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Tese de Doutorado
Volume I
Rio de Janeiro
Março de 2007
2
Rio de Janeiro,
3
Ficha Catalográfica
Azevedo, Marcos Antonio Farias de
418f.; 30 cm
Agradecimentos
Resumo
Palavras-chave
Resumé
Mots clef
Sumário
Introdução 15
PRIMEIRO CAPÍTULO
Conclusão 86
SEGUNDO CAPÍTULO
2.2 Os Pré-Reformadores 95
2.2.1 John Wycliff e os Lolardos 97
2.2.2 John Huss e os Hussistas 101
2.2.3 Jerônimo Savanarola 103
9
Conclusão 154
TERCEIRO CAPÍTULO
Conclusão 252
QUARTO CAPÍTULO
Conclusão 290
QUINTO CAPÍTULO
Conclusão 365
6 Conclusão 366
Abreviações
Documentos
AG = Ad Gentes
DV = Dei Verbum
DA = Diálogo e Anúncio
GS = Gaudium et Spes
LG = Lúmen Gentium
NA = Nostra Aetate
OC = Opera Calvini
CR = Corpus Reformatorum
Introdução
Nossa tese conta com cinco capítulos. No primeiro, buscamos uma leitura
da modernidade e da pós-modernidade em suas dimensões sociocultural,
econômica, antropológica e religiosa, procurando uma definição para cada um dos
dois paradigmas. Percorrer esses caminhos é fundamental para uma melhor
compreensão de tempo, o que facilitará, conseqüentemente, numa análise mais
aprofundada de todo o pluralismo religioso que grassa em nossa cultura e numa
verificação de onde e como a proposta do Evangelho se encontra. Entretanto, o
faremos de forma resumida, visto que toda esta temática é amplamente conhecida.
Apontaremos referência bibliográfica para posterior consulta.
O segundo capítulo tem como proposta contemplar o pano de fundo
histórico do período preparatório à Reforma do Século XVI e o Movimento
propriamente dito, que foi muito além das fronteiras religiosas, tendo repercussões
na vida política, social, econômica, cultural, bem como fornecedor de caminhos
para a segunda geração de reformadores, que foi o caso de João Calvino.
Já o terceiro é dedicado especificamente à vida, à obra e ao pensamento de
João Calvino, com ênfase na temática da liberdade, olhando o seu conceito de
liberdade e seu pensamento teológico nas dimensões antropológica, cristológica,
soteriológica e eclesiológica e a liberdade decorrente desses paradigmas
teológicos, a partir do contexto da Reforma. Segue-se uma exposição, em linhas
gerais, do desenvolvimento do seu pensamento.
Na visão de Calvino, o pressuposto do exarado no parágrafo anterior é Jesus
Cristo, a encarnação do Verbo, que trouxe a chegada do Reino de Deus, reino da
liberdade que chega ao homem pela iniciativa de Deus, em forma de dom. Em
resposta a esse Dom gratuito de Deus, o homem que o aceita responde com fé e
confiança no Deus da vida, seguindo o Mestre e vivendo as verdades do
Evangelho.
19
No quarto capítulo nosso olhar volta-se para uma análise do Reino de Deus
e a liberdade cristã, a partir dos evangelhos, tendo Jesus Cristo como seu principal
interlocutor, na Sua grande missão de anunciar o Reino de Deus, promovendo o
anúncio da liberdade, que vem acompanhado de suas atitudes – sinais da atuação
deste Reino: Jesus demonstra total liberdade em relação à Torá. Por força do tema,
a teologia do apóstolo Paulo será contemplada especificamente na carta aos
Gálatas, conceituando, também, o mesmo tema e verificando suas implicações
éticas para a vivência cristã.
Portanto, a pergunta que fazemos é a seguinte: A proposta das Boas Novas
tem chegado ao coração aflito deste homem atual, de tal forma que toda a sua vida
seja radicalmente transformada por Jesus Cristo, provocando verdadeira liberdade,
que resulta numa práxis do Reino de Deus?
No quinto e último capítulo, temos a grande tarefa de estabelecer as diversas
conexões com os capítulos anteriores, verificar a relevância de sua teologia e
atualizá-la ao nosso tempo, através de uma presença eclesial significativa e por
meio de uma ação querigmática integral, no anúncio de uma antiga proposta de
libertação que gera a verdadeira liberdade a um mundo novo com todos os seus
desafios. Tal anúncio terá que passar por uma evangelização inculturada, capaz de
restaurar o ethos do ser humano, desafiando-o a uma vivência significativa e
libertadora.
Na verdade, atualizar o pensamento de Calvino significa a elaboração de
uma proposta de vivência cristã à luz da liberdade cristã e de seu humanismo
cristão, com todas as suas implicações querigmáticas e éticas, como ser integral e
integrado na cultura do seu tempo.
20
Por estes e outros motivos, creio que o tema seja de suma importância para
o atual cenário cristão, de modo geral e em particular, em nosso contexto mais
latino-americano, qual seja no sentido de resgatar uma proposta de vivência ética
profundamente cristã e de atualidade marcante. O pano de fundo da relevância do
tema dar-se-á pelo fato de que a ação querigmática de muitas Igrejas têm imposto
um jugo sobre as pessoas do tipo farisaico, trazendo sérias implicações na conduta
ética e, pior, expondo, muitas vezes, o cristianismo ao ridículo. Nossa intenção é,
portanto, mostrar que a liberdade cristã é a grande proposta e oferta de Deus ao
homem, de abrangência integral, centrada e esgotada em Jesus Cristo, o libertador
por excelência.
Cremos, portanto, que ao refletirmos sobre a obra de João Calvino a partir
de nosso locus central, que é a liberdade cristã, estaremos não apenas
estabelecendo diálogo com nossos interlocutores, mas também estaremos abrindo
importantes e fecundas janelas para nossa tarefa de reflexão teológica.
21
Primeiro Capítulo
1
Uma Abordagem Sociocultural, Econômica, Antropológica
e Religiosa do Nosso Tempo
O grande desafio imposto pela atualidade não é apenas refletir sobre fatos,
mas necessariamente responder a estes, conforme afirma Deleuze: “Não existe
sequer um acontecimento, um fenômeno, uma palavra, nem um pensamento cujo
sentido não seja múltiplo”.1 Este desafio não apresenta exceção em relação à
teologia, uma vez que seu eixo central trata, fundamentalmente, da relação de
Deus com o homem e de sua resposta a Ele, que resulta em sua verdadeira
liberdade, levando “a sério a absoluta primazia do Deus que nos criou e continua
nos criando por amor, única e exclusivamente por amor”.2 Por isto, a compreensão
teológica, historicamente dogmática, unívoca e exclusivista quanto ao seu sentido
nos temas fundamentais – Trindade, soteriologia, sacramentos – está
necessariamente diante da multiplicidade de sentidos que marca o nosso tempo.
Constatado esse fato, há uma crise no campo teológico, que afeta suas mais
variadas dimensões.
Portanto, a reflexão teológica, consciente do mundo que a cerca, busca
responder aos seus interlocutores, de forma a oferecer uma visão compreensível,
dando a estes um sentido à vida humana. Não podemos viver apenas sob o forte
impacto da cultura moderna e pós-moderna sobre a Fé, mas colocar tal cultura sob
o impacto da Fé. E mais. É preciso olhar a incidência do fenômeno da
modernidade e, sobretudo, da pós-modernidade, sobre a Igreja Evangélica
Brasileira.3 Em outras palavras, impõe-se o seguinte questionamento: Os modelos
teológicos – conseqüentemente eclesiásticos - têm apresentado toda a riqueza da
salvação cristã de forma relevante, significativa e atraente aos homens e mulheres
que vivem e pensam segundo as culturas moderna e pós-moderna?
1
DELEUZE, Gilles. Nietzsche e a Filosofia.Rio de Janeiro: Ed. Rio, 1976. p. 3.
2
QUEIRUGA, A. Torres. Fim do Cristianismo pré-moderno. São Paulo: Paulus, 2003. p. 17.
3
Sou ministro protestante da Igreja Presbiteriana do Brasil de origem Reformada, o que implica
um olhar não apenas descritivo, mais também crítico-analítico sobre a mudança epocal que
assistimos e a relação da religião com seus interlocutores.
22
4
QUEIRUGA, Andrés Torres. Um Deus para hoje. São Paulo: Ed. Paulus, 1998. p. 13.
5
Note-se, pois, que a História da modernidade e pós-modernidade é também a história dos seus
enigmas e das suas antinomias. São enigmas e antinomias com os quais se defronta o “indivíduo”
como sujeito do conhecimento e sujeito de emancipação, que desafiam o pesquisador a buscar
esclarecimentos em questões atravessadas pelas configurações e movimentos da história. Refletem
desta maneira HABERMAS, Jürgen, em O Discurso Filosófico da Modernidade. Lisboa:
Publicações Dom Quixote, 1990. p. 23; BERMAN, Marshall. Tudo Que é Sólido Desmancha no
Ar (A Aventura da Modernidade). São Paulo: Companhia das Letras, 1986. p. 123; ROSSI, Pablo,
Paragone degli Ingegni Moderni e Postmoderni, Il Mulino, Bolonha, 1989. p. 34; HARVEY,
David, A Condição Pós-Moderna. São Paulo: Edições Loyola, 1992. p. 17; CHESNEAUX, Jean.
Modernidade-Mundo (Brave Modern World). Petrópolis: Editora Vozes, 1995. p. 36.
6
Por paradigmas pretendemos afirmar um conjunto de axiomas que filtram nossa visão do mundo,
como se fossem grandes marcas ou características que resumem, sintetizam e expressam as mais
variadas verdades observáveis. Quando analisamos os fatos numa perspectiva histórica
vislumbramos, então, várias mudanças que caracterizam a ruptura entre um período histórico e
outro, mesmo quando as dimensões ou paradigmas analisados são os mesmos, mas os seus
conteúdos são alterados e influenciados pela própria evolução histórica, social, econômica,
humana, religiosa etc.
7
JASPERS, Karl. Introdução ao Pensamento Filosófico. São Paulo: Cultrix, 1971. p. 30).
23
1.1
O Fenômeno da Modernidade
8
COMBLIN, José. A força da palavra. Petrópolis: Vozes. 1986. p. 205.
9
ADORNO, Theodor W., HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento.Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1985. p. 254.
10
Esta compreensão, compartilhada por ONCKEN, Wilhelm. Vol. XVIII, p. 483; VIOTTI,
Frederico Romanini de Abranches. Origem e fundamento da Mística Pós-moderna. Parte II,
cap. 2; VEITH, Gene Edward Jr. Tempos Pós-modernos, op. cit., p. 22 passim; GRENZ, Stanley.
Pós-Modernismo, op. cit., p. 17; SIEPIERSKI, P., Teologia e Pós-Modernidade, Teologia Sob
Limite. p. 145; TRASFERETTI, José & GONÇALVES, Paulo S. L. (org.), Teologia na Pós-
Modernidade, op. cit., p. 165.
24
1.1.1
Uma Definição da Modernidade
O termo “moderno” tem uma história bem antiga. No entanto, o que Habermas
chama de “projeto da modernidade” consolidou-se somente durante o século XVIII.
Esse projeto equivalia a um extraordinário esforço intelectual dos pensadores
iluministas para desenvolver, universalmente, a ciência objetiva, a moralidade, a lei e a
arte autônoma. Em outras palavras, a modernidade nasceu como conseqüência natural
da inserção do Iluminismo na sociedade. Em seu discurso, apresentava-se como rival e
sucessora do Cristianismo.12
Os Guinnes traz uma definição interessante sobre a modernidade:
11
Como dissemos na introdução, por falta de espaço, não falaremos sobre a sociedade pré-
moderna como pano de fundo à sociedade moderna, inclusive porque há ampla bibliografia
disponível sobre o tema. Somente à guisa de pano de fundo, quando pensamos numa sociedade
medieval, ou pré-moderna, é necessário constatar que a família era a base da organização social,
que havia uma economia de subsistência firmada na agricultura feudal e que a concentração
populacional habitava nas zonas rurais. A família patriarcal era o foco das relações sociais, sendo
os vínculos familiares - o grau de parentesco - as grandes pontes sociais, interligando os indivíduos
e organizando-os em uma sociedade homogênea.
12
Gouvêa afirma que “o iluminismo do século XVIII representou o estabelecimento definitivo do
neopaganismo como ideal intelectual por excelência da modernidade”. GOUVÊA, Ricardo
Quadros. Novos Tempos Velhas Crenças: Crítica do Neo-Paganismo sob uma Ótica Cristã em
FIDES REFORMATA 3/1 (Janeiro/junho 1998), p. 7.
25
13
GUINNES, Os & SEEL, John. No God but God. Chicago: Moody Press,. 1992. p. 160. Os
Guinness é um escritor autônomo. PhD. em teologia pela Universidade de Oxford, Inglaterra.
Nasceu na China, onde seus pais eram missionários, e trabalhou durante vários anos junto com o
doutor Francis Schaeffer no "L'
Abri Fellowship" na Suíça.
14
ONCKEN, Wilhelm. Vol. XVIII, p. 483. Citado por VIOTTI, Frederico Romanini de
Abranches. Origem e fundamento da Mística Pós-moderna. Parte II, cap. 2. Cf. JUNG, Mo
Sung. Teologia & Economia. Repensando a teologia da libertação e utopias. Petrópolis: Vozes,
1995. WEBER, Max. Economia y sociedad. México: Fondo de Cultura Econômica. 1984. p. 306.
GIDDENS, Anthony. As Conseqüências da Modernidade. São Paulo: Ed. Unesp, 1991. p. 103.
COSTA, H. M. Pereira. Raízes da Teologia Contemporânea. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.
15
OLIVEIRA, Plínio Corrêa de. Revolução e Contra-Revolução. Parte I, cap. 3, 5, A-B. Ver
também: LINDSAY, Tomas M.. La Reforma y Su Desarrollo Social. Barcelona: CLIE. (s.d.).
HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Rio de Janeiro: Zahar, 1971. pp. 19- 51.
26
16
HAGGLUND, Bengt. História da Teologia. Porto Alegre: Casa Publicadora Concórdia, 1973,
p. 136. Ver BURKE, Peter. História Social da Linguagem. p. 30. Cf. GOFF, Jacques Le.
Mercadores e Banqueiros da Idade Média, 1991. p. 78 passim. Cf. DELUMEAU, Jean. A
Confissão e o Perdão. As dificuldades da Confissão nos Séculos XIII a XVIII. São Paulo:
Companhia das Letras, 1991. p. 21.
17
TILLICH, Paul. A Coragem de Ser. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. pp. 44,45.
18
ALVES Rubens. Deus morreu! Viva Deus. In: Vários, Liberdade e Fé. Tempo e Presença,
1972. p. 19.
19
GRECO, Milton. Os paradigmas fundamentados na certeza, em: MEDINA, Cremilda (org.),
A crise dos paradigmas: Anais do 1o Seminário transdisciplinar. São Paulo: ECA/USP, 1991. p.
164. Vide também CAPRA, Frijof. O Ponto de Mutação: a ciência, a sociedade e a cultura
emergente. São Paulo: Cultrix, 1988. pp. 49-56.
27
20
DRUCKER, Peter. Sociedade Pós-Capitalista. São Paulo: Pioneira Editora, 1993. p. 78.
21
QUEIRUGA, Andrés Torres, p. 17.
22
Ibidem, pp. 21-22.
23
Ibidem, p. 22. O mesmo autor cita a grande obra A dialética do Iluminismo, para mostrar tal
verdade. Por outro lado basta que olhemos a questão da pós-modernidade para constatarmos a
afirmação de Queiruga.
24
DIAS, João S. Clá (org). Como Ruiu a Cristandade Medieval. São Paulo: Edições Brasil de
Amanhã, 1993. p. 12.
25
VEITH JR., Gene Edward. p. 22 passim.
28
26
SANTOS, Pedro Ivo dos. Renascimento, Reforma e Guerra dos Trinta Anos. Rio de Janeiro.
JCM, s/d, p. 72.
27
O teólogo Hermisten Maia Pereira da Costa, em sua obra Raízes da Teologia Contemporânea,
abre uma excelente nota de rodapé, falando assim do surgimento da Renascença, que diz o
seguinte: “A Itália é, a um só tempo, o berço do Renascimento e do Capitalismo moderno”
(Fernando S. Lima. Renascimento: In: William Benton, org. Enciclopédia Barsa. Rio de
Janeiro/São Paulo. Encyclopaedia Britannica Editores. Vol. 12. 1967, p. 4. Vejam-se também:
Alfred Weber. História Sociológica da Cultura. p. 341ss; Leo Huberman. História da Riqueza
do Homem. p. 35; Henri Pirenne. História Econômica e Social da Idade Média. 6a Ed. São
Paulo. Mestre Jou. 1982. pp. 160ss; Peter Burke. O Renascimento Italiano: cultura e sociedade
na Itália. p. 9; Victor Civita (org.). História das Civilizações. São Paulo: Abril Cultural. Vol. III.
1973. p. 59; A. J. Saraiva. História da Cultura em Portugal. Vol. I. p. 26; Paul Johnson.
História dos Judeus. Rio de Janeiro: 2a Edição. Imago Editora, 1989. p. 246; T. M. Lindsay. La
Reforma em su Contexto Histórico. p. 62; Ernst Bloch. Entremundos en la Historia de la
Filosofia. p. 150; H. R. Trevor-Roper. Religião, Reforma e Transformação Social. Lisboa:
Editorial Presença/Martins Fontes. 1981, p. 15 passim. “O conceito de que o capitalismo industrial
em grande escala era ideologicamente impossível antes da Reforma é destruído pelo simples fato
de que já existia.” H. R. Trevor-Roper. Ibidem, p. 27. Ibidem, pp. 44-45.
29
28
BEZA, Théodore. Histoire Ecclésiastique des Églises Réfomées du Royaume de France.
(1580). Apud Jean Delumeau. A Civilização do Renascimento. Vol. I, op. cit., p. 98.
29
JAEGER, Werner. Paidéia: A Formação do Homem Grego. São Paulo: Martins Fontes.
1989.p. 10. Cf. NUNES, Ruy Afonso da C. História da Educação no Renascimento. São Paulo:
EPU/EDUSO, 1980. p. 29.
30
DELUMEAU, Jean. A Civilização do Renascimento, op. cit., p. 85.
31
GRENZ, Stanley J., p. 94. Ver também WÖLFFLIN, H. Conceitos Fundamentais da História
da Arte. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 12.
30
32
CARPEAUX, Otto Maria. História da Literatura Universal. Rio de Janeiro: Ed. O Cruzeiro,
1963, Vol. I. p. 164.
33
ELIADE, Mircea. Nacimiento y Renacimiento: El significado de la iniciación en la cultura
humana. Traducción del inglés de Miguel Portillo. Barcelona: Editorial Kairós, 2001. p. 50. Cf.:
SCHAFER, Alphons, "Zur Initiation in Wagi-Tal", Anthropos, XXXIII (1938), 421 y ss.
34
As manifestações artísticas da renascença aglutinam as formas de expressão artística aos
conceitos filosóficos. Conforme diz Panofsky: "Assim fazendo, ligamos os motivos artísticos e as
combinações de motivos artísticos (composições) com assuntos e conceitos. [...] De fato, ao
falarmos do ' tema em oposição à forma' , referimo-nos, principalmente, à esfera dos temas
secundários ou convencionais, ou seja, ao mundo dos assuntos específicos ou conceitos
manifestados em imagens, estórias e alegorias em oposição ao campo dos temas primários ou
naturais manifestados nos motivos artísticos". (PANOFSKY, Erwin. Significado das artes
visuais. São Paulo: Ed. Perspectiva, 1991. pp. 50-51).
31
35
WATT, Ian. Mitos do Individualismo Moderno. (Fausto, Dom Quixote, Dom Juan, Robinson
Crusoe).Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997. pp. 176-253.
36
FERNANDES, Florestan. Fundamentos Empíricos da Explicação Sociológica. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1959; especialmente Parte I: “A Reconstrução da Realidade nas
Ciências Sociais”.
37
BERMAN, M. Tudo Que é Sólido Desmancha no Ar. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
p. 15.
38
DELUMEAU, Jean, p. 97.
39
COSTA, Hermisten Maia Pereira, p. 52.
40
Ibidem, p. 53. Cf. Lucien Febvre & Henry-Jean Martin. O Aparecimento do Livro. São Paulo:
Hucitec, 1992. pp. 273,374; Victor Straus. In: Encyclopaedia Britannica. Vol. 18, 1973, p. 542;
Hipólito Escolar. História del Livro. 2a edição corregida y ampliada. Salamanca/Madrid.
Fundación Germán Sánchez Ruipérez/Pirámide, 1988, p. 364; W. Stanford Reid. A Propagação
do Calvinismo no Século 16: In: W. S. Reid (org.). Calvino e Sua Influência no Mundo
Ocidental. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1990. p. 39; Jacques Verger. Homens e Saber
na Idade Média. São Paulo: Ed. Universidade do Sagrado Coração, 1999. p. 124.
32
Nascia nesse período uma nova cosmovisão, na qual o homem passava a ser
o centro das atenções intelectuais e artísticas. Segundo lemos na História das
Sociedades,
41
AQUINO, Rubim Santos Leão de et al. História das sociedades: das sociedades modernas às
sociedades atuais. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, (1989?). p. 78.
42
DUMONT, Louis. O individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna.
Rio de Janeiro: Rocco, 1985. p. 39.
43
BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade: para uma teoria geral da política. Rio de
Janeiro. Paz e Terra, 1985. p. 35: Ele afirma: “Desta acepção do Estado Nacional, porém, pode-se
também dar uma conotação axiologicamente negativa, desde que nos coloquemos do ponto de
vista do Estado e consideremos os fermentos de renovação de que é portadora a sociedade civil
como germes de desagregação.”
44
RUSSO, Jane A. Indivíduo e transcendência: algumas reflexões sobre as modernas religiões
do eu. Revista Paulista de Psicologia e Educação, v. 3, n. 1-2, pp. 9-33, 1997-b. p.19.
45
GOUVÊA, Ricardo Quadros, op. cit., p. 60.
46
Quando verificamos o dinamismo da modernidade, podemos sugerir a leitura da obra
Modernidade e Identidade, de Anthony Giddens. Ele fala sobre três elementos que explicam ou
marcam a modernidade. O primeiro ele chama de separação de tempo e espaço. O segundo
elemento ele chama de desencaixe das instituições sociais. Na verdade, trata-se de uma metáfora
para exprimir o movimento chamado de deslocamento. O último elemento é chamado por ele de
reflexidade, sendo uma das maiores influências sobre o dinamismo das instituições modernas - p.
21 passim - Cf. em As Conseqüências da Modernidade, do mesmo autor, p. 83 passim.
33
Esta nova ordem apresenta quatro dimensões que são consideradas aqui: a
dimensão sociocultural, a dimensão econômica, a dimensão antropológica e a
dimensão religiosa.
1.1.2
Dimensão Sociocultural
47
O primeiro, porém, a relacionar o termo ao cultivo de habilidades, qualidades e possibilidades
da alma humana é Cícero (Cf. CÍCERO. Tusculanae disputationes. p. 8, 11-13 passim).
48
SANTOS, José Luiz. O que é Cultura? São Paulo: Brasiliense, 1994. p. 43.
34
49
PAREDES, Juan Antonio, op. cit., p. 72.
50
O principal teórico culturalista, Clifford Gertz, afirma ser a cultura: “[...] um padrão de
significados transmitidos historicamente, incorporado em símbolos, um sistema de concepções
herdadas e expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens se comunicam,
perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida” (Cf. GEERTZ,
Clifford. A Interpretação das Culturas, 1989. p. 103).
51
PAREDES, Juan Antonio, op. cit., p. 73.
52
GS 53.
35
53
MONDIN, Batista. O Homem, quem é ele? Elementos de Antropologia filosófica. São Paulo:
Paulus, p.179.
54
NIEBUHR, H. R. Christ and Culture. Nova York, 1956. p. 33.
55
Ibidem, p. 33.
56
Podemos citar o H. R. Niebuhr como um dos defensores dessa posição.
36
57
Cf. MIRANDA, Mário França, op. cit., p. 11.
58
KUHN, Thomas. A revolução copernicana. Lisboa / Rio de Janeiro: Edições 70, 1990. pp. 21-
23.
37
1.1.3
Dimensão Econômica
59
LIBANIO, João Batista. A Religião no Inicio do Milênio. p. 123.
60
Ibidem.
61
BROWN, Colin. Filosofia & Fé Cristã. São Paulo. Ed. Vida Nova, 1999. p. 37.
62
ZAJDSZNAJDER, Luciano, op. cit., p. 32.
38
63
Apenas como exemplo, podemos citar o fordismo, quando Henri Ford percebe a necessidade do
mercado e passa produzir seus carros em escala de produção, em 1914, nos EUA, para atender a
um mercado consumidor. Nessa linha de pensamento a mídia de massa busca uma verdadeira e
profunda aliança com a indústria a fim de gerar nas pessoas a necessidade de consumir. Para maior
aprofundamento desta questão. (Cf. HARVEY, David, op. cit., p. 115 passim).
64
RUBIO, Garcia Afonsio, op. cit., p. 20.
65
Ibidem, op. cit., p. 160.
39
66
WEBER, Max. Economia y sociedad. México, Fondo de Cultura Económica, 1984. p. 306.
67
SUNG, Jung Mo, op. cit., p. 172.
68
Ibidem., p. 173.
69
Quanto à relação ética, produção e riqueza, cf. FONSECA, Eduardo Gianeti. Vícios Privados
Benefícios Públicos? A Ética na Riqueza das Nações. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
70
SUNG, Jung Mo, op. cit., p. 178.
