Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
DO TRABALHO NA ESCOLA
Resumo
Introdução
Identificar a influência das políticas públicas para a educação sobre o estado atual da
divisão do trabalho na escola, no contexto da sociedade de classes, é o objetivo principal da
pesquisa de doutorado, ainda em andamento, da qual se origina o estudo aqui apresentado.
1
Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Paraná –
PUCPR. E-mail: pgcatia@hotmail.com
ISSN 2176-1396
13987
2
Com o objetivo de discutir e definir políticas para a educação, já no início do período republicano no Brasil, foi
criado um conselho de educação: em 1891 criava-se o Conselho Superior de Educação. Em 1931, criou-se o
Conselho Nacional de Educação – CNE. Com o advento da Lei 4.024 em 1961, foi criado o Conselho Federal de
Educação – CFE. Neste trabalho tratamos do CFE visto que este era o conselho da educação à época do Parecer
252/69. Porém, o CFE foi extinto em 1994, durante o governo do então presidente da República Itamar Franco.
Em 1995, foi criado o Conselho Nacional de Educação – CNE, ainda em atividade.
3
Destacamos que a orientação escolar já era uma função existente antes do Parecer 252/1969. Tendo sido feita
alusão a essa especialidade já nas Leis Orgânicas do Ensino, no período de 1942 a 1946, apesar de não haver
nessa época cursos especiais para a formação do orientador escolar.
13988
4
Regime de Urgência é entendido, neste trabalho, como um regime posto em prática nas unidades de ensino
devido às condições objetivas de funcionamento em que se encontra a instituição; o que a condena à gestão das
urgências cotidianas em tudo precisa ser resolvido no contexto do imediato, independente de quem, ou como, o
faça.
13989
5
O Ensino Primário seria correspondente às séries iniciais do Ensino Fundamental.
6
Falamos em segunda regulamentação, pois em 1946 o Decreto-Lei n. 9.092 pretendia substituir conhecido
esquema “3 + 1” pela obrigatoriedade de quatro anos de formação em faculdades de Filosofia, tanto para o
bacharelado quanto para a licenciatura. Por esse decreto, os três primeiros anos do curso de Pedagogia passariam
a ter disciplinas fixas e obrigatórias. Já no quarto ano haveria disciplinas optativas, acrescidas da formação em
Didática teórica e prática.
13990
currículo mínimo para o curso. Segundo Ribeiro; Miranda (2008), o parecer CFE 251/1962
definia o curso de Pedagogia como formador do “técnico em Educação” – através do
bacharelado – e do professor de “disciplinas pedagógicas” – na licenciatura – para o Curso
Normal. O currículo do curso, para o bacharelado era composto por um mínimo fixado em
sete matérias:
O campo de trabalho do bacharel, conforme Silva (1999), não estava bem definido
nessa época, assim como o campo específico de atuação do licenciado em Pedagogia, uma
vez que muitos profissionais não formados especificamente nessa área foram assumindo o
trabalho reservado aos licenciados.
Em 1968 a promulgação da Lei 5.540, que visava uma reforma universitária
extinguindo o regime de cátedras, implantando o regime de créditos e da estrutura de
departamentos nas instituições de ensino superior entre outras modificações, também
influenciou a divulgação de um parecer do Conselho Federal de Educação em relação a novas
mudanças no curso de Pedagogia, o Parecer nº 252 de 1969. Conforme Ribeiro; Miranda
(2008, p. 2):
[...] são por demais ambiciosas as pretensões impostas a ele, o que [...] provoca duas
espécies de dificuldades: primeira, atender, ao mesmo tempo, às necessidades de
formação de profissionais docentes e não docentes, em suas diferentes
especialidades; segundo, conseguir oferecer as condições, nos cursos de duração
plena, para formar docentes em inúmeras disciplinas, levando em conta
principalmente as dificuldades em se orientar as múltiplas práticas de ensino,
correspondentes às diferentes disciplinas em questão. Esta situação fica agravada se
considerarmos que o Parecer assegura, ainda, aos diplomados em Pedagogia
mediante determinadas condições, o direito ao magistério nas séries iniciais do 1º
grau.
1999, p. 58), para o relator do Parecer, tecnicamente havia uma dificuldade para que isto fosse
possível: nem todos os que se diplomavam em Pedagogia haviam recebido uma formação
adequada para lecionar nas séries do Ensino Primário.
Para Silva (1999), o Parecer 252/1969 aboliu a diferenciação entre bacharelado e
licenciatura, uma vez que tinha como objetivo formar professores para o Ensino Normal e
especialistas (orientação, administração, supervisão e inspeção escolar). Desse modo, tendo
sido reformulada a estrutura curricular do curso de Pedagogia cria-se “habilitações para a
formação de profissionais específicos para cada conjunto dessas atividades, fragmentando a
formação do pedagogo" (SILVA, 1999, p. 45).
