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A GEOGRAFIA INSTITUCIONALIZADA

2 E OS FUNDAMENTOS DA GEOGRAFIA
CLÁSSICA

2.1 A Contribuição de Ratzel: a Geografia Política Alemã (Território)

Figura 6 – Friedrich Ratzel. 4. Guerra entre Prússia e Áustria pelo


comando do Estado produziu a “prus-
sianização” da Alemanha: uma organi-
zação militarizada da sociedade e do
Estado;
5. Monarquia burocratizada: a ação do
Estado em todos os domínios da so-
ciedade civil, através de grande repres-
são social interna e agressiva política
exterior. Em 1871, forma-se o Império
Alemão. A política cultural nacionalis-
ta estimulada pelo Estado e guerras de
conquista empreendidas por Bismarck
anunciam esse período;
Friedrich Ratzel (1844-1904) vivencia a 6. Um problema: a Alemanha, um novo
constituição real do Estado alemão e suas primei- Estado europeu, rapidamente indus-
ras décadas. Mais do que isso: sua obra foi instru- trializou-se, mas não possuía colônias
mento de legitimação dos desígnios expansionis- para oferecer matérias-primas e formar
tas do Estado alemão recém-constituído. amplo mercado consumidor.
Contexto de constituição do Estado alemão:

Saiba mais
1. A criação da Confederação Germânica
era o primeiro passo para a unificação, A obra de Ratzel, “Antropogeografia”, apresenta os
a fim de reunir o poder disperso pelas fundamentos da aplicação da Geografia à História
várias unidades confederadas; (1882). Essa obra funda a Geografia Humana, pos-
suindo como objeto geográfico o estudo da influ-
2. Prússia e Áustria disputavam a hege- ência que as condições naturais exercem sobre a
monia dentro da Confederação; humanidade (fisiologia, psicologia dos indivíduos
3. Segundo passo para a unificação: re- e, então, sociedade). Para Ratzel, a natureza influen-
pressão aos levantes populares de ciaria:
1848. A reação à onda revolucionária
• A própria constituição social, através dos recursos
que tomou a Europa através de alian- do meio em que está localizada a sociedade;
ças e ações unificadas sob um coman- • A possibilidade de expansão de um povo, obsta-
do comum foi realizada com a articula- culizando-a ou acelerando-a;
ção das classes dominantes (agrárias), • As possibilidades de contato com outros povos,
formando um bloco reacionário con- gerando, assim, o isolamento e a mestiçagem.
trarrevolução;

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Em Ratzel, a sociedade é vista como um or- Partiu das colocações ratzelianas referentes à
ganismo que mantém relações duráveis com o ação do Estado sobre o espaço. As teorias e téc-
solo, manifestas, por exemplo, nas necessidades nicas que legitimavam e operacionalizavam o
de moradia e alimentação. O progresso podia imperialismo eram formas de defender, manter e
ser alcançado através do maior uso dos recur- conquistar territórios. Um dos mais proeminentes
sos do meio, logo, uma relação mais íntima com estudiosos do tema era o jurista Rudolf Kjellen.
a natureza. Quanto maior o vínculo com o solo,
tanto maior seria para a sociedade a necessidade Figura 7 – Rudolf Kjellen.
de manter sua posse. Segundo Ratzel, quando a
sociedade se organiza para defender o território,
transforma-se em Estado. O território representa
as condições de trabalho e existência de uma so-
ciedade e o progresso implicaria a necessidade
de aumentar o território.
No processo de constituição dos concei-
tos basilares de seu pensamento, o ESPAÇO VI-
TAL revela uma proporção de equilíbrio entre a
população de uma dada sociedade e os recursos
disponíveis para suprir suas necessidades. O ex-
pansionismo aparece como algo natural e inevi-
tável: essa é a teoria que legitima o imperialismo
alemão. Além de Kjellen, Halford Mackinder (teoria
do Heartland) e Karl Haushofer garantiram que o
pensamento geopolítico adquirisse um lugar na
Atenção
Geografia. O General Karl Haushofer era amigo de
A Geografia ratzeliana privilegiou o elemento hu- Hitler e diretor do Instituto Geopolítico de Muni-
mano, com a valorização da História e do espa- que. Para ele, a Geopolítica era parte da estratégia
ço. Principais temas: a formação dos territórios, a
difusão dos homens pelo planeta, a distribuição militar do Reich. Sua escola influenciou direta-
dos povos na superfície terrestre, o isolamento e mente os planos de expansão nazistas.
suas consequências.