40
1.1.4
Dimensão Antropológica
71
Na era moderna encontramos, segundo o filósofo Juvenal Arduini, fatores que colaboraram, de
alguma forma, para o antropocentrismo: “Descartes acentuou a autonomia racional ao instaurar o
‘Cogito’ como ponto de partida metodológico [...]; Kant instala o antropocentrismo
epistemológico, ao situar o homem como um constituinte do conhecimento. Nietzsche busca a
primazia da vida sobre a ‘moral’, e projeta a vontade de poder encarnada no super-homem [...];
Darwin formula a originalização autônoma do homem, através do evolucionismo proposto em
‘Origem das Espécies” [...]; Freud, Adler, Jung e outros patenteiam o imenso e intricado
dinamismo do inconsciente [...]. O marxismo suscitou a autonomia histórica do homem com o
significado transformador do trabalho [...], e para que o homem pudesse reapropriar-se de sua
essência, Marx reivindicou o cancelamento da religião que ele entendia como alienante e
espoliativa do ser humano. O existencialismo vinha desocultar e densificar as condições concretas
da existência do homem, situado no mundo entre os limites do tempo e a pulsão da liberdade [...];
o estruturalismo procurou apreender o movimento do homem dentro de um sistema de
representações, que o envolviam como estrutura consciente ou inconsciente, como mediação na
captura da realidade, a qual facilmente se dissolve na teia do discurso”. Cf. Juvenal Arduini.
Destinação Antropológica. São Paulo: Paulinas. 1989. pp. 10,11. Ver HOEKEMA, Anthony.
Criados à Imagem de Deus. São Paulo. Cultura Cristã. 1999, pp. 11-15. Nessas páginas
encontramos mais detalhes sobre as principais correntes filosóficas e religiosas que produzem
determinados conceitos antropológicos.
72
AGOSTINI, Frei Nilo. Ética Cristã e Desafios Atuais. São Paulo: Ed. Vozes, p. 97. A ética
heterônoma é aquela que afirma que a obrigação é imposta de fora (ETEROS), ela é extra-
indivíduo.
73
SEGUNDO, Juan Luis. El dogma que libera: fé, revelación y magisterio dogmático. Santander,
Sal Térrea, 1989. p. 295.
74
REVIËRE, Claude. Introdução à Antropologia. Lisboa: Edições 70, 2000. p. 13.
41
75
HELLER, Agnes. O homem do renascimento. Lisboa: Ed. Presença, 1982. p. 361.
76
LIPOVETSKY, G. A Era do Vazio: Ensaio sobre o Individualismo Contemporâneo, 1989.
pp. 9-10.
42
77
Ibidem., op. cit., p. 16.
78
O Iluminismo foi uma revolução intelectual que ocorreu na Europa nos séculos XVII e XVIII,
sendo também o apogeu dos ideais renascentistas difundidas no século XIV. Graças ao
Iluminismo, a religião e as ciências separaram-se, causando mudanças na maneira de pensar, agir e
encarar o mundo. A partir do Iluminismo, os homens tentaram encontrar explicações científicas,
para, por exemplo, os fenômenos da natureza, originando grandes avanços científicos.
79
BAUDELAIRE, C.. The Painter of Modern Life (In: SIEPIERSKI, P., op. cit., p. 145).
80
Kant: "O homem deve sair do estado de natureza, no qual cada um segue os caprichos da própria
fantasia, e unir-se com todos os demais [...] submetendo-se a uma constrição externa publicamente
legal [...]: vale dizer que cada um deve, antes de qualquer outra coisa, ingressar num estado civil, e
esta depende do homem usar a razão responsavelmente"[...].In: BOBBIO, Norberto, op. cit., pp.
45-6.
43
1.1.5
Dimensão Religiosa
81
Deísmo – Deísmo é o termo aplicado ao pensamento dos livres-pensadores ingleses dos séculos
XVII e XVIII que procuraram compatibilizar a crença em Deus e o Racionalismo do Iluminismo.
O deísmo nega ou a possibilidade ou o fato de qualquer revelação supernatural, e mantém que a
razão é tanto a fonte quanto à base de todo conhecimento e convicção religiosos. In HODGE,
Charles. Teologia Sistemática, op. cit., p. 26.
44
82
ZAJDSZNAJDER, Luciano, op. cit., 2002, p. 25.
83
SUNG, Mo Jung, op. cit., p. 166.
84
Ibidem, pp. 167-168.
85
HERRERO, X. Filosofia da religião e crise da fé. In Síntese Nova Fase 13, 1985. pp. 13-39.
86
Id., Desafios da Pós-Modernidade à Teologia Fundamental, In: (TRASFERETTI, José &
GONÇALVES, Paulo S. L. (org.), Teologia na Pós-Modernidade), p.165.
45
Diante disso, a religião não é mais determinante e não pode mais ser
imposta, mas “tem que ser posta no mercado”91, ficando os conteúdos religiosos
constantemente sujeitos à “moda” do dia. Dada as muitas faces da secularização, a
influência secularizadora das camadas sociais será variada de acordo com o
consumo de bens religiosos. No entanto, na medida em que a secularização é uma
tendência global, os conteúdos religiosos tendem, de um modo geral, a se
modificar numa direção secularizante.
87
AMORESE, Rubem Martins. ICABODE: Da Mente de Cristo à Consciência Moderna, p. 48.
88
VALADIER, Paul. Catolicismo e Sociedade Moderna. São Paulo: Loyola, p. 64.
89
LIBANIO, João Batista, op. cit., p. 29.
90
BERGER, Peter. O Dossel Sagrado. São Paulo: Ed. Vozes. 1985, pp. 146-147.
91
Ibidem, p. 156.
46
92
RIBEIRO, Cláudio de Oliveira. A Provisoriedade da Igreja. Uma contribuição da
Eclesiologia de Karl Barth ao protestantismo Brasileiro. Dissertação apresentada ao
Departamento de Teologia da PUC-Rio, em maio de 1994, pp. 136-137.
93
AGRESTE, Ricardo. Cultura Contemporânea, op. cit., p. 5.
47
1.2
O Fenômeno da Pós-Modernidade
94
FRIDMAN, Luis Carlos. Vertigens Pós-Modernas. Configurações Institucionais
Contemporâneas. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000. p. 09.
95
Por exemplo, no período do capitalismo liberal, houve um desenvolvimento sem precedentes do
princípio do mercado, atrofiando o princípio da comunidade e pressionando o estado a uma
resignificação de seu papel.
96
ANDERSON, Perry. As Origens da Pós-Modernidade. Trad. Marcus Penchel. Rio: Zahar,
1999. pp. 9-10. Ver também: SANTOS, Jair Ferreira dos. O que é pós-moderno. São Paulo: Ed.
Brasiliense, 2004. p. 21.
48
Como fenômeno urbano, uma vez que a maioria da população mundial vive
nos grandes centros urbanos, a pós-modernidade é controlada pelas grandes
metrópolis industriais, tendo a mídia como seu maior e mais eficaz instrumento de
comunicação de manipulação, gerando, conseqüentemente, uma sociedade
altamente consumidora, sobretudo de imagens. Nas palavras de Zygmunt
Bauman, vivemos a “modernidade líquida”.97
Tal como na modernidade, nossa intenção inicial é procurar uma definição
da pós-modernidade, promovendo um exercício descritivo, fenomenológico, sobre
alguns paradigmas desse tempo, de igual forma focando as perspectivas
sociocultural, econômica, antropológica e religiosa.
Veremos, então, que em cada uma dessas perspectivas, há profundas e
relevantes implicações que, de alguma forma, incidem diretamente sobre a
teologia e o modus vivendi da Fé Cristã, proporcionando alterações não apenas na
cosmovisão teológica, mas alterando sua hermenêutica e, conseqüentemente, sua
práxis, de tal maneira que tais paradigmas alteraram e alteram a experiência cristã,
muitas vezes em suas bases.98
1.2.1
Uma Definição da Pós-modernidade
97
Ver algumas boas obras sobre o tema da pós-modernidade: Zygmunt Bauman. Modernidade
Líquida, e também Cf. Amor Líquido. Sobre a fragilidade dos laços humanos. Rio de Janeiro:
Ed. Zahar, 2004. Cf. Comunidade. A busca por segurança no mundo atual. Rio de Janeiro: Ed.
Zahar, 2003. Cf. O Mal-estar da Pós-modernidade. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1998.
98
Ao contrário das concepções religiosas da comunidade em sua práxis, a realidade é
compreendida na pós-modernidade de forma inerentemente complexa, visto que em qualquer
teoria elaborada para entender a sociedade é apenas uma visão entre inúmeras outras possíveis,
sendo que todas estarão sempre submetidas ao improvável, ao imprevisível, pois como ensinava o
filósofo alemão Karl Jaspers, “tudo é transitório, só este é permanente” (In: JASPERS, Karl.
Introdução ao Pensamento Filosófico. São Paulo: Cultrix, 1971).
99
HABERMAS, Jürgen. O Discurso Filosófico da Modernidade.
100
Os “portadores” são a “fluidez, heterogeneidade, personalidade e fugacidade das construções
simbólicas e das identidades individuais e simbólicas” (DOMINGUES, José Maurício. Sociologia
e Modernidade: para entender a sociedade contemporânea, p. 21), elementos que favoreceram
a implantação cultural do pensamento pós-kantiano.
49
101
Segundo Giddens, a tradição consiste numa criação da modernidade (In: GIDDENS, Anthony.
Mundo em Descontrole: o que a globalização está fazendo de nós, 2003. p. 50. Esta concepção
cedeu lugar a um “sujeito fragmentado”, em que a tradição não faz mais parte de suas principais
preocupações. (In: HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro:
DP & A Editora, 2004. p. 47.
102
Afirma ZAJDSNAJDER: “Os argumentos e as operações da Desconstrução foram postos frente
a pretensões discurtivas. Afirmo, porém, que a desconstrução é um pensar-agir. Portanto, ocorre
uma desconstrução de natureza prática, institucional – aqueles em que a vida se dá no mundo
moderno: o indivíduo, a família, as organizações de negócios e do ócio, e o público comum.” (In:
Ibid., p. 43 passim).
103
GOUVÊA, Ricardo Quadros, op. cit., p. 62.
104
FOUCAULT, Michel. As Palavras e as Coisas. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 378.
105
SALINAS, Daniel & ESCOBAR, Samuel. Pós-modernidade. Novos desafios à fé cristã.
1999, p.24.
50
106
LYOTARD, Jean-François. A Condição Pós-Moderna. Rio de Janeiro: José Olympio Editora.
2004, p. 16.
107
“Por ora, contentemo-nos com saber que o pós contém um des – um princípio esvaziador
diluidor. O pos-modernismo desenche, desfaz princípios, regras, valores, práticas, realidades.” (In:
SANTOS, Jair Ferreira, op. cit., p. 18).
108
FRIDMAN, Luis Carlos, op. cit., p. 43.
51
1.2.2
Dimensão Sociocultural
109
A obra de Kant pode ser pesquisada nas referências: a) KANT, Immanuel. Critique of Pure
Reason. Garden City: Doubleday, 1966. b) KANT, Immanuel. Crítica de la Razon Pura. Buenos
Aires: Losada, 1966. Disponível em: <http://www.arts.cuhk.edu.hk/Philosophy/Kant/cpr/00toc.htm#cpr-
toc-A>.
110
GOUVÊA, Ricardo Quadros, op. cit., p. 61.
111
KANT, Immanuel, loc. cit.
112
CÉSAR, Clinton Lenz, op. cit., p. 21.
113
SANTOS, Jair Ferreira, op. cit., p. 8.
114
Pensam assim: GRENZ, Stanley. Pós-MODERNISMO: um guia para entender a filosofia do
nosso tempo, 1997. Capítulo VI; SALINAS, Daniel & ESCOBAR, Samuel, op. cit., Capítulo II; e
VEITH JR, Gene Edward, op. cit., p. 7.
52
115
PUDDEFOOT, J. God and The Mind Machine. Computers, Artificial Intelligence and the
Human Soul. Londres: SPCK, 1996.
116
Ibidem, p. 27.
117
LYOTARD, Jean-François, op. cit., p. 15 passim. O autor trabalha a idéia de jogos de
linguagem como metodologia de aferição da verdade.
53
118
LIPOVETSKY, op. cit., p. 11. Creio que para ulteriores consultas, podemos citar aqui mais
algumas obras importantes sobre a pós-modernidade, sobretudo, com destaque para uma de maiores
marcas, a pluralização: LIBÂNIO, João Batista, (In: CALIMAN, Cleto. A Sedução do Sagrado: o
fenômeno religioso na virada do milênio), p. 63. Cf. COMBLIN, José. O Cristianismo no limiar
do terceiro século (In: Ibidem, p. 148. AZEVEDO, Marcello S.J. Entroncamentos e
Entrechoques. Vivendo a Fé em um Mundo Plural, 1991. p. 115 passim. CAPRA, Fritjof. O
Ponto de Mutação. A Ciência, a Sociedade e a Cultura Emergente. São Paulo: Ed. Cultrix. Em todo
o livro o autor procura mostrar, de forma lúcida e extraordinariamente competente, a questão das
mudanças de paradigmas que foram ocorrendo ao longo dos séculos, razão pela qual temos hoje
uma nova visão de mundo. LËVY, Pierre. O Que é Virtual?. São Paulo: Editora 34, 1996, pp. 54-
55. SANTAELLA, Lucia. Corpo e Comunicação: sintomas da cultura, 2004, p. 63. Id., Os Tempos
Hipermodernos. São Paulo: Barcarolla. 2004, p. 19. KUMAR, Krishan. Da Sociedade Pós-
Industrial à Pós-Moderna: Novas Teorias Sobre o Mundo Contemporâneo. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor. 1997, p. 90. Id., Mundo em descontrole: o que a globalização está fazendo de nós,
2003. p. 50.
54
1.2.3
Dimensão Econômica
119
GONDIM, Ricardo. Fim de Milênio: Os Perigos e Desafios da Pós-modernidade na Igreja, op. cit.,
p. 23. Ver também: PARSONS, Talcot. O Sistema da Sociedade Moderna. São Paulo: Pioneira,
1974. Capítulo VI.
120
FRIDMAN, Luis Carlos, p. 19.
55
121
Ibidem, p. 20.
122
Ibidem, p. 30.
123
Cf. DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto. 1997, p. 23.
124
Ibidem, p. 24.
125
HINKELAMMERT, F. Sacrificios humanos y sociedad occidental: Lucifer y la Bestia, San
José (Costa Rica): DEI, 1991. p.34.
56
126
A Revista Internacional de Teologia Concilium publicou um número dedicado a este tema: Fora
do mercado não há salvação?, Petrópolis: Vozes, n.270, 1997/2.
127
FRIDMAN, Milton, op. cit., p.27.
128
Id., Deus numa economia sem coração, p. 58. O autor afirma que, na verdade, os especialistas
neoliberais não estão fazendo economia, quando falam de fé no mercado, mas sim teologia.
129
Ibidem, p. 62.
57
1.2.4
Dimensão Antropológica
130
Ibidem.
131
DUSSEL, Enrique. Para uma ética da libertação latino-americana, vol. V (Uma filosofia da
religião antifetichista). São Paulo: Loyola-Unimep, 1981. p. 54.
132
ZAJDSZNAJDER, Luciano, op. cit., p. 38.
58
133
THOMÉ, Nilson. Considerações sobre modernidade, pós-modernidade e globalização nos
fundamentos históricos da educação no contestado. O autor é professor de História de Santa
Catarina e de História do Contestado na Universidade do Contestado, de Caçador (SC). Técnico
em Magistério, Licenciado em História, Especialista em História do Brasil, Mestre em Educação, e
Doutorando em Educação (História, Filosofia e Educação) na FE/Unicamp. Historiador e Diretor
do Museu Histórico e Antropológico da Região do Contestado, de Caçador (SC).
134
COSTA, Hermisten Maia Pereira, op. cit., pp. 68,69.
135
Ethos – Em grego, significa a toca do animal ou a casa humana; conjunto de princípios que
regem, transculturalmente, o comportamento humano para que seja realmente humano no sentido
de ser consciente, livre e responsável; o ethos constrói pessoal e socialmente o habitat humano. In:
BOFF, Leonardo. Saber Cuidar. Ética do humano – compaixão pela terra. p.195.
136
AGOSTINI, Nilo, op. cit., p. 20.
59
137
Cf. RUBIO, Garcia Afonsio, op. cit., Sobre o pensamento “débil”, cf. G. Vattimo – P. A.
Rovatti (org.), El pensiero debole. Milão: Feltrinelli, 1992.
138
SANTAELLA, Lucia. Corpo e Comunicação. Sintoma da cultura. São Paulo, Paulus. 2004,
pp. 125-126.
139
SANT’ANNA, Dense Bernuzzi. Corpos de passagem. Ensayos sobre a subjetividade
contemporânea. São Paulo: Estação Liberdade, 2001. pp. 66-70.
60
1.2.5
Dimensão Religiosa
140
SALINAS, Daniel & ESCOBAR, Samuel, op. cit. p. 31.
141
ALEXANDER, John F. The Secular Squeeze, p. 163.
142
MIDDLETON, J. R. & WALSH, B. J. Truth is Stranger Than It Used to Be, p. 76.
61
143
QUEIRUGA, Andrés Torres, op. cit., p. 51.
144
SEGUNDO, Juan Luis, op. cit., (Cf. na Ed. Espanhola: pp. 134, 176, 210, 242, 347, 373 e 375).
145
QUEIRUGA, Andrés Torres, op. cit. p. 51.
146
Ibidem, p. 62.
147
Ibidem, p. 62.
62
148
Grifo nosso, acrescendo a Igreja Protestante, pois concordo com o autor.
149
Ibidem, pp. 58,59.
150
LIBANIO, João Batista. As Lógicas da Cidade. O impacto sobre a fé e sob o impacto da fé,
p. 32.
151
FERNANDES, Ruben César. Os Vários Sistemas Religiosos em Face do Impacto da
Modernidade. Maria Clara L. Bingemer (Org.). O Impacto da Modernidade sobre a Religião.
São Paulo: Ed. Loyola., pp. 253-272. (Todo o artigo trata dessa questão).
63
152
Este conceito é puramente baseado na Teologia da Prosperidade, corrente teológica que
preconiza que, pela morte de Jesus Cristo, todo crente tem o direito de reivindicar e tomar posse de
toda sorte de bênçãos, não podendo aceitar nenhum tipo de enfermidade; a prosperidade material é
o fundamento dessa teologia. Citamos, a título de informação, alguns teólogos protestantes que
têm abordado o assunto: Ricardo Gondim. O Evangelho da Nova Era. São Paulo: Abba. 1993.
Alen B. Pieratt. O Evangelho da Prosperidade: Análise e Resposta. São Paulo: Vida Nova. 1993.
Paulo Romeiro. Super Crentes. O Evangelho segundo Kenneth Hagin. Valnice Milhomens e
os Profetas da Prosperidade. Kenneth Hagin é americano e é o precursor de tal vertente
teológica, com farta literatura sobre o assunto.
153
STOTT, John R.W. O Cristão em uma Sociedade não Cristã. Rio de Janeiro: Ed. VINDE,
pp. 71-74.
154
SOLONCA, Paulo. Inovando uma Igreja Tradicional. J. Scott Horrece (Editor), p. 119
passim.
64
155
Ibidem, In: CALIMAN Cleto (org.). A Sedução do Sagrado. O Fenômeno Religioso na
Virada do Milênio, p. 56.
156
MIRANDA, Mário de França. A Salvação Cristã na Modernidade. Maria Clara L. Bingemer
(Org.). O Impacto da Modernidade sobre a Religião. São Paulo: Ed. Loyola. 1992. Cf.
HARMS-WIEBE, Raymond Peter. Estrutura Criativa no contexto Metropolitano: Passos de
um Processo de Transformação. J. Scott Horrell (Editor). São Paulo: Ed. Vida Nova, p. 29 passim.
157
CARVALHO, José Jorge. Características do Fenômeno Religioso na Sociedade
Contemporânea. Maria Clara L. Bingemer (Org.). O Impacto da Modernidade sobre a
Religião. São Paulo: Ed. Loyola, p. 133 passim.
65
158
ANTONIAZZI, Alberto. O Sagrado e as Religiões no limiar do Terceiro Milênio. In:
CALIMAN, Cleto (org.). A Sedução do Sagrado. O Fenômeno Religioso na Virada do
Milênio. pp. 11-12.
159
BINGEMER, Maria Clara L. A Sedução do Sagrado. In: CALIMAN Cleto (org.). A Sedução
do Sagrado. O Fenômeno Religioso na Virada do Milênio, p. 79.
66
1.3
Pluralismo Religioso e Questões Crísticas
160
HORKHEIMER, M. La Crítica de La Razón Instrumental. Buenos Aires, SUR, 1973. p. 144.
161
LIBÂNIO, João Batista. Desafios da Pós-Modernidade à Teologia Fundamental: In:
TRASFERETTI, José & GONÇALVES, Paulo S. L. (org.). Teologia na Pós-Modernidade, p.
165.
162
KÜNG, Hans. Teología para la potmodernidad, p. 162.
67
163
CASSIRER, Ernst (1972). Linguagem e Mito, 1998. p. 52.
164
Cf. LATOUCHE, S. En finir, une fois pour toutes, avec le développement, Le Monde
Diplomatique, 2001.
165
LACEY, H. Valores e atividade científica. São Paulo: Discurso Editorial. 1998, p. 32.
166
MIRANDA, Mário de França, op. cit., pp. 12,38. ROTA, G. Unicitá di Gesú Cristo e pluralità
delle religioni: per una teologia cristiana delle eligioni. Teologia 20 (2001), pp. 256-275. Para
compreender melhor o problema do pluralismo religioso e suas causas, cf. pp. 258-261. Cf.
EICHER, P. Pluralismo. In: Dicionários de Conceptos Teológicos. Vol. II. Barcelona: Herder,
1990, p. 237 passim; Cf. Também LIBÂNIO, J. B. As Lógicas da cidade. 2001, p. 113 passim.
Encontramos, nesses autores, uma compreensão clara do fenômeno da pluralidade.
167
MOTA, R. M. C. Notas para a leitura de A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo.
Recife: Pimes Comunicações, nº 10, Universidade Federal de Pernambuco, 1975. p. 89.
168
GEFFRÉ, Claude. "Le pluralisme religieux et I' indifférentisme, ou le vrai défi de la théologie
chrétienne", Revue théologique de Louvain 31 (2000) 5.
169
O teólogo Marcelo Azevedo faz uma distinção entre pluralidade e pluralismo, afirmando:
“Pluralidade e pluralismo não são a mesma coisa. A primeira é da ordem factual e, portanto, da
constatação estática. O segundo é da ordem epistemológica e axiológica, portanto, do modo de ver
a realidade dos fatos e de aquilatar a projeção e o alcance dessa percepção dinâmica na própria
realidade plural”. AZEVEDO, Marcelo. Prólogo de TEIXEIRA, F. Diálogo de Pássaros, p. 11.
Cf. Id., Verdade cristã e pluralismo religioso. Rio de Janeiro: 2003, pp. 1,2.
68
170
BERMAN, Morris. El Reencantamiento del Mundo. Santiago. Cuatro Vientos, 1987, p. 41.
171
MIRANDA, Mário de França, op. cit p. 106. Não podemos deixar de falar que, mesmo com
todo esse pragmatismo pós-moderno, o sentimental, o afetivo, têm predominado em nossa cultura.
Agora é: “sinto, logo existo”.
172
IANNI, Octávio. Teorias da Globalização. Rio de Janeiro. Civilização Brasileira, 1999, p. 86.
173
BOUBLIK, V. Teologia delle religione. Roma: Studium, 1973, p. 41. Citado por DUPUIS.
Rumo a uma teologia, p. 17. Cf. CANTONE, C. Religião. In: LATOURELLE, R. e
FISICHELLA, R. (ed.) Dizionário di teologia Fondamentale, 1990, p. 919 passim.
174
D’COSTA, G. Theology of Religions Pluralism: The Challenge of Other Religions. Oxford,
basil Blackwell, 1986, p. 4.
69
1.3.1
Paradigmas Teológicos Diante do Diálogo Inter-Religioso como Pano
de Fundo à Questão Crística
175
ANDREATTA, Cleusa Maria. Experiência salvífica cristã e pluralismo religioso em E.
Schillebeeckx. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro. PUC-Rio. 2003, p. 25.
176
DUPUIS, J., op. cit., p. 484.
177
É no documento Lumen Gentium (número 16-17) que o Concílio mais desenvolve a questão
das relações religiosas. Também no Decreto Ad Gentes (número 3, 9, 11) e ainda na Declaração
Nostra Aeate. Temos também a Constituição Dei Verbum, com uma concepção mais ampla de
revelação; e, finalmente, a Declaração Dignitatis Humanae, que aborda sobre a liberdade religiosa.
Reconhecemos a existência de uma farta bibliografia que trata da relação do cristianismo com as
religiões não cristãs antes do teólogo K. Rahner e do Concílio em questão. Apenas para citar dois
exemplos de como a questão do DIR já tinha uma ampla sistematização teológica antes de Rahner
e o Vat II, fazemos referência a Ernst Troelstsch e Arnold Toynbee. O primeiro, considerado o pai
do relativismo histórico, defende que nenhuma manifestação histórica é absoluta; e isto inclui a
religião como instância histórica. Esta afirmação de Troelstsch deve ser lida dentro do contexto da
reformulação do seu pensamento. Anteriormente a esta reformulação, ele afirmara a normatividade
salvífica do cristianismo, repensa e constata que nenhuma religião pode arrogar para si o status de
melhor que outra. Cf. E. TROESLSTSCH, Gesamanelte Werke, Tübingen, vol. 2, 1923; Die
Absolutheit des Christentums und die Religionsgeschichte, Tübingen, 1929; M. PYE, Ernst
Troesltsch and the End of the problem about Otherr Religions, in: J.P. Clayton (edt.), Ernst
Troelstsch and the future of Theology. Cambridge: University Press, 1976, pp. 172-195. Dentro
de uma perspectiva mais histórica, Arnold Toynbeen, historiador inglês, defende a construção de
uma religião unitária, pois, na sua percepção, a única maneira de salvar o mundo de sua
autodestruição seria as religiões abandonarem sua vivência autocentrada e se abrirem umas para as
outras. Cf. A. TOYNBEE. A study of history. N. York: Oxford University, vol. 7, 1954. An
historian's Approach to religion. N. York: Oxford University press, 1956; What Should be the
christian approach to the contemporary Non-christian Faiths?: In: Christianity among the
religions of the world., N. York, Scribner's, 1957, pp. 83-112.
