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CIBELE LEMOS DA SILVA

TUDO É DITO POR UM OBSERVADOR E, HERMENÊUTICA


FENOMENOLÓGICA: UM MÉTODO DE COMPREENSÃO

Resenha crítica para avaliação complementar da


Disciplina Metodologia da Pesquisa, do Programa
de Mestrado em Gestão de Políticas Públicas -
PMGPP, da Universidade do Vale de Itajaí –
UNIVALI.

Profa. Dra. Maria Glória Dittrich

Itajaí –SC
2017
AUTORES

Humberto Maturana Romesin. Doutor em Biologia pela Harvard University. Doutor Honoris
Causa pela Universidade de Bruxelas. Prêmio Nacional de Ciência do Chile. Professor adjunto
de Biologia, na Faculdade de Medicina Universidade do Chile. Fundador do Instituto de
Ciências e da Faculdade de Ciências da Universidade do Chile. Indicação ao Nobel de
Medicina, junto com Jerome Lettvin (MIT). Co-fundador, co-diretor, investigador e docente do
Instituto de Formação Matriztica, em Santiago. Dentre outras obras, autor de: A Árvore do
Conhecimento; Autopoiesis and Cognition: the realization of the Boston living studies in the
philosophy of Science; Amar e Brincar: fundamentos esquecidos do humano; De máquina e
seres vivos. Autopoiese, a organização do vivo; A ontologia da realidade; Emoções e linguagem
na educação e na prática; Formação e Capacitação Humana. (Fonte: www.comitepaz.org.br;
www.prezi.com. Em abril de 2017)

Maria Glória Dittrich. Doutora em Teologia pela Escola Superior de Teologia (EST).
Professora da Faculdade São Luiz (FSL). Professora titular e pesquisadora da Universidade do
Vale do Itajaí (Univali), no Programa de Mestrado Profissional em Saúde e Gestão do Trabalho;
Programa de Mestrado Profissional em Gestão de Ciências Políticas e no Curso de Graduação
em Enfermagem.

Maria Tereza Leopardi. Doutora em Ciência da Enfermagem pela Universidade de São Paulo
(USP). Professora da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), no Mestrado em Saúde e Gestão
do Trabalho. Professora da Univali, no Mestrado em Saúde e Gestão do Trabalho.

TEXTO 1

Tudo é dito por um observador


(Da Obra: “A ONTOLOGIA DA REALIDADE”, de Humberto Maturana)

Na abordagem inicial, Maturana esclarece que sua preocupação não é apresentar um


princípio explicativo, haja vista que compreende que princípios explicativos não funcionam por
esconderem o que se pretende explicar em mecanismos de exemplificação. Assim, propõe
descrever um problema, a explicação sobre este e a resposta ou solução que tem sobre aquele
problema, ou seja, traz uma reflexão sobre o ponto de vista daquele que vê (observa, absorve,
compreende) algo (objeto de observação em toda e qualquer forma, modo, situação, no tempo
e no espaço).

Para produzir de forma prática e sucinta a abordagem inicial sobre a reflexão a que se
propõe, o autor escreve e desenha um aforismo, sendo a frase: “tudo é dito por um observador”
e ao seu lado o desenho de um olho aberto.

Na identificação do problema, a reflexão sobre cognição apresenta-se como cerne do


assunto a ser trabalhado. Dialeticamente, estabelece perguntas e respostas que vão construindo
o conhecimento sobre a proposta apresentada inicialmente.

A partir da problemática de entender qual o problema da cognição identifica a conduta


adequada como postura a ser compreendida/respondida para que ocorra a efetiva satisfação
sobre o fenômeno da cognição. Assim, a conduta adequada é uma expressão do conhecimento,
pois todas as vezes que se indaga alguém sobre determinado objeto, a resposta a ser considerada
mais plausível de aceitação será aquela construída/apresentada dentro de um contexto visível
preexistente na mente daquele que pergunta. Portanto, o problema consiste em identificar a
conduta adequada ou mostrar como surge esta conduta.

