Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
OAB/MG – 71.803
EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ___ VARA CÍVEL DA COMARCA DE SANTA
LUZIA/MG.
1. DOS FATOS
1.1. No exercício de suas atividades encontra-se o Autor sujeito à enorme gama de tributos,
sendo que a Fazenda do Estado de Minas Gerais está exigindo o ICMS sobre base de
cálculo superior àquela legal e constitucionalmente prevista.
Portanto, o tributo não está sendo cobrado sobre o valor da mercadoria (energia elétrica),
mas, esta incluindo as tarifas de uso do sistema de transmissão e distribuição de energia
elétrica proveniente da rede básica de transmissão e distribuição (as chamadas
TUST/TUSD/EUSD).
Entretanto, os valores cobrados a título de transmissão de energia elétrica, por não ser
considerada mercadoria, deve ser excluída da cobrança do ICMS e somente incidir sobre a
energia elétrica devidamente consumida.
Assim, alternativa não restou ao Autor, a não ser buscar o amparo jurisdicional, na forma
das razões de fato e de direito a seguir aduzidas, pretende-se ver declarada a inexistência
de relação jurídico-tributária.
Isto posto, para que desobrigue o recolhimento do ICMS sobre quaisquer encargos de
transmissão e distribuição energia elétrica, restringindo-se à respectiva base de cálculo,
concedendo-se a consequente repetição do indébito dos valores pagos indevidamente a
título de ICMS incididos na fatura nos últimos 5 (cinco) anos.
Para melhor compreensão do que busca-se através dessa ação, convém, antes, esclarecer
alguns pontos relacionados ao sistema elétrico brasileiro.
A operação e administração da rede básica de energia elétrica, cujo acesso é livre a todos,
é atribuição do Operador Nacional do Sistema Elétrico – ONS, que é a pessoa jurídica de
direito privado autorizado pela União Federal a exercer tal função.
A rede básica de energia elétrica, segundo definição da ANEEL, é constituída por todas as
subestações e linhas de transmissão em tensões de 230 kV ou superior, integrantes de
concessões de serviços públicos de energia elétrica, devidamente outorgadas pelo Poder
Concedente. É, em outras palavras, o sistema composto por torres, cabos, isoladores,
subestações de transmissão e outros equipamentos que operam em tensões médias, altas
e ultra-altas. Para que fique inequivocamente compreendido, veja-se, na ilustração abaixo,
o que é a rede de transmissão básica:
REDE BÁSICA
Sendo assim básico de transmissão administrado pelo ONS, a sua utilização, por
concessionários, permissionários e autorizados depende da contratação de acesso ao
sistema, conforme se depreende dos artigos 1º e 2ª da Resolução ANEEL nº. 281/1999:
“Art. 1º. Estabelece, na forma que se segue, as condições gerais para contratação do
acesso, compreendo o uso e a conexão, aos sistemas de transmissão de energia elétrica.
Essa tarifa é, em qualquer caso, suportada por aqueles que utilizam a rede de transmissão,
seja a geradora da energia elétrica, o consumidor livre diretamente conectado à rede básica,
ou mesmo os consumidores cativos, que pagam as tarifas em suas contas.
O sistema de distribuição, por sua vez, é aquele composto por postes, cruzetas, isoladores,
fios, transformadores e demais equipamentos (não pertencentes à rede básica) que operam
em tensões baixas, de propriedade das distribuidoras, e cujo acesso também é livre a todos.
A sua utilização, no caso da contratação no mercado livre, se dá mediante celebração de
contrato de uso dos sistemas de distribuição (CUSD) ou, no mercado cativo, mediante
contratação do fornecimento de energia elétrica, em ambos os casos remunerando-se o uso
da rede mediante recolhimento Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD). Adiante
segue organograma que facilitará a visualização:
Por seu turno, no mercado livre, os consumidores podem negociar a aquisição de energia
elétrica livremente com quaisquer fornecedores que atuem no mercado, negociando preços
e prazos, de acordo com o perfil de consumo. As negociações neste caso são firmadas
através de contratos bilaterais, nos quais a intervenção do governo é mínima.
Para os Consumidores Livres, ou seja, aqueles que adquirem carga igual ou superior a
3.000kW, na forma disposta pela Lei 9.074/1995, a remuneração da TUSD/TUST/EUSD
pode ocorrer tanto pela cobrança na fatura do fornecimento do energético, quanto mediante
a celebração de contrato próprio com a distribuidora responsável pela rede básica.