70
178
PEDREIRA, Eduardo Rosa. A Questão do Diálogo Inter-Religioso. Dissertação. Rio de
Janeiro. PUC-Rio. 1994, p. 35. Cf. com sua nota de rodapé 70, que diz: Uma grande maioria de
teólogos vai concordar que a percepção rahneriana de um cristianismo de índole anônima de fato
abre as janelas do pensar católico para a entrada de novos ares. No entanto, desde os primeiros
momentos de sua formulação até épocas mais recentes, a tese de Rahner tem sido criticada e até
mesmo rejeitada com certa veemência. As críticas a esta tese rahneriana vão desde a clássica
discussão entre Rahner e Van Baltassar, discussão esta muito bem analisada por G. VANS, The
Faith needs for salvation. In: Talking with unbelievers, pp. 41-46, até observações mais recentes,
como a de Hans Küng, que fala desta tese como sendo um meio de "conquista pelo abraço", H.
KÜNG. Para uma teologia ecumênica das religiões, In: Cocilium 208 (1),1996, p. 125. É digna
de nota, ainda, a crítica levantada pelo cardeal Joseph Ratzinger de que a tese do cristianismo
anônimo, que influenciou decisivamente o otimismo salvífico do Vat II, além de provocar um
enfraquecimento no impulso missionário da igreja, seria um atalho cômodo e confortável para os
que não querem assumir a responsabilidade da explicitar o ser cristão. Cf. J. RATZINGER. O
Novo Povo De Deus. op. cit. p. 324; Rapporto sulla Fede, Roma, Poline, 1985, p. 25 passim. Ao
que Rahner responde com igual veemência: "Seria estúpido pensar que a expressão cristianismo
anônimo esvazia a importância das missões, da proclamação da palavra Divina, do batismo. Quem
quer interpretar assim nossa advertência, não somente a tem mal interpretado na sua totalidade,
como nem sequer leu sua explicação com suficiente atenção." Cf. K. RAHNER. Los cristianios
anonimos, In: Escritos Teologicos. op. cit., p. 542.
179
MIRANDA, Mário de França, op. cit., p. 13. Para uma apreciação da doutrina do Concílio
sobre as religiões não-cristãs. Cf. DUPUIS, op. cit. p. 232 passim. Cf. GEFFRÉ, C. Le pluralieme
religieux e l’indiferentisme. In: Revue Théologique de Louvais 31 (2000), p. 15.
71
180
HODGE, Archibald Alexander. Esboços de Teologia. São Paulo. PES. 2001, pp. 525-530.
181
NOLL, Mark A. Momentos Decisivos na História do Cristianismo. São Paulo: Ed. Cultura
Cristã. 2000, pp. 51-64. O autor trata com muita propriedade a formulação do dogma cristológico.
182
BRAATEN Carl E. & JENSON, Robert W. Dogmática Cristã. Vol. I. São Leopoldo-RS.
1990, p. 512. Ele afirma categoricamente que a encarnação foi um acontecimento real da história.
O dogma da encarnação não foi um mito. Cf. GREEN, Michael. The Truth of God Incarnate,
Grand Rapids, Wm. B. Eerdmans, 1997, sendo uma reação clara e rápida a John Hick. The Myth
of God Incarnate. Philadelphia: Westminster, 1997.
183
Não há como negar que todos os credos têm inicio com uma declaração de fé: “Creio em Deus
[...]”. Significa afirmar que “Deus é”. Cf. GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática, 2000, p. 165
passim, incluindo uma boa bibliografia sobre o tema. Segundo Jurgen Werbick, “Na doutrina da
Trindade, se tematiza a economia salvífica como auto-revelação de Deus, tematiza-se como Deus é
quando Ele se revela como ele mesmo e se comunica a si mesmo no Filho – em sua vida em favor
dos seres humanos e em sua relação com o Pai – através do Espírito – no crente e na comunidade”.
In.: SCHNEIDER, Theodor (org.). Manual de Dogmática. Vol. II, 2002, p. 430.
72
1.3.2
O Paradigma Exclusivista
184
KNITTER, P., op. cit., p. 121.
185
AMALADOSS, M. The Pluralism of Religions and the Significance of Christ (O pluralismo
religioso e o significado de Cristo. pp. 402,403. Cf. DUPUIS, Jacques. O Cristianismo e as
religiões. Do desencontro ao encontro, 2004, p. 19 passim.
73
O resultado foi, nas palavras de Dupuis, “uma avaliação negativa das outras
religiões”.186 A Igreja assumiu a posição de único recipitáculo ou “arca da
salvação”.187 Tal Igreja prevaleceu desde o século V até o século XVI, afirmando
o exclusivismo eclesiológico.
Mario de França Miranda, teólogo especialista no debate do diálogo inter-
religioso, o que inclui a questão cristológica e soteriológica, afirma que “falar da
salvação cristã é uma tarefa complexa e difícil, pois essa realidade implica a
pessoa mesma de Deus, como seu realizador e seu conteúdo fundamental”.188
Esta percepção teológica, no mundo católico, prevaleceu até o presente
século, quando Rahner e o Vaticano II trouxeram uma postura efetivamente mais
inclusivista. Tal posição afirma, em outras palavras, que ninguém será salvo, a
não ser que confesse fé explícita em Jesus Cristo como Senhor e Salvador e que as
outras religiões não possuem poder de mediação salvífica. Além do que, é preciso
pertencer à Igreja.189 Há claramente uma perspectiva reducionista que subjaz a
todo este pensamento e atitude exclusivistas. Por outro lado, o seu pressuposto
teológico é que o exclusivismo traz, como seus fundamentos teológicos, um
universo eclesiocêntrico e uma cristologia exclusivista. Tal posição não tem sido
mais aceita no meio teológico católico.190
186
DUPUIS, Jacques, op. cit., p. 23.
187
DUQUOC, C. O Cristianismo e a pretensão à universalidade, Concilium 155 (5), 1980, pp.
52-79.
188
MIRANDA, Mario de França, op. cit p. 15.
189
Para quem desejar um estudo mais detalhado sobre a história do surgimento e desenvolvimento
deste axioma veja-se DUPUIS, op. cit. pp. 123-155.
190
Cf. MIRANDA, Mário de França, op. cit., p. 157. TEIXEIRA, F. Teologia das Religiões, pp.
39,40; DUPUIS, op. cit. pp. 179-181. No entanto, mesmo com toda rejeição por parte do
Magistério e da teologia mais atual, não podemos deixar de dizer que tal paradigma ainda encontra
eco em alguns setores teológicos, seja católico ou protestante. Cf. DUPUIS, op. cit. p. 159.
74
1.3.3
O Paradigma Inclusivista
Segundo Hans Küng, Cristo não é a causa constitutiva da salvação. Por esta
razão, as outras religiões podem ser consideradas caminhos independentes de
salvação.193 Hans Küng não aceita a tese de Rahner, que é o fundamento do
paradigma inclusivista, mas mesmo assim não rompe totalmente com tal
modelo.194 O inclusivismo de Rahner e do Vaticano II só admitiam a possibilidade
de salvação fora da Igreja e do cristianismo se tal salvação fosse a de Cristo: "A
salvação querida por Deus é salvação de Cristo".195
191
AMALADOSS, M. op cit. pp. 402,403.
192
PEDREIRA, E. Rosa. DIR – Diálogo Inter Religioso, op. cit., pp. 87-90.
193
KÜNG, Hans. Christianity and World Religions: Dialogue with Islam, in: L. SWIDLLER.
(edts) Toward a universal theology of religion. pp. 231-249.
194
Para uma melhor análise desta posição, cf. H. KÜNG, Christianity and World Religions:
Dialogue with Islam, In: L. SWIDLLER (edts) Toward a universal theology of religion, op. cit.
pp. 231-249; Ser cristão. op. cit., pp. 72-95, Para uma teologia ecumênica das religiões, In:
Concilium 203 (1), 1986, pp. 124-131; P. KNITTER, No other name, op. cit. pp. 130-135.
195
KNITTER, Paul, op. cit., p. 131.
75
196
KÚNG, Hans, op. cit., p. 103.
197
Ibidem, p. 79.
198
STEIL, C. A. O diálogo inter-religioso numa perspectiva antropológica, In:
F.C.L.TEIXEIRA, O Diálogo, op. cit., p. 27.
76
Ora, por mais que este paradigma traga aspectos extremamente positivos e
libertadores nas relações religiosas, não podemos esquecer que o cristocentrismo
sustenta o caráter absoluto de Jesus Cristo, tornando-se ao cristianismo um
obstáculo às relações inter-religiosas.
1.3.4
O Paradigma Pluralista
199
MIRANDA, Mário de França. O encontro das religiões, op. cit., p. 20.
200
Ibidem, p. 15.
77
Com este pressuposto, o pluralismo cruza uma linha até então não
ultrapassada por nenhum modelo anterior aqui analisado. Deus, e não Jesus, seria,
na percepção pluralista, o meio e o fim da salvação. Jesus continua sendo o
caminho salvífico para os cristãos, mas não pode ser para os não cristãos que
encontram, nas suas próprias tradições religiosas, a mediação salvífica. Assim, o
cristão pode dizer que Jesus é o Cristo, mas não pode mais afirmar que o Cristo é
só Jesus.201
Em outras palavras, dentro do paradigma pluralista fala-se em cristologia
não-normativa, ou seja, Jesus só é norma para os cristãos. O pressuposto teológico
deste paradigma vai aderir a uma nova e radical visão das religiões não cristãs, ou
seja, elas passam a alcançar não legitimidade salvífica, mas autonomia, tornando
assim caminhos autênticos e independentes de salvação, sem necessitar de
mediação ou referência cristã.202
Diz Michael Amaladoss que o pluralismo produziu uma "revolução
Copérnica na teologia",203 na qual o centro em volta do qual giram todas as
religiões seja deslocado de Jesus para Deus e para a salvação. Tal perspectiva
desenvolve uma posição de igualdade ou equiparação, onde toda verdade deixa de
ser monopólio de uma única religião, para se tornar bem comum de todas as
religiões que contribuem para salvação e para a promoção do Reino de Deus.204
Segundo Amaladoss, tal posição não leva as religiões a sério.205
201
Esta é a linha particularmente desenvolvida por R. Pannikar, que se serve da antiga cristologia
do Logos, na qual se insiste na distinção do Cristo universal (Logos) e o Jesus histórico. Cf. R.
PANNIKAR, The Unknow Christ of Hiduism. Maryknoll, NY: Orbis Book, 1981.
202
Podemos afirmar que o paradigma pluralista possui várias perspectivas teocentristas, ou seja,
temos o teocentrismo chamado normativo e o teocentrismo chamado não normativo. O
teocentrismo normativo está aberta para reconhecer outras mediações salvíficas, mas argumenta
que Jesus Cristo é aquele que melhor revela a ação salvífica de Deus na história. No entanto, há
mais uma rachadura na doutrina cristológica, pois Cristo não é mais agente constitutivo da
salvação, o que significa dizer, em outras palavras, que o ser humano não ficaria sem salvação,
apenas sem sua revelação mais profunda. Já o teocentrismo não normativo significa afirmar que
Jesus Cristo não tem nem valor normativo e, muito menos, constitutivo para a ação salvífica.
Dentro dessa linha de pensamento teológico temos John Hick, seu maior expoente. Cf. HICK,
John. A metáfora do Deus encarnado. Petrópolis: Ed. Vozes, 2000; Problems of Religions
Pluralism. London: Macmillan, 1985; An Interpretation of Religion: Human Responses to the
Transcendent. London: Macmilliam, 1989. Para que deseja uma reflexão crítica sobre a posição de
Hick, cf. DUPUIS, op. cit. pp. 261-263; D’COSTA, G. Taking other religions seriously: some
ironies in the current debate on a christian theology of religions. The Thomist 54 (1990), pp. 519-
529. Ainda podemos citar KNITTER, P. No Other Name? A critical Survey of Christian Attitudes
toward the Worlds Religions. New York, 1985.
203
AMALADOS, M. S.J., Faith Meets Faith, Vidajyot. 1985, p. 109.
204
PEDREIRA, Eduardo Rosa, op. cit., pp. 91-95.
205
Ibidem, p. 404.
78
206
MIRANDA, Mário de França, op. cit., (59): 1991. pp. 215.
207
Ibidem, pp. 207-210.
208
M. AMALADOSS, The Pluralism of Religions and the Significance of Christi, In: Vidyajyoti
Journal of Theological Reflexion, 8 (1989), p. 409.
209
Cf. L. cit.
210
CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II, Constituição Dogmática “Lumen Gentium”, In:
Sacrossanto Ecumênico Concílio Vaticano II, Petrópolis, 1987, n. 9.
211
SCHILLEBEECKX, Edward. Universalité unique d’une figure religieuse historique, Laval
Théologique et Philosophique, 50 (1994), pp. 266-267.
79
212
SCHILLEBEECKX, Edward. Cristo Sacramento do encontro com Deus. Petrópolis, 1968, p.
59.
213
Id., História Humana: Revelação de Deus. São Paulo: Paulus. 1994, p. 213.
214
Cf. RATIZINGER, J. Kommentar zu den “Bekanntmachungen” en Lexikon für Theologie und
Kirche – Das Zweite Vatikanische Konzil, Freburg 1966, tomo I, p. 355-356. Ver também:
RATZINGER, J. A colegialidade dos bispos. Desenvolvimento teológico, In: G. BARAÚNA
(ed), A Igreja do Concílio Vaticano II. Petrópolis: Vozes, 1965. pp. 763-788.
215
MIRANDA, Mário de França. op. cit. p. 128.
80
1.4
Implicações Teológicas e Exigências Éticas
216
CONGAR, Yves. Église et Papauté. Paris: Ed. du Cerf, 1994. pp. 21-22.
217
MIRANDA, Mário França, op. cit., pp.106-107.
218
Cf. Pontifício Conselho para o Diálogo Inter-Religioso – CNBB, Diálogo e Anúncio,
Petrópolis, 1991, n. 38.
219
Cf. Diálogo e Anúncio, nº 10.
220
Vários autores procuram respostas a essas perguntas e conseqüentemente encontramos variadas
posições acerca do tema. Há autores que situam a problemática na impossibilidade de se falar de
Deus, pois Deus é transcendente e impossível ao homem; há autores que dizem que só o
cristianismo pode falar algo; há autores que afirmam que todas as religiões são caminhos legítimos
para chegar a Deus, todas salvam; há autores que acham que as outras religiões são caminhos até
chegar ao cristianismo, logo que tenham chegado ali não servem para mais nada; e há autores que
afirmam que a presença do Espírito Santo nessas religiões possibilita a essas pessoas a captarem a
ação de Deus. Por isso essas religiões não devem ser desprezadas. Com isso não querem dizer que
tais religiões sejam “novas” revelações de Deus, mas que podem ter alcançado percepções que o
cristianismo não alcançou.
81
221
DA, n. 48.
222
Ibidem. 49.
223
HUIZING, Peter e WALF, Knut. Estruturas Centrais da Igreja em Concilium / 147 –
1979/7, pp. 3-5.
82
224
IANNI, Octávio, op. cit., p. 125.
225
VELASCO, Juan Martín. Ser Cristiano en Una Cultura Posmoderna, p. 53.
226
VATTIMO, Gianni. Creer que se Cree, pp. 86-92.
227
SIEPIERSKI, P., Protestantismo e Pós-Modernidade. (In: MARASCHIN, Jaci. Teologia Sob
Limite), p.145.
83
228
MIRANDA, Mário de França, op. cit., p. 63.
229
MARDONES, José Maria, op. cit., p. 70.
230
ROUTHIER, G. “Église locale” ou “Église Particuilière”: querelle sémantique ou option
théologique, in Studia Canônica 25 (1991), pp. 287-334.
84
231
MACPHERSON, C. B. The Political Theory of Possessive Individualism. Oxford: University
Press, 1990.
232
Para listagem destes desafios, ver: DONATO VALENTINI. La Cattolicità della Chiesa
Locale, In: ASSOCIAZIONE TEOLOGICA ITALIANA, L’Ecclesiologia Contemporanea,
Padova, Ed. Messaggero, 1994. pp. 69- 89.
233
LIBÂNIO, João Batista, op. cit., In: CALIMAN Cleto (org.). A Sedução do Sagrado. O
Fenômeno Religioso na Virada do Milênio. p. 63.
85
234
KUNG, Hans. Projeto de ética mundial. Uma moral ecumênica em vista da sobrevivência
humana. São Paulo. Ed. Paulinas, 1992, p. 108. Ele afirma: “Não haverá paz no mundo sem uma
paz entre as religiões”.
86
Conclusão
Nossa intenção nesse primeiro capítulo foi promover uma leitura descritiva
da modernidade e da pós-modernidade em suas dimensões sociocultural,
econômica, antropológica e religiosa, onde buscamos certa definição para cada
um dos dois paradigmas. Percorrer esses caminhos tornou-se imprescindível para
uma melhor compreensão de nosso tempo, visto que abriu-nos o horizonte da
percepção, mesmo limitadamente, do caldo religioso pluralista que permeia a
nossa cultura e, certamente, possibilitou-nos verificar aonde e como a proposta do
Evangelho tem chegado aos corações dos homens e mulheres, marcados pela
desesperança e por uma sociedade repleta de sinais de morte e, ainda mais,
configurada por um niilismo existencial que assola diversas áreas da
existencialidade humana.
Falar sobre a liberdade cristã na modernidade e na pós-modernidade sem
perceber a cosmovisão atual bem como desse novo ethos promotor dessa cultura e
do próprio vital humano, seria absolutamente inconcebível e sem relevância para a
contemporaneidade. Levantar tais questões é de suma importância para aferir a
presença do Evangelho, através do anúncio da salvação em Jesus Cristo, no
desafio de apresentá-lo no contexto da diversidade crística, bem como a presença
da Igreja como agente de transformação histórica, sinal do Reino de Deus e
promotora de libertação, no serviço de resgate do vital humano pela ação
libertadora e libertária do Evangelho.
Por isso, como protestante escolhemos a senda do labor teológico em
Calvino, que trata tão bem da temática escolhida. Assim, cumprem-nos lançar um
olhar sobre o contexto do século XVI, verificar as condições e as causas que
produziram o movimento conhecido como a Reforma do Século XVI, tendo João
Calvino como um de seus principais protagonistas.
87
Segundo Capítulo
2
A Reforma Protestante do Século XVI: um Caminho para a
Liberdade Cristã
235
Em concordância com tal afirmação, citamos o teólogo Hermisten Maia P. da Costa, que
corrobora com tal declaração, em seu artigo A Reforma Protestante, em O Pensamento de João
Calvino. São Paulo: Ed. Mackenzie. 2000, p. 14. Em nota número 7 há outras contribuições dignas
de serem citadas para ulterior pesquisa: BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de
Calvino. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana. 1990, pp. 43,67; SCHAFF, David S. Nossa
Crença e a de Nossos Pais. São Paulo: Imprensa Metodista. 1964, p. 66; Fernández-Armesto &
Derek Wilson. Reforma: O Cristianismo e o Mundo 1500-2000. Rio de Janeiro: Record, 1997, p.
11; GEORGE, Thimothy. Teologia dos Reformadores. São Paulo: Vida Nova. 1994, p. 20; O
filósofo católico Battista Mondin disse: “A Reforma Protestante foi um acontecimento
essencialmente religioso, mas causou, ao mesmo tempo, profundas transformações políticas,
sociais, econômicas e culturais”. (B. Mondin. Curso de Filosofia. São Paulo: Paulinas. 1981, Vol.
II, p. 27). Em outro lugar afirma: “Como dissemos no início do capítulo, a Reforma Protestante foi
antes e acima de tudo um acontecimento religioso. Em conseqüência disso, ela deve ser estudada e
julgada segundo critérios religiosos, mais precisamente, segundo os critérios da fé cristã, cujo
espírito original a Reforma se propunha restabelecer”. (Ibidem, p. 41). O antigo professor de
História Eclesiástica da Universidade de Yale, Roland H. Bainton (1894?), diz que “A Reforma foi
acima de tudo um reavivamento da religião”. (Roland H. Bainton. The Reformation of the
Sixteenth Century. Boston: Beacon Press. 1985 - edição ampliada), p. 31.
236
COSTA, Hermisten Maia P. da. A Reforma Protestante, em O Pensamento de João Calvino.
São Paulo: Ed. Mackenzie. 2000, p. 14. Na verdade, a Reforma Protestante é resultado de uma
série de eventos que antecederam tal movimento, dos quais falaremos neste capítulo. Cf.
PEREIRA, Eduardo Carlos. O Problema Religioso na América Latina. São Paulo: Empresa
Editora Brasileira. 1920, p. 16. Ver também LÉONARD, Émile G. O Protestantismo Brasileiro.
Rio de Janeiro / São Paulo: JUERP/ASTE. 1981, pp. 27,28.
88
2.1
As bases da Reforma Protestante do Século XVI
237
DOWNS, Robert B. Fundamentos do Pensamento Moderno. Rio Janeiro: Ed. Renes. 1969,
p. 20. Cf. também Giacomo Martina. História da Igreja. De Lutero a nossos dias. O período da
Reforma. São Paulo. Loyola. Vol I. 1997, pp. 51,52. O mesmo autor afirma que católicos e
protestantes modernos procuram atenuar as crises espirituais e morais que se abatiam sobre a
Igreja do século XVI. Cf. p. 53. L. Febvre, grande pesquisador francês, em estudo lançado em
1929, concordando com a tese supracitada dos católicos e protestantes, vai afirmar que, na
verdade, o século XVI desejava livrar-se da superstição medieval e da aridez escolástica,
buscando, portanto, uma nova experiência religiosa, livre de toda hipocrisia, que trouxesse a tão
ansiada paz interior. A meu ver L. Febvre fala da mesma necessidade existente na Igreja daquele
século, usando palavras diferentes. Cf. Giacomo Martina, op. cit., p. 54.
89
Por isso que, em primeiro lugar238, como já dissemos acima, a Reforma teve
uma perspectiva essencialmente religiosa239, desejada por cristãos católicos
piedosos240, o que significa um movimento interior, nascido dentro da própria
Igreja em crise, com forte desejo de transformar a Igreja, e não, necessariamente,
criar uma nova Igreja. Na verdade, se olharmos um pouco a história passada da
Igreja verificaremos muita insatisfação, que se manifestava de muitas e variadas
formas.241 Podemos ainda afirmar que a Reforma foi uma das maiores revoluções
religiosas do mundo moderno num tempo em que o mundo vivia dominado pela
própria religião.
Sendo assim, o alcance da Reforma estendeu-se na cultura e na vida política
e social da Europa como um todo e, certamente, no Ocidente. Dois católicos,
Abbagnano e Visalberghi declaram que “contribuição fundamental à formação da
mentalidade moderna foi a Reforma de Lutero e Calvino”.242
2.1.1
O pano de fundo do reformador João Calvino
238
BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, op. cit., pp. 47,48.
239
BIÉLER, André, op. cit. pp. 43,67. Cf. também em David S. Schaff. Nossa Crença e a de
Nossos Pais. São Paulo: Imprensa Metodista. 1964, p. 66; Fernández-Armesto & Derek Wilson.
Reforma: o Cristianismo e o Mundo 1500-2000. Rio de Janeiro: Ed. Record. 1997, p. 11.
240
LÉONARD, Émile G., op. cit., pp. 27-28. Cf. também Felipe Fernández-Armesto & Derek
Wilson, op. cit., pp. 10-11.
241
Uma das formas era um tipo de religiosidade repleta de misticismos, que ainda tem expressões
em nossos dias, na prática cristã de modo geral. Por exemplo, Lutero recebeu grande influência de
Agostinho (354-430), Mestre Eckhart (c. 1260 – 1327). Ver TILLICH, Paul em História do
Pensamento Cristão. São Paulo: ASTE. 2000, p. 188.
242
ABBAGNANO, N. & VISALBERGHI. A. História de la Pedagogía. Novena reimpresión.
México: Fondo de Cultura Econômica. 1990, p. 253. Ver também: WARFIELD, B. B. Calvino e o
Calvinismo (New York, 1931), p. 10.
243
GIDDENS, Anthony. Sociología. Madri: Alianza Editorial. 1992, p. 90.
90
244
GONZALEZ, Justo L. A Era dos Sonhos Frustrados. Vol. V. São Paulo: Vida Nova. 1986, p.
11. Gonzalez aponta três destes aspectos: instabilidade política, fim das cruzadas e decadência da
agricultura. Sobre isto, afirma Vale: “A relação do eclesiástico com o poder secular tem o status de
maior tema na história medieval européia, mas, durante um período da Idade Média, a
secularização tem importância especial. O controle que o papado detinha sobre o poder secular
passou a falhar. Em 1500, o poder secular exercia uma grande influência em toda a Igreja no Norte
da Europa, processo que se iniciou desde 1200. Na Alemanha, influências dos príncipes e
aristocratas foram importantes; na França, o poder da monarquia estava acima do eclesiástico e os
privilégios dos clérigos foram cerceados [...].” (VALE, Malcolm, The Civilization of Courts and
Cities in the North, In: HOLMES, George, Yhe Oxford History of Medieval Europe, Oxford:
Oxford University Press, 1992, p. 276). Esta decadência do poder eclesiástico ocorreu
concomitante à “[...] crise da Idade Média [...] conseqüência das devastações e pandemias, guerra,
deterioração climática e depressão econômica [...]”. Ver: CANTOR, Norman F., The Civilization
of the Middle Ages, New York: Harper Perennial, p. 529. Ver também: GONZALEZ, Justo L. A
Era dos Sonhos Frustrados. Vol. V, op. cit., 11. Ver também: AQUINO, Ruben. História das
Sociedades. Rio de Janeiro: Ed. Ao Livro Técnico. 1978, pp. 420,421. Sobre a crise econômica
que se abateu sobre a Europa, Cf. BRAUDEL, Fernand. Civilização Material e Capitalismo. São
Paulo: Ed. Martins Fontes. 1995, p. 62.
