Você está na página 1de 135

Prólogo

O poder que o estranho radiava, girava em cores e vibrações gloriosas, fluindo como uma capa em suas costas e
circulando sua cabeça como uma coroa de luz. A voz audível para ambos ouvidos e mente, correram pelo seu sangue
como uma canção esquecida e de repente lembrada.

O que ele oferecia era tentador, era excitante e fazia o coração doer de ansiedade. Mas ainda, ainda assim…
havia algo…

Quando ele se foi, os líderes do eredar se encararam e falaram com leveza, palavras destinadas apenas para suas
mentes.

“Ele nos pede pouco, considerando o que nos oferece” disse o primeiro. Ele alongou-se no mundo físico e
metafísico, emanando ecos de sua força.

“Tanto poder”, sussurrou o segundo, perdido em seus pensamentos. Ele era o mais elegante deles, o mais belo e
sua essência era gloriosa e radiante. “E ele diz a verdade. O que ele nos mostrou irá acontecer. Ninguém poderia
inventar tal história”

O terceiro estava em silêncio. O que o segundo disse era verdade. O método como o ser poderoso demonstrou o
que pode oferecer não podia ser falso, todos eles sabiam disso. Ainda, essa entidade, esse… Sargeras… havia algo
nele que Velen não gostava.

Os líderes companheiros de Velen, também eram seus amigos. Ele era mais próximo de Kil’jaeden, o mais
poderoso e decisivo dos três. Eram amigos por anos que passam despercebidos em seres além do alcance do tempo. A
quase certa decisão de Kil’jaeden em aceitar a oferta pesava mais para Velen do que a opinião de Archimonde, a qual,
muitas vezes, era ocasionada por seu apego a vaidade.

Velen pensou novamente na imagem mostrada a eles por Sargeras. Mundos a serem conquistados por eles, e
mais importante, explorar e investigar; pois além de tudo, os eredar eram curiosos. Para seres tão poderosos,
conhecimento era como alimento para seres inferiores, e Sargeras ofereceu a eles uma amostra tentadora do que
poderia ser deles se apenas…

Apenas jurassem lealdade a ele.

Apenas prometessem o mesmo para seu povo.

“Como sempre, Velen é o cauteloso”, disse Archimonde. As palavras poderiam ser elogiosas; ao invés disso,
elas pareceram condescendentes. Ele sabia o que Archimonde queria, e sabia que os outros viam sua hesitação como
um obstáculo para o que ele, Archimonde, ansiava nesse momento. Velen sorriu.

“Sim, eu sou o cauteloso, e muitas vezes isso nos salvou tanto quanto seu instinto decisivo, Kil’jaeden, e sua
impetuosidade, Archimonde”.

Ambos riram, e por um momento Velen sentiu-se aquecido por sua afeição. E então se aquietaram, e ele
percebeu que eles já haviam se decidido. O coração de Velen pesou enquanto os via indo embora, torcendo para que
tomassem a decisão certa.

Os três sempre trabalharam bem juntos e suas personalidades distintas serviam para balanceá-los. O resultado
disso era harmonia e paz para seu povo. Ele sabia que Kil’jaeden e Archimonde queriam, de verdade, o que era melhor
não só para si mesmos, mas também para aqueles que lideravam. Ele partilhava desse sentimento, antes mesmo de
chegarem a tais acordos.

Ele franziu a testa. Por que Sargeras, tão confiante e atrativo, o perturbava tanto? Obviamente, os outros estavam
inclinados a aceitar a oferta. Sargeras disse que os eredar eram exatamente o que ele procurava. Um povo forte,
obstinado, orgulhoso, que serviria a ele e ajudaria a aproximar todos os mundos, em todos os lugares. Ele iria
aprimorá-los. Iria mudá-los e daria dons que o universo nunca viu, pois o universo nunca antes juntou os poderes que
Sargeras reivindicava. E o que Sargeras contou a eles, realmente aconteceria.

E ainda, ainda…

Velen foi para o templo, onde costumava ir quando sentia-se perturbado. Outras pessoas estavam lá naquela
noite, sentados em círculo no único pilar da sala que carregava o cristal ata’mal. O artefato era tão antigo que nenhum
dos eredar sabia sua origem, como não sabiam da própria. Lendas contam que foi uma dádiva concedida a eles haviam
muitos anos. O cristal possibilitou que eles expandissem suas habilidades mentais e seu conhecimento dos mistérios
do universo. Foi usado no passado para cura, conjurações, e, como Velen esperava usá-lo hoje, para visões. Ele
caminhou e tocou o cristal com reverência. Seu calor, como o de um animal pequeno aninhado na palma de sua mão,
acalmou-o. Respirou profundamente, permitindo o poder familiar penetrá-lo e então retornou ao círculo.

Ele fechou os olhos. E abriu o resto do corpo e alma para receber a inspiração mágica. De começo, o que ele
vislumbrou apenas confirmava o que Sargeras havia prometido. Viu a si mesmo junto de Archimonde e Kil’jaeden,
senhores não apenas de seu nobre povo, mas de incontáveis outros mundos. Poder reluzia em torno deles, poder que
ele sabia ser intoxicante como qualquer licor que poderia vir a provar. Cidades brilhantes pertenciam a eles, e também
seus habitantes, curvando perante eles em adoração e lealdade. Tecnologia que nunca imaginou explorar. Livros em
línguas estranhas eram traduzidas para ele, revelando uma magia até então inimaginável.

Era glorioso, e seu coração avolumou-se.

Ele se virou para Kil’jaeden, e seu velho amigo sorriu. Archimonde pôs a mão em seu ombro.

Então Velen olhou para si.

E gritou horrorizado.

Seu corpo era gigantesco, mas distorcido e deturpado. Ao invés de sua pele azul clara, ela era escura, marrom e
nodosa como que desfigurada por alguma moléstia. Ele irradiava luz, com certeza, mas não a luz pura de energias
positivas, mas de um esverdeado doentio. Freneticamente, ele se voltou a seus amigos lideres do eredar. Eles também
estavam transformados. Também não pareciam nada com o que eram, mas haviam se tornado-

A palavra que os eredar usavam para descrever algo horrivelmente errado, algo anormal e poluído, atingiu
violentamente a sua mente com a força de uma espada. Ele gritou de novo e seus joelhos vacilaram. Velen afastou a
imagem do corpo deformado, procurando a paz, prosperidade e conhecimento que Sargeras havia prometido. Ele
apenas viu atrocidades. O que antes era uma multidão de adoradores, agora eram apenas corpos multilados e
repulsivos como o seu e de seus amigos. Entre os mortos saltitavam seres que Velen nunca tinha visto. Cachorros
estranhos com tentáculos saindo de suas costas. Pequenos seres que dançavam e brincavam no meio da carnificina.
Seres alados, que davam a ilusão de serem criaturas magníficas, supervisionavam tudo com prazer e orgulho. Onde
seus cascos fendidos passavam, a terra perecia. Não apenas grama, mas o solo também; tudo o que dava vida era
obliterado, totalmente sugado.

Era isso então que Sargeras havia planejado para os eredar. Esse era o “aprimoramento” que ele falava com tanto
entusiasmo. Se seu povo se aliasse a Sargeras, eles virariam aquelas coisas monstruosas…esses man’ari. E de alguma
maneira, Velen sabia que o que testemunhou não era apenas um incidente. Não era apenas um mundo que sucumbiria,
nem mesmo uma dúzia, ou centenas, ou milhares.

Se eles seguissem Sargeras, tudo seria destruído. Essa legião de man’ari continuaria a marchar, ajudado por
Kil’jaeden, Archimonde e – que tudo de puro o previnisse-Velen. Eles não parariam enquanto toda a existência fosse
tão varrida e escurecida quanto a imagem do chão que Velen via de forma turvada. Sargeras era louco? Ou pior, ele
sabia e mesmo assim ansiava por isso?

Sangue e lava vertiam sobre tudo e chuviscava sobre ele, queimando-o, até que ele desabou no chão e chorou.

A visão sumiu compassivamente e Velen piscou, trêmulo. Ele estava sozinho no templo e o cristal brilhava. Ele
estava agradecido por esse balsamo.
Não havia acontecido. Ainda não.

O que Sargeras havia dito era verdade. Os eredar seriam transformados, e seus três líderes teriam poder,
conhecimento, dominação… seriam quase deuses.

E eles perderiam tudo o que mais valorizavam, trairiam aqueles que juraram proteger-por isso.

Velen passou a mão pelo rosto, aliviado por sentir que a umidade era de sua lágrimas e suor e não fogo e sangue.
Não ainda. Era possível deter ou mesmo atenuar a destruição que a legião causaria?

E a resposta fluiu em seus ouvidos, como água no deserto: Sim.

Eles vieram juntos, respondendo a sua súplica. Em uma questão de instantes, eles limpariam suas mentes para que
Velen os deixassem ver o que ele viu, sentir o que ele sentiu. Por um momento, achou que eles dividiriam os mesmos
sentimentos e se encheu de esperança. Havia uma chance.

Archimonde franziu a testa. “Isso não é uma visão do futuro que possamos confiar. Isso é apenas um palpite.”

Velen encarou seu amigo, então virou-se para Kil’jaeden. Ele não era apegado a vaidades, era sábio e
ponderado…

“Archimonde está certo”, disse calmamente Kil’jaeden. “Não há veracidade, apenas imagens criadas em sua
mente”

Velen o observou, dor surgindo em seu peito. Gentilmente, e com pesar, ele desconectou seus pensamentos dos
deles. Agora o que estava em seu coração e mente era só dele. Ele nunca mais compartilharia algo com esses que
chegaram a ser como extensão de sua alma.

Kil’jaeden interpretou isso como rendição, exatamente o que Velen pretendia parecer e sorriu quando aquele pos
a mão em seu ombro.

“Não quero abrir mão de algo que sei ser positivo, bom e verdadeiro por medo de ser desagradável” disse ele.
“Nem você, eu acredito.”

Velen não arriscou mentir. Ele apenas baixou a cabeça e suspirou. Antigamente Kil’jaeden e até mesmo
Archimonde veriam por trás desse pretexto frágil. Mas agora, seus pensamentos eram outros. Pensavam nesse poder,
aparentemente sem limites, que seria concedido a eles. Era tarde para persuadi-los. Esses grandes seres eram agora
marionetes de Sargeras; estavam a ponto de se transformarem em man’ari. Velen sabia com certeza e horror, que se
desconfiassem que ele não participaria, eles se virariam contra ele com sérias consequências. Ele tinha que sobreviver,
mesmo que fosse apenas para salvar seu povo da condenação e destruição.

Então ele abaixou a cabeça, mas não falou nada, e com isso ficou decidido que os três líderes do eredar se
aliariam ao grande Sargeras. Archimonde e Kil’jaeden partiram logo para preparar as boas vindas para seu novo
senhor.

Velen sofreu por sua impotência. Ele desejava salvar seu povo, como havia jurado, mas sabia que era impossível.
A maioria iria confiar em Archimonde e Kil’jaeden e segui-los até sua destruição. Mas haveria poucos que pensariam
como ele e pela sua palavra abandonariam tudo. Seria necessário; o seu mundo, Argus, seria destruído em pouco
tempo, devorado pela loucura da legião demoníaca. Os sobreviventes teriam que fugir.

Mas…para onde?

Desesperado, Velen olhava o cristal ata’mal. Sargeras estava vindo. Não havia lugar no mundo para esconder-se
de tal ser. Então, como ele escaparia?

Ele olhava o cristal e lágrimas embaçavam sua visão. Certamente eram elas as responsáveis por fazer o cristal
pulsar e brilhar. Velen piscou. Não… não era um engano. O cristal brilhava e ascendia devagar do pedestal, flutuando
até ele.
Toque, ecoava com suavidade uma voz em seus ouvidos. Tremendo, espantado, Velen tocou, esperando sentir o
calor familiar do prisma adormecido.

Energia percorreu seu corpo e ele arquejou. Em intensidade, era tão poderosa quanto a energia sombria que
presenciou em sua visão. Mas essa era pura, ao invés de repulsiva, era alva e não escura e ele, de repente, sentiu-se
forte e esperançoso.

O campo estranho e reluzente em volta do cristal cresceu, alargou-se assumindo uma forma. Velen piscou quase
cego pelo resplendor, mas não afastou o olhar.

Você não está sozinho, Velen dos eredar, uma voz sussurrou para ele. Era calma como o som de água corrente, e
animada como brisa de verão. O resplendor diminuiu levemente, e pairando a sua frente apareceu um ser que nunca
havia visto. Parecia ser feito de luz viva. Seu núcleo era dourado e por fora brilhava um leve violeta. Glifos metálicos
estranhos orbitavam pelo núcleo, dançavam num espiral de cor e luz que hipnotizava. Continuou a falar em sua mente,
como se tivessem dado voz à própria luz.

Nós também sentimos o horror iminente sobre esse e outros mundos. Nosso esforço é para manter o equilíbrio e o
que Sargeras está planejando irá destruir tudo. Ruína e caos descenderão e tudo o que é bom, verdadeiro, puro e
sagrado será perdido irremediavelmente.

Quem… o que... Velen não conseguia formular a pergunta, de tão maravilhado que estava pela glória daquele ser.

Nós somos os Naaru, disse a entidade. Você pode me chamar de… K’ure.

Os lábios de Velen curvaram-se para formar as palavras, enquanto as suspirava em voz alta, “Naaru… K’ure…,”
ele provou sua doçura, como se apenas falar seus nomes daria a ele um pouco da sua essência.

Aqui é onde tudo começa, K’ure continuou. Não podemos evitar, pois seus amigos têm livre arbítrio. Mas você
nos procurou com o coração angustiado, para salvar alguns. E nós salvaremos todos os que rejeitarem o horror que
Sargeras oferece.

O que eu faço? De novo os olhos de Velen se encheram de lágrimas, mas de alegria e alívio.

Reúna aqueles que ouvirão sua sabedoria. Vá a montanha mais alta no dia mais longo do ano. Leve o cristal
ata’mal com você. Há muitos, muitos anos, nós o demos a vocês; será como nós os acharemos novamente. Nós
viremos e os levaremos embora.

Por um momento, uma centelha de dúvida, como uma chama sombria, queimou no coração de Velen. Ele nunca
ouviu falar de seres iluminados chamados Naaru, e agora essa entidade, esse K’ure, estava pedindo que ele roubasse o
objeto mais sagrado de seu povo. Inclusive alegavam terem sido eles quem deram de presente para os eredar!Talvez
Kil’jaeden e Archimonde estavam com a razão. Talvez sua visão nada mais era do que uma manifestação de seu
medo.

Porém, mesmo com esses pensamentos distorcidos passando pela sua cabeça, ele sabia que eram apenas vestígios
de seu coração partido, desejando que tudo continuasse como estava, antes de mudarem tão terrivelmente… antes de
Sargeras.

Ele sabia o que tinha que fazer, e fez uma reverência para o glorioso ser de luz.

O primeiro e mais confiável aliado que Velen chamou foi Talgath, um velho amigo que o ajudou no passado. Tudo
dependia dele pois diferente de Velen, ele podia agir sem ser vigiado. Talgath estava cético até ele conectar suas
mentes e mostrar sua visão. Nada disse sobre os Naaru e a oferta de ajuda, pois não sabia como a ajuda viria. Apenas
assegurou que havia como escapar àquele destino, se confiasse nele.

O dia mais longo do ano estava chegando. Com toda a discrição que podia ter, enquanto Archimonde e Kil’Jaden
estavam obcecados com Sargeras, Velen enviou uma cadeia de pensamentos para aqueles em quem confiava. Outros
eram reunidos por Talgath. Velen então virou sua atenção aos traidores, que um dia foram seus amigos, e teceu uma
sutil rede mágica em volta deles, para que não percebessem a agitação acontecendo debaixo de seus narizes.

Com uma rapidez surpreendente e ao mesmo tempo uma demora agonizante, uma rede complexa estava criada.
Quando o dia finalmente chegou, os eredar que escolheram seguir Velen reuniram-se no topo da montanha mais alta e
ele percebeu que o número era insignificante. As pessoas que ele confiava de verdade eram apenas algumas centenas.
Não queria arriscar tudo e chamar alguem que pudesse se virar contra ele.

Há algum tempo, ele tirou o cristal ata’mal do seu lugar. Passou os últimos dias criando um falso para que
nenhum alarme fosse dado pelo seu desaparecimento. Ele esculpiu de um cristal simples com muito cuidado, lançando
um feitiço para que brilhasse. Mas permanecia inerte ao toque. Se alguém esfregasse os dedos no cristal falso, o roubo
seria descoberto.

O verdadeiro cristal ata’mal estava agora junto ao seu peito enquanto observava seus compatriotas subirem a
montanha com suas pernas e cascos fortes. Muitos já haviam chegado e olhavam com expectativa, com a pergunta em
seus olhos, quando não em seus labios. Eles se perguntavam se escapariam.

Como escapariam? pensou Velen. Por um momento ele se desesperou, mas então lembrou do ser radiante. Eles
viriam. Ele sabia. Enquanto isso, cada momento que passava, a chance de serem descobertos aumentava. Talgath e
tantos outros não estavam aqui ainda.

Restalaan, outro fiel velho amigo, sorriu para ele. “Eles chegarão logo” ele assegurou.

Velen concordou. Ele esteve certo por muitas vezes. Não havia sinais de que seus velhos amigos, agora inimigos,
foram alertados desse plano audacioso. Eles estavam consumidos pelo futuro poder que teriam.

E ainda…

O mesmo instinto que o preveniu de confiar em Sargeras agora incomodava sua consciência. Ele andava a passos
largos.

E lá estavam eles.

Talgath e muitos outros surgiram sorrindo, acenando e ele suspirou aliviado. Ao descer para encontrá-los, o
cristal que segurava pulsou, espalhando energia pelo seu corpo. Ele o segurou firme com seus dedos azuis enquanto
sua mente se abria para o aviso. Seus joelhos dobraram ao sentir na pele o odor.

Sargeras já havia começado. Já estava criando sua legião hedionda com os eredar que eram, ou ingênuos demais
ou confiavam em Kil’jaeden e Archimonde; estava deformando-os nos man’ari que havia previsto. Ao alcance da sua
visão haviam milhares deles com diferentes habilidades e características. Estavam disfarçados. Se ele não estivesse
segurando o cristal ata’mal, não os sentiria até ser tarde demais.

Era tarde demais.

Chocado, ele olhou Talgath e de repente percebeu que a mancha emanava de seu amigo e também da multidão de
monstros que o seguia – a Legião. Uma oração impelida do fundo de sua alma desesperada estremeceu sua mente.

Ku’re. Ajude-nos!

Os man’ari estavam agora escalando a montanha. Perceberam que tinham sido descobertos e aproximavam-se
como predadores prontos para matar. Apenas Velen sabia que a morte era melhor do que fariam com ele e seus
seguidores. Sentindo-se num beco sem saída, Velen agarrou o cristal ata’mal e levantou em direção aos céus.

E, como se os céus estivessem se abrindo por vontade própria, um poço de luz surgiu. Sua gloria brilhou
diretamente no prisma cristalino e diante de seus olhos a luz dividiu-se em sete raios de cores diferentes. A dor invadiu
Velen a medida que o cristal despedaçava. As pontas afiadas cortavam seus dedos. Ele arfou e instintivamente largou
o cristal quebrado, vendo extasiado os pedaços flutuarem no ar, cada qual transformando-se numa esfera perfeita. Os
sete cristais – vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta – ascenderam e formaram um cerco de luz e volta
dos eredar amedontrados.

Naquele preciso instante, Talgath correu em sua direção, puro ódio em seus olhos. Ele golpeou o círculo de luzes
multicolorido como se fosse um muro de concreto e caiu para trás. Velen virou-se e viu os man’ari descer, rosnando,
babando e escalando o muro com suas garras. Velen sentiu um rufar profundo. Neste dia de maravilhas, viu algo que
ultrapassara o milagre das esferas de luz. Ele contemplou o que parecia ser uma estrela cadente, tão iluminada que era
insuportável olhá-la. A medida que se aproximava, ele viu que não era algo tão volúvel como uma estrela no céu, mas
uma estrutura sólida; seu centro era suave e redondo decorados com triângulos cristalinos. Ele chorou abertamente
quando uma voz tocou sua mente.

Eu estou aqui, como havia prometido. Prepare-se para abandonar esse mundo, Profeta Velen

Velen estendeu os braços como uma criança suplicando pelo colo da mãe. A esfera acima dele pulsou e ele foi
gentilmente arrebatado. Estava flutuando e viu que os outros também estavam sendo elevados em direção a… nave?
Pelo menos era o que parecia para ele, apesar de vibrar com uma essência que até então não compreendia. Em meio a
alegria contida ele ouviu os man’ari gemerem e gritarem vendo sua presa fugir. A base da nave abriu-se, e segundos
depois Velen viu-se de pé. Ele ajoelhou-se no que parecia ser o chão e viu seus seguidores flutuarem em direção a
salvação. Quando o último chegou, ele esperava que a porta se fechasse e a nave; que parecia ser de metal que não era
metal, de carne que não era carne e da essência de Ku’re; decolasse.

Ao invés disso ele escutou um susurro: Os cristias – ele era um, agora são sete. Recupere-os pois irá precisar
deles

Velen inclinou-se para a abertura e estendeu suas mãos. E com uma velocidade chocante os sete cristais
ondularam em sua direção, atingindo tão forte a palma de sua mão que ele arquejou. Ele as reuniu ignorando o calor
incrível que emanavam e jogou-se para trás. A porta desapareceu de repente como se nunca tivesse existido.
Agarrando os sete cristais, seus pensamentos foram tão longe que chegaram perto da loucura, ficando presos por uma
eternidade entre a esperança e o desespero.

Eles conseguiram? Escaparam?

Da sua posição como cabeça do exército, Kil’jaeden tinha uma clara vista da montanha infestada com seus
escravos. Por um breve momento sentiu o gosto da vitória tão doce quanto o apetite que Sargeras implantou nele.
Talgath fez um ótimo trabalho. Velen estar segurando o cristal na hora do ataque foi apenas sorte; caso não estivesse,
seu corpo estaria em mil pedaços agora.

Mas ele estava segurando e foi avisado. Algo havia acontecido – luzes estranhas tinham brotado para abrigar o
traidor e algo os resgatou. Enquanto ele observava, a nave peculiar tremeluziu e… desapareceu.

Ele escapou! Maldito seja, ele escapou!

O deleite dos man’ari, que havia alegrado Kil’jaeden segundos antes, havia virado decepção. Ele tocou a mente
de todos eles, mas nada sabiam. O que era aquela coisa que veio tomar Velen de suas mãos? Medo invadiu Kil’jaeden.
Seu mestre não ficaria satisfeito com esses acontecimentos.

“E agora?” perguntou Archimonde. Ele virou-se para seu aliado.

“Nós o acharemos,” rosnou Kil’jaeden. “Nós os acharemos e os destruiremos. Mesmo que leve mil anos.”
Capítulo 1

Meu nome é Thrall. A palavra significa “escravo” na língua dos humanos e a história por trás desse nome é longa,
melhor deixar para uma outra hora. Pela graça dos espíritos e o sangue de heróis que corre em minhas veias, tornei-me
Chefe Guerreiro do meu povo, os orcs, e de um grupo de raças chamada Horda. Como isso aconteceu também é outra
história. A que eu gostaria de descrever agora, ante aqueles que foram residir com os honrados ancestrais, é a história
de meu pai, dos que acreditaram nele; e daqueles que o trairam e assim trairam todo o seu povo.

O que poderia ter acontecido se esses eventos não tivessem se desenrolado, nem mesmo o sábio xamã Drek’Thar
pode dizer. Os caminhos do Destino são muitos e nenhum ser sensato deveria se aventurar no enganosamente
agradável caminho do “se”. O que aconteceu, aconteceu; meu povo deve carregar tanto a vergonha quanto as glórias
de nossas escolhas.

Este conto não é o da Horda que existe hoje, uma organização desprendida de orcs, taurens, trolls, renegados e
elfos sangrentos, mas a ascensão da primeira Horda. Seu nascimento, como o de qualquer infante, foi marcado por
sangue e dor e seus gritos inclementes pela vida significavam morte para seus inimigos.

Para um conto tão violento e sinistro, ele começa pacificamente entre os montes e vales de uma terra verdejante
chamada Draenor…

O ritmo dos tambores ninava os jovens orcs, mas Durotan do clã Frostwolf estava acordado. Estava deitado com os
outros no chão da barraca acumulado de barro. Um enchimento de palha e uma grossa pele de fenoceronte o
protegiam do frio de doer os ossos. Mesmo assim, ele sentia as vibrações das batidas viajarem através da terra e para
dentro de seu corpo enquanto seus ouvidos eram acariciados pelo som ancestral. Como ansiava sair e juntas-se a eles!

Ainda faltava um verão para que Durotan participasse do Om’riggor, o rito da maturidade. Até esse
acontecimento tão esperado, ele teria que aceitar ficar largado com as crianças na barraca enquanto os adultos
sentavam em volta da fogueira e conversavam sobre coisas que, sem dúvida, eram misteriosas e significantes.

Ele suspirou e virou-se na pele. Não era justo.

Os orcs não lutavam entre si, mas também não eram particularmente sociáveis. Cada clã ficava na sua, com suas
próprias tradições, estilos, vestimentas, estórias e xamã. Havia variações de dialetos que eram tão diferentes que
alguns orcs não se entendiam a não ser que falassem a língua comum.

Sentiam-se tão distintos entre eles quanto à outra raça que dividia a generosidade dos campos, florestas e
correntezas; os misteriosos pele azulada, chamados draenei. Apenas duas vezes ao ano, primavera e outono, todos os
clãs orcs se reuniam como faziam agora, para honrar a época em que dia e noite tinham a mesma duração.

O festival havia oficialmente começado na noite anterior, ao nascer da lua, apesar de estarem reunidos naquele
ponto há vários dias. Por tanto tempo quanto conseguiam se lembrar, a solenidade de Kosh’harg acontecia nesse local
sagrado que os orcs chamavam de Nagrand, “Terra dos Ventos”, que jazia na sombra benevolente da “Montanha dos
Espíritos”, Oshu’gun. Enquanto rituais de desafio e combate eram comuns durante o festival, animosidades e violencia
nunca aconteciam. Quando os ânimos se exaltavam, como ás vezes ocorria quando tantos se aglomeravam, o xamã
encorajava os grupos a resolverem pacificamente ou sairem da área sagrada.

A terra era exuberante, fértil e calma. Ás vezes Durotan se perguntava se essa tranquilidade era devido ao desejo
dos orcs em trazer a paz ou se eles eram pacíficos porque a terra era tão serena. Sempre que tinha esses pensamentos,
ele os guardava para si, pois nunca vira alguém expondo opiniões tão estranhas.

Durotan suspirou em silêncio, mente a mil, coração pulsando em resposta ao ritmo do rufar vindo de fora. A noite
ontem foi maravilhosa, animando a alma dele. Quando a Dama Pálida clareou a linha escura das árvores na sua fase
minguante, porém brilhante o bastante para lançar uma luz poderosa que era refletida nos bancos de neve, um júbilo
foi ecoado das gargantas de cada um dos milhares de orcs reunidos; velhos sábios, guerreiros no seu auge e até
crianças no colo de suas mães. Os lobos, não apenas montaria mas também companheiros dos orcs, se juntaram com
uivos exultantes. O som vibrou pelas veias de Durotan, um profundo e primitivo brado de saudação à esfera branca
que comanda o céu noturno. Ele voltou-se para olhar o mar de seres poderosos, levantando suas mãos marrons,
prateadas pelo luar, para a Dama Pálida, todos com um foco. Se algum ogro fosse tolo o bastante para atacar, ele
tombaria em segundos diante das armas de guerreiros tão determinados.

E então, chegou a hora do banquete. Dúzias de feras haviam sido abatidas na estação anterior, antes do inverno
chegar, e foram desidratadas e defumadas para o evento. Fogueiras foram acesas, sua luz quente fundindo-se com o
brilho encantado da Dama e as batidas começaram e não pararam desde então.

Como qualquer criança – deitado em sua pele ele torceu o nariz para a palavra – foi autorizado a ficar acordado
até terminar a sua refeição e o xamã ter ido embora. Uma vez que o banquete de entrada havia acabado, os xamãs de
cada clã partiam para escalar o Oshu’gun, entrar em suas cavernas e receber conselhos de seus ancestrais.

Oshu’gun impressionava mesmo vista de longe. Diferente de outras montanhas, irregulares e ríspidas, ela brotava
do chão tão precisa e aguda quanto a ponta de uma lança. Parecia um cristal gigante que foi colocado na terra, com
linhas bem proporcionadas e tão clara que cintilava tanto na luz do sol quanto da lua. Algumas lendas contam que ela
caiu do céu há centenas de anos e ela era tão estranha que Durotan achava que essas lendas poderiam ser verdadeiras.

Por mais interessante que Oshu’gun fosse, Durotan não achava justo que os xamãs ficassem lá durante o festival todo.
Para ele, os xamãs perdiam toda a diversão. Porém, pensando bem, as crianças também.

Durante o dia havia caçadas, jogos e a lembrança de atos heróicos dos ancestrais. Cada clã tinha suas próprias
histórias, portanto haviam novas e excitantes aventuras para escutar, além das que havia escutado quando criança.

Por mais divertido que fossem, e mesmo gostando delas, ele ansiava para saber o que os adultos discutiam depois
que as crianças caiam no sono em suas barracas; depois de suas panças estarem cheias de boa comida, de terem
fumado e bebido muitas cervejas.

Ele não aguentava mais. Sorrateiramente sentou-se com os ouvidos atentos para ver se havia indícios de alguém
estar acordado. Não escutou nada e após um longo minuto levantou-se e andou bem devagar até a entrada. Foi um
progresso longo e lento na barraca escura. Havia várias crianças de tamanhos e idades diferentes dormindo e um passo
em falso as acordaria. Coração acelerado pela animação da sua ousadia, Durotan pisou cuidadosamente entre os
espaços visíveis, colocando seu largo pé com a delicadeza de uma ave.

Parecia uma eternidade até que chegasse à saída. Ele parou para diminuir o fôlego, esticou…

E tocou um corpo largo e de pele lisa ao seu lado. Ele puxou bruscamente sua mão com um silvo de surpresa.

“O que você está fazendo?” Durotan cochichou

“O que você está fazendo?” o outro orc retrucou. De repente Durotan riu do quão tolos eles pareciam.

“O mesmo que você” respondeu com sua voz ainda suave. Todos dormiam com a excessão deles. “Podemos
continuar discutindo ou agir”

Durotan podia imaginar pelo tamanho da fraca forma à sua frente que o orc eram um macho grande,
provavelmente da mesma idade dele. Não conseguiu reconhecer o cheiro ou a voz, então ele não era do clã Frostwolf.
Era uma idéia ousada – não apenas fazer algo proibido, como deixar a barraca sem permissão, e ainda fazer tudo isso
na companhia de um orc que não era de seu clã.

O outro orc hesitou, com certeza dividido pelo mesmo pensamento. “Muito bem” finalmente disse “Vamos
nessa”

Durotan esticou-se de novo na escuridão, seus dedos roçaram na pele da porta e na curvatura de sua beirada. Os
dois jovens orcs puxaram o tecido e adentraram na noite gelada.
Durotan virou-se para seu companheiro. O outro era mais marrom do que ele e um pouco mais alto. Em relação a
idade, ele era o mais alto do seu clã e não estava acostumado a alguém mais alto do que ele. Era um tanto inquietante.
Seu aliado, em provocação, olhou para ele e ele sentiu estar sendo avaliado. O outro acenou, aparentemente satisfeito
com o que viu. Não arriscaram falar. Durotan apontou para uma árvore enorme perto da barraca e silenciosamente os
dois foram em sua direção. Era provável que o trajeto não fosse tão longo quanto pareceu, mas eles estavam expostos
e qualquer adulto poderia vê-los se por acaso virasse a cabeça na direção deles. Apesar disso, não foram descobertos.
Durotan sentiu como se estivesse à luz do dia, de tão brilhante que a lua estava em contraste com a neve cristalina. E o
barulho da neve quando pisava era tão alta quanto um ogro enfurecido. Finalmente alcançaram a árvore e afundaram-
se atrás dela. A respiração de Durotam condensou quando finalmente exalou. O outro orc virou-se e sorriu para ele.

“Eu sou Orgrim, linhagem de Telkar Doomhammer do clã Blackrock” disse o jovem num sussurro orgulhoso.

Ele estava impressionado. Apesar da linhagem Doomhammer não ser de chefes guerreiros, era muito conhecida e
honrada.

“Sou Durotan, linhagem de Garad do clã Frostwolf” respondeu ele. Agora era a vez de Orgrim reagir ao fato de
estar sentado com o herdeiro de outro clã. Ele acenou em aprovação.

Ficaram sentados por um instante, divertindo-se com a glória do desafio. Durotan começou a sentir o frio e a
água infiltrar pela pele grossa de sua capa até chegar aos pés. Apontou para a multidão de novo e Orgrim assentiu.
Espiaram pela árvore com cuidado, esforçando-se para escutar. Certamente agora eles escutariam os mistérios que
tanto ansiavam saber. Entre os sons dos estalos da grande fogueira e as batidas profundas dos tambores, vozes
flutuavam até eles.

“O xamã ficou atarefado nesse inverno com a febre” disse Garad, pai de Durotan. Ele afagou o gigantesco lobo
branco que adormecia perto da fogueira. A besta, sua pelagem alva que o identificava como sendo dos Frostwolf,
ganiu em satisfação. “Tão logo uma criança é curada, outra adoece”

“Eu estou pronto para a primavera” disse outro orc ao levantar-se e jogar um tronco na fogueira. “Tem sido duro
para os animais também. Quando nos preparávamos para o festival foi muito difícil achar fenocerontes.”

“Klaga faz ensopados deliciosos com os ossos, mas recusa-se a falar quais ervas usa” disse um terceiro fitando
uma orquisha que estava amamentando um infante. A fêmea em questão, provavelmente Klaga, riu.

“A única que terá a receita é esta pequena quando ela tiver idade.” respondeu.

De queixo caído, Durotan virou-se para encarar Orgrim, que estava com uma expressão similar. Isso era o que
consideravam tão importante e secreto que as crianças eram proibidas de sair da barraca? Discussões sobre febre e
sopas?

Na luz brilhante da lua ele não teve problemas para ver claramente o rosto de Orgrim. As sobrancelhas dele se
juntaram ao franzir a testa.

“Você e eu podemos elaborar algo mais interessante do que isso, Durotan” disse numa voz fraca e tola.

Ele sorriu e concordou. Ele tinha certeza disso.

O festival durou mais dois dias. Quando saiam escondidos, fosse dia ou noite, eles desafiavam um ao outro em
diferentes testes de habilidades. Corridas, escalada, força, equilíbrio, tudo o que pudessem pensar. E um derrotava o
outro como se tivessem planejado os turnos. Quando, no último dia, Orgrim gritou por um quinto desafio para
desempatar, algo dentro de Durotan o fez falar.

“Não vamos mais fazer desafios comuns e inferiores” disse ele, se perguntando de onde surgiam as palavras a
medida que as pronunciava. “Vamos fazer algo nunca feito na história de nosso povo”

Os olhos cinzas de Orgrim brilharam ao que se aproximou “O que você sugere?”


“Vamos ser amigos, você e eu”

O queixo musculoso de Orgrim caiu. “Mas, nós não somos do mesmo clã.” disse com uma voz que parecia que
ele tinha sugerido uma amizade entre um lobo negro e um meigo talbuque.

“Não somos inimigos” disse com um gesto desdenhoso. “Olhe a sua volta. Os clãs se reunem duas vezes ao ano e
não há problemas nisso.”

“Mas…meu pai diz que a paz é mantida justamente porque nos reunimos pouco.” continuou Orgrim. Preocupado,
franziu a testa.

Decepção temperou as palavras de Durotan com amargura. “Muito bem. Achava que era mais corajoso que os
outros, Orgrim dos Doomhammer, mas você não é melhor do que eles – acanhado, tímido e relutante em ver além do
que já foi feito e do que é possível.”

As palavras foram de coração e se ele tivesse calculado ou aprimorado elas por semanas, não poderia tê-las
escolhido melhor. A face castanha de Orgrim corou e seus olhos estalaram.

“Eu não sou covarde” rosnou ele. “Eu não fugi de nenhum desafio que propôs”

Então ele pulou em Durotan, derrubando o orc, que era menor do que ele e os dois socaram-se até ser preciso
chamar os xamãs para medicá-los e censurá-los sobre a incoveniência de brigar em local sagrado.

“Garoto impulsivo” ralhou a xamã do Frostwolf, uma velha orquisha chamada ‘Mãe’ Kashur. “Você não está
velho para levar uma surra como uma criança desobediente, jovem Durotan”

O xamã que cuidava de Orgrim resmungou semelhantes sons descontentes.

Mesmo com o sangue escorrendo de seu nariz e enquanto via o xamã curar um talho feio no torso de Orgrim,
Durotan sorriu. Orgrim olhou para ele e sorriu de volta.

O desafio havia começado, o desafio final, muito mais importante do que corridas ou levantar pedras, e nenhum
estava disposto a admitir a derrota…dizer que a amizade entre dois jovens orcs de clã diferentes era errado. Durotan
pressentiu que esse desafio em particular acabaria apenas quando um deles morresse…ou talvez nem assim.
Capítulo 2

Eu me lembro da primeira vez que encontrei os tauren. Lembro-me da voz profunda e rosto calmo de Cairne
Bloodhoof e de se sentar no chão de uma tenda que poderia ser armada e desarmada com rapidez e estranhamente
ainda me sentir em casa. Nós fumávamos cachimbo, dividíamos comidas e bebidas, sentíamos as vibrações das batidas
em nossos ossos e conversávamos.

No começo os taurens pareciam bestiais, mas havia sabedoria e disposição neles, e na primeira rodada de
negociações feita, eu sabia que os orcs tinham um aliado valioso nesses seres meio bovinos.

Enquanto conversávamos a noite caiu, suave em harmonia com a bela terra. Saímos da tenda e olhamos as
estrelas, muitas para se contar, um doce vento acariciando nossos rostos. Voltei-me para Drek’Thar em busca de sua
sabedoria. Para meu espanto, vi lágrimas em seus olhos, brilhando na luz da lua.

“Nós éramos assim, meu chefe”, disse com a voz entrecortada. Levantou seus braços, jogou a cabeça para trás,
chamando o vento para abraçá-lo e secar as lágrimas de seu forte rosto verde.

“Próximos a terra, aos espíritos. Fortes nas caçadas, gentis com os jovens, certos e justos, sabendo nosso lugar
no mundo. Entendendo o equilíbrio de dar e receber. A única mágica praticada pelos taurens é benéfica, pura mágica
da terra e ela reflete isso. Da maneira que uma vez Draenor refletiu a nossa ligação.”

Eu pensei no pedido de ajuda dos tauren em lutar contra seus inimigos, os vis e imundos centauros.

“Sim…sinto por eles. Será bom poder ajudá-los”, eu disse

Drek’Thar riu, voltando-se para mim com seus olhos cegos e me enxergando mais claramente do que qualquer
um com visão poderia.

“Oh, jovem Thrall”, disse rindo levemente, “você não entende. Eles que nos ajudarão”.

Durotan correu tão rápido quanto suas poderosas pernas jovens conseguiam carregá-lo. Sua respiração ficou ofegante
e suor umedecia sua pele castanho-avermelhado, mas forçou-se a continuar. Era verão e ele estava com seu largo pé
descalço sobre a grama macia enquanto corria e ás vezes ele pisava na muda da brilhante e roxa dassanflor. O perfume
da planta esmagada, que era cultivada para cura, subiu como uma bênção, inspirando ele a correr mais longe, mais
rápido.

Ele agora estava no limite da floresta Terokkar, entrando em suas profundezas frias e verdejantes. Tinha que
tomar cuidado com as raízes torcidas das elegantes árvores para que não tropeçasse, fazendo com que perdesse
velocidade. Luzes brandas irradiavam no coração verde da floresta e a calma que emitia estava em grave contraste
com o desejo de vencer de Durotan. Aumentou a velocidade, pulando sobre os troncos cobertos de musgo, desviando
de galhos baixos com a graça de um talbuque. Seus cabelos negros ao vento, longos e grossos derramavam em suas
costas. Seus pulmões queimavam e suas pernas gritavam para que parasse, mas ele rangeu os dentes e ignorou as
demandas do seu corpo. Ele era um Frostwolf, o herdeiro, e nenhum Blackrock poderia-

Durotan escutou um grito de guerra atrás dele e seu coração pesou. Como a dele, a voz de Orgrim ainda estava
pegando o tom grave que distinguia um adulto, mas ele tinha que admitir que já impressionava. Ele tencionou suas
pernas a forçar mais, mas elas estavam tão pesadas e imóveis como se fossem de pedra. Ele viu com pesar do canto de
seu olho, quando Orgrim apareceu em seu campo de visão e então, com um último impulso, ultrapassou ele.

O orc de Blackrock esticou seu braço e arrematou, conseguindo bater na árvore da clareira, que haviam
previamente decidido como objetivo, antes de Durotan. Orgrim continuou por mais alguns passos, como se suas
pernas poderosas, uma vez em movimento, se recusassem a parar. As dele não tinham esse problema e o herdeiro dos
Frostwolf caiu de cara no chão, mal conseguindo se segurar. Deitado com o rosto na terra fria, que tinha um doce
perfume de musgo, recuperando seu fôlego, sabendo que deveria sentar-se e desafiar Orgrim de novo, mas exausto
demais para fazer qualquer coisa além de deitar no chão da floresta e se recuperar.

Ao seu lado, ele escutou Orgrim fazer o mesmo e então, virou-se para rir. Durotan riu também. Pássaros e
pequenos animais que habitavam a floresta Terokkar estavam em silêncio enquanto os orcs diziam palavras de alegria
que provavelmente soavam como um grito feroz que antecipava uma caçada.

“Ah”, grunhiu Orgrim, sentando e socando Durotan de uma maneira amigável. “É um esforço mínimo ganhar de
um adolescente que nem você.”

“Você tem tanto músculo que seu cérebro está atrofiado”, replicou. “Habilidade é tão importante quanto força.
Mas o clã Blackrock não saberia sobre tais coisas.”

Não havia maldade no gracejo deles. No começo os clãs estavam preocupados com a amizade dos jovens, Mas o
argumento teimoso de Durotan – que só porque algo nunca havia sido feito não significava que não poderia ser feito –
divertiu e impressionou os líderes de ambos os clãs. O fato de serem tradicionalmente pacíficos ajudou muito. Se
tivessem proposto tal amizade com um membro do clã Warsong ou Bonechewer, por exemplo, que eram conhecidos
por seu orgulho e desconfiança nos outros, a pequena chama de amizade apagaria rápido. Então, os anciãos
observavam e esperavam que a amizade desaparecesse e cada um voltasse para o seu lugar e manter a ordem habitual
já estabelecida por…tanto tempo quanto pudessem lembrar.

Eles ficaram desapontados.

A última geada do inverno tinha aberto caminho para a primavera e esta agora para o calor completo do verão, e
a amizade continuava. Durotan sabia que estavam sendo observados, mas contanto que ninguém interferisse, ele não
se opunha.

Durotan fechou os olhos e deixou o musgo espalhar pelos seus dedos. Os xamãs disseram que tudo tinha uma
vida, um poder, uma essência. Eles eram envolvidos profundamente com os espíritos dos elementos – terra, ar, fogo e
água – E o Espírito da Natureza – e alegavam que podiam sentir a força vital na terra e até mesmo numa aparente
pedra inanimada. Tudo o que Durotan sentia era uma sensação fria e um tanto úmida de musgo e solo nas palmas de
suas mãos.

A terra tremeu. Seus olhos abriram num estalo.

Sentou rápido, automaticamente pegando sua clava com espinhos, que sempre carregava junto a si. Orgrim
preferiu um machado de metal pesado, arma tradicional dos Blackrock, uma versão simplificada do machado
legendário que um dia seria dele. Os jovens trocaram olhares. Não precisavam falar para se comunicarem. O que fez a
terra tremer dessa maneira seria um enorme fenoceronte, com sua pele desgrenhada que fazia cobertores magníficos e
rica carne vermelha que poderia alimentar quase um clã inteiro; ou seria algo mais perigoso?

O que vivia na floresta de Terokkar? Eles só estiveram aqui uma vez…

Levantaram em uníssono, seus pequenos olhos negros espiando nos cantos escuros das crescentes árvores, quase
onipresentes agora, procurando pela coisa responsável pelo barulho.

Bum. A terra estremeceu de novo. O coração de Durotan começou a bater mais depressa. Se fosse um
fenoceronte pequeno, talvez eles conseguissem abatê-lo e dividir os espólios com os dois clãs. Ele olhou para Orgrim
e viu seus olhos brilharem de agitação.

Bum

Bum

Crash

Ambos arfaram e recuaram ao que o ruído se aproximava. Uma árvore a poucos metros dele parecia estilhaçar
diante de seus olhos. A coisa responsável pelo barulho e despacho casual da árvore antiga apareceu.
Era enorme, carregava uma clava tão grande quanto eles e definitivamente não era um fenoceronte.

E tinha avistado eles.

Abriu a boca e gritou algo remotamente compreensível, mas Durotan não iria perder tempo imaginando o que
havia dito.

Pensando como um, os dois garotos viraram e fugiram.

Agora ele desejava que não tivessem decidido mais cedo a desafiar um ao outro para uma corrida, pois suas
pernas não haviam se recuperado por completo. Mesmo assim elas se moveram quando pediu, o instinto de
sobrevivência dando energia.

Como eles vagaram tão adentro do território dos ogros? E onde estava o gronn, seu líder? Durotan imaginou o
líder dos ogros abrindo caminho pelas árvores como o ogro fazia – proeminente em relação aos ogros e estes em
relação aos orcs, mais hediondo do que um ogro, feito mais de terra do que de carne e ainda tão terrivelmente errado,
seu único olho avermelhado e fixo enquanto apontava para o ogro ir em direção dele e Orgrim.

Ainda não tinha chegado à época na qual seriam iniciados na maturidade e assim ter permissão de irem com os
guerreiros do clã para caçar os ogros e, em raras ocasiões, os próprios gronns. Eles tinham apenas ido às caçadas
menos perigosas, a talbuques e outras presas fáceis, mas Durotan sempre ansiou pelo dia no qual seria permitido a ele
atacar essas criaturas apavorantes e obter honra para ele e seu clã.

Agora, não estava tão certo. A terra continuou a tremer e os gritos do ogro pareciam mais claros agora.

“Esmagar pequenos orcs! Mim esmagar!” O rugido que soltou quase fez seus ouvidos sangrarem.

A coisa estava alcançando eles. Apesar das ordens apavoradas do seu cérebro para que seu corpo corresse mais
rápido, mais rápido maldição, ele não conseguia distanciar-se do ser monstruoso que tão perto se aproximava que sua
vasta sombra quase obscurecia a pouca luz que filtrava dos galhos das árvores.

As árvores rarearam e a luz ficou mais brilhante. Eles estavam perto do limite da floresta. Durotan continuou
correndo, irrompendo no espaço aberto do prado, pisando em grama fofa de novo. Orgrim estava a sua frente, mas não
por muito. Desespero atravessou Durotan, seguido por uma onda negra de fúria.

Eles ainda não eram adultos! Não tinham ido a sua primeira caça de verdade, não dançaram com as fêmeas em
volta da fogueira, nem banharam seus rostos no sangue quente da primeira vítima. Tanto que não haviam feito ainda.
Uma morte gloriosa numa batalha era uma coisa, mas estavam com tanta desvantagem em relação à horrível criatura
que suas mortes seriam engraçadas e não honrosas.

Sabendo que custariam segundos preciosos, mas incapaz de resistir o impulso, ele virou sua cabeça para gritar
uma ofensa para o ogro antes de ser esmagado como um bolo de grãos pela sua clava.

O que viu fez seu queixo cair.

Os salvadores não proferiram uma palavra. Moviam-se em silêncio, uma silenciosa maré azul, branca e prata que
parecia saltar do ar. Durotan escutou o gemido familiar de flechas atravessando o ar, um milésimo depois os gritos do
ogro eram marcados não de raiva, mas de dor. Dúzias de flechas, pequenas naquele corpo massivo e pálido,
germinavam nele e detiveram seu mortal progresso. Gritou e tentou se livrar do que irritava sua pele.

Uma voz clara ecoou. Apesar de não entender a língua, ele reconheceu as palavras de poder quando as escutava e
sua pele formigou. De repente o céu estava repleto de relâmpagos. Mas esses eram diferentes dos que havia visto os
xamãs evocarem. Energia azul, branca e prata estalavam em volta do ogro como uma rede, rodopiando e cercando-o.
O monstro urrou uma vez e caiu. A terra tremeu.

Agora os draenei, seus corpos coberto com um tipo de metal que refletia nuances de energia mágica de uma
maneira que deslumbrava ele, desmontaram e foram até o ogro caído. Lâminas faiscaram, mais palavras de poder e
comando foram proferidas, e Durotan foi forçado a fechar seus olhos ou enlouqueceria com o espetáculo.
E então o silêncio caiu. Ele abriu os olhos para constatar que o ogro estaca morto. Olho ainda fixo, língua para
fora de seus lábios partidos e seu corpo coberto com sangue vermelho e marcas negras de queimadura.

Tão grande era o silêncio que ele conseguia escutar a respiração cortada de Orgrim e sua; Entreolharam-se,
atordoados, pelo o que acabaram de testemunhar.

Claro que eles já haviam visto os draenei antes, mas apenas de longe. Eles iam até os clãs de vez em quando para
trocar suas ferramentas e armas cuidadosamente manufaturadas, peças decorativas talhadas em pedra pelos grossos
couros dos animais, cobertores de pele de lobo e matérias-primas que os orcs reuniam da terra e rochedos. Sempre foi
um vínculo de interesse mútuo e os encontros não duravam mais do que poucas horas. Os draenei – pele azulada, fala
macia, sinistros e impressionantes – não pareciam querer proximidade e nenhum líder de clã os pediu que ficassem e
aproveitassem de sua hospitalidade. Relações eram cordiais, mas distantes, e todos os envolvidos pareciam querer
assim.

Agora o líder do grupo que chegou tão inesperadamente avançou em direção a Durotan. No chão onde estava, ele
percebeu nos draenei algo que não tinha visto neles de longe.

Suas pernas não iam eretas dos torsos até o solo. Eram curvadas para trás, como…os dos talbuques, e terminavam
em patas fendidas que eram revestidas de metal, da pata até em cima. E…sim, definitivamente era uma grossa calda
sem pelos que balançava de um lado para o outro. E agora seu dono estava inclinando-se para ele, oferecendo uma
forte mão azulada. Durotan piscou, fitando por mais um momento a imagem inesperada e da cauda réptil do draenei e
levantou-se sem ajuda. Olhou o rosto que carregava na cabeça um metal estranho, como uma armadura que fazia parte
do corpo. Cabelos negros e uma barba fluía pelo tabardo colorido, e os olhos brilhantes e penetrantes eram da cor de
um lago invernal.

“Está machucado?” perguntou o draenei, enrolando a língua nas sílabas tão guturais da linguagem dos orcs.

“Apenas meu orgulho” Durotan escutou Orgrim falar no dialeto de seu clã. Ele também estava um pouco
incomodado. Os draenei salvaram a vida de ambos e com certeza ele estava agradecido. Mas eles viram dois jovens
orcs orgulhosos fugirem do perigo. Um perigo real, convenhamos, – um golpe daquela clava gigante e eles seriam
esmagados – mas mesmo assim.

O draenei pode ter ou não ter ouvido ou entendido Orgrim; Durotan pensou ter visto seus lábios curvarem-se num
sorriso. O draenei olhou para o horizonte e, para a tristeza dele, o sol estava se pondo.

“Vocês vagaram muito longe da sua terra e o sol está se ajeitando para dormir.” ele disse “A qual clã
pertencem?”

“Eu sou Durotan, do clã Frostwolf e esse é Orgrim, do clã Blackrock”

O draenei pareceu perplexo. “Dois clãs diferentes? Estavam desafiando um ao outro a ponto de irem tão longe de
seus respectivos lares?”

Os orcs trocaram olhares. “Sim…e não” disse ele “somos amigos.”

O draenei arregalou os olhos. “Amigos …de clãs diferentes?”

Orgrim concordou. “Sim. Não é tradição, mas também não é proibido” adicionou defensivamente.

O draenei acenou, mas ainda parecia surpreso. Olhou eles por um momento e virou-se para seus dois
companheiros e murmurou algo em sua língua nativa.Durotan achou-a profundamente musical, como o som de uma
sinuosa correnteza sobre as pedras, ou o canto de um pássaro. Os dois draenei escutaram atentamente e acenaram. Um
pegou um odre preso a seu cinto, bebeu com intensidade e começou a correr. Com passos tão suaves e ligeiros como
de um talbuque, para o sudoeste, onde as terras dos Frostwolf ficavam. O outro, em direção ao leste, para as terras dos
Blackrock.
O draenei que falava com eles virou-se. “Eles irão avisar suas famílias que estão bem e a salvo. Retornarão para
casa amanhã. Enquanto isso ficarei feliz em oferecer a vocês a hospitalidade dos draenei. Sou Restalaan, o líder dos
guardas de Telmor, cidade com a qual ambos clãs normalmente negociam. Lamento dizer que não me lembro de
vocês, mas os orcs jovens nos parecem um tanto amedrontados quando visitamos seu território”

Orgrim eriçou-se. “Não tenho medo de nada e nem de ninguém.”

Restalaan sorriu “Você fugiu do ogro”

O rosto castanho de Orgrim obscureceu e seus olhos brilharam e raiva. Durotan baixou a cabeça levemente.
Como havia temido, Restalaan e os outros testemunharam a vergonha deles, e agora eles seriam ridicularizados.

“Aquilo” Restalaan calmamente continuou, como se notasse o efeito de suas palavras “é sabedoria. Se não
tivessem fugido, estaríamos mandando amanhã corpos para as suas famílias ao invés de dois jovens e saudáveis orcs.
Não há vergonha em ter medo, Orgrim e Durotan. Apenas em deixar que o medo impeça que façam a coisa certa. E no
caso de vocês, correr foi definitivamente a coisa certa.”

Durotan levantou o queixo. “Um dia estaremos crescidos e fortes. E então serão os ogros que terão medo de nós.”

Para a surpresa dele e com uma expressão amena, Restalaan concordou. “Concordo plenamente. Orcs são
caçadores eficientes.”

Orgrim apertou os olhos, procurando a provocação, mas não havia nenhuma.

“Venham” disse. “Há perigos na noite da Floresta de Terokkar que nem os guardas de Telmor estão dispostos a
enfrentar. Vamos.”

Apesar de exausto, Durotan achou força para manter a marcha constante; ele não seria envergonhado duas vezes
em um dia. Correram por algum tempo e, por fim, o sol se pôs no horizonte numa gloriosa exibição de rubro, dourado
e finalmente roxo. De vez em quando ele olhava tentando não parecer rude, mas curioso em ver estes estranhos mais
do que de várias jardas de distância. Ele continuava esperando encontrar sinais de uma cidade – estradas feitas por
incontáveis pegadas por viajarem pelo mesmo caminho, tochas de fogo iluminando a trilha ou sombra de edifícios
contra o céu escurecido. Não viu nada. E a medida que continuavam, ele sentiu uma fisgada de medo.

E se afinal os draenei não planejavam ajudá-los? E se eles iriam capturá-los e pedir resgate? E se fossem fazer
algo pior? – sacrificá-los para algum deus negro ou…

“Aqui estamos” disse Restalaan. Ele desmontou e ajoelhou no chão, tirando algumas folhas e pinhos. Os jovens
se olharam confusos. Eles ainda estavam no meio da floresta. Nenhuma cidade, nenhuma entrada, nada. Os orcs se
juntaram. Estavam em menor número,mas não morreriam sem lutar.

Ainda ajoelhado, Restalaan expôs um belo cristal verde. Ele estava cuidadosamente escondido nas folhagens da
floresta. Durotan observou extasiado com a beleza do item. Caberia na palma da sua mão e ele ansiou por tocá-lo,
sentir sua suavidade, o pulsar estranho contra sua pele. De algum modo ele sabia que emitiria um tipo de calma que
nunca havia experimentado. Restalaan proferiu uma série de sílabas que ficaram marcadas no cérebro de Durotan.

“Kehla men samir, solay lamma kahl”

A floresta começou a tremer como se fosse um reflexo de um lago imóvel em que fora jogada uma pedra.
Durotan suspirou. O tremor aumentou e de repente não havia mais floresta, árvores, apenas uma larga e pavimentada
estrada que conduzia da lateral das montanhas para um lugar que tinha imagens que Durotan nunca havia imaginado.

“Estamos no coração do condado dos ogros. Não era quando Telmor foi construída há muito tempo.” disse ao se
levantar. “Se os ogros não podem nos ver, não podem nos atacar.”

Durotan achou a fala. “Mas…como?”


“Uma simples ilusão, mais nada. Um truque…de luz.”

Algo no jeito que ele disse aquilo fez a pele dele arrepiar. Vendo a expressão confusa do orc, Restalaan
continuou. “Não se pode confiar sempre nos olhos. Pensamos ser real tudo o que enxergamos e que a luz corretamente
revela tudo da mesma maneira todas as vezes. Mas luz e sombra podem ser manipuladas, direcionadas por aqueles que
a compreendem. Ao falar essas palavras e tocar o cristal eu alterei a maneira como a luz projeta nas pedras, árvores e a
paisagem. Então seus olhos notam algo totalmente diferente do que achava que havia.”

