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A MODEIJ.NIZAÇAO
TECNOLOGICA BRASILEIRA
E O AJUSTAMENTO DOS
RECURSOS HUMANOS
.Anita Kon
Professora do Departamento de Planejamento e
* PALAVRAS-CHAVE: modernização, tecnologia, re-
cursos humanos, região, qualificação.
Análise Econômica da EAESP/FGV e da
FENPUC/SP, e doutora pela FENUSP.
A
busca da modernização econômica en- Brasil, além da busca de maior competitivida-
volve a determinação da sociedade bra- de e produtividade, essenciais à retomada do
sileira de perseguir objetivos como rees- desenvolvimento, implicam também na pos-
truturação da competitividade interna e inter- sibilidade de extensão da capacidade de ab-
nacional das empresas, associada à elevação sorção da força de trabalho a prazos menores,
da capacidade de produção e da produtivida- de forma efetiva e em condições satisfatórias,
de no sentido de baratear os custos e preços, de modo a ampliar a renda global e o merca-
via desenvolvimento tecnológico. do interno. E, nesse sentido, a escolha da tec-
A tomada de decisão pelas empresas com nologia, que atinja esses objetivos, nem sem-
respeito à alocação de investimentos voltados pre se volta para a tecnologia de ponta ou
à modernização, por sua vez, está condiciona- acentuadamente capital-intensiva, pois as ca-
da, entre outros determinantes, à disponibili- racterísticas espaciais da mão-de-obra não
dade relativa dos fatores de produção e dos permitem a introdução a curto prazo de técni-
níveis de produtividade associados à qualifi- cas que demandem níveis superiores de qua-
cação da mão-de-obra. Esta alocação tem co- lificação, sem a "importação" onerosa de re-
mo pano de fundo a escolha das novas tecno- cursos humanos ou o treinamento adicional a
logias ou de novos produtos e está associada médio e longo prazos.
ao conhecimento das características qualitati- A análise aqui empreendida, que se inicia
vas específicas da força de trabalho localizada com algumas considerações teóricas sobre as
no espaço potencialmente determinado como implicações regionais da inovação tecnológi-
âmbito das inversões. ca, tem por objetivo primeiramente o exame
O caminho da modernização econômica da situação do Brasil no cenário mundial, no
passa sem dúvida pela introdução de proces- que se refere à composição de sua distribui-
sos de produção mais avançados, no sentido ção ocupacional, tendo em vista as potenciali-
do aumento da produtividade e na escolha de dades do país na divisão internacional do tra-
tecnologias de ponta que permitam a compe- balho na atualidade. Em seqüência, é efetua-
titividade no mercado internacional e a dimi- da uma observação das diversidades espa-
nuição dos custos domésticos de produção. ciais nas estruturas produtivas e nos níveis de
No entanto, o grau de introdução da inovação qualificação da força de trabalho, como subsí-
está sujeito à adequação da oferta de empre- dio ao conhecimento da realidade interna do
gos às características peculiares da oferta de país, com vistas às possibilidades de introdu-
trabalhadores. ção da modernização tecnológica, de forma
Visando a oferecer subsídios para a busca diferenciada regionalmente.
