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Fernando Pessoa

FERNANDO PESSOA
«É a Hora!»
MENSAGEM
Edição especial, comemorativa do 75º aniversário da
morte de Fernando Pessoa, comentada e seguindo o
Novo Acordo Ortográfico. Ao afirmar «os futuros ma
[a obra] porão na ortografia deles, sem me levar a
mal o haver escrito em outra», Pessoa soube antever

MENSAGEM
o (atual) presente.

Mensagem, obra-prima universal e universalista, é o


único livro em língua portuguesa publicado em vida
do poeta.

Mensagem é o poema épico sobre a pátria e o seu


destino, o poema da glorificação do futuro.

Edição especial, comentada por


www.centroatlantico.pt Auxília Ramos e Zaida Braga
MENSAGEM

Autor
Fernando Pessoa

Introdução e comentários
Auxília Ramos e Zaida Braga

Editor
Centro Atlântico

Coleção
Desafios

Revisão
Centro Atlântico

Capa e imagem de capa


André Boto

Paginação
António J. Pedro

Impressão e acabamento
Papelmunde – SMG, Lda
1.ª edição: Outubro de 2010
ISBN: 978-989-615-097-6
Depósito Legal: ------/10

© Centro Atlântico, Lda., Ap. 413


4764-901 V. N. Famalicão, Portugal

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Fernando Pessoa

MENSAGEM
Edição especial comemorativa do 75º aniversário da
morte de Fernando Pessoa, comentada por
AUXÍLIA RAMOS e ZAIDA BRAGA

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INTRODUÇÃO

(…) Portugal, imerso com doçura no mundo, natural e sobrenatural-


mente maravilhoso, converteu-se em ilha-saudade. Um lugar sem exte-
rior onde lhe fosse possível distinguir a realidade do sonho, um porto de
onde não se sai para defrontar os monstros e a traição dos elementos
– mesmo se nenhum povo os afrontou com maior afoiteza –, mas para
tentar recuar até aos limites o momento de encontro consigo, imposto
pelo Outro, o verdadeiramente Outro, aquele que não nos vê como nós
nos vemos: cavaleiros do Graal adormecidos, mas de pé, imóveis no
coração da realidade.

EDUARDO LOURENÇO,
Portugal como Destino seguido de Mitologia da Saudade

Aspetos gerais
Mensagem é o único livro de Fernando Pessoa – em língua portuguesa
– publicado em vida, precisamente um ano antes da sua morte e em cir-
cunstâncias que ele próprio reconhece ultrapassarem a sua vontade – “foi
o primeiro livro que consegui, não sei porquê, ter organizado e pronto. Como
estava pronto, incitaram-me a que o publicasse: acedi.” [1] Mensagem vê, assim,
a luz do dia a 1 de Dezembro de 1934, exatamente um ano antes da morte
do poeta que ocorre a 30 de Novembro de 1935.

1
Carta a Adolfo Casais Monteiro, 13 de Janeiro de 1935.

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6.7 Ao longo da sua vida, Pessoa publicou dispersamente os seus
poemas em vários jornais e revistas literárias, entre as quais se destaca
Orpheu, revista de que foi, juntamente com Mário de Sá-Carneiro e Almada
Negreiros, um dos principais impulsionadores. Mas o prazer de ver o seu
INTRODUÇÃO nome impresso em capa de livro surge somente numa fase muito tardia
da sua vida e em circunstâncias um pouco desfasadas daquele que foi o
seu percurso literário.
Em 1933, num momento em que a instabilidade política que se
seguiu ao golpe militar de 28 de Maio de 1926 e que deu origem ao
Estado Novo (a Constituição que o institui data de 1933) estava já ultra-
passada, o governo de então sente necessidade de credibilizar, do ponto
de vista cultural, o regime. Surge, assim, a ideia de lançar um concurso
literário de âmbito nacional – O Prémio Antero de Quental – que tinha
como objetivo premiar um texto de caráter nacionalista, que exaltasse
a pátria, os seus heróis e a portugalidade. O ideólogo deste concurso foi
António Ferro, homem grato ao regime salazarista e ideólogo da propa-
ganda do Estado Novo (a ele coube a chefia do Secretariado Nacional de
Informação), amigo de Pessoa desde os tempos de Orpheu, revista em que
também colaborou.
Segundo alguns estudiosos da obra pessoana, é Ferro que convence
Pessoa a participar no concurso, uma vez que a temática nacionalista sem-
pre interessara o poeta. Na verdade, o primeiro poema de índole nacio-
nalista escrito por Pessoa, Gládio, data de 1913 e, entre 1917-1918 (anos
correspondentes à ditadura de Sidónio Pais, que Pessoa admirava), o poeta
ter-se-á sentido tentado a escrever um livro de poemas de exaltação patri-
ótica. Apesar de, na época, não ter concretizado esse projeto, o poeta não
abandona essa tendência ideológica e literária e, entre 1918 e Março de
1934, Pessoa vai escrevendo os poemas que, depois de algumas alterações,