Durotan sabia que ainda o encarava com total ignorância. Restalaan riu levemente. “Venham meus novos amigos,
onde nenhum de seu povo esteve. Andem pelas estradas do meu lar.”
Capítulo 3

Drek’Thar não viu as cidades dos draenei quando estavam pacíficas. Apenas as viu quando…bom, estou me
adiantando. Mas ele disse que meu pai caminhou pelas estradas brilhantes dos draenei, comeu sua comida, dormiu em
seus aposentos, conversou com eles em igualdade. Observou um mundo tão diferente do nosso que até hoje é difícil de
ter um vislumbre. Nem as terras dos kaldorei me são tão estranhas quanto o que aprendi sobre os draenei. Drek’Thar
disse que Durotan não tinha palavras para descrever o que viu; talvez hoje, vivendo nessa terra que leva o seu nome e
vendo o que vi, ele teria.

Arrependimento tem um gosto amargo…

Durotan não conseguia se mover. Era como se a misteriosa rede de energias brilhantes que havia sido jogada no
ogro houvesse caído sobre ele, e ele estava incapaz de resistir. Encarava com a boca aberta, tentando entender o que
seus olhos mostravam.

A cidade dos draenei era gloriosa! Entrelaçado à lateral da montanha, como se tivesse florescido ali, parecia a ele
como a união de pedra e metal, da natureza e do artifício. Não sabia exatamente o que estava contemplando, mas sabia
ser harmonioso. Com o desaparecimento da magia, a cidade foi revelada em sua tranquila magnificência. Tudo o que
avistava chamava a atenção. Sólidos degraus de pedra com suas bases largas, embotadas e pontiagudas em direção ao
alto, conduziam para moradias esféricas. Uma lembrava a concha de um caracol; outra um cogumelo. A combinação
era admirável. Banhada em cores do sol poente, as nítidas linhas dos degraus eram suavizadas e as cúpulas pareciam
ainda mais atrativamente redondas.

Ele virou-se para achar a mesma expressão de espanto no rosto de Orgrim, e então viu um tímido sorriso se
formando nos lábios de Restalaan.

“Vocês são bem vindos aqui, Durotan e Orgrim”, disse. As palavras pareceram quebrar o feitiço e Durotan seguiu
em frente desajeitadamente. As estradas de pedra foram polidas ou pelo tempo ou pelos draenei, ele não sabia. Ao se
aproximarem, ele via que a cidade continuava montanha acima. O padrão arquitetônico dos degraus era repetido aqui,
com longas estradas feitas da mesma pedra branca que parecia não manchar apesar de pelo menos dez gerações de
orcs terem vivido e perecido desde a chegada dos draenei. Ao contrário de chifres e peles de animais abatidos na caça,
os draenei usavam as dádivas da terra. Havia gemas cintilantes por todo o lugar, e um estranho metal leve marrom que
ele nunca havia visto. Os orcs conheciam metais; eles lidavam com eles para benefício próprio. Inclusive já tinham
caçado com machado e espada, mas isso…

“Do que sua cidade é feita?” perguntou Orgrim. Foi a primeira palavra dele desde o começo dessa estranha
viagem feita na companhia dos draenei.

“Muitas coisas.” replicou. Agora atravessavam os portões e recebiam olhares curiosos, mas não hostis, dos
habitantes. “Somos viajantes, relativamente novos nesse mundo.”

“Novos? Há mais de duzentos verões que seu povo veio para cá. Não somos os mesmos.” ressaltou Durotan.

“Não são.” concordou calmamente Restalaan. “Nós observamos que os orcs se desenvolverem em força,
habilidade e talento. Vocês nos impressionaram.”

Durotan sabia que era um elogio, mas de alguma maneira incomodou. Como se…achassem que os draenei
fossem melhores do que os orcs. Esse pensamento roçou como a asa de uma borboleta e sumiu tão rápido quanto
chegou. Olhou a sua volta e, para seu embaraço, pensou se não era verdade. Nenhuma habitação orc era embelezada,
ou complicada. Mas afinal…os orcs não eram draenei. Eles não precisavam, ou escolheram viver como os draenei.

“Respondendo a sua pergunta Orgrim, quando nós chegamos aqui utilizamos tudo o que trouxemos junto
conosco. Entendo que seu povo constrói barcos para navegar rios e lagos. Bem, viemos em um que podia viajar pelos
céus…e que nos trouxe aqui. Era feito de metal e…outras coisas. Quando percebemos que aqui seria nosso novo lar,
pegamos parte do barco e usamos em nossa estrutura.”

Então era esse metal espiralado, gigante e tênue que parecia ser feito de cobre e couro. Durotan perdeu o fôlego.

Orgrim fechou a cara.

“Está mentindo! Metal não pode flutuar!”

Um orc teria rosnado e dado um soco na sua orelha – forte – por tal insolência. O draenei apenas riu de leve.

“É o que evidentemente se pensaria. Mas é também o que pensaria sobre a possibilidade de convocar os elementos
para combater um ogro.”

“Isso é diferente,” desdenhou Orgrim. “Isso é magia.”

“Isso também é, de uma maneira” disse Restalaan. Acenou para um draenei e disse algo em sua língua nativa. O
outro draenei concordou e adiantou-se.

“Quero apresentar-lhes alguém, se ele não estiver muito ocupado.” disse e logo calou-se. Durotan tinha mil
perguntas, mas não se atreveu a fazê-las, temendo parecer tolo. Orgrim pareceu ter aceitado a explicação sobre magia,
mas ambos esticavam o pescoço ao olhar o ambiente.

Cruzaram por muitos draenei ao caminhar pelas ruas, e viram uma fêmea que parecia ter a idade deles. Era
delicada, mas alta e quando ela e Durotan trocaram olhares, ela vacilou. Então um tímido sorriso se formou e ela
abaixou a cabeça encabuladamente.

Sorriu de volta. Sem pensar ele perguntou “No nosso acampamento você encontraria muitas crianças. Onde estão
as crianças draenei?”

“Não há muitas, nosso povo tem longevidade e por isso raramente temos crianças.” afirmou.

“Quanto tempo vocês vivem?” perguntou Orgrim.

“Muito” foi tudo o que disse. “Suficiente para dizer que me lembro da nossa chegada aqui.”

Orgrim o encarava abertamente. Durotan queria cutucá-lo, mas estava muito longe. De repente percebeu que a
jovem figura feminina que acabara de ver não era da mesma idade dele afinal. Naquela hora o patrulheiro que ele
havia despachado, voltou e falou rapidamente com ele. Restalaan pareceu satisfeito com o que escutou e virou para
eles sorrindo.

“Aquele que nos trouxe a esse mundo, nosso profeta, Velen, ficará aqui por muitos dias. Achei que ele gostaria
de vê-los. Não é sempre que recebemos visitantes.” Deu um largo sorriso. “É com prazer que Velen não só concordou
em conhecê-los como os convidou para acompanhá-lo essa noite. Irão jantar com ele e dormir na casa do magistrado.
É com certeza uma grande honra.”

Os dois garotos emudeceram. Jantar com o Profeta, o líder dos draenei?

Durotan começou a pensar que teria sido melhor se tivesse sido esmagado pela clava do ogro.

Eles seguiram piamente enquanto Restalaan os guiava pelas ruas sinuosas e inclinadas até o topo, pelos edifícios
grandes que ficavam na parte mais alta da montanha. Os degraus perfeitamente quadrados e sólidos pareciam não ter
fim e a respiração de Durotan acelerou enquanto escalavam. Chegaram ao ápice e estavam observando uma estrutura
em forma de caracol com interesse quando o draenei disse “Olhe para trás.”
Eles obedeceram e Durotan engasgou. Abaixo deles, espalhado como joias em um prado, estava a cidade dos
draenei. O último pedaço de pôr do sol a tingia em cores flamejantes; então o sol se foi no horizonte e tudo foi
banhado em tons de roxo e cinza. Luzes se acenderam nas casas e lembrou a Durotan o céu cheio de estrelas.

“Não quero parecer esnobe, mas tenho orgulho do meu povo e da minha cidade.” disse. “Trabalhamos duro aqui
e amamos Draenor. E nunca imaginei que teria a chance de dividir isso com um orc. As armadilhas do destino são
definitivamente estranhas.”

Ao dizer isso, um profundo e quase distante pesar pareceu tomar conta de suas feições. Afastou o sentimento e
sorriu.

“Entrem e serão assistidos”

Quietos, chocados a ponto de perder a habilidade da fala, suas jovens mentes abertas as imagens, sons e aromas
desse lugar estranho, Durotan e Orgrim entraram no aposento do magistrado. Mostraram a eles quartos que, enquanto
bonitos e decorados os faziam sentir-se aprisionados. As paredes curvas, tão chamativas por fora e não menos
adoráveis por dentro, pareciam mais sufocá-los do que recebê-los. Frutas jaziam na tigela, prontas para consumo,
roupas esquisitas estavam disponíveis para vestirem e havia uma banheira com água quente fumegando no meio do
quarto.

“Essa água está quente demais para beber e é muita para mergulhar ervas.” ressaltou Durotan.

“É para tomarem banho.” respondeu o draenei.

“Banho?”

“Para lavarem a sujeira de seus corpos.” disse Restalaan. Orgrim o encarou, mas ele parece estar falando sério.

“Não tomamos banho.” grunhiu Orgrim.

“Nós nadamos nos rios no verão. Talvez isso seja parecido.” afirmou Durotan.

“Não precisam fazer nada que não os agrade. O banho, a comida e as roupas estão aqui para a sua necessidade.
Profeta Velen espera vê-los em uma hora. Eu virei buscá-los. Posso ajudar em algo mais?”

Eles negaram com a cabeça. Restalaan então fechou a porta. Durotan virou-se para seu amigo.

“Acha que estamos em perigo?”

Orgrim olhou o estranho material e a água quente. “Não, mas…sinto que estou em uma caverna. Preferia estar
em uma barraca.”

“Eu também.” Durotan tocou a parede que estava fria e suave; então percebeu que esperava que ela estivesse
quente e…de alguma maneira viva.

Apontou para a banheira. “Quer experimentar?”

“Não.” disse o amigo, e começaram a gargalhar e por fim ambos começaram a espirrar água no rosto um do
outro e descobriram que a água morna era mais agradável do que pensavam. Comeram as frutas, tomaram água e
decidiram que as vestimentas deixadas eram aceitáveis para substituírem as túnicas sujas e suadas, mas que
permaneceriam com seus culotes de couro.

O tempo passou mais depressa do que esperavam. Estavam tentando dobrar a perna de metal de uma cadeira
como desafio, quando alguém bateu na porta. Pularam assustados; Orgrim conseguiu dobrar a perna da cadeira ao que
era original, mas ela estava meio torta.

“O Profeta está pronto para vê-los agora.” disse Restalaan.

Ele é um Ancião foi o primeiro pensamento de Durotan quando seus olhos encontraram os do Profeta Velen.
Ele já estava espantado pela aparência dos draenei. Contemplar Velen era algo mais. O Profeta Draenei era meia
cabeça mais alto do que os mais altos guardas que tinha visto, mas não tão forte fisicamente. Seu corpo, vestido em
suaves túnicas cor de canela, era menos musculoso que os deles. E sua pele! Era de um tom alvo fraco. Seus olhos,
instigantes e sábios, cintilavam um azul brilhante e eram envolvidos por rugas entalhadas profundamente que
exprimiam não apenas um Ancião, mas até mesmo um ancestral. Seus cabelos prateados não estavam soltos como o
da maioria, mas trançados num círculo e ornamentado, expondo seu crânio pálido. Sua barba ondulava como uma
onda prata até a cintura.

Nem Ancião nem ancestral.Pensou Durotan enquanto aqueles olhos azuis intensos e faiscantes caíram sobre ele e
pareciam ver sua alma. Quase…atemporal.

Lembrou-se do que Restalaan disse, como ele tinha mais de duzentos verões.

Velen era bem mais velho do que isso.

“Bem vindos.” disse numa voz melosa ao levantar e inclinar a cabeça. Suas tranças dançaram com o movimento.
“Sou Velen. Estou contente que meu povo os achou hoje, apesar de achar que em alguns anos você seriam mais do
que capazes de lidar com um ogro, ou mesmo com um ou dois gronns.”

Novamente, Durotan não sabia como, ele sabia que aquele não era um elogio falso. Orgrim também pressentiu
pois endireitou-se e olhou os olhos do draenei em igualdade.

Velen pediu que se sentassem e assim fizeram. Durotan sentiu-se desajeitado na mesa extravagante e cadeiras
ornadas. Quando a comida chegou, ele relaxou. Lombos de talbuque, assado de pena-branca, grande quantidade de
pães e pratos empilhados com vegetais – essa era uma comida que conhecia e entendia. De algum modo, ele tinha
esperado algo completamente diferente. Mas por quê? Suas construções e estilo de vida podiam ser muito diferentes,
mas como os orcs, os draenei se nutriam do que a terra podia fornecer. O preparo era um pouco distinto – orcs ferviam
sua comida, ou cozinhavam na fogueira quando cozinhavam; frequentemente carne era consumida crua – mas no
geral, comida era comida e essa era deliciosa.

Velen era um anfitrião excelente. Fez perguntas e pareceu genuinamente interessado nas respostas: Com qual
idade eles podiam caçar ogros? Escolher uma parceira? Qual a comida favorita? Sua arma favorita? Orgrim, mais que
Durotan, ficou excitado com a conversa e começou a discutir suas façanhas. Para seu crédito, ele não precisava
aumentar suas estórias.

“Quando meu pai falecer, vou herdar a Doomhammer.” disse com orgulho. “É uma arma antiga e honrada,
passada de pai para o filho mais velho.”

“Irá empunhá-la bem, Orgrim.” concordou Velen. “Mas acredito que demorará alguns anos até reclamá-la.”

Não pareceu ter passado pela cabeça dele naquela hora o fato do pai dele ter que morrer para que pudesse virar
Orgrim Doomhammer, e assim ficou com o ar solene. Velen sorriu com uma pitada de tristeza, achou Durotan. Com o
sorriso, finas rachaduras apareceram em sua face como finas teias de aranha em superfície branca.

“Mas me fale mais sobre esse martelo. Parece-me uma arma poderosa.”

O rosto de Orgrim iluminou. “É enorme! A pedra é negra e poderosa, e a haste é feita de madeira cuidadosamente
fabricada. A haste teve de ser trocada com o passar dos anos, mas a pedra não tem uma lasca sequer. É chamada de
Doomhammer porque quando é levada para a batalha, ela significa destruição para o inimigo.”

“Entendo.” disse Velen ainda sorrindo.

Orgrim estava concentrado em sua tarefa. “Mas há também uma profecia.” continuou. “Diz que o último da linha
Doomhammer a usá-la, trará salvação e destruição para o povo orc. Então será passada para as mãos de alguém não
pertencente ao clã Blackrock, tudo irá mudar novamente, e será usada mais uma vez como objeto de justiça.”
“Essa é uma poderosa profecia.” ressaltou Velen. Ele não disse mais nada, mas Durotan sentiu um arrepio. Esse
homem era chamado de Profeta pelo seu povo. Ele saberia se essa profecia se tornaria verdade? Arriscaria perguntar?

Orgrim continuou, descrevendo a Doomhammer em detalhes apaixonados. Durotan já conhecia a arma, então se
desligou da explicação e concentrou-se em Velen. Por que estava tão interessado neles?

Durotan era um jovem sensível e sabia disso. Ouviu por acaso uma conversa de seus pais sobre essa característica
e Mãe Kashur, que zombou deles e disse para se preocuparem com coisas mais importantes e “deixar o garoto viver
seu destino”. Durotan reconhecia falso interesse quando via, inclusive em um draenei. Mas os brilhantes olhos azuis
de Velen eram concentrados, seu receptivo rosto bondoso apesar de feio e seus questionamentos sinceros. Ele queria
saber sobre os orcs. E quanto mais descobria, mais triste parecia ficar.

Gostaria que Mãe Kashur estivesse aqui no meu lugar,pensou de repente.Ela saberia aproveitar melhor essa
oportunidade do que Orgrim e eu.

Quando Orgrim terminou de descrever a arma, Durotan perguntou, “Pode nos falar sobre seu povo, Profeta?
Sabemos tão pouco. Nas últimas horas aprendi mais do que qualquer outro do meu povo pelos últimos cem anos,
acredito.”

Velen virou seus olhos azuis para ele. Quis desviar do seu olhar fixo, não porque o temia, mas porque nunca se
sentiu tão…visto.

“Os draenei nunca escondeu informações, jovem Durotan. Mas…acredito ter sido o primeiro a perguntar. O que
deseja saber?”

Tudo, quis dizer, ao invés disso concentrou-se na pergunta. “Os orcs não encontraram os draenei há pelo menos
duzentos verões. Restalaan disse que vieram num grande navio que pode viajar pelos céus. Conte mais.”

Velen tomou um gole de sua bebida, que para Durotan tinha gosto de verão, e sorriu. “Para começar ‘draenei’
não é nosso verdadeiro nome. É um termo que significa…’exilados’.”

Durotan ficou boquiaberto.

“Nós discordamos de outros no nosso mundo. Não queríamos vender nosso povo à escravidão e por isso fomos
exilados. Passamos muito tempo tentando achar um lugar adequado para residir – um lugar que fosse nosso.
Apaixonamos-nos por essa terra e a chamamos de Draenor.”

Durotan acenou. Ele ouviu o termo antes. Gostava de como a palavra dobrava em sua língua quando falava, e os
orcs não tinham outro nome para esse lugar a não ser “mundo”.

“É uma expressão nossa, não somos arrogantes para esperar que os orcs a usariam também. Mas assim a
apelidamos, e amamos Draenor profundamente. É um belo mundo, e nós já vimos muitos.”

“Vocês viram outros mundos?” arfou Orgrim.

“Vimos com certeza. E encontramos muitos povos.”

“Povos como os orcs?”

Velen sorriu com gentileza. “Não há outros como os orcs,” disse com respeito ressoante em sua voz. “São
peculiares.”

Durotan e Orgrim olharam-se e endireitaram-se em suas cadeiras.

“Mas sim, tínhamos viajado por algum tempo antes de encontrarmos esse mundo. Aqui estamos, e aqui
permaneceremos.”
Durotan queria perguntar mais – por quanto tempo tinham viajado, como era sua terra natal, porque tiveram que
deixá-la. Mas havia algo no rosto eterno de Velen que, apesar de ter sido encorajado a perguntar, o líder draenei não
iria contar essa história em particular.

Então, ao invés disso, ele perguntou sobre a natureza de suas armas e magia. “Nossa magia vem da terra, dos
xamãs e dos ancestrais.”

“Nossa magia vem de outra fonte, não acho que entenderiam se explicasse.”

“Não somos estúpidos.” indignou-se Orgrim.

“Perdoe-me, não foi o que quis insinuar.” Era uma desculpa sincera e graciosa, de novo impressionando
Durotan. “Seu povo é sábio e vocês obviamente inteligentes. Mas…não estou certo se tenho as palavras na sua língua.
Não duvido que se tivesse tempo e vocabulário, vocês entenderiam.”

Até para essa explicação ele parecia buscar as palavras. Durotan pensou no tipo de mágica que pode esconder
uma cidade, no metal macio e incomum mesclado com as gemas da terra e pedra sólida e percebeu que Velen estava
certo. Não havia orc que pudesse compreender tudo isso em uma noite, apesar de suspeitar que Mãe Kashur tivesse
uma inerente compreensão, e se perguntou por que as duas raças não interagiam mais.

A conversa segui com assuntos mundanos. Os dois jovens aprenderam que no fundo da floresta Terokkar havia
um lugar sagrado para os draenei, chamado Auchindoun. Lá os mortos eram enterrados, ao invés de serem queimados
em piras. Particularmente achou isso estranho, mas não disse nada. Telmor era mais perto dessa “cidade dos mortos” e
Velen veio numa triste missão de enterrar os que haviam perecido na luta contra o ogro que quase matou os dois orcs
naquele dia.

Ele explicou que vivia num lindo lugar chamado Templo de Karabor. Havia outras cidades draenei, mas a maior
era ao norte e chamava Shattrath.

Então a refeição havia chegado ao fim. Velen suspirou e seus olhos repousaram em seu prato, mas Durotan tinha
certeza que ele não estava olhando.

“Peço sua licença.” disse levantando-se. “Foi um longo dia e preciso meditar antes de dormir. Foi uma honra
conhecê-los, Durotan do clã Frostwolf e Orgrim do clã Blackrock. Acredito que dormirão bem e profundamente, a
salvo nesses muros, onde ninguém do seu povo já esteve.”

Ambos levantaram-se com os outros e fizeram uma reverência. Velen sorriu com o mesmo pesar que Durotan
havia percebido antes.

“Encontraremos-nos de novo, jovens. Boa noite.”

Os orcs saíram pouco depois. Foram escoltados para seus quartos e dormiram bem, apesar de Durotan ter
sonhado com um velho orc sentando silenciosamente ao seu lado e perguntou-se o que significava.

“Traga ele.” disse o velho orc para Mãe Kashur.

Mãe Kashur, a xamã mais velha do clã Frostwolf, dormia intensamente. Pela sua posição honrosa, sua tenda era a
segunda mais opulente, perdendo apenas para a de Garad, líder do clã. Tapetes grossos de pele de fonecerontes
protegiam seus velhos ossos do frio da terra, e uma leal e amorosa neta atendia suas necessidades, alimentação,
limpeza e mantendo a fogueira atiçada nos dias gelados para a “mãe” do clã. O trabalho da Mãe Kashur era escutar
vento, água, fogo, gramado e beber a amarga bebida de ervas toda noite para abrir sua mente para as visitas dos
ancestrais. Ela colhia informações para o clã do mesmo jeito que outros colhiam frutas e lenha, e esse dom os nutria
significantemente.

O velho orc não estava presente, e ainda assim ela sabia que era real. Ele estava em seu sonho e isso era o
bastante para ela. Nesse estado onírico, ela era jovem e vibrante, podia ver sua pele ruborizada e saudável, sua forma
esbelta cheia de músculos. O orc tinha a aparência de quando havia morrido, idade onde sua sabedoria estava no ápice.
Tal’kraa era seu nome quando era vivo, mas agora, apesar de ser de muitas gerações anteriores à dela, ela apenas o
chamava de Avô.

“Recebeu a mensagem,” disse ele para a jovem Kashur do sonho. Ela acenou, seu longo cabelo negro fluindo
com o movimento.

“Ele e o garoto de Blackrock estão com os draenei. Estão a salvo, posso sentir.”

Avô Tal’kraa assentiu, suas bochechas agitavam. Suas presas amareladas pelo tempo, uma quebrada numa
batalha a muito esquecida.

“Sim, estão a salvo. Traga-o.”

Era a segunda vez que tinha dito isso e Kashur não tinha certeza o que significava.

“Ele virá à montanha em alguns meses, quando as árvores perderem suas folhas. Então sim, vou trazê-lo.”

Tal’kraa balançou a cabeça ferozmente, seus olhos estreitados de aborrecimento. Kashur deu um sorriso suave;
de todos os espíritos que honravam ela com sua presença, Avô Tal’kraa era o mais impaciente.

“Não, não.” resmungou. “Traga ele para nós. Traga ele para as cavernas de Oshu’gun. Vou analisá-lo.”

Kashur respirou rápido. “Você…quer que eu leve ele para encontrar os ancestrais?”

“Não foi o que eu acabei de dizer? Garota tola! O que aconteceu com os xamãs de hoje em dia?”

Esse tipo de explosão acontecia com frequência e não incomodava nem um pouco a Kashur. Estava chocada
demais pela importância do anúncio. Às vezes os ancestrais pediam para ver as crianças, não era frequente, mas
acontecia. Normalmente significava que a criança em questão estava destinada a seguir o caminho xamanístico. Não
imaginava que Durotan faria esse caminho; era raro que um xamã liderasse um clã. Significava pressão para lados
opostos o que comprometeria sua eficácia como líder. Escutar e honrar os espíritos e ainda guiar bem um povo era
mais do que um orc poderia administrar. Um que pudesse fazer ambos, ele seria um orc notável.

Quando Kashur não respondeu, ele resmungou e bateu seu bastão no chão. Kashur pulou.

“Trarei ele no dia de sua iniciação.” assegurou.

“Finalmente entendeu.” disse Tal’kraa, balançando seu bastão. “E se falhar, vou bater meu bastão na sua cabeça
ao invés do inocente chão.”

Não conseguiu esconder o sorriso quando disse isso, e ela sorriu de volta enquanto sua imagem no sonho fechava
os olhos. Apesar do seu temperamento intimidador e pavio curto, Tal’kraa era sábio, bondoso e a amava efetivamente.
Gostaria de tê-lo conhecido quando era vivo, mas ele havia morrido há quase cem anos.

As pálpebras de Kashur abriram e ela suspirou assim que seu espírito retornou para seu corpo…tão velho quanto
Tal’kraa quando havia morrido, mãos e pés curvados com dores nas articulações, corpo fraco, cabelo cruelmente
branco. Sabia que a hora de deixar essa concha e estar com os ancestrais estava perto. Drek’Thar, seu aprendiz, seria
então o conselheiro de Garad e do resto do clã Frostwolf. Ela tinha muita confiança nele e ansiava pelo dia em que
seria pura energia espiritual.

Apesar que, ao meditar enquanto a luz do sol a envolvia e o canto dos pássaros acariciava seus ouvidos, ela
sentiria falta das coisas que são dadas quando se está vivo. As coisas simples, como comida quente e o amável toque
de sua neta.

Traga ele, Avô havia dito.

E ela iria.
Capítulo 4

Noite passada um jovem orc foi iniciado no ritual da maturidade sob a luz da lua e das estrelas, que pareciam cintilar
em aprovação. Foi a primeira vez que pude fazer parte desse ritual, o Om’riggor. Quando jovem, fui negligenciado
dos ritos e tradições do meu povo; e verdade seja dita, todos os orcs foram usurpados destes ritos por muito tempo. E
desde que encontrei meu destino, fui envolvido em batalhas. A guerra me consumiu. Ironicamente, a necessidade de
proteger meu povo da Legião Ardente e achar um lugar para que nossas tradições renasçam me distanciaram de tais
coisas.

Mas agora, Durotar e Orgrimar estão consolidadas. Agora, há paz, apesar de frágil. Agora há xamãs
reivindicando os antigos costumes, jovens orcs crescendo e que, se os espíritos permitirem, nunca conhecerão o gosto
amargo da guerra.

Noite passada, participei de um ritual atemporal que foi negado a uma geração inteira.

Noite passada, meu coração encheu-se de alegria e de um senso de ligação que sempre desejei.

O coração de Durotan martelou em seu peito ao ver o talbuque. Era um animal poderoso e presa valiosa, seus
chifres não eram apenas adornos, mas afiados e perigosos. Já tinha visto pelo menos um guerreiro escornado até a
morte, empalado como se fosse por uma lança.

E ele deveria abater um com apenas uma única arma e nenhuma armadura.

Alguns “conselhos” foram sussurrados, claro: Qualquer talbuque maduro será o bastante para o ritual, escutou
alguém murmurar em seu ouvido, enquanto esperava vendado na tenda. São lutadores ferozes, mas essa é a temporada
em que os machos perdem seus chifres.

Outros sussurros: Você pode apenas carregar uma arma, Durotan, filho de Garad, mas pode esconder uma
armadura na floresta e ninguém saberia.

E, a mais vergonhosa de todas: O xamã que determinará se foi bem sucedido e experimentará o sangue em seu
rosto, o sangue de um talbuque morto há muito tempo tem o mesmo gosto de um morto recentemente.

Ele ignorou todas as tentações. Talvez tenha havido outros orcs que tenham sucumbido, mas ele não seria um
deles. Durotan iria procurar uma fêmea, que nessa época do ano carregariam chifres; pegaria a única arma permitida e
seria o sangue do animal que ele matou, fumegando no ar gelado, que untaria suas bochechas.

E agora, em pé na inesperada nevasca, seu machado ficando cada vez mais pesado, ele tremeu. Mas nunca
vacilou.

Ele vinha rastreando o rebanho de talbuques há dois dias, sobrevivendo apenas do que conseguia colher, criando
fogueiras fracas no crepúsculo que banhavam de cor lavanda a neve e dormindo em abrigos que encontrava ao acaso.
Orgrim já tinha feito o ritual e ele invejava seu amigo por ter nascido durante o verão. Achou que não seria difícil no
começo do outono, mas o inverno decidiu chegar mais cedo e o tempo estava ruim.

E pareceu a ele que o rebanho também estava debochando dele. Conseguia com facilidade encontrar pegadas e
fezes, ver onde cavavam a neve a procura de grama seca ou arrancavam cascos das árvores. Mas pareciam sempre
escapar dele. Foi no final da tarde do terceiro dia, quando pareceu que os ancestrais decidiram recompensar sua
determinação. Estava anoitecendo e Durotan pensou, com dor no coração, que precisaria procurar abrigo e terminar
mais um dia infrutífero. Então, deu se conta de que as pequenas bolas de estrume estavam frescas e não congeladas.

Estavam perto.
Começou a correr, a neve afundando embaixo de suas botas, um novo entusiasmo tomando conta dele. Seguiu os
rastros da maneira a qual foi ensinado, desobstruiu sua visão –

E contemplou o rebanho de criaturas gloriosas.

Imediatamente agachou-se atrás de uma pedra grande e espiou para poder ver os animais. Estavam marrons
escuros em contraste com a neve, pois esta não havia coberto suas costas. Havia pelo menos duas dúzias, talvez mais,
maioria eram fêmeas. Foi bom ter achado o rebanho, mas agora ele tinha outro problema. Como ele iria abater apenas
um? Diferente da maioria dos animais que caçavam, os talbuques protegem um ao outro quando atacados. Se atacasse
um, o resto viria defendê-lo.

Os xamãs acompanhavam os caçadores para poder distrair os animais. Durotan estava sozinho, e de repente sentiu-se
vulnerável.

Franziu a testa e tentou animar-se. Estava procurando esses animais por quase três dias e agora estavam à sua
frente. A noite testemunharia um jovem orc faminto devorar um lombo, ou um corpo endurecido na neve?

Observou por um tempo, ciente que as sombras estavam se alongando, mas sem querer apressar-se e cometer um
erro fatal. Talbuques eram criaturas diurnas e estavam cavando buracos na neve para poderem se proteger. Ele sabia
disso e viu com tristeza eles se agruparem bem próximos uns aos outros. Como separaria apenas um?

Um movimento chamou sua atenção. Uma das fêmeas, jovem e saudável de um verão gentil, banqueteando-se de
frutas doces e grama, parecia estar com um ânimo feroz. Ela batia a pata no chão e arremessava sua cabeça no ar –
coroada com um glorioso par de chifres – e quase dançava em volta dos outros. Não parecia querer juntar-se a eles, e
optou por dormir fora do grupo de corpos peludos.

Sorriu; que oferenda dos espíritos! Era um bom presságio. A mais esperta e saudável corça do rebanho, que não
precisava seguir sem pensar, mas escolhia seu próprio caminho. Embora essa escolha fosse a provável causa de sua
morte, também dava a Durotan a chance de conquistar honra e o direito de ser tratado como um adulto. Os espíritos
entendiam o equilíbrio dessas coisas. Pelo menos foi o que disseram.

Durotan esperou. O sol mergulhou atrás das montanhas levando até mesmo o fraco calor que havia fornecido.
Esperou com a paciência de um predador. Finalmente, até mesmo o mais afastado do grupo estava aconchegando suas
longas pernas e deitou-se com seus companheiros.

Finalmente, moveu-se. Suas pernas e braços estavam rígidos e ele quase tropeçou. Rastejou devagar de seu
esconderijo e desceu a ladeira, seus olhos fixos na fêmea adormecida. Sua cabeça estava apoiada no pescoço,
respiração constante que produzia pequenos vapores em seu focinho.

Lentamente, pisando com o maior cuidado que conseguia, foi em direção à sua presa. Ele não sentiu frio, pois o
calor da precipitação e concentração afastava qualquer sensação de desconforto. Estava cada vez mais perto e o
talbuque continuava a sonhar.

Levantou seu machado. E com um giro, golpeou.

Os olhos dela se abriram.

Tentou ficar de pé, mas o golpe mortal já a tinha atingido. Durotan queria ter dado o grito de guerra que havia
escutado seu pai proferir tantas vezes, mas engoliu-o. De nada adiantaria matar o talbuque apenas para ser dizimado
em retaliação pelo rebanho. Havia afiado bem sua lâmina, e cortou através do pescoço grosso e vértebras como se
fosse manteiga. Sangue jorrou, o fluído quente e grudento respingou gentilmente nele, e sorriu com intensidade.
Besuntar-se com o sangue da sua primeira caça fazia parte do ritual; e o talbuque já havia feito isso por ele. Outro bom
presságio.

Apesar de ter sido silencioso, escutou os tabuques acordando. Virou-se, ofegante, e relaxou com um assustador
grito de guerra que sua garganta ansiava a bradar. Segurou seu machado, o brilho do metal agora obscurecido pelo
sangue escarlate, e gritou novamente.
Hesitaram. Tinham dito a ele que se fosse uma morte precisa fugiriam sem atacar, percebendo, por alguma
intuição primitiva, que não poderiam salvar a irmã abatida. Ele desejou que fosse verdade; poderia abater mais uns
dois, mas seria pisoteado se eles atacassem.

Movendo-se como um, os talbuques começaram a se afastar, e então finalmente viraram e começaram a correr.
Olhou eles galoparem acima da ladeira e desaparecer; suas pegadas na neve imaculada eram a única evidência que
estiveram aqui.

Durotan abaixou seu machado, arfando pelo esforço. Levantou-o de novo e soltou um brado de vitória. Seu
estômago vazio ficaria cheio hoje à noite. O espírito do talbuque entraria em seus sonhos. E pela manhã ele retornaria
para seu povo como um adulto, pronto para tomar seu lugar e servir o clã.

Pronto para um dia tornar-se líder.

“Porque não vamos montados?” Durotan perguntou de maneira petulante, descontente como uma criança.

“Porque não é feito assim.” Mãe Kashur disse brevemente. Irritada, ela amarrou o garoto. Ele era jovem e estava
em forma; a distância da escalada para a montanha sagrada não era nada para ele. Ela, por outro lado, adoraria ter
vindo montada no Dreamwalker, seu grande lobo negro. Mas as tradições eram antigas e precisas, e enquanto ela fosse
capaz de andar, ela andaria. Durotan inclinou a cabeça em reverência enquanto prosseguiam.

Apesar de cada viagem esgotá-la mais do que a anterior, Mãe Kashur sentiu um entusiasmo que amenizava a dor
e a fadiga. Ela havia levado tantos jovens – machos e fêmeas, pois ambos são valiosos – nessa última parte do ritual da
maturidade. Mas nunca antes haviam solicitado que levassem um ante os ancestrais. Não era velha demais para ser
curiosa.

Para um jovem, a viagem duraria algumas horas, e aproximadamente um dia para alguém com ossos velhos como
ela. Estavam quase chegando quando anoiteceu. Mãe Kashur olhou para a forma familiar da montanha e sorriu.
Diferente das outras, que tinham ângulos aleatórios, o pico de Oshu’gun era um triângulo perfeito. Reluzia como
cristal, suas facetas captavam o sol e não era parecido com nada a seu redor. Havia caído do céu, há muito tempo, e os
espíritos tinham sido atraídos a ela. E foi por isso que os orcs haviam se instalado aqui, sob sua sombra sagrada.
Dentro da montanha eles eram como um, independente da discussão mesquinha ou diferenças que tinham. Logo ela
voltaria para lá, ela sabia, mas não como uma velha manca. Essa era sua última visita com um corpo danificado. Na
próxima vez, ela viria como espírito, flutuando pelo ar como os pássaros, seu coração leve e limpo como novo.

“Algo errado, Mãe?” perguntou com preocupação em sua voz. Ela piscou, saindo do devaneio e sorriu para ele.

“Não.” assegurou.

As sombras já haviam tomado conta quando alcançaram a base da montanha e ali iriam dormir. A escalada
começaria pela manhã. Durotan adormeceu primeiro, envolto no couro do talbuque que havia abatido há pouco tempo,
e Mãe Kashur observava com afeição seu sono inocente. Ela não sonharia; sua mente tinha que estar vazia, se quisesse
estar pronta para receber as visões.

A escalada foi longa, cansativa, e mais difícil do que uma simples caminhada até o topo da montanha, e estava
agradecida pelo seu cajado firme e a mão forte de Durotan. Mas hoje, seus pés pareciam mover-se com mais firmeza,
seus pulmões trabalhavam com eficiência enquanto ela e seu companheiro subiam. Era como se os ancestrais
estivessem a encorajando, ajudando seu corpo físico com o poder dos espíritos.

Pararam em frente à entrada da caverna sagrada, que era perfeitamente oval na superfície suave da montanha, e
como sempre, Kashur sentiu como se estivesse entrando no ventre do mundo. Durotan tentou parecer valente, mas
conseguiu apenas parecer nervoso. Ela não sorriu para ele; ele tinha que estar nervoso. Estava prestes a entrar no local
sagrado, a pedido de um dos ancestrais morto há muito tempo. Nem ela estava impassível a isso.
Ela acendeu um amontoado de ervas secas que deram um aroma doce e acre ao ambiente, e passou a fumaça
sobre ele para purificá-lo. Então o marcou com o sangue que seu pai derramou especialmente para esse momento, e
mantido cuidadosamente em uma pequena bolsa de couro. Kashur colocou sua mão mirrada na fronte dele, murmurou
uma bênção e fez um gesto em aprovação.

“Sabe bem que poucos são chamados ante os ancestrais e que não seguem o caminho dos xamãs.” disse
gravemente. Olhos castanhos arregalados, Durotan concordou. “Eu não sei o que irá acontecer. Nada, talvez. Mas se
acontecer, comporte-se com honra e respeito aos que se foram.”

Durotan engoliu e concordou de novo. Respirou fundo e endireitou-se, e no corpo ainda não formado do garoto,
Kashur teve uma ideia do chefe do clã que estaria por vir.

Juntos, entraram; Mãe Kashur na frente para acender as tochas que ficavam nas paredes. A iluminação laranja
mostrou a eles a descida tortuosa, caminho liso por anos de contato com os pés descalços ou calçados dos orcs. Aqui e
lá, pegadas foram marcadas, para fazer os pés dos peregrinos mais seguros. O interior do túnel era sempre fresco, mais
quente que o inverno lá fora. Kashur deixava suas mãos tocarem as laterais da parede, lembrando a primeira vez que
veio aqui, há muito tempo, com o sangue úmido de sua mãe em seu rosto, olhos arregalados, coração batendo rápido.

Finalmente, a longa e suave ladeira que desciam diminuiu. Não havia mais tochas na parede, e Durotan a olhou,
intrigado.

“Não vamos precisar de fogo para comparecer ante os ancestrais.” disse Kashur. Continuaram pela superfície
plana, caminhando na escuridão. Durotan não estava com medo, mas pareceu confuso à medida que deixavam o
conforto do fogo para trás.

Agora estavam no escuro. Kashur alcançou e segurou a mão de Durotan para guiá-lo. Seus dedos fortes e
espessos dobraram-se gentilmente em volta dos dela. Até mesmo agora, que eu esperava que apertasse minha mão, ele
lembrou-se que elas doem, pensou. O próximo líder do clã Forstwolf iria ter um coração bondoso.

Continuaram sem trocar palavras. E então…sutilmente, como a chegada do amanhecer depois de uma longa e
escura noite, luz começou a crescer em volta deles. Agora, Kashur mal podia ver a forma do jovem a seu lado, tão
mais jovem do que ela, pois já andava no corpo de um adulto. Ela o observava enquanto prosseguiam; o milagre da
caverna dos ancestrais era familiar para ela, mas a reação de Durotan não era.

De olhos arregalados, ele respirava depressa enquanto olhava em volta. O brilho emanava da poça no centro da
caverna, projetando uma leve e alva luz. Tudo era suave, agradável e um tanto radiante; não havia ângulos afiados ou
pedaços ásperos, e Kashur sentiu uma profunda paz tomar conta dela. Deixou Durotan olhar a vontade em silêncio. A
caverna era enorme, maior do que a área de festas e danças do festival Kosh’harg, e os tuneis ramificados levavam a
lugares que Kashur nunca ousou explorar. Para abrigar todos os orcs que já viveram e morreram, ela tinha que ser
enorme, não é? Ela andou até a água e ele a seguiu, olhando de perto. Tirou a carga que levava e instruiu que ele
fizesse o mesmo. Com cuidado retirou vários odres, abriu-os, e com uma suave oração adicionou a água na poça
brilhante.

“Você tinha me perguntado sobre os odres quando partimos.” disse calmamente. “A água não é nativa desse
lugar. Há muito tempo, oferecemos água abençoada para os espíritos. Sempre que retornamos, contribuímos para a
poça sagrada. E não sei por que, a água não se perde como se fosse num buraco comum. Esse é o poder da Montanha
dos Espíritos.”

Depois de ter esvaziado os odres, ela sentou-se grunhindo baixo e espiou na profundeza luminosa. Durotan
imitou-a. Ela sabia o ângulo o qual enxergaria seu reflexo e assegurou que ambos ficassem na posição correta.
Inicialmente, tudo o que via era seu rosto e de Durotan. Suas feições pareciam fantasmagóricas refletidas na poça
branca.

Então, uma terceira pessoa juntou-se a eles, pois o Avô Tal’kraa estava acima de seu ombro, seu reflexo tão
nítido quando os deles. Kashur sorriu quando seus olhos se encontraram.
Ela virou a cabeça para olhá-lo, mas Durotan continuava a olhar dentro da poça, como se estivesse procurando lá
as respostas. O coração de Kashur apertou um pouco, mas reprimiu imediatamente. Se não era para Durotan seguir o
caminho xamanístico, então assim deveria ser. Com certeza seu destino seria honrado de qualquer modo, nascido para
liderar seu clã.

“Minha tataraneta,” falou Tal’kraa com mais gentileza que Kashur já havia testemunhado. “Você o trouxe, como
eu havia pedido.”

Apoiando-se firmemente em seu cajado, tão insubstancial quanto ele, o espírito do Avô andou em volta de
Durotan, enquanto ele ainda observava a água. Kashur olhou ambos orcs de perto. Durotan tremeu e olhou em volta,
sem dúvida se perguntando de onde veio esse súbito arrepio. Ele não podia ver o espírito, mas sabia, de alguma
maneira, que ele estava ali.

“Você não pode vê-lo.”

Durotan levantou a cabeça e suas narinas dilataram. Levantou calmamente. Na luz bruxuleante, suas presas
estavam azuladas e sua pele verde.

“Não, Mãe, não posso. Mas…ele está presente?”

“Certamente está.” e virou sua atenção para o fantasma. “Eu trouxe ele aqui, como pediu. O que acha dele?”

Durotan engoliu seco, mas permaneceu de pé enquanto o espírito refletia à sua volta.

“Eu pressinto…algo.” disseTal’kraa. “Achei que ele seria um xamã, mas se ele não pode me ver agora, não verá
nunca. Mas apesar de não ver os espíritos e ser incapaz de evocar os elementos, ele nasceu com um grande destino.
Ele será de grande importância para o clã Frostwolf…e também para todo seu povo.”

“Ele será…um herói?” perguntou, perdendo o fôlego. Todos os orcs batalhavam para sustentar um código de
coragem e honra, mas poucos eram poderosos o bastante para ter seus nomes gravados na memória de seus
descendentes. Durotan suspirou com calma, e ela pôde ver a antecipação em seu rosto.

“Não posso dizer, mas instrua-o bem, Kashur, pois uma coisa é certa: de sua linhagem virá a salvação.”

E num gesto de ternura, nunca antes visto por Kashur, ele roçou seu dedo intangível no rosto de Durotan. Ele
arregalou os olhos e Kashur percebeu que teve de lutar contra o instinto natural de recuar, mas não recuou diante da
carícia espectral.

Então, como uma névoa num dia quente, Tal’kraa se foi. Kashur vacilou um pouco; quase se esqueceu de como a
energia dos espíritos a supriam. Durotan se apressou e segurou-a pelo braço, e ela ficou agradecida pelo seu tenro
vigor.

“Mãe, você está bem?” perguntou. Ela agarrou o braço a acenou com a cabeça. Sua preocupação era primeiro
com ela, e não sobre o que o ancestral teria dito ou não sobre ele. Ponderando as palavras, decidiu não contar a ele.
Por mais racional e bondoso que fosse tal profecia poderia corromper o mais nobre orc.

Da sua linhagem virá a salvação.

“Estou bem,” assegurou. “Mas esses ossos não são jovens e a energia dos espíritos é poderosa.”

“Gostaria de tê-lo visto.” disse com uma ponta de melancolia. “Mas…mas sei que pude senti-lo.”

“Sentiu, e poucos são honrados com isso.”

“Mãe…pode me falar o que ele disse? Sobre – eu ser um herói?”


Ele estava tentando agir com maturidade e calma, mas uma ponta de súplica transpareceu. Ela não o culpava.
Todos gostariam de manter-se numa gloriosa lembrança, através de estórias de suas aventuras. Ele não seria um orc se
não compartilhasse desse desejo.

“Disse ser incerto.” afirmou bruscamente. Ele concordou e escondeu bem sua decepção. Isso era tudo o que tinha
planejado dizer, mas algo a fez acrescentar, “Você tem um destino a seguir, Durotan, filho de Garad. Não seja tolo na
batalha e não morra antes de cumpri-lo.”

Riu discretamente. “Eu desejo servir bem meu clã, e um tolo não faz isso.”

“Então, futuro chefe,” replicou sorrindo também, “é melhor achar uma companheira.”

E ela gargalhou, pois pela primeira vez na viagem que fizeram juntos, Durotan pareceu totalmente assustado.
Capítulo 5

Em reflexão, assim conta Drek’Thar , essa época em nossa história era como um dia perfeito do início do verão. Nós
orcs tínhamos tudo o que realmente precisávamos: um mundo hospitaleiro, os ancestrais para nos guiar e os elementos
para nos ajudar quando achavam oportuno. Comida era abundante, nossos inimigos ferozes, mas não invencíveis, e
éramos abençoados. Se os draenei não eram nossos aliados, tão pouco eram nossos inimigos. Eles dividiam sua
sabedoria e generosidade quando pedíamos; fomos nós, os orcs, que sempre nos contínhamos. E nós, os orcs, que
fomos deturpados involuntariamente para servir outro fim.

Ódio é poderoso. Ódio pode ser eterno. Ódio pode ser manipulado.

E ódio pode ser criado.

Na escuridão visível, imortal e eterna Kil’jaeden jazia. O poder aumentava e pulsava através dele, agora melhor
do que sangue, mais substancial do que comida ou bebida, ao mesmo tempo inebriante e tranquilizante. Não era ainda
onipresente, ou mundos cairiam perante ele com apenas um pensamento e não através de batalha e destruição, e no
geral, ele estava feliz por isso.

Mas os exilados ainda vivem. Podia senti-los, apesar de séculos terem se passado para aqueles que o tempo
importava. Velen e o resto dos tolos estavam se escondendo. Covardes demais para enfrentar ele e Archimonde, que
trabalhou com ele, como aliado e amigo, pelas…mudanças…que passaram quando eram seres simples.

Ele, Archimonde e os outros já não se consideravam mais “eredar”. Velen os chamara de “man’ari”, mas eles se
proclamavam a Legião Ardente. O exército de Sargeras. Os escolhidos.

Ele estendeu sua longa e elegante mão vermelha com garras no nada que era tudo e sentiu ondular ante sua
indagação. Patrulheiros foram enviados no momento em que o inimigo escapou, e reportaram apenas fracassos.
Archimonde os queria mortos por falhar, mas Kil’jaeden preferiu o contrário. Aqueles que sentiam medo, ou fugiam,
ele tinha boas razões para entender. Aqueles que sentiam cheiro de recompensa ficavam e suplicavam a aprovação de
seu mestre. Então, enquanto ele mostrava sua desaprovação, aqueles que falharam com ele normalmente ganhavam
uma segunda chance. Ou uma terceira, se ele acreditasse que estivessem fazendo tudo o que podiam e não só se
aproveitando de sua boa vontade.

Archimonde não concordava com essa obsessão.

“Há mundos em abundância para conquistar e devorar a serviço de nosso mestre Sargeras.” retumbou. À medida
que sua voz perfurava a escuridão, esta irradiou em volta deles. “Deixe o tolo ir. Nós sentiríamos se ele usasse seus
talentos a ponto de ser uma ameaça. Deixe-o apodrecer em algum mundo qualquer, desprovido de tudo o que era
importante para ele.”

Kil’jaeden virou-se para observar o outro lorde demônio.

“Não é apenas deixá-lo sem poderes”, sibilou. “É destruí-lo, e todos os outros que foram estúpidos o bastante
para segui-lo. É esmagá-lo pela sua falta de fé, pela sua teimosia e pela recusa em pensar no que era melhor para todos
nós.”

Fez um punho com sua mão gigante e as suas unhas afiadas furaram a palma de sua mão. Fogo derretido jorrou, e
o fluxo parou assim que entrou em contato com o ar deixando uma grossa cordilheira de cicatriz. O corpo de
Kil’jaeden estava repleto desses vergões, e se orgulhava deles.

Archimonde era poderoso, elegante, tranquilo, inteligente. Mas faltava a ele o desejo ardente de destruição total
que Kil’jaeden nutria. Explicou mais de uma vez e agora optou por apenas suspirar e não discutir mais. Já tinham
argumentado por séculos e sem dúvida argumentariam por mais alguns por vir…ou até Kil’jaeden ter sucesso em
destruir o ser que uma vez foi seu amigo mais próximo.

E de repente ele se deu conta de algo. Archimonde nunca teve qualquer sentimento especial pelo Velen a não ser
como um colega-líder dos eredar. Kil’jaeden amou Velen como a um irmão, mais próximo que isso, como outro
aspecto dele mesmo.

E então…

De novo cerrou seu punho, e sangrou fogo profano ao invés de sangue.

Não.

Não seria o bastante deixar Velen largado no fim do mundo, alimentando seu orgulho ferido, sobrevivendo da
terra em alguma caverna. Kil’jaeden uma vez disse querer sangue. Mas sangue, com seu poder inerte, não o seria o
bastante agora. Ele queria a essência da vergonha, da total e completa humilhação. Isso seria mais doce do que o gosto
acobreado da vida fluindo de Velen e seus seguidores estúpidos.

Archimonde inclinou a cabeça, gesto que ele reconhecia. Um de seus servos estava falando com ele. Archimonde
tinha suas próprias maquinações e esquemas a serviço de seu mestre sombrio para a conquista final. Sem dizer uma
palavra, Archimonde partiu ágil e delicadamente contradizendo seu tamanho.

Naquele momento ele sentiu um pequeno arranhão dentro de sua cabeça. Reconheceu na hora; era Talgath, seu braço
direito, tentando contato. E a sensação que emanava do pensamento era de cautelosa esperança.

O que é meu amigo? Diga! exigiu ele.

Meu grande mestre, não pretendo plantar falsas esperanças, mas…talvez eu tenha os achado.

Dentro dele cresceu um grande contentamento. Como o ser que era caçado, Talgath era o mais cauteloso de seus
subordinados. Estava pouco abaixo dele e provou sua lealdade através dos séculos. Ele não daria tal notícia sem
fundamento.

Onde? E o que fez você sentir isso?

Há um pequeno mundo, primitivo e insignificante. E senti a marca peculiar de sua magia macular a área. Pode ser
que tenham estado lá, mas partido, como já ocorreu antes.

Assentiu, mesmo Talgath não estando presente para ver o gesto. Algumas coisas de seu passado ainda persistiam,
pensou, sorrindo um pouco do antigo movimento que indicava concordância em todas as espécies que encontrava.

Você diz a verdade, reconheceu. Atraídos pela doce essência da magia dos eredar, por muitas vezes as forças de
Kil’jaeden chegavam a um ou outro mundo, apenas para descobrir que, de algum jeito, Velen e seus seguidores
haviam percebido a aproximação e fugido.Mas ainda tenho esperanças. Irei achá-los e dobra-los à minha vontade e
tenho uma eternidade para fazer isso.

Uma ideia passou pela cabeça de Kil’jaeden. Tantas vezes desciam em um mundo onde Velen supostamente
estava e não o achavam mais lá. Ele destruía esses mundos primitivos e raças inferiores apenas para aplacar seu
orgulho ferido e que, apesar de agradável, não era o bastante para saciar sua sede de vingança.

Desta vez agiria diferente. Ele não mandaria Talgath e a Legião Ardente. Velen era o mais forte, mais sábio e
mais ligado à magia e ciência. Kil’jaeden não podia imaginar seu velho amigo baixando a guarda, não depois de tão
pouco tempo. Ele estaria sempre alerta, pronto para fugir perante uma ameaça tão obvia.

Mas…e se fosse uma ameaça menos obvia?

Talgath…quero que você investigue esse mundo.


Meu senhor? A voz de Talgath era suave e equilibrada, mas perplexa.

Já chegamos à força em outros mundos antes, sem utilidade. Talvez desta vez apenas um seja enviado. Apenas
um, mas que seja totalmente confiável.

Sentiu um toque de inquietação e orgulho conflitando nos pensamentos de Talgath.

Há outras maneiras de destruir um inimigo. Às vezes, essas são as melhores maneiras.

Você – quer que eu descubra, então?

Precisamente. Visite esse lugar por conta própria. Informe-se sobre ele. Investigue. Reporte se os exilados estão
mesmo lá, e se sim, qual é o atual estado deles. Diga-me do que eles vivem, se estão corpulentos e relaxados como
bichos domesticados, ou se estão esguios e ágeis como animais de caça. Como o mundo deles é, se há outros seres
vivendo lá, quais são essas criaturas, quais estações. Investigue Talgath. E não faça nada sem que eu ordene.

Claro, meu mestre. Irei me preparar imediatamente. Ainda estava intrigado, mas era obediente e inteligente.
Talgath serviu bem ao mestre dos man’ari no passado. E agora, serviria de novo.

O rosto de Kil’jaden, apesar de ter pouca semelhança com o que era antes de juntar-se com o grande Sargeras,
ainda era capaz de simular um sorriso.

Durotan, como todos do seu povo, foi iniciado com o treinamento de armas desde os seis anos de idade. Seu
corpo já era alto e estava desenvolvendo e o uso de armamento era natural para eles. Aos 12 anos ele já acompanhava
os grupos de caça. E agora, depois do rito que o marcava como um adulto, ele pôde se juntar às caçadas aos ogros e
seus mestres grosseiros, os gronns.

Esse ano, com a chegada do outono e do Kosh’harg, ele se juntou ao círculo dos adultos depois que as crianças
foram mandadas para a cama. Ele e Orgrim aprenderam no ano anterior que ser um adulto e fazer parte da roda em
volta da fogueira não era muito interessante.

Contudo, a única coisa que achava interessante, enquanto observava com seus olhos castanhos, era interagir com
pessoas que ele conhecia apenas por nome e nunca conversavam com ele por ser muito jovem. Mãe Kashur era do clã
e ele sabia que ela tinha alta estima entre os xamãs de outros clãs e ele se orgulhava disso. Na sua primeira noite,
percebeu que ela se aninhava perto do fogo, um cobertor de pele de lobo envolto num corpo que mais parecia pele e
osso. Ele sabia, sem saber como, que esse seria o último Kosh’harg que ela celebraria, e isso o entristecia mais do que
esperava.

Próximo a ela e mais jovem, mas ainda mais velho que os pais de Durotan, estava o aprendiz de Kashur,
Drek’Thar. Durotan não conversou muito com ele, mas a língua ferina e olhos afiados impunham respeito. Os olhos de
Durotan continuavam a obervar a assembleia. No dia seguinte, os xamãs terão partido para suas reuniões com os
ancestrais na montanha sagrada. Sentiu um calafrio ao lembrar-se de sua última visita e a brisa fresca que parecia uma
corrente, mas que era algo incomum.

E num canto estava Grom Hellscream, o chefe jovem e um tanto fanático do clã Warsong. Apenas um pouco
mais velho que Durotan e Orgrim, ele era novato em sua posição. Havia rumores sobre as circunstâncias da morte
misteriosa do chefe anterior, mas o clã não desafiou a liderança de Grom. E ele entendia o porquê. Apesar de jovem,
era intimidador. A luz dançante da fogueira tremeluzia, deixando-o mais ameaçador. Seu cabelo negro e grosso caia
sobre as costas. Ao ascender à chefia, teve seu queixo tatuado de preto. Usava um colar com ossos em volta do
pescoço. E ele sabia o que significava; entre os membros do clã Warsong, era tradição que um guerreiro novato usasse
os ossos de sua primeira caça, com suas próprias runas inscritas.

Ao lado de Grom estava o grande e imponente Blackhand do clã Blackrock. E ao lado deste, mastigando em
silêncio, Kargath Bladefist, chefe do clã Shattered Hand. No lugar da mão, ele tinha uma foice embutida em seu pulso,
e mesmo já adulto, Durotan ficava inquieto ao ver a lâmina cintilar na luz da fogueira. Próximo a ele achava-se
Kilrogg Deadeye, chefe do clã Bleeding Hollow. O sobrenome não era de família e sim adotado por ele. Um olho
movia-se rapidamente, enquanto o outro estava estático, mutilado e morto. Se Grom era novo para ser chefe, Kilrogg
era muito velho. Mas apesar da sua aparência, Durotan tinha certeza que seus dias de chefe e de vida estavam longe de
acabar.

Pouco a vontade, virou sua atenção para outro lugar.

À esquerda de Drek’Thar sentava o famoso Ner’zhul, do clã Shadowmoon. Por tanto tempo quanto lembrava, ele
liderou os xamãs. Uma vez foi permitido a ele ir numa caçada na qual Ner’zhul estava presente e a maestria de suas
habilidades era de assombrar. Enquanto outros grunhiam e se esforçavam para evocar os elementos, direcionando-os
potentemente, mas sem encanto, Ner’zhul permanecia tranquilo. A terra tremia sob seus pés quando ele pedia;
relâmpagos descendiam dos céus para atingir onde direcionasse. Fogo, ar, água, terra e o esquivo Espírito da Natureza,
todos o consideravam como companheiro e amigo. Não o viu interagir com os ancestrais, só os xamãs poderiam
testemunhar tais coisas. Mas era óbvio que se os ancestrais não o favorecessem, não sustentaria o poder tão
serenamente até hoje.