Figura 8 – Karl Haushofer.


O método utilizado por Ratzel encarava a
Geografia como ciência empírica (observação e
descrição), com a busca da síntese das influências
na escala mundial. Assim, cria-se uma visão na-
turalista, com a Geografia do Homem como uma
ciência natural.
Entre os expoentes da chamada “Escola De-
terminista” de Geografia, podem-se apontar Ellen
Semple (Estados Unidos) e Elsworth Huntington
(Reino Unido). Para eles, as condições naturais de-
terminam a História e o homem é um produto do
meio. Esse tipo de colocação indicava a naturali-
zação da História humana.
Produzida como contribuição a partir do
pensamento ratzeliano, a GEOPOLÍTICA é o estu-
do da dominação dos territórios pelos Estados.

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Princípios geopolíticos de Haushofer: ƒƒ As áreas hegemônicas do Hemisfério


Norte (Estados Unidos, Alemanha, Rús-
ƒƒ Toda potência precisa controlar um sia e a então “zona de coprosperidade
espaço geográfico suficientemente asiática”, controlada pelo Japão) deve-
grande para garantir sua segurança e riam subordinar o Hemisfério Sul.
possibilitar uma lucrativa exploração
econômica;
ƒƒ Existe a “Ilha Mundial” (a Eurásia), o que
levou a Alemanha a criar um poder na-
val;

2.2 Paul Vidal de La Blanche: a Perspectiva Regional Francesa (Região)

Figura 9 – Paul Vidal de La Blache. posição com ação nacional. Sua ação consistia no
domínio total das relações capitalistas, cujo pro-
cesso foi completado com Napoleão Bonaparte.
O projeto hegemônico da classe revolu-
cionária (burguesia) aglutinava os interesses da
sociedade através da revolução popular, dirigida
pelos ideólogos burgueses e somada à participa-
ção política de massas. A Revolução Francesa foi
um movimento popular, comandado pela bur-
guesia. Nesse processo, o pensamento burguês
gerou propostas progressistas, instituindo uma
tradição liberal no país. Contudo, o contínuo des-
gaste entre burgueses e o resto do povo francês
conduziu ao acirramento da luta de classes.

Paul Vidal de La Blache (1845-1918), geó- Dicionário


grafo francês, foi o principal formulador da escola
francesa de Geografia e elaborou a atual divisão Hegemonia: supremacia, superioridade.

regional da França em departamentos. La Blache


só pode ser compreendido a partir da relação
Nesse sentido, as Rebeliões de 1848 e a pró-
entre a conjuntura da Terceira República, o anta-
pria Comuna de Paris revelaram as intenções da
gonismo com a Alemanha e a particularidade do
burguesia: as repressões revelaram o caráter do-
desenvolvimento histórico da França.
minante da burguesia e sua luta para a manuten-
O contexto do desenvolvimento histórico ção do poder sobre o Estado.
francês no século XIX consiste na luta para a eli-
E a ciência? Qual era seu papel diante de
minação dos resquícios feudais, alcançada com a
tal quadro de complexidade na sociedade fran-
plenitude da revolução burguesa e a fundação do
cesa? Sob o discurso da neutralidade, legitimou
Estado burguês.
doutrinas autoritárias de ordem, distanciando-se
Devido à unificação precoce de seu territó- dos interesses sociais e dissimulando o conteúdo
rio, além da centralização do poder graças à tra- ideológico.
dição absolutista, a burguesia possuía uma sólida

