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2 E OS FUNDAMENTOS DA GEOGRAFIA
CLÁSSICA
Saiba mais
1. A criação da Confederação Germânica
era o primeiro passo para a unificação, A obra de Ratzel, “Antropogeografia”, apresenta os
a fim de reunir o poder disperso pelas fundamentos da aplicação da Geografia à História
várias unidades confederadas; (1882). Essa obra funda a Geografia Humana, pos-
suindo como objeto geográfico o estudo da influ-
2. Prússia e Áustria disputavam a hege- ência que as condições naturais exercem sobre a
monia dentro da Confederação; humanidade (fisiologia, psicologia dos indivíduos
3. Segundo passo para a unificação: re- e, então, sociedade). Para Ratzel, a natureza influen-
pressão aos levantes populares de ciaria:
1848. A reação à onda revolucionária
• A própria constituição social, através dos recursos
que tomou a Europa através de alian- do meio em que está localizada a sociedade;
ças e ações unificadas sob um coman- • A possibilidade de expansão de um povo, obsta-
do comum foi realizada com a articula- culizando-a ou acelerando-a;
ção das classes dominantes (agrárias), • As possibilidades de contato com outros povos,
formando um bloco reacionário con- gerando, assim, o isolamento e a mestiçagem.
trarrevolução;
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Em Ratzel, a sociedade é vista como um or- Partiu das colocações ratzelianas referentes à
ganismo que mantém relações duráveis com o ação do Estado sobre o espaço. As teorias e téc-
solo, manifestas, por exemplo, nas necessidades nicas que legitimavam e operacionalizavam o
de moradia e alimentação. O progresso podia imperialismo eram formas de defender, manter e
ser alcançado através do maior uso dos recur- conquistar territórios. Um dos mais proeminentes
sos do meio, logo, uma relação mais íntima com estudiosos do tema era o jurista Rudolf Kjellen.
a natureza. Quanto maior o vínculo com o solo,
tanto maior seria para a sociedade a necessidade Figura 7 – Rudolf Kjellen.
de manter sua posse. Segundo Ratzel, quando a
sociedade se organiza para defender o território,
transforma-se em Estado. O território representa
as condições de trabalho e existência de uma so-
ciedade e o progresso implicaria a necessidade
de aumentar o território.
No processo de constituição dos concei-
tos basilares de seu pensamento, o ESPAÇO VI-
TAL revela uma proporção de equilíbrio entre a
população de uma dada sociedade e os recursos
disponíveis para suprir suas necessidades. O ex-
pansionismo aparece como algo natural e inevi-
tável: essa é a teoria que legitima o imperialismo
alemão. Além de Kjellen, Halford Mackinder (teoria
do Heartland) e Karl Haushofer garantiram que o
pensamento geopolítico adquirisse um lugar na
Atenção
Geografia. O General Karl Haushofer era amigo de
A Geografia ratzeliana privilegiou o elemento hu- Hitler e diretor do Instituto Geopolítico de Muni-
mano, com a valorização da História e do espa- que. Para ele, a Geopolítica era parte da estratégia
ço. Principais temas: a formação dos territórios, a
difusão dos homens pelo planeta, a distribuição militar do Reich. Sua escola influenciou direta-
dos povos na superfície terrestre, o isolamento e mente os planos de expansão nazistas.
suas consequências.
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Figura 9 – Paul Vidal de La Blache. posição com ação nacional. Sua ação consistia no
domínio total das relações capitalistas, cujo pro-
cesso foi completado com Napoleão Bonaparte.
O projeto hegemônico da classe revolu-
cionária (burguesia) aglutinava os interesses da
sociedade através da revolução popular, dirigida
pelos ideólogos burgueses e somada à participa-
ção política de massas. A Revolução Francesa foi
um movimento popular, comandado pela bur-
guesia. Nesse processo, o pensamento burguês
gerou propostas progressistas, instituindo uma
tradição liberal no país. Contudo, o contínuo des-
gaste entre burgueses e o resto do povo francês
conduziu ao acirramento da luta de classes.
