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Agnes Heller
Agnes Heller
da teoria do cotidiano:
Agnes Heller
em perspectiva
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Chance ler:
Dom Dadeus Grings
Reitor:
Ir. Norberto Francisco Rauch
Conselho Editorial:
Anto ninho Muza Nai me
An tonio Mario Pascual Bianchi
Délcia Enricone
Jayme Paviani
Luiz Antônio de Assis Brasil
Regina Zil berman
Telmo Berthold
Urbano Zilles (presidente)
V era Lúcia Strube de Li ma
Diretor da EDIPUCRS:
Anto ninho Muza Naime
Gleny Terezinha Duro Guimarães (org.)
Idília Fernandes
Marina Patrício de Arruda
Marisa S. Z. Mendiondo
Michele Ruschel
Ruthe Corrêa da Costa Schnorr
Zélia Maria Ferrazzo Farenzena
Aspectos
da teoria do cotidiano:
Agnes Heller
em perspectiva
---------··---------
~ EDIPUCRS
ISBN 85-7430-316-X
CDD 199.439
301.2
EDIPUCRS
Av. Ipiranga, 6681- Prédio 33
Caixa Postal 1429
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Apresentação
Jayme Paviani
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Introdução 9
1 O não-cotidiano do cotidiano 11
Gleny Terezinha Duro Guimarães
2 Cotidiano e cotidianidade:
limite tênue entre os reflexos da teoria e senso comum 27
Gleny Terezinha Duro Guimarães
3 A dialética dos grupos e das relações cotidianas 37
Idília Fernandes
4 O papel social do professor universitário 61
Marina Patrício de Arruda
5 Institucionalização do idoso:
observância ou transgressão de sistemas normativos? 83
Marisa S. Z. de Mendiondo
6 Aproximando-se de Agnes Heller:
interpretando sentimentos e afetividade 101
Michele Ruschel
7 A questão cotidiana do trabalho e suas interfaces
com a terceira idade 109
Ruthe Corrêa da Costa Schnorr
8 A construção de preconceitos na diversidade humana 139
Zélia Maria Ferrazzo Farenzena
Introdução
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Üs artigos apresentados a seguir, foram desenvolvidos a partir da
disciplina "A Categoria do Cotidiano em Agnes Heller", ministrado
no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social, para mestrandos
e doutorandos. Esta disciplina vem sendo desenvolvida desde 1997.
Para todos os alunos era a primeira vez que entravam em conta-
to com a vasta literatura desta autora fascinante e como seus textos
não são simples e pressupõem conhecimentos teóricos a priori de
filosofia, um embasamento que a maioria dos alunos, formados em
Serviço Social, não possuem o aprofundamento necessário nesta
área de formação.
O primeiro desafio era pensar em elaborar um artigo, o que por
si só já contém um grau de dificuldade, pois para muitos era a pri-
meira vez que se dispunham a escrever. Neste momento contamos
com a valiosa colaboração da Professora Drª Solange Medina, da
Faculdade de Letras e atual Pró-Reitora de Graduação da PUCRS,
que nos ministrou excelentes aulas de como se elabora um artigo.
O objetivo dos artigos era realizar uma articulação entre um dos
temas da teoria de Agnes Heller com a temática estudada pelo alu-
no, demonstrando ser possível compreender um conteúdo a partir
da teoria helleriana.
Outra grande contribuição foi a do Prof. Dr. Juan Mosquera que
também participou de alguns debates sobre o tema, trazendo uma
interessante compreensão sobre a teoria dos sentimentos em Agnes
Heller.
Introdução 9
Ao introduzir a disciplina no programa, obtivemos também
como resultado várias produções teóricas, tanto as dissertações de
mestrado como as teses do doutorado, começaram a utilizar pressu-
postos teóricos da teoria de Heller. A maioria dos alunos que escre-
vem esses artigos também a utilizaram em suas produções acadêmicas.
Apesar de Heller desenvolver várias temáticas como a pós-
modernidade, a teoria dos sentimentos, a questão do valor, etc., a
temática central neste livro recai sobre a teoria do cotidiano. Sabe-
se que é característico desta autora, tratar seus temas de forma inte-
grada; geralmente sua produção não aborda apenas um dos temas,
mas ele se relaciona com todos os demais. Talvez por isso, alguns
iniciantes considerem sua leitura difícil, pois também é uma de suas
características não ficar conceituando o que está dizendo, ela pres-
supõe que seu leitor já tenha um certo conhecimento sobre a temáti-
ca. Ela desenvolve suas idéias, fazendo comentários e críticas a ou-
tros posicionamentos, para depois apresentar o seu. Um aluno desa-
visado, pode pensar que ela disse alguma coisa, quando na verdade
ela está construindo argumentos suficientes para contestar uma de-
terminada posição. Portanto, a leitura de suas obras merece cuidado
e análise. Não é possível devorar seus livros, pois eles são digeridos
lentamente em função do grau de complexidade e relações feitas,
tanto no que diz respeito ao conteúdo, como autores, posições, his-
tória, etc. Cada vez que se relê uma obra, mais coisas se apreende e
se "enxerga" o que antes tinha passado despercebido, pois temos
que considerar o próprio amadurecimento intelectual dos leitores
que passam cada vez mais a fazer novas relações, portanto novas
análises e interpretações.
O fato de tentarmos traduzir suas idéias para um âmbito único e
traduzir seus conceitos, vai contra a própria produção da autora. No
entanto, fazemos isso com uma preocupação didática para facilitar a
leitura dos novos leitores, não queremos que a conseqüência disso
seja um "engessamento" da teoria da autora, mas apenas um
estímulo para que o leitor vá à fonte, entenda com maior facilidade
e compreenda as contribuições da genialidade desta autora.