Já o aprendiz de Ner’zhul, ele não gostava. Orgrim estava sentado a seu lado e percebendo onde o olhar dele
estava fixado, inclinou-se e cochichou. “Eu acho que Gul’dan serviria melhor seu povo se fosse usado como isca.”

Durotan desviou o olhar para que ninguém o visse sorrir. Não sabia quão experiente xamã Gul’dan era; com certeza
dispunha de alguma habilidade ou não seria escolhido para sucessão. Mas ele não era um orc muito predisposto. Mais
baixo que alguns, mais fraco do que a maioria, com uma barba pequena e espessa, não era o exemplo de um guerreiro
orc. Mas Durotan supunha que não precisava ser um herói para contribuir.

“Agora, aquela ali sim é uma guerreira nata.”

E olhou na direção que Orgrim indicou e seus olhos arregalaram um pouco. Dizia a verdade. De pé, imponente e
ereta, seus músculos definidos por baixo de sua suave pele castanha , ela pegou um pedaço de carne da carcaça assada
do talbuque; a fêmea em questão pareceu a Durotan como a personificação de todos os valores orcs. Movia-se com a
graça feroz dos lobos negros, suas presas eram pequenas, mas mortalmente afiadas. Se longo cabelo moreno estava
amarrado para trás numa trança bem feita, mas atraente.

“Quem – quem é ela?” murmurou. Seu coração já estava apertado, pois com certeza essa fêmea magnífica
pertencia a outro clã. Ele notaria tal beldade – forte, flexível, graciosa – se fosse do seu clã.

Orgrim gargalhou e bateu nas costas dele. O som do gesto fez com que vários virassem a cabeça em sua direção,
inclusive, como percebeu, da amável fêmea. Orgrim inclinou-se para falar as palavras que fizeram seu espírito flutuar.

Uma Frostwolf? Como diabos ele falhou em notar um tesouro desses em seu clã? Virou-se para observá-la de
novo. E notou que ela o encarava e seus olhares entrelaçaram.

“Draka!”

A fêmea levantou e foi embora. Durotan piscou como se voltasse a si.

“Draka,” disse baixo. Não é de se admirar que não a reconhecesse. “Não, Orgrim. Ela não é uma guerreira nata,
mas uma guerreira feita.”

Draka nasceu doente, sua pele era castanho claro como dos cervos ao invés do castanho escuro e saudável dos
cascos das árvores, marca dos orcs. Por quase toda sua infância, Durotan escutava os adultos sussurrando sobre ela,
como se já fosse, tão jovem, para juntos dos ancestrais. Uma vez seus pais se referiram a ela com tristeza, se
perguntando o que fizeram de errado para que os espíritos os amaldiçoassem com uma frágil criança.

Foi logo após isso, percebeu juntando as peças, que a família de Draka mudou-se para os arredores do
acampamento. Não a tinha visto muito, já que estava ocupado com suas obrigações.
Draka cortou vários pedaços de carne e levou para sua família. Notou que havia duas crianças junto aos orcs que
pareciam ser os pais dela. Ambos estavam em forma e com saúde. Sentindo o olhar dele, ela o encarou com firmeza.
Suas narinas dilataram e sentou-se altiva, como se desafiasse ele a olhá-la com dó ou piedade ao invés de respeito e
admiração.

Não, ela não precisava de compaixão. Pela graça dos espíritos, a cura dos xamãs e a determinação evidente em
seus olhos castanhos, ela teve de livrar-se de sua fragilidade quando criança para amadurecer-se nessa…visão da orc
fêmea perfeita.

Orgrim o acotovelou e seu fôlego escapou com um ruído. Durotan olhou seu amigo de infância.

“Fecha essa boca, ou vou colocar algo nela pra fechá-la.” grunhiu Orgrim.

Durotan percebeu que estava boquiaberto, e que outros perceberam e sorriam para ele. Então prestou atenção no
banquete e não olhou mais para ela durante o resto da noite.

Mas ele sonharia com ela. E quando acordou, soube que ela seria dele. Era herdeiro da chefia e um dos mais
orgulhosos do clã.

Que fêmea recusaria ele?

“Não.” disse Draka.

Durotan estava pasmo. Ele abordou Draka pela manhã e a convidou para caçar com ele no dia seguinte. A sós.
Ambos sabiam o que isso significava; macho e fêmea caçando juntos fazia parte do ritual de cortejo. E ela o repeliu.

Foi tão inesperado que não soube como reagir. Ela o olhou quase desdenhosamente, lábios curvados num sorriso
arrogante.

“Por que não?” indagou.

“Não tenho idade.” replicou mais parecendo uma desculpa do que uma razão.

Mas ele não seria desmotivado facilmente. “Minha intenção era que fosse uma caçada de cortejo.” disse
francamente. “Mas se ainda não está na idade, eu respeito. Mesmo assim, gostaria da sua companhia e que esta seja
uma caçada compartilhada por dois guerreiros valiosos, nada mais.”

Ficou desconcertada. Durotan imaginou que ela esperava que forçasse o convite ou fosse embora com raiva.

“Eu…”

Deteve-se com os olhos bem abertos. Então sorriu. “Irei nessa caçada, Durotan, filho de Garad, líder do clã
Frostwolf.”

Nunca achou que seria tão feliz. Isso era muito diferente do que uma caçada normal. Estavam andando a passos
largos e rápidos. Todos os desafios que teve com Orgrim, deram a ele vigor e preocupou-se em estar indo rápido
demais. Mas Draka, nascida tão frágil e agora robusta, o acompanhou sem dificuldade. Não trocaram muitas palavras,
não havia o que dizer. Estavam caçando, achariam uma presa, matariam, e levariam para o clã. O silêncio era fácil e
confortável.

Diminuiu o passo ao entrarem em território aberto e examinaram o solo. Não havia neve na terra, então rastrear
não era uma tarefa simples como no inverno. Mas Durotan sabia o que estava procurando: Grama remexida, galhos de
arbustos quebrados, um buraco no terreno, mesmo que pequeno.
“Fenocerontes.” disse. Levantou e analisou o horizonte na direção que tinham ido. Draka ainda estava agachada,
seus dedos movendo com delicadeza a folhagem.

“Um deles está machucado.” anunciou.

Durotan virou para ela. “Não vi sangue.”

Balançou a cabeça. “Sangue não, mas o padrão das pegadas me diz isso.” Apontou para onde ele olhava. Ele não
viu nada que indicasse um animal machucado, e ficou intrigado.

“Não essa pegada…a próxima. E a outra depois dessa.”

Moveu adiante, colocando seu pé cuidadosamente, e corou um bocado. “É fácil perceber, você também teria
visto.” obsevou.

“Não.” admitiu honestamente. “Não iria. Eu vi as pegadas, mas não reservei tempo para observar os detalhes.
Você sim. Será uma excelente guerreira algum dia.”

Ajeitou-se e olhou-o com orgulho. Algo caloroso, e simultaneamente fortalecedor e enfraquecedor percorreram
através dele. Ele não era de rezar, mas ao olhá-la de pé a sua frente, fez uma pequena prece para os espíritos: que esta
fêmea me olhe de maneira favorável.

Seguiram a trilha como lobos farejando. Durotan parou de liderar, pois essa fêmea estava em pé de igualdade.
Eles se complementavam bem. Ele tinha olhos mais aguçados, mas ela enxergava os detalhes. Imaginou como seria
lutar ao lado dela. Seus olhos no solo perante eles, deram a volta. Ele imaginou como seria –

O grande lobo preto rodopiou, agachado e rosnando para o mesmo animal que eles estavam rastreando. Por um
instante interminável, os três predadores trocaram olhares. Mas antes mesmo da poderosa besta juntar forças para
saltar, Durotan já havia atacado.

Não sentiu o machado pesar quando levantou e o atingiu. O golpe pegou fundo no torso do animal, mas Durotan
sentiu a mordida em retaliação esmagar seu braço. Sentiu uma dor apavorante e chocante. Libertou seu braço. Foi
mais difícil levantar o machado com sangue se esvaindo, mas ele o fez. O lobo virou sua atenção para Durotan, seus
olhos amarelados fixados no dele, abriu sua boca num rugido. Seu hálito cheirava a carne podre.

Naquele instante, antes que a mandíbula gigante pudesse fechar em sua cabeça, Durotan ouviu um grito de
guerra. Viu um borrão no canto do olho. Draka avançou para cima do lobo com sua longa e adornada lança a sua
frente. A cabeça do lobo foi jogada para trás assim que foi atingida no tronco. Nesse momento de desatenção, Durotan
suspendeu seu machado de novo e trouxe-o para baixo, o mais forte que conseguiu. Sentiu a lâmina cortar através do
corpo do animal, descendo até atingir fundo o solo, alojando tão firme que não pôde tirá-la de imediato.

Recuou ofegante. Draka estava ao seu lado. Sentiu que o calor, a energia e a paixão dela pela caça eram iguais à
dele. Juntos encaravam a criatura poderosa que tinham matado. Foram pegos desprevenidos por um animal que
normalmente requer vários guerreiros maduros para abater, e eles saíram vivos. O inimigo jazia morto sobre a poça de
sangue, partido em dois pelo machado de Durotan e o coração varado pela lança de Draka. Ele percebeu que nunca
poderia dizer quem realmente matou o lobo e isso o deixou ridiculamente feliz.

Sentou-se pesadamente.

Draka foi logo ampará-lo, lavando o sangue de seu braço, apenas para resmungar ao ver que mais sangue
aparecia. Passou bálsamo e amarrou firme com bandagens; juntou algumas ervas e água, obrigando-o a beber. Depois
de algum tempo a tontura passou.

“Obrigado.” murmurou.

Ela concordou sem olhá-lo. Então um pequeno sorriso apareceu no canto de sua boca.

“Qual é a graça? Eu não conseguir ficar de pé?”


Foi mais bruto do que gostaria e ela olhou de imediato para ele, surpresa com o tom.

“De maneira nenhuma. Lutou bem Durotan. Muitos teriam largado o machado depois de uma mordida daquela.”

Sentiu-se estranhamente satisfeito pelo comentário, já que foi feito com sinceridade e não bajulação. “Então, o
que te diverte?”

Olhou para ele sorrindo. “Eu sei de algo e você não sabe. Mas…depois disso…acho que vou te contar.”

Notou que sorria também. “Estou honrado.”

“Eu disse ontem que não tinha idade para a caça de cortejo.”

“Verdade.”

“Bem…quando disse isso, eu sabia que faltava pouco tempo.”

“Entendo.” disse apesar de não entender. “Bom…e quando será esse dia?”

Seu sorriso aumentou. “Hoje.”

Ele olhou-a por um longo tempo, então, sem falar nada, puxou ela para si e beijou-a.

Talgath tem observado os orcs por um período. Agora, afastou-se, pois sua natureza bestial o ofendeu. Ser um
man’ari era bem melhor. Tirando as criaturas fêmeas com asas de couro e rabo, os man’ari saciavam seu desejo com
violência, não copulando. E ele preferia assim. Na verdade, preferiria ter matado os dois na hora, mas seu mestre foi
bem claro sobre intervenções. Se esses dois não voltassem para seu clã, levantaria suspeita e apesar de serem tão
importantes como moscas, estas ainda podiam tornar-se um incômodo. Kil’jaeden queria que ele apenas observasse e
reportasse, nada mais.

E assim ele faria.

Vingança, meditava Kil’jaeden, era como um fruta no pé, mais doce quando estava totalmente madura. Houve
momentos através dos anos quando ele alimentava dúvidas sobre ser capaz de localizar os renegados. Contanto,
quanto mais Talgath dividia com ele, mais confiante e animado ele ficava.

Talgath o servia muito bem. Observou as tão chamadas cidades que o “poderoso” Velen tinha pateticamente
criado com um punhado de eredar. Observou como eles viviam, caçando igual a essas criaturas chamadas “orcs”,
plantando sementes com suas próprias mãos. Era risível vê-los fazerem comércio com essas criaturas toscas de
linguagem gutural, tratando eles com educação. Talgath pressentiu alguns ecos da grandeza dos edifícios e tecnologia
limitada, mas no geral sentiu que Kil’jaeden ficaria feliz em quão baixo seu antigo amigo havia chegado.

“Draenei.” é como eles se denominam agora. Os exilados. E chamam seu mundo de Draenor.

Kil’jaeden percebeu que Talgath estava perplexo quando viu que ele estava mais interessado nos orcs do que em
Velen. Como se organizavam? Quais eram seus costumes? Quem eram seus líderes, e como eram escolhidos? O que
era mais importante para eles como uma sociedade? E como indivíduo?

Mas o trabalho de Talgath era reportar e não avaliar, e ele obedecia a seu mestre. Quando finalmente Kil’jaeden
absorveu tudo o que Talgath aprendeu, até o nome das duas bestas acasalando depois de caçarem juntos, ele ficou
satisfeito – pelo menos até agora.

Finalmente a vingança seria sua. Velen e seus companheiros presunçosos seriam punidos. Mas não tão rápido,
não com um exército de eredar aprimorados para dilacerá-los. Isso seria muito misericordioso. Kil’jaeden queria-os
mortos. Mas ele queria arruiná-los. Humilhados. Esmagados tão completamente quando um inseto sob uma bota.
E agora, ele sabia exatamente como fazê-lo.
Capítulo 6

As lições daquele tempo foram amargas, compradas com sangue, morte e angústia. Ironicamente, a coisa que quase
nos destruiu foi o que nos salvou depois: um senso de unidade. Cada clã foi leal a si mesmo, intensamente dedicado a
seus membros, mas não aos outros. Sob o que e contra nos unimos foi totalmente errado e ainda estamos nos
corrigindo por isso. Gerações por vir ainda irão arcar com nossos erros. Mas a união, por si, foi gloriosa. E é uma lição
que pretendo resgatar das cinzas. Foi essa lição que me fez falar com líderes de raças tão diferentes, para trabalharmos
juntos em prol de algo que possamos nos orgulhar.

Unidade. Harmonia. Essa é a boa lição do passado. Eu a aprendi bem.

Feliz, Ner’zhul olhou para o céu poente. O pôr do sol estava reluzente hoje. Os ancestrais deveriam estar
satisfeitos, refletiu, sentindo-se um tanto orgulhoso.

Mais um Kosh’harg tinha chegado e ido embora. Eles pareciam cada vez mais difíceis do que nos outros anos, e
toda a vez que a celebração ocorria, havia algo para alegrar-se e algo para lamentar.

Sua velha amiga Kashur – sabia que dentre o clã Frostwolf era chamada de “Mãe” – havia ido ao encontro dos
ancestrais. Pelo o que ficou sabendo, havia morrido bravamente. Ela havia insistido em juntar-se à caçada; algo que
não fizera há anos. Os Frostwolves haviam caçado fenocerontes e a Mãe ansiã estava na dianteira junto com os
guerreiros. Havia morrido pisoteada antes mesmo que pudessem salvá-la e Ner’zhul sabia que o clã, mesmo em luto,
celebrava sua vida e como escolheu partir. Esses eram os jeitos dos orcs. Perguntou-se se a veria e então repreendeu o
pensamento. Ele a veria se achasse que era apto para revelar-se. Morte não era esse deserto de tristezas para um xamã
como era para os outros orcs, pois tinha o privilégio de estar novamente na presença dos amados falecidos,
compartilhar de sua sabedoria, sentir sua afeição.

O clã havia sofrido uma dupla tragédia, pois no meio tempo entre um Kosh’harg e outro a morte tinha também
levado o líder Garad. Os Frostwolves tiveram o azar de, em um dia ensolarado, trombar com no mínimo três ogros e
seu mestre monstruoso. As horríveis criaturas eram estúpidas, mas ferozes, e o gronn era um inimigo astuto. Os orcs
saíram vitoriosos, mas a um alto custo. Naquele dia negro, apesar de todo o esforço dos curandeiros, Garad e muitos
outros morreram em função dos ferimentos.

Mas nas angustias da perda de um líder, e um que Ner’zhul conhecera e respeitara, havia a alegria do sangue
novo para assumir. Kashur havia falado bem de Durotan, e pelo o que havia visto, o jovem seria um ótimo líder.
Assistiu Durotan ser nomeado chefe e notou uma fêmea atraente e de olhar impetuoso, observando a cerimônia com
mais do que apenas simples interesse pelo clã. Estava certo que até o próximo Kosh’harg a amável Draka seria a
parceira do novo chefe dos Frostwolves.

Suspirou, selecionando as imagens em sua mente enquanto enchia seus olhos com os prazeres do glorioso sol. Os
anos se passavam, e davam suas bênçãos e exigiam seus sacrifícios.

Voltou para sua pequena cabana, a qual uma vez dividiu com sua companheira, que havia falecido há muitos
anos. Rulkan o visitava de vez em quando sem partilhar palavras de sabedoria, mas enchendo seu coração com ternura
e abrindo-lhe novamente para as necessidades de seu povo cada vez que seu espírito tocava o dele. Sentia saudade de
sua risada rouca e do calor ao lado dele na cama, mas estava contente. Talvez, pensou ele, Rulkan apareceria essa
noite.

Preparou uma poção, entoando encantamentos e bebendo devagar. Isso não causaria uma visão; nada causaria a não
ser que um ancestral desejasse, e muitas vezes elas vinham quando menos se esperava. Mas os xamãs aprenderam
através dos anos que algumas ervas abriam a mente durante o sono, para que aquele que foi presenteado com a visão,
lembraria com clareza na manhã seguinte.

Ner’zhul fechou os olhos e logo os abriu de novo, mas sabia que estava dormindo profundamente.
Ele e sua amada Rulkan estavam no topo da montanha. De começo achou que olhavam o pôr do sol, mas
percebeu que o sol estava nascendo e não descendo para dormir. O céu estava magnífico, mas de uma maneira que
estimulava e incitava-o ao invés de acalmá-lo e confortá-lo. As cores eram escarlate, roxo e laranja, quase violento, e
seu coração elevou-se.

Rulkan virou-se, sorrindo, e pela primeira vez desde que exalou seu último suspiro como ser vivo, falou com ele.

“Ner’zhul, meu companheiro, este é um novo começo.”

Arfou, tremendo, dominado pelo amor por ela, inundado com uma emoção latente inflamada pelas cores
vibrantes do sol nascente. Um novo começo?

“Você guiou bem o nosso povo.” disse. “Mas chegou a hora de aprofundarmos os velhos costumes, levá-los
adiante pelo bem de todos.”

Um pensamento cutucou sua consciência. Rulkan não tinha sido uma xamã, nem uma chefe. Foi apenas uma
maravilhosa orquisa, o que foi mais do que suficiente para Ner’zhul, mas ela não havia tido nenhuma posição
importante durante a vida que a faria falar com tanta autoridade. Contrariado com sua falta de fé, suprimiu o
sentimento. Ele não era um espírito, era apenas carne e osso e apesar de entender mais sobre o caminho dos espíritos,
também sabia que havia muito que jamais entenderia até juntar-se a eles. Por que Rulkan não falaria pelos ancestrais?

“Estou escutando”

Ela sorriu. “Sabia que escutaria. Tempos negros e perigosos virão para os orcs. Até agora, apenas nos reunimos
durante o Kosh’harg. Esse isolamento deve acabar se queremos que nossa raça sobreviva.”

Rulkan olhou para o sol, seu rosto pensativo e coberto pelas sombras. Ner’zhul ansiou por abraçá-la, tomar dela o
fardo que carregava como fazia em vida. Mas agora, ele sabia que não podia tocá-la, nem forçá-la a falar. Então
sentou em silêncio, bebendo de sua beleza, ouvidos atentos à sua voz.

“Há uma praga nesse mundo.” disse com calma. “Deve ser eliminada.”

“Diga e será feito,” prometeu fervorosamente. “Sempre honrarei os conselhos dos ancestrais.”

Voltou-se para ele, seus olhos procurando os dele enquanto a luz ficava mais brilhante.

“Quando for eliminada, nosso povo se manterá orgulhoso e altivo…mais do que somos agora. Teremos poder e
força. E você…você, Ner’zhul, irá liderá-los.”

A maneira como ela disse isso fez o coração dele disparar. Ele já era poderoso, honrado, talvez ainda
reverenciado pelo seu próprio clã Shadowmoon. Já era o líder dos orcs, apesar de não oficialmente. Mas agora o
desejo por mais atiçou seu coração. E o medo também o atiçou; sombrio e desagradável, mas que precisava ser
enfrentado.

“Qual é a ameaça que precisa ser dissipada antes que os orcs possam reivindicar o que lhes é de direito?”

Ela disse.

“O que isso significa?” perguntou Durotan.

Ele fez o desjejum com as duas pessoas do clã que mais confiava: Draka, sua pretendida, com quem iria casar-se
numa grandiosa cerimônia na próxima lua cheia, e Drek’Thar, o novo chefe dos xamãs do clã.

Durotan, junto com todos, havia lamentado a passagem da Mãe Kashur. Durotan tinha certeza que ela pretendia
morrer aquele dia, e desejou que fosse uma boa morte. Ela faria falta, mas Drek’Thar havia provado ser um sucessor
digno. Lutando contra seu pesar, ele assumiu na hora como o curandeiro principal da caçada e todas as subsequentes.
Kashur teria ficado orgulhosa. Agora os três sentavam e comiam na tenda do chefe, onde Durotan, chefe desde a
morte de seu pai em batalha contra um gronn e seus ogros, residia.

Estava se referindo a carta que tinha chegado recentemente, trazido por um grande e esguio mensageiro em um
grande e esguio lobo preto. Examinou o conteúdo enquanto comia mingau feito de grão e sangue.

Para Durotan, Chefe do clã Frostwolf, o xamã Ner’zhul manda saudações. Fui agraciado com visões dos
ancestrais que é de interesse de todos, como orcs, e não como membros indivíduos de um clã. Falarei com os líderes
de todos os clãs no décimo segundo dia desta lua, assim como cada xamã de cada clã. Vocês devem ir ao pé da
montanha sagrada. Carne e bebidas serão concedidas. Se não comparecer, vou considerar como um sinal de que não se
importam com o futuro de nosso povo e que irão agir de acordo. Perdoe-me pela maneira brusca, mas essa questão é
de extrema urgência. Favor responder pelo meu mensageiro.

Durotan fez o mensageiro esperar enquanto discutia o assunto. Este parecia um tanto perturbado, mas aceitou
esperar por um curto período. Talvez o aroma do mingau soprando do grande caldeirão o tenha convencido.

“Eu não sei, a não ser que obviamente Ner’zhul sente que isso é de extrema importância.” admitiu Drek’Thar.
“Tal coisa nunca acontece fora das cerimônias do Kosh’harg. E lá os xamãs sempre se reúnem na presença dos
ancestrais. Mas nada fora disso. E nunca ouvi falar de alguém convocar os chefes. Mas o conheço desde sempre. É um
grande e sábio xamã. Se os espíritos fossem falar com qualquer um de nós sobre algo que nos ameaça, falariam
através dele.”

Draka rosnou. “Convocar vocês como se fossem animais de estimação para atender seu chamado. Eu não gosto
disso Durotan. É um sinal de arrogância.”

“Não discordo de você.” disse. Inicialmente o tom da carta fez seus pelos eriçarem e estava propenso a recusar.
Mas quando leu de novo, olhou através das palavras soberbas para ver a intenção por trás da carta.

Certamente algo estava incomodando o orc que todos respeitavam, e isso valia alguns dias de viagem.

Draka o observou, seus olhos estreitos. Olhou-a e sorriu.

“Irei, então. E todos os meus xamãs.”

Draka franziu a testa. “Eu vou com você.”

“Acho que seria melhor se – “

Draka rosnou. “Sou Draka, filha de Kelkar, filho de Rhakish. Sou pretendida e logo serei sua parceira para o resto
da vida. Não irá me proibir de acompanhá-lo!”

Durotan riu jogando sua cabeça para trás, tocado pela demonstração da sua garra. Escolheu muito bem. Da
orquisa nascida frágil, surgiu força e fogo. O clã Frostwolf irá prosperar com ela a seu lado.

“Então, chame o mensageiro, se ele já terminou sua refeição.” falou com bom humor ainda contaminado em sua
rouca voz. “Diga que iremos a essa estranha reunião, mas que ele assegure a necessidade dela quando chegarmos.”

O líder do clã Frostwolf e seus xamãs estavam entre os primeiros a chegar. Ner’zhul foi pessoalmente saudá-los,
e no momento que Durotan olhou para o xamã, soube que fez certo em ter vindo. Apesar de não ser mais jovem,
percebeu que o xamã havia envelhecido anos em alguns meses desde o último Kosh’harg. Parecia…mais magro,
quase desnutrido, como se não tivesse comendo por algum tempo. E seus olhos pareciam assustados. Seu
agradecimento era sincero e suas mãos tremiam quando agarrou os ombros de Durotan.
Não era uma jogada arrogante por poder, mas um sentimento verdadeiro de ameaça. Inclinou a cabeça e foi
embora para acomodar seu clã.

Pelas próximas horas, conforme o sol descia no horizonte, viu um fluxo constante de orcs chegarem aos campos
na base da montanha, como se estivessem se reunindo para o festival. Viu os banners brilhantes que anunciavam os
clãs tremularem ao vento, e sentiu um sorriso formar em seu rosto ao ver o símbolo do clã Blackrock – clã do Orgrim.
Desde que se tornaram adultos, os dois amigos de infância tinham pouco tempo para passar juntos, e mesmo Orgrim
tendo ido à cerimônia que tornou Durotan chefe do clã, não haviam se visto desde então. Não estava surpreso ao ver
que Orgrim marchava um passo atrás de Blackhand, o líder intimidador e bronco do clã Blackrock. Seu amigo era
agora o segundo no comando.

Draka seguiu o olhar de seu futuro parceiro e grunhiu também satisfeita. Ela havia se dado muito bem com
Orgrim, pelo que Durotan era agradecido. Era sortudo, pois as duas pessoas que mais lhe importava tornaram-se
amigos.

Enquanto Blackhand conversava com Ner’zhul, Orgrim piscou em direção de seu amigo. Durotan sorriu de volta. Ele
estava preocupado com o estado de Ner’zhul, mas pelo menos essa reunião daria a chance dele visitar Orgrim. Ao
terminar esse pensamento, Blackhand bufou e acenou para Orgrim segui-lo. Sentiu seu sorriso sumir; se Blackhand
exigisse a presença de Orgrim na reunião, então até esse encontro lhe seria negado.

Draka, que o conhecia bem, apertou sua mão. Não disse nada, pois não era necessário. Sorriu para ela.

O mesmo esguio mensageiro avisou que Ner’zhul não iria realizar a reunião antes da manhã seguinte, uma vez
que vários clãs chegariam aos poucos durante a noite. O acampamento do Frostwolf era menor do que a maioria, mas
mais harmonioso do que muitos. Trouxeram barracas de viagens e peles, e o mensageiro foi acomodado e guarnecido
com carne, peixe e frutas em abundância. Um lombo de talbuque girava lentamente na fogueira, com seu perfume
irresistível, deixando os orcs com o apetite aberto mesmo enquanto banqueteavam-se de peixe cru. Estavam em onze
no total – Durotan, Draka, Drek’Thar e oito de seus xamãs. Alguns pareciam bem jovens, mas xamãs aumentavam
suas habilidades com o tempo e uma vez que os ancestrais apareciam para eles em visões, eram todos iguais em honra
e respeito.

Uma forma velada apareceu além da iluminação da fogueira. Durotan levantou e expandiu seu corpo de forma
imponente apenas no caso de alguém que bebeu demais tivesse entrado com intenções hostis. Então o vento mudou de
direção e ao sentir o cheiro de Orgrim, gargalhou.

“Seja bem vindo velho amigo.” vociferou ao abraçar com força o outro orc. Assim como na juventude, mesmo
Durotan sendo alto, Orgrim era maior do que ele. Enquanto observava o segundo em comando do clã Blackrock,
secretamente admirou-se como pôde ser capaz de superá-lo em algo.

Orgrim grunhiu e bateu no ombro de Durotan. “Seu grupo é pequeno, mas é o que cheira melhor.” disse, olhando
a carne assada e cheirando com apreciação.

“Então tasque um pedaço de talbuque e por enquanto deixe suas obrigações para lá.” disse Draka.

“Faria se pudesse,” suspirou. “mas não tenho muito tempo. Se o líder do Frostwolf pudesse caminhar comigo um
pouco, ficaria honrado.”

“Vamos caminhar então.” replicou.

Deixaram o acampamento e andaram em silêncio por algum tempo, até as fogueiras virarem pequenas luzes
cintilantes e distantes e asseguraram que nenhum ouvido intrometido estava por perto para bisbilhotar. Ambos
farejaram o vento também. Orgrim permaneceu em silêncio e Durotan esperou pacientemente como um verdadeiro
caçador.
Finalmente Orgrim falou. “Blackhand não queria vir.” confessou. “Achou degradante Ner’zhul convocar a todos
como se fossemos bichinhos de estimação dele.”

“Draka e eu tivemos a mesma reação, mas ainda bem que viemos. Você viu a expressão no rosto do Ner’zhul.
Apenas olhá-lo foi o bastante para perceber que fizemos certo em vir.”

Orgrim bufou com escárnio. “Foi o que bastou para mim também, mas quando deixei o acampamento, Blackhand
ainda estava enfurecido com o xamã. Ele não vê o que nós vemos.”

Não era da conta dele falar mal de outro líder de clã, mas também não era segredo o que a maioria dos orcs pensa
sobre Blackhand. Era certamente um orc poderoso, em seu auge, maior e mais forte que qualquer orc que Durotan já
viu. E não era ignorante. Mas havia algo nele que o deixava desconfiado. Decidiu segurar a língua.

“Até no escuro vejo o esforço que está fazendo, velho amigo.” murmurou. “Não precisa falar as palavras para
que eu saiba o que ia dizer. Ele é meu chefe, jurei lealdade a ele e não irei quebrar o juramento. Mas até mesmo eu
tenho minhas dúvidas.”

A confissão alarmou Durotan. “Você tem?”

Orgrim concordou. “Estou dividido, Durotan: entre minha fidelidade e o que meu coração e mente me dizem.
Espero que nunca fique nessa posição. Como segundo no comando, posso ajudar a amenizá-lo, mas não muito. Ele é o
líder e ele tem o poder. Posso apenas torcer para que ele escute os outros amanhã ao invés de ficar teimosamente
sentado em seu orgulho ferido.”

Durotan dividia essa esperança. Se as coisas estavam tão ruins quanto a expressão de Ner’zhul indicava, a última
coisa que ele queria era o líder de um dos maiores clãs se comportar como uma criança mimada.

Seus olhos recaíram sobre uma forma sombreada nas costas de Orgrim. Orgulho e pesar o inundaram ao falar.
“Você carrega a Doomhammer agora. Não sabia que seu pai havia falecido.”

“Morreu bravamente.” disse. Hesitou e continuou. “Lembra daquele dia, há muito tempo atrás quando
trombamos com aquele ogro e os draenei nos salvaram?”

“Nunca poderia esquecer.” respondeu Durotan.

“O profeta falou de quando eu receberia a Doomhammer.” disse. “Estava tão animado com a possibilidade de
empunhá-la em combate. Foi a primeira vez que entendi – realmente entendi – que o dia no qual se tornaria minha
arma, seria o dia que eu ficaria sem pai.”

Desprendeu a arma de suas costas e ergueu-a. Era como assistir uma dançarina, pensou Durotan – equilíbrio entre
força e graça. A lua brilhava sobre o corpo forte de Orgrim enquanto ele movia-se, agachava, saltava e girava.
Finalmente, ofegando e suando muito, Orgrim guardou a arma lendária.

“É algo glorioso.” suspirou. “Uma arma de poder. Uma arma de profecia. O orgulho da minha linhagem. E eu a
quebraria em mil pedaços com minhas próprias mãos se isso trouxesse meu pai de volta.”

Sem dizer mais nada, Orgrim avançou em direção ao pequeno grupo de fogueiras luminosas. Durotan não tinha a
intenção de segui-lo. Sentou-se por um longo tempo, olhando as estrelas, pressentindo do fundo de sua alma que o
mundo que iria contemplar amanhã seria radicalmente diferente do que havia conhecido por toda sua vida.
Capítulo 7

Sei bem que nós orcs perdemos mais do que ganhamos. Até então nossa cultura era preservada, inocente, pura.
Éramos como crianças que sempre estiveram a salvo, amadas e protegidas. Mas crianças precisam amadurecer e nós,
como povo, fomos facilmente manipulados.

Há lugar para a confiança, ninguém pode me acusar de não saber disso. Mas também precisamos ser cuidadosos.
Aqueles com rostos sinceros podem enganar e até mesmo aqueles em quem acreditamos podem ser ludibriados.

A perda da nossa inocência é o que lamento quando penso em como aqueles dias deveriam ser. E foi a nossa
inocência que nos levou à ruína.

Era uma longa fila de rostos solenes que olhavam para o grupo de líder dos clãs orcs. Durotan estava ao lado de
Draka, com a mão em volta de sua cintura num gesto protetor, apesar de não saber o porquê sentia que ela precisaria
de proteção. Seus olhos arregalaram quando viu na expressão de seu amigo e conselheiro Drek’Thar algo de arrepiar
os cabelos.

Gostaria de estar próximo a Orgrim. Eram de clãs e tradições diferentes, mas além dele e de sua pretendida, não
havia outra pessoa em quem confiasse. Mas obviamente Orgrim estava junto ao chefe Blackhand que olhava os xamãs
com uma irritação velada.

“Ele está há muito tempo sem caçar.” murmurou Draka indicando Blackhand. “Está procurando por uma briga.”

“Ele vai conseguir. Olha as expressões deles.” Durotan suspirou.

“Nunca vi Drek’Thar desse jeito, nem mesmo quando viu o corpo quebrado de Mãe Kashur.” disse Draka.

Durotan não respondeu, apenas observou.

Todos abriram caminho para Ner’zhul ao que ele avançou para centro da multidão. Começou a andar em círculos,
falando baixo. Então parou e levantou as mãos. Fogo irrompeu a sua frente, saltando em direção ao céu numa
demonstração que arrancou sons de admiração até daqueles que já haviam visto esse tipo de coisa antes.

O pilar ficou ali por um longo tempo e então abaixou para virar uma fogueira tradicional, embora mágica.

“Ao cair da escuridão, de muitas maneiras além dessa, sentem em volta do fogo.” comandou Ner’zhul.

“E que tal nós buscarmos uma presa também e ajoelharmos obedientes aos seus pés durante a noite.” bradou
uma voz furiosa.

Durotan conhecia aquela voz; escutara-a alterada por muitas vezes durante o Kosh’harg quando era jovem e seu
dono era conhecido por dar gritos que arrepiavam durante as caçadas. Era peculiar e inconfundível. Virou para olhar
Grom Hellscream, o jovem líder do clã Warsong, e desejou que aquela explosão não atrasasse o que Ner’zhul tinha
para falar para eles.

Vermelho e preto eram as cores do clã Warsong e apesar de não usar armadura, as vestimentas em couro
naquelas cores já davam um toque majestoso. Grom ficou a frente de seu clã e era mais esguio que a maioria dos orcs,
mas ainda imponente e alto. Cruzou os braços e encarou Ner’zhul.

O xamã não mordeu a isca, apenas suspirou profundamente. “Sei que muitos estão com suas honras ofendidas.
Deem-me chance para falar e ficarão satisfeitos de estarem aqui, assim como os filhos de seus filhos.”

Grom resmungou, mas não disse mais nada. Ficou de pé por um tempo e encolheu os ombros ao sentar-se, como
se isso indicasse que o fez por vontade própria. Seu clã fez o mesmo.
Ner’zhul esperou o silêncio e então começou a falar.

“Eu tive uma visão.” começou, “de um dos ancestrais que mais confio. Ela me revelou uma ameaça, espreitando
como um escorpião venenoso em um arbusto. Todos os outros xamãs podem comprovar isso, e eles irão assim que
tiverem oportunidade de falar. Fico entristecido e furioso em ver como fomos tão ingênuos.”

Durotan estava hipnotizado pelas palavras do xamã, coração batendo rápido. Quem era esse inimigo misterioso?
O que era tão obscuro que escapou de suas vistas?

Ner’zhul suspirou, olhando para o chão, então balançou a cabeça. Sua voz era grave e confiante, entrelaçada em
tristeza.

“O inimigo a qual me refiro,” disse gravemente, “são os draenei”

E o caos explodiu.

Durotan fitava, desacreditando no que ouviu. Olhou à volta, procurando Orgrim e encarou os olhos cinza
arregalados do amigo, vendo o mesmo choque em seu rosto. Os draenei? Certamente algo estava errado. Os gronns
sim, quem sabe se encontraram algum conhecimento secreto contra os odiados orcs…mas não. Não os draenei.

Eles nem eram guerreiros do nível dos orcs. É verdade que caçavam, mas eles precisavam de carne para
sobreviver assim como eles. Eram páreo contra os gronns e às vezes ajudavam alguns grupos de caça. Durotan se
lembrou do dia em que dois jovens orcs estavam fugindo de um ogro cujos passos faziam a terra tremer, e as esbeltas
figuras azuis que apareceram do nada para salvá-los.

Por que arriscariam sua segurança para salvar dois garotos se eram mesmo tão maléficos quanto Ner’zhul
acreditava? Não fazia sentido. Nada do que havia dito fazia sentido.

Ner’zhul implorava por silêncio, mas sem sucesso. Blackhand estava de pé, veias saltadas em seu pescoço
enquanto Orgrim fazia de tudo para aplacar a fúria de seu chefe. Então um ruído terrível perfurou o ar, ensurdecedor e
quase fazendo o coração parar. Grom Hellscream estava de pé, cabeça jogada para trás, peito estufado e seu maxilar
preto tão aberto quanto de uma cobra ao dar o bote. Nada podia competir com o grito de guerra de Hellscream, sendo
sucedido por um silêncio total.

Abriu seus olhos e sorriu para Ner’zhul, que parecia completamente sem jeito por ver um até então opositor, virar um
aliado tão rápido.

“Deixe o xamã continuar.” disse. Tão grande era o silêncio depois da sua explosão que as palavras foram
ouvidas por todos apesar de terem sido ditas num tom normal. “Quero saber mais sobre esse novo…velho inimigo.”

Ner’zhul sorriu em gratidão. “Sei que isso assustou vocês. Fiquei chocado também. Mas os ancestrais não
mentem. Esses seres aparentemente benevolentes têm esperado por anos até o momento certo para nos atacar. Eles se
sentam em segurança atrás de suas estranhas edificações feitas com materiais que não compreendemos e guardam
segredos que podem nos beneficiar.”

“Mas por quê?” questionou Durotan antes mesmo de perceber que estava falando. Todas as atenções estavam
voltadas para ele, mas não recuou. “Por que querem nos atacar? Se eles guardam tantos segredos, por que precisam de
nós? E como podemos derrotá-los se isso for mesmo verdade?”

O xamã ficou desconcertado. “Isso eu não sei, mas sei que os ancestrais estão preocupados.”

“Somos em maior número.” gritou Blackhand.

“Não tanto assim.” devolveu Durotan. “Além do mais, são superiores em conhecimento. Vieram para cá em um
navio que navega pelos mundos, Blackhand. Acha que cairão diante de flechas e machados?”

Blackhand franziu as grossas sobrancelhas. Abriu a boca para responder quando Ner’zhul interrompeu,
antecipando o argumento. “Resolução e consequentemente vitória não serão conseguidas da noite para o dia. Peço
apenas que fiquem atentos, e não para entrar em guerra agora. Preparar-se. Discutir com seu xamã quais as melhores
medidas a tomar. E abrir seus corações e mentes para a unificação que assegurará o triunfo.”

Abriu os braços implorando. “Somos clãs separados, sim, cada um com sua tradição e legado. Não estou pedindo
que desistam da sua honrosa história, apenas que abram suas mentes para a unificação de clãs que são fortes sozinhos
e que juntos virariam uma força irreversível. Somos todos orcs! Blackrock, Warsong, Thunderlord, Dragonmaw…não
percebem quão pouco essas distinções importam? Somos um povo só! No final, queremos lares seguros para nossas
crianças, sucesso nas caçadas, companheiras que nos amem, e honra entre os ancestrais. Somos mais parecidos do que
diferentes.”

Durotan sabia que o xamã falava a verdade e olhou seu amigo que estava atrás de seu chefe, imponente e solene.
Mas quando viu Durotan olhando para ele, acenou em concordância.

Houve aqueles que protestaram contra a incomum amizade entre os dois jovens aventureiros e inclinados a
problemas, tinha que admitir. Mas Durotan não seria a pessoa que é hoje se não tivesse se espelhado na firmeza de
Orgrim; e sabia do fundo de seu coração que seu amigo sentia o mesmo.

Mas os draenei…

“Posso falar?”

A voz pertencia a Drek’Thar, e Durotan ficou surpreso. A pergunta foi direcionada não apenas para o seu chefe
como para o xamã que era o mentor de todos eles. Ner’zhul olhou para Durotan que concordou.

“Meu chefe,” e para o assombro de Durotan, a voz dele tremia, “meu chefe, o que Ner’zhul diz é verdade. Mãe
Kashur confirmou.”

Os outros xamãs do clã Frostwolf confirmaram. Durotan os encarou. Mãe Kashur? Se havia alguém que Durotan
confiava, era a velha orc sábia. Relembrou o momento que esteve na caverna, sentindo um ar gelado em seu rosto, que
não era ar, escutando e observando com cada fibra do seu corpo enquanto Mãe Kashur falava com alguém que ele não
podia ver, mas que sabia estar lá.

“Mãe Kashur disse que os draenei são nossos inimigos?” perguntou não acreditando no que ouvia.

Drek’Thar assentiu.

“É hora de escutarem seus xamãs, como Durotan acabou de fazer,” disse Ner’zhul. “Vamos nos reunir ao
anoitecer e os chefes irão me comunicar suas considerações. Estas são pessoas que vocês conhecem e confiam.
Perguntem a eles o que viram.”

A multidão começou a dispersar. Os membros do clã Frostwolf voltavam devagar para seu acampamento e se
entreolhavam cautelosamente. Juntos, sentaram em círculo e voltaram sua atenção para Drek’Thar, que começou a
falar aos poucos e com cuidado.

“Os draenei não são nossos amigos.” disse. “Meu chefe…sei que você e o Doomhammer ficaram uma noite em
sua cidade. Sei que você falou bem deles e que deram a impressão de terem salvado suas vidas. Mas permita-me
perguntar…não estranhou nada?

Durotan recordou do ogro perseguindo eles, gritando enfurecido e balançando sua clava. E com uma sensação
desagradável lembrou-se de quão rápido os draenei apareceram para resgatá-los. E como não poderiam voltar para
casa já que era convenientemente muito tarde para isso.

Franziu a testa. Era um pensamento insensível, e ainda…

“Vejo vincos em sua testa, meu chefe. Posso considerar então que sua fé neles quando jovem começa a
diminuir?”
Durotan não respondeu ou olhou para o líder dos seus xamãs. Olhou para o chão, não querendo se sentir daquele
jeito, mas incapaz de parar a dúvida que aumentava em seu coração, como os dedos gélidos de uma manhã fria.

Em sua memória, ele reviveu o diálogo que teve com Restalaan, dizendo a ele, “Não somos os mesmos.”

“Não são.” Restalaan havia dito. “Nós observamos que os orcs se desenvolverem em força, habilidade e talento.
Vocês nos impressionaram.”

Sentiu de novo um incômodo, como se o elogio tivesse sido um insulto cuidadosamente elaborado. Como se os
draenei fossem superiores…mesmo com suas peles estranhas e azuladas, pernas como as dos talbuques, com caudas
longas semelhantes a de répteis e brilhantes cascos azuis ao invés de pés normais como dos orcs –

“Fale meu chefe. De que se recorda?”

Durotan então disse numa voz rouca sobre a chegada afortunada dos draenei, da quase arrogância de Restalaan.
“E…Velen, seu profeta, fez muitas perguntas sobre nós, e não era apenas conversa jogada fora. Ele realmente estava
interessado em saber mais sobre os orcs.

“Claro que estava.” falou Drek’Thar. “Que oportunidade! Estavam conspirando contra nós desde o começo. E
achar dois – desculpe-me, Durotan, mas dois jovens ingênuos para informá-los sobre tudo o que queriam saber. Deve
ter sido um belo acontecimento.”

Os ancestrais não mentiriam para eles, especialmente sobre algo tão importante. Durotan sabia disso. E agora que
relembrou com uma nova luz de sabedoria os eventos daquele dia e noite, era óbvio quão suspeita as ações de Velen
tinham sido. E ainda…era Velen tão incrivelmente dissimulado que toda aquela confiança que ambos sentiram era
mentira?

Durotan abaixou a cabeça.

“Há uma parte de mim que ainda duvida, meus amigos.“ disse baixinho. “E mesmo assim não posso colocar o
futuro de nosso povo em risco em algo tão superficial como minhas dúvidas pessoais. Ner’zhul não propôs um ataque
amanhã, mas para que começássemos a treinar, observar, preparar e nos aproximar. Isso será o bastante pelo bem dos
Frostwolves e pelo bem dos orcs.”

Olhou para cada rosto preocupado, alguns apenas amigos, outros, como Drek’Thar e Draka, conhecidos e
amados.

“O clã Frostwolf irá se preparar para guerra.”


Capítulo 8

Com que facilidade uma mente amedrontada pode recorrer ao ódio – uma reação protetora, natural e instintiva.
Concentramos-nos naquilo que nos dividia ao invés do que nos unia. Minha pele é verde; a sua é rosa. Eu tenho
presas; você longas orelhas. Minha pele é lisa; a sua coberta de pelos. Eu respiro ar; você não. Se tivéssemos nos
apegado a essas coisas, a Legião Ardente não teria sido derrotada, pois eu nunca teria desejado me aliar à Jaina
Proudmore, ou lutar ao lado de elfos. Meu povo não teria sobrevivido e feito amizade com os taurens, ou os
renegados.

Assim foi com os draenei. Nossa pele então era castanho-avermelhada e a deles azul. Tínhamos pés e eles cascos
e cauda. Vivíamos geralmente ao ar livre, eles viviam em espaços fechados. Nós tínhamos uma vida curta; ninguém
sabia o quanto eles viviam.

Não importa que eles tenham demonstrado apenas cortesia e franqueza; que tenham comercializado conosco, nos
ensinado e compartilhado tudo o que era pedido a eles.

Todos os dias, minha prece é por sabedoria para guiar meu povo. E nessa prece se oculta um apelo; nunca me
deixar cegar por diferenças tão banais.

O treinamento começou. Sempre foi um costume da maioria dos clãs iniciar os jovens assim que completassem
seis anos; antes os treinamentos tinham sido sérios, mas descontraídos. Havia muitos caçadores que podiam facilmente
derrubar uma presa e armas eram para caçar animais, não seres conscientes que tinham suas próprias armas,
habilidades e vantagens tecnológicas. Um jovem orc aprendia na sua velocidade, e tinha muito tempo para brincar e
aproveitar o fato de ser criança.

Não mais.

O pedido pela unidade entre os orcs foi obedecido. Os mensageiros esgotaram suas montarias indo de um clã para
o outro levando mensagens. A certa altura um sujeito inteligente teve a ideia de treinar falcossangres para transportar
as mensagens. Exigiu algum trabalho e não aconteceu da noite para o dia, mas gradualmente. Durotan se acostumou
ao ver a ave escarlate revoando até Drek’Thar e outros. Ele aprovou a ideia; todos eram necessários para que os planos
de batalha tivessem êxito.

Enquanto lanças, flechas, machados e outras armas funcionassem bem contra animais dos campos e florestas,
elas precisariam ser complementadas com outros tipos de armas para serem usadas contra os draenei. Proteção seria
vital, e embora anteriormente os ferreiros e curtidores fizessem armaduras que atenuassem ataques de garras e dentes,
agora teriam que criar itens que protegeriam o portador se fosse empalado ou cortado por uma espada. Aqueles que
entendiam do ofício da ferraria eram escassos e agora eles ensinavam dúzias ao mesmo tempo. As forjas ressoavam
noite e dia com o som dos martelos e o silvo do metal quente sendo mergulhado em barris d’água. Muitos passavam
longos dias brandindo picaretas, forçando a terra a ceder minérios necessários para produzir armas e armaduras
metálicas. Antes as caçadas aconteciam quando necessário, agora eram feitas diariamente, uma vez que a comida era
desidratada e preservada, e as peles eram usadas nas armaduras.

Para Durotan, que era um dos instrutores, os jovens que estavam enfileirados para o treinamento pareciam muito
novos. Lembrou-se de seu pai ensinando-o sobre o manejo da lança e da espada. O que ele acharia desses pequenos
encurvados sob a brilhante armadura, segurando armas que nenhum orc havia antes carregado?

Draka, que se juntou a ele num ritual rápido e discreto já que não queria gastar tempo ou recursos do treinamento
de guerra, tocou seu ombro com gentileza. Como sempre, ela sabia o que ele estava pensando.

“Seria melhor se tivéssemos nascido num tempo de paz,” concordou. “Até o mais sedento por sangue vê a
verdade nisso. Mas aqui estamos meu companheiro, e sei que não irá esquivar-se dessa tarefa.”
Sorriu com tristeza para ela. “Não, não irei. Somos guerreiros. Prosperamos na caçada, no desafio, no
derramamento de sangue e nos gritos de vitória. São pequenos, mas não são fracos. Irão aprender. São Frostwolves.”
Pausou, e então acrescentou com ímpeto, “Eles são orcs.“

“O tempo está passando.” disse Rulkan.

“Eu sei…mas você não quer que nosso povo entre em batalha despreparado,” replicou Ner’zhul. “No atual
momento os draenei são amplamente superiores.”

Rulkan grunhiu descontente, então sorriu. Ner’zhul olhou-a. O sorriso foi forçado ou era apenas a sua
imaginação?

“Estamos treinando o mais rápido que podemos,” complementou rapidamente não querendo ofender o espírito
que tinha sido sua companheira em vida.

Ela estava quieta. Claramente não era rápido o bastante.

“Talvez possa nos ajudar,” disse. Tinha consciência de que estava balbuciando. “Talvez haja algum
conhecimento que tenha que…que…”

Franziu a testa e inclinou a cabeça. “Eu disse tudo o que sabia, mas há outros poderes…outras entidades…que os
vivos desconhecem.”

Ner’zhul quase gaguejou ao ouvir as palavras dela. “Há os elementos, e os espíritos ancestrais.” enumerou.
“Quais existem além desses?”

Ela sorriu. “Você ainda vive, meu companheiro, não está pronto para lidar com eles. Essas entidades estão nos
ajudando para que possamos ajudar os amados que deixamos para trás.”

“Não!” Ner’zhul percebeu que estava implorando, mas não tinha como evitar. “Por favor…precisamos de ajuda
para que possamos proteger as gerações futuras da trama traiçoeira dos draenei.”

Ele não disse que estava apreciando ser o centro das atenções de todos os orcs e clãs. Nem disse que a promessa
de poder que ela fizera antes, o fez pensar sobre essas coisas e desejá-las. Mas mais do que isso, ela tinha insuflado
tanto medo dos monstruosos draenei que esse súbito atraso da parte dela o irritava profundamente.

Rulkan olhou-o com apreço. “Talvez você esteja certo,” disse. “Vou ver se eles falam com você. Há um em quem
eu confio mais e sua preocupação com o nosso povo é profunda e duradoura. Vou pedir a ele.”

Concordou, ridiculamente satisfeito com suas palavras e então acordou. Um sorriso formou-se em seus lábios.

Breve. Ele veria esse espírito misterioso, esse bem feitor, muito em breve.

Gul’dan sorriu enquanto trazia frutas e peixe para quebrar o jejum de seu mestre. “Outra visão, meu mestre?”
Curvou-se ao presentear a comida e uma caneca de chá de ervas quente. Á conselho de Rulkan, Ner’zhul começou a
beber uma infusão de certas ervas fermentadas com uma acurada intensidade. Ela assegurou que a mistura continuaria
a garantir que sua mente ficasse aberta para visões. Não demonstrou que desgostava, mas no começo achou a poção
desagradável. Agora percebeu que apreciava a bebida que tomava logo ao acordar e mais três vezes ao dia. Ele aceitou
a caneca e bebericou enquanto acenava em resposta à pergunta de Gul’dan.

“Certamente…e aprendi algo importante. Gul’dan, sempre que houveram orcs, houveram xamãs. E esses
trabalham com os elementos e com os ancestrais.”

“Sim…claro…” disse perplexo.


O xamã não conteve o sorriso se formando em volta de suas presas. “E isso continua sendo verdade. Mas há
muito que não sabemos. Muito que os ancestrais veem, mas nós seres vivos não. Rulkan disse que está em contato
com essas entidades. A sabedoria eles excede a dos ancestrais e eles virão nos ajudar. Disse ainda que há um em
particular que tomou os orcs sob sua proteção. E em breve…ele se revelará para mim!”

Os olhos de Gul’dan brilharam. “E…talvez para mim também, mestre?”

“Você é competente, Gul’dan. Não teria escolhido você como aprendiz se não fosse merecedor, assim como ele
me considera.”

O aprendiz abaixou a cabeça. “Assim seja,” disse. “Estou honrado em servir. Esta é uma época gloriosa para os
orcs. Somos abençoados por estarmos aqui para vê-la.”

Com seu líder Blackhand na dianteira, o clã Blackrock suplicou pela honra de ser o primeiro a atacar. Houve queixas e
ressentimentos, mas todos concordaram que as habilidades de caça deles eram lendárias, além de viverem mais perto
de Telmor, uma das menores e mais isoladas cidades. Os primeiros reforços de armaduras, espadas, flechas com ponta
de metal e outras armas para derrubar os draenei foi dado ao clã.

Orgrim montava ao lado de seu chefe, com a Doomhammer amarrada a suas costas e vestido dos pés a cabeça
com armadura de metal que o irritava e confinada. O lobo que o levava também parecia não gostar da armadura
pesada e ás vezes, virava a cabeça rosnando para a perna de Orgrim, como se um inseto estivesse o incomodando.
Também parecia estar se esforçando ao carregá-lo através dos prados, arfando mais do que o normal e com a língua
para fora.

Ofegando, Orgrim resmungou. Parecia tão simples: ir para a guerra contra esse novo e traiçoeiro inimigo. Mas
quando todos, inclusive Orgrim, tinham concordado e aplaudido a decisão, ninguém parou para pensar como seria
difícil se preparar. Precisariam criar os lobos para ficarem maiores, já que agora eles carregariam armadura além de
orcs que tinham ossos pesados e músculos.

As armas foram utilizadas. Várias vezes eles atacaram os ogros, e apesar destes serem desajeitados e burros, e os
draenei rápidos e inteligentes, lutar com eles era mais parecido com o novo inimigo do que lutar com talbuques.
Tiveram algumas baixas no começo, estes foram queimados numa pira e honrados pelo nobre sacrifício. As armas
pareciam estranhas e a armadura os deixava mais lentos, mas cada vez os ataques eram mais equilibrados. Da última
vez eles enfrentaram não apenas dois ogros, mas seu mestre também, que não apenas tinha a ferocidade dominada
pelos ogros como uma vil esperteza, tornando-o um inimigo desafiador. Dois bravos soldados Blackrock caíram antes
de Orgrim conseguir dar o golpe final, brandindo o martelo da profecia e levando a destruição ao barulhento gronn.

Blackhand estava de pé ao lado dele, ofegante e suando, rosto cheio de sangue, tanto seu quanto da criatura que
acabaram de matar. Limpou o rosto com sua mão e grunhindo lambeu o sangue.

“Dois ogros e seu mestre,” murmurou. Deu um tapinha no ombro de Orgrim. “Os patéticos draenei não tem chance
contra nosso poder.”

Orgrim concordou, parado suando sob o sol, o brilho do metal cintilando a ponto de quase cegá-lo. A sede de
sangue cresceu nele. Confiava em Ner’zhul e nos xamãs de seu clã. Depois ele conversou com Durotan e ambos
concordaram que, apesar de terem sido bem tratados pelos draenei naquele dia, quando foram salvos, havia algo
peculiar neles. Os espíritos nunca os haviam guiado erroneamente. Por que iriam agora?

Mas ao montar ao lado de seu chefe em direção a um pequeno grupo de caça, as dúvidas de Orgrim apareciam. E
se os draenei fossem esquisitos? Com certeza os orcs devem ter parecido esquisitos para eles quando chegaram aqui. E
seria a morte uma punição apropriada por ser diferente? Alguma vez houve ataque dos draenei aos orcs? Ou um único
insulto ou ofensa? Mas agora dezoito guerreiros Blackrock, armados até os dentes e corpos cobertos e protegido com
metal, estavam indo assassinar um grupo de peles azuis que apenas juntavam alimento para seu povo. De repente e
sem que ele desejasse, a imagem da draenaia que sorriu timidamente para ele surgiu em sua mente. Era seu pai ou sua
mãe que morreria aqui nesse dia ensolarado?
“Perdido em pensamentos?” perguntou Blackrock num tom grave, assustando Orgrim. “O que o preocupa?”

O rosto de uma órfã, pensou, mas não falou. Ao invés disso, disse bruscamente, “Apenas imaginando qual a cor
do sangue dos draenei.”

Blackhand deu uma calorosa gargalhada. Orgrim escutou o grasnido hostil e a batida frenética das asas dos
corvos ao reagirem à risada e seu chefe.

” Vou assegurar que seu rosto fique coberto com ele.” divertiu-se Blackhand.

O queixo de Orgrim travou e não disse nada.Os ancestrais não mentem, pensou sombriamente. Uma criança
sempre é inocente, mas seus pais merecem morrer se estão conspirando contra nós, como avisaram os espíritos.

