Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina A Psicologia Escolar vem sendo indivíduo" (l-pg.24). Caberia aqui cam centrados no aluno, isto é, a considerada até agora como uma discutir e esclarecer a natureza de responsabilidade dos insucessos e área secundária da Psicologia, tal ajustamento. dos fracassos recai sempre sobre vista como relativamente simples, Dada a possibilidade de se in- o educando. O papel do psicólogo não requerendo muito preparo, terpretar a perspectiva de preven- escolar seria então o daquele pro- nem experiência profissional. ção como uma questão meramente fissional que tem por função tra- Dentro da instituição-escola é adaptativa, é que, no presente ar- tar estes alunos-problema e pouco valorizada, até mesmo dis- tigo, procuramos analisar duas devolvê-los à sala de aula "bem pensável, haja vista a inexistên- abordagens frequentemente en- ajustados". cia de serviços dessa natureza, en- contradas com relação ao papel do Na medida em que os problemas quanto os de Orientação educacio- psicólogo escolar, e propomos são equacionados em termos de nal e Supervisão escolar são pre- uma terceira alternativa, que é a saúde x doença, fica o papel do vistos e regulamentados por lei. deste profissional como agente de psicólogo investido de um caráter Essa perspectiva, que nos pare- mudanças. onipotente, uma vez que seria o ce bastante equivocada e inade- portador de soluções mágicas e quada, talvez provenha do fato de prontas para as dificuldades en- que, historicamente, a área esco- O PSICÓLOGO frentadas. Por outro lado, acaba lar tenha-se caracterizado como ESCOLAR por estabelecer uma relação de as- um desmembramento da área CLÍNICO simetria, verticalidade e poder clínica, o que gerou a visão de dentro da instituição, uma vez uma Psicologia Escolar clínica. que lhe é atribuída a decisão e o Uma outra abordagem seria a Está implícita nessa visão de julgamento a respeito da adequa- da ação preventiva da Psicologia Psicologia Escolar uma vincula- ção ou inadequação das pessoas Escolar. Prevenir significa ção com a área de saúde mental, em geral. São as duas faces de "antecipar-se a", "evitar", onde os problemas são equaciona- uma mesma moeda — de um lado "livrar-se d e " , "impedir que algo dos em termos de saúde x doença, o mágico, o salvador, e do outro, suceda". No contexto da escola o o que na escola se retraduz como um elemento altamente persecutó- que se pretenderia evitar ou impe- problemas de ajustamento e adap- rio e ameaçador. E s s a dupla ima- dir? A existência de problemas, tação. O que nos parece estar sub- gem que o psicólogo adquire ou de dificuldades ou fracassos? jacente, mas nem sempre claro, transmite(?) em função deste tipo A conotação por vezes encon- nessa perspectiva, é a idéia de que de abordagem ou da sua própria trada, entretanto, parece ser a de a escola como instituição é toma- postura, leva, com freqüência, a evitar desajustes ou desadapta- da como adequada, como cum- uma atitude ambivalente e de re- ções do aluno. Maria Helena No- prindo os objetivos ideais a que se sistência por parte da instituição vaes, ao defender a importância propõe. Permanecem inquestiona¬ escolar, que muitas vezes dificul- da formação adequada do psicólo- dos, desta forma, o anacronismo ta ou até impede a continuidade go escolar e sua responsabilidade dos currículos, dos programas, dos serviços de psicologia. profissional, afirma que " d a d o o das t é c n i c a s de ensino- Uma outra conseqüência que caráter sobretudo preventivo da aprendizagem empregadas, bem nos parece importante denunciar atuação do psicólogo escolar, essa como a adequação da relação nesta visão clínica, é a de que o orientação (psicológica) merece professor-aluno estabelecida. professor, ao entregar o seu "alu- tanto ou mais cuidado do que Esta é, portanto, uma visão no difícil" nas mãos de um profis- qualquer outra, pois tem como conservadora e adaptativa, uma sional tido como mais habilitado meta principal o ajustamento do vez que os problemas surgidos fi- que ele para lidar com a questão, 44 PSICOLOGIA, CIÊNCIA E PROFISSÃO se exime da sua responsabilidade pré-escolas, realizado em julho de cidade para aqueles que apresen- para com este aluno. Passa então 1983, promovido pela Secretaria tassem deficiências de ordem mo- a considerá-lo como um problema da Educação do Estado de São tora. Com relação à primeira hipó- que não é seu e que deveria ser so- Paulo, na cidade de São José do tese, acreditamos ser totalmente lucionado fora do contexto de sala Rio Preto, do qual participamos, inviável a sua realização dentro de aula, que é o seu ambiente de recebemos veementes queixas de do contexto escolar por duas ra- trabalho, a saber, no gabinete de professores de qe, sob o pretexto zões fundamentais: Psicologia. Na realidade, porém, de sigilo sobre os resultados dos a criança que apresenta dificulda- testes psicológicos aplicados em 1. Como tal tipo de tratamento des, mesmo quando atendida por seus alunos, só passíveis de serem fica