Esperamos que o conjunto destes artigos sirva de estímulo aos
futuros iniciados, leitores hellerianos, para que possam aprofundar
cada vez mais seus estudos a partir dessa brilhante teórica contem-
porânea.
O não-cotidiano do cotidiano
Gleny Terezinha Duro Guimarães*
----------·----------
A teoria da cotidianidade procura trazer novos elementos para se
pensar o próprio cotidiano e que permite ir além das formas de pen-
samento do senso comum. Pois o próprio nome sugere que o coti-
diano, palavra que vem do latim cotidie ou cotidianus, significa to-
dos os dias, o diário, o dia-a-dia, o comum, o habitual.
Faremos uma diferença para nossos interlocutores: quando nos
referimos ao cotidiano, estamos falando sob o prisma da represen-
tação social do dia-a-dia, ou seja, falar em cotidiano num primeiro
momento nos leva a pensar diretamente em ações que dizem respei-
to a nossas rotinas, a tudo que se realiza empiricamente, repetida-
mente, é o viver o dia-a-dia de uma forma quase que banal.
No entanto, pensar o cotidiano de um prisma teórico implica
descobrir o incomum no repetido. É descobrir que a essência do co-
tidiano está no não-cotidiano ou na cotidianidade.
Quando nos referimos à cotidianidade estamos pressupondo
uma teoria que evoca uma série de elementos que a comparam,
cujos conceitos baseiam-se principalmente na fi losofia. Neste senti-
do temos a contribuição de vários autores. 1
O não-cotidiano do cotidiano 11
Para Heller a vida cotidiana é a constituição e reprodução do
próprio indivíduo e conseqüentemente da própria sociedade, através
das objetivações. O processo de objetivação se caracteriza por essa
reprodução, que não ocorre do nada para se efetivar, ela pressupõe
uma ação do homem sob o objeto, transformando-o para seu uso e
benefício. Assim tudo pode ser objetivado, pois tudo está em cons-
tante mutação, em todas as dimensões da vida. Por ex., a árvore é
transformada em papel; o leite se transforma em bolo; o tijolo se
transforma em casa; o recém-nascido balbucia e se transforma na
criança que domina a linguagem mãe. Portanto tudo o que se realiza
é objetivação. Porém estas objetivações não ocorrem no mesmo ní-
vel.
Chama-se de objetivações em si aquilo que constitui a coisa por
si mesma, ou seja, ela é aquilo porque não é outra coisa. Ex .: a me-
sa é mesa porque temos uma representação do que ela significa,
tanto em nossa linguagem, quanto em nossa cultura, que lhe dá um
determinado uso social. E sabemos que mesa não é armário, assim
como não é todas as outras coisas. Logo, a mesa possui uma consti-
tuição em si que a faz ser mesa independente de seus atributos co-
mo forma, cor, textura, volume, densidade, etc.
A objetivação em si é que está presente no cotidiano do senso
comum e é a que cria as condições para vivermos em determinada
sociedade com seus costumes, ritos, etc. Adquirir e dominar a lin-
guagem materna é uma objetivação em si, portanto tudo aquilo que
nos rodeia e que é transformado para nosso uso é uma objetivação.
Se pensarmos uma cultura como a dos índios, que utilizam a
palha seca para construir o barco, os cestos, o invólucro para arma-
zenar as comidas, suas casas, etc., percebemos o processo de obje-
tivação quando ocorrer a transformação da palha em outros objetos,
cuja ação só é possível, porque é realizada pelo homem. Temos aí
uma objetivação em si.
A objetivação em si é "indispensável a todo homem enquanto
processo formativo em si mesmo, constante e permanente, de que o
homem necessita apropriar-se como condição básica para a vida na
sociedade e na época em que vive" (Guimarães, 2000, p. 29).
O não-cotidiano do cotidiano 13
tempo temos que voltar e verificar se realmente fechamos a porta
ou desligamos o ferro. A ação estava ligada ao ato repetitivo, no
"automático".
O economicismo, permite que sejamos mais rápidos e breves no
decorrer da vida cotidiana, como, por exemplo, para obter alimen-
tos, não preciso plantar, esperar crescer, colher, vou direto ao su-
permercado e compro o que desejo. Portanto, o tempo e o esforço
dispensados a uma atividade é bem menor, porque, a cada inovação
facilita o uso prático na sociedade. Cada vez mais em que a tecno-
logia se aprimora, mais o uso das coisas se tornam facilitadas e
economizam tempo, estrutura, pois cada vez, não reinvento a roda,
utilizo direto o último conhecimento aplicado a ela e me aproprio
do seu uso. Aquilo que pode ter levado anos para ser descoberto,
depois que está em uso na sociedade, basta alguns minutos para uti-
lizá-lo.
O espontaneísmo que está presente no comportamento do coti-
diano, diz respeito às ações não planejadas; elas se caracterizam pe-
lo seu espontaneísmo e em decorrência daquele momento específi-
co que está sendo vivido, sem considerar as conseqüências futuras.
A opção é imediata, a vontade é satisfeita no ato, o comportamento
é natural e espontâneo em oposição ao racional ao planejado, ao
preventivo. Na linguagem popular "se faz e depois se vê o que
acontece", "o que vale é o aqui e o agora" e em função disso os
comportamentos são definidos e as ações são gerenciadas.
