque isso foi
possível, enquanto que no caso de um psicótico, eu não posso, mesmo no
apres-coup.

E:uma questão importante, porque acho que um analista deve confiar em si


próprio, quer dizer, num tratamento é preciso ir adiante da forma como as
coisas vêm, como aparecem.

Não se pode prever suas intervenções e seus atos. Então, em que ele pode
confiar? Ele pode confiar no fato de que fez uma análise. É a ressalva da qual
eu falava, a respeito do prestar-se ao engano na transferência. Porque
o que faz aOsicão particular do analista, neste engano aceito, sua única
ressalva, é que p~r côntã própria eie fez a experiência desta Demanda
Cõfuo uma inchação. Creio que é a única ressalva, mas muito importante,
porque sem ela a análise se torna uma manipulação.

CONTAR DO - O que permitiria dizer que a psicose é uma estrutura fora do


disscurso, seria o fato de que, em todo caso, num estado de crise psicótica,
a transferência é inteiramente imaginária, ou seja, que a relação ao Outro
é uma relação a uma Demanda imaginária. Mas ao mesmo tempo - por
enquanto eu insisto nesse ponto - seria o fato de que fora da crise, o
psicótico se reporta a um saber organizado, mesmo se esse saber
não esteja organizado em torno de um significante.

Isso me importa muito, porque, como dizia, o que procuro é uma


aproximação da psicose que seja positiva, que não seja somente pelo viés da
forclusão do nome do pai (ou seja, pela negativa, que diria que não há
um significante do nome do pai).

O que me interessa mais, neste momento, é conseguir caracterizar um saber


de defesa psicótico fora da crise, caracterizá-I o não somente em relação à
falta do significante paterno, mas por si só.

E tento trabalhar, para fazer isso, com grandes escritores psicóticos, e


sobretudo com psicóticos fora da crise. Falei de Rousseau e Wittgenstein,
por exemplo, que são pessoas que se empenharam para enunciar esse

74 * N. da R. - Pergunta não identificado. 75


saber, mas não num dei írio, não num tempo de reconstituição de um dei írio
após crise. E isso que me parece o mais interessante, se quisermos chegar
a aprender o que é a psicose por si própria.

*
si
IS CONTARDO - O problema é que com pacientes que estão nesse tipo de
estado (psicóticos de estrutura fora da crise), e que estão escrevendo ...
Recordo-me, por exemplo que, pouco antes de sair da França, vi um jovem
psiquiatra que veio me ver com um manuscrito: era uma tentativa de
lual sistematização da organização do mundo. Deixou-me o manuscrito,
e veio me ver por esta razão: estava angustiado com a idéia do que poderia
acontecer se o seu manuscrito fosse conhecido. Eu o li, era muito
interessante; tratava-se de uma descrição do mundo, uma tentativa
extraordinária que continha um catálogo, que ele queria exaustivo, dos
objetos. Além disso, havia uma utopia da sociedade, organizada a partir
dos cinco sentidos do homem. Não era tanto um sistema delirante, porque
não era uma metáfora dei irante depois da crise como a de Schreber: era
um empreendimento de conhecimento, quer dizer, ele escrevia
do esse saber (S2 na metáfora psicótica).
I,

Ele me deu uma pista que podia me parecer como uma intervenção possível
para um analista; falou-me de seu sistema e, no fim, disse o que, para ele,
parecia ser a coisa mais importante "você entende, numa sociedade dessa
sem dinheiro, não haveria prostituição". Pensei, naquele momento, que
ele estava me dizendo por onde eu poderia intervir, mas não me
aventurei, porque o problema é que, se eu tivesse intervindo como se
intervem num caso desses, teria tido nove em dez chances de desencadear
uma crise. Como falar, estando seguro de que aquilo que se vai dizer não vai
produzir um efeito de apelo ao Nome do Pai?

Tudo o que eu fiz foi dizer que era muito interessante, que ele deveria
continuar. De qualquer modo há dez anos está escrevendo, e não há razão
para que ele não escreva até a sua morte. Então, eu não me sentia capaz de
tomar a responsabil idade de desencadear uma crise psicótica.

Por isso é muito difícil trabalhar com a psicose de estrutura fora de crise,
pois o risco de desencadeá-Ia está sempre presente. E por isso prefiro .
trabalhar com os escritores.