da modernização econômica do Brasil, este
artigo tem a finalidade de examinar a distri- AS IMPqCAÇOES REGIONAIS DA INOVAÇÃO
buição ocupacional brasileira, observando TECNOLOGICA
suas características específicas, que se relacio-
nam à composição da estrutura produtiva do É patente que a introdução da inovação
país e ao grau de desenvolvimento tecnológi- tecnológica por parte de produtores públicos
co existente. Observam-se, no Brasil, diversi- e privados implica em uma escolha entre dife-
dades regionais consideráveis nesses dois de- rentes possibilidades tecnológicas, que reper-
terminantes que, se num primeiro momento cutirão na absorção de maior ou menor quan-
são condicionados pela natureza das forças de tidade do fator trabalho, de diferentes níveis
trabalho regionais, acabam posteriormente de qualificação, o que determinará a estrutu-
por condicionar a direção e o montante de in- ração diferenciada das ocupações de forma
vestimentos voltados para a modernização adaptada aos processos produtivos escolhi-
econômica, concentrando-os nos pólos mais dos. As microunidades empresariais elegem
avançados, onde o retorno ao capital é mais sua tecnologia com vistas ao seu desenvolvi-
rápido e seguro. mento econômico, levando em conta seus
O exame aqui desenvolvido mostra que a próprios objetivos de crescimento, os recursos
realidade brasileira revela que alguns espaços de que dispõem, a natureza do mercado que
nacionais não estão preparados, a curto pra- operam, o conhecimento das opções tecnoló-
zo, para a absorção de tecnologias que de- gicas disponíveis e a situação sócio-econômi-
mandem trabalho mais qualificado e, neste ca em que estão operando, além dos subsídios
caminho, o desenvolvimento dos recursos hu- governamentais oferecidos. No entanto, por
manos de modo a que se ajustem aos novos outro lado, a escolha da tecnologia apropria-
requisitos tecnológicos pode ter resultados da a essas condições, bem como o ritmo e a
em períodos mais longos. No entanto, as solu- velocidade das inovações prendem-se tam-
sua economia substancialmente na produção Setor Primário, até atingir um nível de matura-
rural e apresentam uma participação média de ção. Isto se verifica porque em vista das trans-
trabalhadores nessas ocupações em tomo de formações por que passam os processos pro-
57%;a par da menor representatividade relati- dutivos das empresas com o desenvolvimento
va de ocupados no setor Secundário, revelam tecnológico é observada uma reestruturação
ainda um baixo percentual de ocupações mais das organizações administrativas com a finali-
qualificadas técnicas, científicas e administrati- dade de gerenciar-se um volume maior de
vas, inferindo-se menor nível de avanço tecno- operações e de assumirem-se tarefas técnicas e
lógico nos processos produtivos. À medida do científicas especializadas, ao lado do desenvol-
aumento dos níveis de desenvolvimento e de vimento de serviços necessários para a satisfa-
industrialização e terciarização observados nas ção de novos padrões de demanda, como fi-
estruturas produtivas dos países, as participa- nanceiros, de consultoria, de manutenção e
ções dos trabalhadores nessas ocupações mais mesmo pessoais, que resultam em um proces-
qualificadas e na prestação de serviços aumen- so de desindustrialização, ou seja, a força de
tam, em detrimento da representatividade do trabalho se incorpora crescentemente nesse Se-
::~~~
Tabela 1: Indicadores sócio-econômicos médios mundiais, segundo faixa de renda
Educação (%)*
Seclmrl:jri~ 35 51 59 92 36
Superior 1 17 20 39 11
BR RJ SP S MG-ES ME CO N RJ SP S MG-ES NE CO W
PRIMÁRIO 100 1,8 8,6 23,2 15,2 44,5 6,0 0,7 0,18 0,37 1,31 1,19 1,62 0,91 1,45