Em nossa visão, com as habilitações introduzidas pelo Parecer nº 252/1969 o curso de
Pedagogia passou a se estruturar a partir da dicotomia entre teoria e prática do ensino,
marcando a formação do pedagogo com uma forte fragmentação teórico-prática. Além disso,
determinou-se a distinção entre funções de execução do ensino – através da formação para o
magistério – e funções de concepção e planejamento do ensino – pela formação para as
demais dimensões e funções do trabalho no ambiente escolar, marcando a divisão do trabalho
na escola, sobretudo pelo aspecto técnico.
O Parecer CFE nº 252/1969 tinha uma vigência inicial de 10 anos, e no processo de
sua revisão o debate sobre a formação do pedagogo e dos profissionais da educação começou
a tomar fôlego. Enquanto na década de 1960 a discussão girava em torno da existência e da
finalidade do curso de Pedagogia, se tal curso possuía ou não conteúdo próprio, agora a
ênfase era dada à necessidade de redefinição do curso. Redefinição que, para o Conselheiro
Valnir Chagas, apontava para o objetivo de formação superior dos professores dos anos
iniciais da escolarização.
Contudo, a vigência real do Parecer e da Resolução nº 2 que o seguiu, foi de três
décadas, perdurando até a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação 9.394/1996.
Durante esse período, o curso de Pedagogia teve dois objetivos centrais:
[...] formar pessoal docente para o magistério nos cursos normais e formar
especialistas para atuação nas escolas de 1º e 2º graus. A preparação do professor
primário em nível superior figurava como um ‘apêndice’ das demais funções do
curso, mas viável legalmente e possível de ser implantada no campo prático-
institucional (SCHEIBE; DURLI, 2011, p. 94)
Uma discussão acerca das mudanças ocorridas no curso de Pedagogia após o Parecer
de que trata este trabalho não caberia no espaço deste texto, contudo destacamos que durante
a década de 1970 vários pareceres foram elaborados pelo Conselho Federal de Educação e a
13993
homologação de muitos deles foi recebida pelos educadores como mais uma arbitrariedade do
poder que desconhecia as práticas, as pesquisas e os estudos desenvolvidos sobre cotidiano
escolar. Este fato “estimulou o movimento de educadores que punham resistência ao poder
instituído em especial do CFE. O movimento era contra as possíveis mudanças no curso de
Pedagogia que descaracterizavam ainda mais a profissão do pedagogo [...]” (BRZEZINSKI,
2006, p. 8182).
Houve iniciativas com fins de repensar o Curso de Pedagogia nesse momento. A
questão, então, passou a ser a identidade do pedagogo e do próprio Curso e envolveu
organismos oficiais e entidades independentes de educadores através de diversos movimentos.
O que é importante destacar, aqui, é que continuamos a discutir ainda hoje, mesmo depois das
DCNP de 2006, qual a finalidade do curso de Pedagogia, além de questões que se referem à
identidade do pedagogo8.
8
Para maiores esclarecimentos ver KASTELIJNS (2014).
13994
porque faz outras coisas. Coexistem uma sobreposição e uma indefinição e, ao mesmo tempo,
são mobilizados esforços para a não indefinição e para não sobrepor funções. A escola como
integrante do campo educacional9 parece possibilitar e, até mesmo promover a maleabilidade,
a flexibilidade, a ausência de divisão clara, o embaralhamento entre as funções não só dentro
da instituição entre os profissionais escolares, mas entre escola/professor e família.
Além disso, o que nos revela a pesquisa é que a função docente está subjugada ao
plano de execução do ensino. O que nos parece contraditório a princípio, se consideramos os
inúmeros discursos sobre a atuação do professor enquanto intelectual da educação, enquanto
profissional reflexivo e que se envolve nas definições de políticas públicas para a educação.
Contraditório também em relação às recentes políticas de participação nas decisões da escola
e da educação nacional, como, por exemplo, as políticas de gestão democrática nas escolas, os
Conselhos Escolares e as várias etapas da Conferência Nacional de Educação – CONAE.
O que parece ser revelado é que para além dessas políticas, o professor não sente que
participa efetivamente da esfera de concepção e planejamento do ensino. Ele sente-se e
entende-se enquanto executor do ensino. Seu papel é ensinar, auxiliar na aprendizagem do
aluno. E muitas vezes não se considera apto a atuar na concepção do ensino, apesar de
participar, por exemplo, das etapas escolar e municipal da CONAE, que envolve discussões
acerca das políticas para elaboração do Plano Nacional de Educação.