245
“Novo período de declínio e desmoralização do papado ocorreu no século XIV e início do
século XV.” Primeiro, os papas residiram na cidade de Avinhão, ao sul da França, por mais de
setenta anos (1305-1378), colocando-se sob a influência dos reis franceses. Esse período ficou
conhecido como "o cativeiro babilônico da Igreja". Em seguida, por outros quarenta anos (1378-
1417), houve dois e finalmente três papas simultâneos (em Roma, Avinhão e Pisa), no que ficou
conhecido como "o grande cisma". MATOS, Alderi S., O Papado: Origem e Evolução Histórica.
Disponível em http://www.thirdmill.org/files/portuguese. Acesso em 12 de maio de 2004.
91
246
GOFF, Jacques Le. Intelectuales en la Edad Media. Cambridge, Mass.: Blackwell, 1993, pp.
24-35.
247
VELASCO, Juan Martín, Ser Cristiano en Una Cultura Posmoderna, p.53.
248
SIEPIERSKI, P., Protestantismo e Pós-Modernidade. (In: MARASCHIN, Jaci, Teologia Sob
Limite), p. 145.
249
HABERMAS, Jürgen. O Discurso Filosófico da Modernidade, op. cit., p. 190.
250
MARDONES, José Maria, op. cit., p. 70.
251
LIBÂNIO, João Batista. Desafios da Pós-Modernidade à Teologia Fundamental, (In:
TRASFERETTI, José & GONÇALVES, Paulo S. L. (org.), Teologia na Pós-Modernidade, op. cit.,
p.165.
252
TILLICH, Paul. Teologia Sistemática, op. cit., p. 33.
92
253
Cf. GELDER, Craig van. Postmodernism as an emerging worldview. In: Calvin theological journal.
N. 26, 1991.
254
DELISLE, L. "Traités Divers sur les Propriétés des Choses", Histoire Littéraire de France,
Paris, 1888, vol. 1, pp. 334-88.
255
COSTA, Wladimir. El Continente Prodigioso: Mitos e Imaginario Medieval en la Conquista
Americana, Caracas: Universidade Central de Venezuela / Edição da Biblioteca Central, 1992. Cf.
FREIDMAN, John B., The Monstrous Races in Medieval Art and Thought, Cambridge,
Massachusetts/ London, England: Harvard University Press, 1981. p. 37. Ver também: BOBBIO,
Norberto. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. São Paulo:
Universidade Estadual Paulista, 1995. p. 129.
256
ESCOBAR, Valenzuela, G. Ética. Introducción a su problemática y su historia. 3ª. edición.
McGraw-Hill. México. 1992, pp. 190-193.
93
257
BALTASAR, Castro Cossío. Ética Filosófica. México: Ed. Diana, 1987, pp. 39-41
258
FRANKI, Victor. El Augustinismo Franciscano del Siglo XIII como Raiz de la Fisica
Matematica Moderna, Bolivar, n. 16, Bogotá, pp. 23-42.
259
FABRO, Cornelio, C.P.S. Participation et Causalité selon S. Thomas d’Aquin, Pub.Univ. de
Louvain, 1961. p. 121.
260
GOMIDE, F. M. Exemplos do Jugo de Aristóteles na Filosofia e na Ciência, Reflexão
(PUCCAMP), n. 64-65. 1996, pp. 154-185.
261
CASSIRER, Ernst. Filosofia de la Ilustración. Cidade do México: Fondo de Cultura. 1943, p.
12.
262
HABERMAS, Jürgen. O Discurso Filosófico da Modernidade. Lisboa: Ed. Dom Quixote.
1990, p. 111.
263
DI PASQUALE, Giovanni. História da ciência e da tecnologia: da pré-história ao
renascimento. Lisboa: Edições ASA, 2002. p. 53.
94
264
LIBANIO, J. Batista. Introdução à Teologia, op. cit., p. 131. Cf. DREHER, M.. op. cit., p. 88.
265
BARTHES, R. “L’ancienne rhétorique Aide-mémoire”. En Communication, 16: 172-229.
266
FLORESCU, V. La thétorique et la néothétorique. Gènese, Évolution, Perspectives. Bucarest:
Editura Academiei. 1982, p. 43.
267
VIVES, J. L. De ratione dicendi. En J. L. Vives, Opera Omnia. Edição de G. Mayans.
Valencia: Monfort. VOL. II, pp. 1782-1785.
268
GARIN, E. Medioevo y Renacimiento. Madrid: Taurus. 1981, p. 28.
269
MURPHY James J. La Retórica en la Edad Media. Historia de la teoría de la retórica desde
San Agustín hasta el Renacimiento (1974), México, FCE, p. 134.
270
ECO, Umberto. Arte e Beleza na Estética Medieval. Lisboa: Editorial Presença, 1989. p. 176.
271
GILSON, Etienne. A Filosofia na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes. 1998, p. 45.
95
2.2
Os Pré-reformadores
272
CAIRNS, E.., op. cit., p. 202.
273
LE GOFF, Jacques. Os intelectuais na Idade Média. Lisboa: Gradiva. 1984, p. 27.
274
GONZALEZ, Justo L. A Era dos Sonhos Frustrados, op. cit., p. 123.
275
DREHER, Martin. Vol. III. op. cit., p. 120.
96
276
FREITAS, Gustavo. 900 textos e documentos de História. Lisboa: Plátano, sd, vol. II. p. 156.
277
DELUMEAU, Jean. Nascimento e Afirmação da Reforma. São Paulo: Editora Pioneira,
1989, p 59.
97
2.2.1
John Wycliff e os Lolardos
278
CERNI, Ricardo, op. cit., p. 19. Escolhemos este autor por fornecer uma biografia mais
completa e exata. Outros autores, quanto ao ano, fornecem outras indicações, como Cairns, E. E.,
O Cristianismo através dos séculos, p. 204, aponta o ano de 1328; Dreher, M., A Igreja no
Mundo Medieval, defende o ano de 1324. A Enciclopédia Barsa, p. 506, Vol. XVI, aponta o ano
de 1330.
279
CERNI, Ricardo, op. cit., p. 19.
280
Simonia é alusivo à compra e venda de cargos eclesiásticos. O nome deriva de Simão, o
mágico, personagem bíblico que pretendia comprar o dom de Deus (At 8:9-13). Ver GONZALEZ,
Justo L., op. cit., pp. 55,85.
281
GONZALEZ, Justo L. A Era dos Sonhos Frustrados, op. cit., p. 83.
98
282
MOTA, Carlos Guilherme. A Revolução Religiosa: Lutero e a Reforma em Lutero e a
Reforma. 480 anos depois das 95 teses, uma avaliação dos seus aspectos teológicos, filosóficos,
políticos, sociais e econômicos. São Paulo: Ed. Mackenzie. 2000, pp. 41,42. Wycliff demonstrou
muita força através de suas idéias, que buscavam não apenas uma reforma na Igreja, mas também
que tais reformas alcançassem a vida social, política e econômica do povo. De certa forma, ele
antecipou as críticas sociais e políticas que, mais tarde, foram feitas por Shakespeare, Morus e
Hobbes (Cf. p. 41). Na verdade, muitos setores da sociedade, tais como os burgueses, camponeses,
inclusive a chamada pequena nobreza, exigiam uma reforma eclesiástica, sobretudo, que a Igreja
vendesse suas terras. Houve uma intensificação do sentimento anticlerical (Cf. p. 42).
283
CERNI, Ricardo. Historia del Protestantismo, op. cit., p. 22 e Enciclopédia Barsa, op. cit..
284
GONZALEZ, Justo L. A Era dos Sonhos Frustrados, op. cit., p. 86. Os cristãos na lnglaterra
sempre tenderam a se isolar do resto da Igreja, vivendo certo separatismo, talvez por sua posição
geográfica singular, o que facilitava às idéias de Wycliff.
285
Wycliff abre, através da sua obra, uma discussão intensa sobre as doutrinas que substituiriam a
concepção católico-romana de sacramento. As doutrinas que surgiram em decorrência a esta crítica
foram contrapostas, por ser o sacramento uma questão teológica fundamental. Isto motivou crises
entre os Reformadores. Um exemplo foram as diferenças entre Zwinglio e Lutero a respeito do
sacramento da Santa Ceia, que se mostraram insuperáveis no decorrer da segunda metade da
década de 1520. Ver: LIENHARD, M. Martim Lutero: tempo, vida, mensagem. São Leopoldo:
Sinodal, 1998. Original em francês, pp. 183-189.
99
286
GONZALEZ, Justo L. A Era dos Sonhos Frustrados, op. cit., p. 366.
287
BOSTICK, Curtis V. The Antichrist and the Lollards. Leiden: Brill, 1998. p. 23. Como
resultado do corpo de doutrinas de Wycliff, como já mencionamos acima, surgiu o grupo chamado
Lolardo. Eram, inicialmente, discípulos de Wycliff, pessoas do círculo acadêmico e de posição
social elevada. A origem do termo lolardo se origina da língua holandesa e significa
murmuradores ou lollium, joio. Eles disseminavam seus pensamentos entre o povo, recebendo
maior aceitação das classes mais pobres. Tornaram-se pregadores leigos, anunciando e apontando
os desvios da Igreja, bem como do clero, incluindo desvios de ordem moral, o culto às imagens e a
doutrina da transubstanciação. Cf. Bostick, Curtis V. The Antichrist and the Lollards. Leiden:
Brill, 1998. p. 123.
288
TILLICH, Paul. História do Pensamento Cristão. São Paulo: Ed. ASTE, 2000, p. 191.
289
Ibidem, p. 363.
100
290
TILLICH, Paul, op. cit., p. 189.
291
CHEVALIER, Jean-Jacques. História do Pensamento Político, Tomo I, p. 251.
292
GONZALEZ, Justo L. A Era dos Sonhos Frustados, op. cit., p. 364.
293
Sob influência de João Cassiano (360-435) que ensinou em uma célebre quadra: “Littera gesta
docet, Quid credas allegoria, Moralis quid agas, Quo tendas anagogia.” Que poderia ser
traduzido como: “A letra nos mostra o que aconteceu; a alegoria, no que devemos crer; a moral
(sentido tropológico), como devemos viver; a anagogia, para onde estamos indo.”
101
2.2.2
John Huss e os Hussitas
294
A maioria dos autores consultados concorda com este ano. Apenas Justo Gonzalez apresenta
uma data indefinida. Martin Dreher defende o ano de 1369 e P. Kubricht defende o ano de 1372.
Veja: CERNI, R., op. cit., p. 24; DERHER, Martin. Vol. III. op. cit., p. 119; GONZALEZ, Justo.,
op. cit., p. 95; KUBRICHT, P., Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã, p. 280.
295
GONZALEZ, Justo L. Historia del Pensamiento Cristiano, p. 367.
296
Doutrinas estas influenciadas por Wycliff, e aplicadas na Reforma da Igreja Boêmia e postas a
serviço da dissolução da dependência ou dominação dos alemães na Boêmia. Ver: CANTOR,
Norman F., The Civilization of the Middle Ages, New York: Harper Perennial, p. 500. Ver
também: GONZALEZ, Justo L.. op. cit., p. 368.
297
MOTA, Carlos Guilherme., op. cit., p. 42.
298
CERNI, Ricardo. op. cit., p. 26.
102
O sucessor de Alexandre V foi João XXIII, como papa pisano, que publicou
uma bula fornecendo indulgências para quem lutasse contra Ladislau de Nápoles,
protetor de Gregório XII. Huss se posicionou contra a Bula, o que gerou grandes
conflitos em Praga. O rei, que apoiava o Papa pisano, proibiu as críticas à venda
de indulgências, sendo, posteriormente, esta ordem revogada devido a um acordo
entre o papa e Sigismundo, sucessor de Venceslau.299 Pela terceira vez, Huss foi
excomungado, agora em 1412, pois não obedecera à nova ordem do Papa de se
apresentar em Roma. Houve, então, um interdito a qualquer cidade que porventura
viesse a acolher Huss. Diante de tal decreto, Huss foge para o interior da Boêmia,
mas não desiste de pregar.300 O pregador retirou-se, então, para o castelo de um
nobre seu amigo, para onde o povo se pôs a peregrinar em massa. O hussismo, em
pouco tempo, alcançou influxo predominante na Boêmia. A apostasia de quase um
povo inteiro abalou o sentimento cristão ocidental.
O imperador Sigismundo, da Alemanha, irmão do rei Venceslau, da Boêmia,
convidou Huss a comparecer no Concílio de Constança e, de fato, ele se
apresentou, com um salvo-conduto, em novembro de 1414. Huss, porém, só
encontrou adversidade e rejeição. O Concílio e as autoridades trataram-no como
herege, prendendo-o. Sigismundo inicialmente protestou, mas, posteriormente,
revogou sua decisão por não querer ser identificado como um herege.301 Só
restava uma opção para Huss, retratar-se diante do Concílio. Considerado herege
por permanecer irredutível, sua morte foi decretada, em 6 de julho de 1415.302
Suas maiores contribuições, no campo teológico, foram os seus
posicionamentos apresentados em suas pregações. Huss defendia uma fé
cristocêntrica, enfatizava a responsabilidade individual, acreditava no perdão de
pecados somente através de Jesus Cristo, aguardava um juízo escatológico, era
contrário à veneração do Papa e deu importantes contribuições litúrgicas,
inserindo, na capela de Belém, uma liturgia de cunho nacional.
299
LÁSZLÓ, Barta, “A spanyolországi hungarica-kutatás története (Historiografia de
investigações de temas húngaros na Espanha)”. Levéltári Szemle (Cadernos Arquivados). 1989.
No2; ANDERLE, Adam, A fekete legenda “Magyarországon”. (A Lenda Negra na Hungria).
Világtörténet. Budapest, 1985. No 3, pp. 4-16; do mesmo autor: En contacto. Historia de las
relaciones húngaro-españolas. Sevilha: Ed. Hungexpo, 1992, p. 28.
300
GONZALEZ, Justo L, op. cit., p. 99.
301
GONZALEZ, Justo L. A Era dos Sonhos Frustrados, op. cit., p. 100.
302
CERNI, Ricardo. Historia del Protestantismo, op. cit., p. 27 e KUBRICHT, P., op. cit., p. 281.
Cf. MOTA, Carlos Guilherme. A Revolução Religiosa: Lutero e a Reforma, op. cit., 42.
103
2.2.3
Jerônimo Savonarola
Jerônimo Savonarola viveu no século XV, mas esteve à frente de seu tempo.
Nasceu em 1452, em Ferrara.306 Recebeu educação rígida pelo avô. Segundo
Ricardo Cerni, Savonarola ouviu um sermão, em 1474, em Faenza, que o
impactou tremendamente, mudando definitivamente a direção de sua história. Em
seguida, entrou para o convento de São Domingo, onde recebeu sua formação
religiosa.
303
KÜNG, Hans, Veracidade: o futuro da Igreja, p. 100.
304
Alguns destes, não concordando com possíveis acordos, fundaram a Unitas Fratrum, que
chegou a ser muito numerosa na Boêmia e Moravia. Com o advento da Reforma Luterana, eles
estabeleceram relações com os protestantes. Os austríacos passaram a perseguí-los e a organização
foi praticamente destruída, sendo João Amós Comênio um representante do remanescente, que
ainda lutava pela instauração da ordem, o que ocorreu com o remanescente da ordem, os chamados
“morávios”. Cf. RAMPAZO, L. Antropologia, religiões e valores cristãos, p. 114.
305
É importante afirmar que o movimento reformador dos Hussitas nasceu devido à confluência de
várias condições. A primeira foi a crise econômica e política durante o reinado de Venceslau IV
(1378-1419), que sucedeu a Carlos IV. Esta crise foi exacerbada pelos problemas registrados na
Europa desse tempo (Grande Cisma, críticas à Igreja).
306
GONZALEZ, Justo L. A Era dos Sonhos Frustrados, op. cit., p. 157.
104
Sua erudição bíblica era incomparável no seu tempo, assim como sua
tremenda capacidade oratória. Enfrentou duramente a autoridade papal,
desafiando a Igreja a uma reforma espiritual e, conseqüentemente, moral. Sua
proeminência não se deu pela proximidade teológica com Wycliff e Huss, nem
por algum legado, transmitido através de um movimento que fosse importante
para a Reforma Protestante, que viria um século depois.307
Dada sua extraordinária capacidade intelectual, foi mandado a Florença,
porém, seus sermões não agradaram tanto os florentinos. Foi, então, para Bologna,
obtendo a função de mestre de estudos. Um humanista, chamado Pico de la
Mirandola, admirador de Savonarola, o indicou para Lourenço de Médicis. Ali
começou a expor as Escrituras no Convento de São Marcos, e suas conferências
começaram a atrair multidões. Em 1491, foi convidado para pregar em Santa
Maria das Flores, mas sua pregação não agradou os principais da cidade, uma vez
que sua mensagem possuía uma forte ênfase profética, denunciando,
peremptoriamente, o abuso dos impostos e a grande corrupção da cidade.
Savonarola fez da vida, no convento, um "exemplo de santidade e serviço”.308
Os excessos morais e hábitos pagãos foram totalmente eliminados. Livros,
jóias, perucas e luxos foram queimados na cidade, com a intenção de eliminar a
vaidade. Savonarola estava em seu apogeu em Florença, porém a situação era
instável, uma vez que a economia da cidade enfrentava graves problemas.
Entretanto, as mãos habilidosas de Savonarola sustentavam a situação
provisoriamente.
Negando submissão à Santa Aliança, Savonarola foi excomungado pelo
papa e proibido de pregar. Savonarola declarou inválida a excomunhão, mas
parou, momentaneamente, de pregar. Após seu retorno, usou, além de sua voz, a
imprensa para discursar contra a imoralidade da Igreja. Alexandre VI tentou
convencê-lo, oferecendo-lhe o cargo de cardeal, que foi recusado. Savonarola
começou, então, a perder prestígio em Florença.
307
CAIRNS, E. O Cristianismo Através dos Séculos, op. cit., p. 207.
308
GONZALEZ, Justo L. A Era dos Sonhos Frustrados, op. cit., p. 159.
105
2.3
A Reforma Protestante
309
The Church Order of the Unitas Fratrum, I.1.
310
WALLACE, Ronald. Calvino, Genebra e a Reforma. Um estudo sobre Calvino como um
Reformador Social, Clérigo, Pastor e Teólogo. São Paulo: Cultura Cristã. 2003, p. 97.
311
MCGRATH, Alister. A Vida de João Calvino. São Paulo: Cultura Cristã. 2004, p. 19.
106
Sem dúvida alguma que uma das mais graves crises, no período que
antecedeu a Reforma, foi de cunho eminentemente religioso. Havia um vazio
espiritual sem precedentes na história do cristianismo. A Igreja não estava
atendendo às demandas espirituais do povo. As conseqüências eram desastrosas
na vida das pessoas. Pairava, no coração do povo, uma total insegurança quanto à
salvação. A fé, ensinada pela Igreja, não supria tal carência.
O teólogo Paul Tillich (1886-1965) faz o seguinte comentário, analisando tal
período:
312
TILLICH, Paul. História do Pensamento Cristão. São Paulo: ASTE. 1988, p. 210. O holandês
Huizinga afirma que, no apagar da Idade Média, existia um tremendo espírito de melancolia no
coração do povo. Cf. Johan Huizinga. O Declínio da Idade Média. São Paulo: Verbo/EDUSP.
1978, p. 31. Cf. André Biéler. O Pensamento Econômico e Social de Calvino. São Paulo: Casa
Editora Presbiteriana. 1990, pp. 43,67; Ver André Biéler. A Força Oculta dos Protestantes. São
Paulo: Ed. Cultura Cristã. 1999, pp. 49-51; David Schaff. Nossa Crença e a de Nossos Pais. São
Paulo: 2a edição. Imprensa Metodista. 1964, p. 66; Ver Felipe Fernández-Armesto & Derek
Wilson. Reforma: O Cristianismo e o Mundo 1500-2000. Rio de Janeiro: Ed. Record. 1997, p. 11.
313
MCGRATH, Alister, op. cit., p. 20.
314
COSTA, Hermisten Maia Pereira, op. cit., p. 77. Timothy George afirma que “a Reforma
ocupou, e deve continuar a ocupar, um legítimo e significativo lugar na história das idéias”.
GEORGE, Timothy. A Teologia dos Reformadores. São Paulo: Ed. Vida Nova. 1994, p. 50.
107
2.4
Calvino: sua Vida e Obra
Nosso foco de interesse está em conhecer aquele que foi um dos maiores
reformadores do Século XVI, João Calvino319, homem de traços fortes, acometido
de muitas enfermidades, de um raro vigor intelectual, que, embora tentasse buscar
uma vida mais tranqüila, esteve, pela força da providência divina, sempre no
centro das grandes questões do seu tempo, de seu país e, particularmente,
Genebra, cidade do coração e palco da práxis de seu conhecimento, especialmente
sua teologia, tornando-a referência social, política, econômica e religiosa.
315
ABBAGNANO, N. & VISALBERGHI, A. História de la Pedagogía. Novena reimpresión.
México: Fondo de Cultura Económica. 1990, p. 253.
316
MCGRATH, Alister, op. cit., p. 18.
317
COSTA, Hermisten Maia P., op. cit., p. 15.
318
MCGRATH, Alister, op. cit., p. 18.
319
FERREIRA, Wilson Castro. Calvino: vida, influência e teologia. São Paulo: LPC. 1985, p. 36.
108
Diante disso, faz-se necessário contemplar sua história e seu tempo, suas
obras, a partir de seus primeiros biógrafos e de outros mais recentes, ainda que
brevemente, seu corpo teológico nas áreas da antropologia, cristologia,
soteriologia, ressaltando seus resultados na vida humana, imagem e semelhança
de Deus, tornando-o livre para viver a verdadeira liberdade do Evangelho de Jesus
Cristo, com todas as suas implicações ético-sociais, bem como sua eclesiologia,
geradora e formadora de uma comunidade capaz de exercitar o acolhimento, a
solidariedade, a alteridade, a justiça, numa verdadeira práxis libertadora, com
fortes conseqüências na vida social, cultural, política e religiosa do seu tempo.
E ainda mais, com fortes influências para nossos dias, desde que saibamos
ler Calvino à luz do seu tempo, retirando a moldura na qual estava inserido e,
como desafio ético-teológico, atualizar sua teologia nas áreas referidas, a fim de
que sua contribuição passada sirva-nos para vivermos a verdadeira liberdade do
Evangelho de Jesus Cristo, de igual forma, com seus desafios ético-sociais. Em
outras palavras, o que queremos dizer é que Calvino ainda pode e deve ser
ouvido.320
Sobre a pessoa de João Calvino, sabe-se mais do que sobre Ulrico
Zwínglio.321 Isto é compreensível, já que Calvino teve muito mais impacto, na
história, e suas influências foram mais duradouras e se estenderam para lugares
que Zwínglio não influenciou decisivamente.322
320
SILVESTRE, Armando Araújo. Calvino e a Resistência ao Estado. São Paulo: Ed.
Mackenzie. 2003, p. 19.
321
Cf. Boni (Org.), pp. 229-275 (obras de Calvino); cf. Também Nijenhuis, 1981, Bouwsma, 1989
e Lessa, s.d. Ulrich Zwinglio é o verdadeiro introdutor da Reforma, na Suíça, fazendo-a de forma
paralela a Lutero, nos cantões suíços. É um reformador em conflito com Lutero, por causa da sua
doutrina sacramental. Cf. KAHLER, W., Zwinglf und Luther. Ihr Streit um das Abendmahl, 2
vols., Leipzig 1924 e Gütersloh 1953.
322
“A influência do calvinismo por mais de um século, depois da morte do reformador de
Genebra, foi a força mais poderosa da Europa no desenvolvimento da liberdade civil. O que o
mundo moderno deve ao Calvinismo é quase incalculável”, citado por Hyma, The Life of John
Calvin, pp. 96, 97. "As diferenças entre Zwinglio e Lutero a respeito do sacramento da Santa Ceia
mostraram-se insuperáveis no decorrer da segunda metade da década de 1520, o que restringiu sua
influência.” Ver: HULDRICH, Peter Johann, Huldrych Zwinglio (1484 - 1531), o reformador de
Zurique – um esboço biográfico, Acta Scientiarum, Maringá, 23 (1): pp. 141-147, 2001. Mas há
vínculos entre o calvinismo e o zwinglianismo. Enquanto Zwingli estabeleceu os primeiros
fundamentos religiosos, seu trabalho foi continuado e aperfeiçoado pelo seu sucessor, em Zurique,
Henrique Bullinger (1504 - 1575), e por João Calvino, em Genebra, os quais uniram os dois
caminhos religiosos de Zurique e Genebra à salvação, ou seja, o Zwinglianismo e o Calvinismo, e
estabeleceram a base comum da confissão calvinista na Suíça: a Confessio Helvetica (prior), de
1536, o Consensus Tigurinus, de 1549 e, afinal, a Confessio Helvetica (posterior,) de 1566. Cf.
Locher, p. J 91-94. LOCHER, G.; ZWINGLI, W. Und die schweizerische Reformation (e a
Reforma na Suíça) ihrer Göttinen: Vandenhoek & Ruprecht ,1982. (Die Kirche in ihrer
Geschichte, v.3).
109
323
“Para muitos, Calvino aparecia como a personificação de tudo o que era antiliberal, antiartístico
e anti-humano”. Doumergue, Kunst en Genoel in het Werk van Calvijn, 3 conferências.
Wageningen, 1904, p. 9.
324
Calvino, em sua definição de predestinação, diz que é “o eterno decreto de Deus, por meio do
qual determinou o que quer fazer de cada um dos homens. Porque Ele não criou todos com a
mesma condição, mas que ordena uns para a vida eterna, e a outros para a condenação perpétua”
(Institución III. 21.5, pp. 728-729).