Quanto à explicação do problema, a abordagem inicia a partir do entendimento que a


resposta só encontra contentamento ao que indaga, somente quanto esta é feita de forma
satisfatória, nesse sentido a resposta satisfatória é aquela que não dá margem para outros
questionamentos sobre o assunto/objeto. Então, para falar em cognição, a resposta adequada
será produzida de forma científica visto que as explicações científicas surgem por meio da
propositura de um mecanismo que por sua vez produz o fenômeno primário do que se propôs
explicar e, vai além, pois produz muitos outros fenômenos secundários constatados/produzidos
ao longo da observação.

Considerar outros fenômenos observados é requisito das explicações científicas pois


afirmam/comprovam que seus apontamentos dizem respeito aos fenômenos do mundo vivido,
ou seja, onde são gerados os fenômenos que são explicados por meio do mecanismo explicativo
percebidos-elaborados-desenvolvidos pelos cientistas, sensível à percepção de que no entorno
desse fenômeno outros fenômenos podem ser constatados, ainda que não experimentados de
pronto.

Para que haja a explicação científica da cognição é preciso apresentar um mecanismo


que gere a conduta adequada e seja capaz de surgir em qualquer sistema. Logo, propõe-se o
estabelecimento de uma linguagem adequada, esclarecendo que em qualquer entidade, a
unidade será a linguagem capaz de distinguir qualquer coisa, seja de forma concreta ou
conceitual através da especificação de um procedimento que destaque essa unidade,
compreendendo-as como as simples e as compostas.

As unidades/entidades simples sendo aquelas que distingue algo como um todo,


especificando ou indicando as propriedades que a caracterizam; e, as unidades/entidades
compostas refere-se aos componentes do todo simples que podem ser separados. O que
resolverá o problema de composição das entidades compostas é a relação de organização e de
estrutura; sobre a organização, refere-se às relações entre os componentes que produzem a
unidade que se afirma ser – compreendido que, se a organização muda a coisa muda, ou seja,
a duração da compreensão de unidade persiste somente enquanto a organização for invariante;
quanto a estrutura, tem-se a individualidade concepção particular a ser considerado, pois
enquanto a organização é invariante e comum a todos os membros de uma classe particular de
unidades compostas, a estrutura é sempre individual. Assim, a estrutura de uma unidade
composto pode ser modificada sem que a sua organização seja destruída, haja vista que, se a
houver organização deixar de existir, passamos a ter outra coisa e não mais uma unidade.

Ao tratar sobre como deve se comportar o mecanismo que explique a cognição como
um sistema determinado estruturalmente, Maturana, primeiramente aborda sobre a constate
variação da estrutura, sem que haja propriamente a perda da organização em sistemas
dinâmicos, como os sistemas vivos, dizendo que tudo que acontece com os sistemas vivos não
depende do que se faça a ele, mas de como ele é feito.

A necessidade sobre a abordagem quanto a estrutura de um sistema vivo ocorre frente a


exigência de que uma explicação científica requer um mecanismo que aceite hipóteses
mecanicistas experimentais.

Sobre o sistema mudar sua dinâmica de estados/comportamentos, afirma que deve


mudar sua estrutura, visto que a estrutura de um sistema vivo pode fazer surgir a conduta
adequada, mantendo-a, mesmo que haja variação de sua estrutura ou do meio do sistema.

O surgimento e a manutenção da conduta adequada é possível por ser resultante das


interações com o meio e a dinâmica de estados do meio resulta em interações com o sistema,
desencadeando mudanças de estados no sistema, que por sua vez modifica estados no meio,
nos limites permitidos na estrutura e no meio.
A consciência sobre o que é permitido pela estrutura do sistema e pela estrutura do
meio, seleciona as mudanças de estado e as sequências dessas mudanças de estados são
determinadas pelas interações. Por isso, organismo/estruturas idênticas em meios diferentes
passarão por interações que produzirão mudanças de estado diferentes. Assim, um observador
será capaz de identificar certa correspondência entre a estrutura dos dois sistemas por ser
decorrente de um histórico de interações coerentes.