Aproximaram-se com extrema facilidade e não se incomodaram em disfarçar sua abordagem. O patrulheiro
informou que o grupo era num total de onze, seis machos e cinco fêmeas e eles encontraram um rebanho de
fenocerontes. Enquanto as feras grandes e desgrenhadas eram difíceis de serem abatidas, não tinham a agressividade
dos talbuques; e o grupo de caça draenei já tinha isolado um deles. O animal urrou, pisoteando a terra e abaixando a
cabeça para mirar seu único chifre nos agressores, mas o fim já estava assegurado.

Ou teria sido, se os orcs não tivessem aparecido.

Blackhand levou seu grupo para uma pausa em uma serra. Orgrim podia sentir a excitação de seus irmãos. O
corpo deles tremia de antecipação em suas novas armaduras, apertando as mãos e querendo usar as armas que estavam
começando a ficar acostumados. Blackhand estava com sua mão levantada e seus pequenos olhos atentos à
movimentação lá embaixo, esperando o melhor momento para arremeter como um falcão a um rato do mato.

O chefe dos Blackrock virou-se para o seu xamã, que estava na retaguarda. Eles também vestiam armaduras, mas
não carregavam armas, pois não precisavam. Curariam seus semelhantes assim que caíssem em batalha, e
direcionariam o imenso poder dos elementos contra o inimigo.

“Estão prontos?” perguntou.

O mais velho entre eles confirmou. Seus olhos ganharam um tom feroz e seus lábios curvaram-se num sorriso.
Ele também queria ver sangue draenei ser derramado hoje.

Grunhiu ao baixar sua mão. Os guerreiros Blackrock atacaram.

Bradavam seus gritos de guerra ao descerem, e os peles azuis viraram assustados. Primeiro, em suas expressões
foi percebida apenas surpresa. Com certeza estavam se perguntando por que um número tão grande de guerreiros orcs
estava vindo ajudá-los a matar o fenoceronte. Foi apenas quando Blackhand, montado em seu lobo gigante, golpeou
facilmente com sua espada larga de duas mãos partindo o líder em dois, que os draenei perceberam que eles eram o
alvo.

Em seu favor, os draenei não ficaram paralisados de medo, mas imediatamente agiram. Vozes que apenas
demonstravam um discreto tremor de pânico pronunciavam palavras com sons liquefeitos na sua língua nativa. Apesar
de Orgrim não reconhecer as palavras – Durotan é que tinha a habilidade de recordar esse tipo de coisa – o som era
familiar. Sabia o que esperar e preparou seus companheiros. Então quando o céu estalou com raios anormais azuis e
prata, os xamãs estavam prontos. Lançaram seus raios em direção aos raios dos draenei. O clarão era quase cegante, e
Orgrim abaixou a cabeça rapidamente, sua atenção no guerreiro draenei a sua frente que carregava um bastão que
brilhava e faiscava. Urrou e levantou a Doomhammer sobre sua cabeça e investiu esmagando o inimigo. A armadura
do draenei não aguentou o ataque e amassou como um fino bracelete. Sangue e miolos espirraram no chão.

Orgrim olhou para frente, procurando seu próximo alvo. Alguns orcs estavam presos na rede mágica criada pelo
raio artificial e sujo dos draenei. Eram guerreiros valorosos e fortes, mas as queimaduras sofridas pela rede os faziam
gritar em agonia. O cheiro acre de carne queimada misturada com o odor de sangue tomou conta do cenário. Era
intoxicante.
Um vento soprou em seu rosto, afastando o odor da batalha e enchendo seus pulmões de energia. Escolheu o
próximo que iria morrer e correu na direção de uma guerreira que apesar desarmada, estava rodeada de energia
azulada pulsante. Ficou surpreso ao ter a Doomhammer repelida ao bater no escudo, estremecendo a arma e por
consequência seu corpo inteiro. Um dos xamãs interveio, o estalo do raio competindo com a misteriosa energia mágica
dos draenei, e Orgrim festejou quando viu o raio natural benéfico repelir o escudo azulado. Atacou de novo, e dessa
vez a Doomhammer esmagou satisfatoriamente o crânio da pele azulada.

Estava quase tudo acabado. Apenas dois permaneciam de pé, e num piscar de olhos caíram sob a massa de corpos
castanhos. Depois de mais alguns gritos e grunhidos e o inconfundível som de lâminas perfurando pele e carne, reinou
o silêncio.

O fenoceronte encurralado fugiu.

Orgrim recuperou o fôlego, sangue pulsando em seus ouvidos, inflamado pela agitação da matança. Sempre
apreciou as caçadas, mas isso…ele nunca havia sentido nada como isso. Os animais que caçavam ás vezes reagiam,
mas presas como os draenei – inteligentes, poderosos e que lutavam da mesma maneira que eles – era algo novo.
Jogou a cabeça para trás e soltou uma gargalhada, imaginando se de algum modo ficou bêbado com a sensação.

O único som perceptível na clareira era a vibração e altas risadas dos orcs vitoriosos. Blackhand se dirigiu para
seu segundo em comando e abraçou-o com a força que suas armaduras permitiam.

“Eu vi a Doomhammer, mas ela era apenas um borrão de tão rápida.” disse sorrindo. “Lutou bem hoje, Orgrim.
Fiz bem em escolher você como meu segundo.”

Blackhand parou em frente ao mago, a última vítima de Orgrim, e tirou sua luva de malha. O crânio estava
completamente esmagado e havia sangue azul em toda a parte. Mergulhou seus dedos no fluído vital dos draenei e
pintou o rosto de Orgrim com cuidado. Algo no interior do orc mudou. Lembrou-se de quando fez isso em si mesmo
quando matou pela primeira vez, e de terem feito isso nele no ritual de Om’riggor com o sangue de seu pai. E agora
seu líder o ungiu com o sangue do inimigo.

O sangue azul escuro escorreu para o canto da boca. Orgrim passou a língua para provar o gosto e achou-o doce.

O falcossangre pousou no braço de seu mestre, suas garras fincando no couro protetor. Ner’zhul andava enquanto
o falcoeiro desenrolava a mensagem. Rapidamente ele examinou o pedaço pequeno de pergaminho.

Tão fácil. Foi muito fácil. Nenhuma baixa, apenas alguns feridos. Os orcs foram totalmente vitoriosos em sua
primeira incursão. Blackhand desdenhou a facilidade com a qual atacaram o grupo e esmagaram seus crânios. Tudo
estava se desdobrando como Rulkan havia prometido. Com certeza a entidade que estava aliada a ela apareceria.
Liderados por Ner’zhul, os orcs provaram seu valor com esse triunfo decisivo.

Leu a mensagem de novo. Blackhand e os orcs do clã Blackrock certamente foram a escolha certa contra os
draenei. Eram violentos e poderosos, e ao contrário do clã Warsong e outros clãs, estavam sob total controle de seu
chefe.

Um banquete da vitória foi preparado naquela noite para o clã Shadowmoon, e eles comeram, beberam, riram e
cantaram até finalmente Ner’zhul arrastar-se para sua cama e cair num sono profundo.

E a entidade veio.

Era glorioso e radiante. Tão brilhante que até em sua visão Ner’zhul não conseguia olhar diretamente. Ajoelhou-
se, tremendo pela alegria e admiração que tomou conta dele.

“Você veio.” sussurrou, sentindo as lágrimas descerem pelo rosto. “Sabia que se o agradássemos você viria.”
“Certamente agradaram, Ner’zhul, xamã e acólito das almas dos orcs.” A voz reverberou através de seus ossos e
Ner’zhul fechou os olhos, quase zonzo com a sensação. “Eu vi como habilmente lidou com seu povo e uniu os clãs
com um único propósito, um objetivo notável.”

“Um que foi inspirado por você, Grandioso,” murmurou. Pensou em Rulkan e o motivo por ela não aparecer mais
para ele, então esqueceu. Essa grande entidade era muito superior comparada à alma de sua amada. Ner’zhul ansiava
pelas palavras desse ser magnífico.

“Você veio a nós e revelou a verdade e fizemos o que era necessário.” continuou.

“Certamente fizeram e estou satisfeito. Glória, honra e doce vitória continuarão a ser de vocês, se fizerem o que
eu digo.”

“Com certeza iremos, mas…Grandioso, este humilde servo implora por um favor.”

Ner’zhul arriscou olhar para o ser. Era vermelho, gigantesco e resplandecente, com um torso forte e pernas que
terminavam em cascos fendidos e curvados para trás, como dos talbuques…

…ou dos draenei…

Ner’zhul piscou. Silêncio tomou conta depois de ter verbalizado seu pedido e pensou ter sentido um arrepio.
Então a voz falou novamente em sua mente e ouvidos, e era suave e doce como mel.

“Peça e eu decidirei se é merecedor.”

A boca dele ficou seca de repente e as palavras não saiam. Com muito esforço, pediu. “Grandioso…há um nome
pelo qual podemos chamá-lo?”

Uma tímida risada resoou através do sangue de Ner’zhul. “Um favor simples e facilmente concedido. Sim, eu
tenho um nome. Você pode me chamar de…Kil’jaeden.”
Capítulo 9

Era fácil entender porque tantos dos meus contemporâneos preferiram que essa história morresse; deixasse cair no
esquecimento silenciosamente, escorregando para o fundo das águas do tempo até que a superfície do lago fique mais
uma vez tranquila e ninguém saiba da vergonha espreitando nas profundezas. Eu também senti essa vergonha, apesar
de não estar vivo quando isso aconteceu. Vejo no rosto de Drek’thar quando conta, com uma voz trêmula, a sua parte
da história. Vi o peso que Orgrim Doomhammer carregava. Grom Hellscream, amigo e traidor e amigo de novo, foi
devastado por ela.

Mas fingir que não aconteceu é ignorar o impacto horrível que causou. Assumir a participação em nossa
destruição ao invés de nos fazermos de vítimas. Nós escolhemos esse caminho. Escolhemos até ser tarde demais para
voltar atrás. E tendo feito essa escolha uma vez, com a sabedoria que acumulamos ao fim dessa estrada escura e
vergonhosa, podemos escolher não tomá-la.

Então desejo ouvir o testemunho daqueles que caminharam por essa que significou a quase obliteração da nossa
espécie. Quero entender porque deram cada passo e o que teve que acontecer para que parecesse lógico e certo.

Quero entender para que quando aconteça de novo, eu possa reconhecer.

Os humanos têm dois ditados que são extremamente sábios.

O primeiro é. “Um povo que não conhece sua história está condenado a repeti-la.”

E o segundo é…”Conheça teu inimigo.”

Velen estava em profunda meditação quando Restalaan, relutante, o abordou. Estava no meio do pátio do Templo
de Karabor sentado numa pedra ao invés dos confortáveis bancos que cercavam a piscina retangular. O ar estava
repleto do perfume dos arbustos floridos do exuberante jardim, e a água circulava suavemente. As árvores agregavam
ao tom silencioso com suas folhas movendo-se ao vento. Era uma cena tranquila, mas Velen estava introspectivo.

Há muitos, muitos anos que os draenei e os Naaru nutriam uma confiança mútua. Os seres luminosos que
dificilmente optavam em tomar uma forma física, primeiro zelaram pelos eredar exilados, depois tornaram-se
professores e então amigos. Viajaram juntos e viram muitos mundos. E cada vez que Kil’jaeden e os man’ari
descobriam seu esconderijo e estavam próximos de capturar os draenei, os Naaru, especialmente o chamado K’ure,
foram prestativos em ajuda-los a fugir. Velen sofria sempre que seu povo precisava partir de um mundo para que se
salvassem e sabia que as criaturas que deixassem para trás seriam tão modificados quanto os antigos eredar. Sempre
desejando mais números para juntar-se à Legião que estava criando para seu sombrio mestre Sargeras, Kil’jaeden não
ignoraria possíveis recrutas.

Pesaroso como Velen, K’ure sofria junto com ele. Mas falava em sua mente sobre a inalterável lógica de que
Kil’jaeden, Archimonde e Sargeras teriam destruído outro mundo. Todos os mundos, seres e raças eram horrivelmente
iguais aos olhos de Sargeras. Todos precisam ser destruídos num horrendo festival de carnificina e fogo. A morte de
Velen nas mãos de seres que antes eram seus amigos queridos não salvaria nenhum dos inocentes desafortunados, ao
passo que sua vida um dia poderia.

“Como?” disse uma vez enfurecido. “Como minha vida é mais importante, mais valiosa do que a deles?”

O agrupamento é demorado, admitiu K’ure. Há outros Naaru, como eu, que estão tentando persuadir raças mais
jovens. Quando estiverem prontos, todos serão reunidos. Por fim, Sargeras irá cair sob a determinação daqueles que
ainda acreditam no que é bom, verdadeiro e harmonioso, o interminável equilíbrio deste universo.

Velen poderia acreditar no ser que havia se transformado em seu amigo, ou virar as costas para quem havia
confiado nele e ser transformados em man’ari. Ele escolheu acreditar.
Porém agora, estava confuso. Os orcs tinham começado a atacar grupos de caça isolados. Não parecia haver
razão para as agressões; Velen conversou com alguns guardas, muito abalados, e nenhum deles reportou nada fora do
normal. E mesmo assim, três grupos de caça tinham sido mortos até o último draenei. Restalaan, que havia investigado
a chacina, informou que os corpos não foram apenas assassinados…mas massacrados.

Então Velen veio até o templo, criado nos primeiros anos dos draenei nesse mundo. Aqui, cercado por quatro dos
sete cristais ata’mal, que virara um ser muito tempo atrás, ele podia escutar em sua mente a voz fraca de seu amigo,
mas K’ure ainda não tinha respostas.

Não haveria fuga para eles se as coisas dessem errado. K’ure estava morrendo, preso na própria nave que havia
caído nesse mundo há duzentos anos.

“Grande Profeta,” disse Restalaan, sua voz suave e desgastada. “Houve mais um ataque.”

Velen abriu os olhos devagar e observou com pesar seu amigo. “Eu sei. Eu senti.”

Restalaan passou seus dedos espessos pelos cabelos negros. “O que faremos? Cada ataque parece ser mais
violento do que o último. Examinando as lesões feitas nos corpos, tudo indica que estão melhorando suas armas.”

Velen suspirou profundamente e balançou a cabeça. As tranças brancas dançavam com o movimento. “Não
consigo escutar K’ure,” respondeu serenamente. “Pelo menos, não tão bem quanto costumava. Temo que seu tempo
esteja acabando.”

Restalaan olhou para o chão, a dor evidente em seu rosto. Os Naaru sacrificaram-se efetivamente por eles; todos
os draenei sabiam e entendiam isso. Por mais estranho e misterioso que o ser fosse, eles passaram a gostar dele. Havia
ficado preso e estava morrendo vagarosamente há duzentos anos. Por algum motivo, Velen achou que demoraria mais
para que o ser morresse….se é que morria, até onde entendia dessas coisas.

Levantou determinado, sua túnica marrom clara flutuando atrás dele. “Ainda tem sabedoria para partilhar
comigo, mas não tenho mais a habilidade de escutá-lo. Devo ir até ele. Talvez a proximidade ajude a se comunicar
melhor.”

“Vo-você quer dizer ir até nave?” perguntou Restalaan.

“Eu devo.” Velen respondeu.

“Grande Profeta…não é minha intenção questionar sua sabedoria, mas-“

“Mas você questiona mesmo assim,” riu Velen e o canto de seus surpreendentes olhos azuis enrugaram com bom
humor. “Continue, velho amigo. Sempre valorizo seus questionamentos.”

Restalaan suspirou. “Os orcs adotaram a nave como sua montanha sagrada.”

“Eu sei disso.” respondeu.

“Então porque ir contra eles se aventurando lá?” contestou. “Com certeza entenderiam isso como uma agressão,
particularmente agora. Vamos dar motivo para que continuem nos atacando.”

“Pensei nisso. Pensei muito e seriamente sobre isso. Mas talvez seja hora de revelarmos quem somos e o que é a
sagrada montanha deles. Eles acreditam que seus ancestrais vivem lá, e talvez estejam certos. Se K’ure tem pouco
tempo, não devemos aproveitar sua sabedoria e seus poderes enquanto podemos? Se alguém ou algo pode selar a paz
entre nós e os orcs, esse ser, maior que qualquer um de nós, tem essa habilidade. Essa pode ser nossa única esperança.
K’ure mencionou sobre achar outras raças, outros seres para tomar parte da sua jornada por equilíbrio e harmonia.
Para se levantarem contra Sargeras e seu vasto exército profano.”

Velen pousou sua mão alva no ombro de seu amigo. “Em minhas meditações algo certo me foi revelado. As
coisas não podem continuar como estão. Orcs e draenei não podem viver mais distantes um do outro. Não há como
voltar atrás, meu amigo. Haverá paz ou guerra. Irão tornar-se nossos aliados ou inimigos. E não poderei me perdoar se
não explorar todos os caminhos para a paz. Entende agora?”

Apesar do rosto triste, Restalaan concordou. “Sim, acredito que sim. Mas não gostei. Deixe-me pelo menos
mandar uma guarda blindada para acompanhá-lo, pois sei que irão atacar antes de escutar.”

Velen balançou a cabeça. “Não. Sem armas. Nada que os provoque. São criaturas honradas em seus corações.
Pude vislumbrar as almas de dois jovens orcs que ficaram conosco poucos anos atrás. Não há covardia ou maldade,
apenas precaução e agora por algum motivo, medo. Atacaram grupos de caça, não civis.”

“Sim, grupos que estavam em menor número.” devolveu Restalaan.

“Encontramos sangue derramado que não era nosso naqueles lugares,” relembrou a ele Velen. “Levaram de volta
corpos para queimar nos rituais, mas havia bastante sangue orc no solo. E com nosso conhecimento um punhado de
draenei pode facilmente suportar contra muitos orcs. Não. Arriscarei tudo nisso. Não irão me matar se eu declarar
minhas intenções com honra e não demonstrar minha obvia capacidade de me defender.”

“Gostaria de ter sua confiança, meu Profeta.” disse Restalaan, resignado ao se curvar. “Então irei reunir um
pequeno grupo de escolta. E não estarão armados.”

Kil’jaeden, o Grandioso, começou a visitar Ner’zhul com mais frequência. Primeiro apenas através de sonhos,
como os ancestrais. Ele aparecia durante a noite enquanto o xamã dormia profundamente, corpo pesado pelas drogas
que tomava para abrir a mente para a voz de seu mestre que sussurrava elogios e planos para futura vitória dos orcs.

Ner’zhul estava extasiado. Toda mensagem que chegava de clãs variados, trazidas pelos falcossangres era lida
com entusiasmo e prazer.

Encontramos dois patrulheiros sozinhos, dizia o chefe do clã Shattered Hand. Foi fácil despachá-los, já que
estavam em menor número.

O clã Bleeding Hollow se orgulha em anunciar ao grande Ner’zhul que o obedecemos em tudo, informava outra
mensagem. Junto ao clã Laughing Skull, dobramos o número de guerreiros armados para enfrentar o inimigo desleal.
Entendemos que o clã Thunderlord está a procura de aliados. Enviaremos um mensageiro amanhã.

“Sim.” sorriu Kil’jaeden. “Viu como eles se uniram sob uma causa justa? Antigamente, se esses clãs se
encontrassem, estariam desafiando uns aos outros. Agora estão compartilhando conhecimento, recursos e trabalhando
unidos para superar um inimigo que destruiria a todos.”

Ner’zhul assentiu, mas sentiu uma pontada súbita. Tem sido glorioso finalmente ver essa entidade linda e
poderosa, apesar dela parecer tanto com os odiados draenei, mas…ele não via mais Rulkan. Percebeu que sentia a sua
falta. Perguntou-se por que ela não aparecia mais para ele.

Hesitante, começou. “Rulkan-“

“Rulkan já fez a sua parte ao trazê-lo para mim, Ner’zhul.” confortou Kil’jaeden. “Você sabe que ela está bem e
feliz – você a viu. Não precisamos mais dela para nos intermediar. Principalmente agora que estou convencido do seu
valor para ser a minha voz entre o seu povo.”

E como antes, o coração do xamã encheu-se de alegria. Mas dessa vez, apesar das palavras animadoras e
reconfortantes de seu mestre, ele sentiu um triste aperto em seu coração e ainda desejava poder falar com sua
companheira.

Ner’zhul estava em profunda meditação quando Gul’dan trouxe uma mensagem para ele. O aprendiz curvou-se e
entregou o pedaço de pergaminho para seu mestre, rígido pelo líquido azul.

“O que é isso?” perguntou ao pegar o objeto.


“Foi tomado de um draenei que se aproximava do sul.” respondeu.

“Era um grupo?”

“Apenas um mensageiro. Sem armas, nem mesmo tinha uma montaria. O tolo veio andando.” Os lábios de
Gul’dan se retorceram num sorriso.

Ner’zhul olhou o pergaminho, percebendo que as manchas azuis pertenciam ao sangue do mensageiro. O que
passou pela cabeça do idiota ao vir para o coração do território dos Shadowmoon, andando sozinho e desarmado?

Desenrolou com cuidado, tentando não rasgá-lo, e rapidamente começou a ler. Mesmo enquanto seus olhos
castanhos corriam pelas palavras, o ambiente ficou repleto com o resplendor e ambos os xamãs curvaram-se.

“Leia em voz alta, grande Ner’zhul.” a voz suave de Kil’jaeden manifestou-se. “Compartilhe comigo e seu leal
aprendiz.”

“Sim, por favor, meu mestre.” suplicou ansiosamente.

À medida que lia, pela primeira vez desde que encontrou sua amada Rulkan, Ner’zhul sentiu o gosto da dúvida.

Para Ner’zhul, Xamã do clã Shadowmoon, o Profeta Velen dos draenei envia saudações.

Recentemente muitos dos nossos sofreram ataques dos orcs. Não entendo o motivo disto. Meu povo e o seu
conviveram em paz e tolerância por gerações, beneficiando um ao outro. Nunca levantamos uma arma contra um orc,
e inclusive, fomos uma vez essenciais ao salvar a vida de dois jovens orcs que involuntariamente se colocaram em
perigo.

“Ah” interrompeu Gul’dan. “Eu me lembro…Durotan, que agora é chefe do clã Frostwolf, e Orgrim
Doomhammer.”

Ner’zhul assentiu despreocupado; seus pensamentos alheios por um momento, então recomeçou.

Tão somente podemos presumir que houve um equívoco terrível, e desejo tratar com você para que nenhuma vida
– orc ou draenei – seja perdida dessa forma trágica.

É de meu entendimento que a montanha que nomearam Oshu’gun é sagrada para seu povo, pois é lá que os
espíritos dos seus ancestrais permanecem. Mesmo que esse lugar também tem profundo significado para nós draenei,
sempre respeitamos a decisão de tomá-lo como seu local sagrado. Contudo, chegou a hora de reconhecermos que
temos mais coisas em comum. Sou chamado de Profeta pelo meu povo, porque por vezes sou agraciado com sabedoria
e discernimento. Procuro liderar bem e pacificamente, como de fato você e os líderes de vários clãs devem fazer com
seu povo.

Peço uma reunião pacífica em um lugar que tem significado tanto para nós quanto para vocês. No terceiro dia do
quinto mês, eu e um pequeno grupo estaremos em peregrinação para entrar no coração da montanha. Ninguém estará
carregando armas. Convido você e qualquer um que se sinta comovido a juntar-se a mim, ao entrarmos nesse lugar de
magia e poder, e pedir pela sabedoria de seres muito mais sábios e descobrir como podemos curar essa fissura entre
nós.

Com benção e Luz, desejo-lhe paz.

Gul’dan foi o primeiro a falar. Ou melhor, a rir.


”Quanta arrogância! Meu mestre, grande Kil’jaeden, esta é uma oportunidade que não podemos perder. O líder
vem a nós como um filhote de fenoceronte para o abate, desarmado e equivocadamente achando que desconhecemos
suas más intenções. E pensa em violar Oshu’gun! Irá morrer antes de sequer colocar seu casco repugnante no pé da
montanha sagrada!”

“Suas palavras muito me agradam, Gul’dan,” pronunciou Kil’jaeden em sua voz suave. “Ner’zhul, seu aprendiz
fala sabiamente.”

Ele sentiu as palavras presas em sua garganta. Abriu por duas vezes a boca e finalmente a sentença saiu de forma
esganiçada na terceira tentativa.

“Não discordo que os draenei sejam perigosos,” disse hesitante. “Mas…não somos gronns que matam inimigos
desarmados.”

“O mensageiro foi morto.” notou Gul’dan. “Estava sem armas e montaria.”

“E lamento por isso!” rebateu o xamã. “Devia ter sido detido e trazido a mim, não morto!”

Kil’jaeden não disse nada. O resplendor escarlate banhava Ner’zhul enquanto continuava, buscando às cegas um
caminho para a solução.

“Não permitirei que suje nosso local sagrado,” continuou o xamã. “Não se preocupe quanto a isso, Gul’dan. Mas
não mandarei matá-lo sem antes ter uma chance de falar com ele. Quem sabe não tiramos proveito disso.”

“Sim.” disse Kil’jaeden numa voz rica e afetuosa. “Quando alguém está sofrendo, esse alguém revelará tudo o
que sabe.”

As palavras soaram estranhas para Ner’zhul, mas não manifestou sua surpresa. Essa entidade magnífica queria
que ele torturasse Velen? Algo dentro dele estava entusiasmado com a possibilidade. Mas algo também o fez recuar.
Não ainda. Não poderia fazer algo desse tipo ainda.

“Estaremos esperando por ele,” assegurou a seu grande mestre e seu aprendiz. “Ele não escapará.”

“Mestre,” disse Gul’dan com cautela. “uma sugestão, se me permite?”

“O que é?”

“O clã Frostwolf é o que fica mais próximo da montanha,” sugeriu Gul’dan. “Vamos pedir a eles que detenham
Velen e seu grupo e os tragam até nós. Seu líder usufruiu da hospitalidade dos draenei. E apesar de não ter impedido
nossos esforços, não recordo ter recebido notícias de um ataque liderado por ele contra os draenei. Assim matamos
dois coelhos com uma cajadada só: capturar o líder dos draenei e o clã Frostwolf provar a sua lealdade à causa.”

Ner’zhul sentiu dois pares de olhos penetrando os seus – os pequenos e negros de seu aprendiz, e a orbe brilhante
de seu mestre Kil’jaeden. A sugestão de Guldan parecia sensata. Então porque ele estava tão relutante a concordar?

Os batimentos foram passando e suor aparecia na testa de Ner’zhul. Finalmente ele falou, e ficou aliviado de
escutar sua voz sair segura e convincente.

“De acordo. É um bom plano. Arrume uma pena e pergaminho, e notificarei Durotan do seu dever.”
Capítulo 10

Quando Drek’Thar contou-me do incidente com meu pai, nunca tive tanto orgulho dele. Sei como é difícil tomar a
decisão certa em determinados momentos. Ele tinha tudo a perder com as escolhas que fez.

Isso não é certo.

Ele manteve sua honra. E não há preço alto o bastante para sacrificá-la.

O conteúdo da carta era claro. Durotan a encarava, e com um longo suspiro passou para sua companheira. Draka
leu rapidamente, seus olhos passando pelas palavras, e soltou um ronco baixo.

“É muita covardia Ner’zhul jogar essa responsabilidade para você.” disse baixo para que o mensageiro, que
esperava do lado de fora, não escutasse. “O pedido foi para ele, não você.”

“Jurei obedecer,” respondeu com o mesmo tom de voz. “Ner’zhul fala pelos ancestrais.”

Pensativa, inclinou a cabeça. Um raio de sol perdido entrou por um furo no tecido e iluminou seu rosto,
destacando seu maxilar forte e maçãs do rosto salientes. Durotan perdeu o fôlego ao olhar sua amada. Apesar de todo
o caos – inclusive loucura – que parecia ter baixado sobre eles de repente, ele estava grato por ela. Tocou suavemente
seu rosto castanho e ela sorriu.

“Meu companheiro…não sei se confio em Ner’zhul.” sussurrou.

Ele aquiesceu. “Mas nós confiamos em Drek’Thar e ele confirmou o que Ner’zhul relatou. Os draenei têm
conspirado contra nós. Ele disse que Velen insiste em entrar em Oshu’gun.”

O chefe do clã Frostwolf novamente olhou a carta. “Estou satisfeito por ele não ter pedido que mate Velen. Uma
vez em nosso poder, talvez possamos convencê-lo a mudar de ideia e explicar por que querem nos prejudicar. Talvez
possamos negociar a paz.”

A possibilidade agarrou-se em seu peito, apertando forte. Por mais gloriosa que sua vida fosse junto a Draka e
pelo orgulho que sentia pelo clã, quão mais feliz seria se vivesse como seu pai havia vivido – caçando os animais das
florestas e vales, dançando sob a luz da lua nos festivais Kosh’harg, escutando os velhos contos e deleitando-se no
zelo dos ancestrais. Não havia dito nada a Draka, mas estava feliz por não terem concebido uma criança ainda. Não
era uma época fácil para os jovens orcs. Sua infância havia sido tirada e deveres tinham sido colocados em ombros
que não eram largos o bastante para carregá-los. Durotan não hesitaria em treinar seu filho ou filha, caso Draka tivesse
dado a luz. Não pediria aos pais nada além do que ele mesmo faria, mas estava feliz por nãoter que lidar com essas
decisões ainda.

Draka o obervava com intensidade. Era como se ela pudesse ler seus pensamentos.

“Você já encontrou Velen antes. Vejo que tenta reconciliar as memórias deste encontro com as notícias de que
estão tentando nos destruir. Não foi fácil para você.”

“Nem está sendo agora.” respondeu. “Talvez seja melhor que essa tarefa tenha sido dada a mim. Velen irá se
lembrar daquela noite, tenho certeza disso. Acho que estará mais disposto a tratar comigo do que com Ner’zhul.
Gostaria de ter lido a carta que mandou.”

Draka suspirou ao levantar-se. “Seria muito esclarecedor.” disse.

Durotan levantou-se em seguida. “Direi ao mensageiro para que seu mestre fique tranquilo. Não fugirei da minha
obrigação.”
E ao sair, sentiu o olhar preocupado de Draka atrás dele.

Velen segurou o cristal violeta perto de seu coração. Os cristais amarelo e vermelho jaziam ao seu lado enquanto
meditava e lançavam um brilho suave em sua pele alva. Os outros quatro estavam espalhados pelo território draenei,
seu poder servindo o povo quando precisavam. Mas o violeta sempre ficava com ele.

Seu poder abria a mente e espírito, e era como se estivesse em comunicação direta com os Naaru. Quando
meditava com o cristal violeta, sentia-se mais forte, límpido, sua alma mais aguçada. Apesar de todos os cristais serem
poderosos e preciosos, este era o que mais estimava.

Esforçou-se para escutar o sussurro baixo de K’ure, mas não conseguiu. Seu coração apertou e ele abaixou a
cabeça.

Ouviu vozes e abriu os olhos. Restalaan estava conversando com um dos acólitos, e Velen acenou para que se
aproximasse.

“Tens notícias, velho amigo?” perguntou. Mostrou um jarro de chá de ervas quente.

Restalaan levantou o braço, rejeitando a oferta. “Boas e más, meu Profeta.” disse. “Lamento informar que o
mensageiro que enviou para o líder xamã Ner’zhul foi morto por um grupo de orcs.”

Velen fechou os olhos e o cristal violeta tornou-se mais quente por um segundo, como se quisesse confortá-lo.

“Senti a sua morte.” revelou com pesar. “Mas esperava que fosse um acidente. Está certo de que foi
assassinado?”

“Ner’zhul confirmou e não se desculpou.” A voz de Restalaan transmitia sua raiva e afronta com o ocorrido.
Estava ajoelhado ao lado de Velen, perto do cristal vermelho. Os olhos azuis de Velen viraram para o cristal que
pulsou uma vez, retribuindo as emoções de seu amigo.

“Acaba por aqui sua teoria de que não atacariam um draenei desarmado.” continuou.

“Esperava pelo melhor” disse calmamente. “Mas disse que havia boas notícias para amenizar essas tristes
novas?”

Restalaan fez uma careta. “Se é que podemos chamar de boa notícia. Ner’zhul disse que um contingente de orcs
nos encontrará na base da montanha.”

“Ele não virá?”

“Não meu Profeta,” terminou e abaixou a cabeça.

“E quem virá em seu lugar?”

“A carta não informou.”

“Passe me a carta”. Seu amigo colocou o pergaminho na mão estendida. Velen desenrolou e leu rapidamente.

O mensageiro está morto. Felizmente, aqueles que o mataram também vasculharam o corpo e acharam a carta. Li
e concordei em enviar um contingente de orcs que irão tratar com você. Não garanto nada – nem sua segurança, nem
uma trégua, nada. Mas iremos escutá-lo.
Velen suspirou profundamente. Não era essa a resposta que sua alma ansiava. O que aconteceu com os orcs? Por
que de repente estão tão predispostos a fazer mal aos draenei, que nunca se opuseram a eles?

Não garanto nada, escreveu Ner’zhul com uma letra firme.

“Muito bem,” decidiu Velen. “Então nada está garantido.” E sorriu para Restalaan. “Assim como a vida.”

O dia estava inapropriadamente brilhante e alegre. Durotan estava pensativo. Seus olhos apertados por causa da luz
dançante do pré-verão. No dia em que se sentia tão sombrio e infeliz, com certeza o tempo deveria refletir isso. Pelo
menos algumas nuvens. Mas uma chuva fina e fria seria mais conveniente. Mas o sol não se importava com o coração
pesado de um orc ou mesmo com o futuro de um povo. Oshu’gun parecia estar em chamas, tão cintilante era a luz
refletida de sua superfície cristalina e multifacetada.

Durotan escolheu um posicionamento estratégico. De onde seus guerreiros estavam situados, seria capaz de
avistar o grupo de Velen muito antes de eles verem os orcs. Decidiu esperar e deixar que o Profeta viesse até ele,
apesar de ter colocado seus guerreiros de uma maneira que não fosse possível fugir, caso tentasse. E todos os orcs que
esperavam pacientemente nesse dia ilustre, estavam armados até os dentes com os xamãs prontos.

Com seus olhos afiados e habilidades para luta, Draka era útil como patrulheira. Deixou-a como sentinela no
primeiro grupo de guerreiros. No minuto que Velen aparecesse, ela informaria seu companheiro pelos ventos através
de Drek’Thar.

O líder dos xamãs, porém, estava ao lado de Durotan. Como era o mais poderoso entre os xamãs, seu trabalho era
proteger o líder. Estavam parados em uma rocha que emergia da entrada da montanha sagrada. Dúzias de guerreiros
esperavam com flechas, machados e dardos. Outros passaram o dia manobrando pedras grandes, para que com uma
palavra de Durotan, um pequeno movimento faria as pedras rolarem e esmagar os draenei.

A ameaça de morte pairava em todos os lugares dessa adorável montanha nesse dia ensolarado.

Os cabelos pretos de Durotan agitaram-se na brisa e um pássaro cantava. Drek’Thar olhou com preocupação seu
chefe.

“Meu chefe, está fazendo como foi ordenado.” disse com sinceridade. “Esses seres são nossos inimigos.”

Durotan assentiu e esperava acreditar com tanta facilidade quanto os outros orcs.

A brisa acariciou sua face de novo e mais insistente, e escutou palavras ao vento. Uma mensagem de Draka,
passado a ele por Drek’Thar e os elementos. Estão chegando. Cinco deles. Nenhum está usando armadura ou
visivelmente carregando armas. Caminham com tranquilidade.

O vento soprou para longe suas palavras, e sabia que iria para os ouvidos de todos os orcs ali reunidos. Quando
chegasse a hora, Drek’Thar aproveitaria o vento para dar ordens para as tropas de Durotan. Endireitou-se, seu coração
batendo mais depressa. Agarrou com força seu machado.

“Lá estão eles.” comunicou sombriamente Drek’Thar. Durotan seguiu o olhar do xamã.

A informação de Draka estava certa, inclusive a maneira com a qual os draenei se aproximavam. Os cinco não
usavam a estranha armadura azul prateada que Durotan recordava de seu único encontro. Estavam vestidos com
mantos com lindas cores que flutuavam ao vento, como se estivessem indo para um banquete. Andando um pouco a
frente do grupo, estava o Profeta Velen. Ele era inconfundível; sua vestimenta simples e castanha contrastava com a
do seu séquito, e sua pele branca era única. Durotan sorriu um pouco, apesar da situação trágica. Estavam tão
espalhafatosos, que só um orc cego não seria capaz de percebê-los á uma grande distância.

A lembrança do que isso representava fez o sorriso sumir. Eles queriam ser localizados imediatamente.
Desejavam que os orcs tivessem certeza de que não carregavam armas e que estavam no que Mãe Kashur chamava de
peregrinação.
Ou era uma fraude bem elaborada? Xamãs não necessitavam de lanças para destruir. Nem os draenei. Durotan
relembrou as redes mágicas que queimavam e enegreciam a pele – redes de energia, estranhas para os orc e que
surgiam do nada.

Não. Mesmo desarmados estavam longe de ser inofensivos.

Informou brevemente seus guerreiros e sabia que obedeceriam. Entenderam que não deveriam emitir nenhum
sinal de alerta – nem proferir insultos – sem uma ordem expressa de Durotan. Mas eles sabiam como os draenei
lutavam e não seriam pegos de surpresa. Sentia a tensão que vinha dos guerreiros perto dele, e perguntou-se se os
draenei sentiam também.

Durotan assistiu os grupos que estavam mais longe, saírem de seu esconderijo e fechar o cerco atrás dos draenei.
Ele esperava que estivessem longe o bastante para que os draenei não percebessem. Se sim, não transpareceram e
continuavam com uma velocidade constante, confiante e serena.

Durotan e Drek’Thar não tentaram se disfarçar. Depois de muitos minutos, Velen levantou a cabeça e olhou
diretamente nos olhos de Durotan, este não desviou o olhar e esperou que os inimigos continuassem a se aproximar.
Ao alcançarem a base da montanha, vários orcs saíram propositalmente do esconderijo para cercá-los.

Velen não pareceu nem um pouco surpreso. Sorrindo, olhou em volta e tornou a encarar Durotan. O chefe desceu
até ficar no mesmo nível que o draenei profeta.

“Há quanto tempo não nos encontramos, Velen.” disse com calma. Propositalmente não usou o título do draenei.

“Muito tempo, Durotan, filho de Garad, chefe do clã Frostwolf.” respondeu com a voz suave e rica que Durotan
lembrava. “Ainda é amigo de Orgrim?”

“Certamente que sou.” continuou. “Ele carrega a Doomhammer agora, e é segundo em comando de seu clã.”

Pesar despontou no rosto pálido, um que era profundo e indiscutivelmente verdadeiro. Durotan lembrou de novo
daquela noite, há muito tempo, quando esse ser havia sentado com eles e conversado sobre os costumes orcs, da
Doomhammer e do preço a ser pago por Orgrim.

“Espero que seu pai e o dele tenham tido um fim honroso.”

“Não estamos aqui para falarmos do passado.” retrucou Durotan, com mais ênfase do que desejava. Não gostava
de relembrar esse episódio. “Estamos aqui porque nos informou que se atreverão a entrar no nosso local mais
sagrado.”

Aí está, pensou. Não vamos medir palavras.

Velen sustentou o olhar em Durotan e assentiu. “Mandei uma carta para Ner’zhul, não para você. Ele não aceitou
encontrar-me. Pergunto-me…ele mostrou a carta para você?”

“Não há motivos para que eu leia.” respondeu Durotan. “Foi pedido que eu viesse em seu lugar e aqui estou.”

Durotan viu os ombros largos caírem um pouco. Velen suspirou fundo. “Entendo.” disse. “Talvez ele não tenha
dito o porquê quis vir aqui hoje.”

“Não preciso saber dos seus propósitos, draenei.” comunicou.

“Na verdade precisa, ou essa conversa de nada servirá.” Sua voz era clara e fria, e não havia nada velho ou frágil
apesar da idade avançada de Velen. Durotan levantou a sobrancelha. Não havia dúvida de que era sábio. Mas agora,
pela primeira vez, ele vislumbrou a absoluta força de vontade que sustentou Velen por incontáveis anos.

“Essa montanha é sagrada para seu povo. Sabemos e respeitamos isso. Mas é também sagrada para nós.” Velen
deu um passo à frente, olhar fixo em Durotan. Os orcs em volta sussurraram entre si, mas não se moveram.
“Dentro da montanha há um ser que há muito cuida do povo draenei.” continuou. “É mais antigo do que qualquer
coisa que nossas mentes podem compreender. E mais poderoso. Mas mesmo coisas antigas e poderosas podem morrer,
e está morrendo agora. Há sabedoria, graça e conformidade que podemos obter desse ser, meu povo e o seu. Nós –“

“Blasfêmia!”

Durotan assustou. O grito amargo surgiu na garganta não de um orc guerreiro impaciente, mas do xamã que estava ao
seu lado. Com os olhos arregalados, o corpo de Drek’Thar tremia de raiva. Veias saltavam de seu pescoço e balançava
o punho para Velen. Durotan ficou tão surpreso com a explosão que não silenciou rápido como deveria e Drek’Thar
continuou.

“Oshu’gun pertence a nós! É o lar dos amados falecidos, abriga seus espíritos e suas horríveis patas fendidas não
darão um passo em seus arredores abençoados!”

Velen também parecia surpreso com as palavras. Voltou sua atenção para o xamã e esticou as mãos em súplica.

“É verdade que os espíritos habitam dentro dessas paredes e nunca diria o contrário.” implorou. “Mas a razão
pela qual são atraídos para cá é esse ser. Ele busca…”

Justamente a coisa errada a se dizer. Drek’Thar gritou de raiva. Outros gritos se seguiram e antes de Durotan
perceber o que ocorria, viu guerreiros se adiantarem. Draka foi a sua direção para detê-los, mas era como se tentasse
segurar uma maré. Durotan bateu forte no rosto de Drek’Thar. O xamã rodopiou, rosnando.

“Proteja eles!” exigiu Durotan. “Irão obedecer minhas ordens e devemos levá-los com vida. Proteja eles,
maldição!”

Os olhos de Drek’Thar transbordavam raiva, mas apenas por um instante. Levantou suas mãos, fechou os olhos e
de repente um grande círculo de fogo surgiu em volta dos draenei. Um vento soprou levantando o fogo e derrubando
os orcs. Os guerreiros recuaram e para o desespero de Durotan, alguns arqueiros começaram a colocar flechas em seus
arcos.

“Parem!” urrou Durotan, e os ventos levanto sua ordem para os ouvidos de seus guereiros. “Matarei qualquer um
que atacar!”

Com essa ordem e as habilidades de Drek’Thar, mesmo que relutante, os draenei estavam a salvo. Durotan
desceu do flanco da montanha em direção aos prisioneiros. Drek’Thar estava no seu encalço.

“Interrompa o fogo,” o chefe disse a seu xamã. E as labaredas que quase chamuscaram as sobrancelhas de
Durotan desapareceram de uma vez. Estava cara a cara com Velen, e uma onda de emoção, que não soube explicar,
tomou conta dele ao perceber que o draenei ancião estava tão sereno e calmo, como estava quando conversara antes.

“Velen, você e o seu grupo são agora prisioneiros do clã Frostwolf.” proclamou numa voz calma, porém
perigosa.

Velen sorriu com doçura, mas tristemente. “Era de se esperar.” disse.

Ele e os outros quatro conseguiram de alguma maneira manter seu porte enquanto Durotan ordenava que os
despissem e revistassem. Seus mantos deslumbrantes foram tirados e dados a ao guerreiro superior, e os draenei
estavam em túnicas endurecidas de suor.

Seu estômago embrulhou ao ouvir os insultos, os deboches e as cusparadas em direção aos prisioneiros, mas ele
não os deteve. Contanto que não machucassem fisicamente os prisioneiros – e Durotan observou atentamente para
assegurar que ninguém o fizesse – deixariam que seus guerreiros tivessem sua diversão. Ao seu lado, Draka assistia
com raiva o comportamento de seus camaradas de clã e cochichou. “Meu companheiro, não pode silenciá-los?”

Balançou a cabeça. “Quero ver como os draenei reagem. E…os guerreiros seguraram seus impulsos quando
poderiam tê-los matado. Não segurarei suas línguas.”
Com um olhar investigativo, Draka assentiu e retirou-se. Ele sabia que não aprovava e ele também não estava
feliz em presenciar isso. Mas estava andando numa linha tênue, e sabia disso.

“Meu chefe!” gritou Rokkar, o segundo em comando de Durotan. “Venha ver o que nos trouxeram!”

Durotan foi para junto de Rokkar e olhou o saco que abrira. Arregalou os olhos. Aninhado no tecido suave
estavam duas belas pedras. Uma era vermelha e a outra amarela. Durotan ansiou por tocá-las, mas deteve-se. Olhou
para Velen.

“Há muito tempo, Restalaan mostrou um cristal parecido com esse.” disse. “Aquele protegia a cidade. O que
esses fazem?”

“Cada um tem seu poder. Os cristais são parte do nosso legado. Foram transmitidas a nós pelo ser que reside na
montanha sagrada.”

Durotan resmungou. “Seria melhor não mencionar isso de novo.” aconselhou. Para Rokkar ordenou, “Alimente-
os, amarre suas mãos e coloque-os nos lobos com xamãs os vigiando. Dê as pedras a Drek’Thar. Iremos levar os
draenei conosco e entregaremos a Ner’zhul. Ele deveria estar aqui hoje.”

Virou-se e saiu, não querendo olhar nos brilhantes e estranhos olhos azuis de Velen, e nem o olhar de censura de
Draka.

Durante a viagem de volta, Durotan lutou com seus sentimentos. Por um lado, ele dividia a indignação de
Drek’Thar. Oshu’gun era sagrada para os orcs. A ideia de algo além dos ancestrais residir dentro dela – de fato, como
Velen havia afirmado, era tão poderoso que atraiu os ancestrais para ela, o atingiu em cheio. Só podia imaginar como
os xamãs se sentiram com essa declaração. Tudo se encaixava no que Ner’zhul dizia; que os draenei eram uma praga e
deveriam ser eliminados.

O que o preocupara era o motivo. Ele descobriria isso essa noite.

Eles fizeram o caminho rápido, contando os cinco cativos. O sol estava apenas começando a nascer quando
chegaram. Durotan enviou alguns patrulheiros antes para das às boas notícias e o clã os esperava ansiosamente. A sua
direita estavam Drek’Thar e Rokkar, que partilhava da ansiedade dos Frostwolves e a sua esquerda estava Draka, que
permaneceu estranhamente quieta durante o ocorrido. Tinha certeza que não queria escutar o que ela tinha a dizer; já
estava sendo forçado em várias direções.

Os prisioneiros foram empurrados com estupidez em duas tendas e um guarda ficou em suas costas. Quatro
guerreiros experientes e o xamã que Drek’Thar mais confiava colocaram-se a sua frente com orgulho, satisfeitos pelo
dever confiado. Velen ficou isolado; queria tratar com ele sozinho.

Depois que a agitação acabou Durotan respirou fundo. Ele não ansiava por essa conversa, mas era seu dever.
Acenou para os guardas e entrou na pequena tenda que Velen encontrava-se.

Esperava ver o ancião com as mãos amarradas, como havia ordenado. Viu que independente de quem acatou a
ordem, o fez com zelo excessivo.

A tenda havia sido levantada perto de uma árvore robusta e Velen estava amarrado a ela. Seus braços foram
puxados para trás num ângulo estranho, as cordas tão apertadas em sua pele branca que, mesmo com a luz fraca,
Durotan percebeu a carne escurecendo. Felizmente, uma corda mais frouxa em volta do pescoço que o obrigava a ficar
com a cabeça ereta para não sufocar. Um pedaço de pano sujo foi colocado em sua boca. Estava de joelhos e seus
cascos também estavam amarrados atrás dele.

Proferiu um insulto e puxou uma adaga. Velen o olhou, sem vestígio de medo em seus profundos olhos azuis,
mas Durotan percebeu que o draenei pareceu surpreso quando o orc usou a arma para cortar as amarras ao invés da sua
garganta. Não reclamou, mas uma centelha de dor apareceu em seu rosto alvo assim que o sangue voltou a correr em
seus membros.

“Pedi que o amarrasse, não que prendesse como se fosse um talbuque. “ resmungou.

“Parece que seu povo é muito ávido.”

Durotan passou um odre com água para o ancião e observando enquanto bebia. Velen não parecia ser uma
ameaça, sentado a sua frente, em vestes sujas, engolindo água morna, sua pele em carne viva por causa das amarras.
Como se sentiria, perguntou-se, se tivesse escutado o que Mãe Kashur disse? Tudo parecia errado. Mesmo assim ela
assegurou a Drek’Thar que o draenei era uma ameaça tão fatal que mal podiam imaginar.

Havia uma tigela de mingau de sangue frio no chão. Com seu pé direito, Durotan empurrou em direção ao
prisioneiro. Velen olhou, mas não comeu.

“Não é o banquete que ofereceu a Orgrim e a mim quando jantamos em Telmor.” disse. “Mas é nutritivo.”

Velen sorriu. “Foi uma noite memorável.”

“Conseguiu as informações que queria naquela noite?” Durotan questionou. Estava com raiva, mas não de Velen.
Estava com raiva por ter chegado a esse ponto, ter em cativeiro alguém que manifestou nada além de cortesia para
com ele. E então ele descontou tudo no Profeta.

“Não entendo. Apenas queríamos ser bons anfitriões a dois jovens aventureiros.”

Durotan levantou e chutou a tigela. Mingau endurecido derramou no chão. “Espera que eu acredite nisso?”

Velen não caiu na armadilha. Respondeu calmamente. “É a verdade. A escolha em acreditar ou não, é sua.”

Durotan ficou de joelhos e encostou seu rosto no de Velen. “Por que está tentando nos destruir? O que fizemos a
vocês?”

“Pergunto o mesmo.” disse Velen. Um rubor apareceu em seu rosto. “Nunca levantamos uma mão contra vocês, e
agora mais de duas dúzias de draenei foram mortos em seus ataques!”

A verdade do comentário deixou Durotan mais furioso. “Os ancestrais não mentem,” rosnou. “Fomos avisados
que vocês não são o que parecem – que são nossos inimigos. Por que trouxe esses cristais senão para nos atacar?”

“Achamos que ajudaria a nos comunicarmos melhor com o ser na montanha.” disse rapidamente, como se
quisesse falar tudo antes de ser silenciado por Durotan. “O ser não é um inimigo dos orcs, e nem nós. Durotan, você é
inteligente e sábio. Percebi isso naquela noite. Não é daqueles que segue cegamente como um animal para o
abatedouro. Não sei por que os líderes mentiram para você, mas eles mentem. Só buscamos interagir pacificamente
com os orcs. Você é melhor do que isso, filho de Garad. Não é como os outros!”

Os olhos de Durotan estreitaram. “Você está errado, draenei.” cuspiu ele. “Tenho orgulho de ser um orc e da
minha herança.”

Velen parecia exasperado. “Você me entendeu mal. Não quero difamar seu povo. Eu apenas-“

“Apenas o que? Dizer que a única razão de vermos nossos mortos é por causa do seu…deus preso na montanha?”

“Não é um deus, é um aliado, e seria também de seu povo se permitisse que fosse.”

Durotan praguejou e levantou-se, andando pela tenda com os pulsos cerrados. E deu um longo e profundo
suspiro, a raiva nele virando cinzas.

“Velen, suas palavras são como lenha na fogueira da nossa ira.” disse tranquilamente. “Sua alegação é arrogante
e ofensiva. Irá apoiar aqueles que já estão preparados para matar o seu povo baseado na palavra dos ancestrais. Não
entendo – mas você pede para que eu escolha entre as pessoas que confio e tradições na qual fui criado, e a sua
palavra.”

Virou e encarou o draenei. “Escolherei meu povo. Você precisa saber disso. Se ficarmos frente a frente na
batalha, não irei me segurar.”

Velen olhou com curiosidade. “Você…não me levará para Ner’zhul então?”

Durotan balançou a cabeça. “Não. Se ele quisesse você, deveria ter vindo. Ele designou que eu tratasse com você,
e eu cumpri minha obrigação como achava pertinente.”

“Você deveria trazer o prisioneiro para ele.”

“Era para encontrá-lo e escutar o que tinha a dizer.” concluiu. “Se tivesse te capturado em batalha, tirado uma
arma de suas mãos, e lutado no chão, aí sim, você seria um prisioneiro. Mas não há honra em amarrar um inimigo que
estende suas mãos de bom grado. Estamos num impasse. Você insiste que não tem más intenções com relação aos
orcs. Meus líderes e espíritos dos meus ancestrais dizem o contrário.”

De novo, Durotan ajoelhou-se. “Eles te chamam de Profeta – sabe o futuro então? Se sim, diga-me o que nós
podemos fazer para evitar o que temo que vá acontecer. Não tirarei vidas inocentes, Velen. Dê-me algo, qualquer
coisa, que eu possa levar a Ner’zhul que prove que o que diz é verdade!”

Percebeu que estava implorando, mas isso não o angustiava. Amava sua companheira, seu clã, seu povo. Odiava
o que estava vendo: uma geração inteira apressando-se para a idade adulta com apenas ódio cego em seus corações. Se
implorar para esse ser estranho pudesse mudar isso, assim ele faria.

Os estranhos olhos azuis tinham uma empatia inexplicável. Velen pousou a mão no ombro de Durotan.

“O futuro não é como um livro que alguém lê.” articulou. “Está em constante mudança, como água corrente, ou o
rodopiar da areia. Tenho alguns conhecimentos, nada mais. Sabia que deveria vir desarmado e olhe só, não fui
recebido pelo maior orc xamã, mas por aquele que dormiu a salvo sob meu teto. Não acho que foi um acidente,
Durotan. E se algo pode ser feito para evitar isso, depende dos orcs não dos draenei. Tudo o que posso fazer é repetir o
que já disse. O curso do rio pode ser mudado, mas são vocês que devem mudá-lo. É tudo o que sei e rezo para que seja
o bastante para salvar meu povo.”

O olhar em seu rosto antigo e estranhamente enrugado, e o tom da sua voz transmitiu a Durotan o que as palavras
não disseram: que Velen certamente não achava que isso seria o bastante para salvar seu povo.

Durotan fechou os olhos por um instante, então se afastou. “Ficaremos com as pedras.” disse. “Seja qual for o
poder que tenha, os xamãs aprenderão a aproveitá-la.”

Velen assentiu com tristeza. “Presumi. Mas tinha que trazê-las. Tinha que confiar que podíamos achar uma forma
de resolver tudo isso.”

Durotan perguntou-se por que nesse momento sentia-se mais próximo daquele que disseram ser um inimigo do
que do líder espiritual do seu povo? Draka deveria saber. Ela sempre soube. Ela nada disse, pois entendia com uma
sabedoria que ele nunca compreenderia e como chegou até aqui por si próprio. Mas conversaria com ela essa noite,
sozinhos na tenda.

“Levanta.” disse rudemente para esconder suas emoções. “Você e seus acompanhantes podem sair em
segurança.” Sorrindo de repente, emendou. “Em segurança no escuro e sem armas. Se encontrarem a morte esta noite
quando não estiverem em meu território, não serei responsável.”

“Isso seria deveras conveniente para você;” concordou Velen. “Mas de algum modo, acho que não é isso que
deseja.”
Durotan não respondeu. Saiu da tenda e disse aos guardas, “Velen e seus quatro acompanhantes devem ser
escoltados em segurança até o limite de nosso território. Então, devem ser soltos para que retornem a sua cidade.
Nenhum mal deve ser cometido a eles, fui claro?”

O guarda parecia que iria protestar, mas outro guerreiro mais sábio olhou-o com ferocidade.

“Foi sim, meu chefe.” o primeiro guarda murmurou. Ao que foram buscar os draenei, Drek’Thar correu para
Durotan.

“Durotan! O que está fazendo? Ner’zhul espera pelos prisioneiros!”

“Ner’zhul que pegue os prisioneiros ele mesmo.” queixou-se. “Eu estava no comando e esta é minha decisão.
Você a questiona?”

Drek’Thar olhou em volta e puxou Durotan para longe de ouvidos curiosos.

“Sim,” sibilou. “Escutou o que ele disse. Ele alega que os ancestrais são…são como mariposas em uma tocha,
perto desse deus deles! Arrogantes! Ner’zhul está certo. Devem ser eliminados. Foi nos dito isso.”

“Se é para ser assim, assim será.” concluiu. “Mas não hoje Drek’Thar. Hoje não.”

Velen sentia seu coração pesado, enquanto caminhava devagar com seus companheiros pelo gramado do campo
encharcado pelo orvalho, passando pelas sombras das árvores da floresta Terokkar em direção a cidade mais próxima.

Dois dos cristais ata’mal estavam agora em poder dos orcs. Ele sabia que as palavras de Durotan eram corretas e
que os xamãs iriam rapidamente desvendar seus segredos. Mas deixaram escapar uma.

Isso porque o cristal não quis ser encontrado, e quando se tratava deles, a luz obedecia a seus desejos e curvou-se
para que o cristal violeta permanecesse escondido dos orcs. Segurou-o junto ao peito, sentindo seu calor em sua pele
antiga.

Ele apostou e perdeu. Não totalmente, já que ele e seus amigos estavam vivos e a salvo. Mas esperava que os orcs
o escutassem, ou pelo menos o acompanhassem até o coração da montanha sagrada e testemunhar algo que não
renegaria sua fé, nem um pouco, mas que na verdade foi o que a fez nascer.

O prognóstico era lúgubre. Quando caminhou pelo acampamento dos orcs, viu o que estava acontecendo.
Crianças estavam sendo treinadas tão duramente que caiam de exaustão. Forjas a todo o vapor mesmo durante a
madrugada. Apesar de andar livremente agora, Velen sabia que os acontecimentos de hoje não adiantaram de nada
para evitar o que estaria por vir. Os orcs, inclusive os que eram liderados pelo perspicaz e calmo Durotan, não estavam
preparando-se para uma possível guerra. Estavam convencidos da certeza dela. Quando o sol nascesse amanhã de
manhã, testemunharia o inevitável.