325
Cf. ZWEIG, Stefn. Castélio Contra Calvino. Lisboa: Civilização Editora, 1977.
326
BOUWSMA, W. J. John Calvin: a sixteenth-century portrait. Oxford: (s.n.), 1989. p. 65.
110
2.4.1
João Calvino: sua Infância e seus Anos de Estudos (1509-1535)
327
A Noyon das primeiras décadas do século XVI era repleta de Igrejas e conventos, uma cidade
episcopal, onde a sociedade respirava o sagrado. Não é por acaso que levava esse nome, Noyon, a
“santa”. LESSA, Vicente Temudo. Calvino (1509-1564), sua vida e sua obra. São Paulo: Casa
Editora Presbiteriana. pp. 19,24.
328
Há uma infinidade de biógrafos sobre Calvino. Queremos citar algumas obras de alguns: Seu
sucessor: Théodore Bèze, l’histoire de la vie et mort de Calvin. Genève: (s.n.), 1565; Life of John
Calvin, In: Tracts and tratises of John Calvin. Michigan: Eerdmans, 1958; Du droit des
magistrats. Genève: R. M. Kingdon, 1970; Correspondence de Théodore de Bèze, In: AUBERT,
Hyppolyte; DUFOUR, Alain; NICOLLE, Béatrice. Genève: Droz, v.20, n. 318, 1998. COTTRET,
Bernard. Calvin biographie. Paris: Jean-Claude Lattès, 1995; Traducteurs et Divulgateurs
Clandestins de la Réforme dans l’Angleterre Henricienne, 1520-1535. Revue d’Histoire
Moderne et Contemporaine, Bris, n. 28, p. 472, 1981.
329
Sua mãe distinguia-se por uma profunda piedade, tendo uma influência marcante sobre
Calvino, quando Calvino ainda era muito pequeno, com cerca de seis anos. Ver: GEORGE,
Timothy. Theology of the Reformers. Nashville: Bradman. 1988, p. 168.
330
O pai de Calvino secretariava o bispo Charles de Hangest (1501-1525), mas também exercia a
função de procurador-fiscal do condado bispo. Ver LESSA, Vicente Temudo, op. cit., pp. 19,25.
331
VAN HALSEMA, T.B. João Calvino Era Assim. São Paulo: Vida Evangélica S/C. 1968, p.12.
332
Os benefícios eclesiásticos que Calvino recebia era fruto direto da interferência de seu pai,
prática comum em seu tempo. Ver: GONZALEZ, Justo L. A Era dos Reformadores, op. cit., p.
108. Cf. FERREIRA, Wilson Castro. Calvino: vida, influência e teologia, op. cit., pp. 32,33;
LESSA, Vicente Temudo. Calvino (1509-1564), sua vida e sua obra, op. cit., pp. 27,28;
GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores. São Paulo: Ed. Vida Nova. 1994, pp. 168,169.
Cf. GEORGE T. Teologia dos Reformadore. São Paulo: Vida Nova. 1994, p. 168.
111
Até 1523, Calvino assistiu aulas numa escola de sua cidade natal. Com 14
anos, foi enviado ao Collège de la Marche, um famoso internato em Paris, cujo
professor de latim e diretor era Mathurin Cordier.333 Cordier era conhecido como
o fundador de uma nova pedagogia, que Calvino aprendeu, somente por pouco
tempo, na classe de latim, mas venerou durante toda a sua vida.334 Daí eclodir no
estudante picardo um profundo amor pela Renascença e os estudos
humanísticos.335
Depois de um breve tempo, Calvino mudou – por razões desconhecidas –
para outro internato: o Colégio de Mantaigu. Este era um baluarte da ortodoxia
católica romana e provocava medo em seus alunos. Bem sabemos que as
universidades de Paris recebiam, na sua maioria, alunos de famílias burguesas
emergentes ou aristocráticas.336 No século XVI, as universidades francesas
passavam por um período de declínio, fruto, em parte, do fim da Idade Média,
principalmente como centros de treinamento profissional.337 A princípio, seu pai
pretendia que ele estudasse teologia em Paris. Provavelmente a grande motivação
teria sido a possibilidade de o filho continuar o progresso eclesiástico que Gérard
Cauvin havia conquistado na diocese de Noyon. Na verdade, havia possibilidade
real de crescimento eclesiástico para a família de Calvino, inclusive pela própria
influência, alcançada por seu pai.338 É bom esclarecer que tal interesse e prática
faziam parte do seu tempo. Alister, Ganoczy e Lessa dizem o seguinte sobre a
formação inicial do jovem Calvino:
333
Naquele tempo, a peste tomou conta da Noyon. Era o momento ideal para Calvino iniciar seus
estudos em Paris. Sobre isto, ver: MCGRATH, Alister, op. cit., p. 38. Ver. BIÉLER, A. O
Pensamento Econômico e Social de Calvino, op.cit., p.114. Mathurin Cordier fora um dos
maiores professores de latim de seu tempo. Cf. GEORGE T. Teologia dos Reformadores, op. cit.,
p. 169.
334
GONZALEZ, Justo L., op. cit., p. 109. A ida de Calvino a este colégio atendia aos desejos do
pai de Calvino, que desejava fazê-lo um clérigo. Dada a notabilidade de Cordier, anos depois
haveria de lecionar na Academia de Genebra, e ao interesse de Calvino, este foi um período de
profunda dedicação aos estudos, traço que o acompanhou em toda a sua vida de Calvino.
Aproveitou ao máximo a sabedoria e experiência do seu preceptor. Cordier foi capaz de influenciar
tremendamente a mente, já brilhante, de Calvino, ao colocá-lo em contato direto com o
Humanismo.
335
MARTINA, Giacomo, op. cit., p. 146. Foi ali que passou a conhecer os bons autores clássicos,
desenvolvendo sua habilidade de pensar e sua capacidade de falar e escrever em latim. Cícero foi
seu grande referencial clássico. Ver também: LESSA, Vicente Temudo, op. cit., p. 34.
336
VERGER, J. Le rôle social de l’université d’Avignon au Xme siècle. BHR 33 (1971), pp. 489-
504.
337
GOFF, Jacques Le. “La conception française de l’université à l’époque de la Renaissance”, pp.
94-100.
338
Ibidem, p. 49.
112
Segundo Karl Reuter, Calvino, como aluno de John Mair (ou Major) em
Paris, foi tremendamente influenciado por este professor escocês.342 Mair abriu os
horizontes teológicos de Calvino, colocando-o diante de uma nova concepção
antipelagiana, bem como de uma nova visão agostiniana. Já Wendel diz que Mair
colocou Calvino diante das obras Four Books of the Sentences, de Pedro
Lombardo, teólogo de muita influência no seu tempo, ensinando-o a lê-las com as
lentes de William de Ockham.343
Calvino fez amigos, entre eles estavam alguns simpatizantes e, inclusive,
seguidores da Reforma. Calvino não se pronunciou no tocante a esta, já que a
polêmica luterana contra Zwínglio parecia a ele demasiadamente forte. Nem
sequer sabemos com certeza se Calvino, há este tempo, conhecia os escritos de
Lutero. Em todo caso, não aderiu à Reforma, permanecendo fiel à doutrina
católico-romana. É possível caracterizar o Calvino deste tempo como um
humanista católico, que desejava uma renovação das ciências, mas não por uma
Reforma no sentido luterano.
339
Ibidem, p. 41.
340
GANOCZY. The Young Calvin, p. 174. Quanto ao suposto desejo de seu pai de que estudasse
teologia, podemos verificar as memórias posteriores de Calvino: OC 31.22. Cf. o comentário de
Bèze, “son coeur tendit entièrement à la Théologie” (OC 21.29).
341
LESSA, Vicente Temudo, op. cit., p. 39. No ano seguinte, Calvino foi estudar no Collége de
Montaigu, de orientação escolástica, onde estudou gramática, filosofia e teologia. Ali teve contato
com o pensamento de vultos como Tomás de Aquino, Agostinho e Jerônimo. Estudaram, também,
nessa famosa escola, Erasmo de Roterdã e Rabelais.
342
REUTER, Grundverstandnis der Theologie Calvins, pp. 20,21,28. Para uma visão resumida, cf.
MCGRATH, A. E. Reformation Thought, (New York/Oxford, 1988), pp. 63,64. No entanto, esta
tese é superficialmente modificada em um estudo mais recente de Reuter, Vom Scholaren bis zum
jungen reformator. Sua tese anterior é aceita plenamente por McDonnel, John Calvin, pp. 7-13.
343
WENDEL, Calvin, p. 19. O fato de não encontrarmos referências explícitas aos teólogos
Gregório de Rimini, John Mair e William de Ockham, por exemplo, nas Institutas de 1536, não
quer dizer que Calvino não tenha recebido influência de tais escritores.
113
Gerard Cauvin decide, então, mandar, Calvino, em 1528, para Orleans, a fim
de que ele estudasse Direito, o caminho mais seguro para a fama e a fortuna.
Orleans era a requisitada e concorrida Universidade. Estudou com o mestre e
jurista Pierre de l’Étoile, conhecido como “o príncipe dos advogados
franceses”.344 Tornou-se Licencié en lois (Bacharel em Direito). Destacou-se por
sua inteligência e brilhantismo. Foi monitor da disciplina em várias ocasiões, nas
quais, certa feita, por seu notável crescimento, o grande mestre Pierre de l’Étoile o
convidou para ministrar uma aula em seu lugar. O resultado foi maravilhoso,
provocando a admiração de todos.345 Foi-lhe oferecido o título de doutor em
Direito, o que não sabemos se Calvino aceitou.346 O historiador católico
Florimond de Raemond oferece um belo testemunho sobre a vida de Calvino
como estudante de Direito. Dizia ele:
344
A frase é de Teodoro Beza: OC 21.121-2. Sobre a discussão da controvertida data da mudança
para Orleans, ver Parker, John Calvin, pp. 189-191.
345
LESSA, Vicente Temudo, op. cit., p. 51.
346
Parece que Beza dá a entender que Calvino recebeu tal título. Entretanto, deixa muito claro em
sua narrativa. (Teodoro Beza. Life of the John Calvin: em Tracts and Treatises on the
Reformation of the Church. Vol. I, Ixi; Teodoro Beza. “Life of John Calvin”. John Calvin
Collection, CD-ROM (Albany, OR: Ages Software, 1998), p. 05. Cf. SCHAFF, Phillip. History of
the Christian Church. Vol. VIII, p. 306; Cf. LESSA, Vicente Temudo, op. cit., p. 51;
FERREIRA, Wilson Castro, op. cit. pp. 45,46.
347
WYLIE, J. A. History of protestantism. Vol. II, p. 156.
348
KAISER, “Calvin’s Understanding of Aristotelian Natural Philosophy”.
349
Quicherat, Historie de Sainte-Barbe, Vol. I, p. 330.
114
350
Francisco I, Rei da França, sucessor de Luís XII, iniciou seu reinado no dia 1 de janeiro de
1515. Inicialmente parecia moderado com a causa protestante, posteriormente tornou-se
perseguidor do protestantismo. Ver: BIELÉR, André, O Pensamento Econômico e Social de
Calvino, p. 104.
351
LADURIE, Emmanuel Le Roy. O Mendigo e o Professor: A Saga da Família Platter no Século
XVI. Rio de Janeiro. Ed. Rocco. Vol. I, 1999, p. 325. In: COSTA, Hermisten Maia Pereira, op.
cit., p. 02.
352
LESSA, Vicente Temudo, op. cit., p. 51.
353
LESSA, Vicente Temudo, op. cit., p. 52.
354
GEORGE, Timoth. Theology of the Reformers. Nashville: Broadman. 1988, p. 171.
115
355
DREHER, Martin. A Crise e a Renovação da Igreja no Período da Reforma. Coleção
História da Igreja. Vol. III. São Leopoldo: Sinodal, 2004, pp. 94-95.
356
LESSA, Vicente Temudo, op. cit., p. 55.
357
WALLACE, Ronald, op. cit., p. 12. Cf. SILVESTRE, A. A. Calvino e a Resistência ao
Estado. São Paulo: Ed. Mackenzie. 2003, p. 83.
358
MCNEILL, John T. The History and Character of Calvinism. N. Y. 1954, p. 104. Cf.
BIERMA, L. D. A Relevância da Teologia de Calvino para o Século 21 In Fides Reformata, VIII.2
(2003), p. 11.
359
FRAILE, Guillermo. Historia de la Filosofia. Madrid: La Editorial Catolica, S. A,. Vol. III.
1966, p. 62.
116
360
Reply to Cardeal Sadoleto’s Letters, C. Tr., Vol. I, p. 62. Para uma discussão completa dessa
questão cf. F. Busser, Calvin’s Urteil uber sich selbst, Zurich, 1950, pp. 26ss; também John T.
McNeill, History and Character of Calvinism, N. Y. 1954, pp. 109ss. Cf. Danièle Fischer.
Nouvelles réflexions sur la conversion de Calvin. Études Théologiques et Religieuses, n. 58, 1983.
Cf. Alexandre Ganoczy. Le jeune Calvin. Genèse et évolution de sa vocation réformatrice.
Wiesbader: F. Steiner, 1966. Cf. O Millet. Calvin et la dynamique de la parôle. Étude de
rhétorique réformée. Paris: Champion, 1992. Significa afirmar que Calvino converteu-se entre
Paris e Orleans, período em que prosseguiu seus estudos literários (Paris) e concluiria sua
formação em Direito (Orleans)
361
“A Sorbona e o Parlamento reuniram-se para ouvir o caso e o confiado reitor saiu da
universidade acompanhado de seu séquito para responder perante o Parlamento” In: LESSA,
Vicente Temudo, p. 58.
362
Avisado de que encontraria a morte, fugiu imediatamente para Basiléia. Calvino foi acusado de
ter escrito o tal discurso. De igual forma teve que fugir de Paris, escondendo-se, por semanas
seguidas, nos arredores de Paris, próximo de Nantes. Logo que pôde, seguiu caminho para
Angoulême, terra de Margarida de Navarra. Ali permaneceu por vários meses, até o final de 1533,
na residência de Du Tillet, onde pôde dedicar-se intensamente aos estudos, pois privava de uma
vasta biblioteca do seu hospedeiro. Ver: FERREIRA, Wilson Castro, op. cit., pp. 62-65. Ver
também MCGRATH, Alister. A vida de João Calvino, op. cit., pp. 83-85.
117
2.4.2
A Primeira Estada de Calvino em Genebra (1536-1541)
363
Temos nesse período a primeira e segunda estadas de Calvino em Genebra (1536-1541).
364
MCGRATH, Alister, op. cit., p. 55.
365
MCGRATH, Alister, op. cit., p. 56. Quando Calvino cita a obra Four Books of the Sentences,
de Pedro Lombardo, nas Institutas de 1536, são retiradas do quarto livro, que trata exatamente da
doutrina da Igreja e dos Sacramentos. Cf. p. 56.
118
366
João Calvino, Prólogo ao Comentário dos Salmos.
119
367
Oferecemos, aqui, alguns autores de renome que podem ajudar no conhecimento maior sobre a
Genebra daquele período: Monter, E. W. Studies in Genevan Governement, 1964c, e Calvin’s
Geneva, 1967; Kingdon, R. M. Geneva in the coming of the wars of religion in France, 1956.
Estas obras podem ser auxiliadas ainda com Annales Calviniani, dada a sua imensa riqueza de
informações e dados cronológicos, bem como documentos sobre os registros do Conselho de
Genebra (Registres du Conseil), e ainda por Bergier, J. F. e Kingdon, R. M. (eds). Registres de la
Compagnie des Pasteurs de Genève. Vols. 1 e 2, Genebra, 1962-1964. Verificando estudos mais
antigos, temos, ainda, Doumergue: Jean Calvin, les hommes et les choses de son temp, Vols. 5 e
6, 1889-1927, contendo uma fabulosa e inesgotável fonte de citações.
368
SILVESTRE, Armando Araújo. Calvino e a Resistência ao Estado. São Paulo: Ed.
Mackenzie. 2003, p. 20.
369
“O duque de Savoy reuniu mais de 500 mercenários para atacar Genebra, cercando-a no final
de 1535. A cidade apelou para Berna. Como não houve resposta, apelou para o rei Francisco I, da
França. O rei francês enviou pequena força de cavalaria, que chegou a Genebra desfalcada pelo
inverno nos Alpes e pelos ataques das tropas de Savoy”. No entanto, Berna, percebendo as
dificuldades de Genebra, mandou aproximadamente 6 mil soldados para libertar Genebra, isso em
fevereiro de 1536.
370
Em 1539, o bispo Pierre de La Baume tornou-se cardeal, em 1544, arcebispo de Besançon,
conforme Monter (1964b, p. 130). A cidade de Genebra não ofereceria mais espaço para regimes
totalitários ou teocráticos. Tal constatação serve-nos para sustentar a tese de que Calvino não foi
um tirano. Quando Calvino e Farel estiveram na cidade juntos, foram banidos, pois talvez
tentassem impor algum tipo de liderança religiosa mais forte. Mesmo quando convidado para
retornar, jamais recebeu da cidade poderes absolutos. Na verdade, ele não exerceu domínio sobre
Genebra. Calvino jamais pode ser classificado de tirano, pois sua luta foi estabelecida na ruptura
com as mazelas da Igreja de então, bem como contra qualquer domínio político-eclesiástico. Ora,
como supor um Calvino tirano, sendo ele forte defensor de uma prática cristã que implicava em
resistência à própria tirania? Cf. SILVESTRE, Armando Araújo, p. 20.
371
Guilherme Farel, percebendo que Genebra estava aberta aos ideais da Reforma, buscou
influenciar o Conselho municipal no sentido de aderir à Reforma. A resposta foi positiva, pois, em
19 de maio de 1536, o Pequeno Conselho resolveu convocar um grande conselho geral para
perguntar se o povo queria viver de acordo com a nova fé Reformada. “Por fim, ao cabo de
algumas semanas, Genebra assumiu definitivamente a sua divisa: pos tenebras lux – após as trevas,
a luz.” In: SILVESTRE, Armando Araújo, op. cit., p. 24. Logo depois, a cidade votou
favoravelmente “pela conclusão da primeira fase da Reforma na cidade, jurando viver, de agora
em diante, de acordo com a lei do Evangelho e com a Palavra de Deus”. MCGRATH, Alister, op.
cit., p. 115. Conforme SILVESTRE, Armando Araújo, “o motor adotado pela cidade, Pos
Tenebras Lux, mais parecia uma afirmação profética que uma realidade presente nessa primeira
estada de Calvino”, op. cit., p. 96.
120
372
Resoluções do Conselho, R. C., de 18.3.1539, in: Opera Calvini, p. 245,21.
373
MCGRATH, Alister, op. cit., p. 116.
374
Segundo Alister, naquele mesmo ano, o exército de Berna havia conquistado Lausanne e
alimentava o desejo de conquistar novos territórios. A luta pelo estabelecimento do domínio
religioso de determinada cidade dava-se por meio de debates teológicos. Queriam que toda a
Lausanne aderisse à posição de Berna. Por questões lingüísticas, o Conselho de Berna convidou
Farel e Viret para apresentar suas idéias sobre a Reforma. Foi convidado e lá se encontrou (Cf.
MCGRATH, Alister, op. cit., p. 117). Dez artigos foram apresentados, conhecidos como Les
conclusions qui doibvent estre disputées a Lausanne nouvelle province de Berne, no dia primeiro
de outubro de 1536 (A escrita em francês é de sua época). A certa altura do debate, Calvino
solicitou a palavra e interveio, e passou a discorrer com tamanho conhecimento, citando fluente e
literalmente os grandes Pais da Igreja, que a todos impressionou. O reformador saiu do debate com
a fama de grande orador e grande apologista da fé reformada. O resultado foi tal que, no final
daquele ano, Calvino já tinha sido designado pastor de Genebra. No entanto, “Calvino era pouco
mais do que um simples servidor civil, vivendo na cidade sob licença. Era o Conselho municipal, e
não Calvino, Farel ou Viret – que controlava os assuntos religiosos de nova república” (Cf.
MCGRATH, Alister, op. cit., p. 119). Na verdade, os pastores ficavam sempre à mercê das
decisões e possiveis mudanças por parte do Conselho.
375
MARTINA, Giacomo, op. cit., p. 147. Cf. SILVESTRE, Armando Araújo, op. cit., p. 91.
Calvino mesmo relata o encontro com Farel: “Mestre Guillaume Farel me reteve, em Genebra, não
através de conselhos e exortação, mas por uma adjuração espantosa, como se Deus, mesmo do
alto, estendesse sua mão sobre mim para me deter.” (Cf. Cottrett, 1995, p. 393).
376
GONZALEZ, Justo L., op. cit., p. 113.
121
377
MARTINA, Giacomo, op. cit., p. 147.
378
Philip Hughes nos conta que não foi muito antes que Calvino foi compelido “pelas
circunstâncias da controvérsia na cidade [...] a adicionar aos seus compromissos de ensino a
responsabilidade da pregação pública”. Philip E. Hughes, ed., introdução ao The Register of the
Company of Pastors of Geneva in the Time of Calvin (Grand Rapids, MI, William B. Eerdmans
Publishing Co.), p. 5.
379
SILVESTRE, Armando Araújo, op. cit., p. 95.
380
Ele imediatamente obteve o consentimento do Senado em Genebra para uma forma de política
eclesiástica que fosse derivada da Palavra de Deus, e da qual não deveria ser permitido que nem
ministros nem pessoas se apartassem. A Church Order of the Protestant Reformed Churches (A
Ordem das Igrejas Protestantes Reformadas), que é essencialmente a Ordem da Igreja de
Dordrecht (1618-1619).
122
381
Sobre este período específico, afirma Calvino: “Fosse eu narrar os inúmeros conflitos por meio
dos quais o Senhor tem me exercitado, desde aquele tempo, e as quantas provações com as quais
Ele tem me testado, daria uma longa história”. Calvin, prefácio, p. XLIV.
382
“João Calvino e Farel tiveram muitos adversários e opositores em Genebra [...].Finalmente a
oposição venceu as eleições. E no dia 23 de abril de 1538, Calvino e Farel foram banidos de Gene-
bra.” In.: Gonzales, Justo, A Era dos Reformadores, p. 56.
123
383
Calvino pode colocar em prática muitas de suas idéias sobre a dinâmica eclesial (Ver.
WALLACE, Ronald, op. cit., p. 43). Adquiriu grande experiência na administração eclesiástica,
bem como na área da “organização e disciplina eclesial e civil” (Ver. MCGRATH, Alister, op.
cit., p. 124). Na então recém-fundada Academia de Johann Sturm, ele pode exercer a docência. Foi
um período profícuo de produção literária. Mesmo enfrentando sérios problemas financeiros,
motivo pelo qual teve que se desfazer de boa parte de sua biblioteca, foi capaz de lançar nova
edição das Institutas, em agosto de 1539, sendo complementada em sua versão francesa, em 1541.
O grande comentário aos Romanos foi preparado nesse período, escrito em 1539, dedicado a
Simão Grynaeus, professor de Calvino em hebraico, reformador em Basiléia. “A Igreja e a
comunidade Reformadas, que haviam existido apenas em sua mente, na Genebra de 1538, eram
agora realidades concretas. A teoria abstrata e o sonho foram substituídos pela experiência prática
e concreta” (MCGRATH, Alister, op. cit., p. 124). De fato a vida transcorria muito bem. Alcançou
a cidadania strasbourgeois e, em agosto de 1540, contraiu núpcias com Idelete, uma jovem
senhora, viúva de um anabatista. Casou-se em 14 de agosto de 1540. No entanto, seu casamento
durou apenas nove anos, pois sua esposa morreu, vítima de tuberculose. Tiveram apenas um filho,
que também morreu ainda muito criança. Cf. SILVESTRE, Armando Araújo, op. cit., p. 102.
Calvino havia adquirido experiência, conhecimento e alto prestígio.
384
SCHAFF, Philip Schaff, History of the Christian Church, Vol. VIII, p. 299.
124
385
Segundo o biógrafo Courvoisier, Estrasburgo é a cidade onde Calvino se torna verdadeiramente
Calvino. O seu sistema de pensamento é aqui consubstanciado em algo de mais marcadamente
original. A sua obra Institutio é aqui re-editada (1539). É agora três vezes maior do que a primeira
edição. Em outubro de 1539, Pierre Caroli chega a Estrasburgo. Caroli está, agora, entre o
catolicismo e o protestantismo. Ele acusa Calvino de o terem confundido na sua fé. Calvino é
convocado a se submeter a um ritual tal como ele foi escrito por Caroli, para provar a sua fé. Uma
humilhação para Calvino. Calvino sofre uma crise nervosa. Neste outono de 1539, Calvino escreve
também um comentário à carta de Paulo aos Romanos. Este tema é particularemente querido do
protestantismo. Porque ali se encontra a justificação, através da fé, como a base de sustentação do
movimento protestante. Pois somente a fé salva e justifica. Ver: SILVA, Jouberto Heringer.
Música na Liturgia de Calvino em Genebra, Fides Reformata, São Paulo: Centro Presbiteriano
de Pós-Graduação Andrew Jumper, vol. VII, nº 2, jul/dez, 2002, p. 91.
386
Até Bucer se tornar o reformador de Estrasburgo, a influência de Lutero era muito forte na
liturgia reformada, sendo que Bucer trouxe a influência de Zwínglio à cidade, fazendo de sua
liturgia uma síntese do pensamento de culto de Lutero e Zwínglio. A liturgia de Martin Bucer era
mais simples que as missas romanas. Ele retirou muitos responsos, inseriu salmos metrificados e
hinos, excluiu o Kyries e o Glória in excelsis, inseriu orações de gratidão, permitiu que o pregador
selecionasse o texto de seus sermões e fez com que o culto tivesse se tornado menos estético e
mais racional. Ver: WEBBER, Robert E., Worship Old and New, Grand Rapids: Zondervan
Publishing House, 1984, p. 77-78. Como diz Charles Baird, Calvino “voltou-se para a autoridade e
inspiração da lei e do testemunho de Deus.” BAIRD, Charles W., A Liturgia Reformada, Santa
Bárbara D’Oeste: SOCEP, 2001, p.21. Calvino, em seus intentos reformadores na liturgia,
procurou retornar a um culto evangélico e livre das distorções que a história trouxe. Ver: WHITE,
James F., Protestant Worship, Tradition in Transition, Lousville: John Knox Press, 1989, p. 63.
