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Abstract – The article draws attention to the importance of documentation in the daily
professional interventions and focuses on the recording of professional actions in the field
diary. It is assumed that documentation is crucial in the process of data gathering and analysis,
since it makes it possible to systematize the intervention developed by social workers and
social work students both in order to investigate social reality, the people involved and the
process of professional intervention and to find orientation for their actions when they are
articulated in different intervention processes. Nonetheless, one sees that documentation as an
Artigo recebido em 19.03.2007. Aprovado em 29.06.2007.
*
Telma Cristiane Sasso de Lima – Assistente Social; Mestre em Serviço Social pelo Programa de Pós-
Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis/SC - Brasil;
contato eletrônico: penotc@hotmail.com. Regina Célia Tamaso Mioto – Professora Doutora do
Departamento de Serviço Social (DSS) e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis/SC - Brasil. Keli Regina Dal Pra – Doutoranda em Serviço
Social pelo Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul (PUCRS), Porto Alegre/RS, Brasil; bolsista CNPq; contato eletrônico:
keliregina@yahoo.com.
instrument that improves the quality of professional actions is little explored by social
workers. This applies particularly to the field diary, which is usually restricted to descriptions,
occasional observations and mere scheduling of daily tasks. Hence the article’s insistence on
the importance of analyses and/or diagnoses of the social reality and the unique demands of
the people served by social workers, as this gives visibility to the forms of planning and
carrying out professional actions and helps to identify limits and possibilities in the process of
meeting the demands. Documentation is considered a constitutive element of professional
action because it can positively influence the processes of planning and evaluation by making
their execution easier. The field diary contains not only information, but may contain daily
reflections that, when theoretically interpreted, foster progress both in the area of intervention
and of theory.
Introdução
particularmente a partir do diário de campo, por isso essa forma de registro tem destaque no
presente texto.
Pelas observações efetuadas, o diário de campo tem uma larga utilização entre os
Assistentes Sociais e é exigido para os estudantes de Serviço Social que estão em estágio
curricular; sua utilização, no entanto, está muito aquém das possibilidades que a produção de
um diário de campo pode oferecer para a intervenção profissional. Na maioria das vezes, ele
se restringe ao agendamento de tarefas, a observações e relatos pontuais dos atendimentos
individuais, ou ainda, à mera descrição da intervenção e da realidade.
1
Faz-se referência aqui aos processos político-organizativos, aos processos de planejamento e gestão e aos
processos socioassistenciais.
como sendo diferente o registro realizado nas fichas ou prontuários da instituição daquele
realizado nas suas próprias fichas (sem mencionar aqui o diário de campo que acaba contendo
os mesmos dados).
No entanto, quando analisamos esses registros, particularmente os que se referem aos
processos socioassistenciais ou à intervenção direta com usuários, fica claro que o duplo ou
triplo relato consiste na transcrição dos antecedentes do usuário, dos objetivos da intervenção
e a descrição do atendimento, isto é, não são realizadas análises, nem nos registros da
instituição e tampouco nos registros “pessoais” do profissional. Ainda nestas situações, a
descrição da intervenção não registra os procedimentos realizados, as redes de proteção
acionadas, bem como os encaminhamentos poucas vezes são considerados.
Além disso, são perceptíveis as dificuldades que os profissionais têm de registrar
cotidianamente suas ações profissionais. Alegam falta de tempo devido à sobrecarga e ao
grande número de atendimentos e ações e, ainda, às inúmeras atividades a serem relatadas.
Inclusive, o fato de prestar atenção no usuário requer que o registro seja feito a posteriori.
Diante disso, a documentação não é considerada como parte intrínseca do cotidiano de
intervenção e, portanto, não é reservado tempo para realizá-la, ficando evidente a sobrecarga
dos profissionais que acabam levando trabalho para casa, o que, por sua vez, aumenta e
confere legitimidade à resistência que os Assistentes Sociais têm em realizar os
registros/documentação.