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integrarão Mensagem [2], cuja maturação se estendeu, assim, ao longo de
vinte e um anos.
Curiosamente, e apesar de os poemas da segunda parte de Mensagem,
intitulada Mar Português, terem passado a integrar, desde 1933, o programa
oficial das escolas, o poema de Pessoa foi excluído da primeira fase do
concurso por não apresentar o número mínimo de páginas exigido pelo
regulamento. António Ferro, à boa maneira fascista, cria, então, um prémio
de segunda categoria (não previsto inicialmente) no valor de cinco mil
escudos, em vez dos mil iniciais, e promove a publicação de Mensagem.
Como peculiaridade, refira-se que o primeiro prémio do concurso foi
atribuído ao poema A Romaria, da autoria do padre Manuel Joaquim Reis
Ventura, texto hoje completamente esquecido.
A colagem de Mensagem ao regime do Estado Novo trouxe alguns
dissabores ao poeta, que foi acusado de colaborar com a ideologia fascista,
mas, logo em 1934, Pessoa distancia-se do regime salazarista. Esta atitude,
Alfredo Margarido explica-a do seguinte modo: “Pessoa, como tantos outros
portugueses, hesitou perante a Ditadura, apoiando-a, antes de começar a
duvidar, não da ideia de Ditadura, mas dos homens que a geriam.”

Estrutura simbólica e constantes temáticas


Apesar de os poemas de Mensagem terem sido escritos ao longo de cerca
de vinte e um anos, a sua organização, enquanto produto final, obedece a
uma lógica cuidadosamente estruturada e de acordo com o ciclo da vida:
nascimento/crescimento, realização e morte. E todos os heróis e reis que

2
O primeiro título escolhido para o livro seria Portugal, abandonado por o poeta considerar que o nome do
país estava muito maltratado, sendo utilizado, de modo abusivo, nomeadamente no discurso publicitário.
A escolha de Mensagem adequa-se melhor às características esotéricas do poema, que mais não seria que
a “mensagem” de Deus transmitida pela voz do poeta a todos os portugueses.

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PRIMEIRA PARTE

BR ASÃO

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BELLUM SINE BELLO.

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I.
OS CAMPOS

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22 . 23
A Europa é perspetivada pelo poeta como uma figura feminina cujo rosto
é, indubitavelmente, Portugal – “O rosto com que fita é Portugal”. Mas
esta figura feminina “jaz”, melhor dizendo, está deitada sobre os cotovelos,
numa atitude de hipotético adormecimento, ou de espera, vivendo
PRIMEIRA PARTE das memórias de um passado, cujas raízes culturais estão associadas às
BRASÃO
referências à Grécia, Itália e Inglaterra.
I. Desta atitude passiva, expectante, apenas o rosto parece estar ani-
OS CAMPOS
mado de vida, porque “fita”, olha fixamente, o ocidente. Só Portugal parece
Primeiro estar pronto a despertar e o seu olhar é, simultaneamente, “esfíngico e fatal”,
O dos Castelos
ou seja, enigmático e marcado pelo destino.
A que destino se referirá o poeta? Sem dúvida ao papel de Portugal
como líder inegável de uma nova Europa, cujo futuro recuperará a glória
do passado. A missão de Portugal está, desde logo, assinalada pela sua
localização geográfica estratégica: conquistar o que está para ocidente, o
mar, criando um novo império que dará continuidade à supremacia do
restante império europeu.
O título do poema é uma alusão ao território português, protegido
por castelos, os setes castelos (presentes na bandeira nacional) que, uma
vez conquistados aos mouros, definiriam a geografia de Portugal.

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PRIMEIRO
O DOS CASTELOS

A Europa jaz, posta nos cotovelos:


De Oriente a Ocidente jaz, fitando,
E toldam-lhe românticos cabelos
Olhos gregos, lembrando.

O cotovelo esquerdo é recuado;


O direito é em ângulo disposto.
Aquele diz Itália onde é pousado;
Este diz Inglaterra onde, afastado,
A mão sustenta, em que se apoia o rosto.

Fita, com olhar ‘sfíngico e fatal,


O Ocidente, futuro do passado.

O rosto com que fita é Portugal.

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SEGUNDA PARTE

MAR PORTUGUÊS

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POSSESSIO MARIS.

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72 . 73 No poema que abre a segunda parte de Mensagem, Pessoa recupera a
figura do Infante D. Henrique, um herói, um dos eleitos por Deus, que foi
protagonista da vontade divina – “Deus quer” – e que cumpriu a missão
para a qual foi designado – “a obra nasce”.
SEGUNDA PARTE Essa obra foi grandiosa: a descoberta da terra, na sua totalidade
MAR PORTUGUÊS
e verdadeira forma, através da posse do mar – “E viu-se a terra inteira, de
I. repente, / Surgir, redonda, do azul profundo”.
O Infante
Porém, o poeta antecipa o desfecho desventurado da saga marítima
dos portugueses – povo que deu o mundo ao mundo, conquistando o
mar, mas cujo império se foi progressivamente dissolvendo – “e o Império
se desfez”.
O poema encerra, então, com um tom desencantado – “Senhor, falta
cumprir-se Portugal!” –, mas no qual se pressente a certeza de que é possível
recuperar a grandeza perdida e construir um Portugal novo.