125
387
LINDBERG, Carter, As Reformas da Europa, p. 234. Calvino continuou seus esforços pela
unidade com Bucer e Melanchton, porém a relação entre eles não mudou por isto. H. Koffijberg,
De Internationale Strekking van het Calvinisme, (Amsterdam, 1916), pp. 15-21.
388
“A Reforma de Lutero, que foi complementada por Calvino e Zwínglio, modifica
completamente a concepção religiosa de então." Ela começa por rejeitar os intermediários e aspira
ir até Deus e o Cristo diretamente, sem passar pela cristandade. A fé é o ponto fundamental do
Luteranismo e de toda a Reforma, a base de toda a religião reformada. “Nessa experiência do
Cristo finalmente puro, finalmente a sós, estaria a fé." Haveria assim uma fé pura, puramente
inspirada pelo Espírito. “A fé liberada de todas as contaminações dos interesses históricos e
paixões da cristandade”. DREHER, Martin, p. 15. DREHER, Martin, “Introdução”. In: LUTERO,
Martinho. Obras Selecionadas. São Leopoldo: Editoras Sinodal e Concórdia.
389
Idelette de Bure (? - 29 de Março de 1549) foi a mulher de João Calvino, com quem se casou
em Estrasburgo. Seu primeiro marido, Jean Stordeur, tinha falecido de peste bubônica. Tinha dois
filhos e teve, com Calvino, pelo menos três, todos mortos na infância. Ver: Bouwsma, William J.
John Calvin – A Sixteenth Century Portrait (Oxford, UK: Ox-ford University Press, 1988), p.
45; Cairns, Earle E., O Cristianismo Através dos Séculos, op. cit., p. 278; Ferreira, Wilson C.,
Calvino: Vida, Influência e Teologia (Campinas, LPC, 1985), p. 21.
390
Em 1526, os genebrinos firmaram uma aliança com os "cantões" de Berna e de Friburgo. Sendo
assim, estavam mais fortalecidos para lutar contra o duque Carlos III, de Sabóia, que, em janeiro
de 1531, concede independência política ao "cantão" genebrino e provoca assim a perda do poder
temporal do bispo. Nos anos de 1526 e 1527, a cidade tinha sido atraída para a órbita da Suíça e,
em 1533, Berna promovera ativamente a causa da Reforma Protestante em Genebra. Desde aí a
influência da cidade protestante foi sentida e as decisões de Berna passaram a ser respeitadas em
Genebra, que contava com sua ajuda militar. Ver: VAN HALSEMA, Thea B., João Calvino Era
Assim, p. 81.
126
391
KEE, Christianity: A Social and Cultural History, 378.
392
Calvino morre, em 27/05/1564, em Genebra. No seu funeral, não houve cerimônia religiosa e
ninguém sabe, até hoje, onde está enterrado seu corpo. Schlesinger & Porto, Geografia Universal
das Religiões, 1988:709.
393
Genebra chegou a abrigar mais de 6 mil refugiados vindos da França, Itália, Inglaterra,
Espanha e Holanda. (Ver Philip Schaff, History of the Christian Church, VIII, 802; Ricardo
Cerni, Historia del Protestantismo, 2ª ed. corrigida (Edimburgo: El Estandarte de la Verdad,
1995), 63), aumentando este número com os estudantes que para lá se dirigiram com a fundação
da Academia de Genebra (1559). Lembremo-nos que a população de Genebra era de 9 a 13 mil
habitantes [9 mil segundo Reid (W.S. Reid, A Propagação do Calvinismo no Século XVI: em
W. Stanford Reid ed., Calvino e sua Influência no Mundo Ocidental, 52; 12 mil conforme
McNeill (J.T. McNeill, Los Forjadores del Cristianismo, Vol. II, 211); 13 mil de acordo com
Nichols (Robert H. Nichols, História da Igreja Cristã (São Paulo: Casa Editora
Presbiteriana,1978), 164). Schaff apresenta dados mais específicos relativos a cada período:
aproximadamente 12 mil habitantes no início do século XVI, aumentando para mais de 13 mil em
1543, tendo um surto de crescimento de 1543 a 1550, quando a população saltou para 20 mil
(Philip Schaff, History of the Christian Church, VIII, 802. Ver também Tomas M. Lindsay, La
Reforma y su Desarrollo Social (Barcelona, CLIE, - 1986 -, 117). Afora isso, Calvino exerceu
poderosa influência através da palavra falada e escrita; a sua Instituição - contrariamente à De
Clementia - tornara-se um sucesso editorial desde o seu lançamento em 1536. Wendel nos diz que
a primeira edição da Instituição esgotou-se em menos de um ano (François Wendel, Calvin (Nova
York: Harper & Row, 1963), 113; Justo L. Gonzalez, A Era dos Reformadores, 111). (Ver
também, Timothy George, Teologia dos Reformadores, 177-178). Ladurie, analisando a saga da
família Platter, diz que o ponto mais alto da tipografia de Platter – Lasius - que publicou a
primeira edição da Instituição, em latim (1536) -, foi com a obra de Calvino, a qual “projetara
Thomas”. (Ver Emmanuel Le Roy Ladurie, O Mendigo e o Professor: A Saga da Família Platter
no Século XVI, Vol. 1, 152, 153, 166).
127
2.4.3
A Segunda Estada de Calvino em Genebra
394
Doumergue, Calvijn als Mensch en Hervormer, Trad. Helena C. Pos, (Amsterdam, 1931), pp.
10-15.
395
Os conflitos entre Calvino e o Conselho de Genebra foram vários. Foram travados devido à
questão do direito da excomunhão, da conformação da vida religiosa aos princípios reformadores,
à questão da ceia e sua celebração, à questão do sustento dos pastores de Genebra e o trato com os
Libertinos, que desejavam toda sorte de liberdade e poucas obrigações. Ver: BIELÉR, André, op.
cit., pp. 192-193.
396
LESSA, Vicente Temudo, op. cit., pp. 171-178.
128
397
SILVESTRE, Armando Araújo, op. cit., p. 54, em uma nota de rodapé traz o seguinte resumo
sobre a vida de Serveto: Michel Servet ou Miguel Servetus (1511-1553): “foi um jovem físico
espanhol e brilhante estudioso. Descobriu que a doutrina Nicena da Trindade usava termos não-
bíblicos e, após estudar a Bíblia e os padres antinicenos, formulou outro ponto de vista, rico em
teologia eucarística e batismal. Publicou seus pontos de vista em 1531 (De trinitatis erroribus libri
VI) e novamente, em 1553, (Cristianismi restitutio), o que ocasionou sua execução, como herege,
em Genebra. Ele considerava o Espírito uma força e não uma pessoa. Negou a eterna geração do
Verbo etc. Era também geógrafo e anatomista e criou que a Bíblia deveria ser estudada em seu
contexto histórico. Sua maior contribuição científica foi a descoberta da circulação do sangue nas
vias respiratórias. De 1541 a 1553, manteve correspondência secreta com Calvino, que reprovava
seu antitrinitarianismo. Um amigo de Calvino denunciou Servet à Inquisição Católica e ele foi
preso. Escapou para Genebra, possivelmente contando com o apoio de anticalvinistas. Calvino
exigiu seu arrestamento e, como ele não negava sua heresia, o Petit Conseil autorizou sua
execução na fogueira em Champel, no dia 27 de outubro de 1553 (Cf. Westminster dictionary of
Church history, p. 763; Oxford Dictionary, p. 1263).
398
LESSA, Vicente Temudo, op. cit., p. 179. Lessa ainda afirma que os historiadores Philip
Schaff, Wylie, Hagenbach, além de outros, podem ser consultados com proveito. Podemos citar
ainda Augusto Dide, pastor, que se tornou livre pensador e escreveu uma apologia de Serveto,
contendo um forte ataque a Calvino. Entretanto, um dos principais historiadores que escreveram
sobre o assunto chama-se Henry Tollin, pastor da Igreja francesa, em Magdeburgo. Michelet,
Voltaire e Rousseau foram contundentes contra Calvino. (Ver o escritor Valentine Zuber,
professor de l’École Pratique des Hautes Études. Vol. I. 2004, p. 656).
399
LESSA, Vicente Temudo, op. cit., p. 180.
400
SILVESTRE, Armando Araújo, op. cit., pp. 53,54.
129
401
“Outro grande problema que Calvino teve de enfrentar, nesta época, foi o caso de Miguel de
Serveto. Este apareceu, em Genebra, afirmando que as Escrituras Sagradas nada falavam sobre o
Dogma da Trindade. Serveto insistia, ainda, que Jesus não era o Filho de Deus, que não passava
de um homem. Em Genebra, essa pregação representava um grande perigo para a Igreja
florescente; logo o Conselho da Igreja tomou as providências de prendê-lo. Uma vez preso, ele
foi levado a julgamento, pois as leis da época o exigiam; mas é bom deixar claro que o poder de
sentenciar Serveto não estava nas mãos de Calvino, e, sim, do Conselho de Genebra, o Pequeno
Conselho. Contudo, o grande reformador nada fez para impedir a condenação de Miguel de
Serveto. Este, depois de um processo sumário, foi condenado e, em 27 de outubro de 1553, com
seus livros amarrados entre os braços, inclusive suas Restitutas, livro onde expunha sua teologia
divergente, Serveto foi queimado na colina de Champel. Esse episódio tem sido utilizado pelos
inimigos de Calvino para denegrir a sua obra. Entretanto, é bom lembrar que a condenação
daqueles que a Igreja considerava hereges era uma prática da época iniciada, implantada e
validada pela Igreja Católica Romana, que não só a aprovava, como a utilizava sistematicamente
na condenação de protestantes e das mulheres acusadas de bruxarias.” GOMES, Antonio Máspoli
de Araújo. O Pensamento de João Calvino e a Ética Protestante de Max Weber, Aproximações e
Contrastes, p. 4.
130
402
LESSA, Vicente Temudo, op. cit., p. 180.
403
GOUVÊA, Ricardo Quadros. A Importância de João Calvino na Teologia e no Pensamento
Cristão. Em O Pensamento de João Calvino. São Paulo: Ed. Mackenzie. 2000, p. 117.
404
LESSA, Vicente Temudo, op. cit., p. 181.
405
MARTINA, Giacomo, op. cit., p. 149.
406
GOUVÊA, Ricardo Quadros, op. cit., pp. 115,116.
407
LESSA, Vicente Temudo, op. cit., p. 182.
131
408
LESSA, Vicente Temudo, op. cit., p. 206.
409
GOUVÊA, Ricardo Quadros, op. cit., p. 118. Gouvêa afirma: “Calvino era um homem de
sentimos profundos e de grande misericórdia. Suas cartas o provam; sua perseverança em Genebra
o prova [...]”.
410
LESSA, Vicente Temudo, op. cit., p. 201.
132
411
IRWIN, C. H. John Calvin – The man and his work. Indianápolis, 1976, p. 169.
412
LESSA, Vicente Temudo, op. cit., p. 212.
413
LESSA, Vicente Temudo, op. cit., p. 212.
414
LESSA, Vicente Temudo, op. cit. p. 212.
415
GONZALEZ, Justo L., op. cit., p. 119.
133
416
LESSA, Vicente Temudo, op. cit. p. 243.
134
2.4.4
Os Últimos Anos de Calvino
417
GONZALEZ, Justo L., op. cit., p. 117.
418
Cf. O excelente artigo de W. Stanford Reid, “Calvino e a Fundação da Academia de Genebra,”
Westminster Theol. Jour., XVIII (1955), pp. 1-35.
419
Carlos Barro falando sobre a visão missionária de Calvino e seus ideais para com a
Universidade de Genebra disse (BARRO, 1998, p.44): “A Idéia de Calvino era de que, quando
propriamente treinados, os estudantes poderiam voltar a seus próprios países e espalhar o
evangelho como missionários. Nesse sentido, ele procurou tornar Genebra um centro missionário
para espalhar a Reforma e os seus ensinos por toda a Europa e outras partes do mundo”. BARRO,
Antônio Carlos. In Revista Fides Reformata. N° 1 Volume III: São Paulo (SP): Seminário
Presbiteriano Revendo José Manoel da Conceição, janeiro a junho de 1998, pp. 38-49.
420
A “Academia de Genebra” foi fundada em 05/06/1559. A necessidade de pastores e obreiros
era gritante! O próprio Calvino, numa de suas cartas, desabafa essa triste realidade, dizendo que
“em todas as partes da França, os irmãos estão implorando a nossa assistência”. Antônio Carlos
Barros, A Consciência Missionária de Calvino. In: Fides Reformata, vol. III, no. 1, 1998, p. 43
421
Quando João Calvino começou a escrever a primeira edição das Institutas da Religião Cristã,
em 1535, com a idade de 27 anos, sua intenção era servir grandemente aos interesses protestantes,
mas sua influência deve ter excedido em muito a sua expectativa. Provou ser o trabalho mais
influente da Reforma Protestante. Os protestantes de outros países viram, em Calvino, e em sua
obra, um pilar de grande força para a obra iniciada, pois que era um teólogo do mais alto grau,
enquanto que os romanistas temeram sua caneta como um dos inimigos mais fortes. Certo escritor
católico teve que dizer o seguinte a respeito das Institutas: "É o Alcorão, o Talmud da heresia, a
causa principal de nossa queda [...] o arsenal comum do qual os oponentes da velha Igreja
obtiveram emprestado as armas mais agudas. Nenhum escrito da era da reforma é mais temido
pelos católicos romanos, e mais zelosa e hostilmente combatido, que as "Institutas" de João
Calvino".
135
Devido ao excesso de trabalho durante toda a sua vida, Calvino, que havia
passado por muitas enfermidades, ficou debilitado.422 Em 2 de fevereiro de 1564,
enunciou sua última conferência na academia e, em 6 de fevereiro, pregou o seu
último sermão.423 Em 27 de maio de 1564, Calvino morreu em Genebra. Um dia
depois, foi sepultado sem nenhuma pretensão, como ele mesmo havia pedido.424
Por isto, ninguém, nos dias atuais, sabe com precisão onde estão os restos do
reformador.
Foram vinte e cinco anos de extensa dedicação à causa do Evangelho. De
1536 a 1538, encorajado por Farel e convidado insistentemente pelo Conselho da
cidade, passou ali mais vinte e três anos, de 1541 até 27 de maio de 1564, dia em
que o Eterno e Soberano Senhor o chamou à sua presença.
422
OC 9.891-4. As notas 130 e 131 do artigo João Calvino: O Humanismo Subordinado ao Deus
da Palavra – a propósito dos 490 anos de seu nascimento. In: Fides Reformata 4/2 (1999) de
Hermisten Maia Pereira da Costa, são dignas de registro: No dia 08/02/1564, escreveria a médicos
de Montpellier, agradecendo os remédios e a gentil atenção. Nesta carta, ele descreve suas
enfermidades: artrite, pedras nos rins, hemorróides (que o impediam de cavalgar), febre, nefrite,
indigestão, cólicas, úlceras, emissão de sangue por via urinária. (Ver João Calvino. To the
Physicians of Montpellier, “Letters”, John Calvin Collection, CD-ROM (Albany, OR: Ages
Sofware, 1998), número 665. Teodoro Beza. “Life of John Calvin”, John Calvin Collection, CD-
ROM (Albany, OR: Ages Sofware, 1998), 50 e 52. Ver também Philip Schaff. History of the
Christian Church. Vol. VIII, 820,821. Os últimos momentos de Calvino foram testemunhados
por seus pares, que afirmam: “Estes são os eventos principais na vida e morte de Calvino que eu
mesmo testemunhei durante os últimos dezesseis anos. Eu penso que estou qualificado para
declarar que nele foi exibido diante de todos os homens um dos mais belos e ilustres exemplos de
vida piedosa e morte triunfante de um verdadeiro cristão; que será fácil pela malevolência
caluniar, como será difícil devido a sua exaltada virtude imitar”. [Teodoro Beza, “Life of John
Calvin”, John Calvin Collection, CD-ROM (Albany, OR: Ages Software, 1998), 65. Outra
tradução: Teodoro Beza, Life of John Calvin: em Tracts and Treatises on the Reformation of the
Church, Vol. I, cxxxviii. Cf. Philip Schaff, History of the Christian Church, Vol. VIII, 272].
423
Philip Hughes nos conta que não foi muito antes que Calvino foi compelido “pelas
circunstâncias da controvérsia na cidade [...] a adicionar aos seus compromissos de ensino a
responsabilidade da pregação pública”. Philip E. Hugh es, ed., introdução ao The Register of the
Company of Pastors of Geneva in the Time of Calvin (Grand Rapids, MI, William B. Eerdmans
Publishing Co.), p. 5.
424
Calvino compreendia que a glória deveria ser tributada apenas a Deus, e que por melhor que
fosse o ser humano, não era digno de honrarias. Pensa assim porque entende que “a condição do
homem com relação a Deus é de total depravação, havendo uma tremenda “discrepância entre a
nossa sordidez e a suprema pureza de Deus.” Institutas, livro II, p. 230.
136
O grande e amável amigo Farel lhe faz a última visita, já aos setenta e cinco
anos. Seu biógrafo Theodoro Beza ali esteve até o momento final. Realizou
grande esforço para falar suas últimas palavras aos pastores de Genebra, palavras
de despedida.425 Em seu Discours d’adieu aux ministres, Calvino afirmou que
tinha sido apenas um “pobre e tímido acadêmico”,426 vocacionado por Deus para
o serviço do seu Reino.427
Logo depois de sua morte, Beza escreveu:
425
OC 9.891-4. As notas 130 e 131 do artigo João Calvino: O Humanismo Subordinado ao Deus
da Palavra – a propósito dos 490 anos de seu nascimento. In: Fides Reformata 4/2 (1999) de
Hermisten Maia Pereira da Costa, são dignas de registro: No dia 08/02/1564, escreveria a médicos
de Montpellier, agradecendo os remédios e a gentil atenção. Nesta carta ele descreve suas
enfermidades: artrite, pedras nos rins, hemorróides (que o impediam de cavalgar), febre, nefrite,
indigestão, cólicas, úlceras, emissão de sangue por via urinária. (Ver João Calvino. To the
Physicians of Montpellier, “Letters”, John Calvin Collection, CD-ROM (Albany, OR: Ages
Sofware, 1998), número 665. Teodoro Beza. “Life of John Calvin”, John Calvin Collection, CD-
ROM (Albany, OR: Ages Sofware, 1998), pp. 50,52. Ver também Philip Schaff. History of the
Christian Church. Vol. VIII, pp. 820,821.
426
MCGRATH, Alister, op. cit., p. 223.
427
OC 9.892: “[…] un pauvre escholier timide comme ie suis, et comme ie l’ay tousiors esté […]”.
428
BEZA, Theodoro. Life of John Calvin: em Tracts and Treatises on the Reformation of the
Church, CXXXIV e, em outra tradução: Teodoro Beza, Life of John Calvin, p. 63, em John
Calvin Collection (The AGES Digital Library, 1998). Cf. J. T. McNeill. The History and
Character of Calvinism, p. 227. Ver também Hermisten Maia Pereira da Costa. João Calvino: O
Humanismo Subordinado ao Deus da Palavra – a propósito dos 490 anos de seu nascimento. In:
Fides Reformata 4/2 (1999), p. 14.
137
429
LESSA, Vicente Temudo, op. cit., p. 262.
430
GONZALEZ, Justo L. A Era dos Reformadores. Vol. VI. São Paulo. Ed. Vida Nova, p. 117.
431
SILVESTRE, Armando Araújo, op. cit., p. 80
432
Há muitas obras de Doumergue, das quais podemos citar: Jean Calvin, les hommes et les choses
de son temp (1889-1927); La Genève calviniste e The Christian Institutes of Calvin and the
Confession of Faith of la Rochele (1896).
433
SCHAFF, Phillip. The Swiss Reformation, op. cit., p. 834.
434
GOUVÊA, Ricardo Quadros, op. cit., pp. 118.
138
435
SCHAFF, Philip. History of the Christian Church. Vol. VIII, 825. In: Hermisten Maia Pereira
da Costa. João Calvino: O Humanismo Subordinado ao Deus da Palavra – a propósito dos 490
anos de seu nascimento. In: Fides Reformata 4/2 (1999), p. 15.
436
RENAN, Ernest. Études d’Histoire Religieuse. (Paris, 1880). 7a edição, p. 342. Apud Phillip
Schaff. History of the Christian Church. Vol. VIII, pp. 279,280. In: COSTA, Hermisten Maia
Pereira, In: Fides Reformata 4/2 (1999), p. 01.
139
2.4.5
Beza, o Sucessor e Biógrafo de Calvino
Depois da morte de Calvino, Teodoro Beza foi eleito seu sucessor como
moderador dos pastores de Genebra. Beza nasceu, em 1519, na Borgonha. Seu pai
era o governador Real em Vezelay, sua mãe era conhecida pela sua generosidade
e seu tio, Nicholas, estava no parlamento Francês. Nicholas o convidou para
estudar em Paris e, antes de se dirigir para lá, estudou aos pés de Melchoir
Wolmar, na Alemanha e, posteriormente, em Bourges, tendo concluído seu curso
de Direito em Orleans, em 1539.437
Após sua graduação, seguiu para Paris, sendo-lhe prometida a sucessão no
escritório de seu tio Nicholas, onde recebia 700 coroas douradas que eram mais do
que suficientes para o seu sustento. Depois de 2 anos em Paris, ele adoeceu
mortalmente, quando, então, veio a perceber suas necessidades espirituais, o que
resultou na sua conversão. Antes de se recuperar totalmente, tomou os seus
pertences e se dirigiu para Genebra, pois, havendo renunciado à fé católico-
romana, era o local mais seguro de se estabelecer. Por causa de sua conversão,
foram tomadas todas as suas regalias, inclusive o sustento conseguido pela sua
família, mas mesmo assim, ele estava disposto a abandonar tudo e aprender mais
sobre a fé protestante.
Originalmente professor jurista, passou dez anos lecionando Grego na
academia de Lausanne, na Suíça. Em 1558, foi para Genebra. Um ano depois,
tornou-se diretor da academia da cidade.438
Calvino, que se encontrava em Genebra, e que já o conhecia desde os
tempos em que estudou com Wolmar, o recebeu de braços abertos. Em 1558,
ocupou a primeira cadeira de Grego na Academia de Genebra. Já em seus
primeiros anos em Genebra, Beza tornou-se consultor teológico da Igreja
francesa, dialogando com as autoridades políticas dos hunguenotes no contexto
das guerras da religião.
437
CARTER, Lindberg. As Reformas na Europa, p. 325.
438
Em 1558, Beza aceitou uma oferta de Calvino para lecionar na recém fundada academia em
Genebra. Ver: Gonzalez, Justo L., Dicionário Ilustrado dos Intérpretes da Fé, p. 110.
140
439
Ao contrário de Calvino, que era um expositor da Escritura, e que comentava os textos
objetivando a pregação, Beza inseriu o estudo acadêmico do Antigo Testamento e do Novo
testamento, sendo precursor da teologa bíblica moderna. Ver: MURDOCH, Ralph, Interesting of
Scriptures Studies?, New York: New Harper, 1998. p.57.
440
A concepção do “ditado verbal da Escritura” não é um legado de Calvino, mas dos seus
sucessores, sob a influência de Beza. Jean Astruc e Pierre Bordieu, ao apresentarem suas críticas a
Calvino neste ponto, estão na realidade apontando desvios no calvinismo, e a literalidade foi
defendida por autores calvinistas como Turrentino e W. Ames, como sendo um princípio extraído
de Calvino. Ver: COURTHIAL, Pierre, Idade de Ouro do Calvinismo na França (Em: Calvino e
Sua Influência no Mundo Ocidental), pp. 88-110.
441
As doutrinas mencionadas foram adotadas por Calvino, mas o foco de Calvino, posto na ação
do Espírito, foi substituído pela idéia nominalista de que a Escritura por si mesma pode culminar
em ensino da “correta e santa doutrina”. Institutas, livro I, 10,2.
442
A “lectio continua”, adotada por Calvino no seu ministério, em Genebra, foi confirmada por
Beza, que, ao contrário de Calvino, não aceitava a adoção de qualquer lecionário, inclusive aqueles
adotados em cidades como Berna e Zurich. Ver: CARTER, Lindberg, As Reformas na Europa, p.
318.
443
O socianismo é um movimento fundado sob a influência de Socianus, precursor do Iluminismo.
O socianismo adota o pelagianismo, ou seja, a razão, que não está totalmente corrompida, pode
compreender as verdades sobre Deus, e operar a salvação. Ver: GONZALES, Justo L., Dicionário
Ilustrado dos Intérpretes da Fé, p. 589.
141
2.4.6
As Obras de João Calvino
444
FERREIRA, Wilson Castro, op. cit., p. 140.
445
Ver LANE, A. N.: “Calvin’s Use of the Fathers and the Medievals”, in Calvin Theological
Journal, 16, 1981, pp. 14 9-205; e “Calvin’s Sources of St Bernard”, in Archiv für
Reformationsgeschichte, 67, 1967, pp. 253ss.
142
446
Afirma Calvino: "A terceira aplicação da Lei é a mais importante porque se refere a seu
objetivo final: se realiza em todos os fiéis, em cujos corações o Espírito de Deus domina. Eles têm
a Lei escrita, incluída e esculpida em seus corações pelo dedo de Deus, o que significa que são
orientados pelo Espírito a terem uma disposição mental interior que os leva a, de bom grado, se
submeterem. Sem dúvida, é possível tirar um duplo proveito da Lei. Primeiro: é o melhor
instrumento que nos ensina dia a dia qual é a vontade de Deus que buscamos cumprir, pois nos
afirma tal conhecimento. Por mais que um servo anele de todo o coração cumprir as expectativas
do seu amo, sempre tenderá a necessidade de explorar e observar a particularidade de seu patrão.
