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Atendimento Nutricional:

Especial de Capa

o Grande Desafio para a


Mudança do Estilo de Vida
Juliana Vinagre e Tatiane Vanessa de Oliveira
Nutrição Profissional

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A
nutrição é uma ciência em constante evolu- e ao curto prazo, proporcionando muitas vezes uma

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ção. Diariamente, surgem várias informações sensação de prazer (Assis & Nahas, 1999).
e novidades sobre a importância dos nu-
trientes para o funcionamento do nosso organismo, O paciente ou cliente possui desejos, necessidades,
inclusive na determinação da nossa expressão gené- direções ou metas. Muitas vezes, o nutricionista precisa
tica. Atualmente, já se sabe que os nutrientes são a utilizar-se disso para modificar os hábitos alimenta-
única matéria-prima para nossa formação e renova- res desse indivíduo. Por exemplo, um paciente que
ção celular. Portanto, nossa alimentação é responsá- recentemente sofreu um ataque cardíaco pode estar
vel tanto pela nossa saúde como pelo desequilíbrio motivado a mudar sua prática alimentar, mas os fatores
do nosso organismo, desencadeando a maioria das externos podem influenciar positiva ou negativamente
doenças crônicas que afetam a população, indepen- esta motivação. O suporte familiar, o prazer e as re-
dente da sua faixa social, etária e cultural. compensas materiais são fatores externos que podem
atuar positivamente. Já uma motivação pessoal em
Uma alimentação variada e balanceada, a prática seguir as recomendações dietéticas pode ser prejudi-
regular de exercícios físicos, o controle do estresse, cada em ocasiões sociais, ou devido à falta de suporte
a adoção de um comportamento preventivo, são familiar e de amigos (Horn et al., 1997).
considerados fatores do estilo de vida, que podem
ser modificados com o intuito de adquirir uma me- Dentro de uma perspectiva mais ampla, os hábitos
lhor qualidade de vida (Nahas, 1996). Entretanto, alimentares são adquiridos em função de aspectos
estas mudanças no estilo de vida para a prevenção culturais, antropológicos, socioeconômicos e psicoló-
e o tratamento das doenças crônicas normalmente gicos, que envolvem o ambiente das pessoas. A seleção
apresentam uma baixa adesão do paciente. Alguns de alimentos é parte de um sistema comportamental
estudos relatam que 43% dos pacientes não aderem complexo. Na criança, é determinada primeiramente
a um tratamento crônico (por exemplo, tratamento pelos pais, práticas culturais e éticas. Experiências
antihipertensivo, antibióticos etc.), enquanto que precoces e interação contínua com o alimento deter-
75% dos pacientes não seguem às recomendações minam as preferências alimentares, hábitos e atitudes
médicas e nutricionais relacionadas às mudanças no exibidas pelos adultos. Outras influências incluem o
estilo de vida, como restrições alimentares, abando- preço do alimento, o valor do prestígio do alimento,
no do fumo, entre outros (DiMatteo, 1994), confir- religião, geografia, pares e influências sociais, prepara-
mando assim, a baixa adesão dos pacientes quando ção e estocagem do alimento, habilidades no preparo
há necessidade de uma alteração no estilo de vida. de alimentos, disponibilidade de tempo e conveniên-
Acredita-se que os processos sociais e psicológicos cia, bem como as preferências e intolerâncias pesso-
que permeiam a relação nutricionista-paciente estão ais. Citam-se também os fatores afetivos, envolvendo
diretamente relacionados a esta baixa adesão. atitudes, crenças e valores (Assis & Nahas, 1999). Um
dos papéis do nutricionista é o de ajudar as pessoas
A motivação é considerada como um fator crucial a modificarem seus hábitos alimentares, por meio da
para a adesão do paciente a uma mudança de estilo assistência nutricional a indivíduos e grupos. Já em
de vida, por ser complexa e possuir muitas variáveis 1969, o aconselhamento dietético foi conceituado pela
intrínsecas e extrínsecas que influenciam o processo Associação Americana de Dietética, como a “orien-
em determinado momento. As influências motiva- tação profissional individualizada para ajudar uma
cionais de hoje podem ser diferentes das de ama- pessoa a ajustar seu consumo diário de alimentos, a
nhã e metas em curto prazo podem sobrepor as de fim de atender às necessidades de saúde” (Rodrigues
longo prazo. O problema é que tornar-se ou perma- et al., 2005).
necer saudável, além de ter o cuidado apropriado
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nas doenças crônicas como diabetes ou doença A demanda por orientação alimentar tem crescido
cardiovascular, envolve metas ao longo prazo. Entre- significativamente tanto na rede básica de saúde,
tanto, a vontade de comer alimentos com um alto quanto em clínicas e consultórios, face ao diagnóstico
teor energético como um bolo de chocolate, trufas, precoce das doenças crônicas e ao reconhecimento
salgadinhos fritos etc, satisfaz uma vontade imediata da influência da alimentação sobre elas. Também,