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Em 1870, ocorre a Guerra Franco-prussiana: Geografia aparece como ciência dos lu-
França perde Alsácia e Lorena, fundamentais para gares, o que interessaria é o resultado
a sua industrialização. Cai o Segundo Império de da ação do homem na paisagem. O ho-
Luís Bonaparte e ocorre o levante da Comuna de mem transforma matéria natural e cria
Paris. Sob os auspícios germânicos, surge a Ter- formas sobre a superfície terrestre.
ceira República, período de desenvolvimento da
Geografia francesa.
Assim, o homem, como hóspede antigo de
A Geografia se institucionaliza com o apoio vários pontos da Terra, se adaptou em cada lugar
do Estado francês, colocada em todas as séries do criando (em relação com a natureza) um conjun-
ensino básico e instituída nas Universidades atra- to de técnicas, hábitos, usos e costumes passa-
vés das cátedras e dos institutos de Geografia. dos socialmente, formando GÊNEROS DE VIDA.
A guerra havia colocado para a classe domi- Uma vez estabelecido, o gênero de vida tenderia
nante francesa a necessidade de pensar o espaço, a reproduzir-se da mesma forma. Alguns fatores
fazer uma Geografia que deslegitimasse a refle- poderiam agir impondo uma mudança no gêne-
xão geográfica alemã ratzeliana, dominasse o ter- ro de vida: o crescimento populacional poderia
ritório francês e, ao mesmo tempo, fornecesse os impulsionar a sociedade em busca de novas téc-
fundamentos para o seu expansionismo. nicas ou levar a dividir a comunidade e criar um
Assim como Ratzel, La Blache veiculou, atra- novo núcleo.
vés do discurso científico, o interesse da classe do- Para o progresso humano, o contato com
minante de seu país. Devido ao desenvolvimento outros gêneros de vida seria fundamental, pois os
diferenciado do capitalismo nesses países, foram contatos gerariam arranjos mais ricos, pela incor-
diferentes também as formas e os conteúdos des- poração de novos hábitos e técnicas.
sas ideologias. Principais críticas às proposições Os “Domínios de civilização” correspondem
ratzelianas: a uma área abrangida por um gênero de vida co-
mum, englobando várias comunidades. Os gê-
ƒƒ Politização exagerada do discurso ge- neros de vida se difundiriam pelo globo em um
ográfico: “necessária neutralidade da processo de enriquecimento mútuo, levando ao
ciência” apontava contra o caráter apo- fim dos localismos.
logético do expansionismo alemão e a As fronteiras europeias definiriam domínios
concepção de “espaço vital”; de civilização, solidamente firmados por séculos
ƒƒ Caráter naturalista de Ratzel: minimi- de história! Aqui está a crítica ao expansionismo
zação do elemento humano. La Blache alemão, ao controle territorial interno, e o funda-
defende o poder criativo do homem e mento da legitimação da ação colonial francesa.
valoriza a história; Por quê?
ƒƒ Concepção fatalista da relação homem/ A ação imperialista francesa não se concen-
natureza: La Blache era mais relativista e trava na Europa: o expansionismo colonial na Ásia
critica a ideia da determinação da histó- e na África produziu uma Geografia Colonial. O
ria pelas condições naturais. Tudo o que contato dos gêneros de vida estagnados das áre-
se refere ao homem é mediado pelas as atrasadas do mundo com a missão civilizadora
contingências (incerteza, pode ou não francesa conduziria ao progresso.
acontecer), pela possibilidade! A Geografia deveria estudar os gêneros de
ƒƒ Objeto de estudo da Geografia: relação vida, os motivos de sua manutenção ou transfor-
homem/natureza na perspectiva da mação, e sua difusão, com a formação dos do-
paisagem. O homem é um ser ativo que mínios de civilização. Nesse sentido, considerar
sofre influência da paisagem. Assim, a as obras humanas sobre o espaço criadas pelas