O cristal que segurava em seu peito pulsou, sentindo seus pensamentos. Virou para seus companheiros e olhou-os
com pesar.

“Os orcs não serão desviados desse caminho.” disse. “Portanto, se queremos sobreviver…nós também devemos
andar pelo caminho da guerra.”

Muito distante dali, despedaçado, moribundo, descansando tão pacificamente quanto era possível nas
profundezas das águas do lago sagrado, o ser conhecido como K’ure deu um grito intenso e agonizante.

Velen sobressaltou-se, reconhecendo a voz, e abaixou a cabeça.


Os orcs Frostwolf escutaram também e viraram para olhar o triângulo perfeito que era Oshu’gun.

“Os ancestrais estão com raiva de nós!” gritou um jovem xamã. “Raiva por deixarmos Velen ir embora!”

Durotan balançou a cabeça. Deveria repreender o jovem, e na manhã seguinte, se essas palavras forem proferidas
de novo, ele iria. Mas agora seu coração estava repleto de dor. Não foi um grito de raiva que veio da montanha
sagrada. Era o som perturbador da mais completa tristeza, e ele tremeu por dentro ao imaginar porque os ancestrais
lamentavam tão, mas tão profundamente.
Capítulo 11

Ner’zhul…Gul’dan. Dois dos mais funestos nomes que já macularam a história do meu povo. E mesmo assim,
Drek’Thar me diz que uma vez Ner’zhul foi admirado, inclusive amado, e se importava de verdade pelas pessoas da
qual foi líder espiritual. Foi difícil conciliar essas palavras com o que Ner’zhul se transformou, mas eu tento. E faço
isso porque quero entender.

E mesmo assim, por mais que me esforce…não entendo.

“O que?”

O grito indignado de Ner’zhul fez seu aprendiz recuar. Durotan não piscou sequer um olho.

“Eu soltei Profeta Velen.” disse calmamente o chefe do clã Frostwolf.

“As ordens eram para que fizesse ele e os outros prisioneiros!” a voz de Ner’zhul aumentava a cada palavra dita.
Tinha sido tão simples, tão fácil. O que Durotan pensou estar fazendo? Desperdiçar uma oportunidade como ossos
quando a carne já foi devorada! Quanta informação poderia ter tirado de Velen? Qual tipo de poder de barganha
poderia ter sobre os draenei?

Mas esse pensamento foi sobrepujado pelo medo esmagador em pensar na reação de Kil’jaeden. O que ele faria
quando soubesse que Velen não foi capturado? A magnífica entidade pareceu tão satisfeita com a possibilidade,
quando Ner’zhul contou sobre seu plano. Repleto de orgulho pela sua perspicácia, imaginando que a vitória era certa,
Ner’zhul tinha inclusive se atrevido a oferecer Velen como um presente. O que vai acontecer agora? Deu-se conta de
que sentiu medo ao invés de decepção em levar notícias ruins para Kil’jaeden.

“Fui encarregado da captura, e assim o fiz,” respondeu Durotan. “Mas não há honra em aprisionar alguém que de
bom grado se entrega. Quer que sejamos mais fortes como um povo do que como clãs individuais, mas não podemos
fazer isso sem um código de honra que é inviolável, isso é…”

Durotan continuou discursando com sua voz rouca e grave, mas Ner’zhul já não escutava. Naquele instante,
congelado no espaço e tempo, Ner’zhul teve a repentina percepção de que talvez Kil’jaeden não fosse o espírito
benevolente no qual se apresentou. Durotan, perdido em suas palavras ao explicar sua decisão, não percebeu a
mudança de atenção do xamã. Mas sentiu que Gul’dan o olhava e um novo medo tomou conta dele, pois seu aprendiz
estava testemunhando os primeiros sinais de dúvida de seu mestre.

Qual a coisa certa a se fazer? Como posso servir melhor?

Por que Rulkan deixou de aparecer para mim?

Piscou e voltou a si quando percebeu que Durotan tinha parado de falar. O chefe olhava Ner’zhul atentamente,
esperando que o xamã falasse.

Como melhor lidar com isso? Durotan era muito estimado entre os clãs. Se o punisse por sua decisão, haveria
muitos que olhariam com compaixão para o clã Frostwolf. E isso causaria um rasgo no tecido que tentava tecer, o
tecido firmemente costurado da nação dos orcs…uma Horda, se preferir. Por outro lado, se aprovasse a ação de
Durotan, isso seria um grande insulto para aqueles que apoiavam com fervor o fato de que os draenei deveriam
morrer.

Ele não conseguia decidir. Encarou Durotan que franziu levemente a testa.

“Meu mestre está tão furioso que não consegue falar,” disse a suave voz de Gul’dan. Tanto Durotan quanto
Ner’zhul olharam para o jovem xamã. “Você desobedeceu a uma ordem direta de seu líder espiritual. Volte para seu
acampamento Durotan, filho de Garad. Meu mestre enviará uma mensagem em breve comunicando sua decisão.”
Durotan olhou de volta para Ner’zhul e sua aversão por Gul’dan estampava seu rosto. O xamã se recompôs e,
dessa vez, quando procurou as palavras, ele as encontrou.

“Vá embora, Durotan. Você me desagradou, e pior, desagradou o ser que nos tem ajudado tanto. Terá notícias
minhas muito em breve.”

Durotan curvou-se, mas não saiu de imediato. “Há algo que eu trouxe para você.” comunicou. Estendeu-lhe uma
pequena trouxa. O xamã aceitou e suas mãos tremiam, e teve esperança de que Durotan e Gul’dan interpretassem isso
como fúria e não medo.

“Apreendemos isso com os prisioneiros.” continuou. “Os nossos xamãs acreditam que possam conter algum
poder que pode ser usado contra os draenei.”

Hesitou por mais um momento, como se esperasse algum comentário do xamã. Quando o silencio aumentou a
ponto de ficar desconfortável, ele curvou-se de novo e saiu. Por um longo tempo, mestre e aprendiz ficaram calados.

“Perdoe-me pela interrupção, meu mestre. Vi que estava tão transtornado que ficou sem palavras e temi que o
inseto interpretasse isso como hesitação ao invés de raiva.”

Ner’zhul o investigava com os olhos. As palavras pareceram sinceras, o rosto de Gul’dan parecia sincero. E
mesmo assim…

Houve uma época onde Ner’zhul teria compartilhado com seu aprendiz a sua dúvida. Havia confiado nele.
Treinou ele por anos. Mas agora, embora açoitado por dúvidas como se caminhasse contra o vento, sabia com certeza
de uma coisa. Não queria que Gul’dan visse qualquer fraqueza nele.

“Realmente estava tomado pela raiva,” mentiu Ner’zhul. “De nada serva a honra, se prejudica nosso povo.”

Deu-se conta que apertava a trouxa que Durotn havia dado a ele. Gul’dan a encarava avidamente.

“O que lhe ofereceu Durotan, para compensar sua raiva?” perguntou.

Ner’zhul olhou-o com superioridade. “Examinarei primeiro e dividirei com Kil’jaeden, aprendiz.” disse
friamente. Estava esperando uma reação, e temeu vê-la.

Raiva tomou o rosto de Gul’dan por um breve momento. Então o orc mais jovem curvou-se com devoção e disse
arrependido. “Claro, meu mestre. Foi arrogante da minha parte esperar – estava apenas curioso, apenas isso, para ver
se o chefe Frostwolf contribuiu com algo de valor.”

Ner’zhul amoleceu um pouco. Gul’dan o serviu bem e lealmente por muitos anos e com certeza o sucederia
quando a hora chegasse. Estava sendo precipitado.

“Claro,” disse gentilmente. “Irei informá-lo assim que souber de algo. Afinal de contas, você é meu aprendiz,
não?”

O rosto de Gul’dan iluminou-se. “Eu o sirvo em tudo, meu mestre,” Parecendo mais feliz, curvou-se e deixou
Ner’zhul sozinho.

Jogou-se nas peles que serviam como cama. Aninhou a trouxa em seu colo e disse uma prece para os ancestrais;
já que Durotan falhou em trazer o líder draenei, que pelo menos tivesse conseguido obter algo útil.

Respirou fundo, desembrulhou o objeto e arfou. Agasalhados na pele macia estavam duas pedras brilhantes. Com
cautela, tocou a vermelha e arfou de novo.

Energia, excitação e uma sensação de poder fluíram por ele. Suas mãos ansiavam em pegar uma arma, apesar de
não precisar de uma há anos. Sabia de alguma maneira que se esse cristal estivesse com ele, seu objetivo seria
realizado. Um belo presente para os orcs! Ele teria que ver como transformar essa paixão vermelha e quente pela luta
que ocultava no centro da pedra para servir seus propósitos.
Foi preciso muito esforço para que soltasse o cristal vermelho. Respirou fundo, acalmou-se enquanto clareava a
mente.

O amarelo era o próximo.

Ner’zhul agarrou-o. Desta vez ele já tinha uma noção do que esperar. De novo, sentiu calor emanando e a
sensação de poder. Mas desta vez não era de agitação, ou urgência. Ao segurar o cristal amarelo, sua mente clareou e
percebeu que até agora tem visto as coisas apenas como em um vale nublado. Não achava palavras para descrevê-lo,
mas havia pureza, limpidez e precisão. Era de fato tão preciso, tão claro que Ner’zhul começou a sentir essa abertura
da mente como dor.

Largou o cristal de volta no colo. A clareza brilhante, afiada, sumiu de repente..

Ner’zhul sorriu. Se não tinha Velen em pessoa para presentear a Kil’jaeden, pelo menos ofereceria esses itens
preciosos para apaziguar o ser magnífico.

Kil’jaeden estava furioso.

Ner’zhul tremeu ante a raiva, desmoronando no chão, murmurando, “Perdoe-me…” enquanto o ser enfurecia-se.
Apertou os olhos prevendo uma dor como nunca sentiu começar a atravessar seu corpo, quando inesperadamente a
fúria cessou.

Ner’zhul arriscou olhar de relance seu benfeitor. Kil’jaeden estava mais uma vez parecendo sereno, equilibrado,
calmo e banhado em resplendor.

“Estou…desapontado.” murmurou. Jogou o peso do seu corpo de um enorme casco fendido para o outro. “Mas
digo duas coisas. O líder do clã Frostwolf é o responsável. E você nunca mais confiará uma tarefa importante a ele.”

A sensação de alívio era tão forte, que Ner’zhul quase desmaiou. “Claro que não, meu mestre. Nunca mais.
E…nós trouxemos esses cristais para você.”

“Não são úteis para mim,” disse Kil’jaeden. O xamã recuou. “Mas acho que seu povo pode acha-los vantajosos
na sua batalha para destruir os draenei. Essa é sua batalha, não é?”

De novo o medo tomou conta do coração de Ner’zhul. “Claro, mestre! É a vontade dos ancestrais.”

Kil’jaeden olhou para ele, seus olhos brilhantes em chamas. “É a minha vontade.” finalizou, e o xamã aquiesceu
em pânico.

“Claro, claro, é a sua vontade e obedeço de todas as formas.”

O ser pareceu satisfeito com a resposta e concordou. E então havia partido e Ner’zhul deixou-se cair, esfregando
o rosto ensebado de suor pelo medo.

Do canto de seu olho viu um vulto branco. Gul’dan havia visto tudo.

Há algum tempo estamos planejando um ataque, e ontem à noite, quando a Dama Pálida não brilhou, recaímos
com força sobre a cidadezinha adormecida. Todos foram mortos, nem mesmo as poucas crianças foram poupadas. Os
suprimentos eram comida, armaduras, armas, e alguns itens que não conhecemos e os evitamos – esse prêmio é agora
compartilhado entre dois clãs. Sangue draenei, azul e espesso, seca em nossos rostos, e dançamos em celebração.
Havia mais duas mensagens, mas Ner’zhul não as leu. Não precisava. Apesar dos detalhes serem diferentes, a
essência das cartas era sempre a mesma. Um ataque bem-sucedido, glória no massacre, o êxtase do derramamento de
sangue. Ner’zhul olhou a pilha de cartas que recebeu só esta manhã: sete.

Cada mês que passava, mesmo nos longos e inflexíveis meses de inverno, os orcs desenvolviam suas habilidades
em matar os draenei. Aprenderam muito sobre o inimigo com cada vitória. As pedras que Durotan havia dado a
Ner’zhul provaram ser realmente valiosas. Trabalhou nelas, sozinho no começo e depois em companhia de outros
xamãs. A vermelha eles apelidaram de Coração da Fúria, e descobriram que quando um líder de um ataque o
carregava, não somente lutava com mais energia e aptidão, mas todos sob seu comando também eram beneficiados.
As pedras passavam de clã para clã a cada nova fase da lua e era muito cobiçada. Apesar disso, Ner’zhul sabia que
ninguém se atreveria a roubá-la.

A segunda pedra eles chamaram de Estrela Brilhante, e descobriu que quando um xamã usava o cristal, ele ou ela
experimentavam uma profunda clareza e foco. Enquanto o Coração da Fúria incitava as emoções, a Estrela Brilhante
acalmava-as. O pensamento era mais rápido e preciso, e a concentração dificilmente era quebrada. O resultado era
uma magia poderosa e controlada com exatidão…outro artifício para uma vitória dos orcs. A formidável ironia era que
eles estavam usando a própria magia draenei contra eles, e isso aumentou a moral entre os orcs posteriormente.

Mas nada disso encorajava Ner’zhul. A súbita dúvida que apareceu quando conversou com Durotan havia
chegado até seus ossos. Lutava contra as suspeitas, aterrorizado de pensar que de alguma maneira Kil’jaeden era capaz
de ler sua mente. Mas elas insistiam em vir, como vermes contorcendo-se num cadáver, para assombrar seus
pensamentos tanto acordado quanto adormecido. Kil’jaeden era muito, mas muito parecido com os draenei. Era
possível que, de alguma maneira, eram os mesmos? E estava ele, Ner’zhul, sendo usado numa espécie de guerra civil?

Então, em uma noite, ele decidiu que não poderia mais suportar. Vestiu-se em silêncio e despertou seu lobo
Skychaser, que se espreguiçou e piscou para ele, sonolento.

“Venha, meu amigo,” disse o xamã com afeição ao montar nas costas da criatura. Ele nunca antes foi até a
montanha sagrada montado em seu lobo, ia sempre andando, como era tradição. Mas ele precisava voltar antes de
sentirem sua falta, e tinha certeza que urgência da sua missão atenuaria sua ofensa para com os ancestrais.

Estava perto da primavera, quase época do festival de Kosh’harg. Mas a primavera parecia estar longe, pois o vento
gelado cortava o rosto de Ner’zhul. Encolheu-se, agradecido pelo calor do grande lobo e protegeu-se como pôde do
vento, e agora da neve.

O animal continuou através dos montes, mantendo o equilíbrio para avançar rapidamente. Por fim, Ner’zhul
olhou para cima e viu o triângulo perfeito, a Montanha dos Espíritos e um peso foi tirado de seu peito. Pela primeira
vez em meses, sentiu como se estivesse fazendo a coisa certa.

Sabendo que Skywalker teria dificuldades para escalar, mandou que ficasse esperando e o lobo cavou um buraco
na neve e aconchegou-se. Ner’zhul calculou que não ficaria mais do que poucas horas e apressou-se para a montanha
com mais vivacidade do que há muito tempo havia sentido. Sua bolsa cheia de odres com água e seu coração repleto
de antecipação.

Deveria ter feito isso há muito tempo. Deveria ter ido direto para a fonte de sabedoria, como um xamã faria. Não
fazia ideia do porque não tinha pensado nisso antes.

Finalmente chegou à entrada, um oval perfeito, e parou. Por mais ansioso que estivesse em chegar aos ancestrais,
sabia que o ritual deveria ser honrado. Acendeu o maço de ervas secas que carregava e deixou seu perfume doce
acalmar e purificar seus pensamentos. Então deu um passo a frente, sussurrando um feitiço para iluminar as tochas que
estavam no caminho. Ele andou por essa trilha mais vezes do que se lembrava, e seus pés moviam-se sozinhos com
firmeza. Logo embaixo o caminho entrelaçava e o coração esperançoso de Ner’zhul acelerou ao entrar na escuridão.

Parecia demorar mais do que de costume para que a luz aumentasse. Entrou na caverna e percebeu que de algum
modo, a poça sagrada parecia mais opaca que antes. Isso o deixou inquieto.
Respirou fundo e repreendeu a si mesmo. Estava trazendo seus medos para este lugar sagrado, nada mais. Parou
em frente à poça, retirou os odres da sua bolsa e jogou seu conteúdo. O único barulho era o da água caindo e parecia
ecoar.

Com a oferenda completa, Ner’zhul sentou a beira da água e esperou, olhando nas profundezas radiantes.

Nada aconteceu.

Não entrou em pânico. Os ancestrais muitas vezes levavam algum tempo até responder.

Mas quando mais tempo se passou, desconforto começou a aparecer no coração de Ner’zhul. Comovido, falou
em voz alta.

“Ancestrais…amados falecidos…eu, Ner’zhul, xamã do clã Shadowmoon, líder das suas crianças, venho
buscar…não, implorar por sabedoria. Eu…eu perdi meu caminho para a sua luz. Mesmo ficando mais fortes e mais
unidos como povo, os tempos estão obscuros e temerosos. Questiono o caminho que agora estou, e suplico por
orientação. Por favor, se já amaram ou se importaram com aqueles que seguiram seus passos, venham até mim agora e
aconselhem-me para que os guie bem!”

Sua voz tremeu. Sabia que parecia perdido e patético, e por um momento um orgulho teimoso fez com que
corasse de vergonha. Mas esse sentimento foi afastado quando percebeu que se importava de verdade com seu povo,
que queria fazer o que era certo por eles e nesse momento ele não tinha ideia do que era certo.

A poça começou a cintilar. Ner’zhul inclinou-se avidamente, seus olhos perambulando na superfície, e na água,
viu um rosto olhando para ele.

“Rulkan,” falou num fôlego. Lágrimas de misericórdia embaçaram a imagem por um momento. Piscou e seu
coração encheu-se de dor ao ver a expressão em seus olhos espectrais.

Era ódio.

Ner’zhul recuou como se tivesse sido atingido. Outros rostos começaram a aparecer na água, dúzias deles. Todos
com a mesma expressão. Nauseado ele gritou, “Por favor! Ajudem-me! Conceda-me sua sabedoria para que possa ser
favorecido por vocês de novo!”

As feições severas de Rulkan amoleceram um pouco, e foi com um traço de compaixão em sua voz que ela disse.
“Não há nada que possa fazer, não agora, não em cem anos, para voltar a ser favorecido por nós. Não é o salvador do
nosso povo, mas o seu traidor.”

“Não!” disse encolhendo-se. “Não, diga-me o que fazer e eu farei. Não é tarde demais, certamente não é tarde
demais-“

“Você não é forte o bastante,” disse outra voz, dessa vez masculina. “Se fosse, nunca caminharia tão longe nessa
estrada. Não teria sido tão facilmente enganado ao fazer a vontade daquele que não ama nosso povo.”

“Mas…não entendo,” murmurou. “Rulkan, você veio até mim! Escutei você! Você, Grekshar-você aconselhou-
me! Disse-me que queria que aceitasse Kil’jaeden! O Grande Amigo de todos os orcs!”

Ela nada disse em resposta, não precisava. Mesmo enquanto as palavras tropeçavam de seus lábios, ele entendeu
quão profundamente tinha sido iludido.

Os ancestrais nunca haviam aparecido para ele. Foi tudo um embuste armado por Kil’jaeden – seja lá o que ele
fosse. Eles estavam certos em não confiar mais nele. Qualquer xamã que fosse tão facilmente enganado nunca poderia
ser confiado a corrigir essa situação. Tudo foi uma rede elaborada de mentiras, ilusão e manipulação. E ele, Ner’zhul,
foi o primeiro inseto tolo a ficar intricadamente preso a ela.

O número de draenei mortos beirava cem. Não havia como voltar atrás, ou como pedir ajuda dos ancestrais. Não
podia mais confiar no seu visitante, a não ser entender que tudo o que dizia eram prováveis mentiras. O pior de tudo
era ter entregado seu povo nas mãos daquele que, apesar de sua aparência íntegra e palavras doces, não tinha boas
intenções em seja lá o que fosse seu coração.

Mesmo encarando os olhos de sua amada, ela se afastou. Um por um, a vastidão de rostos refletidos na água
também se afastou.

Ner’zhul tremeu de horror ao perceber o que havia feito. Nada poderia ser feito para corrigir. Nada, a não ser
continuar nesse caminho que Kil’jaeden cuidadosamente planejou para ele caminhar e rezar para os ancestrais, que já
não o escutavam, que de algum jeito pudesse fazer as coisas ficarem certas. Enterrou seu rosto em suas mãos e chorou.

Agachado em um túnel escuro, Gul’dan escutou o seu mestre chorando e sorriu.

Kil’jaeden ficaria feliz em saber disso.


Capítulo 12

Somos todos fracos, de uma maneira ou de outra. Independente da espécie. Ás vezes essa fraqueza é um ponto forte
disfarçado. Ás vezes é nossa completa ruína. Ás vezes é ambos. O homem sábio identifica sua fraqueza e busca
aprender com ela. O tolo a deixa controlá-lo e destruí-lo.

E ás vezes, o homem sábio é um tolo.

Ao voltar montado em seu lobo Skychaser, Ner’zhul queria apenas ser engolido pela noite escura, suas mãos tão
geladas e entrelaçadas na pelagem preta que se perguntou se algum dia seria capaz de abri-las de novo. Como poderia
retornar para seu povo sabendo o que havia causado? Por outro lado, como poderia fugir; haveria um lugar onde
Kil’jaeden não fosse capaz de achá-lo? Ansiava amargamente pela coragem de pegar a adaga ritual enfiá-la em seu
coração, mas sabia que não conseguiria. Suicídio era visto como um ato desonroso entre seu povo; era uma resposta
covarde para lidar com os infortúnios que o afetaram. Não seria permitido que vivesse como espírito se tomasse esse
caminho sedutor para escapar dos problemas. Poderia continuar a fingir não saber de nada e talvez miná-lo sutilmente.
Apesar de seus poderes colossais, não havia evidências de que Kil’jaeden tinha a habilidade de ler mentes. A
possibilidade o animou de alguma maneira. Sim…ele podia diminuir o dano que esse intruso estava tentando fazer a
seu povo. Era assim que poderia continuar a servir.

Fatigado tanto físico quanto emocionalmente, Ner’zhul tropeçou para dentro de sua tenda pouco antes do amanhecer,
esperava poder simplesmente desmaiar nas peles e dormir para esquecer, pelo menos por um breve período, a agonia
que trouxe para si. Mas, ao invés disso, uma luz forte cegou-o e caiu de joelhos.

“Você me trairia, então?” disse Kil’jaeden.

Ner’zhul tentou inutilmente proteger os olhos com as mãos da magnífica radiação. Seu estômago embrulhou e
temeu passar mal de tanto medo. A luz diminuiu e ele abaixou as mãos. Parado ao lado de Kil’jaeden estava seu
aprendiz, sorrindo sombriamente.

“Gul’dan” sussurrou Ner’zhul. “O que você fez?”

“Informei a Kil’jaeden sobre um rato.” disse com calma. Aquele sorriso horrível nunca deixou seu rosto. “E ele
irá decidir o que fazer com o verme que se voltaria contra ele.”

Ainda havia neve nos ombros de Gul’dan. Desanimado, Ner’zhul percebeu o que tinha acontecido. Ávido por
poder, seu aprendiz – como fechou seus olhos por tanto tempo para algo tão obvio? – havia seguido-o. Escutou as
palavras dos ancestrais. Depois de ouvir as mesmas coisas que Ner’zhul, ainda se apegava a Kil’jaeden? Por um breve
instante, seu medo e egoísmo foram embora, e Ner’zhul apenas sentia pena pelo orc que tinha ido longe demais.

“Isso me machuca.” disse Kil’jaeden. Ner’zhul olhou-o, assustado. “Escolhi você, Ner’zhul. Concedi a você
meus poderes. Mostrei-lhe o que precisava fazer para que seu povo progredisse e assegurar que não ficassem em
segundo lugar nesse mundo.”

Sem pensar, Ner’zhul disparou. “Você me enganou. Deu-me visões falsas. Difamou os ancestrais e tudo o que
representavam. Não sei por que está fazendo isso, mas sei que não é por amor pelo nosso povo.”

“E mesmo assim prosperaram. Estão unidos pela primeira vez em muitos séculos.”

“Unidos sob uma mentira.” disse Ner’zhul. Estava sendo leviano em sua rebeldia. E a sensação era boa. Se
continuasse, quem sabe Kil’jaeden perderia a paciência e mataria ele, e seus problemas estariam resolvidos.

Mas o ser não respondeu com a fúria mortal que esperava. Ao invés disso, a entidade suspirou profundamente e
balançou a cabeça, igual um pai decepcionado com um filho desobediente.

“Você pode reconquistar meus favores, Ner’zhul.” disse finalmente. “Tenho uma tarefa para você. Se completá-
la, sua falta de fé será desconsiderada.”
Os lábios do xamã moveram-se. Queria gritar sua rebeldia de novo, mas dessa vez as palavras não vieram.
Percebeu que o momento havia passado. Assim como qualquer ser sensato, ele não queria morrer, então permaneceu
em silêncio.

“O que aconteceu com o chefe Frostwolf me preocupa.” continuou. “Ele não é o único que tem resmungado
contra o que está acontecendo. Há outros – aquele que carrega a Doomhammer, alguns dentre os clãs Bladewind e
Redwalker. Seria uma coisa se essas vozes opositoras viessem daqueles sem influência, mas muitos deles têm. Não
deve haver nenhum risco para o sucesso do meu plano. Portanto, irei garantir a obediência deles.”

“Não será suficiente que jurem lealdade.” prosseguiu. Pensativo, tocou o rosto com seu dedo longo e vermelho.
“Muitos parecem inclinados a mudar o significado de ‘honra’ e ‘juramento’. Devemos…assegurar sua cooperação –
agora e sempre.”

Os pequenos olhos de Gul’dan cintilaram. “O que sugere, Grandioso?”

Kil’jaeden sorriu para ele. Ner’zhul já podia perceber o vínculo entre eles – como Kil’jaeden, Gul ‘dan estava de
uma maneira que ele nunca esteve. Kil’jaeden foi forçado a contar mentiras sedutoras e usar trapaças para trazê-lo
para seu lado; com Gul’dan ele podia falar abertamente.

“Há um jeito.” disse para ambos os xamãs. “Um jeito de fazê-los para sempre ligados a nós. Para sempre leais.”

Ner’zhul tinha pensado que havia se acostumado ao horror depois do que os ancestrais haviam revelado a ele,
mas agora percebeu que era capaz de experimentar um novo nível de choque ao escutar Kil’jaeden detalhar o plano.
Para sempre ligados. Para sempre leais.

Para sempre escravizados

Olhou para os olhos flamejantes de Kil’jaden e faltaram palavras. Um simples aceno com a cabeça seria
suficiente, mas nem isso conseguiu fazer. Ele apenas olhou, paralisado, como um pássaro ante uma cobra.

KIl’jaeden suspirou. “Recusa-se a mudar e se redimir, então?”

Ao escutá-lo falar, foi como se tivesse removido um feitiço. O que estava preso em sua garganta veio à tona, e
apesar de saber que isso significaria sua perdição, o xamã não fez esforço para segurar.

“Recuso-me totalmente a condenar meu povo a uma vida de eterna escravidão.” gritou.

Kil’jaeden escutou, e então balançou sua cabeça. “Esta é sua escolha. Escolheu também as consequências. Saiba
que isso não evitará que seu povo seja escravizado, pois meus desejos prevalecerão. Mas ao invés de liderá-los e
continuar sendo favorecido por mim, você será apenas um observador incapaz. Acho que isso seria mais agradável do
que simplesmente matar você.”

Ner’zhul abriu a boca para falar, mas não conseguiu. Kil’jaeden apertou os olhos e o xamã não conseguia mover-
se. Até seu coração batendo selvagemente em seu peito, apenas o fazia pela vontade de Kil’jaeden, e ele sabia.

Como tinha sido um tolo tão ingênuo? Como não viu através das mentiras?

Como pode confundir sua adorável amada com uma ilusão mandada por esse…monstro ? Lágrimas enchiam
seus olhos e desciam em suas bochechas e ele sabia que era apenas porque Kil’jaeden permitia.

A entidade sorriu para ele, então devagar e propositalmente virou sua atenção para Gul’dan. Apesar do seu
estado, Ner’zhul teve um leve consolo em saber que não tinha a expressão que Gul’dan usava agora, a de um
cachorrinho sedento por um elogio.

“Não há necessidade de enganá-lo com bonitas mentiras, não é, meu novo peão?” disse quase afetuosamente
Kil’jaeden. “Você não foge da verdade.”

“Certamente que não, mestre. Eu vivo para servir-lhe.”


Kil’jaeden riu. “Se continuarei sem mentiras, você também deverá. Você vive pelo poder. É ávido e tem sede
pelo poder. E nos últimos meses, sua habilidade aumentou a ponto de eu poder usá-lo. Não temos uma parceria de
adoração ou respeito, mas de conveniência e interesses egoístas. O que significa que seja provável que dure.”

Várias emoções despontaram no rosto de Gul’dan. Parecia não saber como reagir às palavras, e Ner’zhul sentiu
prazer ao ver a derrota de seu antigo aprendiz.

“Como…desejar,” gaguejou finalmente, e então com mais confiança, “diga-me o que quer que eu faça, e juro que
será feito.”

“Como deve ter percebido, desejo exterminar os draenei. O motivo não é de seu interesse. Apenas precisa saber
que eu assim desejo. Os orcs estão indo moderadamente bem, mas podem melhorar. Eles devem melhorar. Um
guerreiro é tão bom quanto suas armas, Gul’dan, e pretendo dar a você e seu povo armas que nunca imaginaram. Vai
demorar um pouco; você deve aprender antes de ensinar aos outros. Está pronto e disposto?”

Os olhos de Gul’dan brilharam. “Comece logo as lições, Glorioso, e verá como estou apto para ser um pupilo
seu.”

Kil’jaeden gargalhou.

Durotan estava coberto de sangue, muito do dele mesmo. O que tinha dado errado?

Tudo tinha ocorrido como deveria. Acharam um grupo de caça, foram até ele, iniciaram o ataque e esperaram que
os xamãs usassem sua magia para lutar com os draenei.

Mas eles não o fizeram e ao invés disso, orc atrás de orc caíram sob as lâminas brilhantes e magia branca azulada
dos draenei. Num determinado momento, brigando pela própria vida, Durotan viu Drek’Thar lutar desesperadamente,
usando apenas seu cajado.

O que havia acontecido? Por que os xamãs não vieram ajudá-los? O que Drek’Thar estava pensando? Uma
criança empunharia um bastão melhor do que ele – por que não usou sua magia?

Os draenei lutaram ferozmente, aproveitando as oportunidades dadas pelo inexplicável vacilo dos xamãs.
Pressionaram o ataque mais firme que Durotan já viu. Seus olhos cintilando como se sentissem pela primeira vez uma
possível vitória. A grama estava escorregadia de tanto sangue e o chão lhe faltou. Caiu e o agressor levantou sua
espada.

Esse era o momento então. Morreria em uma batalha gloriosa. Exceto que não sentia que essa era uma batalha
gloriosa. Por instinto, embora seu braço tivesse sido profundamente cortado na junção da armadura, levantou seu
machado para bloquear o golpe que viria, e seu braço tremeu. Olhou dentro dos olhos daquele que iria matá-lo.

E reconheceu Restalaan.

Nesse momento, o os olhos do capitão da guarda draenei arregalaram ao reconhecê-lo e segurou o golpe. Durotan
recuperou o fôlego, tentando reunir energias para levantar e continuar a lutar. Restalaan gritou algo em sua língua
nativa, e todos os draenei pararam quase a meio golpe.

Ao que Durotan pôs-se em pé, deu-se conta de que apenas poucos de seus guerreiros estavam vivos. Se a batalha
durasse mais um pouco, os draenei teriam eliminado todos os orcs, com apenas duas ou três vítimas deles.

Restalaan virou-se para Durotan. Várias expressões conflitavam em seu rosto feio: compaixão, repulsa,
arrependimento, determinação. “Pelo ato de compaixão e honra que demonstrou ao nosso profeta, Durotan, filho de
Garad, você e aqueles do seu clã que ainda vivem foram poupados. Cuide de seus feridos e retorne para seus lares.
Mas não pensem que irão receber esse ato misericordioso de novo. A honra foi paga.”
Durotan acenou como se tivesse bebido demais, e sangue derramava de suas feridas. Forçou a ficar de pé ao que
os draenei sumiam no horizonte. Uma vez que estavam fora de vista, ele podia parar de obrigar suas pernas a segurá-lo
e caiu de joelhos. Várias costelas haviam sido quebradas ou rachadas, e cada respiração o fazia sentir uma dor aguda
pelo corpo.

“Durotan!”

Era Draka. Ela também havia sido gravemente ferida, mas sua voz era forte. Alívio tomou conta de dele. Graças aos
ancestrais, ela ainda vivia.

Drek’Thar correu e colocou suas mãos no coração de Durotan, sussurrando entre cada suspiro. Calor inundou o
chefe e a dor parou. Tomou um fôlego profundo e gratificante.

“Pelo menos eles me deixam curar.” disse Drek’Thar tão baixo que Durotan não teve certeza se escutou as
palavras.

“Atenda os outros e depois conversamos.” pediu Durotan. Drek’Thar concordou, não encarando seu chefe. Ele e
os outros xamãs apressaram-se para usar magia para curar os ferimentos que podiam e tratar com balsamo e
bandagens o que não podiam. Durotan ainda tinha algumas lesões, mas nada grave, e ajudou os xamãs.

Quando fez tudo o que podia, ele levantou e olhou em volta. Nada menos do que quinze corpos endureciam na
grama verde, incluindo Rokkar, seu segundo. Balançou a cabeça em descrédito.

Teria que voltar com carroças para levar os mortos de volta para sua terra. Queimariam os corpos em uma pira e
suas cinzas espalhariam pelo ar e seriam consumidos pela água e pela terra. Seus espíritos iriam para Oshu’gun e os
xamãs conversariam com eles sobre assuntos de profunda importância.

Ou não iriam? Algo terrível havia acontecido e já era hora de descobrir o que.

De repente, raiva o invadiu pelo desperdício ocorrido. Independente do que os ancestrais haviam dito, algo dentro
de Durotan continuava a sussurrar que esse ataque contra os draenei era um erro grave. Com um rosnado rouco,
agarrou o menor xamã, que estava engolindo água e sentado perto dele e colocou-o de pé.

“Isso foi uma chacina!” Durotan gritou, balançando o orc furiosamente. “Quinze dos nossos jazem mortos
perante a nós! A terra bebe de seu sangue e não vi nenhum de vocês concederem suas habilidades para a luta!”

Por um instante, Drek’Thar não podia falar. O campo estava mortalmente silencioso ao que cada Frostwolf
assistia o confronto. Então, com uma voz fraca, Drek’Thar respondeu, “Os elementos – não vieram dessa vez.”

Os olhos de Durotan estreitaram. Ainda agarrando Drek’Thar pela frente de seu gibão de couro, ele exigiu do
xamã que permaneceu quieto e com os olhos arregalados, “Isso é verdade? Eles não concederam sua ajuda a batalha?”

Parecendo atordoado e débil, o xamã aquiesceu. Outro acrescentou com uma voz trêmula, “É verdade, grande
chefe. Pedi a sua assistência. Eles disseram…que estava fora de equilíbrio, e que não permitiriam que usássemos seus
poderes.”

O choque de Durotan foi quebrado por um sibilo de raiva. Virou-se para ver o rosto franzido de Draka. “Isso é
mais do que um sinal! Isso é um brado, um grito de guerra de que o que estamos fazendo é errado!”

Devagar, tentando compreender a magnitude do que ocorreu, Durotan acenou. Se não fosse pela piedade de
Restalaan, ele e cada um dos membros do seu grupo de guerra estariam deitados na terra, seus corpos tornando-se frios
a cada segundo. Os elementos recusaram-se a ajudar. Condenaram o que os xamãs pediam deles.

Durotan respirou profundamente e balançou a cabeça, como se pudesse fisicamente afastar seus pensamentos
sombrios. “Vamos levar os feridos de volta para suas casas o mais cuidadosamente que conseguirmos. E
então…enviarei mensagens. Se o que temo é verdade – que não apenas os xamãs Frostwolf foram reprimidos pelos
elementos pelo o que estamos fazendo com os draenei – então devemos confrontar Ner’zhul.
Capítulo 13

Como fomos incapazes de ver? É fácil colocar culpa no carismático Kil’jaeden, ou no fraco Ner’zhul, ou Gul’dan e
sua fome de poder. Mas eles pediram a cada orc individualmente para fingir que quente era frio, doce era azedo, e
mesmo quando tudo em nós clamava contra o que estava sendo dito, nós continuamos. Não posso dizer por que, pois
eu não estava lá. Talvez, teria obedecido como um cão disciplinado. Talvez, o medo era muito grande, ou o respeito
pelos líderes muito arraigado.

Talvez.

Ou talvez, eu, como meu pai e outros, começaria a ver as falhas. Gostaria de pensar que sim.

Blackhand olhava por debaixo de suas sobrancelhas grossas e testa franzida. Ele sempre parecia estar franzindo a
testa, provavelmente porque quase sempre o fazia.

“Não sei Gul’dan.” resmungou. Colocou sua mão, maior do que o normal, no punho da sua arma e a acariciou,
inquieto. Ele concordou quando Gul’dan pediu para encontrá-lo quinze dias atrás, e trazer seus xamãs mais
promissores, mas não contar a ninguém o que iriam fazer. Blackhand sempre gostou mais de Gul’dan do que de
Ner’zhul, apesar de não saber por quê. Quando o xamã sentou com ele para uma generosa refeição e explicou a
situação, Blackhand ficou feliz em ter vindo. Agora sabia por que gostava tanto de Gul’dan; o antigo aprendiz e agora
mestre era como ele. Ideais não serviam de nada, apenas praticidades. E ambos desejavam poder, boa comida,
armadura extravagante e derramamento de sangue.

Blackhand era chefe dos orcs Blackrock. Não podia mais subir. Pelo menos…não até agora. Quando os clãs eram
separados, a maior glória era liderar um. Mas agora…agora trabalhavam juntos. Agora podia ver o brilho da cobiça
nos olhos pequenos de Gul’dan. Conseguia quase sentir o cheiro da ambição emanando do xamã, uma ambição que
compartilhava.

“Ner’zhul é um conselheiro honrado e valioso.” disse ao mastigar uma fruta seca, estendendo sua garra para tirar
um pedaço que havia ficado entre seus dentes. “Tem grande sabedoria, mas foi decidido que eu seria melhor para
liderar os orcs a partir de agora.”

Blackhand sorriu ferozmente. Ner’zhul não estava em qualquer lugar que pudesse ser visto.

“E um líder sábio é rodeado de aliados confiáveis.” continuou. “Aqueles que são fortes e obedientes; que
cumprirão suas obrigações. E aqueles que, pela sua lealdade, serão tidos em alto prestígio e ricamente
recompensados.”

Blackhand se conteve ao ouvir a descrição “obedientes”, mas começou a amolecer quando mencionou “alto
prestígio” e “ricamente recompensados”. Olhou para os oito xamãs que trouxe para Gul’dan. Estavam reunidos em
volta de uma segunda fogueira, um pouco distante, sendo servidos pelos criados do xamã. Pareciam miseravelmente
infelizes e estavam por conveniência fora do alcance para ouvir o que estavam falando.

“Você me pediu os xamãs. Suponho que saiba o que está acontecendo com eles?”

Gul’dan suspirou e pegou uma coxa de talbuque. Mordeu-a com força, o suco escorrendo em seu rosto. Limpou
sua mandíbula saliente distraidamente, mastigou, engoliu e respondeu.

“Sim, fiquei sabendo. Os elementos não os obedecem mais.”

Blackhand o observava com intensidade. “Alguns estão resmungando que o motivo é que o que estamos fazendo
é errado.”

“Você acha isso?”


Blackhand encolheu seus largos ombros. “Eu não sei o que pensar. É um território totalmente novo. Os ancestrais
dizem uma coisa, mas os elementos não respondem.”

Estava começando a nutrir uma suspeita sobre os ancestrais também, mas não disse nada. Blackhand sabia que
muitos o achavam tolo; ele preferia deixá-los pensar que ele não era nada além de um braço forte e uma poderosa
espada. Dava a ele vantagens claras.

Gul’dan o examinou agora, e Blackhand se perguntava se o novo líder espiritual dos orcs tinha percebido que
havia mais no chefe orc do que parecia.

“Temos orgulho da nossa raça,” disse Gul’dan. “É doloroso admitir que não sabemos de tudo. Kil’jaeden e as
entidades que comanda…ah, Blackhand, os mistérios que guardam. O poder que eles controlam – este que pretendem
compartilhar conosco!”

Os olhos de Gul’dan brilharam com excitação. O coração de Blackhand acelerou. Gul’dan inclinou e continuou a
falar num sussurro admirado.

“Somos crianças ignorantes perante eles. Mesmo você – mesmo eu. Mas eles estão dispostos a nos ensinar.
Compartilhar uma parte de seu poder. Um poder que não depende dos caprichos dos espíritos do ar, terra, fogo e
água.” Gul’dan fez um gesto desdenhoso. “Esse tipo de poder é frágil, não é confiável. Pode abandoná-lo no meio da
batalha e deixá-lo desamparado.”

O rosto de Blackhand endureceu. Testemunhou isso ocorrer, e foi preciso toda a força de seus guerreiros para
tomar a vitória quando os xamãs começaram a gritar desesperados, pois os elementos não trabalhavam mais com eles.

“Estou escutando.” grunhiu baixo.

“Imagine o que poderia fazer se liderasse um grupo de xamãs que controlasse a fonte de seu poder, ao invés de
implorar e rastejar por ele.” continuou. “Imagine que esses xamãs tivessem servos que também poderiam lutar a seu
lado; que poderiam, digamos, fazer seus inimigos fugirem aterrorizados e impotentes. Sugar a magia deles como os
insetos sugam o sangue no verão. Distraí-los para que sua atenção não fosse na batalha.”

O chefe dos Blackrock levantou uma sobrancelha. “Posso imaginar sucesso sob essas condições. Sucesso quase
sempre.”

Gul’dan aquiesceu, sorrindo. “Exatamente.”

“Mas como saber se isso é verdade e não uma falsa promessa sussurrada ao seu ouvido?”

O sorriso do xamã aumentou. “Porque, meu amigo…eu já fiz a experiência. Ensinarei seus xamãs ali tudo o que
sei.”

“Impressionante.”

“Mas tenho mais a oferecer. Seus guerreiros – sei de um jeito que fará você e qualquer um que lute ao seu lado
mais poderoso, mais feroz, mais mortal. Tudo isso poder ser nosso, se reivindicarmos.”

“Nosso?”

“Não posso continuar a perder meu tempo falando com cada líder de cada clã toda a vez que têm uma
reclamação.” disse levantando a mão imperiosamente. “Há aqueles que estão de acordo com o que você e eu
pensamos ser o melhor jeito de proceder…e aqueles que não estão.”

“Continue.” disse Blackhand.

Mas Gul’dan não continuou, pelo menos não de imediato. Estava quieto, reunindo seus pensamentos. Blackhand
pegou um graveto e cutucou a fogueira. Sabia bem que a maioria dos orcs, inclusive alguns de seu próprio clã
achavam ele cabeça quente e impulsivo, mas sabia que a paciência é valiosa.
“Prevejo dois grupos de líderes dos orcs. O primeiro, um simples conselho governante que tome as decisões pelo
todo, seu líder eleito, seus serviços administrados abertamente á vista de todos. O segundo…uma sombra desse grupo.
Escondido. Secreto. Poderoso.” mencionou silenciosamente. “Este…Concílio das Sombras será constituído de orcs
que compartilham nosso ponto de vista, e que estão dispostos a fazer os sacrifícios necessários para obtê-lo.”

Blackhand concordou. “Sim…sim, eu vejo. Uma liderança pública…e uma confidencial.”

Os lábios de Gul’dan formaram um sorriso. Blackhand observou-o por um momento, e então perguntou:

“E a qual devo pertencer?”

“Ambos, meu amigo.” respondeu com calma. “Você é um líder nato. Tem carisma, força e até seus inimigos
sabem que você é um mestre estrategista. Será fácil eleger você como líder dos orcs.”

Os olhos de Blackhand piscaram. “Não sou um fantoche.”

“Claro que não.” assentiu Gul’dan. “Por isso disse que você pertencerá a ambos. Você será líder dessa nova raça
de orcs, essa…Horda se preferir. E estará no Concílio das Sombras também. Não podemos trabalhar juntos a não ser
que confiemos um no outro, não é?”

Blackhand olhou dentro dos olhos cintilantes e inteligentes de Gul’dan. Não confiava nem um pouco no xamã, e
suspeitava que o sentimento fosse recíproco. Não importava. Ambos queriam poder. Blackhand sabia que não possuía
talentos ou habilidades que possibilitariam a ele obter o tipo de poder que Gul’dan cobiçava. E o xamã não desejava o
poder que Blackhand ambicionava. Não estavam em uma competição, mas em uma liga; o que beneficiasse um,
beneficiaria o outro.

Blachand pensou em sua família – sua companheira, Urukal, seus dois filhos, Rend e Maim, sua filha, Griselda.
Não os adorava do mesmo jeito que o fraco Durotan adorava sua Draka, claro, mas se importava com eles. Queria ver
sua companheira adornada com joias, e seus filhos reverenciados como convém à prole de Blackhand.

Percebeu uma movimentação pelo canto de seu olho. Ao virar-se, viu Ner’zhul, uma vez poderoso e agora
desprezado, deslizando para fora da tenda.

“O que tem ele?” perguntou.

“O que tem ele? Ele não importa mais. O Grandioso deseja que ele viva por enquanto. Parece ter reservado
algo…especial para Ner’zhul. Ele ainda será um figurante; o amor por Ner’zhul está muito enraizado nos orcs para
que seja posto de lado agora. Mas não se preocupe, ele não será uma ameaça para nós.”

“Os xamãs Blackrock…você diz que irá treiná-los nessas novas magias? As magias que você mesmo estudou?
Eles serão invencíveis?”

“Eu mesmo os treinarei, e se eles se adaptarem bem às novas artes, os colocarei como os primeiros entre meus
novos bruxos.”

Bruxos. Então esse era o nome desse novo tipo de magia. Tinha um som interessante. Bruxo. E os bruxos de
Blackrock seriam os primeiros escolhidos.

“Blackhand, chefe do clã Blackrock, o que me diz sobre minha proposta?”

Blackhand virou-se devagar em direção a Gul’dan. “Eu digo, Salve a Horda – E Salve o Concílio das Sombras.”

A multidão que apareceu no pé da montanha sagrada estava furiosa. Durotan mandou mensagens para aqueles em
que confiava, e havia recebido confirmações de que os elementos realmente estavam evitando os xamãs. Uma
mensagem particularmente dolorosa veio do clã Bonechewer. O grupo todo havia sido derrotado pelos draenei, seu
aniquilamento ainda era um mistério até alguns dias depois quando um xamã que ficou para trás tentou curar uma
criança doente.

E agora eles vieram, os líderes dos clãs e seus xamãs, para se encontrarem com Ner’zhul e exigirem uma
explicação.

Ner’zhul apareceu e os cumprimentou balançando suas mãos e pedindo silêncio.

“Sei o motivo pelo qual vieram hoje,” disse. Durotan franziu a testa. Ner’zhul estava tão ausente que parecia uma
mera mancha, mas podia-se escutá-lo perfeitamente. Durotan sabia que, normalmente, ele conseguia isso pedindo aos
ventos que sustentassem sua voz para que todos os escutassem. Entretanto, como isso era possível, se os elementos
haviam de fato recusado os xamãs? Trocou olhares com Draka, mas ambos ficaram em silêncio.

“É verdade que os elementos não respondem mais os chamados de ajuda dos xamãs.” Ner’zhul continuou a falar,
mas foi abafado por gritos de raiva. O xamã olhou para baixo por um momento e Durotan os observou de perto. O
líder espiritual dos orcs parecia mais frágil, mais oprimido do que jamais havia visto. É claro, pensou Durotan.

Depois de algum tempo, a gritaria cessou. Os orcs lá reunidos estavam furiosos, mas queriam respostas mais do
que queriam descarregar sua raiva.

“Alguns de vocês, ao descobrir isso, tirou conclusões precipitadas que o que estamos fazendo é errado. Mas isso
não é verdade. O que estamos fazendo é buscar poderes que nunca vimos.. Meu aprendiz, o nobre Gul’dan, estudou
esses poderes. Permitirei que responda a qualquer questionamento que façam.”

Ner’zhul virou-se, apoiando firmemente em seu cajado, e afastou-se. Gul’dan curvou-se em reverência para seu
mestre. Ner’zhul pareceu não notar. Ficou de pé, seus olhos fechados, parecendo velho e débil.

Em contraste, nunca havia visto Gul’dan tão bem. Havia uma nova energia no orc, um forte sentimento de
confiança na sua postura e na sua voz quando falava.

“O que estava prestes a lhes dizer pode ser difícil de aceitar, mas tenho fé que meu povo não tem uma mente
fechada quando o assunto é melhorar a si mesmos.” disse. Sua voz era clara e forte. “Assim como ficamos surpresos e
pasmos em saber que existiam seres poderosos além dos ancestrais e dos elementos, descobrimos que há maneiras de
canalizar magia além daquela que temos cooperando com os elementos. Poder que não é baseado em pedir, ou
implorar, ou comprometer…poder que vem porque somos fortes o bastante para exigir. Controlá-la. Forçá-la a nos
obedecer, curvar-se a nossa vontade, e não o contrário.

Gul’dan parou para deixar que eles assimilassem, olhando os orcs reunidos. Durotan olhou Drek’Thar.

“Isso é possível?” perguntou a seu amigo.

Drek’Thar encolheu os ombros, impotente. Parecia completamente assustado com as palavras de Gul’dan. “Não
faço ideia,” disse. “Mas te digo uma coisa, depois da última batalha…Durotan, os xamãs estavam fazendo o trabalho
dos ancestrais! Como os elementos nos recusaram nessas circunstancias? E como os ancestrais puderam permitir que
isso acontecesse?”

Sua voz ficou amarga ao que falava. Ele ainda estava em choque e com vergonha. Durotan entendeu que o xamã
se sentia como um guerreiro que estava confiante em seu machado e o via virar fumaça em suas mãos – um machado
que um amigo de confiança havia dado, um que havia sido pedido para ser usado em nome de uma boa causa.

“Sim! Vejo que vocês entendem o valor do que eu – do que o Grandioso que nos tomou sob sua proteção está
oferecendo.” concluiu. “Estudei com essa grande entidade, assim como esses poucos nobres xamãs.”

Afastou-se e vários xamãs, vestidos em uma das mais bonitas armaduras de couro trabalha que Durotan havia
visto, deram um passo adiante.

“São todos orcs Blackrock.” Draka murmurou. Durotan havia percebido também.
“O que eles aprenderam,” continuou, “será ensinado a cada xamã que deseje ser instruído. Isso eu juro a vocês.
Acompanhem-me agora para as terras onde os ritos Kosh’harg são feitos. Irei demonstrar suas formidáveis
habilidades.”

Por alguma razão que não podia compreender Durotan de repente sentiu-se mal. Draka apertou seu braço
apoiando-o, percebendo sua súbita palidez.

“Meu companheiro, o que aconteceu?” perguntou silenciosamente ao andarem em direção ao solo dos festivais,
junto com todos.

Ele balançou a cabeça. “Eu não sei,” disse tão baixo quanto ela. “Eu apenas…sinto que algo terrível está para
acontecer.”

“Tenho sentido isso já faz muito tempo.”

Durotan manteve sua expressão imparcial com esforço. Era responsável pelo bem estar de seu povo, e sua relação
com Ner’zhul e agora Gul’dan já era precária. Estava bem ciente de que se ambos os xamãs quisessem desacreditar ele
ou seu clã, isso seria mais fácil do que antes. Com o foco na união, se o clã Frostwolf fosse exilado ou de alguma
maneira excluído, isso seria a extinção deles. Durotan não estava gostando de como as coisas estavam se
desenrolando, mas não podia protestar muito. Não ligava para si mesmo, mas não poderia permitir que seu clã
sofresse.

E mesmo assim, seu sangue corria, seu coração disparava, seu corpo tremia com o mau pressentimento. Fez uma
rápida reza para os ancestrais para que continuassem a guiar seu povo com sabedoria.

Chegaram ao rio do vale plano que por gerações foi palco do festival Kosh’harg. Ao tocar o solo sagrado, relaxou
um pouco. Memórias vieram à tona e sorriu ao relembrá-las. Recordou da fatídica noite quando ele e Orgrim
decidiram desafiar as tradições e atreveram-se a espiar os adultos que conversavam – e quão desapontados ficaram
com a conversa comum que haviam tido. Mais sábio agora, sabia que ele e Orgrim, por mais corajosos que pensavam
ter sido naquele momento, certamente não foram os primeiros a fazer isso, e não seriam os últimos.

Recordou também a primeira vez que viu a fêmea que seria sua companheira para a vida toda, caçando nesses
campos exuberantes, dançando em volta da fogueira ao som dos rufos dos tambores vibrando em suas veias, e
cantarolar para a lua. Pensou que enquanto seu povo ainda tivesse essas coisas, tudo ficaria bem. Animado, olhou
onde as danças normalmente aconteciam. Uma pequena tenda foi erguida e perguntou-se para o que servia.

Draka e ele pararam alguns metros da tenda, presumindo que fosse parte da demonstração. Os outros fizeram o
mesmo. O sol brilhava intensamente ao que cada vez mais orcs reuniam-se. Durotan viu que a maioria daqueles que
vieram hoje eram chefes de clã e seus xamãs, então o lugar não precisou comportar o número de orcs que
normalmente aparecia no festival.

Gul’dan esperou até todos estarem acomodados antes de propositalmente caminhar em direção à tenda. Os xamãs
treinados nessa misteriosa e nova magia o seguiram. Andavam com confiança e orgulho. Pararam em frente à tenda, e
Gul’dan chamou alguns guerreiros Blackrock, que deram um passo a frente e ficaram atentos.

Nessa hora, o vento mudou. Os olhos de Durotan arregalaram-se ao que o cheiro familiar preencheu suas narinas.

Draenei…

Cochichos baixos em volta fizeram ele pensar que não foi o único que sentiu o cheiro. Nesse momento, Gul’dan
acenou para os guerreiros e eles desapareceram dentro da tenda.

Oito draenei com as mãos amaradas bem firmes emergiram da tenda.

Seus rostos estavam inchados pelas surras. Trapos foram enfiados em suas bocas. Sangue coagulado em sua pele
azulada e no pouco que restava de suas roupas. Durotan ficou paralisado.
“Quando o clã Blackrock lutou utilizando a magia que estou prestes a compartilhar com vocês, sua vitória foi tão
absoluta que foram capazes de capturar muitos prisioneiros.” disse Gul’dan com orgulho. “Esses prisioneiros irão me
ajudar a demonstrar o que essas novas habilidades mágicas podem fazer.”

Durotan ficou enojado com a atrocidade. Uma coisa era assassinar um inimigo em um combate armado. Outra era
massacrar prisioneiros incapazes de agir. Ele abriu a boca, mas um aperto em seu braço o fez segurar as palavras.
Olhou com raiva dentro dos frios olhos cinza de Orgrim Doomhammer.

“Você sabia disso,“ sibilou Durotan, falando apenas para os ouvidos de seu amigo.

“Controle sua voz,” respondeu Orgrim, olhando para ver se alguém estava prestando atenção neles. A atenção de
todos estava em Gul’dan e nos prisioneiros draenei. “Sim, eu sabia. Estava lá quando os capturamos. É o jeito que as
coisas são, amigo.”

“Não costumava ser o jeito dos orcs.” explicou Durotan.

“É agora,“ disse Orgrim. “É uma triste necessidade. Se serve de consolo, não acredito que será uma prática
comum. O objetivo é matar os draenei e não torturá-los.”

Durotan encarava seu amigo. Orgrim encarou de volta e depois corou e desviou o olhar. A raiva dele de repente
sumiu. Pelo menos seu amigo entendia a violação que isso representava, mesmo apoiando. Mas o que mais Orgrim
poderia ter feito? Ele era segundo em comando de Blackhand. Era jurado a apoiar seu chefe. Como Durotan, tinha
responsabilidades para com outros que simplesmente não podia fugir. Pela primeira vez em sua vida, desejou ser um
simples membro do clã.

Olhou nos olhos de sua companheira. Ela encarava, horrorizada, primeiro a ele e depois a Orgrim. E então, viu a
dor e resignação tomar conta de seus traços e ela baixou a cabeça.

“Esses seres nos deram a honra nesse momento,“ dizia Gul’dan. Com o corpo pesado, Durotan arrastou seu olhar
para o xamã. “Iremos usá-los para demonstrar esses novos poderes a vocês.”

Ele acenou para o primeiro xamã Blackrock, que fez uma reverência. Parecendo um pouco nervosa, a fêmea
fechou os olhos e concentrou-se. Um som como o de um vento apressado passou pelos ouvidos de Durotan. Um
estranho escrito roxo estampado apareceu abaixo de seus pés, envolvendo-a. Acima da cabeça, um cubo roxo rodando
casualmente. Então, uma pequena e barulhenta criatura apareceu a seus pés. Fez algumas cambalhotas, seus olhos
vermelhos flamejantes e seus dentes pequenos, porém afiados, que revelavam o que parecia ser um sorriso. Durotan
escutou alguns sussurros de medo.

Outro xamã o copiou, invocando os mesmos estranhos círculos e cubos roxos, criando criaturas do nada. Alguns
eram seres grandes de tons azul e roxo que não tinham forma definida. Outras eram agradáveis de olhar, se não fossem
os cascos fendidos e as asas de morcego. Alguns eram grandes, outros pequenos, mas todos estavam parados em
silêncio ao lado daqueles que os trouxeram a vida.