O mesmo vale para os fiéis. Nada pode se libertar desta necessidade, porque nada há de mais
profundo ou sábio que o puro conhecimento da vontade de Deus, através da educação diária na
Lei. Segundo: não necessitamos somente que alguém ensine, mas que também admoeste. Este é
outro proveito que o servo tem através da Lei. Sua observação constante reforça nossa obediência
e salva do perigoso caminho do pecado e da desobediência. Os santos necessitam sem dúvida de
ajuda e estímulo, porque ainda que seu espírito deseje buscar a justiça de Deus, as debilidades da
carne pesam sobre eles, e não vão por caminhos com a necessária e alegre disposição.” Parágrafo
citado das Institutas II, 7,12.
447
“Pela lei Deus exige o que lhe é devido, todavia não concede nenhum poder para cumpri-la.
Entretanto, por meio do Evangelho os homens são regenerados e reconciliados com Deus através
da graciosa remissão de seus pecados, de modo que ele é o ministério da justiça e da vida.”
Segundo Coríntios, (2 Co 3.7), p. 70.
448
WARFIELD. Calvin and Augustine, Baker Book House Distributer Grand Rapids, 1956, p. 5.
143
449
Por entender ser a Bíblia o registro inerrante da Palavra de Deus, e que não é possível conhecer
a Deus sem a Palavra, Calvino se lança a comentar a Escritura e o faz segundo um programa que
consiste em preservar “a unidade que se processa à par da Palavra do Senhor” (Institutas, livro IV,
2.5).
450
Ainda que este juízo seja verdadeiro, não obstante, isto não quer dizer que Calvino não tenha
sido influenciado por Lutero através de Bucer, sendo estas concepções calvinistas avivadas através
da leitura de Agostinho. Ainda que Calvino seja crítico da prolixidade de Agostinho, ele cita este
com mais freqüência que todos os outros Pais da Igreja. Calvino, em sua leitura teológica,
apresenta-se mais dependente das Escrituras que outros teólogos Reformados da época, e a
claridade e incisão do seu pensamento, bem como as aplicações práticas para a vida total e de
fervor e afeto são decorrentes desta leitura da Escritura. Por isto, Calvino é chamado teólogo do
coração (Warfield, op. cit., p. 23).
451
SCHAFF, Phillip. History of the Christian Church. Vol. VIII, p. 261.
452
BARTH, Karl. Revolutionary Theology in the Making, p. 101. Apud Timothy George, op. cit.
p. 163.
144
453
GOUVÊA, Ricardo Quadros, op. cit., pp. 116.
454
LESSA, Vicente Temudo, op. cit. p. 248.
455
DURANT, Will. A reforma: história da civilização européia de Wyclif a Calvino: 1300-
1564. p. 384. Cf. SILVESTRE, Armando Araújo, op. cit., p. 83. A primeira obra de Calvino era
uma clara consciência que o reformador tinha acerca da necessidade de tolerância, de liberdade,
pois, na obra, conclama o rei Francisco I, da França, a usar de clemência para com os
reformadores. Desde muito cedo Calvino abraçara o humanismo, que trazia, em seu conteúdo, a
valorização do homem.
145
456
Apenas como informação histórica, nesse mesmo ano de 1534, no dia 15 de agosto, em
Montmartre, Inácio de Loyola instituiu a ordem dos jesuítas. Ano também importante pelo fato de
que Paulo III excomungou Henrique VIII e estabeleceu, na Itália, a Inquisição.
457
LESSA, Vicente Temudo, op. cit. pp. 73-77.
458
GOUVÊA, Ricardo Quadros, op. cit., p. 116.
459
“Calvino não está vinculado, como Lutero, a algum ramo da Igreja Cristã; está associado mais
apropriadamente a um grande sistema de pensamento. E esse sistema é tão extenso, tão penetrante,
e tão poligonal que, desde um ponto de vista, é um corpo sólido de doutrinas abarcando todas as
grandes verdades da religião e da vida.” Calvin Memorial Addresses (Savannah, 1909), p. 37.
460
O primeiro princípio do calvinismo é o reconhecimento da Escritura como a Palavra de Deus.
Este foi o princípio formal da Reforma Protestante, estabelecida em todos os credos calvinistas, e o
fim de toda contradição em todos os escritos próprios de Calvino. A Escritura não é somente o
guia autoritativo para o caminho da salvação, mas também dota o homem de uma interpretação
autoritativa da realidade como um todo, mais particularmente a existência do homem. O calvinista
busca olhar todas as coisas à luz da eternidade (sub species aeternitatis). Ver: La Historia y
Carácter del Calvinismo (New York, 1954), p. 433.
146
461
Por soberania o calvinista entende o absoluto direito de Deus em governar o mundo e fazer o
que deseja. É o criador, “Pois dele, por meio dele e para ele são todas as coisas.” Juan Calvino,
Institución (Libro I, Cap. 16, pár. 1-9; Libro III, Cap. 21, 22, 23).
462
Porém os dois temas se interligam. Sobre isto, afirma Calvino: “Agora, foi-nos da máxima
importância que fosse tanto verdadeiro Deus quanto verdadeiro homem aquele que nos houvesse
de ser mediador. Se da necessidade disso se indaga, não houve, de fato, uma necessidade simples,
ou, como dizem geralmente, absoluta. Procedeu, antes do decreto celeste, de que dependia a
salvação dos homens. Mas o Pai clementíssimo decretou o que nos era melhor.” Institutas, livro II,
p. 230.
463
"Toda nossa sabedoria – se é que merece este nome, se é verdadeira e confiável – compreende
no fundo das coisas: o conhecimento de Deus e de nós mesmos. Estes dois, sem dúvida, estão
vinculados de múltiplas maneiras, e por isto não é tão fácil constatar qual é superior, ou originário.
Primeiro, nenhum homem pode contemplar-se sem contemplar a Deus com todos seus sentidos, o
Deus em que vivemos, e nos movemos, e somos (Atos 17.28). Porque todos os dons que
constituem os bens aparentemente não os temos a partir de nós mesmos. Inclusive em nossa
existência como humanos consiste em ter nossa essência no Deus único. E segundo, estes dons
mostram a nós como caem as gotas do céu e nos guiam como o riacho na fonte. Porque justamente
nossa pobreza se reconhece mais claramente na riqueza inimaginável de todos os dons que
procedem de Deus. Especialmente a decadência miserável em que caímos, porque o primeiro
homem perdeu a fé, o que nos obriga a levantar os olhos. Precisamos e devemos implorar a Deus
que nos dê o que nos falta, porém, ao mesmo tempo. devemos aprender a ser humildes [...].
Sentimos nossa ignorância, vaidade, pobreza, debilidade, nossa maldade e depravação, e assim
chegamos a compreender que somente em Deus se achará a verdadeira luz da sabedoria, a
verdadeira força e virtude, uma riqueza imensa de todos os bens e a verdadeira justiça. É
justamente nossa miséria que nos faz contemplar os dons de Deus, e somente quando somos
confrontados com isto é que vemos nossos defeitos, e procuramos seriamente alcançar o Senhor.
Porque (naturalmente) cada homem prefere confiar em si mesmo e geralmente não se conhece por
isto, pois se conforma com suas habilidades e não quer saber da sua miséria. Quem se conhece,
não somente tem a motivação de buscar a Deus, mas de certa maneira é levado por suas mãos à
sua sabedoria e santidade, porque ninguém pode conhecer a si mesmo sem antes haver conhecido
o rosto de Deus, e nesta contemplação passa a olhar a si. Porque uma enorme soberba é inata em
nós, e sempre achamos que somos impecáveis, sábios e santos, a não ser que nos enfrentemos com
provas palpáveis de nossa injustiça, mácula, estupidez e impureza, e nos convençamos desta
maneiras. Porém, isto não ocorrerá se somente olharmos para nós mesmos e não para o Senhor,
porque ele é o único parâmetro que nos permite nos autojulgarmos. Por natureza, tendemos à
hipocrisia e, por isso, qualquer aparência de justiça nos satisfaz tanto, porém, no fundo, somente
poderia nos satisfazer a verdadeira justiça.” Institutas, livro I, 1, 1 e 2.
147
464
FERREIRA, Wilson Castro, op. cit., p. 162.
465
SILVESTRE, Armando Araújo, op. cit., p. 125.
466
Ver John Kromminga. This is my heart – Devotional Readings from Writings of John Calvin.
Zondervan P. House. Grand Rapids MI, 1958. Nixon Leroy. John Calvin’s Teachings and Their
Implications for the theory of Reformed Protestant Christian Education. Thesis, New York
Univ., 1962. James Mckinnon. Calvin and Reformation. Longmans Green and CO., New York,
1936.
467
FERREIRA, Wilson Castro, op. cit., p. 162. Cf. SILVESTRE, Armando Araújo, op. cit., p. 130.
149
Não podemos deixar de afirmar que a publicação de suas cartas serviu como
instrumento apologético, pois revelavam um Calvino completamente diferente
daquele que seus opositores descreviam.471
Calvino também introduziu a concepção de que a obra de Cristo manifesta a
realidade de seu tríplice ofício como Profeta, Sacerdote e Rei.472 Ou seja, da
mesma forma que sua concepção dos múnus que dirigia a Igreja e o estado, os
ofícios exercidos por Cristo são identificados a partir de suas ações (ou pelo
menos de como Calvino as entendia).
468
FERREIRA, Wilson Castro, op. cit., p. 151.
469
Quando reunidas, suas cartas formam nada mais nada menos do que 13 volumes da Ioannis
Calvini Opera Omnia, e 4 volumes da coleção Selected Works of John Calvin: Tracts and Letters,
organizado por Henry Beveridge e Jules Bonnet e tradução de David Constable. Grande Rapids:
Baker, 1983.
470
FERREIRA, Wilson Castro, op. cit., p. 153.
471
FERREIRA, Wilson Castro, op. cit., p. 154.
472
O ministério mediador de Jesus Cristo é colocado em termos de “ofício” e se desdobra na
triplicidade destes. Calvino assim os denomina: Múnus profético, múnus sacerdotal e múnus real.
Institutas, Vol II, p. 260.
150
473
No comentário do Salmo 73:23, Calvino declara o papel do Espírito na preservação dos eleitos.
Ele diz “a razão de não sucumbirmos, mesmo entre os severos conflitos, nada mais é porque
recebemos o cuidado do Espírito Santo. Realmente, Ele nem sempre põe sobre nós o seu poder de
um modo evidente e notável (pois Ele nos aperfeiçoa em nossa fraqueza), mas é suficiente que Ele
nos socorra, ainda que sejamos ignorantes e inconscientes disto: de que Ele nos sustente quando
nos humilhamos, e ainda nos levante quando caímos” (John Calvin, in loci, The Works of John
Calvin. In: Ages Digital Library).
474
Ao comentar Efésios 1:14 Calvino interpreta que “o Espírito, pois, é o penhor de nossa herança,
ou seja: a vida eterna; para a redenção, ou seja: até ao dia em que a redenção se plenifique.
Enquanto vivemos neste mundo, necessitamos de um penhor, porque combatemos em esperança;
mas quando a possessão mesma se manifestar, então cessará a necessidade e o uso do penhor”
(Efésios, p. 37).
475
Afirma Calvino: “Se o sangue de animais era um símbolo genuíno de purificação, no sentido
em que ele agia de uma forma sacramental, quanto mais o sangue de Cristo, que é a própria
verdade, não só dará testemunho da purificação por meio de um rito externo, mas também aquele
que realmente penetrará nas consciências humanas.” O autor mostra claramente como a morte de
Cristo deve ser avaliada não pelo prisma de seu ato externo, mas pelo poder do Espírito. Cristo
sofreu como homem, no entanto, a fim de que sua morte pudesse efetuar nossa salvação, sua
eficácia flui do poder do Espírito. O sacrifício que produziu a expiação externa foi muito mais que
uma obra meramente humana. O texto diz que o Espírito é eterno, para que saibamos que a
reconciliação que ele efetua é eterna. Hebreus, pp. 231-232.
151
476
Institutas, livro III, cap. 21, 3.
477
Institutas, livro I, 2, 3.
478
Institutas, livro III, cap. 21, 2.
152
479
LESSA, Vicente Temudo, op. cit. p. 153.
480
Ainda poderíamos citar outras inúmeras pequenas obras ou tratados, como eram chamados.
Mas cremos ser suficiente para visualizarmos o quanto Calvino dedicou sua vida aos estudos e à
magnífica tarefa de escrever.
481
GOUVEIA, Ricardo Quadros. A Importância de João Calvino na Teologia e no Pensamento
Cristão. In LEMBO, C. et al. O Pensamento de João Calvino. São Paulo: Mackenzie, Vol. 2,
p.121; Segue um pequeno esclarecimento com respeito aos termos e conceitos filosóficos
utilizados: pressuposicional – que parte de premissas não declaradas de um raciocínio e utilizadas
no decorrer do mesmo raciocínio, mas que não foram previamente enunciadas, não havendo, pois,
um compromisso definitivo em relação a ela; antitético – pressupõe um conflito de conhecimentos
aparentemente dogmáticos, sem que se atribua a nenhum deles um direito predominante ao
assentimento; heteronomia revelacional – lei de Deus ou estabelecida fora do homem, cujo
conhecimento lhe é revelado; efeitos noéticos – derivados do estudo das leis do pensamento, que
são os quatro princípios: identidade, contradição, terceiro excluído e razão suficiente; sensus
divinitatis – senso comum da presença e existência da divindade gravado na mente humana;
palingenética – segundo os estóicos, renascimento do mundo depois do término de um ciclo de
vida. Esse termo foi usado freqüentemente neste sentido ou sentido análogo e às vezes também em
sentidos restritos ou particulares: para designar o renascimento da alma, ou, em sentido retórico,
para indicar qualquer renovação radical.
153
482
GEORGE, Timothy. Teologia dos Reformadores, op. cit., p. 166.
154
Conclusão
Terceiro Capítulo
3
Calvino e a Liberdade Cristã: A Práxis Libertadora do
Calvinismo em Genebra
483
Podemos classificar o período dos grandes filósofos e da Idade Média como pré-modernos, o
que já foi visto, no capítulo primeiro, sob a ótica de alguns paradigmas. Entretanto, este tempo foi
marcado por um humanismo que existe apenas como pressuposto, como abstração, como
idealização, em que o homem é pensado e representado como pura idealidade, submetido a
exigências universais. Assim, se a cultura clássica – grega e romana – é matriz de certo sentido de
humanismo, este tem aí, como principal característica, a idealização do humano. Isto é
particularmente forte no referente à representação do corpo humano. O corpo humano que os
gregos esculpiram é a realização da beleza e da perfeição: as formas harmônicas, as proporções
exatas, a exatidão nascida não da realidade fenomênica do corpo, mas do corpo ideal – a aspiração
da construção da beleza, da areté – o corpo mais saudável e belo, o corpo como reprodução do
divino. Assim, na cultura clássica, não há lugar para o corpo que padece, que trabalha, que é
deformado pela ação das contingências. Exemplo disto é a maneira como Platão enxerga o homem
que trabalha: tendo visto, certa vez, um ferreiro que era anão e corcunda, ele concluiu que essas
deformidades físicas eram inerentes ao exercício daquele ofício, denotando o lugar absolutamente
aviltado que o trabalho e seu sujeito ocupam no mundo platônico. Representa-se o corpo, é certo,
mas aqueles volumes, aquelas formas são projeções ideais, são manifestações do máximo da
beleza e da grandeza de corpos que, na pedra, reproduzem as formas inefáveis dos deuses. Nesse
sentido, estamos longe dos corpos reais, que também são feitos de imperfeições, de desvios,
cobertos pelas cicatrizes do trabalho e da doença. Durante toda a Idade Média, sobretudo pela
influência bizantina, os corpos serão representados ideologicamente. Não há lugar, aí, para o
realismo, para a reprodução do mundo, material e social, tal como ele é – as formas, as figuras, os
corpos devem reproduzir, no espaço da representação, a absoluta hierarquia cósmica, a supremacia
do sagrado, em que o alto, o superior, o acima é sempre ocupado pelo sagrado em sua glória
eterna. É esta a fundamentação conceitual tanto da arte bizantina, quanto da tradição gótica. O
Cristo Pantocrator, talvez a mais exemplar tradição do espírito bizantino, e as catedrais góticas e
suas miríades de torres, vitrais, arcos ogivais, estátuas, apontando para o alto, são a escolástica em
vidro e pedra. Nesse mundo, tal como no mundo clássico, o homem real está oculto, sua imagem
ou foi idealizada, como sublimação da beleza e da força, ou foi reduzida a um estereótipo como se
fez nos mosaicos, ícones e vitrais bizantino-góticos. Já como marco do período moderno, o
movimento humanista teve seu início na Itália, no século XIV (Ver “Humanismo” em N.
Abbagnano, Dicionário de Filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1982, p. 493); “Humanismo”, em
José Ferrater Mora, Diccionario de Filosofia, 5a Edição (Buenos Aires: Editorial Sudamericana,
1965, Vol. I, p. 876). Seu esplendor se deu nos séculos XV e XVI (Ver “Humanismo”, em José
Ferrater Mora, Diccionario de Filosofia, Vol. I, p. 876. O pressuposto do Humanismo
Renascentista formulava que o homem era o centro de todas as coisas, em face de sua grandeza e
capacidade, vendo-o sempre como centro de tudo, nunca como meio. Francis A. Schaeffer (1912-
1984) aborda, com propriedade, o antropocentrismo do humanismo, declarando que o
“Humanismo é a colocação do homem como centro de todas as coisas, fazendo-o a medida de
todas as coisas.” (Cf. Francis Schaeffer em Manifesto Cristão. Brasília: Editora Refúgio. 1985, p.
27).
156
484
No entanto, o humanismo de Calvino não contemplava o homem como o centro de todas as
coisas. Seu conceito humanístico partia das Sagradas Escrituras. Ele sempre foi um homem
interessado pelo ser humano. Sua primeira obra, um comentário de Sêneca, chamada De Clementia
(1532), é tida por McNeill como “o principal monumento dos conhecimentos humanísticos do
jovem Calvino.” (Cf. MCNEILL, John T. The History and Character of Calvinism, p. 104).
Boisset diz que o livro de Calvino era “sólido trabalho de um humanista muito jovem e já
brilhante.” (Cf. Jean Boisset. História do Protestantismo. São Paulo: Difusão Européia do Livro.
1971, p. 57). O que precisamos reforçar é que o humanismo de Calvino não pode ser visto do
ponto de vista secular. Sua expressão maior sobre sua visão humanística está em sua obra prima, A
Instituição da Religião Cristã, onde ele revela a grandeza do ser humano como criação de Deus, a
quem deve adorar e glorificar. Conquanto possuidor da imagem de Deus, este homem está
marcado pelo pecado adâmico, desfalecido em si mesmo de toda capacidade de voltar-se para
Deus, dependendo, portanto, de sua maravilhosa graça e misericórdia, na pessoa de Jesus Cristo,
expressão plena e completa da revelação de Deus ao homem. (Cf. SILVESTRE, Armando Araújo,
op. cit., p. 84). Nessa linha de pensamento, podemos ainda afirmar que Calvino rejeitou a
autoridade papal absoluta e a hierarquia romana em assuntos religiosos (Cf. Institutas, livro III,
cap. 9, e livro II, cap. 2). De igual modo, rechaçou o conceito da autonomia da razão humana
como ponto de referência final do conhecimento. Portanto, é um erro atroz afirmar ter sido Calvino
um humanista no sentido lato do termo, não obstante ele ter sido criado num ambiente acadêmico
humanista e ter experimentado sua fascinante influência. Podemos ainda afirmar que o humanismo
era filho do Renascimento. Substituiu a meta medieval teocêntrica pelo ideal pagão de que a alma
e o corpo eram o centro da reflexão, com ênfase na vida humana. Foi mais um movimento
estético-filológico do que propriamente filosófico. O homem era tido por medida de todas as
coisas. A forma foi glorificada em contraste com a essência ou conteúdo. O humanismo também
carecia de seriedade ética. Isto fica explícito na observação sobre seu maior representante, Erasmo
de Roterdã. Calvino utilizou argumentações e ferramentas humanistas, bem como apreciava suas
técnicas, principalmente no tocante à educação, porém não é considerado um humanista
propriamente dito, já que o teocentrismo continuou sendo o fundamento da sua teologia. Este
teocentrismo de Calvino consiste no ponto focal para compreender que ele não era humanista no
sentido literal. Para o reformador, o homem carece da graça salvadora de Deus em Jesus Cristo.
Ver: MCGREGOR, R. K., A Soberania Banida: redenção para a Cultura Pós-Moderna (São
Paulo: Cultura Cristã, 1998, p. 15). Além disto, o calvinismo consiste numa “filosofia
compreensiva que abrangia toda a vida” (DOUGLAS, J. D.: A Contribuição do Calvinismo na
Escócia: em W. Stanford Reis, ed., Calvino e Sua Influência na Vida Ocidental, p. 290).
157
3.1
A Antropologia de Calvino e a Liberdade Cristã dela decorrente
485
TILLICH, Paul, Teologia Sistemática, p. 60.
158
Esta questão remonta também a Ludwig Feuerbach, quando este afirma que
o ser humano tem consciência do infinito, porque tem consciência da infinitude da
sua própria essência;486 e que este, na busca desta infinitude, a projeta a um ser
absoluto: Deus. Feuerbach afirma:
486
FEUERBACH, Ludwig, A Essência do Cristianismo, p. 44.
487
Ibidem, p. 47.
488
BUBER, Martin, Eu e Tu, p. 36.
489
ALVES, Rubem, O Que é Religião, p. 19.
490
BUBER, Martin, op. cit., p. 129.
159
3.1.1
A Relação Entre o Conhecimento de Deus e o Conhecimento de Si
Mesmo em Calvino
491
“No nível mais elevado da negação do teísmo, o nome de Deus é usado como um símbolo
poético ou prático, expressando um estado emocional profundo ou uma elevada idéia ética.” Ver:
TILLICH, Paul, The Courage To Be, p. 181.
492
Institutas, vol I, cap. 1, seção 1. André Biéler também corrobora com o pensamento do
reformador, ao afirmar que a liberdade humana fundamenta-se em sua relação com Deus e na
consciência de sua submissão ao Criador. Ele diz: “O que o podia manter nesse estado em que
tinha sido investido era que, em humildade, curvasse-se sempre diante da majestade de Deus,
magnificando-o com ações de graças, e que não buscasse sua glória em si próprio, mas, vendo que
tudo lhe provinha do Alto, tivesse suas vistas sempre voltadas para o Alto para, destarte, glorificar
a Deus, a Quem lhe cabia o louvor; a imagem de Deus compreende, em si, o conhecimento
d’Aquele que é soberano bem; ser homem é [...] ser e permanecer unido com o seu Criador; o
homem foi investido mestre e senhor, na terra, com a condição de que estivesse sempre sujeito a
Deus. Para tanto, Deus sujeitou o homem a que não comesse da árvore do bem e do mal [...] a fim
de que não desejasse mais do que lhe era conveniente e não se constituísse, a si mesmo, juiz e
árbitro do bem e do mal, sacudindo de sobre si o jugo de Deus e se fiando em seu próprio senso.”
Cf. BIÉLER, André. op. cit., p. 263.
160
493
Lyotard afirma que o saber pós-moderno “não é somente o instrumento dos poderes. Ele aguça
nossa sensibilidade para as diferenças e reforça nossa capacidade de suportar o incomensurável.”
(LYOTARD, Jean-François, op. cit., p. 17). Por ser um instrumento relacional, o saber concentra
em si, na sociedade pós-moderna, a capacidade de prover a sobrevivência dos modelos de mundo
(cosmovisões), possibilitando a relação. Então as compreensões geram caminhos relacionais. O
mundo de hoje é aquele que abandonou o projeto de “adiamento da satisfação” (BAUMAN,
Zygmunt, Modernidade Líquida, p. 181) para a adoção de mentalidades que possibilitam a “ética
da comunicação (Habermas, Apel), uma ética das redescrições (Rorty); uma ética da continuidade
(Gadamer)” (Ver: PECORARO, Rossano, Niilismo e (Pós) Modernidade, p. 107.
161
3.1.2
Fontes
494
OC, Tomo V, p. 16. Senecae Libri de Clementia Cum Commentario.
495
KNUDSEN, Robert D., O Calvinismo como uma Força Cultural, p. 13.
496
OC, 39, p. 516.
162
497
OC, IV, 20, 3. Para Calvino, é necessária a intervenção do Estado para que “os homens
respirem, comam, bebam e se mantenham aquecidos.”
498
“Assim, não duvidas destes dois pontos: possuis um corpo e uma alma. Mas estás em dúvida se
não existe outra coisa que seria, para o homem, um complemento de perfeição.” (AGOSTINHO,
Santo. A Vida Feliz, II. 7).
499
“Portanto, a Alma é imortal: creia em seus raciocínios, creia na verdade; ela clama que habita
em você e que é imortal e que sua sede não lhe pode ser tirada pela morte corporal. Afasta-se da
sua sombra; volta-te para ti mesmo; não sofrerás destruição alguma a não ser esquecendo-se de
que é algo que não pode perecer.” (AGOSTINHO, Santo. Solilóquios, II, 29, 33).
500
“Se eles (seres criados) se deterioram é porque não possuem o bem na plenitude”
(AGOSTINHO, Santo. A Verdadeira Religião, III, 19, 37).
163
Do agostinianismo, Calvino extrai a idéia de que o ser humano, por si, não
pode se salvar, pois é totalmente depravado – o que explica o fato deste, mesmo
sendo imagem de Deus, deteriorar-se como o restante da criação. Para Agostinho,
o ser humano, após a queda, não conserva, em si, absolutamente nada que não
esteja corrompido. A partir disto, a salvação só pode ser ato de Deus, através da
graça. Essa visão sobre o ser humano e sua total incapacidade para a salvação
também se manifesta em outras esferas. É como afirma Agostinho:
501
AGOSTINHO, Santo. A Verdadeira Religião, III, 11, 22; 20,38-39.