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sociedades, na sua relação histórica e cumulativa com as de Ratzel, desenvolvendo-as e defenden-


com os diferentes meios naturais. do-as das críticas levantadas contra a Geografia
A “Geografia Universal”, obra projeto dos Humana. Febvre imprimiu orientações decisivas
discípulos de La Blache, conduziu aos debates so- à Geografia Humana, no sentido de uma com-
bre REGIÃO, conceito balizador da Geografia após preensão histórica das conexões entre as socie-
a morte de La Blache. A Região aparecia como dades humanas e os meios geográficos. Questão
unidade de análise geográfica, que exprimiria a levantada: “Que relações mantêm as sociedades
própria forma de os homens organizarem o espa- humanas com o meio geográfico atual?” Para Fe-
ço terrestre, um instrumento teórico de pesquisa bvre, esse é o problema fundamental e único que
e um dado da realidade. Além disso, a Região era a Geografia deve apresentar.
uma escala de análise, uma unidade espacial do- Maximilien Sorre era lablachiano e manteve
tada de individualidade em relação às suas áreas os fundamentos, desenvolvendo-os. A Geografia
limítrofes: diferenciação de áreas pela observa- deve estudar as formas pelas quais os homens or-
ção. ganizam seu meio, entendendo o espaço como
Aos poucos, a Região foi sendo compreen- “a morada do homem” e desenvolvendo o con-
dida como um produto histórico, que expressaria ceito central de Habitat: uma porção do planeta
a relação dos homens com a natureza. A forma- vivenciada por uma comunidade que a organiza,
ção de uma Geografia Regional foi marcadamen- uma construção humana, uma humanização do
te realizada através de monografias regionais. Os meio, que expressa as múltiplas relações entre o
estudos regionais propiciaram o aparecimento de homem e o ambiente que o envolve.
especializações, como a Geografia da População, A proposta de espaço geográfico de Sorre
Agrária, Urbana, do Comércio, dos Transportes, inovou ao considerar espaços sobrepostos (o físi-
das Indústrias, da Energia, Econômica! co, o econômico, o social, o cultural etc.) em inter-
A influência de La Blache na produção his- -relação: todo o planeta como espaço humaniza-
toriográfica francesa foi considerável. Lucien Fe- do, o novo ecúmeno.
bvre, em “A Terra e a Evolução Humana” (1922),
apresenta as ideias de La Blache confrontadas

2.3 A Geografia Cultural Tradicional

A Geografia Tradicional (Clássica ou Posi- sentido, justifica-se o estímulo para pensar o es-
tivista) conforma-se inclinando a Geografia Hu- paço, logo, para fazer Geografia.
mana ao estudo de fenômenos humanos como Definiu o objeto geográfico como o estudo
produtos da ação humana, não para os processos da influência que as condições naturais exercem
sociais que os engendraram. sobre a humanidade, realizou extensa revisão bi-
A Geografia de Ratzel foi um instrumento bliográfica sobre temas das influências da natu-
poderoso de legitimação dos desígnios expan- reza sobre o homem e concluiu criticando duas
sionistas do Estado alemão recém-constituído. A posições: a que nega tal influência e a que visa a
unificação tardia da Alemanha deixou-a de fora estabelecê-la de imediato. Nesse projeto de Rat-
da partilha dos territórios coloniais, alimentando zel, essa ligação se expressa na justificativa do ex-
um expansionismo latente, que aumentaria com pansionismo como algo natural e inevitável, uma
o próprio desenvolvimento interno. Daí depreen- sociedade que progride gerando uma teoria que
de-se o agressivo projeto imperialista, o propósi- legitima o imperialismo bismarckiano. Uma visão
to constante de anexar novos territórios. Nesse do Estado como protetor acima da sociedade

