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Agitação e Propaganda - 1

Agitação e Propaganda
no Processo deTransformação Social

Coletivos de Comunicação, Cultura e Juventude da Via Campesina


Agitação e Propaganda - 2

Expediente
A cartilha “Agitação e Propaganda no processo de transformação social”
é uma publicação do Coletivos de Comunicação, Cultura e Juventude da Via Campesina.

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junho de 2007
Agitação e Propaganda - 3

Sumário
Apresentação ................................................................................................................................................ 05
Introdução .................................................................................................................................................... 07
I. Agitação e propaganda no processo de transformação social ........................................................... 09
II. Aprenda com seu adversário! ............................................................................................................... 27
III. Poemas de Bertolt Brecht .................................................................................................................... 31
Dias da Comuna .................................................................................................................................. 32
Quem se defende ................................................................................................................................. 33
Aos que hesitam ................................................................................................................................... 34
Soube que vocês nada querem aprender ........................................................................................... 35
Não desperdicem um só pensamento .............................................................................................. 35
Sobre a atitude crítica ........................................................................................................................... 37
O governo como artista ...................................................................................................................... 37
IV. Registro de um agitador ...................................................................................................................... 39
V. Intervenções de agitprop ....................................................................................................................... 47
Eldorado dos Carajás ............................................................................................................................ 48
A luta do camponês contra o agronegócio .......................................................................................... 52
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Apresentação

Este caderno se insere num programa estratégico de formação política de


massa, voltado para a juventude do campo e da cidade, tendo como horizonte a
práxis revolucionária. Queremos que os militantes tenham acesso ao estudo e ao
conhecimento.
Ele é fruto da construção coletiva de movimentos sociais de massa de esquerda
ligados à Via Campesina, que vêm acumulando experiência com diversas táticas de
agitação e propaganda desde a “redemocratização” do país. Os materiais para estudo
aqui reunidos visam fazer a conexão com a experiência histórica da agitação e
propaganda, e nos situar no processo, de acordo com o pressuposto de que para
nós, militantes de movimentos sociais de massa, só faz sentido fazermos uso da
agitação e propaganda se tivermos como meta a transformação do processo social,
econômico, político e ideológico.
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O texto cuja provável autoria é de Max Valentim, escrito no calor da hora


das ações de resistência ao nazismo e à social-democracia desencadeadas na década
de 1930 nos informa do alto nível de exigência política e estética requerido dos
grupos de agitação e propaganda daquele período, e é de extremo interesse para os
agitadores de hoje porque muitos dos impasses apontados pelo autor estão presentes
nas ações que as brigadas ou coletivos de agitação e propaganda realizam atualmente.
Os poemas de Brecht foram incluídos não como regra estética para produção
poética, mas como evidência concreta que a matéria da luta de classes é matéria para a
poesia, e que a agitação política depende também de um tratamento estético apurado.
O texto “Relato de um agitador” é resultado do esforço de sistematização
de um militante que pôde acumular experiência como agitador na tarefa de fazer
exposição e debates sobre os motivos da luta pela reforma agrária no Brasil, na
véspera da Marcha Nacional de 2005: esse texto ilustra bem como a experiência
prática areja a teoria e é de fundamental importância para a constante re-elaboração
dos métodos de formação de agitadores e para a criação e adaptação das táticas de
agitação e propaganda.
Duas intervenções de agitação e propaganda realizadas pelos coletivos do MST
são apresentadas. Uma sobre Eldorado dos Carajás, preparada por ocasião dos 10
anos do massacre. A segunda, intitulada A luta do camponês contra o agronegócio,
resultado de um longo processo de oficinas realizadas em diversas regiões, aborda as
contradições e o confronto com o modelo do agronegócio no Brasil.
Portanto, com a iniciativa de produção desse caderno nossa intenção é colocar
na pauta dos debates sobre estratégia política e formação de militantes o método de
agitação e propaganda, e o conjunto de suas táticas.
Desejamos um ótimo estudo dos textos a seguir.

Coletivos de comunicação, cultura e juventude.


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Introdução

A publicação do caderno “Agitação e propaganda no processo de


transformação social” tem sentidos simbólicos de ordem política e cultural que
merecem ser ressaltados de início.
Está em jogo a recuperação histórica de uma expressão que comporta
complexas experiências desenvolvidas pelos trabalhadores nos campos de batalha
da luta de classes, ou seja, está em jogo a reativação, em perspectiva crítica, da
memória dos embates políticos e estéticos da classe trabalhadora no século passado.
A retomada consciente das ações de agitação e propaganda nesse contexto é
conseqüência das circunstâncias regressivas do processo social em curso:
flexibilização das leis trabalhistas, aumento progressivo do mercado de trabalho
informal, recorde de lucro do capital financeiro, investimento prioritário do Estado
em setores voltados para exportação, coordenados por empresas transnacionais, união
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do latifúndio com o agronegócio, precarização do sistema educacional e dessolidarização


generalizada. O confronto de classes no Brasil é determinado por características objetivas
da dinâmica do capital em áreas periféricas. Dentre elas a concentração de terras e a
discriminação sócio-racial – heranças vivas do regime escravocrata – configuram uma
espécie de mapa da desigualdade brasileira.
Guardadas as diferenças de época – do desenvolvimento tecnológico e das
formas de dominação – podemos dizer que a desigualdade social e acumulação de
capital têm semelhanças históricas com o contexto em que os métodos e táticas de
agitação e propaganda foram elaborados, conforme estratégias de partidos e organizações
sociais.
O que está em jogo nesse panorama, nada animador, é a própria perspectiva de
futuro, das pessoas ao planeta, e do planeta às pessoas.
A perspectiva de construção de um projeto popular, livre e soberano para o país
é uma bandeira de luta que tem conseguido aglutinar forças sociais do campo e da
cidade. Mas para que essa bandeira possa tornar-se uma alternativa concreta ao futuro
do país, será necessário que as classes populares possam tornar-se protagonistas da
arena política, econômica e cultural, e nesse sentido a agitação e propaganda tem muito
a contribuir.
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I. Agitação e propaganda no
processo de transformação social

Na luta de classes todas as


armas são boas: pedras, noites, poemas.
Paulo Leminski
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Neste momento, de ação articulada entre os diversos segmentos da juventude


brasileira interessada na transformação da estrutura social, política e econômica do
país, consideramos pertinente retomar o debate sobre as possibilidades da agitação
e propaganda como tática a ser utilizada em função de nossa estratégia.

1. O que é agitação e propaganda?


A agitação e propaganda é um conjunto de métodos e formas que podem ser
utilizados como tática de agitação, denúncia e fomento à indignação das classes
populares e politização de massas em processos de transformação social.
Segundo fontes de pesquisa (GARCIA, 1990) a expressão agitação e
propaganda foi criada pelos revolucionários russos, para designar as diversas formas
de fazer agitação de massas e ao mesmo tempo divulgar os projetos políticos da
revolução.
Agitprop é o termo que sintetiza a expressão agitação e propaganda. Esse
termo foi disseminado por diversos países, bem como as experiências dos grupos,
brigadas ou coletivos de agitadores e propagandistas.
2. Origens
A Rússia pré-revolucionária de 1917 era o país de maior extensão territorial
do mundo e com grande índice de analfabetismo nas classes populares. Para poder
organizar os trabalhadores urbanos, camponeses e soldados (que estavam nas frentes
de batalha), o Partido Bolchevique organizava duplas e brigadas de agitadores e
propagandistas. Nesta época, o marxista russo Plekhanov chegou a definir agitação
“como uma idéia que é inculcada em muitas pessoas” e propaganda como “muitas
idéias que são trabalhadas para poucas pessoas”. Com a tomada do poder em
Outubro de 1917 o acontecimento da revolução tinha que ser informado por todo
o território, e era fundamental combater a contra-revolução.
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A tomada do Palácio de Inverno, 1920.


Ao mesmo tempo reconstrução histórica e alegórica da revolução, a tomada do Palácio de Inverno condensa a
política cultural de mobilização e envolvimento das massas de soviéts em sua fase agitatória.
A intervenção, na Praça do Palácio de Inverno, contou com 150 mil expectadores e com mais de seis mil atores
que haviam participado dos combates de 1917.