“Lindos bichinhos de estimação, para ser exato,” a voz de Grom Hellscream apareceu no fundo cheia de sarcasmo.
“Mas o que eles fazem?”

Gul’dan sorriu indulgentemente. “Paciência, Hellscream.” disse. “Não é uma fraqueza e sim um ponto forte.”

Permaneceu em silencio. Durotan presumiu que estava curioso, como todos. Blackhand estava de pé, rindo
suavemente, olhando como um pai cheio de orgulho. Não pareceu surpreso ao ver o que estava acontecendo, então
imaginou que já havia testemunhado os poderes dos novos xamãs treinados. Testemunhado e aprovado.

Um dos draenei foi solto das amarras e empurrado adiante. Suas mãos, porém, ainda estavam amarradas,
tropeçou em seus cascos fendidos depois ficou de pé, ereto. Seu rosto estava impassível. Apenas o movimento lento de
sua causa indicava algum estresse.
O primeiro xamã apresentou-se, movendo suas mãos e murmurando levemente. A pequena criatura ao seu lado
chiou e pulou, e então de repende fogo surgiu de suas pequenas mãos com garra para atingir o infeliz draenei. Logo
depois, uma bola de…escuridão…formou-se nos dedos da xamã e voou em direção ao prisioneiro. Grunhiu de dor ao
que sua carne azulada foi escurecida e queimada pelo ataque da pequena criatura, mas caiu de joelhos em total agonia
ao que a bola de sombras alvejou-o.

Novamente a xamã murmurou algo, e chamas irromperam do corpo do draenei torturado. Quando antes ele havia
sido resiliente e silencioso, agora gritava atormentado, seus gritos abafados pela mordaça em sua garganta, mas não
completamente. Seu corpo estremeceu e convulsionou, caindo como um peixe que acabara de ser fisgado, seus olhos
rodando descontroladamente. Então ele ficou imóvel. O fedor de carne queimada preencheu o ar.

Por um momento, tudo era silêncio. Então, surgiu um som que Durotan nunca achava que escutaria: gritos de
aprovação e prazer à vista do tormento de um inimigo impotente.

Durotan olhava aterrorizado. Outro prisioneiro foi morto por “propósitos demonstrativos”. Este foi açoitado com
um chicote por um dos servos dos xamãs, de pé, maravilhado enquanto uma chuva de fogo caia sobre o prisioneiro, ao
que a escuridão o atacava. Um terceiro foi trazido, sua essência mágica foi sugada por uma criatura monstruosa que
parecia um lobo deformado com tentáculos saindo de suas costas.

O estômago de Durotan revirou ao que sangue azul e cinzas cobriam o que antes era uma terra sagrada, que antes
e pelo menos até agora era fértil apesar de seu profundo senso de tranquilidade ter sido brutalmente violado. Aqui ele
dançou e cantou para a lua, conspirou com um amigo de juventude, cortejou sua amada. Aqui, gerações de orcs
celebraram sua união em um lugar tão sagrado que qualquer briga era separada imediatamente e os responsáveis
ordenados a fazerem as pazes ou partir. Durotan não era xamã. Não podia sentir a terra ou os espíritos, mas não
precisava disso para sentir que a dor deles era a sua.

Mãe Kashur, certamente, certamente isso não é o que você desejava, pensou. A animação tomou conta de seus
ouvidos, o cheiro de sangue e carne carbonizada incomodava seu nariz. Pior de tudo foi ver alguns de sua raça,
inclusive de seu clã, serem contaminados pelo frenesi de causar dor e tormento em outros seres que estavam incapazes
até de cuspir em seus oponentes.

Percebeu que sua mão estava doendo. Como em transe, ele olhou para baixo e viu que Draka apertava sua mão
tão forte que estava prestes a quebrá-la.

“Pelos xamãs!” gritou alguém.

“Não!” a voz de Gul’dan foi levada abafando o barulho da multidão. “Não são mais xamãs. Foram abandonados
pelos elementos, e não irão mais chamá-los ou implorar por sua ajuda. Contemplem aqueles que têm poder, mas não
mais têm medo de usá-lo. Contemplem…os bruxos!”

Durotan soltou sua mão dos dedos enroscados com o de sua companheira para olhar a montanha sagrada.
Sobressaía-se em direção ao céu tão serenamente como sempre foi, seus lados refletindo a luz, e por um momento,
Durotan imaginou por que ela não rachou e quebrou, como o coração de um ser consciente, dominado pelo horror pelo
o que estava sendo feito sob sua antes confortante sombra.

Houve celebrações descontroladas naquela noite. Durotan não participou de nenhuma delas e nem deixou seus
membros participassem. Ao que os xamãs Frostwolf sentavam em volta da pequena fogueira, vencidos e comendo em
silêncio, Drek’Thar ousou perguntar a Durotan o que este sabia estar em todas as gargantas.

“Meu chefe,” disse pacientemente. “irá permitir que seus xamãs aprendam as magias dos bruxos?”

Houve um longo silêncio, quebrado pelo barulho da fogueira. Finalmente Durotan falou.

“Farei uma pergunta a você antes.” disse. “Você aprova o que foi feito aos prisioneiros hoje?”
Drek’Thar pareceu desconfortável. “Seria…melhor se os atacássemos em um combate justo.” admitiu. “Mas são
nossos inimigos. Isso foi comprovado.”

“Provado que irão contra atacar quando atacados.” replicou. “Tudo isso foi provado.” Drek’Thar estava prestes a
protestar, mas Durotan o silenciou antes. “Eu sei, é o desejo dos ancestrais, mas hoje eu presenciei algo que nunca
achei que iria. Vi os campos sagrados onde por incontáveis anos nosso povo reunia-se em paz, manchado pelo sangue
daqueles que não puderam levantar um dedo para se defenderem.”

Viu um movimento na beira do círculo e sentiu o cheiro de Orgrim. Durotan continuou.

“E sob as sombras de Oshu’gun. Aqueles que mataram os draenei hoje não o fizeram para proteger uma ameaça
as nossas terras. Eles abateram prisioneiros para mostrar seus novos…talentos.”

Orgrim agora tossia baixinho e Durotan pediu que se juntasse. Orgrim era conhecido por todos e sentou-se a
fogueira com a familiaridade de alguém conhecido e querido.

“Orgrim,” disse Draka tocando o braço de seu amigo com gentileza. “Os primeiros…bruxos…são de seu clã. O que
eles pensam?”

Orgrim encarou o fogo, suas sobrancelhas juntas enquanto ordenava seus pensamentos. “Se nós formos lutar
contra os draenei – e até os Frostwolf estão resignados a essa necessidade – então devemos lutar para sermos
vitoriosos. Os elementos abandonaram os xamãs. São volúveis e imprevisíveis na melhor das hipóteses, e nunca foram
os aliados mais confiáveis. Não como um amigo.”

Olhou para Durotan e sorriu. Apesar do peso em seu peito, ele sorriu de volta.

“Essas novas criaturas, esses poderes estranhos – parecem ser mais confiáveis. E destrutivos.”

“Há algo neles….” a voz de Draka sumiu. Drek’Thar disse rapidamente.

“Sei de suas preocupações. Definitivamente não são poderes naturais, pelo menos não como os xamãs
conheciam. Mas quem disse que é errado? Eles existem, devem ter um lugar na ordem das coisas. Fogo é fogo. Se
vem dos dedos de um pequeno ser dançante ou da benção do espírito do fogo, não interessa, ele queima a carne da
mesma maneira. Concordo com nosso estimado convidado. Comprometemos-nos com a batalha. Com certeza não
iremos lutar para perder!”

Draka ainda balançava a cabeça, seus lindos olhos tristes. Suas mãos moviam-se como se procurasse fisicamente
pelas palavras.

“É mais do que invocar fogo, ou mesmo estranhas setas de escuridão.” disse. “Lutei contra os draenei. Matei
draenei. E nunca os vi se contorcerem com tanta dor, e nem vociferar tal tormento. As coisas que serviam os bruxos
pareciam…gostar daquilo.”

“Nós gostamos de caçar,” Durotan apontou. Não gostava de discutir com sua companheira, mas como sempre,
precisava ver todos os lados do assunto para poder decidir o que era melhor para seu clã. “Os lobos gostam de
banquetear-se em carne crua”

“É errado desejar vencer?” desafiou Orgrim, seus olhos estreitando. “É errado ter prazer na vitória?”

“Na caçada e na vitória não. É no sofrimento ao qual me refiro.”

Drek’Thar estremeceu. “Talvez os seres que são invocados para servi-los se alimentem disso. Talvez seja uma
necessidade para a sua existência.”

“Mas é necessário para a nossa?” Os olhos de Draka brilhavam com a luz da fogueira, e Durotan sabia que não
era raiva, mas eram lágrimas de frustração.
“Os draenei sempre tiveram magia superior a nossa, mesmo com a ajuda dos elementos,” disse Drek’Thar.
“Sempre fui um xamã. Nasci assim. E agora falarei que irei abraçar o caminho dos bruxos, se o líder do meu clã
permitir. Porque eu entendo o que aqueles poderes podem fazer por nós, tendo lidado com os elementos pelo tempo
que lidei. Eu diria Draka, desculpe, mas sim, isso é necessário para a nossa existência. Se não tivermos os poderes dos
elementos para nos ajudar, os draenei irão nos obliterar da face da terra.”

Draka suspirou e enterrou seu rosto nas mãos. O pequeno grupo estava em silêncio, o único som vinha da
fogueira. Durotan achou que faltava algo, e agora ele sabia. Não escutava o som das criaturas noturnas, pássaros,
insetos e outros seres que antes enchiam o ar com sons discretos. Foram afastados deste lugar por causa do que
aconteceu aqui mais cedo. Tentou não tomar isso como um mau presságio.

“Permitirei que o clã Frostwolf aprenda essas artes.” disse gravemente.

Drek’Thar baixou a cabeça. “Eu agradeço Durotan. Não irá se arrepender.”

Durotan não respondeu.


Capítulo 14

Drek’Thar chora ao me contar essas histórias, lágrimas caindo de olhos que não podem mais ver o presente mas que
vêm perfeitamente o passado. Não posso oferecer consolo a ele. Se os elementos voltaram a responder aos seus
chamados – aos meus – e certamente de qualquer orc xamã é uma prova da sua compaixão e perdão e o desejo de ver
o equilíbrio restaurado.

O Pico que ainda abriga a escuridão não está neste continente. Estamos bem longe de sua perversidade, mas não
ainda fora de sua sombra. A sombra que foi lançada há muito tempo, no dia seguinte da corrupção do nosso local mais
sagrado.

A sombra de uma mão negra.

O sono não chegou facilmente para Durotan. E nem para Draka, já que ela revirava e suspirava. Finalmente
desistiu e repassou os acontecimentos do dia. Seus instintos gritavam que era errado adotar o caminho de uma magia
que descaradamente desenvolvia-se no sofrimento de outro ser. E, no entanto, o que mais podia ser feito? Os
elementos haviam abandonado os xamãs, apesar dos ancestrais terem dado aos orcs essa missão. Sem a magia como
uma arma adicional, os orcs seriam dizimados pela sabedoria e tecnologia superior dos draenei.

Levantou-se e deixou a tenda. Acendeu uma fogueira para afastar a friagem da alvorada e comeu a carne fria em
silêncio. Assim que quebrou seu jejum e viu o céu clarear, percebeu um mensageiro se aproximar. Sem parar, ele
jogou um pergaminho para Durotan e seguiu em frente. Ele o desenrolou e fechou seus olhos para o conteúdo.

Haveria outra reunião em dois dias, e nela os chefes deveriam eleger um líder que falasse em nome de todos.
Decidir por eles. Iriam eleger um que seria chamado Chefe Guerreiro.

Um toque suave afagou seus cabelos. Olhou para cima e viu Draka lendo a carta por cima de seu ombro.

“Você poderia até ficar em casa,” disse bruscamente. “O desfecho já está decidido de qualquer jeito.”

Ele sorriu com tristeza. “Você não costumava ser tão cínica, minha amada.”

“Não costumava viver em tempos como esse.” foi tudo o que ela disse. Em seu coração sabia que ela estava certa.
Havia apenas um orc que era bem conhecido e carismático o bastante para ganhar votos suficientes para ser Chefe
Guerreiro. Grom Hellscream poderia ser algum desafio para Blackhand, mas Hellscream era muito impulsivo para ser
confiado a essa tarefa. Ele havia sido uma figura visível desde o início, primeiro opondo-se e depois apoiando
Ner’zhul. Eram seus xamãs que haviam tornado-se os primeiros bruxos. Havia sido vitorioso mais vezes contra os
draenei do que qualquer um.

Draka, como na maioria das vezes, estava certa sobre isso. E dois dias mais tarde assistiu com um olhar tedioso
enquanto os votos dos chefes dos clãs eram somados e como Blackhand do clã Blackrock foi escolhido. Viu que
vários olhavam em sua direção ao que o nome de Blackhand foi anunciado por Gul’dan, e o grande orc aceitava o
título com falsa modéstia. Durotan nem se deu o trabalho de contestar. De que adiantaria? Já estava sob suspeita de
deslealdade. Nada do que dissesse poderia mudar o que estava decidido.

Em um determinado momento, olhou para Orgrim. Para os outros, o olhar do segundo em comando do clã
Blackrock mostrava firmeza e apoio ao seu líder. Mas Durotan o conhecia melhor do que qualquer um e viu um leve
franzido na testa e o maxilar endurecido, que indicava que estava tão descontente quanto ele com essa decisão. Mas
Orgrim também não estava em posição para fazer objeções. Mas torcia para que a proximidade de seu amigo com
Blackhand pudesse ajudar a diminuir o prejuízo que certamente o novo líder faria.

Blackhand agora estava de pé, acenando e sorrindo para a plateia animada. E apesar de não se opor, também não
via razão para aplaudir um orc que representava tudo o que ele mais desprezava.
Orgrim estava atrás à direita de seu líder. Gul’dan olhava Blackhand com respeito e Durotan sabia que o xamã
estava manipulando as coisas, apesar de não saber como.

“Queridos irmãos e irmãs!” começou Blackhand. “Recebi de vocês essa honra. Irei provar-me um Chefe
Guerreiro digno desse mar de guerreiros nobres. Nós aprimoramos nossas armas e armaduras a cada dia. E agora
rejeitamos os imprevisíveis elementos e adotamos o verdadeiro poder – poder que nossos bruxos controlam e
manejam sem rastejar ou humilhar-se para ninguém. Isso é liberdade! Isso é força! Temos um propósito, um foco
claro. Iremos varrer os draenei das nossas terras. Não serão capazes de resistir a essa maré de guerreiros e bruxos, esta
Horda arrebatadora. Somos seu pior pesadelo. Para a batalha!”

Levantou seus braços e gritou. “Pela Horda!”

E milhares de vozes apaixonadas seguiram. “Pela Horda” Pela Horda! Pela Horda!

Indignados demais para ficar, Durotan e Draka retornaram ao lar logo depois da eleição do líder. Os xamãs
ficaram para poder treinar. Quando retornaram, muitos dias depois, Durotan viu que estava confiantes e orgulhosos de
novo. Essa nova magia restaurou a confiança em si mesmos; algo que havia evaporado como o orvalho da manhã,
quando os elementos os deserdaram. Durotan estava agradecido por isso. Amava seu clã e sabia que eram pessoas
boas, não gostava de vê-los abalados e desanimados.

No começo praticavam em animais, juntando-se aos grupos de caça e mandando as estranhas criaturas atrás de
fenocerontes e talbuques. Durotan ainda sentia-se apreensivo com a agonia que as vítimas sofriam. Com o passar do
tempo, as criaturas sofriam menos – não porque a dor havia diminuído, mas porque os bruxos aprenderam a matar de
maneira mais rápida e eficaz. A inclusão destes estranhos “ajudantes”, ou “bichos de estimação”, como alguns bruxos
afetuosamente se referiam aos seres que ficavam sob seu controle, parecia fazer toda a diferença.

Blackhand pareceu gostar da sua nova posição. Mensageiros apareciam diariamente com pergaminhos e tanto
eles quanto seus lobos estavam cada vez mais adornados. Durotan admitiu que saber o que acontecia com os outros
clãs era útil.

Mas um dia, alguém que não era um mensageiro, chegou ao acampamento. Reconheceu o traje; o orc montado
em um lobo com uma capa preta lustrosa e peculiar era um dos bruxos pessoais, Kur’kul. Parou seu lobo, desmontou e
fez uma reverência a Durotan.

“Chefe, uma palavra vinda do Chefe Guerreiro.” disse com uma voz aparentemente agradável. Durotan aquiesceu
e gesticulou para que o bruxo o acompanhasse. Andaram até estarem certos de que não era possível ouvi-los.

“O que pode ser que Blackhand queira ao mandar um de seus mais importantes bruxos?” perguntou.

Kur’kul sorriu em volta de suas presas. “Estou indo em todos os clãs.” disse claramente com a intenção de
colocar Durotan em seu lugar. Os Frostwolves não eram particularmente honrados. Durotan grunhiu e cruzou os
braços, esperando.

“O fator mais importante em nossa eventual vitória gloriosa sobre os draenei são números.” continuou. “Eles são
poucos e somos muitos. Mas precisamos de mais.”

“E o que Blackhand deseja então?” resmungou. “Devemos parar de lutar e copular?”

O mensageiro não piscou. “Não deixar de lutar, mas sim…encorajar nossos guerreiros a procriar. Receberão
recompensas por cada criança que venha a nascer em seu clã. Isso vai ajudar. Mas infelizmente, precisamos de mais
guerreiros agora, não daqui seis anos.”

Durotan o encarava pasmo. Seu comentário era apenas uma piada grosseira. O que estava acontecendo.

“Crianças começam a treinar com seis anos.” prosseguiu Kur´kul. “São fortes o bastante para batalhar com doze
anos. Convoque todos os jovens.”
“Não entendo. Convocá-los para que?”

O mensageiro suspirou como se Durotan fosse uma criança tola. “Tenho a habilidade de acentuar seu
crescimento. Iremos…acelerá-los um pouco. Se pegarmos todos os jovens entre seis e doze anos e deixá-los todos
com doze anos, dobraremos nossos números nos campos de batalha.”

Durotan mal pôde acreditar no que ouvia. “Absolutamente não!”

“Temo que não tenha escolha. É uma ordem. Qualquer clã que se recuse a obedecer será marcado como traidor
da Horda. O clã será exilado e seu líder e companheira…executados.”

Durotan estava hipnotizado. Kur’kul entregou o pergaminho. Leu com as mãos tremendo de raiva e viu que o
bruxo havia falado a verdade. Ele e Draka seriam mortos e o clã exilado.

“Você seria capaz de roubar-lhes a juventude, então?”

“Pelo futuro deles? Sim. Irei drenar um pouco de suas vidas…o equivalente a seis anos. Não sofrerão danos. As
crianças Blackrock com certeza não sofreram. Blackhand inclusive insistiu que seus três filhos fossem os primeiros a
serem honrados. Em troca serão capazes de lutar pela glória da Horda agora, quando podem fazer diferença.”

Durotan não estava surpreso por saber que havia deixado que fizesse isso com seus filhos. Pela primeira vez
sentiu-se agradecido por ter poucas crianças em seu clã. Apenas cinco que se encaixavam no requisito. Releu a
mensagem sentindo fúria e náusea ao mesmo tempo. Essas crianças deveriam ter direito de serem crianças.

O bruxo esperava pacientemente. Então Durotan disse com um tom propositalmente ríspido para esconder sua
dor. “Faça o que deve fazer.”

“Pela Horda!” disse Kur’kul.

Durotan não respondeu.

O que aconteceu depois foi bárbaro.

O chefe dos Frostwolves tentou parecer impassível enquanto o bruxo lançava o feitiço nas cinco crianças que se
contorciam de dor, gritando e debatendo-se no chão ao que seus ossos e peles eram esticados e músculos cresciam de
maneira não natural. Uma corda de um verde doentio ligavam as crianças e o bruxo, como se sugassem a vida delas. A
expressão de Kur’kul era de êxtase. Se as crianças sofriam, ele com certeza não sofria. Por um momento Durotan
achou que o bruxo não iria parar nos doze anos e continuaria a sugar suas vidas até que estivessem velhos e murchos.

Mas felizmente parou. Os jovens orcs – não mais crianças – permaneceram onde eles haviam caído no instante
em que a drenagem começou. Por um longo tempo eles não podiam se levantar, e quando tentavam, choramingavam
baixinho, mas profundamente, como se não tivessem mais força para qualquer outra coisa.

Durotan virou-se para o bruxo. “Você terminou o que veio fazer. Vá embora.”

Kur’kul pareceu ofendido. “Chefe Durotan, você-“

Durotan o levantou pela frente do seu manto escarlate. Medo transpareceu no rosto do outro orc.

“Vá embora. Agora.”

Durotan o empurrou com força e Kur’kul tropeçou de costas, quase caindo. Ele olhou furioso para Durotan.

“Blackhand não ficará satisfeito em ouvir isso”, Kur’kul rosnou. Durotan não se atreveu a responder; se mais
alguma palavra saísse de sua boca, ele sabia que seria o fim do seu clã. Ao invés disso, ele se virou, tremendo de raiva,
e foi até as crianças, que não eram mais crianças.
Por algum tempo depois daquilo, nada foi pedido do clã Frostwolf, a não ser mais treinamento intensivo e seus
relatórios sobre o treinamento, e Durotan estava aliviado e apreensivo. De alguma forma, quando Blackhand e
Gul’dan escolhessem notá-lo, a tarefa que lhe seria designada seria uma difícil.

Ele não seria desapontado.

Enquanto estava olhando um novo padrão de armadura feito pelo ferreiro, um mensageiro em seu lobo chegou ao
acampamento, jogou um pergaminho para Durotan, virou sua montaria e partiu. Durotan desenrolou a mensagem e
seus olhos arregalaram. Olhou rapidamente para orc e percebeu que não ser um mensageiro oficial.

Velho amigo,

Tenho certeza que não é surpresa para você que está sendo observado. Eles irão definir uma tarefa para você,
uma que sabem que pode completá-la. E assim você deverá fazer. Não sei o que farão se recusar, mas temo pelo pior.

Não havia uma assinatura, não era necessário. Durotan conhecia a letra expressiva de Orgrim. Amassou o
pergaminho e jogou na fogueira, vendo-o retorcer e enrolar em si mesmo como um ser vivo, ao que as chamas o
consumiam.

Orgrim enviou o aviso na hora certa, Na mesma tarde, uma mensageira vestindo o tabardo oficial aproximou-se e
entregou uma mensagem ao chefe Frostwolf. Aceitou e colocou-a de lado, não queria lidar com isso agora.

Mas a mensageira parecia inquieta. Não desmontou, mas não foi embora.

“Fui instruída a esperar por uma resposta.” disse após uma pausa desconfortável.

Durotan concordou e abriu a mensagem. A letra era requintada, e sabia que Blackhand havia ditado a carta; o
Chefe Guerreiro, por mais astuto e esperto que fosse, era quase iletrado.

Era pior que doe imaginava. Manteve sua expressão neutra, embora Draka estivesse observando-o com cuidado.

Para Durotan, filho de Garad, chefe do clã Frostwolf, Blackhand, Chefe Guerreiro da Horda envia saudações.

Você teve tempo para veras habilidades dos bruxos recentemente treinados em ação. É hora de atacar nossos
inimigos. A cidade draenei de Telmor fica perto de suas terras. Será instruído a formar um grupo de guerra e atacá-los.
Orgrim me disse que, quando jovens, vocês entraram na cidade. E que viu o segredo de como os draenei a deixam
invisível. Disse-me também que se lembra de como expô-la para que nossos guerreiros ataquem.

Tenho certeza que não preciso dizer o que a destruição da cidade significaria para a Horda. E para o clã
Frostwolf. Responda essa mensagem imediatamente e começaremos os preparativos para o ataque.

A assinatura era um impresso da mão direita de Blackhand.

Durotan estava furioso. Como Orgrim podia ter revelado essa informação. Era tão devoto a ponto de contar ao
Chefe Guerreiro sobre este incidente colocando-o em evidência? A raiva diminuiu quando percebeu que essa
informação poderia ter sido passada em alguma conversa tido ao longo desses anos. Blackhand era inteligente o
bastante para pegar qualquer resquício de informação e guardar até a hora certa de usá-la.

Durotan pensou em mentir, e dizer que não se lembrava das palavras que Restalaan tinha dito para tirar a ilusão
que mantinha a cidade draenei segura e longe dos olhos dos ogros…e agora os olhos dos orcs.Já fazia muito tempo e
havia escutado apenas uma vez. Qualquer um já teria esquecido. Mas a ameaça na mensagem era tão mal velada que
beirava o ridículo. Se Durotan concordasse em ajudar no ataque, provaria sua lealdade a Horda, a Blackhand e a
Gul’dan pelo menos por enquanto. Caso recusasse alegando não lembrar as palavras que o novo líder queira que
falasse…bem, como Orgrim, temia pelo pior.

O mensageiro ainda esperava.

E Durotan tomou a única decisão que poderia.

Olhou para o mensageiro, rosto tranquilo. “Farei conforme o Chefe Guerreiro manda claro. Pela Horda!”

O mensageiro parecei aliviado e um pouco surpreso. “O Chefe Guerreiro ficará feliz em ouvir isso. Fui instruída
a entregar-lhe isto.” Pegou um pequeno saco de sua bolsa e entregou. “Seus guerreiros e bruxos precisarão disso para
treinar.”

Durotan acenou. Sabia o que eram: Coração da Fúria e Estrela Brilhante que tirou de Velen. Essas pedras foram o
motivo pelo qual foi salvo da ira de Ner’zhul. Agora, as usaria contra as pessoas das quais tirou.

“O Chefe Guerreiro irá contatá-lo em breve.” disse a mensageira ao virar seu lobo e ir embora. Durotan a
observou. Draka foi para seu lado. Passou a carta para ela, e entrou na tenda.

Alguns minutos depois ela o acompanhou, colocando seus braços em volta dele enquanto enterrava seu rosto nas
mãos e lamentava os eventos ocorridos que o levaram a tomar essa decisão forçada.

Alguns dias depois um grupo foi reunido no acampamento Frostwolf. A maioria dos guerreiros e dos bruxos era
do clã Blackrock, mas havia alguns dos clãs Warsong e Shattered Hand. Até o mais ignorante dos Frostwolves
percebia o clima de desconfiança dos visitantes. Sabia que não era por acaso que os orcs eram dos clãs mais
agressivos. Estavam lá para assegurar que ele não falhasse em nenhum momento crucial. Perguntou-se qual deles foi
designado para cortar sua garganta no primeiro sinal de hesitação. Torcia para que não fosse Orgrim. Os amigos
trocaram algumas palavras e Durotan pôde ver arrependimento no rosto de seu amigo. Estava grato pelo menos por
aquilo.

Um mensageiro havia sido mandado antes para que fossem arrumadas muitas fogueiras e alimentação para os
“convidados”.

Na alvorada, o grupo de guerra – um pequeno exército de orcs – movimentava-se. Passaram pelos campos que
envolviam a Floresta Terokkar, onde há muito tempo Orgrim e Durotan correram como jovens e foram surpreendidos
com a aparência de um ogro.

Nenhum dos pesados gigantes perturbava a vasta onda de orcs enquanto eles marchavam a caminho do seu
destino naquela manhã. Durotan estava à frente montado, ao lado de Orgrim e Nightstalker. Eles eram silentes, mas
Durotan não ignorou o fato dos olhos e Orgrimm demorar-se no local onde dois garotos foram resgatados por
guerreiros draenei.

“Longos anos se passaram desde que passamos por aqui”, Durotan disse.

Orgrim assentiu com a cabeça. “Eu não tenho nem certeza se estamos na direção correta. A floresta e os campos
mudaram e cresceram, e naquela época as marcações já eram poucas e preciosas.”

Durotan disse pesaroso, “Eu lembro o caminho”. Ele desejou que não. Uma pilha de pedras aqui, uma vegetação
esquisita ali era o suficiente para guiá-lo. Aquilo não parecia nada para os outros. Blackhand havia dito para as tropas
que os draenei eram capazes de camuflar sua cidade. Mesmo assim, os ouvidos afiados de Durotan captaram pequenos
murmúrios de preocupação. Ele franziu as sobrancelhas.

“Nós estamos nos aproximando”, ele disse. “Devemos ser silenciosos. Há uma grande chance de já termos sido
vistos e reportados.”
O grupo de guerra então ficou quieto. Com alguns gestos, Orgrim enviou alguns de seus batedores para
reconhecer a área. A mente de Durotan voltou àquele crepúsculo, quando ele também estava preocupado com onde
estavam indo e o que os draenei tinham planejado.

Ele parou seu lobo e desmontou. Nightstalker balançou a cabeça e coçou as orelhas, displicente. Foi aqui…. ou
perto daqui…Durotan sentiu uma esperança desesperada de que talvez os draenei lembrassem que haviam exposto seu
segredo para ele, que tivessem trocado o local onde a pedra mágica, de que sua segurança depende, ficava escondida.

Não havia uma pedra falsa em baixo onde a gema verde ficava escondida. A memória de Durotan não lhe servia
de ajuda em descobrir isso. Ele se concentrou, andando lentamente, ouvindo o tilintar da armadura e o suave ressoar
do metal, enquanto os outros observavam e esperavam. Ele fechou os olhos para ajudar na concentração e viu de novo
Restalaan ajoelhando no chão, movendo as folhas e as espinhas do pinheiro para revelar-

Durotan abriu os olhos e deu alguns passos para a esquerda. Ele disse uma breve oração aos ancestrais; se era
buscando ajuda em encontrar a pedra ou não encontrá-la, ele não estava certo. Mãos metálicas desceram e empurraram
as camadas de detrito e então tocaram algo gelado e duro.

Agora não há mais volta.

Durotan fechou seus dedos ao redor da gema e a pegou.

Até neste conturbado estado mental ele podia sentir a pedra emanando uma reconfortante energia. Ela estava
alojada na palma de sua mão como se lá pertencesse. Durotan passou seu dedo indicador esquerdo sobre a pedra,
prolongando o momento antes que tudo mudasse irrevogavelmente.

“Você encontrou,” sussurrou Orgrim, que silenciosamente apoiou o amigo. Durotan estava tomado de emoções e
não conseguia falar por um momento. Ele apenas assentiu com a cabeça, e então arrancou seu olhar da bela e pulsante
pedra, para ver os rostos pasmos, que fitavam o tesouro que ele segurava.

Orgrim maneou a cabeça bruscamente. “Fique em posição”, ele disse. “Nós fomos afortunados o suficiente por
não ter havido um sinal de alerta.”

A pedra era tão tranquilizante de segurar, Durotan não queria nada além do simplesmente ficar parado e olhar o
seu interior, mas ele sabia que já tinha feito sua escolha. Ele respirou fundo e disse as mesmas palavras que Restalaan
havia dito no mesmo lugar há tanto tempo.

“Kehla men Samir, solay lamaa kahl.”

Ele queria acreditar que seu grosseiro sotaque orc não ativaria a pedra. Que ele seria capaz de cumprir suas
obrigações com o seu povo sem precisar devastar uma pequena cidade cheia de civils, mas aparentemente as palavras
foram entendidas por qualquer força que controlasse a gema verde. A ilusão já estava desaparecendo, as árvores e
pedras tremeluzindo até desaparecer, e diante do grupo de guerra orc, uma larga e pavimentada estrada, como um
convite.

Eles não precisavam de mais motivação. A gloriosa cidade dos draenei jazia à sua frente, com gritos vindos de
milhares de gargantas, os orcs caíram sobre eles.
Capítulo 15

Dreak’Thar conta com uma voz entrecortada de glórias arruinadas, belezas destruídas e do massacre de crianças. Ao
contar sua história, uma desculpa velada: Parecia tão certo na época. Imagino que deveria parecer. Parecia ser justo.
Posso apenas rezar para os ancestrais que eu nunca seja colocado na mesma posição que meu pai. – dividido entre o
que sei em meu coração estar certo e o bem-estar do meu povo. E é por isso que continuo a lutar para sustentar a tênue
paz entre nós e a Aliança.

Porque poucas ofensas e insultos neste ou em qualquer outro mundo são suficientes para justificar o massacre de
crianças.

Mais tarde, Durotan se perguntaria como a cidade de Telmor não recebeu nenhum aviso prévio da onda de orcs
montados. Nunca seria capaz de falar com um draenei para descobrir. Podia apenas presumir que os draenei eram tão
confiantes na camuflagem ilusória, que nunca ocorreu a eles a ideia de que poderia ser rompida.

A atmosfera calma foi quebrada pelo som dos gritos de guerra e uivos dos lobos enquanto aqueles que os
montavam atacavam as ruas da cidade. Vários draenei desarmados foram mortos nos primeiros segundos do ataque. A
pavimentação branca logo estava azul pelo sangue derramado, mas não demorou muito para os guarda contra
atacarem.

Durotan jogou a pedra dentro de sua bolsa no momento que terminou de usá-la; seria adicionada a vermelha e a
amarela que tirara de Velen. Montou rapidamente e percorreu o caminho com uma determinação sombria e machado
pronto. Embora tivesse feito um juramento pessoal de que não atacaria um inimigo desarmado ou uma criança, ele
também fez uma escolha e estava preparado para matar ou morrer por ela.

A primeira onda lotou a cidade. Um rio de orcs bifurcou-se em afluentes, jorrando dentro dos edifícios públicos
grandes e esféricos que se ramificaram em cada lado da rua e subiam os grandes degraus de pedra. Os bruxos estavam
na retaguarda. Suas criaturas eram obedientes e silenciosas, menos os pequenos que murmuravam constantemente
entre suspiros. Esperavam pelo momento certo para descer uma chuva de fogo, ou bolas de escuridão e várias
maldições de tormento. Os guerreiros surgiam cobertos de sangue, suas pegadas deixadas nos degraus ao continuarem
para o próximo edifício.

Os guardas draenei estavam nas ruas agora, lançando suas próprias magias. Durotan virou-se em sua sela a tempo
de bloquear um golpe de espada que flamejava com energia azulada. A espada ressoou contra a cabeça do machado e
estremecendo seus braços e ossos. Mas isso não era nada comparado com o choque que sentiu ao reconhecer seu
ofensor.

Pela segunda vez ele e Restalaan encontravam-se em batalha. Durotan poupou Velen e em troca foi poupado por
Restalaan quando estava impotente ante os guerreiros draenei. O orc percebeu que foi reconhecido pelos olhos azuis
brilhantes.

As dívidas entre eles estavam quites. Não haveria misericórdia.

Restalaan gritou algo em sua língua musical. Derrubou-o da sua montaria ao invés de atacá-lo de novo. Durotan foi
pego de surpresa e antes de entender o que acontecia, estava deitado no chão ante seu inimigo. Buscou seu machado
ao que Restalaan atacou com sua espada, e ao fechar sua mão no cabo pensou que não seria rápido o bastante.

No entanto, Nightstalker foi treinado quase tão bem quanto o orc que carregava. Ao sentir que este não estava
mais em suas costas, ele virou-se para Restalaan. Grandes dentes mastigaram o braço do draenei. Se não fosse pela
armadura, o braço teria sido arrancado naquele instante. Mas a pressão tinha sido o bastante para que derrubasse sua
espada. Com um grunhido, Durotan brandiu seu machado o mais forte que conseguiu. Bateu violentamente contra o
torso do draenei, e seu gume afiado cortando a armadura e ferindo a carne.
Restalaan caiu de joelhos, seu braço inútil ainda preso aos dentes de Nightstalker. O lobo branco mordeu fundo,
rosnando, pressionando como se o braço do draenei fosse um pequeno animal. Em instantes, o lobo iria arrancá-lo.
Sangue jorrou da ferida. Não fez nenhum som, apesar da agonia que deveria estar passando.

Durotan ficou de pé e atacou de novo, desta vez um golpe letal – um golpe de misericórdia. Restalaan encurvou e
imediatamente o lobo soltou o braço. O capitão dos guardas de Telmor estava morto.

Durotan não se permitiu lamentar. Montou rápido em Nightstalker e procurou seu próximo alvo. E havia muitos.
A cidade com certeza não era do tamanho de Shattrath, a capital, mas era grande o bastante. Havia bastante draenei
para matar. A atmosfera estava repleta com gritos de sede de sangue, de dor e medo, do ressoar da espada no escudo e
a crepitação de feitiços sendo lançados. Odores assaltaram suas narinas, de sangue, fezes e urina, e do inconfundível e
único fedor de terror.

Sentiu-se bem com a cólera fervendo dentro dele. Seus sentidos nunca foram tão aguçados e parecia mover-se
sem pensar. Ali perto – outro dos guardas lutando com Orgrim. Ficou apreensivo pensando em adiantar-se para ajudar
seu amigo, mas a Doomhammer brandiu no ar e esmagou o crânio do inimigo apesar do elmo. Durotan sorriu
ferozmente. Orgrim não precisava de ajuda.

Sentiu uma presença ao seu lado antes de poder escutar ou farejá-la, e virou-se, urrando o grito de guerra de seu
clã. Ergueu seu machado coberto de sangue e preparou-se para brandi-lo.

A criança acabara de sair da puberdade, mas gritava em fúria ao arranhar com as mãos vazias sua perna protegida
pela armadura. Lagrimas corriam em seu pálido rosto azul e seus dentes estavam cerrados. Sangue azulado, muito para
ser apenas o dela, empapava seu vestido a ponto de grudar no corpo. Esmurrava-o inutilmente, seus olhos cheios de
lágrimas queimavam de dor e fúria de justiça.

Por um horrível segundo ela pareceu ser a mesma garota que Durotan e Orgrim encontraram anos atrás. Não
podia ser – certamente aquela garota era uma adulta agora. Ou era ela? Mas não importava. Era uma criança que,
brava e estupidamente, estava tentando atacar um guerreiro orc montado com suas próprias mãos.

E foi com enorme esforço que segurou seu ataque na metade do caminho. Não iria machucar uma criança – não
era esse o código, não era o jeito dos orcs-

De repente a garota congelou. Seus olhos se arregalaram. Abriu a boca e sangue jorrou. O olhar de Durotan
baixou de seus olhos para seu torso, e pode ver a ponta da lança levantando o tecido ensopado de sangue. Antes que
Durotan pudesse reagir, o orc do clã Shattered Hand que assassinou a garota jogou a lança para o lado, obrigando o
corpo a cair no chão, e colocou sua bota no ombro da garota. Grunhindo, puxou a lança e sorriu para Durotan.

“Você me deve uma, Frostwolf.” disse, e sumiu na multidão de matadores e vítimas.

Durotan jogou sua cabeça para trás e gritou sua agonia para os ancestrais.

Assim continuaram os orcs, deixando cadáveres em seu rastro. A grande maioria de mortos eram draenei, mas
aqui e ali aparecia um corpo castanho de um orc caído. Alguns orcs que ainda viviam, gritavam por ajuda, mas suas
súplicas não foram ouvidas. Xamãs podiam curá-los com seus feitiços, mas aparentemente a magia dos bruxos não
abrangiam as artes da cura. Então jaziam onde haviam caído, alguns arfando seus últimos suspiros ao lado do draenei
que haviam matado enquanto a onda irreversível despejava-se adiante.

Seguiam pelas ruas através dos pés da colina, entrando em cada construção e matando quem encontrassem.
Certamente alguns draenei se esconderam, pensou Durotan, e rezavam para que não fossem achados. Não achava que
essas preces seriam atendidas. Uma vez que a primeira rodada de massacre fosse completada, haveria os saques e a
procura por aqueles que escaparam do ataque. Ele sabia. Foi planejado assim.

Alcançaram o maior edifício até então, aquele que ficava mais alto na montanha, e Durotan reconheceu
imediatamente. Era a casa do magistrado, onde ele e Orgrim tinham jantado com o Profeta. Pensou com amargura que
Velen não era bem um profeta, se não previu esta situação negra. Nightstalker apressou-se pelos degraus e Durotan
não conseguiu evitar. Durotan virou a cabeça e olhou sobre os ombros, em direção da cidade lá embaixo, exatamente
como fez a primeira vez que subiu esses degraus com seus próprios pés.

Naquela época, a cidade draenei entendia-se como joias em um prado. Agora, parecia o oposto do que foi – uma
cidade tomada, quebrada, com sangue e a morte de não apenas de seus cidadãos, mas de qualquer esperança de paz,
trégua ou negociação. Durotan fechou brevemente seus olhos com pesar.

Tenho orgulho do meu povo e de nossa cidade, havia ditoe Restalaan, seu corpo jazia morto e rijo na rua branca
junto com incontáveis draenei. Trabalhamos duro aqui. Amamos Draenor. E nunca pensei que teria chance de dividir
isso com um orc. As armadilhas do destino são definitivamente estranhas.

Mais estranha do que qualquer jovem orc ou guarda draenei poderia imaginar.

Os cômodos que fizeram os dois jovens orcs sentirem-se confinados anos atrás, agora parecia totalmente
claustrofóbico repleto de dúzias de guerreiros orcs. Maioria estava vazio; houve tempo para evacuar todos os draenei,
exceto aqueles que juraram lutar a serviço da cidade. E esses guardas que os atacavam agora, morreram. A bela
mobília ornada foi usada como arma, lançada na cabeça dos draenei, a quebradeira acrescentando à emoção da luta.
Orcs fazendo buracos nas paredes macias com socos pelo simples prazer de fazê-lo. Camas rasgadas, e estátuas
destruídas por machados ou martelos.

Durotan havia chegado ao seu limite. “Pare!”, gritou, mas ninguém o escutou. As criaturas controladas pelos
bruxos pareciam contentes com esse comportamento. Mas a hora da destruição já havia passado e a implacável
selvageria dos orcs não serviria de nada agora que os habitantes de Telmor estavam mortos ou haviam fugido.

“Pare!” gritou novamente. Desta vez Orgrim o escutou e também gritou. O representante do clã Warsong também
balançou a cabeça, como se para livrar-se de algo nebuloso e obscuro, e então também tentou acalmar seus guerreiros.
Drek’Thar, junto com outros bruxos não ficou perdido na sede de sangue como os outros, então parou os que ainda
lançavam feitiços.

“Escutem!” rugiu Durotan. A maioria já havia chegado ao cômodo onde havia jantado com Velen. Aquele estava
vazio, cadeiras e mesas reviradas, as tapeçarias da parede rasgadas e jogadas no chão.

“Tomamos a cidade, é hora de tirar dela o que precisamos!”

Estavam escutando agora, sua respiração em fôlegos que enchiam o quarto com um som rouco. Mas pelo menos
eles pararam de usar suas armas em qualquer coisa que se mexia…ou às vezes no que não se mexia.

“Primeiro vamos ajudar os feridos,” ordenou. “Não deixaremos que nossos irmãos sofram nas ruas.”

Alguns pareciam sentir culpa por isso. Durotan percebeu que muitos haviam esquecido completamente que
alguns dos seus ainda permaneciam se contorcendo de dor lá fora, enquanto praticavam a destruição gratuita da
estátua do magistrado. Afastou esses pensamentos e acenou para Drek’Thar. Os bruxos podem não ter magias de cura,
mas eles haviam sido xamãs, e sabiam como cuidar das feridas da batalha de uma maneira mais mundana. Drek’Thar
gesticulou para vários bruxos e eles voltaram pelo caminho de onde tinham vindo.

“Agora, essa cidade tem suprimentos dos quais nunca havíamos visto. Há alimentos em abundancia, armas,
armaduras e outras coisas que não conhecemos. Coisas que servirão a Horda em sua busca para-“

Ele não pode terminar a frase como planejou: Em sua busca para varrer os draenei. Ao invés disso, disse
desajeitado, “Em sua busca. Somos um exército. E um exército marcha junto com seu estômago. Precisamos estar bem
alimentados, bem hidratados, curados, descansados e protegidos. Orgrim – você pega um grupo e comece pelo fim.
Guthor, pegue outro e vá direto para os portões. Avance até encontrar o grupo de Orgrim. Qualquer um que tenha
qualquer conhecimento de cura, apresente-se a Drek’Thar e faça exatamente como ele mandar.”

“E os draenei que encontrarmos vivos?” perguntou alguém.


Realmente, o que fazer? Não havia estrutura para cuidar dos prisioneiros, e no final, o único propósito para
prisioneiros, seria para negociar. Uma vez que ficou bem claro que a única finalidade da Horda era o total extermínio
da raça draenei, não havia motivos para fazer prisioneiros.

“Mate-os.” disse roucamente. Esperou que essa falha em seu tom de voz fosse interpretada como uma fúria crua
do que a dor agonizante que era. “Mate todos eles.”

Ao que os orcs correram para obedecer a suas ordens, Durotan se pegou desejando que Nightstalker não tivesse
sido tão rápido em protegê-lo. Teria sido mais fácil se tivesse perecido pela mão de Restalaan do que ter proferido
aquelas palavras.

Com alguma sorte, durante essa campanha horrível para apagar uma espécie que nunca levantou a mão para eles,
a morte acharia Durotan cedo ou tarde.
Capítulo 16

O Concílio das Sombras.

Mesmo agora, depois de tanto tempo, sabemos muito pouco sobre quem eram e suas atividades. Gul’dan levou
muitos segredos para o tumulo. E que lá apodreça. Já é difícil para eu entender como um ou dois poderiam corromper-
se por poder a ponto de condenar seus descendentes; mas terem sido tantos – nem sei o número ao certo – vai além da
minha limitada imaginação.

Mesmo assim, esses números não teriam importado se não fossem pelos demônios que os tinham em suas mãos.
Regozijo-me com sua dor; condeno com cada fibra do meu ser o que fizeram àqueles que os obedeceram por
confiança.

“Foi um teste excelente,” aprovou Kil’jaeden, sorrindo para seus subordinados. Gul’dan fez uma reverência,
olhos brilhando com a aprovação de seu mestre. Ner’zhul agachou, olhos fixos no chão. Independente disso, ele estava
escutando.

“Confesso ter ficado surpreso por Durotan ter sido capaz de executar nossas ordens,” disse Gul’dan. “Achei que
resistiria, ou ao menos restringiria determinadas ações dos seus orcs. Mas a cidade está destruída e conquistada,
mestre. Todos os draenei que lá viviam não mais estão lá – a maioria morta.”

“’Maioria’ não é o bastante, Gul’dan. Você sabe disso.”

O bruxo encolheu com a crítica. Havia se perguntado algumas vezes sobre a ligação entre Kil’jaeden e os draenei
e a causa do desprezo do Grandioso. “Foi a primeira tentativa de levar a batalha até eles, do que apenas atacar grupos
isolados de caça.” respondeu, surpreso com sua audácia. Kil’jaeden inclinou a cabeça, considerou e concordou.

“Verdade. E ainda há tempo.”

Já havia passado vários dias desde a queda de Telmor. Gul’dan, impressionado com o serviço feito por Durotan e
tentou oferecer a cidade para o clã Frostwolf como prêmio, mas o líder recusou e declarou que o clã continuaria a
viver em suas terras ancestrais.

No entanto, o clã Blackrock não foi tão tolo. Blackhand e família agora deitavam em camas onde antes o magistrado
da cidade dormira. Os orcs não sabiam o que fazer com os adereços dos draenei no começo, mas agora começaram a
incorporar o estilo de vida de suas vítimas. Sentavam-se em cadeiras, alimentavam-se a mesa, treinavam com armas
draenei, adaptaram as armaduras ao porte mais corpulento do orc. Poucas orquisas e muitos orcs do clã Blackrock
adicionavam vestimentas draenei às tradicionais túnicas e culotes. Gul’dan sabia que muitos se perguntavam por que
ele, ou Ner’zhul não ficaram com a cidade para eles. Apesar de tentador, ele foi muito bem aconselhado por seu
mestre. Confortos materiais eram agradáveis, mas poder era mais doce, e quanto menos reivindicava para si
publicamente, seu alcance ficaria em segredo. Kil’jaeden não o decepcionaria contanto que fizesse bem o trabalho.
Alguns itens foram trazidos para esse novo lugar, que ele chamava de casa – uma mesa circular enorme, esculpida em
madeira incrustada com pedras e conchas que brilhavam suavemente, junto com belas cadeiras.

Gul’dan aproximou-se da mesa grande, passando seus dedos pela superfície polida e sorrindo para si. Só restava
convocar quem acreditava que responderia. Alguns nomes eram óbvios. Outros apareceriam apenas com forte
concentração. Mas já tinha uma lista grande o bastante para ser abrangente, e curta o bastante para
ser…providenciada.

Logo, bem antes do que esperava, o Concílio das Sombras seria formado. Enquanto por fora, Gul’dan estava
progredindo os orcs como raça, dando poder e eliminando o “inimigo” draenei, um punhado de orcs tão corrompidos e
sedentos de poder quanto ele, os manipularia.
Não era uma questão dos orcs como raça.

Nunca foi uma questão dos orcs como raça.

Era uma questão de poder – obter, exercer e manter. Ner’zhul nunca compreendeu isso. Gostava de poder, mas
não estava disposto a alimentar sua fome. A finalidade que Kil’jaeden exigia.

Decepção, mentiras, manipulação – até Blackhand, que acreditava estar por dentro de todas as tramas, não fazia
ideia da vastidão das ambições de Gul’dan. Era tão grande quanto o desejo de Kil’jaeden destruir os draenei. Tão
enorme quanto o céu, profundo como os oceanos, aguda como a fome.

O bruxo olhou com desprezo o velho orc, que fora seu mestre, sentado encolhido no canto. Seu olhar então
encontrou os olhos ardentes de Kil’jaeden e ele aquiesceu.

“Convoque-os.” assegurou. Um sorriso formou em seus lábios, mostrando seus dentes brancos afiados.
“Responderão ao seu chamado. E dançarão conforme a música. Irei garantir isso.”

Aliados.

Eles precisavam de aliados.

Gul’dan estranhou Kil’jaeden não perceber isso. De fato os orcs eram poderosos, principalmente quando
controlados e direcionados de maneira apropriada. Os longos meses, mais de um ano, que essa guerra se alongou
apenas acentuou isso. As melhores mentes orcs trabalhavam para entender como a tecnologia draenei funcionava.
Construções começavam no centro da fortaleza, a qual Gul’dan chamava de Cidadela, onde um exército poderia ser
tranquilamente alojado, treinado e equipado. Os orcs nunca haviam tentado nada parecido com isso e o bruxo estava
orgulhoso de ter tido a ideia. Eram guerreiros, eram xamãs – agora, claro, bruxos – curavam e eram artesãos. Os três
primeiros tinham objetivos claros e muitas oportunidades para fazer seu trabalho. Os artesãos contribuíam de maneira
diferente, criando armaduras, armas e construções para apoiar aqueles que tinham a glória de assassinar draenei até
que seus corpos ficassem frios e cobertos de sangue.

Alguns poderiam referir-se a eles como uma classe mais baixa de orc. Secretamente, era assim que o bruxo
pensava. Mas era sábio o bastante para saber que seu ofício, apesar de não ser nobre ou dificilmente reconhecida, era
tão necessário quanto o desejo de matar de um guerreiro ou a maestria de lançar feitiços de um bruxo. Aqueles que
forneciam alimentos, abrigo, armamento – os guerreiros e bruxos não iriam longe sem eles. Então Gul’dan fez um
espetáculo de louvor aos artesãos e o resultado agradável foi deixá-los inspirados para trabalhar mais e melhorar.

Mas apesar de cada orc de cada clã estar trabalhando o máximo que podia – e Gul’dan tinha espiões em cada clã
para certificar-se disso – não iria ser o bastante. A tomada de Telmor foi surpreendentemente fácil e o estímulo à
moral foi grande. Mas sabia que a vitória dos orcs foi em grande parte devido a sorte. Nenhum draenei que lá vivia
tinha razão para achar que seria descoberto e invadido em questão de horas. Achavam que estavam totalmente a salvo,
protegidos pela magia da pedra verde, que Gul’dan chamou de Folha Sombria, que os protegia das vistas dos ogros e
depois dos orcs. Aquela vitória fácil não seria repetida. Como –

“Ogros,” disse em voz alta. Tocou seu queixo, pensativo. “Ogros…”

“De jeito nenhum!” gritou Blackhand. Em duas passadas diminuiu a distância entre ele e Gul’dan, elevando-se sobre o
bruxo. Precisou de cada fibra de fingimento de Gul’dan para que não recuasse da carranca ameaçadora a sua frente.

“Venha, Blackhand.” convidou ele. “Acalme-se e escute o que tenho para falar. Você é o que mais será
beneficiado.”

Isso o atingiu. Blackhand rosnou, bufou e recuou. Gul’dan esforçou-se para parecer aliviado.

“Eles são a escória.” grunhiu. “São inimigos de longa data. Muito mais do que os draenei, e por melhores
motivos. Como irei me beneficiar disso?”
Indo direto ao assunto, pensou com satisfação o bruxo. A escolha por ele foi acertada.

“Há alguns que ainda dizem que não foi eleito de maneira justa. Se obtiver sucesso, irá apenas aumentar sua
glória.”

Blackhand estreitou os olhos. “Talvez.” admitiu. “Mas os orcs irão concordar com isso?”

Gul’dan permitiu-se sorrir. “Irão se nós os mandarmos.”

Blackhand jogou sua cabeça para trás e gargalhou.

Ao olhar seu líder, Orgrim mexeu-se inquietamente na sela. Quando explicou o que queria fazer, ele protestou com
veemência. Havia participado de várias caçadas ao longo dos anos para eliminar a ameaça que eram os ogros. Para ele
era algo pessoal. Nunca deixou de detestar o fato de ter fugido de uma dessas criaturas gigantes e broncas. E agora
Blackhand faz essa proposta.

Mas Orgrim sabia que apesar de suas qualidades – e ele tinha muitas que o desagradavam – ele era um bom
estrategista. O plano era sólido, se pudessem se desprender emocionalmente. Então concordou em apoiá-lo.

Trocar informações foi complicado. O clã Blackrock havia capturado três ogros e passaram uma noite inteira
falando com palavras simples para que pudessem entender o que queriam e começassem a cooperar. Agora cada
guerreiro, bruxo e curandeiro do gigantesco clã estava preparado para batalha.

Os ogros disseram onde seus mestres se escondiam e os conduziram até lá – uma entrada na base da cordilheira
Blade Edge. Não fizeram nenhuma tentativa de se esconder. Lixo se espalhava pelo lado de fora, e havia muitas
pegadas de ogro tanto indo quanto voltando. Orgrim inclusive olhou um grupo arrastando-se em direção a luz do dia.
Sem dúvida, achavam que estavam a salvo, assim como os draenei em Telmor; e estariam certos há um ano. Mas
muito mudou desde então. Os orcs não eram mais clãs separados, mas uma força de combate unificada, disposta a
deixar de lado um antigo rancor por um novo ódio.

Blackhand estava à frente, acompanhado pelos três ogros. Atrás dele estavam seus filhos, Rend e Maim, que
conversavam entre si em voz baixa e davam risinhos roucos. Orgrim foi contra levá-los a batalha, mas estes provaram
ser mais fortes e hábeis do que parecia. Herdaram a sede de sangue do pai, mas não a astúcia. Griselda também foi
treinada para lutar, mas não era talentosa como os garotos. Ficaram sérios quando Blackhand olhou-os com
ferocidade.

Orgrim perguntou-se se ele faria um discurso. Eesperava que não fizesse, já que o líder era melhor agindo e não
falando e seu clã estava preparado para agir. Blackhand olhou o mar de guerreiros e acenou, dando a ordem para
atacar.

O primeiro grupo atacou, gritando selvagemente e descendo pelo lado da montanha. A princípio os ogros ficaram
tão confusos ao ver três dos seus junto aos orcs, que ficaram parados esperando serem mortos. Então, seus cérebros
lentos começaram a entender que estavam sob ataque, então se mobilizaram. Eles não atacavam os ogros, que se
moviam pelas fileiras para conversar com o líder dos guardas que estava em algum lugar na caverna.

Orgrim estava determinado a aproveitar a última matança de ogros autorizada e brandiu com gosto a
Doomhammer. Seu lobo era rápido e disparava com facilidade entre as pernas grossas como árvores dos ogros, que
gritavam impotentes e balançando suas clavas inutilmente. Lembrou-se de como pareciam grandes quando era criança.
Não que não fossem agora, mas ele havia crescido e agora carregava a arma lendária com equilíbrio e habilidade.
Quebrou a tíbia do ogro e este gritou em agonia. O lobo de Orgrim desviou do grande corpo que caiu, fazendo a terra
tremer ao tocar o chão. Ainda tentou se levantar usando suas mãos gordas, mas outro orc Blackrock o atacou. Antes
que Orgrim pudesse avaliar, o ogro jazia morto e sangrando de várias feridas.

Orgrim virou a tempo de ver um dos guerreiros ser arremessado, morto com um único golpe da clava maciça.
Rugindo, Orgrim preparou-se para atacar a criatura assassina quando um grito de “Parem! Parem!” o fez brecar de
repente.
Era um testemunho do poder da personalidade de Blackhand pois, mesmo agora, quando a maioria dos orcs
estavam no ápice da sede de sangue e matando um antigo inimigo, eles pararam de atacar. A princípio os ogros não
fizeram o mesmo, e Orgrim deixaou o campo de batalha até que os ogros lerdos entendessem o que estava
acontecendo. É para o bem de todos, disse a si mesmo. E esse pensamente o irritou.

Levantou a cabeça para ver os ogros que eram amigos do clã conversando com os da sua espécie. Ou melhor,
gritando e de vez em quando os estapeando. Pelo menos eles pararam de perseguir os orcs que saiam da batalha.
Pareciam estar escutando. Um deles, maior e usando algo que parecia ser um cinturão oficial, tinha um cérebro.
Orgrim não entendia as criaturas vis e usou a pausa para recuperar-se e tomar água.

“Não vejo a hora de poder matá-los de novo,” disse Rend. Orgrim olhou o filho mais velho de seu chefe.