A probabilidade é o que caracteriza a ação e o pensamento em-
pírico, ou seja, para realizar uma ação não o faço através da física e
da matemática, calculando o tempo, a distância, etc., simplesmente
se faz. Por exemplo, para subir uma escada, ninguém pára e calcula
o tamanho, o ângulo, as medidas para poder subir, simplesmente se
sobe a escada, e se no meio tiver um degrau com distância menor e
não for visto, a pessoa tropeça. O mesmo sucede quando se atraves-
sa a rua, empiricamente se percebe se dá ou não para atravessar,
embora se saiba dos riscos de acerto e erro. Se estiver certo, atra-
vessa, se errado, é atropelado. Mas ninguém calcula a distância, a
velocidade, etc. Portanto, a probabilidade é a possibilidade de uma
ação empírica dar certo ou errado e geralmente o sucesso é alcança-
do e esse ato passa a ser sempre repetido, isto é, posso passar a vida
O não-cotidiano do cotidiano 15
nência da mesmice. Tudo aquilo que se sabe fazer, é feito do mes-
mo modo. Até o trajeto de carro que realizamos, tem a tendência a
ser o mesmo de sempre, depois que se cristalizou o precedente des-
te trajeto. No senso comum este precedente é traduzido quando as
pessoas dizem "se deixar, o carro vai sozinho para casa".
A imitação pode ser considerada como a primeira ação do coti-
diano, pois antes de os sujeitos terem consciência, obedecerem a
regras e normas, etc., existe o comportamento que se constitui por
imitações e que se faz presente a partir dos primeiros anos de vida
das pessoas. "A imitação ou mimese, nos termos hellerianos, se
constitui no primeiro momento de assimilação das relações sociais"
(Guimarães, 2000, p. 57). A imitação constitui-se numa objetivação
em si, porque, a partir da imitação de um comportamento ou pen-
samento, passo a me apropriar de algo ou de alguma coisa. Esta ca-
racterística pode permanecer presente durante toda a vida das pes-
soas, pois é um comportamento, que muitas vezes é reforçado so-
cialmente. Um exemplo concreto é a moda, quando todos passam a
se vestir e calçar igual; também a imitação de comportamento de
grupos como os tatuados ou os que só vestem preto, e assim por di-
ante. Esta característica traz aos sujeitos uma sensação de pertenci-
menta e aceitação daqueles grupos com os quais ele se relaciona ou
os imita. O sistema capitalista, possui uma particularidade em rela-
ção a esta característica, pois ele a incentiva através do consumo, e
todos passam a consumir a mesma coisa, se não conseguem, sen-
tem-se excluídos. Esta característica pode ser banal e ingênua (imi-
tar uma criança chupando bico) como pode se tornar perigosa (basta
lembrarmos dos seguidores de Hitler, ou daqueles que assistem a
um filme, o imitam nas ações matando vários na escola) e ela se
torna mais perigosa, quando praticada em grupo, pois a tendência é
imitar o que o outro do grupo faz, e como faço parte do grupo, tam-
bém o imito (basta lembrar o grupo de homens que colocou fogo no
corpo de um índio que dormia na rua).
O pragmatismo é aquela ação baseada num pensamento essen-
cialmente prático, empírico, que não necessita de teorias que expli-
quem, pois a prática diária confirma que aquilo é o verdadeiro. É o
que normalmente chamamos de ação pela ação, não existe raciona-
lidade. É também aquilo que caracteriza a dicotomia entre ação e
O não-cotidiano do cotidiano 17
A ultrageneralização, além de se basear na confiança, o seu
significado engloba a todos. Pelo fato de que se fui roubado por um
menino de rua, vou achar que todos os meninos de rua são ladrões.
É uma justificativa baseada numa experiência própria, cujo concei-
to se generaliza para uma categoria, envolve também o sentimento
de confiança, pois nunca mais terei confiança nos meninos de rua.
Estas características acabam dando sucesso, porque as ações do
cotidiano são conseguidas. Todas as características se relacionam
entre si e acabam reproduzindo o indivíduo porque se realizam
através das objetivações em si, ou seja, o homem se reproduz a si
mesmo e em última instância, sua própria espécie.
Segundo Heller (1987), a reprodução da vida cotidiana, por ex-
celência deveria ser a família, como núcleo central e natural, ou se-
ja, a vida cotidiana é o lugar natural de reprodução das característi-
cas da particularidade da vida cotidiana, isso ainda é assegurado nas
características como imitação que envolve os primeiros anos de vi-
da.
Porém a autora nos mostra que, historicamente, através das
próprias conquistas da mulher (movimento feminista, revolução se-
xual) e todas as suas conquistas enquanto lei, a partir do surgimento
da sociedade civil (garantindo direitos como voto, emprego, divór-
cio, etc.) paradoxalmente acaba por "tirar" esta função social e afe-
tiva da própria família e sua reprodução da vida cotidiana.
Hoje, como as características da família mudaram radicalmente,
ou sej a, não se tem mais uma família constituída e patriarcal, onde
o marido manda, a esposa obedece e cria os filhos. A família está
assentada em novas bases e composições, algumas são constituídas
de apenas mulheres: é a mãe, a avó e os filhos; outras são compos-
tas por gerações distintas como avós e netos; como também um
agregado de várias famílias que aos novos casamentos vão se agru-
pando com outros filhos e parentes. Hoje, a maior parte do tempo
não é passado em família e sim para muitos na rua, ou no trabalho,
ou na escola, ou com os amigos. Enfim, as formas de reprodução da
vida cotidiana se tornaram de múltiplas fontes. Mas é fato que elas
continuam se reproduzindo e caracterizando as ações e pensamen-
tos que compõem a particularidade da vida cotidiana de cada um e
de todos.