O histórico particular de interações de um organismo com seu meio constitui sua


ontogenia, que é resultante de uma sequência de interações congruentes com as circunstâncias
na qual o histórico de interações ocorreu. Nesse sentido, a conduta adequada pode ser explicada
como um comportamento coerente com o meio na qual se realizou. Assim, é constituída da
relação entre a cognição e o viver apresentando os comportamentos adequados com coerência
estrutural.

TEXTO 2

Hermenêutica fenomenológica: um método de compreensão das vivências com pessoas

(Artigo elaborado, parcialmente, a partir de pesquisa teórico-prática, sobre criatividade e


espiritualidade na arteterapia como processo de cura, realizado em 2008. Publicado em:
Discursos Fotográficos, Londrina, v.11, n.18, p.97-117, jan./jun. 2015)

O texto propõe a compreensão de vivências de pessoas em seu mundo, com suas


peculiaridades e relações, seja entendia, expressa e percebida por meio da hermenêutica
fenomenológica, que vão ocorrendo entre os sujeitos (pesquisador/objeto) envolvidos nas
vivências, sendo que os saberes e as ações são compartilhadas a partir de uma compreensão de
fundamento biológico evidenciado no amor e na solidariedade.

O termo corpo-criante surge como pressuposto da raiz hermenêutica da compreensão


humana, por constatar que na busca de resposta para os seus questionamentos nas vivências da
realidade - como um todo vivo dinâmico, inter-relacionado nas suas partes – o ser humano se
autocria e se faz constantemente, provocando alterações em si e fora de si, objetivando preservar
a sua vida e a construção de conhecimento que tem sobre si, a sociedade e a natureza.
A hermenêutica se reafirma como sendo a forma mais adequada para desvendar e
encontrar a fala significativa (código compreensível) que compreenda um fenômeno e o
descreva de modo sistematizado e (co)vivido.

O ser humano é o corpo-criante onde nasce a hermenêutica fenomenológica, pois


vivência e constrói a dinâmica dos fatos, dos acontecimentos de sua vivência em mundo de
seres, saberes e fazeres. É no ser humano – enquanto ciência, que se percebe e compreende o
que ocorre no meio ambiente da qual faz parte e na relação com o outro, pois o pesquisador é o
lócus (lugar), onde os processos das vivências e expressões ocorridas, para produção do
pensamento sistematizado, ou seja, a produção do conhecimento.

Para que ocorra a investigação fenomenológica é fundamental compreender que o


pesquisador, enquanto corpo-criante, é o centro perceptivo do fenômeno da criatividade onde
ocorrerá o processamento, a produção e a organização das ideias sobre as relações das diversas
vivências que tenham significados. Assim, o ser humano que compreende é um corpo-criante
complexo, capaz de fazer surgir da emoção uma força inteligente criativa que se expressa em
linguagem descritiva-argumentativa-explicativa.

Compreende-se que a relação intrínseca entre o objeto e o pesquisador, as vivências


humanas compartilhadas, as falas (produzidas, observadas, contextualizadas, experimentadas)
entre esses agentes, e o referencial teórico fomentando todo o processo da pesquisa, fornecem
sustentação para a que haja uma efetiva reflexão e construção textual da hermenêutica
fenomenológica.

A convivência se apresenta como elo nas relações do compartilhar entre o objeto e o


pesquisador pois discurso e contexto vivenciado, que submetido ao rigor científico produzirá o
conhecimento – pensamento sistematizado.

Na busca pela compreensão e construção de conhecimento a partir do mundo do outro


(objeto) é preciso deixar em suspenso as concepções, pré-conceitos (conceitos anteriores),
opiniões e mesmo as proposições científicas acerca do fenômeno, permitindo que este se revele
à consciência do pesquisador como realmente é. Assim, chegado o momento da construção da
linguagem (interpretação) sobre o objeto (fenômeno) a classificação descritiva-explicativa das
vivências está livre da imposição de algo anterior.