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a conscientização da importância do sobrepeso e da tar, ambiente emocional, influências culturais, e os


obesidade como fatores de risco para doenças cardio- efeitos de várias doenças no apetite e na capacidade de
vasculares, hipertensão, diabetes mellitus, osteoartri- consumir e absorver nutrientes de maneira adequada.
te, osteoporose e câncer, leva à procura crescente de Do outro lado da balança, as necessidades de nutrien-
atendimento nutricional. tes são também influenciadas por uma série de fatores,
incluindo estresse fisiológico, como uma infecção, pro-
O atendimento nutricional é mais do que fornecer cessos crônicos ou agudos de uma doença, febre e/ou
uma informação, já que a informação está disponível trauma, estado anabólicos normais de crescimento e
em livros, revistas, reportagens em jornais ou na televi- gravidez, manutenção do corpo e bem-estar e estresse
são, família e amigos, sem a necessidade de profissio- psicológico. Considerando esta teoria, a hipótese é a
nais. Surge então, a necessidade do profissional adqui- de que um programa de intervenção nutricional pode
rir um conhecimento científico mais apurado, além de ser bem sucedido, se estiver embutido numa perspec-
saber como solucionar os problemas por meio de uma tiva ecológica de promoção à saúde, enfocando-se
interação entre o profissional assistente, o indivíduo os fatores ambientais, organizacionais e pessoais que
assistido e a tecnologia empregada e trabalhar para influenciam a mudança do comportamento alimentar.
que esses fatores passem a agir positivamente sobre a
sua conduta nutricional. Uma das dificuldades encontradas pelo nutricionis-
ta é como realizar e utilizar a avaliação do consumo
O nutricionista precisa estar ciente que muitos fatores alimentar a ser considerado na avaliação nutricional e
influenciam a adesão do cliente ou paciente a uma assim determinar o diagnóstico nutricional dos pacien-
prescrição dietética. Os aspectos que influenciam a tes. Os métodos mais utilizados para essa avaliação são:
adesão de um paciente a uma prescrição dietética e anamnese alimentar, freqüência de alimentos (qualita-
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sua motivação para adotar um padrão desejável de tiva ou quantitativa), recordatório de 24 horas, registro
comportamento alimentar devem ser analisados como alimentar por um ou mais dias. Cada método tem
um conjunto de características relacionadas ao profis- seus propósitos, vantagens e desvantagens. A escolha
sional, paciente, qualidade da relação profissional-pa- depende do objetivo e do local onde a avaliação está
ciente, condição econômica, comportamento alimen- sendo realizada. A finalidade é determinar a quanti-

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dade de nutrientes dos alimentos e analisar a ingestão alimentos apropriados, ou esforços extras requeridos
individual. O método prospectivo registra os dados no na preparação do alimento. A elaboração do plano
momento que o alimento está sendo consumido ou alimentar busca motivar o paciente no seguimento da
logo após. Contudo, o paciente ou cliente quando sub- dieta prescrita. A palavra dieta, muitas vezes, apre-
metido a este tipo de método, muitas vezes pode não senta uma conotação negativa para muitos pacientes,
lembrar exatamente o que ingeriu e em qual quanti- principalmente para aqueles obesos. Esta palavra está
dade, ou não relatar exatamente a sua alimentação, geralmente associada a uma restrição de alimentos e
como acontece muitas vezes com indivíduos obesos, os de energia, o que provoca uma dificuldade de aderên-
quais tendem a omitir informações, o que comprome- cia do paciente ao tratamento dietético. Assim, o plano
te o diagnóstico nutricional. Portanto, a hipótese de alimentar deve fornecer uma sugestão de cardápio
diagnóstico deve ser confirmada ou rejeitada a partir que atenda às necessidades nutricionais e preferências
da observação evolutiva do paciente e do seu compor- individuais. Além do cardápio, deve-se propiciar ao
tamento, perante a conduta dietoterápica. paciente, alternativas para que o mesmo não fique
preso a um modelo que não possibilite a variação de
O cuidado nutricional individual é extremamente alimentos. Por isso, deve-se fornecer juntamente com
importante na prevenção e no tratamento das doenças o cardápio, uma lista de substituições coerentes de
crônicas degenerativas relacionadas com a alimenta- alimentos, segundo o tipo de nutriente do alimento,
ção. Tanto a prescrição dietética quanto o cuidado por equivalente calórico etc.
nutricional individual auxiliam no estabelecimento de
uma conduta dietética adequada, mas esta depende A obesidade talvez seja o sintoma mais perverso desses
principalmente do diagnóstico nutricional. desequilíbrios e é considerada como um problema de
saúde pública, sendo que o número de obesos já atin-
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Outro desafio do nutricionista é a prescrição dietética, ge percentuais epidêmicos. É uma doença que provoca
pois esta deve levar em consideração uma série de situ- uma rejeição da sociedade, que geralmente vê o obeso
ações e pontos condicionantes, sendo eles a dificulda- como uma pessoa sem força de vontade e que não
de do paciente de se adaptar ao novo regime, à rotina conseguiu se enquadrar nos padrões de beleza: esguio,
diária, à mudança no estilo de vida, à falta de acesso a esbelto e musculoso. A própria sociedade que dita es-