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Em 1870, ocorre a Guerra Franco-prussiana: Geografia aparece como ciência dos lu-
França perde Alsácia e Lorena, fundamentais para gares, o que interessaria é o resultado
a sua industrialização. Cai o Segundo Império de da ação do homem na paisagem. O ho-
Luís Bonaparte e ocorre o levante da Comuna de mem transforma matéria natural e cria
Paris. Sob os auspícios germânicos, surge a Ter- formas sobre a superfície terrestre.
ceira República, período de desenvolvimento da
Geografia francesa.
Assim, o homem, como hóspede antigo de
A Geografia se institucionaliza com o apoio vários pontos da Terra, se adaptou em cada lugar
do Estado francês, colocada em todas as séries do criando (em relação com a natureza) um conjun-
ensino básico e instituída nas Universidades atra- to de técnicas, hábitos, usos e costumes passa-
vés das cátedras e dos institutos de Geografia. dos socialmente, formando GÊNEROS DE VIDA.
A guerra havia colocado para a classe domi- Uma vez estabelecido, o gênero de vida tenderia
nante francesa a necessidade de pensar o espaço, a reproduzir-se da mesma forma. Alguns fatores
fazer uma Geografia que deslegitimasse a refle- poderiam agir impondo uma mudança no gêne-
xão geográfica alemã ratzeliana, dominasse o ter- ro de vida: o crescimento populacional poderia
ritório francês e, ao mesmo tempo, fornecesse os impulsionar a sociedade em busca de novas téc-
fundamentos para o seu expansionismo. nicas ou levar a dividir a comunidade e criar um
Assim como Ratzel, La Blache veiculou, atra- novo núcleo.
vés do discurso científico, o interesse da classe do- Para o progresso humano, o contato com
minante de seu país. Devido ao desenvolvimento outros gêneros de vida seria fundamental, pois os
diferenciado do capitalismo nesses países, foram contatos gerariam arranjos mais ricos, pela incor-
diferentes também as formas e os conteúdos des- poração de novos hábitos e técnicas.
sas ideologias. Principais críticas às proposições Os “Domínios de civilização” correspondem
ratzelianas: a uma área abrangida por um gênero de vida co-
mum, englobando várias comunidades. Os gê-
Politização exagerada do discurso ge- neros de vida se difundiriam pelo globo em um
ográfico: “necessária neutralidade da processo de enriquecimento mútuo, levando ao
ciência” apontava contra o caráter apo- fim dos localismos.
logético do expansionismo alemão e a As fronteiras europeias definiriam domínios
concepção de “espaço vital”; de civilização, solidamente firmados por séculos
Caráter naturalista de Ratzel: minimi- de história! Aqui está a crítica ao expansionismo
zação do elemento humano. La Blache alemão, ao controle territorial interno, e o funda-
defende o poder criativo do homem e mento da legitimação da ação colonial francesa.
valoriza a história; Por quê?
Concepção fatalista da relação homem/ A ação imperialista francesa não se concen-
natureza: La Blache era mais relativista e trava na Europa: o expansionismo colonial na Ásia
critica a ideia da determinação da histó- e na África produziu uma Geografia Colonial. O
ria pelas condições naturais. Tudo o que contato dos gêneros de vida estagnados das áre-
se refere ao homem é mediado pelas as atrasadas do mundo com a missão civilizadora
contingências (incerteza, pode ou não francesa conduziria ao progresso.
acontecer), pela possibilidade! A Geografia deveria estudar os gêneros de
Objeto de estudo da Geografia: relação vida, os motivos de sua manutenção ou transfor-
homem/natureza na perspectiva da mação, e sua difusão, com a formação dos do-
paisagem. O homem é um ser ativo que mínios de civilização. Nesse sentido, considerar
sofre influência da paisagem. Assim, a as obras humanas sobre o espaço criadas pelas
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A Geografia Tradicional (Clássica ou Posi- sentido, justifica-se o estímulo para pensar o es-
tivista) conforma-se inclinando a Geografia Hu- paço, logo, para fazer Geografia.