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I.
O INFANTE

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.


Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,


Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.


Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

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TERCEIRA PARTE

O ENC OBERTO

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PAX IN EXCELSIS.

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I.
OS SÍMBOLOS

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108 . 109 Este texto, que abre a terceira parte de Mensagem, é o segundo poema
pessoano dedicado a D. Sebastião.
O poema, utilizando um discurso de primeira pessoa, inicia-se com
um apelo do rei aos portugueses, a quem o monarca transmite a esperança
TERCEIRA PARTE de um futuro promissor. Para o rei, a “hora adversa” do presente não é mais
O ENCOBERTO
do que o “intervalo” necessário para o início da realização de um grande
I. sonho universal e eterno – “É O que eu me sonhei que eterno dura” – que
OS SÍMBOLOS
ultrapassará a precariedade do momento em que o D. Sebastião histórico,
Primeiro aquele que desapareceu em Alcácer-Quibir, caiu no areal.
D. Sebastião
A derrota em Alcácer-Quibir é, assim, apresentada como um ‘mal
necessário’ para se ultrapassar a dimensão material e efémera do império
português – “o areal e a morte e a desventura” – e se começar a construir uma
outra grandeza possuidora de uma dimensão espiritual e eterna, o Quinto
Império, inspirado na figura do rei – “É Esse que regressarei.”. O rei assume-se
como uma espécie de Messias, um enviado de Deus – “Que Deus concede
aos seus”; “Se com Deus me guardei?” –, um salvador que conduzirá o seu
povo à glória eterna.

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PRIMEIRO
D. SEBASTIÃO

‘Sperai! Caí no areal e na hora adversa


Que Deus concede aos seus
Para o intervalo em que esteja a alma imersa
Em sonhos que são Deus.

Que importa o areal e a morte e a desventura


Se com Deus me guardei?
É O que eu me sonhei que eterno dura,
É Esse que regressarei.

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Índice

PRIMEIRA PARTE
BR AS ÃO

I. — Os Campos

Primeiro: O dos Castelos 23


Segundo: O das Quinas 25

II. — Os Castelos

Primeiro: Ulisses 29
Segundo: Viriato 31
Terceiro: O Conde D. Henrique 33
Quarto: D. Tareja 35
Quinto: D. Afonso Henriques 37
Sexto: D. Dinis 39
Sétimo (I): D. João o Primeiro 41
Sétimo (II): D. Filipa de Lencastre 43

III. — As Quinas

Primeira: D. Duarte, Rei de Portugal 47


Segunda: D. Fernando, Infante de Portugal 49
Terceira: D. Pedro, Regente de Portugal 51
Quarta: D. João, Infante de Portugal 53
Quinta: D. Sebastião, Rei de Portugal 55

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IV. — A Coroa

Nun’Álvares Pereira 59

V. — O Timbre

A Cabeça do Grifo: O Infante D. Henrique 63


Uma Asa do Grifo: D. João o Segundo 65
A Outra Asa do Grifo: Afonso de Albuquerque 67

SEGUNDA PARTE
M AR P ORT U GUÊS

I. O Infante 73
II. Horizonte 75
III. Padrão 77
IV. O Mostrengo 79
V. Epitáfio de Bartolomeu Dias 83
VI. Os Colombos 85
VII. Ocidente 87
VIII. Fernão de Magalhães 89
IX. Ascensão de Vasco da Gama 93
X. Mar Português 95
XI. A Última Nau 97
XII. Prece 101

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TERCEIRA PARTE
O ENC OBERTO

I. — Os Símbolos

Primeiro: D. Sebastião 109


Segundo: O Quinto Império 111
Terceiro: O Desejado 115
Quarto: As Ilhas Afortunadas 117
Quinto: O Encoberto 119

II. — Os Avisos

Primeiro: O Bandarra 123


Segundo: António Vieira 125
Terceiro: (‘Screvo meu livro à beira-mágoa…) 127

III. — Os Tempos

Primeiro: Noite 131


Segundo: Tormenta 135
Terceiro: Calma 137
Quarto: Antemanhã 139
Quinto: Nevoeiro 141

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Fernando Pessoa

FERNANDO PESSOA
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Novo Acordo Ortográfico. Ao afirmar «os futuros ma
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mal o haver escrito em outra», Pessoa soube antever

MENSAGEM
o (atual) presente.

Mensagem, obra-prima universal e universalista, é o


único livro em língua portuguesa publicado em vida
do poeta.

Mensagem é o poema épico sobre a pátria e o seu


destino, o poema da glorificação do futuro.

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