ligado, pelo senso comum, à outros profissionais, enquanto manipulados por psicólogos, as doença mental, corre-se o sério aluna continua sendo problema do escolas ficavam praticamente sem risco de discriminar e estigmati- professor e da sua turma e como nenhuma informação a respeito zar aqueles alunos que se benefi- tal deve ser assumida. dos exames realizados. ciassem desta forma de assistên- É também frequente, no traba- cia; Lyons e Powers relatam que lho clínico dentro da escola, o uso num estudo longitudinal com 2. Como a escola é uma organi- de testes variados, desde as tradi- crianças de nível primário dispen- zação complexa, onde a privacida- cionais medidas de QI até provas sadas do sistema escolar de uma de é bastante restrita por ser um de personalidade, com elaboração grande cidade norte-americana grupo onde as pessoas convivem de diagnósticos e orientação bas- por problemas de comportamento, por longo tempo, diariamente por tante minuciosas e aprofundadas. foram avaliadas as contribuições várias horas e durante anos, fica Ocorre, entretanto, que este tra- dos psicólogos da seguinte forma: muito comprometida a questão de balho todo se torna infrutífero e "Embora 263 escolas registras- sigilo, não por parte do profissio- sem sentido, pois é comum as sem que o estudo psicológico ha- nal, evidentemente, mas por parte famílias se recusarem a aceitar a via sido de alguma forma útil aos dos próprios alunos. orientação, preferindo atribuir as pais e/ou professores, 144 escolas causas do insucesso escolar à pró- Com relação à Psicomotricida- registraram que ele não tinha aju- de, visando atingir principalmen- pria instituição, que é então acu- dado. Apenas uma escola deu uma sada de ineficiente. É evidente te as populações de baixa renda, razão para este fato, afirmando que não têm acesso a terapêuticas que, ao buscar uma orientação que o estudo psicológico era muito psicológica, todo cliente passa por desta natureza, tem-se pensado limitado." num trabalho integrado com a um processo, frequentemente lon- go e ambivalente, de lidar e acei- Um outro impasse comumente área de Educação Física, no senti- tar as suas próprias dificuldades enfrentado com relação aos exa- do de incluir, nessas aulas, ou deficiências. Ora, na medida mes psicológicos é o da dificulda- exercícios de equilíbrio, coorde- em que a escola toma a iniciativa de de se encontrar, em nosso nação motora ampla etc. Com re- de realizar esse processo, através meio, instituições que possibili- lação aos aspectos de motricidade do serviço de Psicologia, sem uma tem a concretização das orienta- fina, a montagem de pequenos conscientização gradativa e es- ções dadas, de forma economica- grupos de atendimento paralelo pontânea da família a respeito do mente acessível à maioria da nos- talvez pudesse ser levada a efeito seu filho-problema, o resultado sa população escolar. Desta ma- dentro do próprio ambiente da es- deverá ser ou um recusa de cola- neira, o diagnóstico e a orientação cola. borar até mesmo na fase inicial de realizados perdem a sua utilidade e portanto o seu sentido. Num nível mais sofisticado, a diagnóstico, ou uma rejeição clara abordagem clínica pode e aberta da orientação oferecida. Um outro aspecto a se questio- transformar-se numa consultoria Uma outra dificuldade é a de os nar é a instalação de Serviços de de saúde mental, com o enfoque dados obtidos através de exames atendimento psicológico dentro básico voltado para a prevenção psicológicos nem sempre rever- da instituição-escola, com a inten- já mencionada no início deste tra- tem para a escola sob forma de ção de oferecer Psicoterapia para balho. O psicólogo não se restrin- orientações concretas e os portadores de distúrbios emo- giria apenas à aplicação de testes acessíveis. Num congresso sobre cionais e de conduta e Psicomotri- e à realização de terapia dentro do contexto escolar, mas pretenderia e, a partir daí, planejamos nossa ral, discorrendo sobre a necessi- "difundir a saúde mental, procu- ação. dade de "comportar-se bem, ser rando alcançar um maior número Temos procurado atuar junto bom aluno, bom filho" etc., numa possível de pais, administradores ao corpo docente e discente, bem tentativa de fazer com que os edu- e professores, que por sua vez como junto à direção e à equipe candos venham a preencher as ex- atingem o maior número possível técnica, tentando conscientizá-los pectativas que a instituição, espe- de crianças". da realidade da sua escola, refle- cialmente os professores, têm de- tindo com eles sobre os seus obje- les. tivos, sobre a concepção que sub- Em nosso trabalho como psicó- O PSICÓLOGO jaz ao processo educacional em- ESCOLAR logos escolares, nessa perspectiva pregado, sobre as expectativas de agente de mudanças, temo- AGENTE DE que têm de seus alunos, sobre o ti- MUDANÇAS nos voltado basicamente pa- po de relação professor-aluno ra a constituição de grupos opera- existente, enfim sobre a organiza- tivos com alunos, professores e Uma outra alternativa que nos