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vem no sentido de legitimar os Estados prussia- relação entre a população e os recursos, uma situ-
nos, onipresentes e militarizados. ação de equilíbrio construída pelas sociedades e
A Geografia proposta por Ratzel privilegiou a diversidade dos meios, e explicaria a diversida-
o elemento humano e abriu várias frentes de es- de dos gêneros de vida.
tudo valorizando questões referentes à história À Geografia caberia estudar os gêneros de
e ao espaço, como a formação dos territórios, a vida, os motivos de sua manutenção ou transfor-
difusão dos homens pelo planeta (migração, co- mação, e sua difusão com a formação dos domí-
lonização), a distribuição dos povos e das raças na nios de civilização. Acentuou o propósito humano
superfície terrestre. Metodologicamente, mante- de Geografia Humana, entretanto esta foi conce-
ve a ideia da Geografia como ciência empírica. bida como um estudo de paisagem: os homens
Os discípulos de Ratzel radicalizaram suas se interessam por suas obras. La Blache fala de
colocações, o que se denomina “escola determi- população, de agrupamento e nunca de socieda-
nista” de Geografia: a história era determinada de; fala de estabelecimentos humanos, não de re-
ou o homem é um produto do meio. Uma últi- lações sociais; fala de técnica e dos instrumentos
ma perspectiva proveniente das formulações de de trabalho, porém não de processo de produção;
Ratzel, a chamada escola “ambientalista”, não era enfim, discute a relação homem/natureza, não
considerada uma filiação direta à Antropogeogra- abordando as relações entre os homens. É por
fia. Entretanto, sem dúvida Ratzel foi o primeiro essa razão que a carga naturalista é mantida.
formulador de suas bases. Modernamente, apoia- Mas a Geografia Cultural Clássica ou Tra-
da na Ecologia, a ideia de estudar as inter-relações dicional não floresceu apenas na Europa. Nos
dos organismos que coabitam determinado meio Estados Unidos, o geógrafo Carl Sauer, fundador
já estava presente em Ratzel. e expoente máximo da Escola de Berkeley (Uni-
A escola de Geografia que se opõe às co- versidade da Califórnia), destacou-se. Sua escola
locações de Ratzel vem a ser a francesa e tem de pensamento reuniu geógrafos em torno das
como principal formulador Paul Vidal La Blache. ideias de Sauer, cuja história confunde-se (até
Na segunda metade do século XIX, a França e a 1970) com a da Geografia Cultural dos Estados
Alemanha (no caso, ainda a Prússia) disputam a Unidos.
hegemonia no controle continental da Europa.
Havia nesses dois países uma disputa de interes- Figura 10 – Carl Sauer.
ses nacionais, uma disputa entre imperialismos.
A Geografia de Ratzel legitimava as ações impe-
rialistas do Estado bismarckiano. Era mister para
a França combatê-la; o pensamento geográfico
francês nasceu com essa tarefa.
A Geografia francesa, que esconjurou a Ge-
opolítica germânica, vai criar uma especialização
denominada Geografia Colonial e La Blache pro-
põe uma postura relativista, dizendo que tudo o
que se refere ao homem é medido pela contin-
gência. Esse posicionamento, aceito por seus se-
guidores, fez com que a Geografia francesa aban-
donasse qualquer intento de generalizações. La
Blache definiu o objeto da Geografia como a re-
lação homem/natureza; na perspectiva da paisa-
gem, colocou o homem como um ser ativo, domi-
nante do gênero de vida, o qual exprimiria uma

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O historicismo era a base da Geografia de 4. Difícil escapar da tese da aptidão ao