Com estes objetivos, grupos de soldados do exército vermelho, de estudantes


e de artistas se empenharam na invenção, desenvolvimento ou aprimoramento de
uma série de técnicas de agitprop, fazendo uso das mais diversas linguagens – como
o cinema, o teatro, a música, o jornalismo, a retórica, as artes plásticas – e meios,
como o trem de agitprop, que levava em cada vagão uma forma distinta de agitação
e propaganda: banda de música, grupo de teatro, equipamento de cinema para
exibição e filmagem, militantes para fazer discursos políticos, vagão biblioteca, etc.
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3. Meios, instrumentos e formas de agitprop


Cada movimento e organização produziu seus métodos e formas, de acordo
com as demandas que se apresentaram ou se apresentam no contexto histórico em
que atuaram, ou atuam. Há métodos e formas que ressurgem depois de longo tempo,
como é o caso do teatro jornal, desenvolvido pelos agitadores russos e exportado
para a Alemanha e os Estados Unidos, e mais de meio século depois reinventado
por Augusto Boal em sua metodologia do Teatro do Oprimido, no contexto de
resistência às ditaduras latino-americanas.
O importante é que não há métodos e formas fixas. Cada novo momento
pode demandar a invenção de novas formas, ou a recuperação de métodos antigos.
Tudo depende do contexto, da estratégia definida pela organização, das condições
de atuação e da criatividade das brigadas de agitprop.
Relacionamos abaixo alguns dos principais meios, instrumentos e formas de
agitprop que já foram desenvolvidos em processos de luta:
a - Discurso (palavra/oratória): comícios relâmpagos, palestras, falas em atos
públicos...
b - Publicações impressas: panfleto, jornal, mural, revista, livro.
c - Artes Plásticas: pichações, grafitagem, muralismo, painelismo, faixas, cartazes,
fotografia, estêncil, ...
d - Teatro: teatro jornal, teatro fórum, teatro invisível, teatro procissão, teatro de rua...
e - Música e poesia: corais, saraus, festivais, apresentações de rua ou em rádios, etc.
f - Indumentária/vestimenta: bonés, camisetas, bandeiras, broches, etc.
g - Produtos da Reforma Agrária.
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h - Meios de comunicação de massa: rádio, cinema, televisão, jornal, internet...


i - Manifestações e passeatas.
j - Carro de som.
l - Mística/Celebrações.
m - Pedagogia do exemplo.
n - Ações de massa.

4. Objetivos da agitação e propaganda neste momento histórico:


a- Motivar a classe trabalhadora para se organizar, elevando o nível de consciência
das massas.
b - Estimular a luta social; reativar a noção de luta de classes.
c - Deslegitimar o projeto da elite atacando seus pressupostos ideológicos: a
propriedade privada e o princípio da livre iniciativa.
d - Expor a falsidade, o fracasso e a impossibilidade de realização, neste sistema, das
promessas da “democracia” burguesa: Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

5. Agitprop e processos revolucionários


A tática do agitprop deve ser planejada de acordo com a dinâmica do processo
social pelo qual o país estiver passando. Por exemplo, em época de descenso de
massas a estratégia e as táticas são diferentes de épocas de reascenso. Ou seja: o
agitprop de antes da revolução é diferente daquele realizado em etapa posterior.
O registro histórico das experiências na Rússia, e posteriormente URSS,
Alemanha, França, EUA, indica três fases do desenvolvimento das experiências de
agitprop (COSTA, 1996):
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a - Grupos de artistas, intelectuais e estudantes organizam movimentos culturais


visando a politização das classes populares.
b - Estágio de socialização dos meios de produção, que implica por sua vez, a
alteração das relações de produção.
c - Interrupção das experiências, por meio de intervenção do Estado.
Exceção: no caso brasileiro, passamos do primeiro momento diretamente para o
terceiro, pois o golpe militar de 1964 interrompeu o desenvolvimento do
segundo estágio.

O trem de agitprop soviético


tinha uma equipe de comício,
um grupo de canto, de danças
populares, um pianista, um
projetor de cinema e filmes de
caráter revolucionário, uma
vitrola com discos dos
soviéts, uma orquestra,
jornais e brochuras.
Várias formas de intervenções
e agitações.
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6. Depois do golpe de 1964: agitprop como uma tarefa menor


A imagem predominante que a esquerda brasileira tem sobre o trabalho de
agitação e propaganda é a tarefa de panfletagem em locais de grande movimentação
e em áreas de periferia urbana. Seria uma tarefa de divulgação das bandeiras de luta
registradas em jornais e panfletos preparados para esse tipo de atividade. Nessa
concepção, basta destacar militantes para a panfletagem e entre eles garantir a presença
de um seleto grupo que tenha condições de conduzir um debate em escolas,
comunidades de base, etc, quando isso for necessário. Não há formação específica
para a tarefa de agitprop, porque nessa conformação não há necessidade disso.
Desta forma, a atividade da agitação e propaganda virou uma tarefa “menor”,
uma tarefa para militantes novos e, principalmente, para a juventude, que era vista
como “mão-de-obra” barata para este tipo de atividade.
O que fica patente nesse tipo de proposta é que há uma separação entre aqueles
que formulam as reflexões e aqueles que as executam. Não questionamos em nossa
metodologia o sistema de divisão do trabalho que, ao dissociar teoria e prática,
aliena os militantes envolvidos no processo para a dimensão da totalidade da
experiência.
Do golpe de 1964 em diante, o domínio dos meios de produção da cultura
permanece monopolizado nas mãos da elite e de frações da classe média. Ao mesmo
tempo em que os militares destruíram os então recentes e promissores vínculos por
meio dos quais se operava um processo de transferência dos meios de produção de
técnicas e linguagens artísticas aos camponeses e operários, o regime dos fuzis
incentivou a criação de um sistema nacional de televisão – do qual o maior expoente
foi a Rede Globo. O objetivo era respaldar esteticamente o projeto de modernização
conservadora do país, por meio da imposição de uma imagem de desenvolvimento,
progresso e integração da nação, com a qual os militares e a elite nacional pretenderam
justificar seu predomínio brutal no poder.
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Um dos efeitos da hegemonia burguesa no âmbito da cultura, decorrente de


sua dominação econômica e política, foi o apagamento da memória dos embates
anteriores, em que movimentos como os Centros Populares de Cultura (CPCs),
nascido em 1961, e o Movimento de Cultura Popular (MCP), que surgiu em 1959,
ambos destruídos pelo golpe militar de 1964, articularam as esferas da cultura e da
política de forma radical. A experiência de agitação e propaganda desses dois
movimentos, que amadurecia a passos largos, compreendia a publicação de jornais,
revistas, livros de poesia e música, a gravação de discos, a organização de festivais e
de debates (BERLINCK, 1984). Ambos os movimentos operaram mudanças radicais
na organização da produção cultural brasileira, desde os temas, a pesquisa de formas,
a incorporação do processo de construção coletiva de obras, a apresentação gratuita
em comunidades rurais e bairros de periferia urbana, a realização de oficinas de
formação cultural em consonância com a formação política, que naquela conjuntura
não andavam dissociadas (COSTA, 1996).

O prédio da sede da UNE e do CPC em chamas. A


experiência da socialização dos meios de produção
cultural é interrompida pelas armas.
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Portanto, do golpe de 1964 em diante, prevalece o domínio dos meios de


produção da cultura monopolizado nas mãos da elite e de frações da classe média.
Esse fato deu novo fôlego ao antigo preconceito, inclusive em amplos setores da
esquerda brasileira – e, principalmente, manifestou-se como senso comum nas classes
populares – de que “cultura é coisa de rico”.
Há objeções contra o debate cultural no interior do movimento dos
trabalhadores. Algumas nascem de um preconceito invertido: como a burguesia
dificulta o acesso do trabalhador à cultura, este sente que cultura é coisa de
burgueses. Outros dizem que a energia do movimento não deve ser desviada
das questões políticas prioritárias. Outros enfim dizem que o povo já tem a sua
cultura, e o que importa é preservá-la e limpá-la dos contrabandos da cultura
burguesa e da modernização (SCHWARZ, 1987, p. 83).
Em suma, a idéia de cultura e arte como mercadoria, como espetáculo para
diversão, é a fatura que herdamos do golpe militar. Desde então cultura e política,
diversão e formação, entretenimento e crítica são vistos como coisas opostas.
Naturaliza-se a idéia de que o campo da estética deve ser desvinculado da vida política
efetiva, pois disso depende sua qualidade. E toda tentativa de direcionar a produção
artística e cultural para o rumo do engajamento, da intervenção na realidade, é
interpretada como manobra autoritária, maniqueísta, que atropela a dimensão
subjetiva da criação artística ao submetê-la a demandas de ordem política.
O golpe militar transformou a televisão no centro do sistema de produção de
mercadorias culturais, em que o refinamento das técnicas publicitárias estimula o
consumo das mercadorias excedentes. Estas técnicas expandem o desejo de consumir,
e vendem uma imagem de nação em ascenso que não condiz com as mazelas do país
real (KEHL, 1986). A criação desse universo estetizado da realidade exige, inclusive,
a apropriação indiscriminada de técnicas artísticas sofisticadas, muitas das quais
geradas em oposição ao capital.
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Reduzir uma sociedade de 100 milhões de pessoas a um mercado de 25 milhões