Para as estudantes de Serviço Social, não é incomum que o registro no diário de
campo seja efetivado parcial ou totalmente no momento que lhe é solicitado, abreviando
assim a dinâmica processual tanto de análise como das situações atendidas, de planejamento
de futuras ações profissionais junto à realidade dos sujeitos atendidos, de reflexão quanto à
realidade social em que se encontram estes sujeitos e sua relação com o trabalho profissional
desenvolvido num processo que possibilite a articulação teoria-prática e de reflexão dos
fatores externos (macrossocietários) e internos (microssociais) que interferem na intervenção
específica no campo de estágio onde está inserida a estudante.
Enquanto forma de documentação profissional articulada ao aprofundamento teórico,
o diário de campo, quando utilizado em um processo constante, pode contribuir para
evidenciar as categorias emergentes do trabalho profissional, permitindo a realização de
análises mais aprofundadas.
Os aspectos supramencionados, relacionados ao registro profissional nos campos de
estágio, puderam ser observados a partir da leitura dos diários de campo e da interlocução
com alunas e profissionais, permitindo que algumas observações2 mais detalhadas fossem
realizadas:
1) De modo geral, há uma preocupação em registrar informações específicas da área
de intervenção, das rotinas da instituição, dos critérios de acesso aos programas
etc. Aliado a isso, está a evidência de leituras e de referência a um marco
conceitual específico sobre a área de intervenção (saúde, previdência, assistência
social, habitação, educação).
2) O diário de campo, na maioria das vezes, é considerado como uma forma de
agenda de tarefas, como um caderno de observações e relatos pontuais de
atendimentos individuais, ou ainda, como um breve relatório descritivo da
intervenção e da realidade. Os aspectos relevantes que envolvem o cotidiano da
intervenção não são registrados, ficando subentendidos seus significados ou seus
não-significados.
3) Quando apresentam relatos mais consistentes, os registros estão restritos à
descrição, sobretudo dos atendimentos individuais onde são expostos de maneira
minuciosa os dados de cada usuário, conseqüentemente, a análise e interpretação
de dados possíveis, bem como a reflexão sobre eles fica em segundo plano. Assim,
os atendimentos individuais são considerados uma ação profissional privilegiada,
levando a considerar os contatos institucionais e a organização do serviço como
rotina institucional burocrática, ou ainda a não percebê-los como ação profissional.
As poucas interpretações realizadas são superficiais e não aprofundam o marco de
referência conceitual específico com o contexto externo (macrossocietário).
4) As colagens e gravuras, quando são apresentadas, não deixam claro o seu
significado, ou seja, a sua importância e a interpretação desse recurso não são
expostas. Esses casos, geralmente, demonstram ou a impropriedade do uso desses
recursos ou o esquecimento sobre o nexo estabelecido entre os recursos visuais
utilizados e a situação em pauta.
No decorrer dos registros, são perceptíveis as mudanças na dinâmica da intervenção,
ou seja, percebemos quando a estudante deixa de ser observadora de um dado contexto e
2
Tais observações foram realizadas durante o período letivo 2005/2, junto à turma da 7ª fase do curso de
Serviço Social, da Universidade Federal de Santa Catarina, na disciplina Estágio Supervisionado I e II, e ao
Núcleo de Estudos coordenado pela Profª Dra. Regina Célia Tamaso Mioto com as Residentes do II Curso de
Especialização Multiprofissional em Saúde da Família. As reflexões sobre a intervenção profissional dos
Assistentes Sociais realizadas com as alunas e as residentes explicitaram a necessidade de pensar as formas
de documentação uma vez que é considerada de fundamental importância para a organização do serviço, para
o planejamento da intervenção e para a formação profissional.
passa a intervir nele. Nesse momento, no qual se intensifica a dinâmica de trabalho, há uma
progressiva falta de cuidado com os registros, sendo que as poucas observações realizadas
desaparecem e a descrição torna-se cada vez mais mecânica.