A superação do cotidiano
O extraordinário do cotidiano é superar o próprio cotidiano, em
outras palavras: "o extraordinário do cotidiano era a cotidianidade
finalmente revelada[ .. .]" (Lefebvre, 1968, p. 15).
Esse extraordinário inclui a dimensão da cotidianidade ou do
não-cotidiano, porque é um cotidiano que tem que extrapolar sua
particularidade, sua umbilicalidade, sua centralidade.
O não-cotidiano pressupõe relacionar-se com objetivações pa-
ra-si, que se direcionam ao humano genérico, à espécie humana. O
elemento que o faz pertencer à espécie é a consciência humana,
pois senão, o que o conduziria seria a "atividade vital animal".
A consciência por si só, não garante o processo de superação. A
consciência no âmbito da particularidade tem como objetivo a auto-
conservação da espécie, garantindo assim a reprodução da particu-
laridade. A consciência da genericidade desempenha uma função
bem diferente, que é colocar de forma consciente a ligação da parti-
cularidade com a genericidade.
Na perspectiva Helleriana (1991) algumas áreas cognitivas que,
por excelência, compreendem as objetivações genéricas para-si, são
a filosofia, as artes, a moral, a ciência. A filosofia baseia-se na críti-
ca da realidade, a arte baseia-se na estética, a moral na base da ação
do homem, a ciência baseia-se no conhecimento. Portanto nenhuma
dessas áreas se efetivam na redução do empírico e sim na consciên-
cia máxima dos atos do ser humano e na sua própria essência. "É
um contato consciente e intencional com a genericidade" (Guima-
rães, 2000, p. 30).
A arte é considerada uma dimensão do não-cotidiano, porque
através dela é possível liberar a criatividade e a imaginação, é pos-
O não-cotidiano do cotidiano 19
sível romper com regras e normas estabelecidas, ela representa a
fronteira sem limites, onde tudo é possível a todos, portanto, em
igualdade de condições. É uma dimensão que representa o rompi-
mento com o instituído, a ruptura com as amarras do cotidiano par-
ticular; é o grande "vôo" do homem.
Segundo Heller, esse processo não pode ser dimensionado a
partir da ótica da criação ao nível do particular, mas como conse-
qüência do processo histórico. Ela cita como exemplo, o rompimen-
to com a era do pré-moderno, pois "depois que a grande transfor-
mação terminou e o arranjo social moderno foi considerado natural,
a velocidade da inovação artística também diminuiu e a era da
grande produção artística terminou" (1999, p. 17).
É interessante observar que, para a autora esse tipo de comentá-
rio é possível, porque é uma "percepção pós-moderna" de como
analisamos e interpretamos os fatos ou como "o mundo registra este
estado de coisa". Dito em outras palavras, a pós-modernidade é a
forma como percebemos e concebemos a visão de modernidade e
pré-moderno.
A cotidianidade que consegue a supremacia através da arte, se
torna grandiosa.
"[ ... ] nossa vida cotidiana é realmente cinzenta, mesquinha, e então
inventamos um mito que fala de uma vida que não é mesquinha, que é
grandiosa e que, talvez, não tenha nunca existido. [... ] Esse romantis-
mo é invenção nossa. Só pode haver para ele um tipo de remédio: tor-
nar mais 'grandiosa' a própria vida tal como é, desenvolver as formas
da grandeza humana nas circunstâncias existentes, transformar a vida
prosaica em poesia. Só assim não teremos mais necessidades de mi-
tos" (Heller, 1982, p. 195).
A arte se opõe a uma vida cotidiana que acredita em mitos. A
vida cotidiana quando é "cinzenta e mesquinha" é que se tem ne-
cessidade da busca de mitos, etc.
Em relação à filosofia, ela pode ser uma das formas de supera-
ção do cotidiano porque uma das características da filosofia é "cri-
ticar a inessencialidade do ser".
"A filosofia é uma utopia racional que ordena o mundo segundo o cri-
tério de dever-ser do Bem e do Verdadeiro. Ela constitui o seu Bem e
Verdadeiro, o seu valor supremo, que tem por missão guiar o homem,
O não-cotidiano do cotidiano 21
"Já que imagino a nova forma de vida como uma forma livre, não
consigo imaginar a possibilidade de que a construção dessa nova for-
ma de vida seja obra de homens que se tornam escravos de um hábi-
to" (1982, p. 189).
Portanto, o cotidiano ao nível da particularidade pode estar
amarrado a todo o tipo de dependência ou escravidão, de formas su-
tis que muitas vezes nem temos consciência delas, porém no âmbito
do não-cotidiano, estas amarras são rompidas, são inescrupulosa-
mente arrancadas, porque o que prevalece é a autonomia e a liber-
dade.
Segundo Heller, "devemos desenvolver formas de vida genera-
lizáveis" (1982, p. 190), em outras palavras significa diversidade no
que se faz.
Uma outra questão que atravessa a vida cotidiana são os movi-
mentos feministas, que deles Heller é a favor, desde que seus obje-
tivos de luta sejam pela igualdade entre homens e mulheres. Geral-
mente as mulheres que já conseguiram uma independência financei-
ra, uma carreira, não têm tanta necessidade de participar destes mo-
vimentos. Porém, aquelas mulheres que não tiveram acesso à cultu-
ra e à independência financeira, que as deixa escravas de seus mari-
dos, estas têm maior necessidade de participar destes movimentos
feministas e constituí-los; pois "na maioria dos casos, as mulheres
instintivamente se calam quando os homens falam, aceitando assim
o papel predominante deles, [... ] e que, no fundo, aceitaram por
muito tempo o silêncio e, por causa disso não são capazes de se ex-
pressar" (1982, p. 196).