Analisando o Parecer 252/1969 e buscando uma aproximação das críticas elaboradas
acerca de tal documento – sobretudo em relação à separação teórico-prática na escola, nas
funções escolares – com a atual configuração da divisão do trabalho na escola, elaboramos o
esquema apresentado na figura 1. Neste esquema, podemos inferir que as orientações do
Parecer estavam voltadas para o curso de Pedagogia, estabelecendo na legislação do Conselho
Federal de Educação – CFE – as funções de especialistas: supervisão, orientação,
administração e inspeção escolar.
A definição dos especialistas no curso de Pedagogia inseriu a divisão do trabalho na
escola, entre funções pedagógicas (o magistério, a docência) e funções administrativas
(sobretudo orientação, administração e supervisão escolar). Essa separação entre pedagógico e
administrativo na escola consolidou uma fragmentação teórico-prática, já anteriormente
discutida.
9
Entendemos campo educacional, neste trabalho, a partir do conceito de campo de Bourdieu (1983). A cada
espaço social corresponde um campo específico (cultural, econômico, educacional etc.) que define a posição
ocupada por cada agente no interior do campo, de acordo com o volume de capital de que o agente dispõe.
13996
E esta fragmentação entre teoria e prática parece ter afastado, em parte, as esferas de
concepção (representada pelas políticas educacionais e as funções administrativas) e execução
do ensino (a prática pedagógica propriamente dita), tanto no plano funcional quanto no plano
espacial da escola.
Figura 1 – A divisão do trabalho na escola a partir do Parecer n. 252/1969
Fonte: a autora.
Considerações Finais
Este texto teve por objetivo analisar a divisão do curso de Pedagogia em habilitações,
instituída pelo Parecer 252/1969 do Conselho Federal de Educação, ressaltando sua influência
na formação de uma visão fragmentada da instituição escolar e suas atribuições, instituindo a
divisão do trabalho na escola através da habilitação de especialistas no curso de Pedagogia.
13997
Nosso ponto de partida foi a constatação de que indícios dessa fragmentação do trabalho
educativo decorrentes, em parte, do Parecer ainda perduram no interior da escola.
Chamamos a atenção para a divisão do curso de Pedagogia em habilitações a partir do
Parecer 252/1969 do Conselho Federal de Educação, criando dois blocos autônomos no curso
(SCHEIBE; AGUIAR, 1999): o bloco das disciplinas dos fundamentos da Educação
(caracterizado como bloco pedagógico); e o bloco das habilitações específicas (o bloco
técnico-administrativo). O que instituiu, em parte, a divisão do trabalho na escola, separando
funções de concepção e planejamento do ensino, de funções de execução do ensino, ou a
docência propriamente dita.
Sem desmerecer a relevância do trabalho dos especialistas em Educação nas escolas,
já na época de sua divulgação, o Parecer de que tratamos aqui foi muito criticado devido à
separação, que o mesmo instituía e legitimava, entre o trabalho de elaboração e o
planejamento – reservado aos especialistas – e o trabalho de execução – de responsabilidade
do professor (FREITAS, 1996). O que podemos ressaltar, nessa perspectiva, é a crescente
fragmentação do trabalho escolar – através, principalmente, da divisão de tarefas técnicas no
ensino. O que, para Pereira da Silva (2006), contribuiu sobremaneira para a composição do
caráter tecnicista e pragmático da atuação do profissional em educação, e mais
especificamente do docente.
É nesse sentido que destacamos que o funcionamento da escola, ou mais precisamente,
a atual configuração da divisão do trabalho, a lógica do capital engendrada no trabalho e,
consequentemente, na escola, parece contribuir para que o professor esteja (e entenda-se
como) restrito ao papel de executor de tarefas do ensino. Evidenciando, assim, a divisão entre
funções de concepção (quem pensa) e execução (quem faz) na educação pública brasileira. A
hipótese levantada para tal constatação pode estar muito relacionada ao regime de urgência
em que trabalha a escola, à sobreposição de funções no ambiente escolar, à definição da
função docente na atualidade, à intervenção do Estado no ensino, ao longo tempo de vigência
do Parecer CFE 252/1969 e suas marcas ainda presentes na escola, entre outros.
REFERÊNCIAS
______. A nova lei da educação: trajetória, limites e perspectivas. 12 ed. Campinas, SP:
Autores Associados, 2011.
SCHWARZ, R. Martinha versus Lucrécia. Ensaios e entrevistas. São Paulo: Companhia das
Letras, 2012.