ção como um todo. equipe técnica, no sentido de en- parece mais adequada e que não As queixas básicas comumen¬ caminhar uma reflexão crítica so- exclui, pelo contrário, se beneficia te encontradas junto à instituição- bre a instituição, incluindo o pro- das contribuições da Psicologia escola referem-se à dispersivida¬ cesso de ensino-aprendizagem, a clínica e da Psicologia acadêmica, de e desatenção, desinteresse, relação professor-aluno, as mu- seria a do psicólogo escolar como apatia, agitação, baixo rendimen- danças sociais que estão ocorren- agente de mudanças dentro da to e fraco nível de aprendizagem, do, evidenciando com isso, a defa¬ instituição-escola, onde funciona- rebeldia e agressividade, bem co- sagem cada vez maior que se esta- ria como um elemento catalizador mo dificuldades na relação belece entre a escola e a vida. Des- de reflexões, um conscientizador professor-aluno e entre os pró- sa maneira, procuramos desfocar dos papéis representados pelos prios educandos. Tais problemas a atenção sobre o aluno como úni- vários grupos que compõem a ins- têm aparecido na forma mais ou ca fonte de dificuldades, como o tituição. menos intensa em todos os graus, único responsável e culpado pela Nessa perspectiva precisa-se, o que vem caracterizar uma crise crise geral pela qual a escola pas- ao contrário do que se colocou no aguda e profunda pela qual a ins- sa, propiciando uma visão mais início deste texto, de um profis- tituição vem passando. global e mais compreensiva desta sional experimentado, com prepa- crise, procurando considerar to- ro amplo e diversificado, uma vez A tendência geral da escola é centrar as causas de tais dificul- dos os seus aspectos e, conjunta- que a Psicologia escolar é então mente, encontrar formas alterna- encarada como uma área de inter- dades nos alunos. As medidas que vêm sendo utilizadas para tentar tivas de enfrentá-la. secção entre a Psicologia clínica e Parece-nos importante esclare- a Psicologia organizacional, por resolvê-las ou contorná-las trabalhar e lidar com uma insti- resumem-se basicamente em: cer que não excluímos nessa abor- tuição social complexa, hierarqui- 1. Encaminhar os "casos- dagem pesquisas voltadas para os zada, resistende à mudança e que problema" ao Serviço de Orienta- processos dos indivíduos, pois de reflete a organização social como ção Educacional ou ao Serviço de fato encontramos inúmeros casos um todo. Nessa perspectiva é im- Psicologia, como se os profissio- onde as dificuldades encontradas portante considerar o indivíduo nais destas áreas tivessem solu- são do próprio aluno e não da ins- sem perder de vista, entretanto, ções mágicas e prontas para tais tituição. Tais casos necessitam de sua inserção no contexto mais am- casos; um enfoque mais clínico, que, plo da organização. quando se faz necessário, é levado 2. Criar mecanismos de contro- a efeito, sem entretanto, perder-se Um trabalho eficiente nessa li- le cada vez mais rígidos e repres- de vista o aspecto institucional da nha teria que partir de uma análi- sivos sobre o comportamento dos questão. se da instituição, levando em con- educandos através de inspetores Da oportunidade que temos ti- ta o meio social no qual se encon- de aluno, comunicações aos pais, do de atuar na área de Psicologia tra e o tipo de clientela que aten- reduções nas notas, multiplicação escolar, esta vem-se configurando de, bem como os vários grupos das avaliações etc. como um campo de ação extrema- que a compõem, sua hierarquiza- Com relação aos Serviços de mente rico, porém inexplorado, ção, suas relações de poder, pas- Orientação Educacional, com ex- desvalorizado e até mesmo pouco sando pela análise da filosofia es- ceções evidentemente, temos ob- conhecido, não só dentro das esco- pecífica que a norteia, e chegando servado alguns aspectos: las, mas também dentro da pró- até a política educacional mais a. não conseguem dar vazão ao pria categoria de psicólogos. O pa- ampla. crescente número de casos difíceis pel do psicólogo escolar acha-se Em nosso trabalho prático jun- encaminhados; portanto, mal delimitado e mal de- to às escolas, iniciamos geralmen- b. buscam contatos com os finido, e o que pretendemos aqui, te por um levantamento da insti- pais, numa tentativa, na maioria com essas primeiras anotações, é tuição onde pretendemos atuar. das vezes infrutífera, de transfe- encaminhar e aprofundar a dis- Procuramos caracterizá-la em rir a resolução dos problemas pa- cussão sobre esse tema. seus aspectos organizacionais, ra o âmbito familiar; tentamos detectar a ideologia sub- c. desenvolvem trabalhos jun- jacente aos objetivos expressos ou to ao corpo discente através de au- Bibliografia implícitos que a instituição con- las tradicionais onde são desen- NOVAES, M. H. - Psicologia escolar. Pe- trópolis. Vozes Ed. 1980. tém. Começamos, assim, por um volvidos temas, com uma conota- PATTO, H. S. - Introdução à Psicologia diagnóstico da realidade da escola ção quase sempre de caráter mo- escolar. São Paulo. Queiroz Ed. 1981.