“Se obtivermos sucesso, eles lutarão ao nosso lado.” retrucou. “Não será permitido matá-los.”

Maim cuspiu. “Hehe. Sei. Matamos eles escondidos.”

Orgrim fez uma careta. Ele também gostaria, mas…”Vários orcs estão mortos tentando fazer com que o plano de
seu pai dê certo. Não iria gostar de ver você sabotando seus esforços.”

“E quem irá contar a ele?” disse sorrindo com escárnio.

“Eu irei. Se isso funcionar, e eles nos escutarem – e se algum deles aparecer morto, seus nomes serão os
primeiros que irei mencionar.”

Rend o encarou furioso. Agora, ele era tão jovem que parecia ser o ato de uma criança petulante, mas por dentro,
pressentiu um agouro. Nunca gostou de Blackhand, nem de seus filhos, tirando Griselda. Não sabia ao certo se era a
criação ou o crescimento forçado o responsável pela obscuridade que havia neles. Não confiava neles. Se
sobrevivessem e começassem a usar o cérebro além dos músculos, Rend e Maim seriam mais perigosos e mortais que
seu pai.

“Eu disse que ele não iria concordar, Rend.” disse Maim, audacioso. “O velho aí esqueceu o que é ter a sede de
sangue correndo pelo corpo. Vamos.”

Rend seguiu seu irmão, sorrindo. Orgrim suspirou. Tinha problemas mais importantes do que lidar com dois
moleques. Voltou sua atenção para as negociações, apesar de achar que os ogros não entenderiam essa palavra. Os
ataques haviam cessado. Blackhand, que havia fugido do campo de batalha e pedido que seu clã fizesse o mesmo,
agora conduzia seu lobo para onde os ogros se reuniam. Orgrim o seguiu e chegou a tempo de escutar o líder dos
guardas anunciar, “Não gostar gronn. Gronn nos machucar.”

Acenou para um dos ogros virar e mostrar as costas para Orgrim e Blackhand. Viu cicatrizes cruzando as costas
do ogro. Não sentiu pena da criatura, pois fizeram pior com os orcs por décadas. Mesmo assim, era algo útil. Os ogros
capturados falaram também de agressões parecidas, e concordavam com a cabeça, como se fossem muito sábios.

“O que dá pra nós se juntarmos vocês?” exigiu saber o guarda.

Blackhand sorriu para a coisa. “Bem, para começar não iremos bater em vocês.” Orgrim pensou nos filhos de seu
chefe, mas não disse nada. “Iremos dar alimentos e armas apropriadas.” Blackhand ficou aliviado por não prometer
armaduras. Os materiais para fazer armadura para um ogro dariam para fazer três para os orcs. E felizmente, o guarda
– o mais inteligente dos ogros – ainda não tinha sido esperto o bastante para lembrar-se disso.

“Terão comida, abrigo e o deleite de esmagar draenei até que virarem uma mancha na grama.”

Os ogros escutavam com atenção, e um deles literalmente pulava de emoção. “Mim esmagar!” grunhiu com
alegria, e vários outros repetiram a simples frase, mas aparentemente divertida. Blackhand esperou a euforia diminuir
antes de continuar.

“Então, estamos entendidos?”


O ogro capitão concordou. “Não mais machucar ogros.” rosnou, e virou-se para aqueles que liderava. Seus
pequenos olhos brilhavam com lágrimas, e desta vez, ao olhar para as costas cheias de cicatrizes do ogro, Orgrim
sentiu um pouco de pena deles. Bem pouquinho.

“Qual seu nome?” Orgrim perguntou ao capitão de repente.

“Krol.” disse ao virar sua atenção para ele.

“Krol, então.” repetiu Blackhand antes que seu segundo em comando pudesse acrescentar algo. “Quando acha
que podemos liderar nosso primeiro ataque em conjunto.”

“Agora.” disse o ogro antes que ambos orcs pudessem protestar, ele gritou algo em sua língua estranha e
horrenda. Os outros ogros pulavam, e a terra tremia quando aterrissavam. Então todos se viraram e propositalmente
entraram de novo na caverna. Blackhand olhou Orgrim, que vacilou. Imaginou ser mais fácil parar a maré do que essa
enchente de gigantes estúpidos e determinados.

“Chame-os,” disse Blackhand. Orgrim pegou um chifre de fenoceronte e assoprou com força. Os orcs gritaram
com alegria começaram a descer.

Não houve tempo de relembrar o clã do plano. Orgrim tinha esperanças de que se lembrassem; principalmente os
maníacos filhos de Blackhand. Uma matança de ogros estava a espera deles, mas era melhor que matassem os ogros
certos.

Porque se não o fizessem, se dessem aos ogros alguma razão para questionar esta súbita e peculiar aliança, então
os bebes e os velhos que esperavam no acampamento, poderiam ser os únicos remanescentes do clã Blackrock.

Orgrim não estava muito otimista. O clã era sempre feroz nas batalhas. Blackhand era mais do que um selvagem
astuto, e Orgrim percebeu que, recentemente, uma certa fúria maníaca começou a esgueirar-se entre os clãs. Ao virar
seu lobo em direção da caverna para atacar junto com os seus, perguntou-se se sua imaginação não estava pregando-
lhe uma peça.

Certamente aquele tom esverdeado nas peles dos orcs próximos a ele, nada mais era do que um truque da luz.
Capítulo 17

Lar.

Independente da raça a qual se pertence, é uma palavra, um conceito que faz o coração encher-se de anseio. Um
lar pode ficar em terras ancestrais, ou em um novo lugar que alguém se tornou seu. Pode também ser achado nos olhos
da pessoa amada. Mas todos precisam e desejam, pois sem um lar de algum tipo somos incompletos.

Por muitos anos, cada clã tinha seu próprio lar e terras sagradas. Espíritos da terra, ar, água, fogo e da natureza. A
erradicação começou e continuou cada vez mais devastadora, até chegarmos a Kalimdor. Aqui, achamos um lar para
um povo errante. Um lugar para repouso, um santuário, onde possamos nos reunir e reconstruir.

Lar, para mim, agora tem o nome de meu pai; a terra de Durotar.

Durotan levantou a cabeça para farejar o ar. O aroma que preencheu suas narinas era de poeira e desidratação, um
tipo acre de odor. Parecido a algo queimando. Antes Drek’Thar poderia ter sentido esse cheiro melhor do que ele, mas
esses dias já haviam se passado. Não era mais um xamã, era um bruxo. O vento não viria ao seu chamado quando
solicitado, carregando informações tão detalhadas como se tivessem sido escritas em um pedaço de pergaminho. E
pior, nem ele e nem os outros bruxos do clã pareciam se importar.

Havia algum tempo que não chovia e o verão parecia mais quente do que o normal. Era o segundo verão no qual
a chuva veio escassa, isso quando veio e por um capricho Durotan ajoelhou e enfiou os dedos no solo. Antes era um
barro fértil, marrom escuro e cheirando a terra. Agora seus dedos mergulhavam facilmente na poeira e a crosta ruiu
entre eles, e dissolviam em areia que não eram capazes de suportar pasto ou colheitas ou qualquer outra coisa.

Escutou Draka se aproximando, mas não se virou. Sentiu os braços dela em volta da cintura, abraçando-o. E
assim ficaram por um longo tempo e então com um último aperto, soltou-se e virou para encará-lo. Durotan limpou as
mãos.

“Nunca dependemos muito daquilo que podíamos plantar.” disse calmamente.

Draka olhou-o com seus olhos negros e sábios. Seu coração doeu ao olhá-la. Ela era melhor do que ele em tantas
coisas. Mas era a companheira do chefe, e não o chefe, e não tinha que fazer as escolhas que ele tinha.

As escolhas que tinha.

“Nós dependemos basicamente do que podemos caçar,” disse. “Mas os animais que caçamos se alimentam do
que a terra fornece. Somos todos conectados. Os xamãs sabiam disso.”

Ficou em silêncio quando um dos bruxos mais jovens chegou, com uma pequena criatura saltitante no seu
encalço. Ao passar, a criatura virou para olhar Draka e sorriu, mostrando a boca repleta de dentes afiados. Draka
sentiu um arrepio.

Durotan suspirou e entregou uma mensagem. “Acabei de receber. Devemos nos preparar para uma longa marcha.
Vamos deixar nossas terras.”

“Como assim?”

“Ordem de Blackhand. Ele mudou-se para a sua nova cidadela, que foi feita para ele, e quer seu exército lá. Não
será mais suficiente nos juntarmos para atacar. Devemos viver juntos e estarmos prontos para seguir Blackhand para
onde nos liderar.”

Draka o encarava, incrédula, então baixou seus olhos para a mensagem. Leu rapidamente, enrolou e devolveu a
ele.
“Melhor nos prepararmos,” disse baixo, e voltou para a tenda.

Ao vê-la ir, perguntou-se o que exatamente aconteceu que fez seu coração partir.

A Cidadela não estava terminada, mas no momento que Durotan a viu, ficou totalmente pasmo. Foi rodeado de
murmúrios de espanto

“Tão imponente!”

“Tão grande!”

“Digno de um Chefe Guerreiro!”

Se Durotan tivesse dito algo, teria sido: Blasfêmo. Uma praga sobre a terra. Desarmonioso com tudo o que
somos.

A caravana do clã Frostwolf ainda estava a muitas milhas de distância, mas a Cidadela elevava-se no horizonte como
um abutre. O seu modelo em nada parecia com o estilo orc. Essa estrutura, esse pesadelo arquitetônico, uma ofensa
aos olhos e alma era maior do que as construções draenei. Durotan sabia o motivo; para abrigar uma elite de guerreiros
orcs, a construção tinha que ser enorme. Mesmo assim, esperava outra coisa.

Ao invés linhas suaves e elegantes que eram a marca das estruturas draenei, essa fortaleza era afiada e
pontiaguda. Dominava a paisagem ao invés de entrar em harmonia com ela. Talhado com pedra negra, madeira áspera
e metal, praticamente eriçava contra o céu. Apesar de só poder ver a torre principal, para Durotan isso já era o
bastante. Estava parado como se tivesse criado raízes ali, relutante a dar um passo em direção àquela monstruosidade.

Um olhar silencioso passou entre ele e Draka. Eram os únicos a perceber?

O resto do clã seguia, passando pelo seu chefe. Hesitante, ajustou seu lobo e continuou.

Ficar mais próximo da fortaleza não a deixou mais atrativa. Agora Durotan podia ver outras construções –
guarnições, silos de armazenamento, uma extensão plana de áreas de treinamento que eram repletas com armas
grandes que nunca havia visto. Elas também pareciam negras, perigosas e mortais.

Membros oficiais do clã Blackrock e outros cumprimentavam Durotan superficialmente e mandavam os


membros Frostwolf para uma área plana na parte ocidental do complexo para armar suas tendas. Começava a
anoitecer quando recebeu uma convocação para apresentar-se ao pátio da Cidadela, junto com vários outros do seu clã.
Um grupo com vinte orcs andou até lá e esperou.

Escutou primeiro tambores à distância e ficou tenso. Foram instruídos a não trazer armas, apenar vir e esperar
por…isso não foi dito. Draka olhou-o desconfortável. Não tinha como oferecer conforto a ela; estava no escuro tanto
quanto ela.

As batidas ficaram mais próximas. A terra começou a vibrar debaixo de seus pés. Isso era comum quando as
batidas começavam no círculo, mas de tão longe? Escutou alguns comentários preocupados e viu que não era o único
com uma pontada de apreensão.

A terra continuou a tremer, as vibrações ficando mais acentuadas. Dois patrulheiros Blackrock aproximaram-se
exultantes. “Não temam, membros orgulhosos da Horda!” um deles gritou. “Nossos novos aliados, trazidos para
nossas fileiras pelo poderoso Blackhand, estão a caminho! Deem boas vindas!”

Havia algo familiar na maneira com que o chão estremecia. A única vez que Durotan sentiu algo parecido foi
quando lutava contra –
“Ogros!” alguém gritou. E de fato Durotan podia vê-los agora. Dúzias deles, gigantes e determinados, indo em
direção do grupo de orcs reunidos. Mais patrulheiros Blackrock trotavam com seus lobos, berrando e assoprando os
chifres em júbilo. A multidão foi a loucura, encantada, gritando e dançando desenfreadamente.

Esses eram os novos aliados? Durotan mal podia acreditar ao encarar, não conseguindo achar as palavras, o maior
ogro que já viu aparecer. O próprio Blackhand andava ao seu lado, tão ágil e imponente como se a coisa do tamanho
de um mamute não o fizesse parecer um brinquedo de criança.

“Iremos esmagar os draenei!” Blackhand urrou, e como se esperassem a deixa, os ogros que marchavam junto a
ele gritaram, “Esmagar! Esmagar! Esmagar!”

E numa vertigem doentia, Durotan sentiu-se criança de novo, fugindo de um monstro desses. Piscou e viu
novamente o rosto forte de seu pai destruído e quebrado, sangue e vida esvaindo-se pelo chão. O crânio de Garad
esmagado como uma noz por um único golpe de clava.

Orcs estavam lutando ao lado de criaturas monstruosas e imbecis em um esforço para destruir uma raça
inteligente e pacífica.

O mundo havia enlouquecido.

Velen estremeceu. Seu assistente foi ampará-lo, oferecendo uma bebida quente e suave, mas o Profeta recusou.
Nenhum conforto poderia vir de uma bebida agora. Nenhum conforto poderia vir de novo.

Ficou em luto quando recebeu a notícia de que Telmor havia caído, e junto com a cidade foi-se seu amigo
Restalaan. Foi ainda pior saber como o ataque aconteceu. Velen havia sentido algo especial no jovem Durotan, e o
tratamento que teve quando esteve sob sua custódia, apenas confirmou a fé no chefe do clã Frostwolf. E agora isso.
Durotan e Orgrim foram os únicos orcs que presenciaram como a pedra verde havia protegido a cidade. Um deles
inclusive decorou o encantamento que desativaria a camuflagem protetora. Alguns conseguiram escapar para o
Templo de Karabor. Seus ferimentos foram cuidados, mas não havia nada que ele ou qualquer um pudesse fazer para
curar seus espíritos destroçados.

Mas havia notícias piores. Os refugiados falaram que as armas dos orcs não eram apenas arcos, flechas,
machados ou lanças. Falaram também de setas verdes escuras que causavam mais dor e tormento do que qualquer
magia lançada pelos xamãs. E também de criaturas que se agitavam e dançavam aos pés daqueles que praticavam tais
magias.

Eles falavam dos man’ari.

De repente, as peças se encaixaram numa lógica espantosa. O ataque abrupto e irracional dos orcs. O aumento
repentino de tecnologia e habilidades. O fato de terem renegado o caminho do xamanismo, uma religião que, até onde
Velen entendia, era baseada numa relação de dar e receber entre os xamãs e os elementos. Aqueles que comandavam
os man’aris não se preocupavam em equilíbrio e harmonia com seus poderes; eles buscavam controle.

Assim como Kil’jaeden e Archimonde.

Os orcs nada mais eram do que peões nas mãos dos eredar. Velen sabia que ele e os exilados eram os alvos reais.
A Horda orc, agora expandida com a adição de criaturas imensamente poderosas, era a maneira com a qual Kil’jaeden
desejava destruí-lo. Por um breve instante, o Profeta pensou que talvez pudesse racionalizar com o líder da Horda; se
eles se voltassem e lutassem junto com os draenei para derrubar Kil’jaeden, depois de saber que estão sendo usados.
Mas desistiu da ideia na mesma hora. Era provável que aqueles sendo usados por Kil’jaeden sabiam dos propósitos e
da natureza dos eredar, e a oferta por poder parecia real e sedutora. E Archimonde e Kil’jaeden sucumbiram, sendo
que eram infinitamente mais sábios velhos e fortes que qualquer orc.

E agora para piorar a situação, essa visão, da aliança dos orcs com os desajeitados ogros – algo que acharia ser
um sonho trazido por uma bebida forte. Agora sabia ser verdade. Algo mudou de maneira drástica a natureza dos orcs,
e tão irrevogável, que se aliaram a seres que odiaram por gerações, ao contrário dos draenei, que tentaram apenas
serem amigáveis pelo mesmo período.

Se houvesse ocorrido em outro lugar, a resposta seria simples. Velen reuniria seu povo e fugiria, protegido pelos
Naaru. Mas a nave havia colidido, e K’ure estava agonizando, e não havia fuga, apenas lutar contra essa Horda,
rezando para sobreviverem de algum jeito.

Ah, K’ure, velho amigo. Como sinto falta da sua sabedoria agora, e quão doloroso é saber que jaz junto ao
inimigo, que não faz ideia da sua existência.

Segurou junto ao peito a pedra que era conhecida como Canto do Espírito e sentiu uma fraca centelha do Naaru
moribundo. Velen fechou os olhos e baixou a cabeça.

Gul’dan olhou a sala com grande satisfação. Tudo estava indo como planejado. O Concílio das Sombras se reunia
há algum tempo e sentia-se confiante. Havia escolhido bem. Estavam preparados – nem, ávidos – para trair seu povo e
buscar suas aspirações pelo poder. Já realizaram tantas coisas, agindo através de seus fantoches que pensavam fazer
parte do Concílio. Foi fácil eleger um Chefe Guerreiro, e contanto que o Concílio sorrisse e concordassem com ele nas
poucas vezes que era chamado para uma reunião, ele não fazia perguntas. Mas Blackhand sempre ia embora antes das
verdadeiras reuniões acontecerem, enviado para uma missão especial que enchia seu peito de orgulho.

“Saudações,” disse Gul’dan ao sentar-se na cadeira da cabeceira da mesa. Ner’zhul como sempre, ocultava-se no
canto, nunca convidado a juntar-se aos outros, mas autorizado a escutar as conversas. Essa foi a instrução de
Kil’jaeden, e apesar de não entender o motivo, não contestou, pois queria ficar de bom grado com seu mestre.

Ao que todos deram suas saudações, Gul’dan começou a trabalhar. “Como os clãs estão reagindo à ideia de ter os
ogros como aliados? Kargath comece, por favor.”

O chefe do clã Shattered Hand sorriu e grunhiu. “Estão preparados para o derramamento de sangue, e não se
importam com quem os ajudará a cortar algumas gargantas draenei.”

A caverna foi preenchida pelas gargalhadas roucas dos membros do Concílio ao concordarem. A luz fraca vinda
das tochas fazia os olhos brilharem num tom alaranjado. No entanto, uns poucos não acompanharam a alegria.

“Ouvi alguns protestos vindo do clã Whiteclaw.” relatou um. “E Durotan do clã Frostwolf ainda precisa ser
vigiado, pois tudo o que fez foi liderar o ataque a Telmor.”

Gul’dan o silenciou com um gesto. “Não tema. Tenho pensado em algo especial para ele há algum tempo.”

“Por que não foi eliminado?” rosnou com raiva Kargath. “Seria mais fácil colocar outro que se adequasse aos
nossos planos. Durotan está se tornando conhecido por discordar das ideias de Blackhand – e por consequência, suas.”

“E é exatamente por isso que o quero vivo.” concluiu, observando aqueles que entenderam sem precisar das
explicações. Foram poucos, sendo que a maioria parecia intrigada e furiosa.

“Porque ele é conhecido por ter uma postura moderada,” continuou, pesaroso por ter que soletrar para cada um
no Concílio, “quando ele finalmente concordar, todos aqueles que têm dúvidas virão com ele. Ele representa aqueles
que não tem coragem de falar por si próprios. Se Durotan concordar, pela sua lógica, então deve ser o certo. Como
Kargath mencionou, o clã Frostwolf não é o único que parece ainda ter alguma reserva.”

“Mas…e se ele não concordar? E se tiver algum limite do qual não queira ultrapassar?”

Gul’dan sorriu friamente. “Então iremos lidar com ele de um jeito que aumente nosso poder sem colocarmos em
risco. Como sempre fazemos.” disse, decidindo ser melhor mudar o assunto. Inclinou-se, colocando as mãos na mesa.
“Falando em pessoas com reservas. Fiquei sabendo que ainda há aqueles que tentam contatar os elementos e os
ancestrais.”
Um dos membros pareceu desconfortável. “Tentei persuadi-los, mas não vejo como posso dar uma punição.
Afinal de contas foi a crença de que os ancestrais queriam que atacássemos os draenei que fez tudo isso possível.”

Suas palavras soaram insolentes. Gul’dan sorriu de maneira reconfortante. “Certamente. Essa foi a isca que os
prendeu tão eficientemente.” Olhou então para Ner’zhul. O velho xamã retornou o olhar e baixou logo a cabeça. A
isca também fisgou Ner’zhul – isca que não teve o mesmo apelo para Gul’dan.

“Mas não é necessário.” continuou. “Devemos assegurar que os velhos tempos não voltem. Tivemos sorte em
nossa jornada, e com o sucesso dos ogros, ela deve continuar. Mas se tivermos algum revés nas batalhas, então aqueles
que ainda se afeiçoam ao xamanismo podem encontrar outros iguais. Isso não fará bem nenhum.” Apertou o queixo,
pensativo. “Encorajar as práticas bruxas não será o bastante. Temos de desencorajar o xamanismo. Seria desastroso se
os ancestrais por alguma razão se comunicassem com seus descendentes.”

Olhou de novo Ner’zhul. Foi apenas quando o antigo mestre dos orcs viajou para a montanha sagrada que
conseguiu falar com os ancestrais e então descobriu a verdade. Até então, mesmo sendo o poderoso xamã que era,
havia sido iludido. A resposta, no entanto, parecia simples.

Fundo, no sonho desencarnado, flutuavam os seres que eram feitos de luz. Tinham memórias do que havia sido e
relances do que estava por vir. Residiam aqui por muito tempo, alimentados pelo Outro, que era como eles, mas não
parecidos com eles, e aqueles que sentiam estavam perto da passagem. Até então, eles jaziam num estado de ‘ser’
‘não-ser’ de paz e tranquilidade. Mas agora, corrupção e ódio havia chegado. Eles não podiam mais alcançar os
amados vivos, e esses não os procuravam como antes, nem para reabastecer a poça sagrada e involuntariamente
manter o Outro vivo. Apenas o Grande Ludibriado veio, chorando e implorando, mas muito perdido em seu engano
para ser ajudado.

Repentinamente seu sono profundo foi interrompido. Um tremor passou por eles. Dor os afligiu e pediram ajuda
para o Outro, que não podia ajudá-los, e não podia ajudar a si mesmo. Os seres obscuros e profanos, que antes eram
belos, estavam chegando. Os ancestrais sentiam sua aproximação. Irremediavelmente eles surgiam, unindo suas
forças, criando um anel de escuridão e fragmentação em volta da base da montanha. Escuridão tangível dançava das
coisas que seguiam Sargeras, atraídos pela promessa de poder, alimentados agora pela promessa da total destruição.
Os ancestrais sentiram cólera fervente e concentrada fundir numa manifestação de energia verde escura, açoitando
como tentáculos, que buscavam se unir. Sua luta aumentou até que uma corrente de poder sombrio sufocou a
montanha, selando-a, prevenindo qualquer orc perdido a entrar e qualquer alma agitada a sair.

E agora, também o Outro, gritou de pesar quando o círculo foi fechado. Sem a água que os xamãs traziam, não
podia mais nem tentar curar a si. E sem o Outro, também não haveria ancestrais.

Longe, sonhando, os poucos orcs que secretamente ainda se achavam xamãs, tremeram e choraram, seus sonhos
corrompidos em pesadelos de tormentos intermináveis e destruição fatal.
Capítulo 18

Faço parte do segundo grupo de xamãs, assim como sou líder da segunda, e rezo melhor e mais sábia, encarnação da
Horda. Comuniquei-me com os elementos e espíritos, e os senti trabalhando comigo em harmonia muitas vezes e
recusando sua ajuda tantas outras.

Mas eu nunca vi os espíritos dos ancestrais, nem em sonhos; minha alma anseia por essa ligação. Até muito
recentemente, aqueles que andam pelo caminho dos xamãs não sonhavam poder fazê-lo, e mesmo assim foi possível.

Quem sabe um dia, as barreiras entre nós e os amados finados, também seja derrubada.

Quem sabe.

Mas eu me pergunto se realmente sabem o quanto nos distanciamos dos seus ensinamentos, se viram o que foi
feito em Draenor, com Draenor…talvez mesmo agora, eles virariam as costas nos deixando a mercê do destino. E
posso dizer que não os culparia se assim fizessem.

“Não entendo,” disse Ghun. Era o bruxo mais novo do clã e ainda assim idealista, pensou com amargura Durotan.
Viu o jovem torcer o nariz para as criaturas que era obrigado a usar na batalha contra os draenei e seu rosto repleto de
remorso ao ver o inimigo se contorcer de dor. Durotan tomou conhecimento do bruxo através de Drek’Thar depois do
documento emitido por Gul’dan. “Qual o problema em desejar que os elementos cooperem conosco de novo? E por
que não posso ir a Oshu’gun?”

O chefe não tinha respostas; a ordem que nenhum orc deveria praticar o xamanismo ou sofreria punições severas
– exílio ou morte por violações recorrentes – parecia não ter motivo. Era verdade que os elementos abandonaram
aqueles que seguiam por esse caminho, mas e os ancestrais? Por que diabos Gul’dan proibiria os orcs de irem ao seu
local mais sagrado nessa hora de necessidade e apuro?

E por não ter respostas para o jovem que as merecia, Durotan ficou furioso. Seu tom de voz era rouco e áspero.

“Nosso Chefe Guerreiro fez alguns aliados para poder vencer os draenei. Esses aliados nos deram os poderes
bruxos que agora controlamos. Sei que está feliz com os resultados, não minta para mim.”

Os dedos longos de Ghun estavam cavando a terra seca e removeram uma pedra. Jogava-a para cima com a
palma da mão. Durotan franziu a testa ao olhar a pele do bruxo. A aridez e as duras condições sob as quais estavam
trabalhando há quase dois anos estavam os afetando. Normalmente os orcs tinham uma pele castanha e suave,
estendida sobre músculos tonificados, mas agora estava ressecada e descascando. Distraído, Ghun coçou onde havia
pele áspera. Durotan olhou a nova pele embaixo.

Tinha uma coloração esverdeada.

Por um instante, foi tomado por um pânico irracional. Acalmou-se e olhou de novo. Não era um engano – a pele
estava esverdeada. Não fazia ideia do que significava, mas era recente e estranho, e por instinto não gostou disso.
Ghun não pareceu notar. Arremessou a pedra e viu desaparecer no horizonte.

Se o bruxo fosse mais velho, perceberia o aviso no tom de voz usado pelo seu chefe, mas era jovem e estava
envolto em suas próprias preocupações e não deu atenção a advertência.

“Os feitiços…as criaturas que me obedecem…estou satisfeito com a eficiência, mas não com a maneira.
Parece…parece errado, meu chefe. Matar é matar, e os elementos me davam poderes que aniquilavam os inimigos.
Mas nunca me senti assim quando me davam esse poder. Estamos nessa guerra porque os ancestrais nos disseram que
precisávamos matar os draenei.” continuou. “E por que agora Gul’dan nos proíbe de falar com eles?”
E algo em Durotan estalou. Deu um grito furioso e colocou o jovem de pé. Puxou Ghun pelo tecido de sua camisa
ficando a poucos centímetros do rosto perplexo do bruxo.

“Não interessa!” gritou. “Farei o que for melhor para meu clã, e isso significa seguir as ordens de Gul’dan e
Blackhand. Obedeça a essa nova ordem!”

Ghun o encarava. A fúria foi embora tão rápido quanto chegou, deixando dor em seu rastro. Durotan acrescentou
com um tom ríspido, sussurrando apenas para que o jovem bruxo escutasse. “Não serei capaz de protegê-lo, se não
obedecer.”

Ghun olhou em seus olhos, e um brilho laranja e estranho apareceu por um breve instante, então olhou para baixo
e suspirou.

“Compreendo, meu chefe. Não trarei desonra para o clã Frostwolf.”

Durotan o soltou. Ghun endireitou-se, arrumou suas vestes, fez uma reverência e partiu. Ele também sentia algo
de errado em como as coisas estavam se desenrolando. Mas um único jovem tentando entrar em contato com os
elementos não seria o bastante.

Nem, pensou com angústia, um único chefe.

Um local sagrado seria o próximo a sucumbir ante a poderosa Horda.

Na sequência do anuncio do banimento do xamanismo, veio a ordem para marchar para o local que os draenei
chamavam de Templo de Karabor. Apesar de ficar perto do Vale Shadowmoon, terras ancestrais do clã de Ner’zhul,
nenhum orc jamais havia visto. Era um lugar sagrado e por isso era respeitado pelos orcs. Pelo menos foi respeitado
até agora, com Blackhand ante seu exército vociferando contra a tão chamada “espiritualidade” dos draenei.

“As cidades que tomamos até agora foram apenas um treino.” declarou Blackhand. “Logo, sua capital será
derrubada. Mas antes de destruir a cidade mais importante, vamos destruí-los como um povo. Vamos invadir o local!
Despedaçar suas estátuas. Aniquilar tudo o que é importante para eles. Assassinar seus líderes espirituais. Eles vão
perder o ânimo e então…tomar a cidade deles será tão fácil quanto matar um filhote de lobo.”

Durotan, que estava junto com os outros guerreiros armados, olhou para Orgrim. E como sempre, seu velho
amigo estava ao lado de Blackhand e estava ficando mestre em manter-se impassível, mas não conseguia esconder
suas emoções de Durotan. Sabia o que isso significava. O templo era o lar de Velen. Quando ele e Orgrim estavam em
Telmor, o Profeta estava apenas visitando a cidade; seu lugar era no templo, onde rezava e meditava, servindo como
guia de seu povo. Se estivesse lá, provavelmente seria morto. Já havia sido difícil matar Restalaan. Havia rezado para
que não acabasse matando Velen também…se é que havia alguém para quem rezar.

Seis horas depois, parado no topo das escadarias do grande trono do templo dos draenei, Durotan quase engasgou
com os odores que atacaram suas narinas. O agora conhecido cheiro de sangue draenei. O fedor de urina e fezes e o
odor denso do medo. E o doce e enjoativo aroma do incenso. Sangue cobria a sola das botas ao que pisavam em
juncos espalhados, que liberavam uma fragrância limpa, deixando todos os outros aromas piores.

Durotan curvou-se e vomitou, deixando um gosto azedo na boca. Só parou quando seu estômago estava
completamente vazio, e então lavou a boca com água e cuspiu.

Escutou alguém rindo e congelou. Virou para ver os dois filhos de Blackhand rindo.

“É isso aí,” disse Rend, ainda rindo. “É tudo o que eles merecem, nosso vômito e cuspe.”

“É. Nosso vômito e cuspe.” repetiu Maim.

Maim chutou e cuspiu no corpo de um sacerdote vestido em roupas lilases. Durotan afastou-se com nojo e horror,
mas não havia trégua. Para onde olhasse, testemunhava orcs fazendo o mesmo com os corpos: violando, saqueando-
os, colocando suas túnicas ensanguentadas e desfilando ironicamente. Estavam enchendo sacos com lindas tigelas,
pratos e castiçais enquanto pisavam em frutas frescas que haviam sido deixadas como oferenda a deidades que os orcs
não entendiam e nem faziam questão de entender. Blackhand, com outra vitória para si, havia achado uma bebida
alcoólica e estava dando goladas tão rápido que o líquido entornava e caia na armadura.

É isso que nos tornamos? Assassinos de sacerdotes desarmados, saqueadores do que lhes é sagrado, violadores de
seus corpos? Mãe Kashur…de uma certa maneira, fico feliz com a proibição…não gostaria que testemunhasse isso.

“Eles tomaram o templo,” disse Kil’jaeden. “mas não acharam o meu prêmio.”

A voz de Kil’jaeden nunca esteve tão doce, mas sua cauda balançava repetidamente. O estômago de Gul’dan
revirou-se de medo.

“Velen o Traidor deve ter previsto,” responder o bruxo. “Não é a toa que é chamado de ‘profeta’”

Kil’jaeden virou a cabeça e Gul’dan se esforçou para não recuar. Depois, concordou.

“Você está certo.” disse finalmente. “Se fosse um inimigo fácil e burro, já o teria achado antes.”

O bruxo conseguiu voltar a respirar. Uma parte dele ansiava perguntar o que Velen havia feito para aquele que
era da sua mesma espécie, Gul’dan já tinha essa certeza, para merecer um ódio tão direcionado. Mas Gul’dan era sábio
o bastante para ficar quieto. Ele podia ficar com a curiosidade insatisfeita nesse ponto.

“Com o templo em nossas mãos, Grandioso, os que sobraram, fugiram para a cidade. Vão achar que estão a
salvo, quando na verdade estarão sem saída.”

Kil’jaeden estalou os dedos e sorriu. “Sim.” disse. “O templo deve ser dos orcs. Blackhand está bem confortável
abrigado na Cidadela. Mas antes de você mandar seus cachorrinhos atacarem a fortaleza dos draenei, eu tenho
um…presentinho para eles.”

Ner’zhul esperou que Gul’dan terminasse. Ele viu com olhos semi-abertos o bruxo escrever carta após carta,
manchando seus dedos de tinta e comendo frutas e carne com esses mesmos dedos sujos. Então eram cartas
importantes; geralmente Gul’dan pediria a um escriba bajulador para enviar as mensagens.

O templo havia sido…purgado, essa foi a palavra usada por Gul’dan. Os sacerdotes que haviam ficado para brava
e estupidamente enfrentar a onda de orcs haviam sido mortos com rapidez e eficiência. Soube que os corpos foram
violados, e achou compaixão em si para se sentir enojado. Mas os corpos não existiam mais, assim como os itens
sagrados. A maior parte do templo foi fechada; O Concílio e seus servos não precisavam de tanto espaço. Algumas
mobílias foram utilizadas, outras foram destruídas ou substituídas por decorações sombrias e pontiagudas que já
estavam começando a ficar associada à Horda. O local foi renomeado para Templo Negro e agora abrigava mentirosos
e traidores, ao invés de sacerdotes e profetas. E, pensou com tristeza, ele fazia parte do primeiro grupo.

Finalmente, Gul’dan terminou. Limpou o pó de tinta das mãos para evitar manchas e sentou-se. Olhou para seu
antigo mestre com uma repulsa velada.

“Enderece e leve até os mensageiros. E faça isso rápido.”

Ner’zhul inclinou a cabeça. Ainda não conseguia fazer uma reverência para seu antigo aprendiz, e Gul’dan não o
pressionava, pois sabia quão destruído estava. Sentou-se na cadeira que o bruxo havia usado e assim que seu andar
pesado não pôde ser mais escutado, começou a ler as mensagens.

Gul’dan sabia que leria, e não havia nada que já não sabia. Era convidado para todas as reuniões no Templo
Negro, mas era obrigado a ficar no chão frio e não na grande mesa de pedra, onde os influentes sentavam. Não sabia o
porquê, apenas que Kil’jaeden o queria lá. Caso contrário, Gul’dan já teria se livrado dele.

Ficou perturbado ao ler as palavras. Sentiu-se totalmente impotente, como uma mosca presa a seiva que escorria
da árvore olemba. Aliás, costumava escorrer. As árvores haviam sido cortadas para aproveitar a madeira, ou estavam
morrendo. Afastou o pensamento e começou a enrolar as mensagens. Seus olhos pousaram no pedaço de pergaminho
não utilizado e na pena com tinta.
Seria tão audacioso, que só de pensar seu coração parou por um instante.

Olhou em volta rapidamente. Estava sozinho, e não havia motivo para que Gul’dan voltasse. Gul’dan, Kil’jaeden,
o Concílio – achavam que estava destruído, tão inofensivo quanto um lobo velho e banguela que aquecia os ossos
junto à fogueira esperando o sono da morte. E talvez estivessem certos.

Talvez.

Ner’zhul já havia aceitado que seu poder havia sido tirado. Seu poder, não sua vontade, pois sem isso não teria
conseguido resistir a Kil’jaeden. Não podia agir diretamente, mas poderia entrar em contato com quem poderia.

Segurando o pedaço de pergaminho, seus dedos tremiam. Teve que se acalmar para poder escrever algo legível.
Finalmente, escreveu uma breve mensagem, guardou a tinta e enrolou a mensagem.

O lobo era banguela. Mas o lobo não havia esquecido como lutar.

Mais ordens para marchar. Durotan já estava cansado. Não havia mais trégua, apenas batalha, consertar armadura,
comer carne dura e fibrosa, dormir no chão e outra batalha. Os tempos de tocar tambores, fazer rituais e banquetear-se
acabaram. O triângulo perfeito que era a Montanha dos Espíritos foi substituído por um pico negro que às vezes emitia
uma fumaça preta. Alguns diziam que uma criatura morava dentro da montanha e que um dia acordaria. Durotan não
sabia no que acreditar.

Quando o mensageiro se aproximou, Durotan abriu a mensagem e leu com olhos desinteressados. Arregalou os
olhos ao ler e quando havia terminado seu corpo estava tremendo e suando. Olhou para frente e pensou se alguém
poderia ter imaginado o conteúdo da carta só pela expressão que havia feito. Orcs passavam por ele com pó grudado
em suas peles grossas e armaduras maltratadas. Ninguém sequer o olhou com interesse.

Correu para encontrar Draka, a única pessoa no mundo com a qual poderia dividir essa informação. A reação dela
foi a mesma ao ler.

“Quem mais sabe disso?” disse calmamente, deixando sua expressão firme.

“Só você.” respondeu.

“Vai contar para Orgrim?”

Durotan balançou a cabeça. “Não me atrevo. Ele está jurado a contar tudo para Blackhand.”

“E acha que Blackhand sabe?”

Durotan encolheu os ombros. “Não faço ideia de nada. Apenas sei que devo proteger meu povo. E farei isso.”

Draka o olhou fixamente. “Se o clã não fizer o que está escrito…iremos atrair atenção. Poderá ser punido. Quem
sabe exilado ou morto.”

Durotan furou a carta com o dedo. “Qualquer coisa é melhor do que irá acontecer se obedecermos. Não. Jurei
proteger meu clã. Não os entregarei por…”

Percebeu tarde demais que sua voz estava alterada e alguns orcs prestavam atenção. ”Não os entregarei por isso.”

Os olhos de Draka encheram-se de lagrimas e agarrou seu braço tão forte que suas unhas furaram a carne. “E é
por isso.” disse destemidamente. “que eu me tornei sua companheira. Estou tão orgulhosa de você.”
Capítulo 19

Tenho orgulho da minha herança. Tenho orgulho de ter tido Durotan e Draka como pais. E de Orgrim Doomhammer
ter me chamado de amigo e me confiado a liderança do povo que amava.

Orgulhoso da coragem dos meus pais…e ao mesmo tempo, gostaria que pudessem ter feito mais. Mas não passei
pelo o que passaram. É fácil agora, numa posição segura e confortável da minha vida, décadas após o ocorrido e dizer
“Deveria ter feito isso.” ou “Deveria ter dito aquilo.”

Julgo apenas alguns indivíduos que sabiam bem o que estavam fazendo, que estavam trocando a vida e o destino
de seu povo por uma recompensa momentânea. E o fizeram de bom grado.

Quanto aos outros…posso apenas balançar a cabeça e agradecer por não ter sido forçado a fazer as escolhas que
fizeram.

Gul’dan estava tão ansioso que mal conseguia se conter. Estava esperando por esse momento desde a primeira
vez que Kil’jaeden mencionou. Tentou apressar seu mestre, mas este apenas sorriu e pediu paciência.

“Ainda não estão prontos. Aprenda a esperar, Gul’dan. Um golpe dado cedo ou tarde demais não mata, apenas
machuca.”

Gul’dan achou estranha a metáfora, mas entendeu o que seu mestre quis dizer. Mas finalmente os orcs estavam
prontos para a última etapa.

Havia um pátio central no Templo Negro que era descoberto. Quando pertencia aos draenei, essa área tinha um
jardim exuberante, com uma piscina no meio. Nas últimas semanas os orcs beberam a água doce e pura, não se
importando em reabastecê-la e agora deixando um espaço vazio com pedras e ladrilhos. As árvores e flores que
rodeavam a piscina haviam murchado e morrido com uma velocidade espantosa. Ner’zhul e Gul’dan esperavam ao
lado da piscina vazia a pedido de Kil’jaeden. Nenhum deles fazia ideia do que esperar.

Ficaram em total silêncio por várias horas e Gul’dan se perguntou se havia desagradado seu mestre. Esse
pensamento o fez começar a suar frio e olhou nervosamente para Ner’zhul. Ficou mais animado ao imaginar que
talvez hoje o xamã rebelde fosse morto.

Perdeu-se em devaneios, fantasiando vários tormentos que poderiam ser aplicados a Ner’zhul quando um súbito
estalo de um trovão os fez arfar. Gul’dan olhou para o céu; onde antes abrigava inúmeras estrelas agora havia apenas
escuridão. Engoliu seco, olhando fixo as trevas.

De repente a escuridão começou a agitar-se. Parecia uma nuvem negra pulsando, e então começou a formar um
redemoinho que aumentava a velocidade a cada momento. O vento primeiro levantou levemente os cabelos e
vestimentas de Gul’dan, mas depois ficou tão forte que o sentia esfregando sua pele. A terra tremeu e do canto do olho
pôde ver Ner’zhul falando alguma coisa, mas não conseguia ouvir nada. O barulho da ventania estava alto e a terra
sacudia mais intensamente sob seus pés.

O céu se abriu.

E algo brilhante e ardente despencou na terra em frente à Gul’dan e Ner’zhul. Atingiu o chão com tanta força que
o bruxo foi jogado para trás. Por um longo e aterrorizante minuto, não conseguiu respirar; ficou apenas se debatendo
no chão como um peixe até seus pulmões voltarem a funcionar e finalmente inalar uma grande quantidade de ar.

Ficou de pé, seu corpo tremia sem controle e perdeu o ar de novo quando viu a coisa.

Era muito maior do que ele. Quando mexia suas quatro patas, pedaços de terra voavam e batia as asas, irritado. O
cabelo parecia uma juba que fluía em cachos verdes sobre seu pescoço e torso. Os olhos verdes brilhavam como
estrelas e ao abrir a boca suas presas podiam ser vistas na luz fraca. Parecia ter uma fileira de dentes afiados e Gul’dan
quis cair de joelhos e chorar de medo ao ver a parte inferior do ser. Este, cerrou os punhos, baixou a cabeça e olhou
para os orcs amedrontados.

O que é aquela coisa? gritou Gul’dan, em silêncio.

E Kil’jaeden apareceu de repente, olhando e sorrindo para o bruxo.

“Contemplem meu tenente, Mannoroth. Tem me servido bem, e assim continuará. Em outros mundos é
conhecido como o Destruidor, mas aqui ele é o salvador. Gul’dan,” ronronou KIl’jaeden , fazendo-o sentir-se débil e
fraco de novo. “Você sabe o que estou oferecendo para seu povo.”

Gul’dan engoliu e não se atreveu a olhar para Ner’zhul, mesmo sabendo que o antigo mestre o observava pelas costas.

Sabia o que ele estava oferecendo. Poder além do imaginável…e escravidão eterna. Kil’jaeden ofereceu o
primeiro a Ner’zhul pelo segundo, mas o covarde recusou. Não quis condenar o seu povo.

Gul’dan não tinha esse tipo de escrúpulo. Só pensava na recompensa que havia sido prometida.

“Sei sim, Grandioso.” disse surpreso com a firmeza da sua voz. “Sei e aceito a oferta generosa.”

Kil’jaeden sorriu. “Ótimo. É mais sábio que seu antecessor.”

Confiante e alegre virou-se para encarar seu antigo mestre. O xamã olhava-o implorando. Não se atrevia a falar,
mas não era necessário, mesmo a luz fraca das estrelas, sua expressão dizia tudo.

Os lábios de Gul’dan curvaram em suas presas e virou-se para encarar Mannoroth, pois a sede por poder fez seu
medo diminuir. Fitou a criatura sabendo que, como ele, era tida em alta estima para com o ser que ambos serviam.
Eram irmãos de armas.

“Apenas uma lâmina especial pode fazer o que lhe peço, Gul’dan.” retumbou Kil’jaeden. Estendeu as mãos e a
adaga era pequena em comparação com a palma gigante na qual repousava. Quando Gul’dan a pegou percebeu que era
grande.

“Foi forjada na lava da montanha que lá jaz,” continuou, apontando para a montanha fumegante. “Meus servos
trabalharam duro para criá-la. Você sabe o que fazer Mannoroth.”

A criatura concordou balançando a cabeça. Usando a cauda para equilibrar-se, ficou sob as patas traseiras e
esticou o braço. Virou a palma para cima, mostrando a parte mais macia do pulso.

Gul’dan hesitou por um momento. E se fosse algum truque ou teste? E se Kil’jaeden não queria que fizesse isso?
E se falhasse?

Será que Ner’zhul estava certo?

“Gul’dan, Mannoroth é conhecido por muitas qualidades. Paciência não é uma delas.” disse Kil’jaeden.

A criatura rosnou de leve e seus olhos verdes brilharam. “Estou ansioso para ver o que acontecerá. A todo o seu
povo…Faça!”

Gul’dan engoliu seco, levantou a lâmina, mirou sua ponta cintilante na carne exposta de Mannoroth e fincou a
adaga o mais forte que conseguiu.

Mannoroth urrou de dor e golpeou Gul’dan, jogando-o longe. Levantou a cabeça um pouco zonzo tentando enxergar
algo.

Fogo líquido jorrou da ferida, brilhando um amarelo esverdeado doentio ao ser derramado na piscina dos
sacerdotes. A lesão era minúscula em comparação com o tamanho do corpo de Mannoroth, mas o sangue fluía
gradualmente como uma cascata. Percebeu então que o fraco Ner’zhul chorava. Mas não conseguia tirar os olhos do
sangue impuro, vertendo sem parar da criatura que ainda bradava de dor. Levantou e andou até a borda da piscina,
tomando cuidado para não tocar no fluido que era expelido pela ferida que ele mesmo havia feito.

“Eis o sangue do Destruidor,” regozijou-se Kil’jaeden. “Consome tudo que não lhe serve. Expurga toda a
hesitação, confusão ou incerteza. Cria um apetite que pode ser direcionado conforme desejar. Seu pequeno fantoche
acha que lidera a Horda, mas engana-se. O Concílio das Sombras acha que lidera a Horda, também se enganam.”

Gul’dan tirou os olhos do líquido verde brilhante para olhar seu mestre.

“Gul’dan…em breve você será o líder da Horda. Estão prontos. Estão sedentos pelo o que dará a eles.”

O bruxo voltou à atenção para o líquido.

“Invoque-os. Sacie essa sede…e estimule seu apetite.”

A trompa que acordava e convocava a Horda para o pátio já estava se tornando familiar. Durotan não havia
dormido; já não dormia há algum tempo. Draka e ele levantaram e se trocaram em silêncio.

De repente, escutou-a suspirar depressa. Virou-se e viu que encarava-o com os olhos arregalados.

“O que houve?” perguntou.

“Sua pele.” respondeu silenciosamente. Olhou para seu peito descoberto. A pele estava seca e descascando e ao
coçar, a pele embaixo parecia…verde. Lembrou-se de ter visto o mesmo no jovem Ghun há pouco tempo.

“É apenas a luz,” disse tentando convencer a si mesmo. Não seria fácil acalmá-la. Levantou seu braço e coçou e a
pele também estava verde. Voltou seus olhos para o companheiro. Não era um truque da luz, ambos viram.

“O que está acontecendo conosco?” Draka perguntou.

Durotan não tinha uma resposta. Continuaram a se vestir em silêncio e ao sair, seus olhos percorreram seu braço,
e o estranho tom esverdeado escondido embaixo da armadura de metal.

O anúncio da reunião havia sido dado na tarde anterior durante um treinamento com orcs mais jovens. Durotan
não se acostumou a ver crianças, que alguns meses atrás mal podiam andar, agora manejavam espadas e machados
com extrema habilidade. Pareciam alegres com a nova condição, até mesmo satisfeitos, mas Durotan lutava contra a
vontade de balançar a cabeça toda vez que os via.

Durotan já não conseguia nem ficar curioso sobre a próxima missão. Seria o mesmo que antes – matança, fúria,
violação de corpos. Recentemente até corpos de orcs foram deixados onde haviam caído, as armas e armaduras
tomadas para ser usado em quem sobreviveu. Ás vezes algum amigo ou familiar abaixava em reverência em frente ao
corpo, mas estava acontecendo com cada vez menos frequência. A época em que os corpos dos mortos honrados eram
trazidos e colocados na pira e seus espíritos enviados cerimonialmente para os ancestrais havia acabado. Agora não
havia tempo para rituais, ou piras, ou ancestrais. Não havia tempo para os mortos. Não havia tempo para nada além de
massacrar draenei e consertar armas a armaduras para que a Horda continuasse sua tarefa.

Olhava com indiferença para o pátio enquanto esperava as ordens. Blackhand andou com seu lobo até os portões
da Cidadela, onde podia ser visto por todos. Ventava muito, e como não havia nada para bloquear o vento, os
estandartes dos clãs agitavam-se violentamente.

“Temos uma longa marcha a nossa frente,” gritou Blackhand. “Foram instruídos a levar suprimentos e espero que
tenham obedecido. Guerreiros, armadura polida e armas prontas. Curandeiros levem seus medicamentos, poções e
bandagens. Mas antes de marcharmos para a guerra, marcharemos para a glória.”

Levantou a mão e apontou a sombria montanha distante, que se projetava no céu e soprava fumaça negra.
“Será nosso primeiro destino. Subiremos até a montanha…e o que acontecerá lá será lembrado por milhares de
anos. Será o tempo no qual os orcs conhecerão poder que nunca antes provaram.”

Parou para que pudessem processar o que foi dito e ficou feliz com o murmúrio causado.

Durotan ficou tenso. Então…seria hoje…

Conhecido por não falar mais do que era necessário, Blackhand terminou o discurso com, “Vamos!”

A Horda avançou ansiosamente, curiosa e animada com as palavras do seu chefe. Durotan olhou rápido para
Draka, que acenou em apoio ao seu plano. Finalmente, forçando para mover-se, ele seguiu, pego pela maré de orcs.

A meio caminho da montanha havia uma trilha íngreme e estreita que levava a um grande platô. Para Durotan, era
como se esse pedaço tivesse sido cortado com uma espada, de tão anormal. Arrepiou só de pensar. Nos últimos dias,
nada de natural aconteceu na vida dele. Três grandes placas de pedra negra e polida estavam parcialmente encaixadas
no chão, dispostas em sequência. Eram, ao mesmo tempo, belas e sinistras. Os orcs estavam cansados depois da subida
sob o sol forte, vestidos com armadura e carregando suprimentos e tentou encontrar alguma lógica nisso. Não parecia
racional deixar os guerreiros exaustos pouco antes da batalha. Talvez ela fosse acontecer na manhã seguinte, depois de
descansar.

Para sua surpresa, logo após todos estarem acomodados e quietos, quem começou a falar foi Gul’dan, e não
Blackhand.

“Não faz muito tempo que éramos um povo disperso.” começou o bruxo. “Reuníamo-nos só duas vezes ao ano
apenas para cantar, dançar, tocar tambor e caçar.”

Disse essas palavras com desdém. Durotan baixou a cabeça. Os clãs se reuniam durante festival Kosh’harg fazia
séculos. Não era algo tolo, como estava implícito pelo tom de voz de Gul’dan, mas sagrado e poderoso. Prevenia
ataque entre os clãs, mas, pela reação dos orcs a sua volta , parecia que havia acontecido há décadas. Eles também
grunhiam em reprovação e balançavam a cabeça, envergonhados. Inclusive aqueles que haviam sido xamãs.

“Olhe para nós agora! Estamos lado a lado. O clã Laughing Skull junto ao Dragonmaw; Thunderlord junto ao
Warsong. Todos sob uma liderança forte e perspicaz de Blackhand – escolhido por vocês para unifica-los. Por
Blackhand!”

Gritos de satisfação ecoavam pela plateia. Durotan e Draka ficaram em silêncio.

“Ante sua orientação sagaz, e benfeitoria dos seres que escolheram aliarem-se a nós, estamos fortalecidos.
Tornamo-nos mais gloriosos. Nos últimos dois anos, progredimos mais em habilidade e tecnologia do que em dois
séculos. A ameaça que se aproximava dos orcs foi quebrada e precisará apenas de um impulso final para que seja
totalmente destruída. Mas antes…primeiro iremos nos comprometer à causa e receber uma benção em retorno.”

Inclinou-se e pegou um cálice estranho. Parecia ter sido feita do chifre de algum animal, mas Dutoran não se
lembrava de um fenoceronte ter um chifre tão grande. Era curvado e amarelo, com alguns adornos e inscrições que
brilhavam timidamente. O conteúdo do cálice, seja o que fosse, também brilhava. Assim que Gul’dan segurou perante
a si, uma luz amarela esverdeada horripilante iluminou seu rosto, criando sombras grotescas.

“Esta é a Taça da Unificação.” reverenciou Gul’dan. “É o Cálice do Renascimento. Ofereço-o ao líder de cada
clã, e este pode oferecê-lo a qualquer um de seu clã que queira ver abençoado pelos seres que foram tão bons conosco.
Quem virá primeiro jurar sua lealdade e receber a dádiva?”

Gul’dan virou-se em direção a Blackhand. Este sorriu e ia começar a falar quando uma voz selvagem e familiar
cortou o ar.

Não pensou Durotan. Não…ele não.

Draka apertou seu braço com força. “Vai avisá-lo?”


A garganta de Durotan travou. Não conseguia falar. Então decidiu: Não. Antes considerava o líder magro, mas
imponente, como um amigo. Mas não poderia arriscar revelar tudo o que sabia.

Nem mesmo por Grom Hellscream.

O chefe do clã Warsong abriu caminho na multidão e ficou a frente de Gul’dan. Blackhand ficou um pouco
incomodado. Esperavam que o Chefe Guerreiro fosse o primeiro a beber.

“Sempre soube aproveitar as oportunidades, estimado Grom.” sorriu Gul’dan, entregando o cálice repleto de
líquido verde. Ondas de calor e luz subiram e fizeram da face do chefe – lapidada para inspirar medo nos inimigos e
respeito nos aliados – parecer mais terrível.

Grom não hesitou. Pegou o cálice e bebeu com intensidade. Durotan observou, esforçando-se para ver a reação.
No final das contas, talvez alguém sem boas intenções tenha enviado a carta; quem sabe não fosse uma armadilha…

Gul’dan mal teve tempo de tirar o cálice antes de Grom começar a tremer e endurecer. Dobrou o corpo para
frente e já se podiam ouvir sussurros de preocupação. Durotan fitava, horrorizado, o corpo do orc sacudir e arquejar.
Seus ombros, esguios para um orc, alargaram-se diante dos olhos de Durotan. A armadura rachou com o novo corpo
desenvolvido. Grom endireitou-se. Já alto, agora estava remodelado pelo líquido verde para ficar mais forte e
musculoso. Olhou para a multidão.

O que pôde ver foi um semblante saudável, suave e, tirando a tatuagem preta no maxilar…completamente verde.

Grom jogou a cabeça para trás e berrou. Foi o grito mais alto que Durotan havia ouvido. Tapou os ouvidos, assim
como a maioria havia feito, mas ainda olhava a expressão de Hellscrem.

Seus olhos brilhavam vermelhos.

“Como se sente, Grom Hellscream do clã Warsong?” perguntou Gul’dan com suavidade.

A fisionomia de euforia era tão aguçada que parecia dor, e tentava achar as palavras. “Sinto-me…magnífico!
Sinto…”. Parou de falar e gritou pela terceira vez, como se apenas isso respondesse a pergunta. “Quero carne draenei
para rasgar e despedaçar! Sangue draenei no meu rosto…beberei até não aguentar mais! Quero seu sangue!”

Seu peito arfava de paixão pelas emoções e estava com os punhos cerrados. Parecia estar preparado para atacar
uma cidade inteira com as mãos vazias…e Durotan achou que ele seria vencedor dessa batalha. Voltou-se para seu clã.

“Vozes do Warsong! Adiante! Não negarei esse êxtase a nenhum de vocês!”

Os guerreiros apressaram-se, sedentos para sentir o que seu chefe estava sentindo. A taça foi passada a todos e
cada um bebeu. Tremeram de dor aguda por um momento; e passavam para o deleite total e aumento da força física. E
os olhos de todos aqueles que beberam, tornaram-se vermelho flamejante.

A testa de Blackhand estava ficando franzida. Quando o último orc Warsong bebeu da taça, ele grunhiu. “Eu
beberei agora!” exigiu, agarrando-a e tomando um grande gole. Apertou a garganta, mas permaneceu quieto enquanto
a magia negra fazia seu trabalho. Removeu a armadura e seus músculos cresceram sob a pele esverdeada. Os olhos
vermelhos brilharam quando abriu os olhos. Gesticulou para seus filhos, Rend e Maim, que atropelaram os orcs a sua
frente para atender ao chamado de seu pai. Durotan viu que Griselda, filha de Blackhand, hesitou, até que tomou
coragem e avançou para tomar o líquido. Blackhand desdenhou.

“Você não,” rosnou. A jovem recuou, assustada. Durotan, que sempre gostou da garota, suspirou aliviado. Apesar
de a intenção ter sido humilhá-la, involuntariamente, deu a ela um precioso presente. Virou-se para Orgrim.

“Venha, meu amigo! Beba comigo!”

Durotan não conseguiu falar, mesmo vendo seu melhor e mais antigo amigo ser chamado. Felizmente, não foi
preciso. Orgrim inclinou a cabeça.
“Não tirarei sua glória, meu chefe. Sou segundo em comando, e não chefe. Não tenho pretensões para tomar seu
lugar.”

Durotan curvou aliviado. Orgrim sentiu algo errado, mesmo não tendo sido avisado como Durotan foi. Não era
tolo. Não iria vender sua alma para ter esse tipo de poder que atormenta o corpo e faz os olhos arderem com um brilho
sinistro.