75 * N. da R. Pergunta não identificado

III
Mas acho essaquestão muito importante para nós hoje: conseguir cercar o
saber psicótico positivamente. Do ponto de vista dessesaber, eu não tenho
certeza que possamos dizer que se trata de uma estrutura fora discurso. *
Porque quando se diz que a psicose não funda um laço social, no sentido do
discurso, será que falamos da psicose de estrutura ou da crise psicótica?

Talvez a psicose não possa fundar um laço social a partir do momento em


que o fundamento do laço social é apresentado ao psicótico como uma
obrigação de passar pelo laço fál ico.

Existem pessoas- eu não compartilho de seu ponto de vista mas por elas
tenho estima - pensem na aventura de Laing, na Inglaterra, na formação de
comunidades psicóticas. Não compartilho absolutamente da ótica prática
deles, porque creio que uma coisa é respeitar o trabalho de constituição
do dei írio, e outra é empurrar a loucura, ou seja, fazer da loucura, da crise
psicótica, um ideal.

A idéia que eles tinham no início, porém, era que se podia fundar uma
comunidade psicótica; esta idéia foi retomada em muitos serviços na França,
nos apartamentos terapêuticos, onde cinco ou seis pacientes vivem juntos.
Isso não me parece desprezível.

o problema é que, até o momento, quando isso funciona, tem-se o


sentimento de que é sobretudo por um efeito de instrumentalização perversa
da condição objetal dos pacientes, ou seja, que se dirige aos pacientes de
maneira a transformar sua posição objetal em posição fálica imaginária.
Então, eles funcionam em relação a um saber que é aquele do mestre, que os
normaliza, e isso não é uma solução.

Mas, enfim, a priori, não tenho certeza de que a psicose não possa fundar
um laço social; claro que seria um laço social, para nós neuróticos,
completamente impalpável. Como conceber um laço entre sujeitos, cujo
caminho não seria orientado, que estariam todos numa indiferença - já
que no campo do saber deles não há um significante que dê a significação
a todos os outros e toda significação se equivale? A respeito da estrutura
psicótica fora da crise ainda ... tomem muitos sujeitos que a psiquiatria
chama de psicopatas. Para mim são, muitas vezes, psicóticos de estrutura.
Vejam a relação que eles têm com a delinquência: não é necessáriamente do
lado da perversao, pois eles não se tomam como seus próprios legisladores,
mas de certa maneira eles estão numa vida de R91'8~
ew.. que pode muito
~'Y
,
<.Ao.
. "
76 * N. da T. Hors-discours no original. 77
rcar o bem se assemelhar à delinquência. Será que 'entre esses sujeitos existe
tenho um laço social?
·so.*
itido do Para concluir, diria que para saber isso precisaria que eles pudessem viver
cal numa sociedade que não fosse dominada pelo sintoma neurótico,
o que é impossível.
toem
ma JAI RO GERBASE - Imaginei que sua investigação, neste sentido, poderia
ser também positiva e você chegasse a concluir que psicose não faz um
laço social, e encontrasse um instrumento para chegar a essa conclusão.
r elas Então imaginei que sua conclusão poderia ser duas; inventar um quinto
ação de discurso ou considerar entre os quatro discursos de Lacan um que
.ática desse conta da questão da psicose com o discurso. Que expectativa
ção você tem disso?
a crise
CONT ARDO - Eu não sei, pois estou esperando algo, prefiro nada prever;
tratar-se-ia de chegar à conclusão que a psicose não funda um laço social
na ou à idéia de um quinto discurso? Prefiro não me definir de antemão. Mas
IFrança, você tem razão em notar que se nós nos interessamos pela psicose sob
.intos. um ângulo positivo, essa pergunta está no horizonte.

CONTARDO - "Será que o neurótico pode se tornar um analista de


psicótico?" Eu penso que sim, porque justamente a análise o permite. Não se
perversa trata de realizar uma compreensão do tipo Jaspersiana, ou seja, de se colocar
!s de no lugar do psicótico - disso eu não seria capaz, além do que não
ria. seria um bom negócio.
e, que os
Creio que o mais importante para mim é o efeito que produz sobre a cura
dos psicóticos partir da idéia (talvez um preconceito) de que há um saber
mdar positivo, (S2 ao qual eles se referem) e que isso muda minha escuta. De
qualquer modo isso me libera da edipianização do saber em jogo.
cujo
- já Tomo, por exemplo, o livro de Wolfson que se chama Le Schizo et les
cação langues, vocês conhecem a história: alguém que se encontra na
rtura obrigação de traduzir simultaneamente sua língua materna e de traduzí-Ia
itria de uma maneira particular, já que se deve respeitar o sentido, mas
rtu ra. também o valor fonemático.
lente do
adores. Os analistas que falaram desse livro, se lançaram no sentido do Édipo, ou
rito seja, tratar-se-ia da Iíngua da mãe; quando ele a ouve, faz uma crise de
bulimia já que se coloca em jogo a figurada mãe devoradora ... Na minha
77 opinião, quem viu da maneira mais certa não foi um anal ista e sim
Deleuze, que escreveu a introdução desse texto em francês; ele acentua,
insiste, sobre o fato de que Wolfson foi transformado em
máquina de traduzir.