exige um processo cultural muito intenso, muito elaborado e muito sofisticado, muito
rico, para manter, para fazer com que as pessoas aceitem ser parte de um país
fantasma, de um país inexistente, de um país sem problemas. (...) É preciso
embrutecer essa sociedade de uma forma que só se consegue com o refinamento dos
meios de comunicação, dos meios de publicidade, com um certo paisagismo urbano
que disfarça a favela, que esconde as coisas. (...) A sociedade brasileira está sendo
um pouco reduzida a isso: à ambição individual da ascensão social como um valor
supremo reduzido num setor muito pequeno (VIANA FILHO, 1999, p. 181).
No curso deste processo, ainda em andamento, a via partidária da esquerda
brasileira fez a opção majoritária pelo marketing político, de forte apelo emocional,
pouca informação, ou contra-informação, e nenhuma pretensão de agitação das
massas populares, para além do voto. Essa via herdou em peso o preconceito em
torno do agitprop, que o relega à condição de subutilização da ação isolada da
panfletagem, a ponto inclusive de “terceirizar” esta tarefa, passando da militância
partidária para a “militância paga” de trabalhadores informais e desempregados.
Contudo, a via dos movimentos sociais de massa da esquerda brasileira manteve
algumas ações de agitprop durante as últimas décadas, como por exemplo: as marchas
e caminhadas, as ações pontuais dos produtos da reforma agrária em feiras, a tradição
de painéis, camisetas e bonés das organizações, a ação direta de ocupação de terras...
No entanto, nem sempre essas ações têm o efeito pretendido de informação
massiva, na medida em que a divulgação depende da filtragem dos meios de
comunicação de massa, em posse da classe dominante, que em geral omite ou desvirtua
as informações.
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Combate contra o imperialismo


Na sede da UNE, também futura cede do CPC, em 1960 os estudantes organizam cartaz com apoio ao cubano
Fidel Castro e enfrentamento ao governo Kubitchek, que saudava o presidente americano, em plena guerra fria.
O CPC da UNE atuou ativamente em várias frentes artísticas.
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7. Qual é o nosso estágio atual?


O agitprop ressurge como demanda porque, via de regra, o problema de
desinformação, analfabetização e alienação que vigoravam no começo do século
XX ainda persistem, apenas com diferença na forma de organização do poder.
Isto é, o monopólio dos meios de comunicação de massa não existia da
mesma forma nas décadas passadas, mas hoje ele é um dos principais mantenedores
da desinformação e alienação.
Como ainda não possuímos os meios de produção e divulgação de massa que
nos permitam combater o padrão hegemônico de representação da realidade, temos
que seguir potencializando os métodos de trabalho de base e agitação baseados no
contato real dos militantes com a população, inclusive porque o método do trabalho
de base vinculado a agitação e propaganda é uma possibilidade que não foi apropriada
pelas classes dominantes, com exceção do assédio de casa em casa que algumas
religiões de princípios conservadores utilizam como tática para aliciar fiéis.
Mas, para que essa vantagem da posição corpo a corpo do trabalho de base
surta efeitos de agitação e propaganda, não basta transmitirmos linearmente nossas
informações, pois para despertar a indignação é preciso que mostremos a falsidade
das promessas de democracia e universalidade da classe dominante, confrontando-
as com nosso ponto de vista. No limite, a perspectiva de engajamento em torno de
um projeto popular para o país tem que se mostrar como uma alternativa superior
à alternativa da solução individual, sustentada pelo princípio da livre iniciativa.
8. Agitprop e crítica radical
Uma providência fundamental nas ações de agitprop é a articulação
permanente entre elementos da conjuntura e da base estrutural do sistema a ser
criticado. Nossa tarefa é ligar a “parte” ao “todo”, fazer com que a partir dos
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problemas imediatos e cotidianos se possa


compreender o sistema e suas engrenagens. Pois se
nossa perspectiva não é melhorar, ajustar ou
consertar o sistema, é nosso dever erigir uma
metodologia de formação de agitadores e agitadoras
que os habilitem a formular estratégias, com o
conjunto de suas organizações, e táticas de ação cuja
força seja suficiente para abalar as estruturas de
dominação, por meio de uma contraposição crítica
que vá à raiz dos problemas, causando um efeito
permanente de estranhamento das relações de poder
que a classe dominante naturalizou em séculos de
sistemática violência do Estado contra a população
pobre.
Se em solo brasileiro a falsidade do discurso
da democracia burguesa está escancarada pela
evidência irrecusável de que as promessas universais
de liberdade, igualdade e fraternidade não escondem,
ou justificam, o arbítrio da classe dominante, é tarefa
da agitação e propaganda implodir os conceitos
estabelecidos pela grande imprensa, e agir no âmbito
da contra-hegemonia.
Para isso, todos os meios e linguagens são
válidos. Além das experiências em andamento,
podemos criar novos formatos ou refuncionalizar Estêncil produzido por militantes da
Via Campesina utilizados em ações
antigos, fundindo formas, linguagens, técnicas e de denúncia contra a Aracruz no
meios. Espírito Santo.
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Por fim, atualmente contamos com os seguintes fatores que podem potencializar
as ações de agitprop:
a - A tecnologia nos deu condição de acesso aos meios de produção.O avanço
tecnológico na produção de equipamentos de filmagem, edição e gravação
audiovisuais e musicais tornou possível a popularização da produção de filmes,
músicas, fotografias, etc. Isso significa que linguagens como o cinema e a televisão,
até então monopolizados pela elite, poderão ser democratizadas, não mais apenas
pela perspectiva do consumo. Além disso, a tendência é que novas alternativas de
democratização da informação apareçam em ritmo crescente, também como
consequência do desenvolvimento tecnológico, o que facilitará a divulgação da
produção.
b - A construção de um calendário comum de lutas entre movimentos sociais e
centrais sindicais dá organicidade para as ações de agitprop, pois elas passam a
estar inseridas na vida política das organizações, como tática de ação contra-
hegemônica e fortalecimento do contato com a sociedade
9. A natureza política do trabalho de agitação e propaganda
Existem pelo menos quatro condições que compõem a natureza de nosso
trabalho:
a - O nível de formação política da militância envolvida no trabalho de agitação e
propaganda, ou seja, a ideologia de classe. Um grupo de militantes pode não ter
recursos financeiros para realizar o trabalho, mas a compreensão da necessidade
política estimula os militantes a agir, a criar ou adaptar métodos e formas, de
acordo com as condições e meios possíveis. A ideologia sustenta o trabalho nos
períodos de descenso da luta de classes.
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É fundamental que tenhamos um processo permanente de formação e educação


política das classes populares articulado com o trabalho de agitação e propaganda,
e ligado ao processo de organicidade de cada movimento social, para que
possamos ir além do cumprimento de calendários de luta e mobilização.
b - Entender que o trabalho de agitação e propaganda não é um fim em si mesmo. É
parte fundamental do trabalho de base que todo militante social precisa exercitar
permanentemente. O trabalho de base é um desafio constante, e não pontual ou
baseado numa data do calendário de lutas. É fundamental articular agitação e
propaganda com a estratégia de trabalho de base.
c - Todo trabalho de agitação e propaganda precisa, acima de tudo, cumprir com a
missão de: elevar o nível de consciência da população brasileira e incentivar a
participação popular; provocar o questionamento sobre a democracia em que
vivemos – até onde o povo decide sobre as questões candentes da sociedade, como
por exemplo, a privatização da Vale do Rio Doce, o desmatamento da floresta
amazônica, a transposição do rio São Francisco, etc? Nosso trabalho de agitação e
propaganda parte do propósito de mudar a cultura de participação na vida política
brasileira. Pois um povo só é sujeito e arquiteto da própria história quando ajuda a
tomar as grandes decisões que dizem respeito ao futuro das próximas gerações.
d - A prática de valores humanistas, de solidariedade e socialistas. Sem a vivência no
cotidiano de novos valores, o trabalho de agitação e propaganda se torna vazio e
não alcança os objetivos políticos que se propõe.
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10. Valores que devem ser cultivados por um agitador e propagandista