Sauer, cuja crença na diversidade cultural, ênfase meio.
no passado, valorização da contingência, prima-
do da compreensão, postura antiurbana e privilé-
Sauer defendia que a Geografia Cultural
gio de sociedades tradicionais eram temas recor-
parte de uma descrição das características da
rentes.
superfície terrestre para chegar, mediante uma
Para Sauer, existiriam dois caminhos nos es- análise de sua gênese, a uma classificação com-
tudos geográficos: parada das regiões: Geografia como uma ciência
COROLÓGICA (ou seja, dos lugares).
1. Limitar-se ao estudo de uma relação Sauer considerava o homem o último agen-
causal particular entre o homem e a te que modifica a superfície da Terra, inclusive
natureza: interesse preferencial pelo como agente geomorfológico. A ocupação huma-
homem e sua relação com seu meio, na pela perspectiva da geomorfose humana ine-
adaptação do homem ao meio físico. gavelmente afirmou a naturalização de processos
Esta seria a Geografia Humana; sociais. Dessa forma, toda Geografia é Geografia
2. Definição do material de observação: Física, não porque o trabalho humano esteja con-
atenção para aqueles elementos da dicionado pelo meio, mas porque o homem, por
cultura material que conferem caráter si mesmo, é objeto indireto da investigação geo-
específico à área. Esta seria a Geografia gráfica, confere expressão física à área com suas
Cultural. moradias, seu lugar de trabalho, mercados, cam-
pos e vias de comunicação.
No percurso intelectual que conduziu à A Geografia Cultural se interessa pelas obras
Geografia Cultural nos Estados Unidos, algumas humanas inscritas na superfície terrestre, impri-
contribuições merecem destaque: de Karl Ritter, mindo uma expressão característica. A chamada
o meio físico considerado campo de estudo geo- Área Cultural refere-se ao conjunto de formas in-
gráfico; de Ratzel, consideraram-se seus estudos terdependentes diferenciadas funcionalmente de
culturais posteriores (mobilidade populacional, outras áreas. Os fatos da Área Cultural devem ser
condições de assentamento humano, difusão da explicados por qualquer causa que tenha contri-
cultura por meio das vias principais de comuni- buído para criá-los e nenhum tipo de causalidade
cação); e, finalmente, de La Blache, considerou-se tem prioridade sobre outro.
a “suavização” de Ratzel: substituição do determi- Para Sauer, o trabalho do geógrafo consiste
nismo pelo possibilismo. em mapear a distribuição dessas marcas, agrupá-
Sauer reagiu à postura ambientalista na -las em associações genéticas, descrevê-las desde
Geografia (para ele, problemas da chamada “Ge- a origem e sintetizá-las em sistemas comparati-
ografia Humana”). Conclusões: vos de áreas culturais. Nesse sentido, defendia a
reconstrução das sucessivas culturas de uma área,
1. Nenhum campo científico se expressa começando pela cultura original e continuando
por meio de uma relação causal parti- até o presente.
cular; A Geografia Econômica era considerada
2. A investigação ambientalista carece de por Sauer parte do programa da Geografia Cultu-
fatos como objetos de estudo à não ral. A localização passa a ser um instrumento para
há seleção de fenômenos, mas somen- a síntese, não um objetivo em si mesmo. Assim, a
te de relações à sem categorias de ob- Área Cultural é essencialmente econômica e sua
jetos de estudos; estrutura é determinada tanto pelo crescimento
histórico quanto pelos recursos naturais. A Geo-
3. Ausência de método próprio;

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grafia Histórica e a Geografia Econômica esta- ta em campo era baseada em técnica de análise
riam fundidas, já que a segunda se interessaria morfológica desenvolvida pela Geografia Física,
pelas Áreas Culturais procedentes da anterior. bem como em um método histórico evolutivo ES-
Por fim, a Geografia Cultural encontrava-se TRUTURAL, buscando determinar as sucessões de
integrada ao objetivo geral da Geografia: a dife- cultura em uma área.
renciação da Terra em áreas. A observação dire-