Eu não sou fanático do Anti-édipo de Guattari e Deleuze, mas eles tiveram


o mérito de dizer isso: quando se escuta um psicótico a primeira coisa é
confiar no que ele está dizendo, considerar que ele se encontra no
spaço de um saber que não vale só pela falta do significante paterno;
temos que escutar esse saber não como uma caricatura de Édipo
falido, mas como um saber positivo.

Creio que nunca teríamos interesse em reter toda essa hermenêutica edipiana
como na psicose e isso, penso, o analista pode fazê-to mesmo sendo
neurótico.

? - Você disse que uma pessoa com estrutura psicótica poderia se tornar
analista desde quando tivesse atravessado o fim de análise ...

CONTAR DO - Da mesma maneira que o neurótico. Se uma análisede


psicótico pode acabar, não vejo razão para que ele não se torne analista, salvo
que, acabar sua análise é uma coisa e decidir se tornar analista é outra. Não
tenho certeza de que um sujeito psicótico, tendo acabado sua anál ise, possa
ou queira decidir se tornar analista.

Essa é uma pergunta interessante: o que faz com que, tendo acabado a
análise, se decida a fazer profissão disso. Mais interessante ainda pois
acho nesse momento que, não há gozo do lado do analista.

*
CONTAR DO - Apesar de não ter objeção de princípio talvez tenha uma
razão de fato. O preço a pagar para exercer a profissão de ana Iista é ser
radicalmente do lado desejo e não do lado gozo. Eu não colocaria a
pergunta nesses termos "quem está pronto a pagar esse preço", e sim "como
se faz para que haja alguns para paqá-lo" - e isso é um mistério.

Minha explicação, pelo menos o que digo a mim mesmo, é que o fim da sua
própria análise é uma experiência bastante excepcional para que se possa
decidir, não num movimento de benevolência de oferecer aos outros a
mesma experiência {porque senão a posição do analista seria sádica,

79
78 * N. da R. Pergunta não identificada.
enquanto que é mais masoquista) e sim decidir repetir essa experiência por si
próprio, da única maneira possível, ou seja, do outro lado.

Será que um perverso, um psicótico, podem fazer essa escolha? Mais uma
vez, não há razão, de princípio, para dizer que não, embora seja
n
bastante raro.

Há um analista célebre, Searles que fala coisas muito interessante, por


exemplo, num livro que acaba de ser traduzido em francês, Os limites do
humano e do não-humano na psicose, onde ele diz que para os
esquizofrênicos não há limite entre o animado e não animado (é um livro
iana apaixonante de se ler). Quando eu falava que a relação com a natureza e com
o saber do esquizofrênico ou do psicótico em geral é uma espécie de
I auto-revelação da natureza, eu falava do fato de que o esquizofrênico
atravessa o mundo um pouco como o viajante romântico, ou seja, a natureza
fala para ele, fala (não é exatamente isso) mas, há saber que se revela na
beleza da natureza. Searles vai nesse sentido no que ele escreve: é um
I exemplo de analista psicótico.

alvo Quanto ao analista perverso, já seria mais delicado, porque ele naturalmente
o vai ficar na sua própria estrutura; será que ele vai poder resistir à tentação de
sa oferecer a si mesmo uma fatia de gozo?

Há uma questão que me foi colocada há pouco, à qual gostaria de responder,


que é a respeito da sugestão. A questão é a segu inte: se o que opera não é
a aquisição de um saber (isso é verdade, Freud já o tinha percebido no
decorrer do ano 1910), se o que opera é a transferência, o que distingue
a psicanálise da sugestão?

Eu tentava dizer há pouco: o que opera é a ativação de um lugar e isso não é a


mesma coisa que sugestionar um paciente. Um exemplo: um paciente de 28
anos ma ls ou menos, tem mu itas dificuldades, porque, em poucas palavras,
mo seu pai nunca parou de lhe dizer que ele não valia nada. Recentemente,
decidiu tirar a carteira de motorista, e ele estava muito assustado,
como se fosse um vestibular. Escutando-o falar, procurava o que eu
lua poderia dizer para que ele conseguisse tirar essa carteira.