Delimitado os conceitos, o que se repudia através dessa ação é exigência do ICMS não
apenas sobre o valor da mercadoria efetivamente fornecida, mas, também, sobre (i) a TUST
repassada a Autora – muito embora sem a devida descriminação nas faturas – e (ii) TUSD,
paga em razão da utilização do sistema de distribuição.
Assim é que, na forma do que se passará a demonstrar, deve ser reconhecida a inexistência
de obrigação jurídico tributária que obrigue a Autora ao recolhimento do ICMS sobre as
parcelas referentes a quaisquer encargos de transmissão e distribuição.
3. DO DIREITO
Por sua vez, ao definir as hipóteses de incidência do ICMS, a Lei Complementar nº 87/96
cuidou e abranger, conforme o previsto no art. 155, inciso II da Constituição Federal, tão
somente as operações relativas à circulação de mercadorias. Esta é a expressa
determinação do artigo 2º da referida Lei Complementar, conforme abaixo:
Assim, da leitura do dispositivo acima transcrito, nota-se que o fato gerador do imposto
estadual ocorre no momento da efetiva entrega da energia elétrica ao consumidor, que se
perfaz com a “entrada” da energia no seu estabelecimento.
A própria Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL comunga deste entendimento,
esboçado em sua Resolução nº 414/2010, esclarecendo, para fins de responsabilidade, o
momento em que ocorre a transferência da mercadoria (energia elétrica) para o consumidor,
senão confira-se:
“Art. 14. O ponto de entrega é a conexão do sistema elétrico da distribuidora com a unidade
consumidora e situa-se no limite da via pública com a propriedade onde esteja localizada a
unidade consumidora, exceto quando:
Art. 15. A distribuidora deve adotar todas as providências com vistas a viabilizar o
fornecimento, operar e manter o seu sistema elétrico até o ponto de entrega, caracterizado
como o limite de sua responsabilidade, observadas as condições estabelecidas na legislação
e regulamentos aplicáveis.”
O ponto de entrega de energia elétrica é o relógio medidor, razão pela qual a energia só será
individualizada ao consumidor, caracterizando sua circulação e dando ensejo à cobrança do
imposto – pois só a partir daí é determinado o sujeito passivo da obrigação tributária –, no
momento em que passar por este relógio, e ingressar no estabelecimento da empresa, vindo
a ser efetivamente consumida.
Com efeito, exigir o ICMS sobre as tarifas que remuneram a transmissão e a distribuição da
energia elétrica, é fazer incidir o tributo sobre fato gerador não previsto pela legislação
regente (notadamente Constituição Federal e Lei Complementar nº 87/96), o que viola
frontalmente o princípio constitucional da reserva legal previsto no art. 150, inciso, I da
Constituição Federal, segundo o qual é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça.
E, exatamente pelas razões já expostas, a Câmara dos Deputados excluiu tal iniciativa do
texto finalmente aprovado (Lei Complementar nº 38/2010), remanescendo apenas a
prorrogação de acreditamento do art. 33 da Lei Complementar nº 87/96, o que, mais uma
vez, demonstra a incongruência de se entender que encargos como o TUST/TUSD/EUSD
poderiam constituir fato gerador do ICMS.
Esta NÃO-INCIDÊNCIA, como não poderia distinto ser, já foi sabiamente observada por
nossos Tribunais, conforme pacífico entendimento esposado por AMBAS AS TURMAS DO
Egrégio SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
Desta forma, estando claro que os valores pagos a título de TUST/TUSD/EUSD, têm
natureza meramente tarifaria, por conta do uso das redes de transmissão e distribuição,
constata-se que o imposto só pode ser cobrado sobre a energia elétrica e quando esta
circular juridicamente na condição de mercadoria.
Vale frisar, ainda, que, nas análogas hipóteses de exigência de ICMS sobre a demanda
reservada de energia elétrica, a 1ª Seção do STJ consolidou, através da sistemática dos
RESCURSOS REPETITIVOS, disposta no art. 543-C do Código de Processo Civil, que “a
só formalização desse tipo de contrato de compra ou fornecimento futuro de energia elétrica
não caracteriza circulação de mercadoria”, bem como que o ICMS só deve “incidir sobre o
valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue ao consumidor,
a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa”, como
se vê da seguinte ementa:
Portanto, evidencia-se que, também sob o rito dos recursos repetitivos, há posição
jurisprudencial superior consolidada quanto à matéria ora debatida, já que no presente caso
se discute, de forma idêntica à discussão relativa à demanda reservada de energia elétrica,
a não incidência do ICMS quanto a valores que não correspondam ao efetivo consumo de
energia elétrica, e sim, tão somente, à viabilização para o seu fornecimento, justificando-se
a extensão, à presente hipótese, dos amplos efeitos decorrentes do julgado acima
colacionado.