A dimensão do não-cotidiano, passa por elemento essencial que
é a moral nas ações. Porém não podemos entender o que Heller diz
se pensarmos a partir de pressupostos de moralidade ou de classifi-
cações naquilo que é moral ou não. Esses pressupostos do senso
comum, não servem para se compreender a teoria helleriana. Por-
tanto é necessário suspender esta concepção e estar aberto para en-
tender que a moral é uma dimensão da ação que irá fazer a media-
ção entre o cotidiano e o não-cotidiano.
É a esfera que mantém a tensão permanente entre estes dois
elementos do senso comum e da superação. O objetivo não é a pie-
O não-cotidiano do cotidiano 23
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(1)
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LEFEBVRE, H. A vida cotidiana no mundo moderno. São Paulo : Ática, 1968.
O não-cotidiano do cotidiano 25
2
Cotidiano e cotidianidade:
limite tênue entre os reflexos da teoria
e senso comum
----------···----------
Cotidiano e cotidianidade 27
para retratar, relatar e dimensionar aspectos da vida cotidiana, desde
a ação mais concreta até as mais abstratas e sentimentais. O cotidia-
no configura-se como a fonte primeira da criação e da inspiração
dos mais diversos autores e artistas.
Lefebvre ao teorizar sobre o cotidiano no mundo moderno,
busca demonstrar através de personagens de destaque da literatura
alguns aspectos que marcaram cenários distintos da vida cotidiana.
Ulisses, personagem de Homero na obra "Odisséia", retrata a vida
cotidiana da Grécia Antiga entre o século 8 e 7 aC. Mesmo assim, a
cotidianidade acaba sendo negada, porque Ulisses aparece como
herói, como mito, como a transfiguração do homem em sobre-
humano, como o "antípoda da nanação que articula figuras estereo-
tipadas" (Lefebvre, 1968, p. 7).
Um parâmetro comparativo utilizado é a narrativa de Joyce,
uma obra da literatura da modernidade, em que o autor procura en-
tender o homem a partir da história do início do século XX. Estes
personagens, embora anos os distanciem, possuem um aspecto em
comum, que é a revelação do cotidiano de uma forma mítica, de um
imaginário que encobre e revela a riqueza escondida do cotidiano
ou de um mundo real, duro e empírico, relatado pela escrita metafó-
rica. Joyce e Ulisses retratam o expoente, o incomum que traduz o
próprio comum da vida cotidiana, sendo assim, o cotidiano em si é
tão banalizado que se torna, ao mesmo tempo, insignificante. Sendo
o cotidiano a fonte primeira de tudo, torna-se significante, na medi-
da em que traz à tona sua própria insignificância.
O contínuo vir-a-ser heraclitiano, entre objetividade e subjeti-
vidade, já traduzia os movimentos cíclicos, inepetíveis e alienares,
que caracterizam a cotidianidade.
"O conceito de cotidianidade provém da filosofia e não pode ser
compreendida sem ela. Ele designa o não-filosófico para e pela filo-
sofia [... ]. O conceito de cotidianidade não vem do cotidiano nem o
reflete: ele exprime antes de tudo a transformação do cotidiano vista
como possível em nome da filosofia. Também não provém da filoso-
fia isolada; ele nasce da filosofia que reflete a não-filosofia, o que é
sem dúvida o arremate supremo da sua própria superação!" (Lefeb-
vre, 1968, p. 19).
Cotidiano e cotidianidade 29
alienado", isto é, uma forma utilitarista de fazer uma determinada
apropriação da realidade.
A práxis utilitarista, segundo o autor, consiste nas ações que
permitem mobilidade ao homem no sistema de códigos e usos his-
toricamente estabelecidos em determinada época e local. Essas
ações são direcionadas por um conjunto de representações ou cate-
gorias do senso comum e proporcionam uma mobilidade utilitarista
dos aspectos fenomênicos da realidade. Ou seja, práxis utilitária e
senso comum orientariam as ações repetitivas, automatizadas, irre-
fletidas e "naturais" da vida corriqueira. Longe estariam da noção
de compreensão da realidade e de superação do cotidiano.
As representações do senso comum, que consubstanciam a prá-
xis utilitarista, seriam o invólucro da pseudoconcreticidade da vida
cotidiana. Comparativamente, o que Lefebvre chama de cotidiano
alienado é o que Heller chamaria de petrificação das características
da vida cotidiana no âmbito da particularidade, em última instância
um cotidiano alienado.
Para Kosik, a pseudoconcreticidade da vida cotidiana seria co-
mo um cotidiano nebuloso e de sentido ambíguo, cuja essência fe-
nomenal aparece de uma forma parcial, às vezes distorcida, dando
uma falsa idéia de verdadeiro. Isto é, na pseudoconcreticidade os
fenômenos externos aparecem de uma forma superficial, fetichiza-
da, manipulativa, com uma ideologia mascarada e cujas formas de
produção dos objetos nem sempre são "reconhecidos como resulta-
do da atividade social dos homens".