do povo
Um agitador e propagandista é norteado por valores que o tornam diferente
no meio da massa. A agitação e propaganda deve ser parte da vida do militante. Os
valores fazem parte da natureza de sustentação do trabalho de agitação e propaganda.
Apenas a técnica da agitação e propaganda não permite que alcancemos a
transformação social.
Seguem abaixo exemplos de valores para desenvolvermos em nosso espírito
militante:
1. Gostar de ser e estar no meio do povo. De ter abertura para aprender com o
povo, com a comunidade, com as pessoas com as quais convive.
2. Ter sensibilidade política para perceber os momentos certos de atuar, recuar e
avançar. A sensibilidade política nos permite ter a clareza de lidar com as
contradições que aparecem, os imprevistos na lida com as pessoas.
3. Desenvolver a capacidade individual de fazer leitura e análises da realidade local.
Interpretar e interligar as questões do específico com as grandes questões gerais
da sociedade. Interpretar e identificar em cada local e realidade o que mais
despertar a curiosidade das famílias, das pessoas. E partir da necessidade local
para fazer o trabalho de agitação e propaganda.
4. Gostar de estudar e pesquisar. Um bom agitador e propagandista busca à luz da
história e da ciência elementos para aprofundar e melhorar o trabalho.
5. Espírito de companheirismo, de solidariedade, de sacrifício e do desprendimento
dos bens materiais. Valor de criar espírito de coletividade.
6. A firmeza e a coerência ideológica. Não se deixar levar pelos problemas e
dificuldades do trabalho. Não se deixar levar pelas graças e fantasias da propaganda
feita pelas elites.
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7. Acreditar que as mudanças profundas nascem, crescem e acontecem somente


através do povo organizado. Acreditar na força do povo e na capacidade de
mobilização social. As transformações não estão em outros lugares. Não perder
de vista o horizonte político e os objetivos, a razão de nossa existência enquanto
militantes de um movimento social.
8. Ser exemplo no trabalho, nas iniciativas, na superação dos limites, na prontidão
para as tarefas mais árduas do cotidiano.

Cartaz animado produzido pelo coletivo Blusa Azul - Rússia.

A proliferação de grupos de agitprop durante a primeira década da revolução


russa, ligados aos clubes operários, às fábricas e núcles de bairros e à união dos jovens
comunistas, chegou a reunir 75 mil grupos, com aproximadamente 2 milhões de membros.
O coletivo Blusa Azul desenvolveu um conjunto de atividades. Tinham uma escola
de preparação de agitadores e publicavam a Revista Blusa Azul, socializando os processos
de trabalho.
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11. O que podemos fazer para fortalecer as ações de agitprop

1º) Discutir em nossas organizações como a agitação e propaganda pode ser


potencializada de acordo com o objetivo estratégico de cada movimento, e visando
o objetivo comum de transformação radical da estrutura social, política e
econômica brasileira.
2º) Avaliar a viabilidade de criação de brigadas ou coletivos mistos de agitprop,
com militantes de diversas organizações, em caráter provisório ou permanente.
3º) Promover cursos de formação de agitadores que culminem na criação ou
fortalecimento de brigadas ou coletivos de agitprop.
4º) Envolver as brigadas ou coletivos de agitprop nas atividades dos calendários de
luta estaduais e nacionais.
5º) Trocar experiências de métodos e formas de agitprop entre as diversas
organizações que trabalham com essa tática. E pensar em formas de divulgação
das experiências, por meio de vídeo, publicação escrita, fotografias, etc, para
auxiliar o processo de formação de agitadores e acelerar a multiplicação de
brigadas ou coletivos.
A nossa condição legítima de movimentos que lutam pela transformação
radical da sociedade, associada à nossa posição de alvo maior da artilharia da direita,
e da crise política, cultural e ecológica que assola o planeta, nos autoriza a tentar
tudo novamente, aprendendo com as experiências anteriores, tentando evitar os
limites impostos naqueles tempos, procurando estabelecer novo patamar de
compreensão sobre as ações de agitação e propaganda, contribuindo assim para os
enfrentamentos daqueles que virão depois de nós, e honrando as companheiras e
companheiros que nos antecederam na luta de classes.
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II. Aprenda com seu adversário!

Este texto foi publicado sem assinatura no jornal O porta voz vermelho,
número 10, de outubro de 1930. O jornal era o orgão oficial do grupo
de agitprop de mesmo nome, cujo diretor – e também editor – chamava-se
Maxim Vallentin. Infere-se que seu autor seja o próprio
Max Valentim pelo tipo de preocupação que emerge do texto.
A tradução caseira que fizemos provém da tradução francesa.
Portanto, todo cuidado é pouco na leitura.
Agitação e Propaganda - 28

Era uma vez uma trupe comunista de agitprop. Ela apresentava cenas contra o
SPD (Partido Social Democrata Alemão) e também contra os nazistas. Até aqui tudo
normal, pois ninguém pode ser contra isso. Mas eis que um dia apareceu uma trupe
social-democrata e viu a cena da trupe comunista contra os nazistas. Ela gostou da cena
e se apropriou dela para encená-la. Nenhum detalhe foi modificado, a não ser por duas
pequenas frases do final: “Só o SPD combate o fascismo; portanto filie-se ao SPD”.
E eis que uma trupe nazista viu a cena de agitprop comunista dirigida contra o
SPD. Eles também gostaram dela e a representaram. Só precisaram mudar um
pequeno detalhe – no final acrescentaram: “Filie-se ao NSDAP (Partido Nacional
Socialista dos Trabalhadores Alemães)! Heil Hitler!”
O caso não é para rir, camaradas! A questão não é, de maneira alguma, ridícula,
mas muito séria. A história não é lenda, ela se apóia em fatos. E estes fatos devem dar o
que pensar a todos os grupos de teatro. É evidente que cenas que possam ser apropriadas
com pequenas modificações por trupes social-democratas e nazistas são ruins.
Tais cenas não exprimem o ponto de vista revolucionário nem o método de
reflexão e de luta do proletariado revolucionário; elas nada mais são que uma
exposição inorgânica de nossa ideologia comunista. Tais cenas não são, portanto,
capazes de conquistar a massa dos trabalhadores para o comunismo. Nossas cenas
devem corresponder em cada período, cada frase, cada palavra, à ideologia comunista
revolucionária; elas devem ser construídas de modo a levar o espectador a uma só
conclusão: a luta da classe proletária contra o capitalismo!
Não há aqui algumas semelhanças? Esperamos que muitos grupos como o
nosso experimentem agora um temor salutar! Quantas de nossas trupes ainda
acreditam que podem representar o poder social do capitalismo e suas inumeráveis
relações com o proletariado simplesmente mostrando um homem de cartola, que
traz pendurado no pescoço um cartaz, onde se lê “Capital” e ele diz “Eu sou um
explorador”? Quantas de nossas trupes ainda acreditam ser possível dar uma imagem
Agitação e Propaganda - 29

completa dos múltiplos e refinados métodos de traição dos social-democratas


mostrando uma liderança que se apresenta dizendo: “Eu sou um traidor”? Onde é
que o proletariado encontra um desses líderes que gentilmente o informa que sua
profissão consiste em trair a classe operária? Em lugar nenhum! O trabalhador
comunista é que já vê as coisas assim, pois ele tem uma consciência mais desenvolvida,
ele já é capaz de generalizar por si mesmo a análise de um fato concreto de sua
experiência, de descobrir sozinho as relações entre as coisas. Para ele, uma forma de
representação assim talvez seja uma confirmação de sua própria opinião, e nada
mais. Mas o que se passa com o trabalhador indiferente, ou mesmo hostil, que nós
devemos ganhar para a nossa causa? Ele não sente nenhuma necessidade de ser
convencido, pois ele é incapaz de passar do abstrato e do geral à particularidade de
sua situação concreta. A tarefa de nossa agitação e de nossa propaganda é justamente
a de seguir um caminho oposto. Isto consiste em mostrar, a partir da vida concreta
de um dos nossos camaradas, as relações que o ligam à luta da classe como um todo
(e à “grande política”); é fazê-lo compreender como ele se confronta a cada dia com
o capitalismo, e das mais diversas maneiras. É a única forma de chegar a uma
convicção profunda – é a única forma de conseguir que o trabalhador não considere
o capitalismo como um espectro maléfico, mas que compreenda claramente que a
luta contra o capital é uma luta histórica da classe ascendente contra a classe em
declínio. É só fazendo o trabalhador compreender: “Nenhum aspecto, nenhum
minuto da minha vida está fora dos acontecimentos políticos”. Só assim nós
poderemos conseguir que o trabalhador não se transforme num papagaio de palavras
de ordem e num porta-voz que “espreita a chegada da luta final”, mas que seja
proletário consciente de sua classe e um combatente a cada segundo de sua vida!