Como se não bastasse, há, ainda, entendimento do STJ, também exarado sob a sistemática
dos RECURSOS REPETITIVOS e consolidado pela Súmula 166, que veda tal tributação
sobre valores que não decorram da circulação jurídica de mercadorias, isto é, de um ato de
mercancia propriamente dito, de forma a não possuírem nenhuma identidade com o fato
gerador do ICMS, nesses termos:
4. DA REPETIÇÃO DO INDÉBITO
Uma vez confirmadas as suas alegações e o direito aqui aduzido, a Autora requer a repetição
de indébito dos pagamentos realizados nos últimos cinco anos a título de ICMS incidente
sobre TUST e TUSD, cujos comprovantes serão apresentados em momento oportuno, ou
seja, quando da liquidação de sentença.
Assim, para fins de reconhecimento do direito alegado ao Autor, não se faz necessária no
presente momento a juntada de todos os comprovantes dos pagamentos realizados nos
últimos 5 (cinco) anos, que serão apresentados no momento oportuno, qual seja, o da
liquidação de sentença.
Sobre os valores indevidamente recolhidos deve incidir correção monetária que, por se tratar
de mecanismo de recomposição do valor de compra da moeda e não de um acréscimo na
dívida, deve ser plena, “sob pena de desafiar a proibição constitucional ao confisco, previsto
no artigo 150, inciso IV, da CF” (REsp 475.917/SC, 2ª Turma, Min Franciulli Netto, DJ de
29/03/2004). No mesmo sentido, os julgados REsp 587.052/SC, 1ª Turma, Min. José
Delgado, DJ de 15/03/2004 e REsp 468.395/SC, 2ª Turma, Min. Eliana Calmon, DJ de
02/06/2003.
Assim, deve ser aplicada a UFIR, nos moldes estabelecidos pelos artigos 1º e 66, § 3º,
ambos da Lei n. 8.383/91, bem como juros e mora de 1% (um por cento) ao mês a partir de
cada recolhimento indevido, e taxa SELIC a partir de 1.º de janeiro de 1996, conforme o
artigo 39, § 4°, da Lei n. 9.250/95.
Nos termos do artigo 300 e seguintes do Código de Processo Civil, a antecipação dos efeitos
da tutela prescinde da presença de dois requisitos: a) verossimilhança das alegações
autorais; b) fundado e justificável receio de lesão grave ou de difícil reparação.
De outro lado, há de se ter em conta que o Poder Judiciário não pode ser conivente, mesmo
que por inércia, com os atos abusivos do Poder Executivo, permitindo-lhe exigir dos
contribuintes tributos que, reconhecidamente, violam o texto constitucional.
Por isso é que se impõe o imediato estancamento das cobranças indevidas.
Não bastasse, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação também pode ser
vislumbrado pelo fato de a Autora esta impedido de realizar o depósito judicial dos valores
questionados nesta demanda.
Isso porque, o ICMS incidente sobre a TUST/TUSD/EUST está sendo cobrados pelas
distribuidoras de energia na mesma fatura que em que as tarifas de energia elétrica e demais
encargos!
A situação é periclitante, tendo em vista que a Autora não podem, simplesmente, cogitar
deixar de pagar o tributo em questão, uma vez que, para tanto, ficariam inadimplentes com
as distribuidoras, ensejando o corte de sua energia elétrica.
Concessa “maxima venia”, não se pode olvidar que o artigo 5º, XXXV da Constituição
Federal outorga ao Poder Judiciário o poder de evitar lesão a direito do indivíduo, postulado
este que se insere no rol das garantias individuais, inatingíveis.
Por outro lado, não há que se cogitar do chamado “periculum in mora reverso”, pois, se
concedida a tutela jurisdicional, nenhum prejuízo amargurará a Fazenda Pública, que acaso,
6. DO PEDIDO
E) a restituído em dobro, dos valores indevidamente recolhidos a tais títulos, nos últimos
5 (cinco) anos, com apresentação da planilha detalhada de todos os pagamentos
efetuados pelo Autor (e eventualmente no curso da demanda) – com a incidência de
correção monetária, e juros de mora de 1% um por cento ao mês a partir de cada
recolhimento indevido, e taxa SELIC a partir de 2009, ou subsidiariamente, com a
aplicação dos mesmos índices de correção monetária e juros aplicados pela Fazenda
– Ré.
Nesses termos,
Pede-se deferimento.