mana ao estudo de fenômenos humanos como Definiu o objeto geográfico como o estudo
produtos da ação humana, não para os processos da influência que as condições naturais exercem
sociais que os engendraram. sobre a humanidade, realizou extensa revisão bi-
A Geografia de Ratzel foi um instrumento bliográfica sobre temas das influências da natu-
poderoso de legitimação dos desígnios expan- reza sobre o homem e concluiu criticando duas
sionistas do Estado alemão recém-constituído. A posições: a que nega tal influência e a que visa a
unificação tardia da Alemanha deixou-a de fora estabelecê-la de imediato. Nesse projeto de Rat-
da partilha dos territórios coloniais, alimentando zel, essa ligação se expressa na justificativa do ex-
um expansionismo latente, que aumentaria com pansionismo como algo natural e inevitável, uma
o próprio desenvolvimento interno. Daí depreen- sociedade que progride gerando uma teoria que
de-se o agressivo projeto imperialista, o propósi- legitima o imperialismo bismarckiano. Uma visão
to constante de anexar novos territórios. Nesse do Estado como protetor acima da sociedade
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vem no sentido de legitimar os Estados prussia- relação entre a população e os recursos, uma situ-
nos, onipresentes e militarizados. ação de equilíbrio construída pelas sociedades e
A Geografia proposta por Ratzel privilegiou a diversidade dos meios, e explicaria a diversida-
o elemento humano e abriu várias frentes de es- de dos gêneros de vida.
tudo valorizando questões referentes à história À Geografia caberia estudar os gêneros de
e ao espaço, como a formação dos territórios, a vida, os motivos de sua manutenção ou transfor-
difusão dos homens pelo planeta (migração, co- mação, e sua difusão com a formação dos domí-
lonização), a distribuição dos povos e das raças na nios de civilização. Acentuou o propósito humano
superfície terrestre. Metodologicamente, mante- de Geografia Humana, entretanto esta foi conce-
ve a ideia da Geografia como ciência empírica. bida como um estudo de paisagem: os homens
Os discípulos de Ratzel radicalizaram suas se interessam por suas obras. La Blache fala de
colocações, o que se denomina “escola determi- população, de agrupamento e nunca de socieda-
nista” de Geografia: a história era determinada de; fala de estabelecimentos humanos, não de re-
ou o homem é um produto do meio. Uma últi- lações sociais; fala de técnica e dos instrumentos
ma perspectiva proveniente das formulações de de trabalho, porém não de processo de produção;
Ratzel, a chamada escola “ambientalista”, não era enfim, discute a relação homem/natureza, não
considerada uma filiação direta à Antropogeogra- abordando as relações entre os homens. É por
fia. Entretanto, sem dúvida Ratzel foi o primeiro essa razão que a carga naturalista é mantida.
formulador de suas bases. Modernamente, apoia- Mas a Geografia Cultural Clássica ou Tra-
da na Ecologia, a ideia de estudar as inter-relações dicional não floresceu apenas na Europa. Nos
dos organismos que coabitam determinado meio Estados Unidos, o geógrafo Carl Sauer, fundador
já estava presente em Ratzel. e expoente máximo da Escola de Berkeley (Uni-
A escola de Geografia que se opõe às co- versidade da Califórnia), destacou-se. Sua escola
locações de Ratzel vem a ser a francesa e tem de pensamento reuniu geógrafos em torno das
como principal formulador Paul Vidal La Blache. ideias de Sauer, cuja história confunde-se (até
Na segunda metade do século XIX, a França e a 1970) com a da Geografia Cultural dos Estados
Alemanha (no caso, ainda a Prússia) disputam a Unidos.
hegemonia no controle continental da Europa.
Havia nesses dois países uma disputa de interes- Figura 10 – Carl Sauer.
ses nacionais, uma disputa entre imperialismos.
A Geografia de Ratzel legitimava as ações impe-
rialistas do Estado bismarckiano. Era mister para
a França combatê-la; o pensamento geográfico
francês nasceu com essa tarefa.