Feitas essas considerações sobre a realidade do tema, passamos a alguns aportes
teóricos para a utilização do diário de campo enquanto um instrumento privilegiado da
documentação profissional.
deve ser relatado com brevidade, pois não se podem introduzir elementos, como também a
interpretação reflexiva acaba se confundindo com o fato concreto podendo deturpá-lo.
Falkembac (s.d.) considera importante a interação do profissional, ou do aluno, com a
forma de registro, pois informa que recursos diversos podem ser utilizados (desenho,
fotografia, recortes) desde que se registrem e permitam que as informações contidas nesses
recursos possam transmitir o que foi observado e ser entendidas. Desse modo, haverá
variações nas formas de interpretação e análise porque também há variações na apreensão de
conteúdos teóricos, de experiências e de compromissos por parte do profissional, ou do aluno.
Por ser também um instrumento de registro de atividades de pesquisa, Triviños (1987)
considera o diário de campo uma forma de complementação das informações sobre o cenário
onde a pesquisa se desenvolve e onde estão envolvidos os sujeitos, a partir do registro de
todas as informações que não sejam aquelas coletadas em contatos e entrevistas formais, em
aplicação de questionários, formulários e na realização de grupos focais. Para o autor, as
anotações realizadas no diário de campo, sejam elas referentes à pesquisa ou a processos de
intervenção, podem ser entendidas como todo o processo de coleta e análise de informações,
isto é, compreenderiam descrições de fenômenos sociais, explicações levantadas sobre os
mesmos e a compreensão da totalidade da situação em estudo ou em um atendimento.
Nesse sentido, as anotações descritivas realizadas em diário de campo pretendem
transmitir com exatidão a exposição dos fenômenos sociais – requisito essencial da pesquisa
qualitativa e de uma intervenção profissional preocupada não somente com ações imediatas,
mas com o planejamento destas. Consiste, portanto, em um primeiro passo para avançar na
explicação e compreensão da totalidade do fenômeno em seu contexto, captando seu
dinamismo e suas relações. Já as anotações de cunho analítico-reflexivo, surgidas da
observação dos acontecimentos e dos processos, indicam quais questões devem ser
aprofundadas a partir de maiores informações ou indagações, pois se entende que estas
reflexões avançam na busca de significados e explicações dos fenômenos apreendidos, tanto
na realização de uma pesquisa, como em situações de atendimento no cotidiano da
intervenção profissional. As situações de contato entre pesquisador e sujeitos de pesquisa, ou
profissionais e sujeitos demandantes de uma intervenção, configuraram-se como parte
integrante do material analítico-reflexivo do diário de campo. Por isso, a importância do
registro de como foram estabelecidos os contatos e a receptividade dos sujeitos, uma vez que
essas informações, aglutinadas, fornecerão elementos significativos para a leitura e
interpretação em momentos posteriores, bem como para a compreensão do universo de
trabalho (Triviños, 1987).
3 Dinamizando a documentação
Através dele são evidenciados subsídios para a intervenção crítica no real e para a orientação
da ação profissional. Segundo as autoras, ele é extremamente apropriado para um trabalho
pedagógico, sobretudo quanto envolto em um “processo técnico-operativo-metodológico e
pedagógico do aluno na sua ação cotidiana e profissionalizante”. Isso se o diário for
considerado como “um documento pessoal-profissional no qual o aluno fundamenta o
conhecimento teórico-prático, relacionando-o com a realidade vivenciada no cotidiano
profissional, através do relato de suas experiências e sua participação na vida social” (p. 124).
Nesse processo, as dúvidas e dificuldades devem ser registradas e consideradas como
elementos importantes no cotidiano profissional porque conduzem à reflexão e análise que,
por sua vez, potencializa a interlocução teórica e o encontro de novos caminhos para a
resolução de um problema.
