Gildette S. Fonseca AULA 1 Geografia Política e Geopolítica Origem dos Termos
É muito comum o uso dos termos geopolítica e geografia política como
sinônimos, todavia, devemos ficar atentos à origem e à diferença entre eles. O termo “Geografia política” surgiu no século XIX com o geógrafo alemão Friedrich Ratzel; já o termo “Geopolítica” tem como precursor o suíço Rudolph Kjéllen, no século XX. É válido destacar que política é ação que vai além do individualismo, assim Santos (2008, p. 25-26) define: “A política é, por natureza, aquilo que abraça a tudo e a todos e que busca, a partir de tudo e de todos, construir um sistema de vida. Certamente a construção será mais ou menos perfeita e na realidade será mais ou menos imperfeita, mas ela tem que ser buscada a partir de todos. A política é a ação. Ação é sempre política. [...] A política é que estabelece as normas, que propõe as normas de convivência [...]”. Geografia Política
No entender de Raffestin (1993), a geografia política foi estudo de
Heródoto, Platão, Aristóteles, Botero, Bodin, Vauban, Montesquieu, Turgot, Ratzel, entre outros. Cada qual apresentou abordagem conforme a realidade vivenciada, contudo, foi Ratzel quem lançou as bases científicas e sistematizadoras da geografia política com a obra Geografia Política (Politische Geographie), em 1897. Na referida obra, apresentou discussão sobre o papel do Estado na gestão do território de forma abrangente. • Conforme Magnoli (1991), antes de Ratzel a abordagem da Geografia política utilizava qualquer análise envolvendo as leis ou as relações diplomáticas relacionadas aos governos de cada sociedade. • Com Ratzel, a Geografia política passou a conceder maior ênfase aos fenômenos, estruturas espaciais e sociais. Com o passar do tempo, ampliou o campo político socioambiental, envolvendo interesses da escala local a global. • Assim, a Geografia política analisa as relações e as caracPara Castro (2010, p. 69): • terizações espaciais relacionadas ao poder do Estado. “A geografia política de Ratzel tinha, portanto, como tarefa, demonstrar que o Estado é fundamental em uma realidade humana que só se completa sobre o solo do país. Em uma perspectiva, os Estados, em todos os estágios do seu desenvolvimento, são percebidos como organismos que mantêm com o solo uma relação necessária e que devem, por isso, ser considerados sob o solo o ângulo geográfico.” • Castro (2010) pontua que Maquiavel, no livro O príncipe, e Ratzel, na obra Geografia Política, separaram a moral política da moral comum, além de colocar o patriotismo acima dos métodos requeridos para alcançar um bem maior. • Em pleno século XVI, Maquiavel percebeu que a centralização do poder político representava expansão do domínio e possibilidade de unidade territorial sob o poder das monarquias absolutistas que permitiu e facilitou a formação das forças produtivas burguesas. “Para Maquiavel, a substituição das antigas instituições de poder político territorial que fragmentaram e enfraqueceram a Itália seria de um príncipe novo, de novas leis e novos regulamentos, que permitiram resgatar sua força e comandar sua redenção, para Ratzel, a Alemanha só realizaria seu destino de potência, para fazer frente às outras potências europeias, através da consolidação duradora de reunificação germânica” (CASTRO, 2010, p.73). O Estado surge na sociedade, todavia, eleva-se acima dela. Anteriormente, imperava guerra de uns contra todos. O Estado, mesmo no absolutismo, representou avanços. Luiz XIV, que governou a França de 1643 a 1715, em poucas palavras, declarou: “O Estado sou eu”. Ratzel, no século XIX, compreendeu que a Alemanha só seria um Estado forte com estratégia territorial e adesão do povo à ideologia do nacionalismo. É importante analisar que a Alemanha estava mergulhada no contexto hegeliano, aspecto que pode ter influenciado Ratzel, pois sua geografia política era uma Geografia do Estado. • Para Raffestin (1993, p. 15): “Ratzel, na sua geografia política, faz eco ao pensamento do século XIX que racionaliza o Estado. Dá ao Estado sua significação espacial, "teoriza-o" geograficamente. Aliás, nisso ele foi influenciado por uma longa tradição filosófica que encontrou em Hegel o seu mais brilhante representante” . • Com efeito, todas as escolas geográficas, seja a francesa, a inglesa, a italiana ou a americana, que, seguindo a escola alemã, fizeram geografia política, ratificaram esses pressupostos filosóficos e ideológicos no sentido de que não colocaram em causa, de forma alguma, a equação Estado = poder (RAFFESTIN, 1993, p.16). • O Estado não é só poder, mas representa o poder, para tanto, depende de inúmeros fatores internos e externos. • Ao longo do tempos, o Estado perdeu abrangência como organizador, controlador, gerenciador de seu território e de sua população. Em cada momento da história da humanidade, o Estado apresentou grandes mudanças. • Podemos, então, questionar se estamos mais ligados à geografia política ou à geografia do Estado? • A resposta não é simples, mas devemos entender que no decorrer do tempo o papel do Estado mudou, assim como a sociedade, entretanto, as relações de poder jamais deixaram ou deixarão de existir, apenas também se ajustam ao contexto. • A geografia política e a geografia do Estado sempre estarão vinculadas à centralização do poder de determinado grupo. Assim, a humanidade trilhou caminho de desigualdade, com acirramentos de velhos problemas e surgimento de outros. Geografia política - Papel do Estado
O papel do Estado fez e faz toda diferença na organização das
sociedades, uma vez que a atuação é diretamente ou indiretamente na economia, na geração de emprego, na prestação de serviços à população através de políticas públicas. Quando o Estado atende mais ao mercado do que ao trabalhador, este fica mais vulnerável. As escolhas do gestor de um determinado Estado refletem em benefícios ou em perdas para a população, especialmente a de menor poder aquisitivo. Geografia política - Papel do Estado
• Mercantilismo (Intervenção do Estado, colonialismo e metalismo)
• Keynesianismo (intervenção estatal, protecionismo econômico contra o liberalismo
econômico...). O Estado tem papel fundamental de estimular a economia quando ocorrer XX crise e recessão econômica.
