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Subjetividade e psiquismo: acerca de um debate atual (síntese)

Diana Kordon e Lucila Edelman

O psiquismo e a subjetividade se constituem no interior de uma relação


intersubjetiva que será simultaneamente portadora dos enunciados
sociais. Nesse sentido é que concebemos o vínculo humano como
fundante.

O grupo familiar é o primeiro grupo que gera identidade. Nesse processo


se articulam as expectativas parentais e a transmissão do discurso social
que dá significado aos desejos parentais. Cada sujeito é diferente a partir
do vínculo no qual está inserido, mas tem uma marca, um selo de
identidade, uma maneira própria de ser.

O conceito de subjetividade é polisêmico. Entendemos subjetividade como


as diferentes maneiras de sentir, pensar, dar significações e sentidos ao
mundo. Corresponde simultaneamente ao indivíduo e ao contexto, embora
não haja uma relação linear entre essas dimensões. Tem um caráter
histórico-social, cada período promove modelos e conteúdos específicos.
Cada época gera um tipo de subjetividade que é produto do modo como
cada sociedade articula as condições materiais de existência, as relações
sociais, as práticas coletivas, os discursos hegemônicos e contra-
hegemônicos.

Tem amplo consenso a concepção de que o contexto social é


metaforicamente texto da subjetividade, portanto o sujeito é por
definição um ser social, que se constitui como tal no interior de um
vínculo intersubjetivo e na experiência social. Cada sujeito emerge de um
mundo material, de um discurso, de um sistema ideológico, isto é, de
enunciados sociais dominantes.

Piera Aulagnier formulou o conceito de contrato narcisista, por meio do


qual o sujeito se compromete a ser transmissor desses enunciados que
caracterizam uma cultura em troca do reconhecimento e pertença social.
Os avanços tecnológicos se inscrevem no mundo material e social e
servem para gerar certas produções de subjetividade.
O poder, a ordem social institui determinados modos de subjetividade e
isto está no centro do controle social,mas, os discursos e as
representações sociais não são homogêneos dado que existem
formulações produzidas pelo poder, pela ordem instituída e outras de
contestação, de caráter contra-hegemônico, instituintes.

O modo de produção capitalista dos últimos anos faz com que as


instituições não garantam a pertença, produzem um desapontamento
massivo de grandes setores da população, levando a uma fragmentação
social, queda de ideais coletivos, falta de projetos e perspectivas futuras.

Por outro lado, não é suficiente considerar esses diferentes discursos para
dar conta das subjetividades, é importante também considerar que
membros de um grupo compartilham modos de sentir e pensar
específicos.

O psiquismo é uma estrutura que se constitui sobre uma base biológica


no interior de uma relação assimétrica do sujeito, com aqueles dos quais
depende durante um período prolongado. Possui certa estabilidade, com
substâncias e funções de diversos graus de desenvolvimento e
complexidade que respondem a diferentes lógicas. Freud formulou
conceitos para representar essas estruturas como “ o eu ideal, os
mecanismos de defesa,as fantasias”.

O aparato psíquico requer para sua formação tanto a função de


continência, de acolhimento, como de corte. É um sistema aberto a
diferentes situações da vida, é susceptível de mudanças significativas.
Consideramos que o psiquismo se constitui a partir de um trabalho que o
indivíduo deve realizar na dialética entre a falta e o excesso, entre o
desejo de fusão, de completude de recuperar a relação simbiótica mãe-
filho e o excesso de estímulos que tem de metabolizar e responder, o
desejo de viver e reconhecer o novo. O processo identificatório está
atravessado por essa contradição. Podemos definir como momento
fundante do psiquismo aquele no qual se produz a separação entre desejo
e satisfação da necessidade.
No processo de constituição do psiquismo se produzem simultaneamente
estímulos internos e externos que devem ser metabolizados. Trata-se
neste caso de um excesso e não de uma falta. Eventualmente o excesso
pode assumir um caráter traumático. Silvia Bleichmar (2003) em
consonância com Laplanche sustenta que as vivências traumáticas são ao
mesmo tempo constitutivas e constituintes do sujeito, o que ele não
consegue elaborar persiste como trauma. Por outro lado, existe um desejo
de conhecer o mundo externo, que é o que sustenta a busca da
autonomia (Margareth Malher).

Consideramos que o psiquismo como uma produção vincular que se


desenvolve ao longo da vida, onde se inscreve aquilo que será repetido
pelas marcas produzidas e o novo produzido pelo encontro com o outro,
intersubjetivo. Essa é a diferença entre representação que tem relação
com o passado e apresentação que introduz o novo, aspectos
imprevisíveis da relação com o outro (Janine Puget). Segundo Luis
Hornstein (2003), o sujeito está aberto à sua história, não só no passado,
mas na atualidade. Está entre a repetição e a criação, o sujeito recria tudo
aquilo que recebe.

As mudanças no psiquismo são possíveis a partir de momentos críticos, de


desestruturações que abrem a possibilidade de novas inscrições. Em
qualquer momento da vida as crises, que constituem rupturas na vivência
de continuidade, de si mesmo e mobilizam estruturas instituídas e os
traumatismos, que desorganizam e podem recuperar estruturas prévias,
podem gerar condições de mudanças em várias direções.

Referências

AULAGNIER,P. La violência de La interpretacion. Buenos Aires:


Amorrotu,1977.
BLEICHMAR,S..Entre La producion de subjetividad y La constituicion Del
psiquismo.Conferência WWW.silviableichmar.comqarticulos/articuloshtm.
Buenos Aires,2000

HORNSTEIN,L. Cuerpo, história, interpretacion.Buenos Aieres:Paidós,1991.

LAPLANCHE,J.Castracion,simbolizaciones:problematicasII.Buenos
Aires:Amorrotu,1988.

MAHLER,M.,PINE,F.,BERGMAN,A.El nacimiento Del infante humano:


simbiosis e individuación. Buenos Aires:Paidós, 1977.

PUGET,J. Piera Aulagnier: lo social 27 anos despues. Psicoanalisis AP de


BA, vol 24, n.3, Buenos Aires,2003.

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