Este pseudoconcreto aparente é assumido pela consciência dos
indivíduos como um aspecto natural da realidade, e a manifestação
da essência do fenômeno é confundida com a própria aparência do
fenômeno. Daí que a ação da vida cotidiana ocorre no mundo fe-
nomênico da pseudoconcreticidade.
Este mundo cotidiano, caracterizado pela familiaridade, mobili-
dade e aparências, possui uma fronteira que, para Kosik, é a Histó-
ria, sendà que esta é a guerra. A guerra se situa fora da cotidianida-
de (embora também tenha o seu cotidiano) porque "vive no hori-
zonte, na memória e na experiência da vida de cada dia" (1963, p.
70) rompendo e destruindo o curso normal do cotidiano. É nesta
fronteira que se rompe com o cotidiano. Lefebvre acredita que este
Cotidiano e cotidianidade 33
não, o que Lukács chama de materialismo espontâneo, ou seja, a
representação vem do senso comum, da imediaticidade e do aparen-
te, não se caracterizando como um processo dialético. Portanto, as
rédeas do cotidiano são, entre outras, a espontaneidade, o imedia-
tismo e a analogia.
Para Lukács, o materialismo filosófico seria a superação do ma-
terialismo espontâneo da vida cotidiana, porque é possível a supe-
ração da
"conexão imediata entre o reflexo da realidade, sua interpretação
mental e a prática, com o que conscientemente se inserta uma série
crescente de mediações entre o pensamento - que assim chega a ser
propriamente teórico - e a prática" (1966, p. 50).
Uma das contribuições mais marcantes de Luckács foi ter apre-
sentado as características da vida cotidiana. Além do imediatismo,
da analogia, do espontaneísmo, ele aponta também para as caracte-
rísticas da heterogeneidade- a vida das grandes diferenças, a super-
ficialidade - que nos impulsiona a lidar sempre com as aparências,
com as demandas emergentes; a falta de aprofundamento em parte é
explicável em função das demais características, pois atuamos na
vida cotidiana enquanto seres singulares, onde existe uma predomi-
nância das necessidades particulares. Esta última é uma das caracte-
rísticas centrais do cotidiano, pois o que nos prende a ela é a singu-
laridade do particular e não a ação e o pensamento vinculado ao gê-
nero humano.
Na singularidade do cotidiano, o homem está por inteiro nas
suas ações, porém, quando ultrapassa a dimensão da cotidianidade
na suspensão ao humano-genérico, o homem está inteiramente na
ação. Isso aconteceu através do que mencionávamos anteriormente:
por intermédio do trabalho criativo, da arte e da ciência. Na verdade
da vida cotidiana se sai e a ela se retoma de uma outra forma.
Uma das discípulas mais reconhecidas internacionalmente de
Lukács foi a filósofa húngara Agnes Heller, que nas suas diversas
obras aprofunda algumas idéias deste autor, principalmente no que
diz respeito a uma teoria da vida cotidiana.
Os autores apresentados assinalam para um aspecto em comum:
o cotidiano é a dimensão do senso comum, com todo o sofrimento,
prazer, alegria, tristeza, destruição e construção que somente o ser
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Facu ldade de Educação. v. 19, jan./jun. 1993.
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Tudo indica pela história da humanidade, que a vida associativa é
elementar. Desde que nascemos convivemos com a emergência da
presença do outro em nossa vida. Quiçá fosse possível sobreviver
sem alguém a nossa volta, os animais até conseguem quando são
abandonados pelas suas progenitoras, sair a alguns passos e se de-
senvolver. Seres humanos, no entanto, são absolutamente depen-
dentes uns dos outros.
Este indício nos leva a refletir sobre a complexa arte das rela-
ções humanas, pois, mesmo sendo quase natural "o ter que estar
com alguém", isto por si só não garante que as relações humanas
sejam satisfatórias para quem delas depende. Há uma dialética de
opostos entre a necessidade de estar com o outro e a possibilidade
de este "estar" ser algo agradável, justo, equânime, enfim, algo bom
de ser vivido.
São grandes as dificuldades da vida associativa, da vida dos
grupos, quase sem saída, porque sem os outros não pode existir o
eu. Na complexa teia da interdependência humana encontra-se,
2
Sobre o "fenômeno da ressonância", ver Zimerman, 1993, p. 94-95.
Expressão utilizada pelo professor Hans Georg Flikinger em aula ministrada no cur-
so de Doutorado em Serviço Social, em setembro de 1998.
6
Todos os nomes contidos neste relato são fictícios, em respeito à história particular
dos sujeitos.
7
Sobre os elementos pedagógicos da participação, ver Souza, op. cit, cap. 6.
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Revendo a História
O debate que hoje se instaura considera os problemas do ensino
em geral. O dilema diz respeito ao fato de que a universidade com a
qual nos deparamos e que imaginamos que poder ser alterada é uma
universidade fortemente influenciada por uma nova organização da
sociedade nacional. O predomínio do capital em grande escala
transnacional tomou conta do Estado e influenciou amplamente a
própria universidade. A Reforma Universitária de 68 posta em prá-
tica por militares e por vários educadores "ajustou" a universidade
às exigências do capitalismo nacional e internacional.
Essas colocações nos levam a pensar que o autoritarismo e a
centralização burocráticos, característicos da sociedade brasileira,
evidentemente, afetaram a universidade como parte de um todo so-
cial.
Desse modo, nossas inquietações são resultantes do fato de que
ainda hoje nos deparamos com uma universidade ainda estruturada
segundo as exigências do grande capital, em que existem profissio-
nais capazes de ler receitas, pessoas que cumprem competentemen-
te tarefas que lhes são atribuídas.