SECUNOÁRlO100 11.7 36.6 16,3 10,8 16,8 5,3 2,6 1,18 1,58 0,92 0,84 0,61 0,80 0,62
Ind. Transl. 100 10.7 42,1 16,7 8,9 16,0 3,5 2,2 1,08 1,81 0,94 0,70 0,58 0,98 0,52
Construção 100 14,7 27,5 15,7 14,9 15,5 7,7 3,0 1,48 1,19 0,89 1,16 0,57 1,17 0,71
Outras Ind. 100 9,2 15,7 13,3 12,5 30,3 12,5 5,4 0,93 0,68 0,75 0,98 1,11 1,89 1,23
TERCIÁRIO 100 14,4 26,8 14,3 12,2 20,9 7,9 3,3 1.45 1,16 0,81 0,95 0,76 1,20 0,79
Comércio 100 12,3 26,1 15,4 10,9 24,4 7,1 4,0 1,24 1,13 0,87 0,85 0,88 1,08 0,95
Transp.Com. 100 14.4 29,0 15,8 12,0 18,8 6,4 3,6 1,45 1,25 0,89 0,94 0,69 0,97 0,86
Ativ.Financ. 100 15,7 38,9 15,1 10,1 11,5 6,8 2,0 1,59 1,68 0,85 0,79 0,42 1,03 0,48
Serv.Sociais 100 14,1 24,8 14,5 12,1 23,9 7,3 3,3 1,42 1,07 0,82 0,95 0,87 1,11 0,79
Adm. Pública 100 16,1 19,2 15,4 10,2 22,3 11,3 5,0 1,68 0,83 0,87 0,80 0,81 1,71 1,19
Serv.Reparaç.100 12,5 27,3 16,6 13,0 10,0 7,5 3,2 1,28 1,18 0,94 1,02 0,73 1,14 0,76
Serv.Aux.Emp.100 15,2 35,4 16,0 10,6 12,6 7,1 3,0 1,54 1,53 0,90 0,83 0,46 1,08 0,71
Demais Servo 100 15,4 262 13,4 14,3 20,5 7,7 2,5 1,56 1,13 0,73 1,12 0,75 1,17 0,60
rada à do Nordeste, enquanto que Minas Ge- nesse contexto desde grandes firmas monopo-
rais e Espírito Santo revelam índices superio- listas até unidades empresariais familiares) e os
res à unidade também na indústria de Cons- demais trabalham como produtores autônomos
trução e em Serviços de Reparação, ou prestando serviços domésticos, Espacial-
Apesar de o Nordeste concentrar próximo a mente o estado de São Paulo apresenta a maior
17% dos trabalhadores das indústrias do País representatividade nas empresas, enquanto que
(percentual superior ao das demais regiões), o Nordeste apresenta a maior participação de
seu índice de especialização nesta área é infe- trabalhadores por conta própria. Observa-se,
rior e sua "vocação" situa-se no setor Primá- também, que para as regiões mais avançadas
rio, que aloca quase 45% dos trabalhadores (São Paulo e Rio de Janeiro) os ocupados dedi-
agrícolas nacionais, e apenas na indústria Ex- cados a atividades administrativas e a ocupa-
trativa Mineral o QEsj é superior à unidade, ções de Dirigentes (proprietários, administra-
Também o Norte revela especialização nestes dores, gerentes), são relativamente mais repre-
setores, e na Administração Pública, embora sentativos, refletindo organizações empresa-
se observe forte concentração de atividades in- riais mais modernas, como vimos, No Centro-
dustriais de Transformação em Manaus. Oeste, essas categorias ocupacionais são consi-
deráveis, como resultado da condição de centro
AS DISPERSÕES NA DISTRIBUIÇÃO de tomada de decisões governamentais.
OCUPACIONAL REGIONALIZADA No Sudeste como um todo, apesar da con-
dição de centro econômico polarizador, a es-
Se a composição das estruturas produtivas truturação do estado de São Paulo retrata a
espaciais do país refletem os níveis de desen- coexistência de tecnologias de ponta com tec-
volvimento econômico, sua distribuição ocu- nologias mais "tradicionais", que proporcio-
pacional regionalizada (ver tabela 3) revela o nalmente se utilizam de maior representativi-
grau de progresso tecnológicoem cada espaço, dade de trabalhadores semiqualificados (par-
Para o global nacional, quase 3/4 dos ocupa- ticularmente sem atribuições de chefia), en-
dos alocam-se em empresas (considerando-se quanto no Rio de Janeiro a participação de
Tabela 3: Distribuição da população ocupada por categoria ocupacional, segundo as regiões (%)
.. SP
Categorias BRASIL RJ S MG-ES NE CO N*
Não-qual if. 4,1 6,1 5,3 3,1 3,2 3,1 4,5 6,3
oferta de mão-de-obra regional e com a capa- vamente menores retornos aos investimentos
cidade de ajustamento desta aos requisitos de em modernização tecnológica.