A hermenêutica fenomenológica é a arte condutora da visão científica que reconhece o


pesquisador como corpo-criante, sensível-inteligível capaz de apresentar a descrição sobre o
objeto com compreensão sistemática e correspondente, ainda que seja ético reconhecer que o
objeto possui determinantes inusitados, manifestos ao longo das vivências, que por vezes
surpreendem os limites explicativos de uma teoria, sendo necessário compreender as relações
complexas que vão surgindo, de forma transdisciplinar, ou seja, valendo-se de conhecimento
teóricos de diversos campos de conhecimento e metodologias, em vista a aprofundar o
entendimento sobre a problemática da pesquisa.

No processo de compreensão das vivências, submetida à seriedade científica – rigor


metodológico hermenêutico, a intencionalidade se apresenta como escolha diretiva para que
haja construção do olhar consciente (aberto) do corpo-criante (pesquisador), cuidando-se para
esta seja realizada de forma acolhedora e amorosa, no intuito de que não haja uma distorção
das percepções e compreensões sobre o objeto que referende algo diverso do ocorrido.

A percepção é o ato de uma compreensão comprometida e imersa nas vivencias do


tempo e do espaço circundante do fenômeno. É o movimento amplo que vai do sentido das
coisas até o espírito e do espírito até as coisas.

Nesse processo vital-cognitivo, compreende-se que há uma interdependência entre a


intencionalidade, a percepção e a compreensão que permite ao pesquisador descrever a
vivência apresentada na sua consciência utilizando-se da arte fenomenológica, construindo uma
teoria aberta que permite o surgimento de novas construções de conhecimentos teórico-
metodológicos.

CONSIDERAÇÕES

Os textos apresentados se constituem de uma dinâmica reflexiva de interessante leitura


e esclarecedora compreensão. Pois ao permite desenvolver um olhar crítico que se constrói
gradativa e complementarmente com clareza de etapas e acontecimentos/vivências que vão se
revelando e tecendo uma cadeia de percepções e conhecimento.

A leitura de Maturada nos remete ao momento de particularidade com o autor – uma


sensação de ouvir/presenciar a falas e os apontamentos; propõe uma reflexão sobre cognição,
sobre o ponto de vista daquele que vê (pesquisador) sobre algo (objeto/fenômeno).

A relação entre a cognição e viver é o cerne da abordagem, descrita sobre a identificação


de conduta adequada, o mecanismo que a gere, identificação da linguagem adequada –
compreendida através da unidade, classificadas em simples e composta. Aponta que a dinâmica
dos sistemas vivos depende do que eles são formados e não do que se faça a ele. Encerra diante
da evidencia da relação entre a cognição e o viver mediante a apresentação dos comportamentos
adequados com coerência estrutural.

Na mesma linda de construção, a abordagem de Dittrich e Leopardi propõe compreender


as vivências de pessoas em seu mundo, percebida por meio da hermenêutica fenomenológica
que se constrói da relação dos saberes e fazeres. As ações emergem a partir de um compartilhar
de fundamento biológico fundamentados no amor e na solidariedade - dizendo respeito à uma
força criativa articulada da emoção para a razão.

Surge, a concepção de corpo-criante como pressuposto da raiz hermenêutica da


compreensão humana. O todo vivo dinâmico, inter-relacionado nas suas partes, que se autocria
e se faz constantemente, provocando alterações em si e fora de si, buscando preservar-se e
construir o conhecimento que tem sobre si, a sociedade e a natureza.

Ao apresentar a concepção de corpo-criante, as autoras fazem um chamamento


interessante e intrigante que instiga o pesquisador a ver-se parte da pesquisa se percebendo
enquanto centro perceptivo do fenômeno, sendo ainda desafiado submeter-se à seriedade
científica – rigor metodológico, disposto a deixar em suspenso seus conceitos preconcebidos
para que construção do conhecimento teórico-metodológico esteja livre de intervenções que
intencionalidade desviada.

Em linhas gerais, os textos se tratam de proposições reflexivas, concisas e


esclarecedores sobre o olhar do pesquisador sobre o fenômeno e consciente de si mesmo
enquanto parte das relações humanas, comprometido com a produção do conhecimento
científico, honesto, rigoroso e metodológico.

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