Portanto, documentar também significa realizar análise que, de acordo com Mioto
(2001), “consiste no exame minucioso dos dados obtidos no momento anterior, com o
objetivo de sistematizar aspectos relacionados à situação estudada visando compreender a
situação da maneira mais abrangente e articulada possível”. A autora destaca ainda que é
nesse momento que o marco de referência conceitual é fundamental, pois a análise “pode ser
tomada como o elemento concatenador entre a teoria e os dados obtidos” com a observação e
a intervenção na realidade.
Lewgoy e Arruda (2004), ao tratarem do diário digital, corroboram nesse sentido,
quando informam sobre a necessidade de se transmitir, no momento da escrita, “apropriação
teórica, sistematização da prática, ações propositivas, reflexões sobre o fazer profissional [...]
no sentido de proporcionar novas indagações e questionamentos sobre o agir profissional” (p.
123). Nesses termos, as autoras consideram o diário não apenas como registro, mas
principalmente como “instrumento de reflexão”.
É importante destacar que a análise comporta o momento da descrição e da
interpretação preliminar que, por sua vez, estão condicionadas pelas construções teórico-
metodológicas e pelo compromisso ético da profissão. Assim, ao serem registrados os
atendimentos individuais, constatam-se demandas que são postas ao serviço. E aos Assistentes
Sociais cabe realizar a caracterização dessa demanda, problematizar o contexto que determina
os limites do serviço e da própria ação profissional e atentar para as possibilidades que
possam existir e que de imediato não se manifestam.
É fundamental não perder de vista a avaliação, pois toda a intervenção requer que se
faça uma avaliação com o objetivo de verificar se as ações profissionais desenvolvidas estão
considerando, por exemplo, a demanda do usuário, os limites do serviço; se os
encaminhamentos realizados podem ser revistos, ampliados etc. O planejamento das ações
profissionais também tem de ser considerado, uma vez que é por meio dele que se traçam os
objetivos e as finalidades, propondo atividades, meios, e buscando recursos para atingi-los ao
longo de um determinado período de tempo.
O detalhamento da intervenção no diário de campo permite observar e analisar
criticamente como se planejam e se executam as ações profissionais, e ainda perceber as
dificuldades e limitações do profissional frente ao serviço, como também as limitações do
serviço frente às demandas concretas dos usuários. O registro e o detalhamento dos
encaminhamentos no diário de campo propiciam um constante re-visitar dos dados, o que
contribui para ampliar as ações de modo a aproximá-las da resolutividade da demanda.
Portanto, o diário de campo, os relatórios, prontuários, protocolos de serviço e de
atendimento, enfim, toda a forma de documentação só adquire sentido se são úteis tanto para
os profissionais quanto para a instituição porque, mais do que apenas guardar ou arquivar
informações, deve incidir positivamente nos processos de planejamento e avaliação no
sentindo de facilitar a sua realização.
No caso específico do diário de campo, este pode conter reflexões cotidianas que,
quando relidas teoricamente, podem traduzir-se em avanços tanto na intervenção
(estabelecimento de novas prioridades, por exemplo), quanto na teoria (alimentando-a com
novos dados sobre a realidade, problematizando novas abordagens e ações).
Considerações finais
A título de conclusão, destaca-se que nada do que aqui foi exposto adquirirá sentido se
os profissionais não reconhecerem a documentação como um instrumento fundamental para a
consecução e a qualificação das ações profissionais e não a incorporarem na sua rotina.
Insiste-se no fato de que a documentação é dinâmica e flexível e que cabe ao profissional
adequá-la ao seu cotidiano de intervenção, uma vez que a documentação integra as ações
profissionais ao marco de referência conceitual e, se não for negligenciada, pode contribuir
para dar visibilidade e continuidade ao trabalho do Assistente Social, delimitar as
especificidades dessa intervenção, caracterizar e qualificar as ações profissionais, registrar a
história do usuário na instituição, bem como a história da própria instituição, o planejamento
estratégico no que se refere à priorização de novas ações e a avaliação dessas ações, de
planos, programas e projetos já existentes.
Referências