Traduzido para o francês por Helga Vormus;


e deste para o português por Iná Camargo Costa).
Agitação e Propaganda - 30

Na Alemanha as formas de agitprop desenvolvidas na Rússia


recebem uma assimilação original. Multiplas são as manifestações,
como as esquetes, a tradição do teatro de revista e do cabaré, o
jornal vivo, a dança-coral, os corais e o coral-falado.

O grupo Megafone Vermelho em ação na cidade de


Berlim.

Intervenção do grupo Wedding


Vermelho num pátio de um bairro
operário de Berlim.
Agitação e Propaganda - 31

III. Poemas de Bertolt Brecht


Agitação e Propaganda - 32

Dias da Comuna
Considerando nossa fraqueza os senhores forjaram
Suas leis, para nos escravizarem.
As leis não mais serão respeitadas
Considerando que não queremos mais ser escravos.
Considerando que os senhores nos ameaçam
Com fuzis e com canhões
Nós decidimos: de agora em diante
Temeremos mais a miséria que a morte.
Considerando que ficaremos famintos
Se suportarmos que continuem nos roubando
Queremos deixar bem claro que são apenas vidraças
Que nos separam deste bom pão que nos falta.
Considerando que os senhores nos ameaçam
Com fuzis e com canhões
Nós decidimos: de agora em diante
Temeremos mais a miséria que a morte.
Considerando que existem grandes mansões
Enquanto os senhores nos deixam sem teto
Nós decidimos: agora nelas nos instalaremos
Porque em nossos buracos não temos mais condições de ficar.
Considerando que os senhores nos ameaçam
Com fuzis e com canhões
Nós decidimos: de agora em diante
Temeremos mais a miséria do que a morte.
Considerando que está sobrando carvão
Enquanto nós gelamos de frio por falta de carvão
Nós decidimos que vamos tomá-lo
Considerando que ele nos aquecerá
Agitação e Propaganda - 33

Considerando que os senhores nos ameaçam


Com fuzis e com canhões
Nós decidimos: de agora em diante
Temeremos mais a miséria do que a morte.
Considerando que para os senhores não é possível
Nos pagarem um salário justo
Tomaremos nós mesmos as fábricas
Considerando que sem os senhores, tudo será melhor para nós.
Considerando que os senhores nos ameaçam
Com fuzis e com canhões
Nós decidimos: de agora em diante
Temeremos mais a miséria do que a morte.
Considerando que o que o governo nos promete sempre
Está muito longe de nos inspirar confiança
Nós decidimos tomar o poder
Para poder levar uma vida melhor.
Considerando: vocês escutam os canhões –
Outra linguagem não conseguem compreender –
Deveremos então, sim, isso valerá a pena
Apontar os canhões contra os senhores!

Quem se defende
Quem se defende porque lhe tiram o ar
Ao lhe apertar a garganta, para este há um parágrafo
Que diz: ele agiu em legitima defesa. Mas
O mesmo parágrafo silencia
Quando vocês se defendem porque lhes tiram o pão.
E no entanto morre quem não come, e quem não come o suficiente
Morre lentamente. Durante os anos todos em que morre
Não lhe é permitido se defender.
Agitação e Propaganda - 34

Aos que hesitam


Você diz:
Nossa causa vai mal.
A escuridão aumenta. As forças diminuem.
Agora, depois que trabalhamos por tanto tempo
Estamos em situação pior que no início.
Mas o inimigo está aí, mais forte do que nunca.
Sua força parece ter crescido. Ficou com aparência de invencível.
Mas nós cometemos erros, não há como negar.
Nosso número se reduz. Nossas palavras de ordem
Estão em desordem. O inimigo
Distorceu muitas de nossas palavras
Até ficarem irreconhecíveis.
Daquilo que dissemos, o que é agora falso:
Tudo ou alguma coisa?
Com quem contamos ainda? Somos o que restou, lançados fora
Da corrente viva? Ficaremos para trás
Por ninguém compreendidos e a ninguém compreendendo?
Precisamos ter sorte?
Isto você pergunta. Não espere
Nenhuma resposta senão a sua.
Agitação e Propaganda - 35

Soube que vocês nada querem aprender


Soube que vocês nada querem aprender
Então devo concluir que são milionários
Que seu futuro está garantido a sua frente, iluminado
Seus pais cuidaram para que seus pés não topassem com nenhuma pedra
Neste caso você nada precisa aprender
Assim como é pode ficar
Havendo ainda dificuldades
Pois os tempos como ouvi dizer são incertos
Vocês têm seus líderes
Que lhes dizem exatamente o que fazer para que tudo corra bem
Eles são aqueles que sabem as verdades válidas para todos os tempos
E as receitas que sempre funcionam
Onde existem tantos a seu favor
Você não precisa levantar um dedo
Sem dúvida, se fosse diferente
Vocês teriam que aprender

Não desperdicem um só pensamento


Não desperdicem um só pensamento
Com o que não pode mudar!
Não levantem um dedo
Para o que não pode ser melhorado!
Com o que não pode ser salvo
Não vertam uma lágrima! Mas
O que existe distribuam aos famintos
Façam realizar-se o possível e esmaguem
Esmaguem o patife egoísta que lhes atrapalha os movimentos
Quando retiram do poço seu irmão, com as cordas que existem em
abundância.
Agitação e Propaganda - 36

Não desperdicem um só pensamento com o que não muda!


Mas retirem toda a humanidade sofredora do poço
Com as cordas que existem em abundância!
Que triunfo significa o que é útil!
Mesmo o alpinista sem amarras, que nada prometeu a ninguém,
somente a si mesmo
Alegra-se ao alcançar o topo e triunfar
Porque sua força lhe foi útil ali, e portanto também o seria
Em outro lugar. E depois dele vêm os homens
Arrastando seus instrumentos e suas medidas ao pico agora escalável
Instrumentos que avaliam o tempo para os camponeses e para os aviões.

Aquele sentimento de participação e triunfo


De que somos tomados ante as imagens da revolta no encouraçado Potemkin
No instante em que os marinheiros jogam seus algozes na água
É o mesmo sentimento de participação e triunfo
Ante as imagens que nos mostram o primeiro voo sobre o Pólo Sul.
Eu presenciei como
Mesmo os exploradores foram tomados por aquele sentimento
Diante da ação dos marinheiros revolucionários: assim
Até mesmo a escória participou
Da irresistível sedução do Possível, e das severas alegrias da Lógica.
Assim como os técnicos desejam por fim dirigir na velocidade máxima
O carro sempre aperfeiçoado e construído com tamanho esforço
Para dele extrair tudo o que possui, e o camponês deseja
Retalhar a terra com o arado novo, assim como os construtores de
ponte
Querem largar a draga gigante sobre o cascalho do rio
Também nós desejamos dirigir ao máximo e levar ao fim
A obra de aperfeiçoamento deste planeta
Para toda a humanidade vivente.
Agitação e Propaganda - 37

Sobre a atitude crítica


A atitude crítica
É para muitos não muito frutífera
Isso porque com sua crítica
Nada conseguem do Estado.
Mas o que neste caso é atitude infrutífera
É apenas uma atitude fraca. Pela crítica armada
Estados podem ser esmagados.
A canalização de um rio
O enxerto de uma árvore
A educação de uma pessoa
A transformação de um Estado
Estes são exemplos de crítica frutífera.
E são também
Exemplos de arte.