Até 64, tínhamos uma universidade com outra conotação, uma
universidade com compromisso político, cujo ambiente era próprio
ao debate intenso, tendo em vista as contribuições internacionais
1
Tradução livre da versão em espanhol.
Tentativa de análise
Se hoje nossos problemas educacionais se constituem num
grande obstáculo à nova dinâmica imposta pelo avanço social, cer-
tamente propostas políticas educacionais estão sendo e serão im-
plementadas. Quem sabe seja esse o espaço, o momento de apos-
tarmos, enquanto professores, numa verdadeira consciência capaz
de revolucionar nossa educação e de garantir o desempenho de um
papel social que, ao buscar conexões objetivas de realidade, não
comporte atitudes que sejam simples adaptações, mas que, por ou-
tro lado, inclua também um ato de liberdade. O que só será possível
se o professor deixar vir à tona suas qualidades humanas mais ge-
rais e imediatas, como a bondade, a solidariedade e o respeito. Jun-
to a elas também a capacidade de avaliar com tato uma situação ou
um aluno. É assim que possibilitará a construção do verdadeiro
aprendizado, aquele baseado nas relações de troca. Neste momento,
vale esclarecer que, ante os múltiplos desafios do futuro, a forma-
ção surge como um trunfo indispensável à humanidade na sua cons-
trução dos ideais da paz, da liberdade e da justiça social. Não se tra-
ta de um pensamento ingênuo que aponta esse fenômeno social co-
mo a panacéia para todos os males, mas um pensamento que consi-
dera a formação um processo permanente de enriquecimento dos
conhecimentos e também como uma via privilegiada de construção
da própria pessoa, das relações sociais, dos grupos e das nações.
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2
Tradução livre da versão em espanhol.
Institucionalização do idoso:
observância ou transgressão
de sistemas normativos?
Marisa S. Z. de Mendiondo*
--------~·----------
O termo aura vem representar metaforicamente a flexibilidade dos limites das nor-
mas.
'
()
"
A
REGRAS
NORMAS
I "'
Abstratas Concretas s
T
I
HÁBITOS
Todas as citações do livro de Agnes Heller intitulado Ética general, são uma tradu-
ção livre da versão em espanhol.
3
Dados obtidos no Núcleo de Pesquisas em Demandas e Políticas Sociais - NE-
DEPS , da Faculdade de Serviço Social, em 1997.
Considerações finais
Estamos vivendo uma época de rápidas e profundas mudanças
no que se refere à velhice e ao envelhecimento, o segmento popula-
cional de idosos aumenta consideravelmente e a sociedade não tem
lhes garantido, ainda, uma adequada qualidade de vida. De modo
que, embora existam nos sistemas normativos prescrições que ze-
lem pelo cuidado, atenção e respeito pelo idoso, os costumes, isso
é, a efetivação das normas concretas no cotidiano revelam inúmeras
contradições.
O cumprimento e a observância das normas revelam contradi-
ções no sentido de que já não se discute que em determinados casos
e isso de nenhuma maneira se pode constituir numa regra, a institu-
cionalização do idoso é necessária, porque para garantir uma me-
lhor qualidade da velhice o idoso necessita de cuidados permanen-
tes e especializados. A transgressão dos limites dos sistemas norma-
tivos é evidente quando por trás dos fatos escondem-se atitudes mo-
ralmente negativas de quem decide e concretiza a institucionaliza-
ção de um idoso. Alguns exemplos disso seriam quando a institu-
4
· Tradução livre da versão em espanhol.
Referências bibliográficas
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Aproximando-se de Agnes
Heller: interpretando sentimentos
e afetividade
Michele Ruschel*
---------·---------
"Todo conhecimento começa pelo sentimento".
Leonardo Da Vinci
Üptamos por pensar sobre o que a autora trata acerca dos senti-
mentos, já que este assunto tem relação com o tema de nossa Dis-
sertação, "relacionamentos afetivos e terceira idade". Obviamente,
ao tratarmos de sentimentos na perspectiva de Heller, entendemos
que é impossível separá-los dos demais assuntos tratados pela auto-
ra, principalmente, cotidiano, ser humano-genérico, entre outros.
O cotidiano é o espaço de vida do ser humano. É onde se de-
senrolam suas experiências, opções, idéias e sentimentos, bem co-
mo suas capacidades intelectuais e criadoras. O Homem, desde o
nascimento, está inserido no cotidiano, buscando configurar-se en-
quanto indivíduo. Indivíduo que contém, ao mesmo tempo, traços
do ser particular e traços do ser genérico.
A maioria dos sentimentos e paixões podem ser consideradas
como humano genéricas, pois seus conteúdos e existência podem
Considerações finais
Parece-nos claro que Heller localiza os sentimentos em várias
dimensões do humano. De um lado eles estão, ao mesmo tempo,
imputados na particularidade e na generacidade. De outro lado, os
sentimentos têm determinações biológicas, mas também são marca-
damente influenciados pelo social.
A partir dessa consideração acerca do estudado já podemos vis-
lumbrar sua aplicação para nossa Pesquisa. Pretendemos vislumbrar
essas várias dimensões do humano no que se refere aos sentimen-
tos. Especificando mais, interessa-nos aqueles sentimentos que nos
ligam afetivamente a outra pessoa.
Num primeiro instante pode parecer pouco relevante ao Serviço
Social debruçar-se sobre a questão dos sentimentos dos idosos, sua
manifestação, limites e possibilidades. Entretanto, entendemos que
os sentimentos não estão somente relacionados ao Ego (personali-
dade), mas, sobretudo, são sociais e sofrem tais influências. Não é
algo que fique na esfera cognitiva ou privada, pelo contrário, am-
plia-se para horizontes bem mais largos. Influi e tem influências so-
ciais, culturais, entre outras.