• Neoliberalismo (livre mercado, desburocratização do Estado (Estado mínimo); privatização
2ª metade do XX até o momento das estatais; livre circulação de serviços e capital, protecionismo econômico....) atual
Elab.: FONSECA, G, S, 2018
Geopolítica
• No início do século XX, Rudolph Kjéllen nomeou de Geopolítica a
formulação de teorias e estratégias políticas voltadas à obtenção de poder sobre determinado território, relações internacionais envolvendo os Estados e suas soberanias. “Kjellen não escondia sua admiração pelo Estado Maior alemão e seu o desejo de que a Europa viesse a ser unificada sob um imenso império germânico” (COSTA, 2010, p. 57). Geopolítica é um campo de conhecimento multidisciplinar, abrange a relação entre os processos políticos e as características geográficas, como localização, território, recursos naturais e contingente populacional (MAGNOLI, 1991). Bem anterior ao século XX, podemos refletir sobre a “geopolítica” do império Persa; as conquistas e as estratégias de guerra de Alexandre, o Grande, que teve como mestre Aristóteles (discípulo de Platão); a expansão do Império Romano, a construção do Império Otomano e as grandes navegações. Compreendemos que, apesar de diferentes contextos históricos- geográficos e inúmeras particularidades, a ascensão e a decadência tiveram como ponto comum a geopolítica da guerra, sublimada pela acumulação de riqueza e poder. • Assim, podemos pontuar que apenas o uso do termo geopolítica é do século XX, pois a geopolítica faz parte da história humana há séculos. Líderes movidos pela ambição, domínio de toda e qualquer fonte de riqueza a todo e qualquer custo. • A grande questão é que a geopolítica preparou a mundialização do Estado. Em todas as batalhas e guerras da sociedade, é uma geografia aplicada ao Estado. “A guerra política, que implica a guerra entre culturas, é uma invenção própria de nosso tempo, o que lhe assegura um lugar insigne na história moral da humanidade” (BENDA, 1965, p.24). • A citação retrata a Europa de 1927, ou seja, após a primeira guerra mundial, na iminência da crise de 1929 e da segunda guerra mundial. A mensagem é que os Estados “vencedores da guerra” estavam dispostos a ocupar os espaços e dominar os que julgavam ser mais fracos. • No entender de Versentini (1992, p. 62): “Em resumo, a geopolítica é o discurso, indissociável de propostas de ação do poder político, que procura representar o ponto de vista de um Estado nacional sobre a construção do espaço, tanto no nível dos interesses desse Estado na ordem internacional como ao nível dos arranjos espaciais no interior do país. Ao assumir, por princípio, a perspectiva do Estado nacional e ao obliterar a divisão do social, considerando o Estado acima dos interesses particulares, esse discurso mostra-se como instrumento da dominação, como saber e técnica de ação política apropriada ao exercício do poder (via espaço) dos grupos ou da classe que detém a hegemonia no conjunto do Estado”. Na geopolítica, o poder territorial é fundamental, pois permite ao Estado controlar o meio. A população tem poder limitado, já as grandes empresas tem grande poder junto ao Estado. Por exemplo: o Estado brasileiro tem o controle da extração de minerais e arrecada bilhões anualmente, todavia, para o povo, ficam apenas as migalhas. O mercado da mineração gera muito lucro para o Brasil, mais ainda para as grandes empresas de exploração, já para a população o que se tem são crateras, poluição e doenças, alguns postos de trabalho. Vejamos o caso do maior desastre ambiental da história do Brasil, em Mariana, Minas Gerais. • Em 2005, no município de Mariana, em Minas Gerais, ocorreu o rompimento da barragem de Fundão, da mineradora Samarco. Foram liberados milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração. Além do rompimento da barragem de Fundão, a barragem de Santarém transbordou. O Distrito de Bento Rodrigues foi destruído pela lama, dezenove pessoas morreram, a lama percorreu o curso do Rio Doce até a foz no Oceano Atlântico. • No dia 05 de novembro de 2018, completou três anos e os impactos ambientais, sociais e econômicos são incalculáveis. Por incrível que parece existe muita omissão das autoridades governamentais e da mineradora que até então não pagou muitas das indenizações. Foi criada a Fundação Renova para atender às demandas, mas, na prática, o processo de reparação é extremamente lento. A construção do novo Distrito ainda é um sonho, com previsão de entrega até 2020. Muitos pescadores perderam sua profissão, não existe peixes no Rio Doce, locais que tinham como principal atividade o turismo no Espírito Santo e na Bahia se transformaram em espaços vazios, sem a dinâmica econômica. Geopolítica e Poder