O governo como artista


1
Na construção de palácios e estádios
Gasta-se muito dinheiro. Nisso
O governo se parece com o jovem artista que
Não teme a forma, quando se trata
De tornar seu nome famoso. No entanto
A fome que o governo não teme
É a fome de outros, ou seja
Do povo.
2
Assim como o artista
O governo dispõe de poderes sobrenaturais
Agitação e Propaganda - 38

Sem que lhe digam algo


Sabe de tudo. O que sabe fazer
Não aprendeu. Nada aprendeu.
Sua formação tem falhas, entretanto
É magicamente capaz
De em tudo interferir, tudo determinar
Também o que não compreende.
3
Um artista pode, como se sabe, ser um tolo e no entanto
Ser um grande artista. Também nisso
O governo parece um artista. Dizem de Rembrandt
Que ele não pintaria de outra maneira, se tivesse nascido sem mãos
Assim também pode-se dizer do governo
Que não governaria de outro modo
Tivesse nascido sem cabeça.
4
Espantoso no artista
É o dom da invenção. Quando ouvimos o governo
Descrevendo a situação, dizemos
Como inventa! Pela economia
O artista tem apenas desprezo, e bem assim
É notório como o governo despreza a economia. Naturalmente
Ele tem alguns ricos patronos. E como todo artista
Vive do dinheiro que arrecada.
Agitação e Propaganda - 39

IV - Relato de um agitador
Registro das experiências desenvolvidas em Goiânia e Valparaíso de
Goiás na ocasião do trabalho de agitprop da Marcha Nacional pela
Reforma Agrária.
Agitação e Propaganda - 40

Dificuldades iniciais com os apoiadores da Marcha impediram o começo


imediato das atividades, isso atrasou o trabalho de palestras nas escolas e
universidades. A equipe avaliou que foi um erro cometido e que não é papel dos
apoiadores agendar trabalhos para o Movimento. Eles podem fornecer informações
importantes para nos orientar sobre a realidade da comunidade. O mesmo equívoco
aconteceu com o grupo que estava em Valparaíso de Goiás que esperavam por uma
professora realizar as agendas. Ela acabou adoecendo e os trabalhos atrasaram.
Num segundo momento se contatou com o Sindicato dos Trabalhadores em
Escolas de Goiás (SINTEGO). Com a lista de escolas e respectivos telefones a equipe
assumiu os contatos com as diretoras e coordenadoras pedagógicas. A partir desse
passo deslanchou a agenda. O fato de haver professores(as) que lecionam em várias
escolas também contribuiu para aumentar o público atingido.
O objetivo principal era fazer a propaganda da marcha e buscar apoio concreto
na luta pela Reforma Agrária, porém não se podia falar de MST sem falar da
distribuição das terras no Brasil e da formação do latifúndio, bem como as lutas de
resistências que houve e que deram origem ao MST.
A primeira palestra foi na Faculdade Alfredo Nasser. Cheguei 45 minutos
antes (de propósito) e fiquei na sala dos professores conversando com os que estavam
lá (trabalho de base). Seria uma turma a ser trabalhada, mas a conversa com os
professores resultou em mais duas adesões. Alguns professores foram assistir de
curioso para ver como seria. Isso deu resultado positivo: mais 3 turmas para outra
data. Foram 6 turmas de estudantes de pedagogia.
Em uma das escolas contatadas o diretor alertou que lá a “barra era pesada” e
que teria que ter um método especial, pois alguma colocação mal feita poderia gerar
confusão. Então se criou o método de eles levantarem os problemas sociais e estudar
na história do Brasil as causas desses problemas. Isso despertou o interesse dos
alunos porque se estava falando dos problemas vividos por eles no dia a dia. O
Agitação e Propaganda - 41

aproveitamento foi tão bom que uma parte da brigada passou a utilizá-lo durante
todo o período de trabalho.
Os principais problemas citados foram: desemprego, transporte coletivo,
violência, drogas, analfabetismo, preconceito, moradia, etc. Partindo daí se dizia
que eles haviam desenhando o mapa social do Brasil e era para mudar esse quadro
que o MST se organizava e lutava para transformar o país. A música “Procissão dos
Retirantes” de autoria dos companheiros Pedro Munhoz e Martim César fazia parte
do estudo. Fazia-se uma diferenciação entre os diversos tipos de músicas. Há músicas
para dançar, para fazer ginástica na academia e exercitar os músculos, mas há também
músicas para exercitar o cérebro, refletir. Esse era o tipo de música que eu costumava
cantar.
Começava o estudo por um período da história do Brasil, de 1500 a 1850.
Foi nesse período que foram causados todos os problemas citados, depois apenas
foram se agravando. No caso da violência ela começou com a invasão dos
portugueses matando os índios e estuprando as índias, escravizando os negros e
também estuprando as escravas; a falta de escolas e o analfabetismo também se
mediam nesse período, para quem trabalhava não havia escolas e isso se reflete hoje
no pouco interesse que os brasileiros têm pelo estudo.
Após citar as diferenças entre uma pequena, média e grande propriedade se
trabalhava os quatro meios de se tornar latifundiário no Brasil: 1) capitanias
hereditárias, 2) concessão de sesmarias, 3) lei de terras/1850 e, 4) a grilagem. Depois
de uma rápida passagem pelas capitanias hereditárias (esmiuçando o que é hereditário
e se isso era justo: dividir o Brasil para apenas 15 famílias e as demais seriam sem-
terra) e sesmarias aprofundava o debate sobre a primeira lei de terras no Brasil. Esta
foi o primeiro golpe da classe dominante e que definiu o destino dos brasileiros. Foi
por conseqüência dela que hoje existem milhares de brasileiros sem ter onde morar,
que tomam o transporte coletivo lotado, sem escola para estudar, vítima dos
Agitação e Propaganda - 42

preconceitos e violência enquanto que poucos seriam os “donos” das terras e das
riquezas, os exploradores.
O quarto jeito de se tornar fazendeiro(a) é através das quadrilhas de grilagem.
Alguns alunos que acompanharam na imprensa a CPI da terra relatavam como eram
feitas as falsificações das escrituras. O documento falsificado era posto em uma gaveta
com grilos. Esses roíam as bordas do papel e a urina do inseto deixava o papel com
a cor amarelada, com características de um documento antigo (envelhecido). O livro
“De Zé Porfírio ao MST” A Luta Pela Terra em Goiás, de autoria do jornalista
Sebastião de Abreu, relata a luta de resistência dos posseiros da região de Formoso,
norte daquele estado, contra uma quadrilha de grileiros formada por juízes,
advogados, comerciantes, fazendeiros e policiais comandantes de destacamentos.
Essa história é conhecida como a guerra de Trombas e Formoso, iniciada em 1954
e termina com o massacre dos posseiros e a tomada de suas terras em 1964 com a
participação dos militares. O Zé Porfírio foi um agricultor que se elegeu para
deputado, e seu corpo até hoje não foi encontrado.
No debate se falava mais do MST. Quando se referiam à imagem do MST na
mídia se trabalhava a ditadura eletrônica pelas “capitanias da mídia” onde apenas 4
famílias dominam o mercado eletrônico no Brasil, citando a fonte “Mídia e
Democracia” de Pedrinho A. Guareschi e Osvaldo Biz. A partir daí devolvia a
pergunta se referindo o que a imprensa fala de quem mora nas periferias (favelas)? A
conclusão era de que jamais a mídia, pertencente aos ricos, iria falar bem dos pobres
e muito menos dos pobres organizados.
Quando falavam que tinha Sem Terra que andava de carro novo a gente citava
as conquistas do MST em vinte anos. Antes fazia uma diferenciação entre acampados
e assentados. Se um acampado tiver um carro novo (o que não existe) é suspeito,
por outro lado um assentamento que vive e produz de modo cooperativo, como é
caso da Cooperoeste, em Santa Catarina que coloca no mercado 400 mil litros de
Agitação e Propaganda - 43

leite em caixinha por dia, por que irão comprar carro velho? É claro que não vamos
comprar carros de luxos, mas para trabalhar. Citava outras conquistas e afirmava
que isso é uma prova concreta que a Reforma Agrária dá certo.
A venda de lotes foi citada em todos os debates. Falava-se das linhas aprovadas
pelo MST, desde os primeiros congressos, contra a venda de lotes pelos beneficiários.
As causas das desistências nas diversas regiões do país e o que o Movimento vem
fazendo para que isso não aconteça. Em SP já está sendo discutido sobre a carta de
concessão de uso da terra que seja expedida em nome do grupo de produção, assim
evitaria uma família efetuar uma venda ou troca individualmente. O percentual de
desistência também era citado, de acordo com a pesquisa feita pela USP, em novembro
de 2002, encomendada pelo governo FHC. Por essa pesquisa pode-se constatar que
na região amazônica, Pará e Maranhão o índice de desistência chega a 40% devido
às condições de abandono a que foram submetidas as famílias assentadas, sem infra-
estrutura. Já no sul, nordeste e sudeste esse índice cai para apenas 5%, considerado
baixo em relação à média mundial de assentamentos humanos, segundo a FAO é
natural até os 15%.
Outra colocação freqüente era a suposição de que se um trabalhador viesse a
se tornar um latifundiário com que direito nós (MST) invadiríamos a fazenda dele.
Esta colocação foi feita também por uma professora de matemática. Como se trata
de uma suposição então vamos fazer os cálculos para ver se há uma possibilidade
real de isso acontecer: vamos supor que você ganha um salário de 5 mil reais mensal,
desses tira 2 mil para as despesas do mês, e 3 mil para comprar terra (acima de 2 mil
ha.). Por esses números compraria mais ou menos 2 ha. por ano. Sendo assim levaria
mil anos para se tornar um latifundiário. Também está excluída a possibilidade de
um pobre fazer parte de uma quadrilha de grilagem de terra. Só participam os
“graúdos”. É como um cachorrinho da raça pincher sonhar um dia virar lobo.
Agitação e Propaganda - 44