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tes padrões promove também as mudanças do padrão e necessidades individuais. A nutrição é uma ciência
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de consumo alimentar. Uma tendência crescente para e não se resume à prescrição de dietas. Como toda
o consumo de alimentos com maior concentração ciência, certos conceitos na nutrição que precisam ser
energética é promovida pela indústria de alimentos esclarecidos e simplificados para que haja uma mudan-
com a produção abundante de alimentos saborosos, ça consciente nas escolhas e no hábito alimentar da
de alta densidade energética e de custo relativamente população.
baixo. A padronização de certas instâncias das práticas
e do comportamento alimentar facilita as mudanças na Acreditamos que o nutricionista tem obrigação de
alimentação, que vão sendo incorporadas como parte estar cada vez mais presente na mídia, orientando
do estilo de vida. e transmitindo suas opiniões sobre a influência dos
hábitos alimentares na qualidade de vida, advertindo
Pressionadas pelo poder aquisitivo, pela publicidade sobre crenças e conceitos errados de nutrição, além de
e praticidade, as práticas alimentares vão se tor- se valorizar como um profissional de saúde, capacitado
nando permeáveis a mudanças, representadas pela para tratar e prevenir doenças crônicas desencadeadas
incorporação de novos alimentos, formas de prepa- por desequilíbrios nutricionais, promovendo saúde,
ro, compra e consumo. A opção por facilidades que bem-estar e qualidade de vida. NP
poupam tempo de preparo e diminuem a freqüência
das compras é característica do comensal urbano
contemporâneo. Como o tempo é um elemento-
chave no mundo contemporâneo, os fast foods são
largamente oferecidos como uma solução para a vida Currículo
moderna, por pouparem tempo, tanto de preparo Juliana Vinagre é nutricionista formada pela Universidade
como de ingestão. Além disso, são facilmente encon- Anhembi Morumbi e tem doutorado em andamento em
ciências, área de concentração cardiologia, pelo Instituto do
trados e apesar de não difundirem uma cultura ali- Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
mentar, são parte da globalização no plano alimentar da Universidade de São Paulo (INCOR-HCFMUSP).
(Garcia, 2003).
Tatiane Vanessa de Oliveira é nutricionista formada
pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG) e tem
Em resposta, a população, em particular a que aderiu doutorado em andamento em ciências, área de concentra-
a estas mudanças, busca incessantemente soluções ção cardiologia pelo Instituto do Coração do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São
rápidas para perda de peso. O mercado, por sua vez, Paulo (INCOR-HCFMUSP).
passa a oferecer soluções diet e light, quando não
cápsulas com poderes mágicos para retirar a gordura.
Referências Bibliográficas
Os meios de informação, em particular a imprensa,
(1) Assis, M.A.A. & Nahas, M.V. Aspectos motivacionais em
procuram atender ao interesse da sociedade por programas de mudança de comportamento alimentar. Rev.
soluções simples e rápidas. Essas informações muitas Nutr., Campinas, 12(1):33-41, 1999;
vezes são contaminadas pela oferta indireta de pro- (2) DiMatteo, M.R. Enhancing patient adherence to medical
dutos e serviços que só ajudam a comprometer, ainda recommendations. Journal of the American Medical Associa-
tion, Chicago, v.271, n.1, p.79-83, 1994;
mais, o estado de saúde dos leitores. A obesidade é
conseqüência de vários fatores associados, inclusive (3) Horn, L.V.V., Dolecek, T.A., Grandits G.A., Skweres, L.
Adherence to dietary recommendations in the special
de desequilíbrios nutricionais, ou seja, excessos e intervention group in the Multiple Risk Factor Intervention
carências de nutrientes e, portanto, jamais será resol- Trial. American Journal of Clinical Nutrition, Bethesda. v.65,
vida unicamente pela simples restrição na ingestão de p.289S-304S, 1997;
calorias (Garcia, 2003). (4) Garcia, R.W.D. Reflexos da Globalização na cultura ali-
mentar: considerações sobre as mudanças na alimentação
urbana. Rev. Nutr, Campinas, 16(4):483-492, 2003;
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O nutricionista é o profissional de saúde mais capaci-


(5) Nahas, M.V. O pentágono do bem-estar. Boletim do Nu-
tado para oferecer à população respostas eficazes para PAF, Florianópolis, v.2, n.7, p.1, 1996;
um novo começo nos hábitos alimentares, nos quais se
(6) Rodrigues, E. M.; Soares, F.P.T.; Boog, M.C.F. Resgate do
priorizem os aspectos nutricionais da nossa alimenta- conceito de aconselhamento no contexto do atendimento
ção, levando-se em consideração nossas características nutricional. Rev. Nutr., Campinas, 18(1):119-128, 2005.

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