2.4 O Anarquismo na Geografia: uma Geografia Libertária -


Piotr Kropotkin

Piotr Kropotkin (1842-1921) nasceu em fa- punha uma mudança no sistema educacional e,
mília rica e tradicional da Rússia czarista. Estudou principalmente, no ensino de Geografia, colo-
nas melhores escolas de Moscou, sendo sempre cando-a como o principal veículo divulgador de
um dos alunos mais brilhantes (recebendo, inclu- suas ideias de igualdade entre os povos. Afinal, os
sive, elogios do czar Nicolau I), e tinha um futuro estudos geográficos como eram ensinados nas
garantido como general do exército russo. Mas, escolas naquele momento ajudavam a fomentar
apesar de todas as condições financeiras favorá- o preconceito e a ideia de superioridade dos eu-
veis, preferiu seguir um caminho inverso, vivendo ropeus sobre outras raças, justificando o colonia-
do seu próprio trabalho. Exerceu as funções de lismo da Europa, principalmente sobre a Ásia e a
jornalista, professor e até tipógrafo, e, para deses- África.
pero de sua família, tornou-se geógrafo e, mais Para o geógrafo russo, a ciência geográfi-
tarde, um anarquista. ca deveria valorizar as diferenças físicas entre as
Entretanto, também como geógrafo, Kro- regiões, mostrando que uma não se sobrepõe à
potkin não seguiu o protocolo. Uniu Geografia e outra, mas se complementam, e que são essas di-
Anarquismo e, ao contrário de seus colegas, pas- ferenças que garantem o perfeito funcionamento
sou a defender o fim do Estado e suas leis, das ins- da natureza, dando equilíbrio aos diversos acon-
tituições religiosas, do sistema trabalhista vigente tecimentos naturais. Além disso, ela deveria mos-
e das fronteiras entre os países. Com isso, acabou trar que as particularidades físicas de cada região
sendo marginalizado pela própria Sociedade Ge- não deveriam pertencer a uma região específica,
ográfica Russa, que já o havia premiado. pois se tratam de bens comuns a toda a huma-
Suas teorias anarquistas se aproximavam nidade. Defendia, assim, o fim das fronteiras en-
do comunismo, defendendo o fim da proprieda- tre os países. Principalmente, a Geografia deveria
de privada, do trabalho assalariado e do Estado, mostrar aos jovens estudantes que, apesar das
lutando por uma igualdade econômica e política diferenças culturais, nenhuma raça era superior à
entre todos. Por isso, sua orientação era conheci- outra, apenas que cada uma vivia conforme sua
da como anarquista-comunista. Além disso, de- realidade e que essas diferenças precisavam ser
fendia a liberdade moral de cada indivíduo. Para respeitadas. Mostrar que todos eram irmãos e
ele, o homem só seria totalmente feliz se tivesse que deveriam se unir para resolver os problemas
respeito e vivesse plenamente conforme sua mo- que lhes fossem comuns. Quando todos tivessem
ral. Ainda, a religião existia somente para padro- essa consciência de igualdade e irmandade, seria
nizar o moralismo, impedindo o homem de viver o momento de derrubar a burguesia do poder e
com toda a sua vontade e criatividade. instalar a Anarquia, dando uma nova perspectiva
Para que o anarquismo fosse entendido e esperança para a humanidade.
de forma pacífica pela sociedade, Kropotkin pro-

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2.5 Resumo do Capítulo

Caro(a) aluno(a),
Neste capítulo, estudamos a Geografia Institucionalizada e os fundamentos da Geografia Clássica,
vimos as contribuições de Ratzel e Paul Vidal de La Blache, e falamos um pouco da Geografia Cultural
Tradicional e do Anarquismo na Geografia.

2.6 Atividades Propostas

1. Considere a seguinte passagem:

A abrangente produção ratzeliana deixa transparecer a integração de fatos da modernidade e do


rápido desenvolvimento da sociedade no contexto da Alemanha que se unificava. Reflexões sobre o
Estado, a história, as raças humanas, o ensino da geografia e a descrição de paisagens perpassam a
obra do geógrafo, que se preocupava em auferir uma identidade comum à nação em formação.

A seguir, leia o seguinte enunciado:

ƒƒ A produção intelectual de Ratzel tem lugar em um contexto de unificação de territórios ger-


mânicos e criação da Alemanha. A autora menciona “fatos da modernidade” referindo-se aos
discursos utilizados para sustentar a criação da Alemanha, bem como as características políti-
co-econômicas da Europa da segunda metade do século XIX.

Agora, utilizando sua apostila, discorra sobre esse contexto histórico e como Ratzel contribuiu, a
partir de sua produção geográfica, para a criação da Alemanha.

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