Sobre a produtividade dos latifúndios usávamos os dados do senso


agropecuário de 1995/96 do IBGE. Iniciava pelos alimentos do café da manhã:
trigo, leite, frutas; almoço e janta: arroz, feijão, mandioca, batatinha, batata doce,
carnes (porco, frango, boi, peixe, ovelha), etc. Sempre lembrando que milhões de
brasileiros não possuem esses alimentos em suas mesas e se não tivesse condições de
verificar os dados no sítio do IBGE bastava olhar pela janela do ônibus quando
estivesse viajando pelas BRs para constatar o que os latifúndios produziam (no estado
de Goiás partindo de Goiânia para sul ou norte não se avista nenhuma produção
beirando as estradas). Nesse ponto se aprofundavam os benefícios da R.A. para o
desenvolvimento econômico e social do país. Não foi o MST que criou a reforma
agrária, mas os diversos países do mundo para alavancar o seu desenvolvimento.
“Existem pessoas que possuem posses (bem de vida) e se aproveitam do
acampamento para ampliar suas riquezas ou pessoas que já foram assentadas e
venderam seus lotes e querem conquistar outro para vender novamente”. Esta
colocação não era em forma de pergunta, mas de afirmação. A resposta: vamos
pensar juntos, uma pessoa que possui uma boa casa, um bom salário ou uma
propriedade rural de 100 ou 200 ha. (não é uma pessoa rica, mas de classe média),
um bom carro. Quantos dias uma pessoa assim permanecia acampado em baixo de
uma lona preta (construída por ele próprio), tomando banho em rio, buscando
água de balde, lascando lenha a machado, cozinhando em um fogão feito de barro e
dormindo em cama de bambu? Eles mesmos respondiam. Alguns diziam que não
permaneciam nem um dia, nem chegariam a construir o próprio barraco. Depois
desse debate se falava quem pode e quem não pode ir acampar.
O que fazer para manter um contato permanente de relação MST/escolas?
A idéia é que se mapeiem os professores interessados em aprofundar a pesquisa
sobre a Reforma Agrária como um projeto de desenvolvimento para o Brasil e
formar núcleos de pesquisa nos municípios. Nas universidades também formar
Agitação e Propaganda - 45

núcleos de universitários para aprofundar a pesquisa sobre as reformas agrárias no


mundo e também planejar a reforma agrária brasileira. Não importa se é contra ou
a favor, mas que esteja interessado em pesquisar.
A minha avaliação é que está na hora de acelerar a relação/articulação com
sociedade e que a prioridade são os estudantes noturnos e turmas do EJA. São
trabalhadores (empregados ou não), e sua assimilação e indignação é maior, afinal
sofrem na pele as conseqüências do modelo excludente. Começar pelas escolas é
uma maneira de quebrar o pré-conceito formado pela mídia. Depois deles
entenderem por que uns são pobres e outros ricos, os ataques da imprensa não tem
o mesmo peso. A televisão, por exemplo, não tem o poder de fazer o debate com a
sociedade. Por isso entendo que, antes de se ocupar um espaço na mídia, devemos
desmontar a opinião já formada. A agitação e propaganda deve gerar o debate e
para isso é necessário estarmos preparados para essa tarefa; por último a organização
e mobilização dos setores da sociedade para lutas permanentes.

Junho de 2005.
Agitação e Propaganda - 46

Duas versões da intervenção A luta do camponês contra o agronegócio.


Na segunda, com utilização de bonecos gigantes.
Agitação e Propaganda - 47

V . Intervenção de agitprop
Agitação e Propaganda - 48

Eldorado dos Carajás


Produção coletiva dos participantes da oficina de teatro da 2ª etapa do curso
Arte, Comunicação e Cultura na Formação do MST/DF e Entorno, nos períodos de 11 a
21 de março de 2006.
Coordenação da oficina: Agostinho Reis
Colaboração direta: Edmar, Edleusa e Neudair.
Personagens:
Coro dos trabalhadores
Coro dos soldados da PM
Coro dos juízes
Narrador 1
Narrador 2
1º Soldado
2º Soldado
3º Soldado
4º Soldado
Trabalhador
Oziel Alves
1° Vítima
2ª Vítima
Agitação e Propaganda - 49

Os três coros entram juntos tocando instrumentos, o coro dos soldados com tambores, zabumba,
pandeiros, e outros instrumentos musicais de percussão; o coro dos trabalhadores entra com enxada,
pás, foices e demais instrumentos de trabalho, batem com ferro nos metais dos instrumentos. Os
dois coros param, um de frente para o outro, como em um tribunal, ou campo de batalhas. Os
juízes intermediam o conflito.
Narrador 1 – (Saindo do coro dos trabalhadores) – 17 de abril de 1996: Eldorado dos
Carajás, Pará. Neste dia, por “competência do estado” foram assassinados
cruelmente pela polícia 21 trabalhadores e trabalhadoras rurais sem terra, e mais
de 60 pessoas foram feridas.
Coro dos trabalhadores – E até hoje não se sabe quantos desaparecidos.
Que estado é esse, em que a vida não tem valor?
Onde mandam policiais pra matar trabalhador!
(Batem as ferramentas umas nas outras)
Nós viemos pra lutar,
Mudaremos essa história de Eldorado dos Carajás!
Coro dos soldados – (Tocando os instrumentos) – Combater é uma forma de viver!
Coro dos trabalhadores – (Batendo e mostrando os instrumentos) – Eis as nossas
armas!
Coro dos soldados e juízes – Vejam o que fez esse bando de sem terra,
Estragaram as nossas balas!
Isso é um absurdo!
Coro dos trabalhadores – (Batendo os ferros nas ferramentas) – O julgamento dos
assassinos.
Agitação e Propaganda - 50

Coro dos juízes – Eu, como juiz de direito


Representante do estado “competente”
Dou início a seção.
Narrador 2 – (Saindo do coro dos juízes) – Quem entrem os inocentes... ou acusados.
Narrador 1 – 1º Soldado.
1° Soldado – A ordem não era matar, eles é que pularam em frente às armas.
Narrador 1 – 2º Soldado.
2º Soldado – A culpa não é minha. É do meu comandante, que mandou
desocupar a via.
Narrador 1 – 3º Soldado.
3º Soldado – Como o meu trabalho é matar gente que não tem o que fazer, eu
matei.
Narrador 1 – 4º Soldado.
4º Soldado – Eu atirei mas não tinha intenção de matar, matei.
Coro dos juízes – Eles são inocentes, foram para cumprir a lei e manter a ordem.
Coro dos trabalhadores – Mentira!
(Os trabalhadores batem com os ferros em suas ferramentas. Sai o trabalhador do coro e
narra:)
Trabalhador – Mentira! Eles mataram Oziel e arrastaram ele até o caminhão.
Agitação e Propaganda - 51

Narrador 1 – O relato dos mortos.