Sentir é estar implicado em algo, ou seja, é estar comprometido
de alguma forma com algo. É também mais do que isto! Sentir é
uma forma de conhecer e interpretar o mundo, o cotidiano, a reali-
dade.
Tendo por objetivo de nosso projeto de pesquisa, estudar rela-
cionamentos afetivos entre homens e mulheres ocorridos a partir
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gre: Sulina, 1979.
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Neste artigo, desenvolve-se um estudo decorrente do banco de da-
dos que originou a dissertação de mestrado O trabalho na terceira
idade: uma realidade em questão a qual foi defendida em junho de
1998. A fim de multiplicar as informações ali contidas e, ao mesmo
tempo, dando continuidade à mesma temática no Doutorado,
acreditamos ser de grande aproveitamento nos valermos desse
documentário para aprofundar nossas reflexões.
Para tanto, é relevante a Disciplina A Categoria da Cotidiani-
dade, que nos instigou a respeito da necessidade em aprofundar es-
tudos nesse sentido. E foi com esse intuito que nos debruçamos so-
bre esta categoria epistemológica. Trabalho e cotidiano vêm a ser a
chave de nossas reflexões em interface com a Terceira Idade, nas
quais se enfocam também mitos, preconceitos e discriminações, que
fluem da fala do trabalhador idoso e fundamenta-se filosoficamente
em Agnes Heller, Marx, entre outros renomados estudiosos de
questões relacionadas à temática aqui abordada.
Categoria Trabalho
Para Marx (1985), a essência do ser humano encontra-se no tra-
balho e é através dele que o homem transforma a si mesmo. Essa
importância concedida ao trabalho acompanha a vida do homem
desde muito cedo, como foi constatado na pesquisa aqui referida,
para aqueles sujeitos que não tiveram oportunidade de freqüentar os
bancos escolares, como foi constatado na vida de muitos entrevista-
dos2. Pode-se observar que o homem "no mundo capitalista está re-
presentado pelo trabalho", tendo a preparação para este muito pre-
cocemente.
No processo de formação, o homem depara-se com a natureza
e, através de sua ação, impulsiona, regula e controla seu intercâm-
bio natural com a mesma. Portanto, para o desenvolvimento de tra-
balhos, como relata Marx (1985), há a combinação entre homem e
natureza. O homem dispõe de suas forças físicas, como corpo, bra-
ços e pernas, cabeça e mãos, a fim de se apropriar dos recursos da
natureza, imprimindo-lhes forma útil à vida humana. Assim, Marx
(1985) narra o processo que acontece entre as duas forças, uma que
se movimenta e a outra que permanece enquanto natureza em esta-
"Me aposentei por idade e não por tempo de serviço [... ] continuo a
trabalhar em dois serviços" (Sra. E., 65 anos).
"Eu quero me aposentar, mas não hoje, talvez eu saia daqui a uns três
anos. Caso contrário, estou ali bem e tudo" (Sra. Pr., 62 anos).
"Tenho medo de me anular totalmente em casa. Não quero ficar den-
tro de casa com saúde. [... ] As pessoas que, por dentro, têm aquela
ânsia de fazer alguma coisa, têm que estar trabalhando. E é melhor fo-
ra de casa, porque em casa a tendência é afrouxar no horário" (Sr.
Tb., 67 anos).
"Estou aposentada e fiquei trabalhando, então eu não cheguei ainda a
encarar porque eu não saí; acho que eu vou achar falta do serviço o
dia que eu sair, eu gosto de trabalhar. Tenho a impressão de que eu
vou ter que sair porque eu não vou ficar para semente aqui dentro e
com essas novas leis por aí de repente eles soltam a gente" (Sra. Sf.,
63 anos).
"Me aposentei, eu tava construindo a casa, fiquei um ano construindo,
eu continuei trabalhando mais. Aprontei a casa, eu peguei a trabalhar
de novo, tava me sentindo bem, com saúde e fui trabalhar" (Sr. Ir., 62
anos).
"Encaminhei os papéis o ano passado, né. Agora já mudou, a advoga-
da ia fazer pelo Fundo Rural, para inteirar o tempo com o da carteira.
Daí eu tinha que ir no interior arrumar os papéis; quando voltei, ela
disse que eu não tinha trazido tudo. Lutei e vim trabalhar aqui, faz um
ano e pouco" (Sr. A., 65 anos).
"Aposentadoria para mim, a pessoa viver só da aposentadoria é difícil
porque ela tem um cálculo que vai havendo uma defasagem no
reajuste. Então a pessoa tem que procurar ganhar mais um pou-
quinho" (Sr. 1., 74 anos).
Considerações finais
Esta pesquisa proporcionou respostas acerca das indagações
enunciadas ao longo da mesma, que conduziram o estudo em torno
da terceira idade e da organização do cotidiano de trabalho dos en-
trevistados, buscando-se explicar as contradições que surgiram.
Demonstrou-se que o trabalho na terceira idade é possível e se faz
presente na vida dos entrevistados, apesar das muitas dificuldades
no âmbito da valorização desse trabalhador.
Os sujeitos entrevistados agarram-se ao trabalho, deixando
transparecer muitas expectativas do cotidiano que povoam esse dia-
a-dia. Constatou-se também que são inúmeras as expectativas nega-
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