Agora os outros líderes enfileiravam-se, ansiosos pela benção que foi concedida aos dois chefes mais respeitados
por todos. Durotan não se mexeu. Drek’Thar sussurrou, “Meu chefe, não deseja receber essa benção?”

“Não. E não permitirei que ninguém do meu clã beba desse líquido.”

Drek’Thar piscou, chocado. “Mas… Durotan, obviamente essa bebida concede grande poder e ardor! Seria um
tolo se não bebesse!”

Durotan balançou a cabeça, relembrando do conteúdo da carta. Teve suas dúvidas no começo, mas agora tinha certeza.
“Seria um tolo se bebesse.” disse em voz baixa, e quando o ex-xamã fez menção de protestar, foi silenciado com um
olhar de seu chefe.

Inesperadamente, as palavras do profeta Velen vieram a sua mente: Não vender nosso povo a escravidão foi uma
escolha, e por isso fomos exilados. Durotan sabia que os orcs que beberam desse cálice, já não eram donos de si
mesmos, Gul’dan fez o mesmo que os líderes dos draenei haviam feito. Vendido seu povo, transformando-os em
escravos. A história estava se repetindo; agora era Durotan que desafiava seus líderes pelo bem de seu povo. Talvez
ele e seu clã, como os draenei, seriam em breve “os exilados”. Não importava. Estava fazendo o certo. Percebeu que
todos os líderes de clã, exceto ele, haviam bebido e o momento que tanto temia havia chegado.

Gul’dan acenou para ele. “O poderoso Durotan! O herói de Telmor!” Durotan esforçou para permanecer firme.
“Junte-se aos outros chefes. Beba sua parte no cálice.”

“Não Gul’dan, não irei.”

Conseguiu ver, iluminado pelas tochas, um músculo no canto do olho do bruxo tremer.

“Recusa-se? Acha ser melhor do que os outros? Não acha necessária essa benção?”

Os outros chefes estavam com as testas franzidas, ofegantes e com suor escorrendo pelas sobrancelhas.

Durotan não mordeu a isca. “É minha decisão.”

“Talvez os membros do seu clã pensem diferente.” disse, expandindo os braços, incluindo todos do clã Frostwolf.
“Deixará que eles bebam?”

“Não. Sou o chefe do clã Frostwolf e essa é minha escolha.”

Gul’dan desceu do tablado e correu para junto de Durotan e sussurrou. “O que você sabe e como descobriu?”

Apesar de ser um ato intimidador, Durotan encheu-se de esperança. O bruxo sentiu-se ameaçado. Porém, ao invés
de enviar um assassino despachar alguém que o incomodava, estava tentando ameaça-lo e submetê-lo. Havia acabado
de confirmar as informações contidas na carta e revelado que não fazia ideia do autor. Podia sobreviver a esse
episódio e ainda proteger seu clã.

“Sei o suficiente. E nunca saberá como descobri.” sussurrou em resposta.

Gul’dan afastou-se e forçou um sorriso. “Certamente que a escolha é sua, Durotan filho de Garad. E se prefere
renegar essa benção, deve então sofrer as consequências.”

Eram palavras em duplo sentido, mas não importava. Iria se preocupar com o que o bruxo poderia fazer com ele
outro dia.
Não esta noite.

Gul’dan voltou para onde estava e gritou para a multidão. “Todos aqueles que desejaram a benção do poderoso
Kil’jaeden, nosso bem feitor, a receberam. Considerem esse local como solo sagrado, pois aqui os orcs tornaram-se
algo muito maior do que quando nasceram. Pensem nessa montanha como o trono de Kil’jaeden, onde fica enquanto
cuida e abençoa os orcs.”

Afastou-se e acenou para Blackhand. Com os olhos vermelhos, armadura refletindo o brilho das tochas,
Blackhand levantou as mãos e gritou, “Hoje faremos história. Hoje, atacaremos a única fortaleza inimiga restante.
Iremos cortá-los ao meio. Iremos nos banhar em seu sangue. Iremos assaltar as ruas da sua capital, seremos seu pior
pesadelo. Sangue e trovão! Vitória para a Horda!”

Durotan estava perplexo. Esta noite? Não haviam discutido estratégias. Não estavam falando de uma vila ou
aldeia, mas da capital draenei. Era o último refúgio dos draenei e certamente lutariam com mais garra do que nunca,
como animais encurralados. Lembrou que Blackhand mandou remover as máquinas de guerra – mas para onde,
ninguém sabia.

Loucura. Isso é loucura.

E ao ver os companheiros gritando a sua volta, pares de olhos brilhando escarlate, e percebeu que a palavra
loucura nunca foi tão verdadeira.

Aqueles que beberam do cálice corrompido enlouqueceram. Hellscream dançava próximo à fogueira, exibindo
seus braços agora musculosos, as luzes brincando com a pele que antes era castanha e tornou-se verde. Enjoado e
zonzo, lembrou-se das criaturas que os bruxos controlavam, pois os olhos tinham a mesma coloração; o tom de pele
verde que havia acometidos os bruxos, agora maculou a pele de Durotan e daquela que mais amava na vida.

Pensou na carta, escrita em língua arcaica, que era ensinada a poucos – os xamãs e os líderes de clã.

Pedirão para que beba. Recuse-se. É o sangue de almas distorcidas, e distorcerá a sua e de todos que a
absorverem. Escravizará a todos para sempre. Por todos que mais ama, recuse.

“Almas distorcidas” era grafada como uma única palavra na língua arcaica.

O fluido que passara pelos lábios daqueles que eram amigos e inimigos de Durotan era sangue desse ser. E
Durotan assistiu as almas distorcidas que os orcs haviam se transformados, começarem a dançar como insanos à luz
das tochas antes de correrem montanha abaixo, dominados por uma fúria e energia anormal, atacar a cidade mais
fortificada que o mundo havia visto.

Almas distorcidas.

Dae’mons.

Demons.

Demônios.
Capítulo 20

Conversei com muitos que presenciaram a destruição da cidade de Shattrath. Quando os pergunto sobre o ocorrido, as
mentes ficam turvas e se lembram de muito pouco. Até Drek’Thar, que relembra tudo com assombrosa clareza, hesita
e gagueja quando peço os detalhes. É como se o sangue ainda fresco em seus lábios, fez aqueles que o beberam,
recordar apenas a fúria que sentiram e não as ações que realizaram. E mesmo os que não tomaram, o pequeno grupo
do qual Drek’Thar fez parte, não conseguem evocar os acontecimentos. A impressão dada, é que uma atrocidade tão
horrível como essa, quer ser esquecida.

Alguns draenei certamente sobreviveram; vi com meus próprios olhos os tristes e patéticos seres que um dia
foram gloriosos, divagando por Azeroth, despedaçados, clamando pelo seu antigo lar. Esses infelizes são dignos de
pena.

Então esse relato é vago e lamento por isso. Por mais obscuro que fosse não deveria ser esquecido ou encoberto.
Mas este é o desafio do cronista.

Os orcs desceram pela trilha, ardendo com uma necessidade feroz de destruição. Alguns estavam transbordando
com tanta cólera e ódio que golpeavam rochas pelo caminho, outros gritavam enfurecidos. Havia aqueles que estavam
em silêncio, guardando a energia para liberá-la no momento certo.

Durante a longa corrida, Durotan teve mais medo de seus companheiros orcs do que qualquer ogro, ou um bando
de talbuques, ou até mesmo um guerreiro draenei raivoso. Suava frio, mas não temia por si. Tinha medo do que
aconteceria depois – não com os draenei, pois seu destino certamente já estava decidido, mas com os orcs. Não
conseguia concentrar enquanto corriam para Shattrath como a Horda.

Em um determinado momento, um estrondo terrível os derrubou. Levantaram-se e olharam para trás.

Parecia que a montanha havia explodido. Fogo líquido jorrava no céu noturno, subindo e então descendo e
espirrando do pico. Brilhava e irradiava como o sangue demoníaco que os orcs tinham acabado de beber, só que ao
invés de verde, sua cor era alaranjada. Mais e mais rochas derretidas eram expelidas da montanha. Era uma cena
magnífica, hipnotizante e pavorosa.

Os orcs comemoraram, pois entenderam como um sinal. Depois de festejar brevemente na própria montanha, o
Trono de Kil’jaeden, abençoando sua empreitada, viraram-se e continuaram sua corrida a caminho da matança.

Diminuíram a velocidade há uma milha da cidade. Uma área havia sido desobstruída recentemente e os orcs que
lá chegaram primeiro, observavam, confusos. Foi dito que se reunissem nesse local; e onde as máquinas de guerra
deveriam estar.

E sem aviso prévio, algo se materializou a sua frente. Os orcs recuaram com um silvo, então, em vista de tudo
isso, começaram a rosnar para o ser gigantesco. Era três vezes maior do que o maior ogro; era vermelho desde as patas
fendidas até os chifres salientes. Nunca haviam visto nada naquele tamanho, mas a forma…Durotan encarava. Era
nada mais nada menos do que um draenei colossal e com a pele escarlate. A súbita compreensão de que os orcs foram
mergulhados em um conflito pessoal e que não era de sua conta, atingiu-o como uma onda gigante.

“àqueles que juraram fidelidade a mim, não há nada que devam temer, apenas celebrar.” gritou e sua voz
penetrava em seus ossos. “Sou Kil’jaeden, o Belo, que esteve com vocês desde o começo. E estarei durante a batalha
mais gloriosa já vista. Os perversos draenei conspiraram contra os orcs, escondendo uma cidade inteira. Mas essa
cidade foi destruída, junto com outras e seu templo foi conquistado. Esta batalha é tudo o que resta para que a ameaça
seja eliminada.”

“A pedra verde que um dia escondeu a cidade de Telmor agora esconde a perdição deles. Kehla men samir, solay
lamaa kahl!”
E a ilusão foi dissipada. Dezenas de catapultas, aríetes e variadas armas de cerco. Ao lado estavam os ogros,
parados e quietos; seus rostos obtusos cheios de determinação. Carregavam armas adaptadas para seu tamanho e
Durotan percebeu que havia vários preparados para lutar. As armas pareciam brinquedos em suas mãos.

“E tem mais…” disse e acenou com a mão. Os bruxos gritaram e seguraram a cabeça por um instante, e piscaram
com um sorriso no rosto. “Novos feitiços foram transmitidos para suas mentes. Use-os bem. Derrotem os draenei
agora!”

Os orcs moveram-se em um pulo, como se tivessem aberto os portões. Alguns se precipitaram para as armas com
uma força que Durotan nunca viu antes. Os ogros juntaram-se aos outros, pegando armamento pesado com rapidez.
Alguns orcs ainda estavam tão imersos na sede de sangue que apenas correram em direção da cidade. Não fazia ideia o
que fariam quando chegassem lá, mas seguiu obedientemente junto com seu clã.

Os ogros impulsionavam as máquinas de guerra com os orcs no encalço. Mas os muros da cidade já estavam sob
ataque antes mesmo das maquinas serem manobradas. Rochas verdes enormes e brilhantes caiam do céu e atingiam a
cidade. Torres e cidadelas que ultrapassavam o nível dos muros rachavam e estilhaçavam, e o próprio muro começava
a desmoronar em alguns pontos. Mas não eram apenas os pedregulhos que caiam que abrangiam o ataque – mas que
aparecia uma vez que aterravam.

Movendo-se de maneira deliberada, mas com uma velocidade doentia, criaturas que pareciam ser feitas da mesma
pedra verde brilhante levantavam e atacavam. Golpeavam o muro junto com as pedras lançadas pelas catapultas e
grandes troncos de árvores arremessadas no portão principal. Dois ogros batiam no portão com suas clavas, fazendo a
madeira estremecer. Era possível ouvir os gritos de fúria e terror dos draenei ao lutar contra essas criaturas –
“infernais”, escutou de um bruxo. A maioria deles usava esses novos servos e poucos estavam com a versão menor
dessas criaturas.

A cidade não iria durar com tamanha investida. E com uma vasta colisão, uma parte do muro de pedras ruiu. Uma
maré de orcs enlouquecidos e ogros barulhentos sacudiam suas armas e vertiam pela fissura criada. Durotan não saiu
do lugar, parecia estar pregado ao chão olhando orcs a lutarem, matarem e morrerem.

A fúria e raiva que havia visto antes não eram nada comparadas com o que via agora. Não havia estratégia,
defesa, ou pedidos para recuar quando necessário. Era apenas matança e massacre, infligindo e recebendo a morte.
Caindo estupidamente em armadilhas, atitude esperada dos ogros, que quando caiam em batalha seus corpos jorravam
sangue, Durotan não os lamentava. Mas os orcs…importavam-se apenas com a sensação do sangue ressonando em
suas veias e os gritos de guerra que ecoavam de suas gargantas.

Dúzias…não, centenas iriam morrer essa noite. As baixas deixariam a cidade inabitável. A nascente
testemunharia corpos verdes e azuis emporcalhando as ruas. Mas por agora, era apenas caos, carnificina e profunda
insanidade. Durotan brandiu seu machado porque era matar ou morrer, e mesmo vendo seu povo nesse caminho
sombrio, ele não desejava morrer.

Kil’jaeden e Mannoroth assistiam juntos os meteoros verdes que abrigavam os infernais espatifarem-se no solo.

“Fervilham como insetos.” grunhiu Mannoroth.

Kil’jaeden aquiesceu, satisfeito. “Certamente. É um espetáculo e tanto. Estou muito contente.”

“Qual o próximo passo?”

Virou-se surpreso para seu tenente. “Próximo? Não tem próximo, pelo menos não aqui. Os orcs cumpriram meu
propósito. Ardem com seu sangue, amigo. Por fim irá consumi-los a não ser que arrumem uma válvula de escape, e
essa válvula só pode ser achada no massacre de todos os draenei.”

Observou a distância fogo juntar-se ao tom verde.


“Bom saber que já terminou por aqui,” disse o tenente. “Archimonde resmunga que isso é perda de tempo e que
nosso mestre precisa de nós em outro lugar.”

Kil’jaeden suspirou. “É verdade. Sargeras está faminto, e tem sido muito paciente comigo. Arrependo-me de uma
coisa – não poder assistir a morte de Velen. Bem, já é o bastante saber que acontecerá. Vamos embora daqui.”

Gesticulou e ambos desapareceram.

“Como assim ele não está aqui?” chiou Gul’dan. Não era possível.

“Exatamente o que eu disse.” respondeu Blackhand. “Fizemos uma busca pela cidade. Não localizamos Velen.”

“Quem sabe um soldado muito ávido achou-o e acabou por mutilá-lo.” ponderou com nervosismo. Eram
péssimas notícias. Instruiu Blackhand a achar o corpo do profeta e trazer sua cabeça. Era para ser um presente para
Kil’jaeden.

“Possível. Muito provável.” disse o Chefe Guerreiro. “Mas pelo o que me havia dito, mesmo se o corpo estivesse
em pedaços, não seria confundido por draenei comum.”

Gul’dan balançou a cabeça, sentindo preocupação e enjoo. Draenei tinham a pele azulada e cabelos pretos. Velen,
o profeta, era pálido e tinha cabelos brancos. Contanto que houvesse um pedaço inteiro, daria para identificá-lo.

“Vasculhou a cidade?”

Blackhand franziu a testa. “Eu disse que sim.” respondeu sombriamente. A respiração acelerou, seus olhos
ficaram mais vermelhos e a cólera subiu pelo corpo.

Gul’dan concordou. Apesar de enfeitiçados pela sede de sangue, não iriam falhar em procurar o corpo mais
cobiçado pelo seu líder. A recompensa era muito boa e o castigo caso fosse ignorado e descoberto depois seria
implacável.

Velen escapou de alguma maneira. Isso significava que havia outros draenei vivos. Em pânico, imaginou como
os deixou escapar por entre os dedos…e para onde tinham ido nesse vasto mundo.

Velen tinha um templo inteiro, repleto de acólitos, sacerdotes e servos, que meditavam e rezavam. Agora, estava
numa sala pequena. Segurava o cristal roxo e lágrimas silenciosas e ignoradas fluíam em seu rosto.

Assistiu a queda da cidade. Quis ficar e emprestar uma parte considerável da sua magia, mas isso significaria a
morte – não apenas a sua como a do seu povo. Não precisavam de um líder militar. Com sangue demoníaco em seu
organismo, os orcs queimavam com desejo de matar que não seria saciado mesmo se assassinassem até o último
draenei em Draenor, mas apenas quando a morte endurecessem seus corpos. A demoníaca Legião Ardente de Sargeras
e Kil’jaeden os possuíam agora. Os orcs tinham número, ogros, bruxos e um furor que os levariam físico e
mentalmente a lugares onde nenhuma mente sã ousaria ir. Velen só podia deixar a cidade cair, pois nada poderia fazer
para salvá-la.

Nem mesmo os orcs poderiam ser salvos. A única centelha de esperança para uma possível redenção da Horda
jazia no único clã que não bebeu o sangue e não fez parte do pacto e, portanto ainda eram donos de suas almas e
corações. Cerca de oitenta orcs. Oitenta para irem contra dúzias de clãs; sendo que um clã já superava esse número, e
seu Chefe Guerreiro era o pior de todos. Orcs seriam tratados pelos draenei como bestas enfurecidas, e se esbarrassem
com algum no caminho, seriam executados rápida e piedosamente, pois apesar de não compreenderem o que faziam,
deviam ser mortos mesmo assim.

Velen queria que abandonassem a cidade, deixá-la vazia para os agressores. Salvar o máximo de vidas possível.
Mas Larohir, general inteligente e ágil que havia sucedido Restalaan depois de seu assassinato, o convenceu de que
não adiantaria.
“Se não houver draenei suficientes para matar, a sede não poderá ser saciada nem temporariamente. Ficarão
ávidos e irão farejar nosso cheiro e nos encontrar. Aqueles que fugirem vão acabar mortos. Devem acreditar que
mataram a maioria de nós. E para acreditarem…precisa ser verdade.” disse com compaixão e delicadeza, mas com
firmeza.

Velen o encarava horrorizado. “Acha que mandarei meu povo consciente para ser massacrado?”

“Apenas um grupo sabe que fugimos no Argus.” disse o tenente. “Nós lembramos o que Kil’jaeden fez e o que
aconteceu com nosso povo. Morreríamos – morreremos – felizes se isso preservasse um punhado incorrupto.”

Velen baixou a cabeça com o peito doendo. “Se acreditarem que mataram a todos, menos alguns draenei banais,
Kil’jaeden ficará satisfeito e partirá.”

“Os orcs irão sofrer imensamente.” disse parecendo contente. Velen não o culpava, depois do que os orcs haviam
feito contra sua raça.

“Irão, e não duvido que continuem a nos perseguir.”

“Mas o método que podem usar para achar alguns draenei será diferente do que das centenas que sobreviverão.
Pensar que estamos destruídos e dispersos será nossa vantagem.”

Olhou o tenente, assombrado. “É fácil falar. Não será você que decidirá. Serei eu. Escolherei e direi ‘Você e sua
família virão comigo e viverão. Mas você, você e você devem ficar para trás e deixar os demoníacos orcs parti-los em
pedaços e embeber de seu sangue.’”

Larohir nada disse. Não havia nada a dizer.

Velen conversou com cada um que havia escolhido para morrer. Abraçou e abençoou-os; ficou com objetos que
significavam algo para eles e prometeu que estes perdurariam. Viu esses guerreiros polirem suas armaduras, sem uma
lágrima no rosto, como se houvesse a possibilidade de outro resultado senão a perdição. E os viu marcharem, entoando
canções antigas, envolvendo-se nos muros da cidade esperando uma lança, maça ou machado para terminar com suas
vidas.

Velen não podia ficar. Tinha habilidades únicas e se os draenei quisessem sobreviver, precisariam delas. Mas
usou o cristal para assistir a batalha e a dor que sofreu era abrasadora, mas purificante. Ninguém morreria em vão.

Os orcs não sabiam nada sobre Zangarmarsh. Não haviam detectado esse esconderijo, e se dependesse de Velen,
nunca iriam. Aqui, as melhores cabeças draenei continuariam a planejar meios para conseguir energias e direcioná-las
para manter a salvo os sobreviventes. Reagrupariam e iriam se recuperar. Curariam suas feridas e rezariam para terem
finalmente ludibriado Kil’jaeden, o Enganador e escapado de seu vislumbre.

Os orcs haviam capturado três cristais, mas Velen ainda estava com quatro; Sorriso da Fortuna, Olho da
Tormenta, Escudo de Naaru e claro, Canção do Espírito. E apesar da ligação com os Naaru ser tênue, K’ure ainda
vivia.

Mesmo derramando lágrimas que tocavam o cristal violeta, e amargando a trágica perda de tantas vidas, Velen,
profeta dos draenei, sentiu uma ponta de esperança nascendo dentro dele.
Capítulo 21

À essa altura, tudo estava perdido.

Abandonamos o equilíbrio e harmonia com o nosso mundo e por isso os elementos nos abandonaram. A entrada
de Oshu’gun estava sendo vigiada por demônios, afastando-nos dos ancestrais. Nossos corpos e almas foram
corrompidos pelo sangue que, pela ânsia por poder e força, a maioria dos orcs beberam de bom grado. Então…quando
fizemos tudo isso sob a “orientação” de Gul’dan, Kil’jaeden nos deixou. E deu-se início a chamada Era da Extinção.

Espero que nunca volte.

“O que devo fazer?” Gul’dan não parecia acreditar nas palavras que saiam de sua boca, mas estava tão
aterrorizado que um conselho, seja qual fosse, era melhor do que esse medo que sentia.

Ner’zhul olhou-o com desprezo. “A escolha foi sua.”

“Não haja como se não tivesse alguma culpa!” rebateu o bruxo.

“Claro que não. As minhas escolhas foram egoístas, para meu próprio proveito. Mas nunca joguei fora o futuro
do meu povo – meu mundo – por elas. Cadê o poder que lhe foi prometido, Gul’dan? Aquele que você trocou pelo
nosso povo?”

Tremendo, afastou-se. Sabia que não havia poder e isso fez com que as palavras penetrassem fundo.

Ao invés de recompensar seu servo com glórias e divindade, Kil’jaeden desapareceu. Tudo o que sobrou de sua
presença foram os bruxos e seus demônios, uma Horda colérica, e uma terra devastada.

Não, pensou. Não foi apenas isso.

Ainda havia o Concílio das Sombras. E Blackhand, o fantoche perfeito justamente por não perceber ser um. E
apesar da Horda estar infundida com sangue demoníaco e desejar destruição e violência mais do que alimento, ainda
não estava fora de controle. Não ainda.

Convocaria o Concílio para encontrar-se no Templo Negro. Com certeza estariam também tentando arrumar
maneiras de salvar o poder que restou.

Sim. Ainda havia o Concílio das Sombras.

“A terra está morta.” sentenciou Durotan enquanto inspecionava junto com seu amigo um local que antes havia
sido um campo verdejante. Cutucou o solo com a bota. Chutou a grama amarela ressecada revelando rocha e areia
debaixo dela. Sem árvores para bloquear, o vento assobiava.

Orgrim ficou quieto por um bom tempo. Viu que o amigo tinha razão. Olhou o leito do rio que havia nadado um
dos muitos desafios junto a Durotan, mas que agora não apresentava vestígios de que água alguma vez passou por ali.
A que havia restado estava suja, repleta de corpos de animais e sedimentos. Beber arriscaria ficar doente; não beber,
seria morte certa.

Sem água ou gramado. Havia alguns lugares aqui ou ali que sobreviviam, como a Floresta Terokkar. Sem pasto
para alimentar o rebanho, os orcs estavam definhando. Nos últimos três anos houve mais mortes por inanição e
enfermidade do que baixas na batalha contra os draenei.

“Está mais do que morta.” disse finalmente Orgrim. Sua voz era rouca e grave e virou-se para Durotan. “Como
está o suprimento de grãos do clã?”
Olhando para si e Durotan, a pele já estava verde. Comparado a outros, como Grom e Blackhand, ainda estavam
mais para o castanho, mas o estrago estava feito. Especulava que o poder dos bruxos estava atingindo os orcs e o
mundo. Porém era claro que aqueles que beberam a poção que Gul’dan havia preparado estavam com o tom mais
vívido. A ironia era que a terra estava marrom quando deveria estar verde e os orcs estavam verdes quando deveriam
estar marrons.

Durotan fez uma careta. “Vários tonéis foram roubados durante o ataque.”

“Qual clã?”

“Shattered Hand.”

Orgrim assentiu. O clã Frostwolf estava absorvendo o impacto da recente epidemia de ataques. Após a Horda ter
tomado Shattrath, o indício de draenei encontrados diminuiu. Há seis meses que ninguém reportou ter visto os seres
azulados e esquivos. O líder dos Frostwolves fez seu clã virar um alvo após ter se recusado a beber do cálice na noite
que a capital caiu. E mesmo após isso, a relutância em atacar os draenei foi percebida e estes, sendo o escape para o
aumento da sede de sangue dos orcs, estavam ficando escassos e alguns achavam que Durotan era o responsável.
Esqueceram que o objetivo principal, varrê-los de Draenor, foi alcançado e que provavelmente haviam sido caçados
até a extinção.

“Trarei alguns quando voltar aqui.”

“Não aceitarei esmola.”

“Se meu clã estivesse na mesma condição, você me daria uma surra até me deixar inconsciente e depois enfiaria
comida goela abaixo antes de eu ter a chance de recusar.” disse Orgrim.

Durotan ficou surpreso ao rir. Orgrim apenas sorriu. Ignorando o solo infértil a sua volta e a coloração anormal
da pele, era como se, por um momento, os horrores dos últimos anos não tivessem acontecido.

E assim que a risada de Durotan esvaiu-se o presente reapareceu. “Pelo bem de nossas crianças, irei aceitar.”
Examinou o terreno. Novos nomes começaram a aparecer – mais sombrios e duros. A Cidadela agora era chamada de
Cidadela Fogo do Inferno, e a área de Península Fogo do Inferno.

“O aniquilamento dos draenei irá induzir aos dos orcs caso algo não seja feito.” expos Durotan. “Estamos nos
voltando uns contra os outros. Rebaixando-nos ao tirar comida da boca de crianças, já que a terra está tão ferida que
não nos nutre mais. Os demônios que saltitam aos pés dos bruxos podem atormentar ou dizimar, mas não curam ou
alimentam os famintos.”

“Alguém já tentou…trabalhar com os elementos?” perguntou em voz baixa. Tais atividades ainda eram proibidas,
mas sabia que o desespero havia feito alguns pensarem nas velhas práticas.

“Foi um fracasso,” assentiu Durotan. “Encontramos nada além de silêncio. Demônios ainda guardam Oshu’gun.
Não há esperança lá.”

“Então…estamos acabados.” disse Orgrim. Olhou para seu machado; a haste apoiando na perna. Perguntou-se se
a profecia da Doomhammer estava sendo cumprida mesmo agora; se seria o último da sua estirpe. Já havia trazido a
salvação e a perdição usando a arma para exterminar os draenei? E como poderia agora ser usada para fazer justiça?

Com tudo morrendo…como poderia ser alterado de novo?

O instinto de sobrevivência é algo impressionante, pensou Gul’dan ao se preparar para dormir. Dormia agora
num quarto no Templo Negro que foi preparado especialmente para ele. E lá havia colocado um altar com todos os
berloques e instrumentos necessários para comandar os demônios que convocava: fragmentos das almas dos draenei,
certas pedras para criaturas maiores, poções para manter a energia quando preciso. Havia também crânios, ossos e
outros símbolos de domínio. Ervas queimavam em recipientes para que os aromas causassem visões.
Acendeu uma pequena fogueira e deixou a madeira virar brasa. Cantando suavemente, Gul’dan jogou algumas
folhas secas no fogo e segurou para não tossir ao aspirar a fumaça. Deitou-se – gostava de pensar que esta era a
mesma cama que o detestável Velen dormia – e logo pegou no sono.

E Gul’dan sonhou, algo que não acontecia desde a partida de Kil’jaeden. E apesar da visão ser em um lugar
escuro e estranho, sabia ser verdade.

Viu um ente na forma de um orc vestindo um longo manto que escondia seu rosto. Era mais esbelto do que uma
orquisa, mas de alguma maneira pressentiu que era um orc. Apesar de ter um porte delicado, o poder que irradiava
quase o açoitava. Tremeu, e quando o estranho falou em sua mente a voz era masculina, singularmente agradável e
persuasiva.

“Está sentindo-se sozinho e sem rumo.” disse o estranho.

Concordou, ávido e ao mesmo tempo cauteloso.

“Kil’jaeden prometeu-lhe poder…força…divindade. Coisas que esse mundo nunca viu.” continuou a voz vindo
da boca que permanecia velada pela sombra do manto. As palavras acariciavam o bruxo, acalmavam e também
amedrontavam. Mas sentiu mais raiva do que medo ao falar.

“Abandonou-me,” disse Gul’dan. “Causou a ruína do nosso mundo e então nos deixou para morrer aqui. Se vem
por parte dele, então –“

“Não, não.” respondeu misterioso ser. “Represento alguém muito superior.” Os olhos brilhavam fundo na sombra
do capuz. “Venho em nome…de seu mestre.”

Sentiu uma pontada. “Seu…mestre?”

Ao cair, sua consciência foi acorrida de imagens: a de Kil’jaeden, Velen e Archimonde como eram antes, a
transformação dos seres conhecidos como eredar em monstros e semideuses. E sentiu uma grande presença por trás de
tudo, apesar de não vê-la.

“Sargeras!”

Teve a impressão de que o estranho sorriu, apesar do rosto ainda estar escondido.

“Sim. Aquele que governa a todos. Aquele a quem servimos. Entenderá em breve, Gul’dan, que destruição e
torpor são puros e belos. É o caminho que deve ser seguido. Pode resistir e ser aniquilado, ou colaborar e ser
recompensado.”

Com cautela, ainda receoso com as palavras doces proferidas pela figura encapuzada, o bruxo perguntou. “E o
que será exigido de mim?”

“Seu povo está morrendo.” afirmou bruscamente. “Nada resta para que possam arruinar, ou mesmo sobreviver.
Devem ir para outro lugar, onde há alimentos em abundância e presas dignas de se matar. Os orcs estão famintos por
algo além de comida. Dê-os o sangue que tanto anseiam.”

Estreitou os olhos. “Isso está mais para uma recompensa do que uma missão.” disse.

“Ambos…mas não é a única recompensa oferecida. Sentiu o gosto do poder ao controlar o Concílio das Sombras.
É um dos melhores bruxos dentre os orcs e sei que sente orgulho. Imagine se fosse…um deus.”

Gul’dan estremeceu. Já haviam oferecido isso antes, mas percebeu que Sargeras era mais capacitado para cumprir
juramentos tão extravagantes. Fantasiou estender a mão e fazer a terra sacudir, ou apertar a mão com força e parar um
coração. Viu os olhos de milhares de seguidores e as vozes clamando seu nome. Pensou em paladares e sensações fora
de seu entendimento, ficando com água na boca.
“Temos um inimigo em comum.” continuou o estranho. “Quero vê-los mortos. E seu povo será saciado com
massacres e matança.” E nessa hora, Gul’dan pode ter uma vaga ideia das feições; pele clara, cabelos negros e lábios
finos que formavam um leve sorriso. “Uma parceria que nos será benéfica.”

“Certamente,” ofegou Gul’dan. Estava aproximando-se do forasteiro, como se fosse atraído, então parou e
continuou, “mas duvido que esta seja a única coisa que será exigida de mim.”

A figura suspirou. “Sargeras dará tudo isso e muito mais. Só que…ele está aprisionado. Precisa de ajuda para
escapar. Seu corpo está confinado num túmulo antigo sob um oceano turvo e obscuro. Aspira pela liberdade e pela
soberania que possuía, assim como os orcs por derramamento de sangue e você por poder. Leve seus orcs para esse
mundo novo e intacto. Dê-os carne macia para que possam fincar seus machados. Derrote os habitantes deste lugar,
fortaleça seu povo e junte-se a mim para, junto com esse mar verde de orcs, possamos libertar nosso mestre. A
gratidão – “

De novo um sorriso astuto e um lampejo de dentes brancos no meio da barba negra.

“Bem…vai além do que pode imaginar, Gul’dan.”

Ao considerar, a imagem do estranho modificou e sumiu. Perdeu o fôlego quando viu um lindo campo e o vento
embaraçando seu cabelo trançado. Animais que nunca havia visto e no horizonte, árvores altas e saudáveis. Seres
diferentes, parecido com os orcs, só que de pele rosada e magros como o estranho cuidavam dos prados e do gado.

Perfeito.

A cena mudou. De repente estava debaixo d´água, nadando, mas seus pulmões não pediam por ar, independente
da profundidade. Algas oscilavam na correnteza, escondendo parte das colunas caídas e uma laje com uma escrita
singular, deteriorada pelo tempo e incessantes carícias da água. Um arrepio percorreu seu corpo ao perceber que esse
era o local onde Sargeras jazia. Libertá-lo de sua prisão…e então…

Seria uma boa parceria. Era melhor que ficar em Draenor, e morrer lentamente. Um mundo bonito e pronto para
ser saqueado, já era uma boa troca, mas havia mais por vir.

Olhou brevemente em direção a sombra. “Diga-me o que fazer.”

Gul’dan acordou esparramado no chão. A seu lado, na pedra fria, estava um pergaminho repleto de instruções
escritas com sua letra. Passou rapidamente os olhos: Portal. Azeroth. Humanos.

Medivh.

Gul’dan abriu um sorriso.


Capítulo 22

Pode algo ser, ao mesmo tempo, uma benção e uma maldição? Salvação e perdição? Assim limito o que aconteceu
depois à história do meu povo. Por tudo, as energias demoníacas, usadas livremente e sem se importarem com as
consequências, extraindo tudo de sadio e vital de Draenor. Kil’jaeden quis aumentar o número de orcs, para que
virássemos um exército imenso, e assim fizemos, forçando o crescimento de nossos jovens, roubando assim sua
infância. Agora a população de orcs nunca foi tão alta e não havia como alimentar a todos. Ficou claro para mim,
assim como para aqueles que viveram em tempos tão terríveis, que se permanecêssemos em Draenor, nossa raça seria
extinta.

Mas como…e por que partimos…esse mundo ainda sangra por isso. Faço o que posso para curar essa ferida
enquanto protejo os interessas da nova Horda que criei, mas será que ela um dia cicatrizará?

Vida para meu povo: uma benção. Como conseguimos: uma maldição.

O Concílio das Sombras estava aflito, tão preocupado com o desaparecimento de Kil’jaeden quanto Gul’dan. Mas
agora eles tinham um objetivo. Reuniu-os e compartilhou as palavras do estranho chamado Medivh, que falava de
terras férteis, água potável, animais de caça saudáveis e de pelagem brilhante. Falava ainda mais ostensivamente sobre
os seres chamados “humanos”, que seriam um desafio, mas que por fim cairiam ante a superioridade da Horda.

“Água, alimento, matança. E poder para aqueles que concordarem em colaborar.” disse Gul’dan, sua voz era tão
atraente que parecia ronronar. Havia selecionados os orcs certos. Seus olhos, alguns brilhavam vermelhos, outros
ainda castanhos e intensos, estavam concentrados nele, e viu esperança…e cobiça…em seus rostos.

O trabalho começou.

Primeiro, tinham que redirecionar a atenção da esfomeada Horda. Gul’dan sabia que, com a diminuição dos
suprimentos junto a uma sede por violência que já não tinha mais escape, os orcs estavam atacando uns aos outros.
Pediu que Blackhand enviasse ordens para que os clãs apresentassem os melhores guerreiros para pequenas batalhas
diretas em público. Os vencedores ganhariam alimentos dados pelo clã perdedor, além de água, honra e fama.
Alucinados por algo, qualquer coisa, que aliviasse a dor do duplo apetite, por comida e por sangue, os orcs
responderam bem à sugestão e Gul’dan ficou tranquilizado. Medivh pediu um exército para atacar os humano e isso
não seria possível se os orcs se matassem antes da invasão.

Durotan continuava sendo um problema. O líder do clã Frostwolf, provavelmente encorajado por não ter sido
eliminado na noite da tomada de Shattrath, começou a falar publicamente. Censurou as batalhas arranjadas, pois eram
degradantes. Apelou para procurarem um jeito de curar a terra e parar de culpar apenas os bruxos. Em outras palavras,
dançava o mais perto possível do limite, e às vezes ultrapassava.

E, como sempre acontecia, alguns escutavam. Assim como o clã Frostwolf foi o único a não beber o sangue de
Mannoroth, outros orcs de posições mais baixas, também se recusaram. O que mais o preocupava era Orgrim
Doomhammer. Esse poderia virar um problema. Orgrim nunca gostou de Blackhand; um dia ele poderia fazer algo.
Por agora, não se pronunciava junto aos Frostwolves e era um vitorioso constante das batalhas.

As visões continuaram. Medivh tinha um conceito bem claro sobre o que queria: um portal entre os dois mundos,
um criado pelo Concílio das Sombras e seus bruxos de um lado, e Medivh e seja lá que magia controlava, do outro.

Não poderiam fazê-lo em sigilo; o portal deveria ser grande para o exército que Medivh queria passar. Além
disso, a Horda sentia-se derrotada. A animação e desafio das batalhas e a construção do portal com ampla cerimônia
daria aos orcs algo para se concentrar.

Medivh gostou da ideia. Em uma determinada visão, assumiu a forma de um grande pássaro negro, empoleirado no
ombro de Gul’dan. As garras fincavam sua carne e sangue vermelho escuro escorria pela pele verde, mas a dor
era…boa. Havia um pedaço de papel enrolado na pata do pássaro. O bruxo desenrolou-o e viu um desenho que tirou
seu fôlego. Quando acordou, fez um rascunho em um pergaminho.

Examinou com olhos que brilhavam de antecipação.

“Maravilhoso,” disse.

“Não entendo seu desagrado,” disse Orgrim em um dia que sentava junto a Durotan para observar a construção
do que chamavam de Portal. Orcs trabalhavam por todos os lados. A pele esverdeava cintilava com o suor debaixo do
sol que queimava a terra. Alguns cantavam gritos cadenciados de guerra enquanto trabalhavam, outros estavam
concentrados e em silêncio. A estrada que levava ao platô, que percorria quase em linha reta do que era conhecido
como Cidadela Fogo do Inferno, estava pavimentada para que os equipamentos pudessem transitar livremente.

As formas das quatro plataformas grandes eram baseadas no modelo dos draenei. Ironia percebida por Durotan.
O original havia sido modificado, coroado com espinhos e bordas afiadas, que começavam a discriminar a arquitetura
dos orcs. Dois obeliscos que despontavam no céu como lanças aguçadas, e uma estátua de Gul’dan o topo de cada
uma.

Porém, o mais ameaçador era o quarto, situado um pouco atrás dos outros três. Essa era a real estrutura do Portal
que Gul’dan havia prometido que se manifestaria. Duas grandes lajes de pedra se erguiam no ar, e a terceira estava
deitada entre elas para formar o mais primitivo dos portais. Moldes começavam a aparecer da rocha, figuras
encapuzadas em ambos lados e uma espécie de serpente ondulada no topo.

“Não é melhor do que ter seu clã dizimado por eles?” continuou Orgrim.

Durotan aquiesceu. “De certa maneira. Mas ainda não sabemos onde esse portal nos levará.”

A Península Fogo do Inferno era a área mais prejudicada de Draenor, mas não era a única. Apontou para a
paisagem seca. “E isso importa? Sabemos de onde o portal virá.”

Durotan grunhiu com uma pitada de alegria. “Acho que tem razão nisso também.”

Sentiu os olhos cinza de Orgrim olhando-o. “Durotan…tenho evitado perguntar, mas…por que seu clã recusou o
gole oferecido por Gul’dan?”

Olhou seu amigo, e respondeu a pergunta com outra pergunta. “E por que você não bebeu?”

“Havia algo…errado,” disse finalmente. “Não gostei do que fez nos outros.”

Durotan encolheu os ombros, torcendo para que o amigo não pressionasse. “Então teve a mesma percepção que
tive.”

“Eu me pergunto,” começou Orgrim, mas não terminou.

Não havia razão para revelar o que sabia. Conseguiu proteger seu clã dos horrores que aconteceriam se tomassem
sangue demoníaco. Impôs-se para Gul’dan e, até agora, não havia sofrido nenhuma retaliação. E Orgrim, graças aos
ancestrais, havia sido sábio o bastante para perceber que algo equivocado e assim recusou a oferta. Por enquanto isso
já bastava para Durotan, filho de Garad, chefe do clã Frostwolf.

“Luto hoje,” disse Orgrim, mudando de assunto. “Você virá?”

“Sei que faz isso pelo seu clã e não por glória,” expos Durotan. “Luta para ganhar água e alimento para eles. Mas
não colocarei um pé nessas…exibições. Orcs não deviam lutar entre si. Nem em batalhas rituais.”

Orgrim suspirou. “Não mudou nada. Sempre teve medo que eu o derrotasse.”
Riu um pouco ao dizer a frase. Durotan virou-se, e pela primeira vez em tempos, muitos meses, sorriu com
entusiasmo verdadeiro.

O dia chegou.

A noite inteira, enquanto um círculo de bruxos cuidava para que nenhum curioso testemunhasse o ritual sombrio,
pedreiros trabalharam duro, esculpindo o selo final na base do portal. Uma vez terminado, limparam o suor do rosto,
sorriram uns para os outros e foram rapidamente mortos. Gul’dan foi informado por Medivh que o sangue daqueles
que criaram o selo, iria prepará-lo. Não sentiu que havia razão para duvidar do novo aliado. Mas os desafortunados
pedreiros não seriam os únicos a morrer aqui.

Foi solicitado que alguns clãs ficassem em Draenor. Gul’dan fez o possível para convencer os chefes dos clãs
Shattered Hand, Shadowmoon, Thunderlord, Bleeding Hollow e Laughing Skull, que eram necessários aqui. Foi
particularmente difícil e fazer o mesmo com Grom e seu clã. No começo, o chefe do Warsong enfureceu-se e Gul’dan
pensou se foi acertado deixa-lo beber o sangue do demônio. Parecia ter pouco controle sobre suas emoções;
Independente de falar o quão valioso Grom era e o quanto era importante que ficasse, quis que o chefe permanecesse
justamente por seu comportamento selvagem e imprevisível. Caso Grom colocasse alguma ideia maluca na cabeça,
acabaria desobedecendo a ordens. Gul’dan não poderia arriscar. Medivh não iria gostar nada disso.

Blackhand convocou toda a Horda para reunir-se na Cidadela. Muitos que voltaram para as terras ancestrais,
sendo o Frostwolf um deles, agora acampavam na área. Obedeceram a ordem para que se armassem como se
estivessem indo para uma batalha, apesar de muitos não entenderem o que de fato acontecia.

Os clãs reuniram-se. Cada um com suas cores tradicionais adornadas em uma faixa ou cinto sobre a armadura, e
neste dia quente o vento balançava orgulhosamente os estandartes.

Gul’dan e Ner’zhul observava a assembleia. Aquele se virou para seu antigo mentor. “Você e seu clã ficarão para
trás.” disse brevemente.

O xamã concordou, submisso. “Imaginei.” disse. Andava calado esses dias, o que agradou Gul’dan. Chegou a
suspeitar que o ancião pudesse brigar pela liderança depois que Kil’jaeden o abandonou, mas pelo jeito estava
destruído demais até para isso. Lembrou com desprezo da época em que idolatrava e até invejava Ner’zhul. Como era
tolo. Progrediu e aprendeu, inclusive com a amarga decepção. Às vezes via um leve brilho nos olhos do xamã, como
agora. Olhou com mais cuidado e julgou ser um truque de luz. Virou sua atenção para os clãs reunidos e sorriu.

Apesar de seus projetos irem além do simples derramamento de sangue, não podia evitar em ficar animado com a
vista. Estavam gloriosos! O sol queimava nas armaduras, estandartes dançavam ao vento, os rostos ansiosos
brilhavam. Se o que Medivh prometeu era verdade, este seria um marco a caminho da grandeza.

Os tambores rufaram. Profundo, primordial e que estremeceu ao longo do solo, através das rochas e nos ossos da
Horda. Ao começar a marcha muitos levantaram a cabeça e uivaram, entrando naturalmente em sintonia, mais uma
vez um povo unificado.

Gul’dan não se apressou. Seria teleportado para o Portal por outro bruxo. Podia aproveitar o desfile do exército
descer a estrada pavimentada até o Portal.

De pé, em frente ao Portal, havia uma criança draenei.

Onde a encontraram? Durotan não havia visto nem sombra dos seres azulados fazia meses. Foi muita sorte achar
qualquer draenei, muito menos uma criança.

Estavam entre os clãs Thunderlord e Dragonmaw. A entrada do Portal foi terminada e parecia linda e
aterrorizante. Duas figuras encapuzadas, seus olhos vermelhos brilhavam, se por magia ou tecnologia não havia como
saber, ladeava o acesso. Uma serpente esculpida enrolava-se no topo, a boca aberta mostrando as presas. Durotan
nunca havia nisto aquilo, e perguntou-se como os pedreiros haviam criado aquela imagem. Teria sido um pesadelo?
De uma maneira geral, era uma edificação impressionante.
Mal pode terminar de apreciar a habilidade aplicada a esta criação. Sua atenção foi desviada para o jovem
draenei. Era tão pequeno em comparação com o enorme arco – minúsculo, fraco e machucado. Olhava
inexpressivelmente para o mar de orcs que gritavam em sua direção, tão aterrorizado que já nada sentia.

“O que vão fazer com ele?” perguntou Draka em voz alta.

“Pressinto o pior.” respondeu Durotan balançando a cabeça.

Encarou-o. “Vi assassinarem crianças no meio da batalha. A sede de sangue os dominava – não poderia
concordar com a atitude, mas entendo o porquê aconteceu. Mas espero que não façam um ritual com essa criança.”

“Espero que esteja certa.” disse Durotan, mas não via outra razão para que o pequeno ser estivesse presente. Se
esse fosse o caso, não poderia apoiar. Não queria arriscar mais o clã, então rezou para que estivesse enganado.

Os bruxos cantavam algo e para a surpresa de Durotan, Gul’dan apareceu diante de seus olhos. Murmúrios
rolaram soltos e Gul’dan sorriu para a Horda.

“Hoje é um dia glorioso para a Horda!” gritou. “Viram o Portal ser construído, admiraram o artefato e como
agora virou um monumento à glória da Horda. Revelarei as visões que tive.”

Apontou para o portão. “Tenho um aliado em uma terra chamada Azeroth, muito longe daqui. Ele oferece as suas
terras. É verde e exuberante, repleta de água pura e criaturas robustas para caçar. E melhor ainda, continuaremos a nos
jubilar no prazer do derramamento de sangue. Uma raça, chamada ‘humanos’, que é inimiga de nosso aliado, tentarão
nos impedir de conquistar essa terra. Iremos destruí-los. Seu sangue irá correr em nossas espadas. Assim como
aniquilamos os draenei, faremos o mesmo com os humanos!”

Gritos de alegria entre os orcs. Draka parecia não acreditar. “Como ainda podem estar assim? Não percebem que
acontecerá nessa nova terra o mesmo que aconteceu em Draenor se continuarmos nesse caminho?”

Durotan concordou. “Mas ao mesmo tempo, não há outra escolha. Precisamos de água e comida. Devemos passar
pelo portal.” Draka suspirou. Havia lógica, apesar de não gostar da situação.

“Nesse momento nosso aliado está abrindo o Portal do outro lado. E agora, começaremos.” Gesticulou para o
pequeno cativo draenei. “Sangue é uma oferenda pura para aqueles que não concedem esse vasto poder. E o sangue de
uma criança é ainda mais puro. Com o fluído vital de nossos inimigos, abriremos o Portal e entraremos em um
glorioso mundo novo – uma nova página na história da Horda!”

Aproximou-se da criança amarrada, que o olhou com olhos vazios. Gul’dan levantou a adaga adornada. E brilhou
na luz do sol.

“Não!”

A palavra foi arrancada dos lábios de Durotan. Todos viraram para encara-lo. Avançou. Não poderia se esperar
nada de bom, se essa nova iniciativa seria aberta com o sangue de uma criança inocente. Não conseguiu dar três
passos até ser derrubado. Ao cair no chão banhado pelo sol, ouviu Draka urrar um grito de guerra e o barulho e metal
contra metal. Irrompeu o caos. Lutou para levantar-se e viu a forma contorcida da criança. Sangue azul escorria da
garganta cortada.

“Gul’dan, o que fez conosco!” Durotan bradou, mas seu protesto perdeu-se no rugido dos orcs enfurecidos. Os
Frostwolves tomaram ação para defender seu líder, e os gritos eram ensurdecedores. Durotan perdeu o fôlego ao ser
atacado – não sabia de qual clã. Levantou seu machado para se defender. O agressor desviou, movimentando-se mais
rápido que Durotan esperava, aproximou-se e –

A terra começou a tremer, mudando o teor dos gritos proferidos. A luta cessou assim que os orcs viraram-se para
o Portal. Antes se via a paisagem da Península através do portal. Agora havia escuridão cintilada por estrelas como se
olhassem um céu noturno. Até os olhos de Durotan ficaram fixos no espetáculo. Observou a escuridão ondular e
transformar-se numa cena que surpreendeu e intrigou.
Gul’dan havia falado de uma terra fértil e rica, com animais para caçar e céu azul. Certamente estava olhando
para uma terra que nunca havia visto antes, mas em que nada parecia ao reino idílico que o bruxo havia descrito. Era
tão úmido quanto Draenor era árida. Uma neblina espessa flutuava sobre a água salobra e oscilava em um terreno
úmido. Um zumbido encheu o ar. Pelo menos, pensou Durotan, havia vida nesse lugar estranho.

Sussurros descontentes correram pela multidão. Este era o local aonde queriam enviá-los? A primeira vista não
era muito melhor do que Draenor. Mas de qualquer jeito, água significava vida.

Olhou para Gul’dan, ao que as reclamações aumentavam. O bruxo tentava disfarçar o próprio choque. Levantou
os braços pedindo silêncio.

“Azeroth é um mundo vasto, assim como o nosso!” gritou. “Sabem quão diferente a terra pode ser de um lugar
para o outro. Tenho certeza que esse é o caso. Não parece tão atraente quanto fui…” Sua voz sumiu e voltou a si.
“Mas observem, pois esta é outra terra! É real! Vocês!”

Gul’dan apontou para um grupo de orcs com armadura que esperavam ao lado do Portal. Pareciam ter acordado.
“Foram escolhidos para serem os primeiros a investigar a nova terra. Avancem em nome da Horda!”

Hesitaram por um instante e continuaram em direção ao Portal.

O cenário desapareceu.

Durotan olhou Gul’dan. O bruxo esforçava-se para ficar impassível, mas estava intrigado.

“São patrulheiros.” disse. “Voltarão com novidades sobre esse mundo.”

E antes que os orcs reunidos pudessem começar a se preocupar, a imagem do pântano reapareceu e os
patrulheiros passaram correndo, com sorrisos de orelha a orelha. Mais da metade carregava carcaças de grandes
animais. Um parecia ser um reptil, escameado, com cauda longa, patas atarracadas e uma mandíbula enorme. O outro
era peludo, com quatro patas com garras, orelhas pequenas e manchas na pelagem amarelada. Ambos pareciam
saudáveis.

“Matamos e comemos das duas criaturas,” disse o líder dos patrulheiros. “A carne é sadia. A água é potável. Não
precisamos de uma terra bonita, mas de uma que nos alimente e sustente. E essa Azeroth fará isso admiravelmente.”

Recomeçaram cochichos na multidão. Sem perceber, a atenção de Durotan estava nas bestas trazidas e seu
estômago roncou. Fazia dois dias que não comia.

Gul’dan relaxou. Olhou para Durotan e estreitou os olhos. Ficou apreensivo e sentiu um gosto amargo na boca.

Tanto ele quanto seu clã eram necessários e sabia disso. Sabia também que a tentativa em defender a criança – e a
reação desencadeada entre os outros clãs, muitos que vieram em defesa dos Frostwolves – não seria esquecida.
Chegou a suspeitar que Gul’dan o executasse, ou banisse, mas pelo jeito ainda tinham alguma utilidade para
Blackhand e Gul’dan.

Que seja. Por enquanto, lutaria ao lado da sua raça. Amanhã cuidaria de si mesmo. Qualquer coisa que
acontecesse, morreria com a honra intacta.

Gul’dan olhou para o grupo de orcs e respirou fundo.

“Esse é o nosso destino,” disse. “Do outro lado, um novo começo nos espera. Um novo inimigo para exterminar.
Conseguem sentir, não é? A sede de sangue crescendo? Sigam Blackhand! Obedeçam suas ordens e governem esse
novo mundo, como lhes é de direto! O mundo do outro lado do Portal é de vocês. Ocupe-o!”

Os gritos eram ensurdecedores. A multidão avançou. Até Durotan foi levado pela animação desse novo lugar, tão
abundante, maduro e pronto para ser dominado. Talvez estivesse se preocupando demais e realmente era um novo
começo. Durotan amava seu clã e seu povo. Queria vê-los prosperar. E, como todos os orcs, divertia-se em matar.
Talvez, tudo ficaria bem.

Machado em mãos, esperança renascendo em seu coração, Durotan juntou-se a corrida em direção ao Portal e
Azeroth. Levantou os braços, soltou um grito que estava na boca de cada orc ao avançarem:

“Pela Horda!”
Epílogo

E assim começou a nossa história no mundo de Azeroth. Atravessamos o portal como se fôssemos a morte encarnada,
uma enxurrada de assassinos sanguinários dedicados ao massacre. É de se esperar que os humanos nos odeiem tanto,
mesmo agora. Mas talvez essa história que contei um dia cairá nas mãos de um humano, elfo, gnomo e anão. Quem
sabe perceberão que também entendemos o que é perseguição e sofrimento.

A suspeita de que meu pai e seu clã seriam exilados provou-se correta. Gul’dan os baniu logo após o clã
Frostwolf entrar em Azeroth. Foram forçados a se estabelecerem nas severas montanhas de Alterac. Os lobos brancos
que ainda caçam por lá, cuja lealdade não pôde ser abalada por palavras daquele que ainda guardava um rancor,
descendem dos que seguiram meu clã através do Portal…

Quando nasci, meu pai compreendeu que teria que dividir com os outros orcs tudo o que sabia. Procurou seu
velho amigo, Orgrim Doomhammer, que acreditou em suas palavras e teriam se aliado se meu pai não tivesse sido
morto de forma traiçoeira. Quando me tornei adulto, fiquei amigo de Orgrim assim como meu pai; e a profecia da
Doomhammer foi cumprida por mim.

Em sua homenagem, essa terra chama-se Durotar, e a principal capital, Orgrimmar. É minha esperança que –

“Meu chefe!” a voz rouca pertencia a Eitrigg.

Thrall parou no meio da frase, movendo a pena para que não manchasse o pergaminho. “Pois não?” perguntou ao
orc ancião, um dos seus conselheiros mais confiáveis.

“Tenho notícias…sobre a Aliança. Um dos nossos informantes soube de algo que insiste que saiba.”

Thrall não gostava do termo “espião”, mas os tinha mesmo assim. Certamente Jaina Proudmoore os tinha os dela.
Era de se esperar e muitas vezes provava-se útil. Um querer vê-lo já era algo difícil de acontecer. Com certeza algo
importante ocorreu.

“Mande-o entrar e deixe-nos a sós.” disse. Eitrigg aquiesceu e momentos depois um humano esquelético e
apático entrou. Estava subnutrido, exausto e aterrorizado.

Thrall levantou-se mostrando toda sua majestade sem pensar que isso poderia intimidar o humano. “Aceita água
ou comida?” perguntou com um tom gentil.

O espião balançou a cabeça e gaguejou, “Á-Água por favor,” O próprio Chefe Guerreiro serviu o cálice e
entregou para o homem, que sedento tomou tudo, e limpou a boca com a mão.

“Muito obrigado, Chefe Guerreiro.” disse, agora mais calmo.

“As notícias.”

O humano ficou pálido. Thrall suspirou baixo. Nunca seria tão cruel – ou tão tolo – para matar um mensageiro
com más notícias. Tal comportamento só afastaria possíveis recrutas. Para reforçar esse pensamento, sorriu.

“Não tema. As notícias, sejam boas ou ruins, são bem vindas se ajudam a proteger meu povo.” concluiu.

O homem pareceu mais tranquilo e tomou fôlego.

“Meu chefe,” começou. Hesitou por um momento e continuou. “Os draenei vieram para Azeroth.”

Thrall ficou confuso. Trocou olhares com Eitrigg, que encolheu os ombros.
“Alguns draenei estão em Azeroth há anos.” disse. “São chamados de perdidos. Já sei da sua existência. Não é
novidade, amigo.”

“Você não entendeu,” a urgência aumentando em sua voz. “Não essas criaturas patéticas – draenei! Uma nave foi
vista vindo do céu. E caiu como um infernal há duas noites.”

Thrall inspirou com calma. Todos viram o objeto estranho que caiu do céu como uma estrela cadente.
Então…não era uma estrela ou um infernal. Era um navio…

O homem continuou. “Proudmoore concordou em ajudá-los. Há um entre eles – pálido, nobre e apesar de não ser
forte fisicamente, tem comando. Velen é o seu nome.”

Thrall reagiu. O draenei? O Profeta Velen? Aqui?

Afundou vagarosamente em sua cadeira como se tivesse sido atingido pela importância da notícia.

O pior inimigo que orcs já conheceram estão em Azeroth. E foram acolhidos pela Aliança.

Como poderia haver paz entre a Horda e Aliança agora?

“Que os ancestrais nos salvem.” Thrall sussurrou.


Notas

Crédito pela tradução http://cojagamer.com.br/cojanowow/categorias/livro1

Nem todos os nomes de personagens, lugares e termos seguem o padrão da tradução oficial da blizzard, ou seja, se
você não estiver familiarizado com eles em inglês use o google e procure a tradução! :p

Você também pode gostar