(Coro dos trabalhadores bate os ferros nas ferramentas, no início bem baixo, depois vai
aumentando progressivamente, e para).
Oziel – Eu, Oziel Alves, quero justiça! Me arrastaram, me bateram, me mataram!
Eu senti na pele a covardia do Estado, mas não neguei “VIVA O MST! VIVA O
MST! VIVA O MST!”
Coro dos trabalhadores – (cantam baixo) Terra que há de nos comer,
Há de nos fazer viver!
(Batem com o cabo das ferramentas no chão, várias vezes, em progressão)
1ª Vítima – Sou cego, assim como eu a justiça também é. A justiça é cega porque até
hoje os assassinos continuam impunes. Se eu tivesse a oportunidade de fazer um único
pedido antes da minha morte eu pediria para enxergar. Para poder ver no fundo dos
olhos daquele policial que me matou a podridão impregnada em sua alma, depois
perguntar a ele se tem família, se sente amor, nutre sonhos, se tem idéias. Acho que
não. Mesmo postumamente, desejo que o sangue de todos os companheiros e
companheiras não tenha sido derramado em vão. Continuem a luta!
2ª Vítima – Vocês não sabem o que é ser arrancado de seus filhos e não poder vê-
los crescer, vocês não sabem o que é ter um sonho apagado por uma bala.
Coro dos trabalhadores – (Batendo com suas ferramentas no chão) – Terra que há
de nos comer, Há de nos fazer viver!
Narrador 2 – Enxugai as suas lágrimas,
ergam as suas ferramentas,
e continuem a luta (3X).
Agitação e Propaganda - 52

A luta do camponês contra o agronegócio *

Construção coletiva a partir de experimentos realizados com elencos no Acampamento Nacional


da Via Campesina (Brasília – 10/2003), com a turma do curso técnico de agropecuária e
desenvolvimento sustentável na Escola Agrícola Estadual Juvêncio Martins (Unaí – 12/2004),
com o Coletivo de Teatro do MST/RS Peça pro povo (Viamão – 01/2005), com a Brigada
Nacional de Teatro do MST Patativa do Assaré em parceria com o CTO (RJ – 02/2005) e com o
elenco de teatro da II Oficina de Cultura da Região Centro-Oeste (03/2005).

Personagens:
Camponês
Grande fazendeiro
Juiz / grande imprensa
Coro
Policial 1
Policial 2

* Fonte pesquisada: Cartilha “O agronegócio X agricultura familiar e reforma agrária”. Brasília: Concrab, 2004.
Agitação e Propaganda - 53

Juiz – Venham, venham, venham todos! Vamos se aproximando minha gente! Vai
começar a luta do ano! A luta mais esperada! Vamos se aproximar! Pode chegar
perto que não paga nada! Desse lado do ringue temos um lutador espetacular, a
quem muito devemos agradecer e nos orgulhar, o Grande Fazendeiro! Aplausos
para ele!
Coro do agronegócio – Terra, Terra
Nós queremos terra! (2X)
Acumular, acumular, acumular, acumulaaaar
Monopolizar
Pra poder melhor lucrar (2X)
Juiz (Mudando o tom de voz) – E desse outro lado temos o desafiante, um lutador
desconhecido, o Camponês.
Coro do MST – MST! Essa luta é pra valer! (3X)
Juiz (Para o público) – Essa luta vai ser fichinha! Façam suas apostas! Vamos começar
o massacre, quero dizer, a luta. Se aproximem os dois lutadores. Quero que a luta
seja limpa (pisca para o público) sem nenhum golpe baixo (pega a mão do Grande
Fazendeiro e atinge o saco do Camponês) e sem nenhuma ofensa, afinal, isso aqui é uma
casa de respeito!
1° Assalto – A COOPTAÇÃO
Juiz – E tem início o primeiro assalto!
Grande Fazendeiro – Ei, venha aqui, eu tenho uma proposta para lhe fazer. (O
Camponês fica receoso mas decide escutar a proposta) – Olha, eu sei que você está passando
por dificuldades, o crédito não saiu na hora certa mais uma vez, suas crianças
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estão com fome, é época de natal... (O Camponês concorda com tudo) – Pois então, eu
tenho uma proposta para lhe fazer. Você passa a trabalhar pra mim, operando a
colheitadeira, e em troca eu lhe dou um salário de R$ 1000 e folga aos domingos.
O que acha? Você nunca teve isso na vida, homem! (O Camponês fica feliz com a
proposta) – E como você vai trabalhar pra mim o tempo todo, você me empresta
sua terra para eu poder estender a minha plantação e nós dois lucramos com isso.
Camponês – Êpa, mas o senhor quer que eu deixe minhas terras em suas mãos?!
Grande Fazendeiro – Mas é você mesmo quem vai cuidar dela homem!
(O Camponês fica pensativo. Ele conversa consigo mesmo e decide aceitar a proposta. Enquanto
ele pensa o Grande Fazendeiro arma um soco, em câmera lenta. No momento em que o Camponês
se vira para aceitar a proposta ele toma o soco.)
Juiz – Fim do primeiro assalto! Com vitória para nosso grande lutador! (Uma atriz
sai do coro e anda desfilando até o Grande Fazendeiro, carregando um garrafão de água com um
lado escrito 2° Assalto e o outro escrito Randap) – Durante o intervalo o glorioso Grande
Fazendeiro se fortalece com Randap, o agrotóxico dos grandes fazendeiros! Vamos
direto para o segundo assalto, sem descanso pra não perdermos tempo, pois o
nosso negócio é assaltar o Camponês. Começa o segundo assalto!
2° Assalto: A VERDADE
Coro do agronegócio – O agronegócio é o responsável por mais de 30% das
exportações brasileiras (o Grande Fazendeiro acerta um golpe).
Coro do MST – Monocultura (o Camponês acerta um golpe), desemprego (o Camponês
acerta outro golpe), depredação da natureza: (mais um golpe do Camponês) são as
conseqüências do agronegócio.
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Coro do agronegócio – Mas que ousadia! (Mudando a voz para o tom de narrador de
telejornal) – O agronegócio é a continuidade da Revolução Verde, é o atual
responsável pelo progresso do nosso país, e é um grande empregador! (O Grande
Fazendeiro arma um soco, em câmera lenta).
Coro do MST – Mentira! (O Camponês se esquiva do soco e arma o contra-ataque) – As
pequenas unidades empregam 87% da mão-de-obra do campo. (Primeiro soco. Em
seguida, a cada dado o Camponês acerta um soco no Grande Fazendeiro) – As pequenas
unidades de produção são os responsáveis por 70% da produção de café, 71% da
produção de leite, 87% da criação de suínos, 87% da criação de aves, 79% da
produção de ovos, 77% da produção de feijão, 92% da produção de mandioca,
76% da produção do tomate, 85% da produção de banana, quer mais?!!!
Grande fazendeiro – Não! Pára! Pára! Não agüento mais! (Desmaia)
(O Grande Fazendeiro é sustentado por membros de sua torcida. O juiz chama os lutadores até
o centro do ringue, segura as mãos dos dois e faz o gesto de que vai anunciar o vencedor. A cena
é congelada. Entra a moça com o cartaz “Veredicto: a mentira”. Quando ela sai o juiz anuncia
que o Fazendeiro é o vencedor).

Veredicto: A MENTIRA
Juiz – Tenho o orgulho de declarar como vencedor dessa grande batalha o nosso
querido Grande Fazendeiro! (O Juiz segura o Grande Fazendeiro, que continua desmaiado.
O Camponês protesta.) – Sim, ele foi o vencedor porque lutou com elegância, e não
com brutalidade. Isso é uma casa de respeito, e não posso admitir a sua violência
aqui dentro. Você nada mais é do que um brigão de rua!
Coro do agronegócio – Isso prova que Reforma Agrária é caso de justiça!
(Barulho de sirene. Entram dois policiais).
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Policial 1 – Olha ali Justino, um caipira safado caçando confusão na cidade!


Policial 2 – Parado aí malandro! Mãos na cabeça e pernas abertas!
Camponês – Mas eu não fiz nada!
Policial 1 – Cala a boca! Quem foi que mandou vir pra cidade?
Camponês – Eu só vim vender a minha produção...
Policial 2 – Você vai é pro xadrez, tomar umas porradas pra aprender a voltar de
onde não devia ter saído! (Eles arrastam o camponês para o fundo da cena).
Camponês – Mas eu não fiz nada, sou inocente, sou trabalhador!
(Os dois coros se juntam em meia lua e quando os policiais e o Camponês chegam e se alinham
todos fazem o gesto de agradecimento e, em seguida, são puxados os três seguintes gritos de
ordem).
1º) Puxador(a) – Reforma Agrária quando?
Coro – Já!
Puxador(a) – Quando?
Coro – Já!
Puxador(a) – Quando?
Coro – Já!
2°) Puxador(a) – Enquanto o latifúndio quer guerra...
Coro – Nós queremos terra! (3X)
3°) Puxador(a) – Reforma Agrária!
Coro – Por um Brasil sem latifúndio! (3X)
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