A Geografia francesa, que esconjurou a Ge-
opolítica germânica, vai criar uma especialização
denominada Geografia Colonial e La Blache pro-
põe uma postura relativista, dizendo que tudo o
que se refere ao homem é medido pela contin-
gência. Esse posicionamento, aceito por seus se-
guidores, fez com que a Geografia francesa aban-
donasse qualquer intento de generalizações. La
Blache definiu o objeto da Geografia como a re-
lação homem/natureza; na perspectiva da paisa-
gem, colocou o homem como um ser ativo, domi-
nante do gênero de vida, o qual exprimiria uma
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grafia Histórica e a Geografia Econômica esta- ta em campo era baseada em técnica de análise
riam fundidas, já que a segunda se interessaria morfológica desenvolvida pela Geografia Física,
pelas Áreas Culturais procedentes da anterior. bem como em um método histórico evolutivo ES-
Por fim, a Geografia Cultural encontrava-se TRUTURAL, buscando determinar as sucessões de
integrada ao objetivo geral da Geografia: a dife- cultura em uma área.
renciação da Terra em áreas. A observação dire-
Piotr Kropotkin (1842-1921) nasceu em fa- punha uma mudança no sistema educacional e,
mília rica e tradicional da Rússia czarista. Estudou principalmente, no ensino de Geografia, colo-
nas melhores escolas de Moscou, sendo sempre cando-a como o principal veículo divulgador de
um dos alunos mais brilhantes (recebendo, inclu- suas ideias de igualdade entre os povos. Afinal, os
sive, elogios do czar Nicolau I), e tinha um futuro estudos geográficos como eram ensinados nas
garantido como general do exército russo. Mas, escolas naquele momento ajudavam a fomentar
apesar de todas as condições financeiras favorá- o preconceito e a ideia de superioridade dos eu-
veis, preferiu seguir um caminho inverso, vivendo ropeus sobre outras raças, justificando o colonia-
do seu próprio trabalho. Exerceu as funções de lismo da Europa, principalmente sobre a Ásia e a
jornalista, professor e até tipógrafo, e, para deses- África.
pero de sua família, tornou-se geógrafo e, mais Para o geógrafo russo, a ciência geográfi-
tarde, um anarquista. ca deveria valorizar as diferenças físicas entre as
Entretanto, também como geógrafo, Kro- regiões, mostrando que uma não se sobrepõe à
potkin não seguiu o protocolo. Uniu Geografia e outra, mas se complementam, e que são essas di-
Anarquismo e, ao contrário de seus colegas, pas- ferenças que garantem o perfeito funcionamento
sou a defender o fim do Estado e suas leis, das ins- da natureza, dando equilíbrio aos diversos acon-
tituições religiosas, do sistema trabalhista vigente tecimentos naturais. Além disso, ela deveria mos-
e das fronteiras entre os países. Com isso, acabou trar que as particularidades físicas de cada região
sendo marginalizado pela própria Sociedade Ge- não deveriam pertencer a uma região específica,
ográfica Russa, que já o havia premiado. pois se tratam de bens comuns a toda a huma-
Suas teorias anarquistas se aproximavam nidade. Defendia, assim, o fim das fronteiras en-
do comunismo, defendendo o fim da proprieda- tre os países. Principalmente, a Geografia deveria
de privada, do trabalho assalariado e do Estado, mostrar aos jovens estudantes que, apesar das
lutando por uma igualdade econômica e política diferenças culturais, nenhuma raça era superior à
entre todos. Por isso, sua orientação era conheci- outra, apenas que cada uma vivia conforme sua
da como anarquista-comunista. Além disso, de- realidade e que essas diferenças precisavam ser
fendia a liberdade moral de cada indivíduo. Para respeitadas. Mostrar que todos eram irmãos e
ele, o homem só seria totalmente feliz se tivesse que deveriam se unir para resolver os problemas
respeito e vivesse plenamente conforme sua mo- que lhes fossem comuns. Quando todos tivessem
ral. Ainda, a religião existia somente para padro- essa consciência de igualdade e irmandade, seria
nizar o moralismo, impedindo o homem de viver o momento de derrubar a burguesia do poder e
com toda a sua vontade e criatividade. instalar a Anarquia, dando uma nova perspectiva
Para que o anarquismo fosse entendido e esperança para a humanidade.
de forma pacífica pela sociedade, Kropotkin pro-
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Caro(a) aluno(a),
Neste capítulo, estudamos a Geografia Institucionalizada e os fundamentos da Geografia Clássica,
vimos as contribuições de Ratzel e Paul Vidal de La Blache, e falamos um pouco da Geografia Cultural
Tradicional e do Anarquismo na Geografia.
Agora, utilizando sua apostila, discorra sobre esse contexto histórico e como Ratzel contribuiu, a
partir de sua produção geográfica, para a criação da Alemanha.
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