qualificação demandados por novas técnicas." Por sua vez, por parte das empresas priva-
A introdução de tecnologias mais avançadas das, a escolha tecnológica apropriada pode
ou de ponta localizou-se nos espaços polari- priorizar os retornos mais rápidos ao capital,
zados, também por conta da capacidade de e, nesse caso, a tecnologia de ponta e a de-
incorporação mais rápida de trabalhadores manda por força de trabalho mais qualificada
mais qualificados, difundindo-se lentamente e flexível é introduzida principalmente nas re-
para outros espaços, através de uma "descon- giões providas de uma infra-estrutura de ser-
centração concentradora"." viços complementares que representam eco-
Dessa forma, qualquer discussão sobre a nomias de aglomeração. Por outro lado, espa-
busca da modernização tecnológica no Brasil ços menos desenvolvidos podem potencial-
deve incorporar o conhecimento das diferen- mente oferecer algumas vantagens relativas
ças regionais na realidade brasileira e a inter- para a escolha da localização industrial, liga-
venção, nesse sentido, tanto governamental das por exemplo ao menor custo da mão-de-
quanto privada, só terá bons resultados à me- obra, à não existência de congestionamento
dida que se considerar as condições regionais ou à proximidade de matérias primas especí-
específicas da oferta de trabalhadores. A idéia ficas. Neste caso, o desenvolvimento de inver-
de modernização inclui também a exploração sões em regiões menos avançadas deve bus-
do potencial regional da mão-de-obra menos car a exploração dessas vantagens comparati-
qualificada, adaptando no curto prazo os in- vas, que proporcionam também o aumento da
vestimentos tecnológicos às condições especí- absorção de trabalhadores - ainda que por
ficas de sua força de trabalho, enquanto não meio de tecnologias menos avançadas parale-
se criarem (a longo prazo) as condições para a lamente às tecnologias de ponta que buscam
introdução de técnicas mais avançadas. maior produtividade e competitividade -
Existem, entre as técnicas conhecidas pela com a finalidade da obtenção do maior escoa-
sociedade e que conduzem aos objetivos de mento da produção via ampliação da renda e
modernização, as que maximizarão o poten- do mercado interno. A atividade inovadora
cial social em termos de absorção de sua força pela empresa privada nestes espaços deve ter
de trabalho, e, portanto, serão apropriadas às como filosofia a adaptação de novas técnicas
características sócio-econômicas de cada reali- à disponibilidade relativa dos fatores de pro-
dade regional brasileira. Dentro dessa escolha dução, à natureza do mercado potencial (re-
pelas empresas privadas e públicas, está inse- presentado pela demanda interna e externa à
rida a idéia de integrar as regiões menos de- região) e aos efeitos de repercussão e disper-
senvolvidas à matriz nacional de relações in- são da modernização.
terindustriais, e de incorporar a nação como Nesse sentido, a escolha de novos produtos
um todo na matriz mundial de relações eco- ou processos de produção para consumo em
nômicas, e, nesse sentido, é fundamental a es- massa, via estandartização dos processos de
colha dos setores de atividades que propor- produção, em espaços menos privilegiados,
cionem esta integração. pode contemplar técnicas que permitam a in-
Por parte do setor público, essa integração corporação de trabalhadores menos qualifica-
depende diretamente de condições favoráveis dos. Os modelos de organização gerencial de
efetivamente criadas por políticas governa- grandes empresas, já encontrados no Brasil,
mentais que visem ao estabelecimento de baseados num processo multidivisional, ou
uma infra-estrutura de serviços complemen- seja, na implementação da divisão de suas
tares, por um lado, e, por outro, o aumento da operações em departamentos especializados,
capacitação da força de trabalho, o que se ini- permitem que a empresa estabeleça cada de-
cia pelo suprimento de condições básicas de partamento em espaços que proporcionem
aumento da escolaridade formaL Observou-se vantagens comparativas diferenciadas, o que
que as populações detentoras de maior nível muitas vezes pode propiciar a dispersão de
de escolarização formal estão mais prepara- sua produção por diferentes àreas menos ur-
das para receber treinamento adicional no banizadas e menos polarizadas.
próprio emprego ou em cursos especializa- A modernização tecnológica no Brasil, por-
dos, de modo a se ajustarem com maior efici- tanto, deve contemplar não apenas o aumento
8. Idem, ibidem, Capítulo 8.
ência e velocidade aos requisitos de qualifica- da produtividade e da competitividade via a
ção resultantes da inovação tecnológica. As introdução de tecnologias de ponta mais so- 9. Conforme pesquisa empí-
medidas governamentais nesse sentido terão fisticadas, mas também buscar formas de or- rica de Azzoni, descrita em
ganização da produção e processos de produ- Indústria e Reversão da Po-
a finalidade de diminuir as desvantagens 10- larização no Brasil, IPE/USP,
cacionais que determinados espaços apresen- ção próprios, baseados nas condições específi- Série Ensaios Econômicos
tam para as empresas por acarretarem relati- cas de cada espaço diferenciado. O nº 58, 1986.