No exemplo, podemos analisar o papel do Estado, da empresa e da
população, o grau de poder de cada um. “A geopolítica só confronta organizações para as quais o poder vem do alto para baixo. Há pouca possibilidade de se utilizar esse método unidimensional fora da pequena escala. [...]. A geopolítica é unidimensional na exata medida em que constitui o suporte ideal para desenvolver estratégias cuja finalidade é a dominação [...]. Não é por acaso que a geopolítica continua a ser ensinada em muitas escolas militares ou de guerra” (RAFFESTIN, 1993 p.199). • Na democracia, é comum a difusão de que “o poder emana do povo”, tendo inclusive o voto como principal “arma”. • Entretanto, no contexto da geopolítica global, o poder do povo é cada vez mais limitado, além do que o Estado omite-se em atender aos interesses da população, em detrimento dos interesses das grandes empresas. Para Santos (2000 p. 10), o Estado fica mais forte: “[...] para atender aos reclamos da finança e de outros grandes interesses internacionais, em detrimento dos cuidados com as populações cuja vida se torna mais difícil”. Assim, podemos pontuar que as estratégias adotadas pelo Estado atendem a pequenos grupos específicos. A implementação de determinadas políticas públicas em vários casos servem para controlar a população. “[...] o Estado continua forte e a prova disso é que nem as empresas transnacionais, nem as instituições supranacionais dispõem de força normativa para impor, sozinhas, dentro de cada território, sua vontade política ou econômica. Por intermédio de suas normas de produção, de trabalho, de financiamento e de cooperação com outras firmas, as empresas transnacionais arrastam outras empresas e instituições dos lugares onde se instalam, impondo-lhes comportamentos compatíveis com seus interesses” (SANTOS, 2000, p.38). Em 1976, foi publicado A Geografia - isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra, da autoria de Yves Lacoste. A obra reafirma ideias pontuadas Ratzel, como questões internacionais, fronteiras e conflitos, mas, na análise do Estado, evidencia que: “[...] não é mais a única representação geopolítica e se sofre a concorrência de outras representações muito mais vastas e mais fluídas ou ao contrário mais restritas e mais precisas, mais elas também são carregadas de valores (LACOSTE, 2002, p. 62). Reflexões Finais
Sempre haverá interesse de determinada(s) potência(s) em manter a
hegemonia do mercado global, assim, a geografia política e a geopolítica vão se reinventando. No entanto, haverá período de crise, alternância no e do poder, populações terão de passar por sacrifícios para a minoria desfrutar da riqueza e do poder conquistado. A geopolítica reflete os aspectos espaciais da ação política, contribui na formação dos responsáveis pela tomada de decisões, além de interferir na opinião pública que se deixa levar por muitos que estão na gestão do Estado. Referências
BENDA, Julien. La trahison des clercs. Paris, J. J. Pauvert, 1965.
CASTRO, I. E. de. Geografia e Política. São Paulo: Bertrand Brasil, 2010. COSTA, W. M. da. Políticas territoriais brasileiras no contexto da integração sul-americana. In: Revista Território, ano lV, n°. 7, Rio de Janeiro, 1999, p. 24-49. LACOSTE, Y. A Geografia - isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra. 6ª. ed. Campinas: Papirus, 2002. MAGNOLI, D. O que é Geopolítica. São Paulo: Brasiliense, 1991. RAFFESTIN, C. Por uma Geografia do Poder. São Paulo: Ática, 1993. SANTOS. M. Por uma outra globalização: do pensamento único a consciência universal. São Paulo: Record, 2000. ________. Globalização, Território, Política e Geografia em debate. Itajaí (SC): Univali, 2008. VESENTINI, J. W. Novas geopolíticas. São Paulo: Contexto, 2000. Sugestão de Filmes e Documentários
Alexandre, o Grande - construído um império (documentário).
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=DQBGoBafZl8> Construindo um império: Roma (documentário). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=liMvesSFM0A> Construindo um império: Persas (documentário). Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=cb6QPIGe2S0>