Do lado da sugestão poderia ter sido algo como "mas você não é tão burro
assim", ou seja, algo que não se deveria dizer. Então, como acabou a
sessão? Por sorte, em determinado momento, ele falou //€U precisaria
79 ultrapassar todos esses problemas", e então eu disse a ele "no que diz

-
II

1I11
respeito a ultrapassagem, não abuse com isso amanhã".
Ele saiu contente e tirou a carteira.

o que aconteceu nesse diálogo? Não era sugestão. No lugar ao qual ele se
dirigia, no qual ele me colocava, o do pai, pôde escutar uma palavra que era
um esboço de preocupação; não era uma palavra a respeito dele, era minha
preocupação que passava. E um pequeno deslocamento do lugar da
estrutura, a partir do qual sempre lhe foi desejado coisas ruins. Não é
sugestão, é falar numa pequena decalagem, dos lugares de onde
ele próprio me situa.

? - Eu teria uma questão a respeito do conceito de despersonal ização na


análise, que talvez podemos confundir com a posição depressiva do luto,
da perda. O conceito de despersonalização é utilizado para nomear
fenômenos na psicose; tenho me perguntado se você o util iza no sentido
de destituição subjetiva?

CONTARDO - Não é no sentido de despersonalização do ponto de vista


psiquiátrico. Trata-se da destituição subjetiva que também é
despersonalização, porque para alguém que está nesse lugar não há
significação subjetiva disponível.

O tempo de fim de análise é uma espécie de catástrofe cI ínica,


completamente passageira, mas não no sentido da manifestação psicótica
de despersonalização. Lacan utiliza essa palavra, e isso não me parece
abusivo; fenomenologicamente pode ter uma certa semelhança.

CONT AR DO - O que posso dizer: se se pode retomar uma análise é uma


sorte (penso, em geral, que uma análise é sempre uma sorte). Acho
muito difícil, porque acredito que quando uma análise acaba é sempre
difícil reatar uma transferência, na medida em que a colocação em jogo da
transferência necessita uma consistência imaginária do Outro, que foi muito
abalada pelo fim de análise.

**

* N. da R. Pergunta a respeito da retomada de análise.

80 ** N. da R. Pergunta nâo identificada.


CONT AR DO - Na ótica de Freud, estou completamente de acordo com o
que você falou: se a análise é somente a redução do sintoma, sempre se
poderia retomá-Ia. Do ponto de vista da análise no tempo de Freud,
se sempre se podia retomar uma análise, inclusive ele mesmo assim o prescrevia.
te era
inha Se a análise vai além da identificação ao sintoma, se ela vai até a experiência
da qual falava há pouco, então se torna muito difícil. É por isso que
Lacan inventou o passe. Mas você pode perceber, por exemplo, que às vezes
supervisões podem ter essa mesma função e não há razão para delas
se subtrair.

na *
:0,
CONTAR DO - O passe deveria colocar as condições para que a transferência
jo seja ainda possível. O problema é que no tempo de Lacan o passe existia
também porque, através do passe, havia o desejo dele. É isso que sustentava
a transferência necessária para passar o passe. Hoje não é tão óbvio, porque
sta é sempre difícil, após o fim da análise, reatar transferência com alguém
que é um par.

A arte de Lacan, então, e também como você dizia, a posição excepcional de


Freud, é que eles se mantinham em um lugar tal que sempre se podia .
transferir sobre eles. Por isso eu acho que hoje, no que diz respeito a questão
:ica do passe, ou ela é ultrapassada ou é prematura.

Eu não acredito - essa é minha opinião - que se possa institucionalizar


o passe, que se possa encarregar uma instituição de manter ou de tornar
possível uma transferência suficiente para que o passe aconteça. Teria
tendência a pensar que cada um tem que se virar para levar seu passe onde
Jma queira, onde possa reatar bastante transferência para falar. Eu sempre
acho muito corajoso tomar outro caminho, mas não penso que seja
e possível institucionalizá-lo.
]0 da
muito

81 ·N. da R. Pergunta não identificado.

T:- S:- -""'IÁL DE lIt.,~~IAS ~ ]Cli.; :;


BIBLIOteCA ~IVr. ACERVO DE PSICOLOGIA
E HUMANIDADES•

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