164
Em primeiro lugar, ele afirma que há, no ser humano, o exercício de tal
faculdade. Isto é, há fragmentos da imago Dei no ser humano, provenientes do seu
estado antes da queda.502 Portanto, tal doutrina faz permanecer, visivelmente, a
relação de continuidade “entre o ser humano caído e o criador.”503
Em segundo lugar, Lutero afirma a dificuldade em revelar tal continuidade
na prática.504 Seria como se faltassem os atos equivalentes, ou seja, atuações que
correspondam à sindérese. A problemática não está entre Deus e o homem quanto
ao alvo, mas sim, em como atingi-lo. Em outras palavras, a questão de fundo
trata-se dos meios para alcançar o fim.505
Diante de tal conflito, mesmo admitindo que a vontade original, para o bem,
esteja na natureza constitutiva do homem, este não consegue efetivá-la. Dito de
outra forma, admitir que a vontade e a razão sejam mecanismos de compreensão,
ainda que palidamente, da vontade de Deus, tornam-se inúteis para tal, até porque
elas resistem à vontade de Deus, conseqüência do pecado.506
Lutero diz, então, em terceiro lugar, que a sindérese mostra-se inoperante na
prática.507 Ora, impossibilitada de se concretizar, questiona-se seu caráter de
realidade, pois, numa dimensão fenomenológica, ela “contradiz a coisa
hipostasiada em si.”508 Há uma redução da sindérese à simples postulação.509
Diante disso, Lutero conclui que “a natureza é ressuscitável.”510
Em outras palavras, a manifestação da graça de Deus acha seu ponto de
contato no homem impossibilitado de concretizar o bem. A graça exerce a função
de restauradora do homem. Este é o aspecto ou função positiva da sindérese para
Lutero, segundo Loewenich.511 Somente pela força vivificadora da graça é que a
razão e a vontade do homem são revigoradas e restauradas.512
502
FRANCO, Wislanildo Oliveira. Consciência: Obediência, Liberdade e Responsabilidade.
STPRJ. Rio de Janeiro. 2001, p. 35.
503
LOEWENICH, Walter Von. A Teologia da Cruz de Lutero. São Leopoldo-RS: Sinodal. 1987,
p. 49. Ver ainda MOTA, Carlos Guilherme. A revolução religiosa: Lutero e a Reforma, em
Lutero e a Reforma. 480 anos depois das 95 teses, uma avaliação dos seus aspectos teológicos,
filosóficos, políticos, sociais e econômicos. São Paulo: Ed. Mackenzie. 2000, p. 46.
504
FRANCO, Wislanildo Oliveira, op. cit., p. 35.
505
FRANCO, Wislanildo Oliveira, op. cit., p. 35.
506
LOEWENICH, Walter Von. A Teologia da Cruz de Lutero, op. cit., p. 50.
507
Ibidem, op. cit., p. 36.
508
Ibidem, p. 36.
509
LOEWENICH, Walter Von, op. cit., p. 50.
510
Ibidem, p. 50.
511
Ibidem, p. 50.
512
FRANCO, Wislanildo Oliveira, op. cit., p. 37.
166
Por último, Lutero desenvolve, em seu pensamento, a tese de que, se, por um
lado, “a sindérese é condição para a efetividade da graça,”513 por outro, pode
constituir-se em obstáculo para a mesma. Toda vez em que o homem orgulha-se
de sua própria e pretensa capacidade de praticar o bem, por si mesmo, lança-se em
uma perdição ainda maior. Cabe ao homem viver na dinâmica da sindérese-graça-
boa vontade”.514
A partir de sua Teologia da Cruz, Lutero não aceita a sindérese como
instrumento divino regulador, norteador, orientador da vida humana, visto que,
pela cruz, as obras ficam todas destruídas. Depreende-se, daí, uma tensão
dialética, pois a vontade natural, na busca do bem, choca-se com a vontade de
Deus. Então, segundo a Teologia da Cruz, o homem é visto como alguém
absolutamente impotente ou indiferente à vontade de Deus, mas uma vez tomado
pela graça, há encontro e experiência com o Cristo Ressuscitado.515 Há uma
predisposição no homem, visto ter sido criado para o exercício da relação Eu-Tu.
No entanto, tal predisposição é dádiva e acusação, ou seja, a graça desconstrói,
numa radical demolição, e gera total reconstrução e restauração das bases
constitutivas do ser humano.516
Em outras palavras, “a consciência precisa ser vista à luz da fé.”517 Cristo
deve reinar na consciência. Significa dizer que a Lei deve ser expurgada da
consciência pela força da graça de Deus em Cristo e, pela fé, “ser mantida fora
dela.”518 Ou seja, segundo Carl E. Braaten, toda vez que o homem busca viver na
insistência da autonomia, achando-se capaz de viver a partir de si mesmo,
conforme concepção moderna e pós-moderna, está fadado ao distanciamento de
Deus.519 A consciência humana foi feita para o bem, mas, destituída de sua
essência pelo pecado, tornou-se insaciável e arbitrária, conduzindo,
inevitavelmente, à morte. Longe da graça de Deus e entregue a si mesma, ela, a
consciência, é “imprevisível e enganosa com respeito à liberdade e à
emancipação.”520
513
Ibidem, p. 37.
514
LOEWENICH, Walter Von, op. cit., p. 51.
515
LOEWENICH, Walter Von, op. cit., p. 53.
516
Ibidem, p. 53.
517
FRANCO, Wislanildo Oliveira, op. cit., p. 39.
518
Ibidem, p. 39.
519
BRAATEN, Carl E. (Editor). Dogmática Cristã. São Leopoldo-RS: Sinodal. 1990, p. 424.
520
Ibidem, p. 424.
167
3.1.3
A Imago Dei
521
Institutas, livro I, cap. 15, seção 3.
522
Institutas, livro I, 15, 3-5.
168
523
Institutas, livro I, 15, 4.
524
OC, Sermão 95 sobre o Deuteronômio, 5, 11-15 (30 de outubro de 1555).
525
CALVINO, João. Verdadeira Vida Cristã, pp. 37,38.
169
526
CALVINO, João. Verdadeira Vida Cristã, p. 38.
527
Institutas, livro II, cap. 1, seção 8.
528
Institutas, livro III, cap. VII, p. 6.
170
Assim, cabe afirmar que a ética bíblica e reformada está longe da moral
naturalista, bem como das concepções profanas ou seculares de ética. Na verdade,
“a moral é considerada um auxílio conferido ao homem, permitindo-lhe realizar
sua vocação humana o mais completamente possível”.529 Diante do exposto até
aqui, afirmamos que a Reforma Protestante, a partir de Calvino, assume uma nova
visão antropológica, afirmando o valor do ser humano em sua profunda dignidade
como criação à imagem de Deus, numa concepção bíblico-teológica, na qual o
centro de todas as coisas não é o homem, mas Deus que se revela nas
Escrituras.530 Sem dúvida alguma que a Reforma valoriza muitos pressupostos
renascentistas, principalmente o esforço em retratar a dignidade do ser humano e
exaltar as suas virtudes. Além disto, com Erasmo de Roterdã e sua busca dos
primeiros textos bíblicos, submetendo-os a rigorosos estudos filológicos, indica-se
a origem da idéia da razão humana como autônoma e capaz para compreender a
revelação. Neste movimento, a Escritura é posta no centro da discussão, ainda que
analisada autonomamente. Esta é uma manifestação da nova antropologia daquele
tempo. Ora, a concepção calvinista provocou inevitavelmente uma ruptura com a
visão antropológica da Renascença, por afirmar justamente a total incapacidade
humana de, por si, compreender a Deus. Nisto há consenso com Lutero: ambos
chegam ao mesmo resultado, por caminhos distintos.
529
BIÉLER, André. O pensamento econômico e social de Calvino, op. cit., p. 293.
530
GEORGE, Timothe. A Teologia dos Reformadores. São Paulo: Ed. Vida Nova, op. cit., p.
312. O historiador francês Boisset afirma que “a preocupação do humanista, em suma, é afirmar e
demonstrar a grandeza do homem; a do reformador, segundo a expressão de Calvino, é dar
testemunho da ‘honra de Deus’.” Jean Boisset. História do Protestantismo. São Paulo. Difusão
Européia do Livro. 1971, p. 17 apud COSTA, Hermisten Maia Pereira. Raízes da Teologia
Contemporânea. São Paulo: Cultura Cristã. 2004, p. 79 (ver nota 42).
171
3.1.4
O Sensus Divinitatis e a Semen Religionis
531
Institutas, livro I, p. 67. A dignidade do homem está em ter sido criado à imagem de Deus. Ver
também: Francis A Schaeffer. A Morte da Razão. São Paulo: ABU / FIEL. 1974, p. 20 passim.
Hermisten M. P. Costa. O Homem como Imagem de Deus. Revista Popular. São Paulo. 4º
trimestre / 1989, lição 13, pp. 50-55. Cabe muito bem aqui a colocação do filósofo católico Émile
Bréhier (1876-1952): “A Reforma opõe-se tanto à teologia escolástica quanto ao humanismo.
Nega a teologia escolástica, porque nega, com Ockham, que nossas faculdades racionais possam
conduzir-nos da natureza ao seio de Deus. Renega o humanismo, menos por seus erros do que por
seus perigos, posto que as forças naturais não podem comunicar qualquer sentido religioso.” (É.
Bréhier. História da Filosofia. São Paulo: Mestre Jou. 1977-1978, I/3, p. 209).
532
MCGRATH, Alister, op. cit, p. 179. Cf. Institutas, livro I, p. 113.
533
Institutas, livro I, cap. 3, seção 1.
172
Ele tinha plena consciência de que a alma humana tem um anelo pelo
sagrado, intrinsecamente ligado ao seu coração.536 Sendo assim, os homens,
segundo Calvino, são “espelhos da glória divina.”537 Corroborando com a visão
de Calvino, Herman Bavinck afirma que:
534
OC, tomo IX, p. 791. Cf. Institutas, livro I, cap. 15, seção 22.
535
Institutas, livro I, cap. 15, seção 1.
536
CALVIN, Jean. Institution de la Religion chrestienne. Société les belles lettres. Paris. 1936.
Vol. I, pp. 41ss.
537
Instituição, livro I, pp. 205,206.
538
BAVINCK, Herman. Dogmatiek. 2.566.
173
539
CALVIN, John. Commentary on Gênesis, vol. 1, about Gn 1.26 and 2.19 Disponível em:
<http://www.ccel.org/ccel/calvin/calcom01.htm> Acesso em : 30 ago. 2005.
540
CALVINO João. Sermão XLIII sobre a Epístola aos Efésios 6.1-4 Apud BIÉLER, André, op.
cit., p. 263.
541
BRINSMEAD, Robert D. Man as Creature and Person. Verdict. 1978, pp. 21,22.
174
542
Institutas, livro I, 17.10.
175
3.1.5
A Soberania de Deus e o livre-arbítrio
O próprio reformador afirma que o mundo foi criado por causa do ser
humano, estando este debaixo da soberania do Criador, mas exercendo sua
liberdade de forma responsável, por carregar em si a imagem de Deus, ou seja,
sendo ele um ser moral. Entretanto, a queda afetou diretamente a sua liberdade,
mas não o torna moralmente livre de responsabilidade. Significa dizer que há uma
tensão dialética entre a soberania de Deus e a liberdade do homem. Agostinho faz
a seguinte afirmação, citado por Calvino:
543
Institutas, livro I, p. 215.
544
Institutas, livro I, p. 217.
545
Institutas, livro I, p. 229.
176
546
Institutas, livro II, cap. 15, seção 3.
177
547
Bettenson traz o seguinte comentário sobre a questão da Queda e suas conseqüências: “[...]
Assim se vê que o Pecado Original é uma depravação hereditária e uma corrupção de nossa
natureza, difundida em todas as partes da alma [...] pelo que, os que definiram o Pecado Original
como ausência da justiça original com que deveríamos ser revestidos, sem dúvida incluíram – por
implicação – toda a realidade, mas não exprimiram plenamente a energia positiva desse pecado.
Com efeito, a nossa natureza não está simplesmente privada do bem, mas é tão fecunda em toda
espécie de mal que não pode estar inativa. Os que o chamaram concupiscência usaram um termo
que erra muito o alvo se acrescentam – coisa que muitos não concedem – que tudo o que há no
homem, do intelecto à vontade, da alma à carne, está inteiramente manchado e repleto de
concupiscência. Ou para dizê-lo brevemente: todo o homem em si nada mais é que
concupiscência.” BETTENSON, H. Documentos da Igreja Cristã. São Paulo: ASTE, 1998, p.
264.
548
Institutas, livro 2, cap. 1, seções 7 e 8.
549
Institutas, livro 2, cap. 1, seção 3.
178
550
MCGRATH, Alister, op. cit, p. 183.
551
Breve Instrucción Cristiana, p. 13. Cf. Institutas, livro I, cap 2, seção 8.
552
Institutas, livro II, pp. 9, 53, 54.
179
3.1.6
A Antropologia de Calvino e a Liberdade
553
Institutas, livro II, cap 2, seção 8.
554
HOEKEMA, Anthony, op. cit., p. 14.
555
Ibidem, p. 14.
180
556
ARDUINI, Juvenal. Destinação Antropológica. São Paulo: Paulinas. 1989, p. 9.
557
Ibidem, p. 09.
558
Ibidem. Tal afirmação não significa que não possamos analisar determinadas partes do ser
humano. O que não podemos é proceder assim ocultando as demais. Entretanto, devemos
compreender, paradoxalmente, que cada dimensão analisada há de possuir caráter de totalidade.
“Uma dimensão não contém a totalidade do ser humano, mas lhe marca a totalidade do ser”. Cf. p.
10.
559
Ibidem, p. 12.
181
560
ARDUINI, Juvenal. Destinação Antropológica, op. cit., p. 15.
561
HOEKEMA, Anthony. Criados à Imagem de Deus, op. cit., p. 17.
562
BLOCH, Ernst. Le Principe Espérance. Gallimard. Paris. 1976, p. 237.
563
HOEKEMA, Anthony. Criados à Imagem de Deus, op. cit., p. 17. Leonard Verduin afirma
que o ser humano é uma “criatura de opção”. Cf. VERDUIN, Leonard. Somewhat less than God.
Grand Rapids. Eerdmans, 1970. Ele trabalha bastante tal idéia no capítulo cinco.
182
564
DILTHEY. Le Monde de l’Esprit. T. I, p. 321.
565
ARDUINI, Juvenal. Destinação Antropológica, op. cit., p. 116.
566
Ora, a linguagem é amplamente utilizada pelas ciências médicas, incluindo a psicologia e a
psicanálise, para tratamento das doenças físicas e psicossomáticas.
567
ARDUINI, Juvenal. Destinação Antropológica, op. cit., p. 17.
183
568
HARBEMAS, Jurgen. Cannaissance et intérét. Gallimard. Paris. 1976, p. 191.
569
GADAMER, H. G.. L’Art de Comprendre. Aubier. Paris. 1982, p. 37.
570
ARDUINI, Juvenal. Destinação Antropológica, op. cit., p. 18.
571
Merleau-Ponty afirma: “le corps exprime l’existence totale, non qu’il en soit un
accompagnement extérieur, mais parce qu’elle se réalise en lui”. Phénomenologie de la
Perception. Gallimard. Paris. 1945, p. 193.
572
MERLEAU-PONTY, M.. Phénomenologie de la Perception, op. cit., p. 231.
573
ARDUINI, Juvenal. Destinação Antropológica, op. cit., p. 19.
184
3.2
A Eclesiologia de Calvino e a Liberdade Cristã dela decorrente
3.2.1
Fontes
574
Institutas, livro IV, pp. 133-136. Calvino procura evitar ao máximo abstrações generalizadas.
Se atentarmos bem para as Institutas, perceberemos, na verdade, um grande manual prático sobre a
nova sociedade que Deus está formando a partir e por meio de Jesus Cristo, pela ação poderosa do
Espírito Santo, capaz de se tornar instrumento de transformação histórica. Ou seja, Calvino
trabalha praticamente todas as perspectivas da Igreja, o que modernamente podemos chamar de
um projeto prático sobre plantação, crescimento, organização e disciplina da Igreja. Cf.
MCGRATH, Alister, op. cit, pp. 197,198. McGrath diz que “as Institutas começam com uma
vigorosa análise teológica e terminam com a aplicação dessa análise às realidades do dia-a-dia do
ser humano”. Há algo muito interessante nessa afirmação, pois um dos grandes propósitos e
desafios de nossa pesquisa é a atualização da visão teológica e eclesiológica, na perspectiva da
liberdade cristã, com todas as suas implicações éticas.
575
Talvez seja necessário estabelecer a diferenciação entre estes dois conceitos, que não são
originais em Calvino. A Igreja visível é uma organização de origem divina, através da qual Deus
concretiza o crescimento ou a santificação do seu povo. Calvino cita uma máxima de Cipriano de
Cartago a fim de confirmar tal doutrina: “Você não pode ter Deus como Pai, a menos que tenha a
Igreja como mãe”. Cf. Institutas, livro IV, pp. 4,5. Por um lado, Calvino afirma que a Igreja
visível significa a comunidade dos cristãos, na verdade, um grupo concreto e histórico, a
comunidade dos fiéis (Institutas, livro IV, pp. 09,10). Ela é formada ou composta por todos, salvos
e não salvos. Como Igreja Invisível significa a comunhão dos santos, a Assembléia dos Salvos, é
conhecida apenas por Deus.
187
3.2.2
Conceito de Igreja
576
Institutas, livro IV, p. 9.
577
MCGRATH, Alister, op. cit., pp. 197,198.
578
CALVINO, João. Sermão sobre I Timóteo 6.17-19.
188
579
Gálatas, (5.13,14), pp. 55,56.
189
580
Institutas, livro IV, p. 140.
581
Institutas, livro IV, pp. 133,134.
190
Além disso, na visão calvinista, a Igreja não é vista como universal apenas,
mas há uma distinção dentro da mesma. Para o teólogo, há uma Igreja visível,
formada por todos aqueles que vivem, aparentemente, pia e santamente a sua vida.
E existe uma Igreja invisível, formada pelos eleitos. Ele se apropria da concepção
agostiniana de que há pessoas, na Igreja, que não são cristãos autênticos, e há
cristãos autênticos fora da Igreja, para deixar claro que a eleição é supratemporal e
supra-espacial. Porém, Calvino afirma que aquele que é eleito invariavelmente
será parte da Igreja visível, e que o fato da Igreja invisível ser a verdadeira não
exclui a obrigação de fazer parte da imperfeita.
3.2.3
A Relação entre a Igreja e o Estado
3.2.4
Os Sacramentos
582
Institutas, livro IV, pp. 16-20.
583
Institutas, livro IV, p. 259.
584
Institutas, livro IV, p. 259.
192
585
Tal período fora marcado por muita controvérsia sobre a doutrina dos sacramentos. Calvino
insistia em afirmar que o sacramento tem seu fundamento em “uma promessa e um mandamento
do Senhor”. Cf. Ibidem, livro IV, p. 423. O reformador recusou-se, então, a aceitar cinco dos sete
sacramentos da Igreja Católica Romana. Cf. Ibidem, livro IV, pp. 419,420. Houve ainda acirrada
controvérsia entre Lutero e Zwínglio no que diz respeito a natureza dos sacramentos. Cf. McGrath,
Reformation Thought (Oxford/Nova York, 1988), pp. 117-130. Calvino ocupava uma posição
intermediária entre Lutero e Zwínglio. Ele dizia, cristologicamente, que no sacramento eucarístico
há uma sutil separação entre o sinal e o significado, mas que não deveria existir distincto sed non
separatio, ou seja, deve haver distinção entre o sinal visível e o significado nele representado,
ainda que não devam ser separados. Cf. Ibidem, livro IV, pp. 380-382. Ver também MCGRATH,
Alister, op. cit, p. 200. Para o reformador, os benefícios da eucaristia – beneficia Christi – são
conquistados pelo próprio Cristo e são oferecidos aos cristãos, homens e mulheres que a Ele se
submetem pela prática da fé e da obediência. É pela fé que participamos de todos os benefícios
conquistados por Cristo na cruz, tais como a redenção, a justificação, a vida eterna etc,. No
entanto, precisamos estabelecer aqui outra distinção, pois quando Calvino usa o termo matéria ou
substância da eucaristia, nada tem a ver com o sentido aristotélico, visto que tal sentido
fundamenta ou embasa a teoria medieval da transubstanciação. Ver Institutas, livro IV, pp. 349-
358.
586
Institutas, livro IV, p. 351.
193
587
Institutas, livro IV, XV, 5.
588
BIELÉR, André, O Pensamento Econômico e Social de Calvino, p. 354.
589
Institutas, livro IV, XV, 11.
194
590
OC, IX, 31-32. Ele afirma: “[...] nenhum de nós nega que o corpo e o sangue de Cristo nos são
comunicados. Porém a questão é [...].”
195
3.2.5
A Igreja Visível e a Invisível
Calvino entende, por outro lado, ser a Igreja invisível o lugar em que os
eleitos, reunidos diante de Deus, formam o “corpo místico de Cristo”. A principal
distinção entre a Igreja visível e a invisível é escatológica: estas serão distinguidas
no juízo final.
591
OC, Trois Traités, V, p. 435.
592
Institutas, livro IV, XVI, 30.
196
Uma questão fundamental para Calvino, principalmente por ser uma das
marcas da verdadeira Igreja, é a questão da disciplina eclesiástica. Calvino propõe
uma comunidade cristã que vele por sua conduta e a de seus membros.593 Em
situações sérias, Calvino entende que é adequado perguntar se os infratores
realmente podem continuar pertencendo a comunidade. Neste ponto, Calvino
encontra sua justificativa em Mateus 18, onde o evangelho trata das faltas dos
membros da comunidade.594
A Igreja constitui, entre os seres humanos, uma nova sociedade, que aponta
para a sociedade secular a condição desta se plenificar e alcançar a dignidade.
Embora não sendo definitiva, a Igreja visível manifesta ao mundo o caminho para
sua redenção: assumir o senhorio de Cristo em suas ações pelo comportamento
ético e pelo recebimento dos dons de serviço. Afirma Calvino:
Por ser a Igreja, ainda que imperfeita na sua dimensão visível, o centro da
restauração da sociedade humana, a sua ação encontra repercussão em todos os
lugares em que ela está inserida. Por isto ela deve se ocupar em preservar sua vida
cúltica, e os membros, individualmente, devem honrá-la com seu procedimento, e
as fronteiras da Igreja devem se estender até os confins cumprindo, assim, sua
missão de paradigma da sociedade humana.
593
Para Calvino, os magistrados devem estar debaixo da jurisdição espiritual do consistório nas
questões espirituais – ou seja: o Estado é formado por cidadãos cristãos, sendo a vida pessoal
regida pela religião. Ver: A. Dakin, Calvinismo (Filadelfia, 1946), p. 162.
594
“Foi em meados de 1541 que Calvino regressou a Genebra. Uma de suas primeiras ações foi
redigir as Ordenanças Eclesiásticas, que foram aprovadas, pouco meses depois, pelo governo da
cidade, se bem que com algumas emendas. Segundo se estabelecia nelas, o governo da Igreja
ficava principalmente nas mãos do Consistório, que era formado pelo pastores e por doze leigos
que recebiam o nome de "anciãos". Visto que os pastores eram cinco e os leigos eram a maioria no
Consistório. Porém, apesar disso o impacto pessoal de Calvino era tal que quase sempre esse corpo
seguia suas orientações e seus desejos.” Gonzalez, Justo, A Era dos Reformadores, p. 174.
595
Institutas, livro IV, I, 3.
197
3.2.6
Eclesiologia e Missiologia Calvinista
Para o reformador, Jesus Cristo é a única e definitiva solução para todo ser
humano. Em Genebra, Calvino envida todos os esforços para proclamar a fé no
genuíno evangelho. Usou abundantemente a imprensa, na qual, onde em 1557
autorizou que seus sermões fossem publicados, o que aconteceu em diversas
línguas. O teólogo inglês John Stott corrobora com a posição de Calvino, quando
observa que “uma das melhores maneiras de compartilhar o evangelho com os
homens e as mulheres de hoje é apresentá-lo em termos de liberdade”.597A Igreja
de Genebra foi moldada pela proclamação de um pastor: Calvino. Através das
pregações, foram resolvidos uma a uma as questões necessárias para a
implantação da Reforma, em Genebra, como Calvino a idealizou. Após anos de
serviço religioso e manifestação das suas concepções pelo púlpito da principal
Igreja da cidade, havia, em Genebra uma identidade eclesial particular em suas
texturas, mas identificada com a Reforma Protestante nos seus valores basilares.
Isto deixava a porta aberta para a vinda de reformados de vários recantos da
Europa para Genebra, que se tornou cidade de refúgio para estes.
596
“De tal natureza é o Reino de Cristo, que cresce todos os dias e aumenta mais e mais;
entretanto, não é ainda perfeito, e não o será antes do final do dia do Juízo. Destarte, verdadeiros
são um e outro, a saber, que desde agora todas as coisas estão sujeitas a Cristo e, todavia, que esta
sujeição não será completa, até o dia da ressurreição, pois que será perfeito, então, o que não está
agora, senão apenas começando.” Pastorais, 2.10.
597
STOTT, John. Ouça o Espírito, ouça o mundo: como ser um cristão contemporâneo. São
Paulo: ABU, 1998, p. 50. Para Stott Jesus Cristo é retratado no Novo Testamento como o supremo
libertador do mundo.
198
598
Comentário aos Sinóticos, p. 384.
599
Comentário às Pastorais, pp. 54-55.
600
Comentário em Isaías 2:3.
601
Por isto, Calvino afirma que Deus não irá mostrar “[...] apenas em um canto, o que a verdadeira
religião é, mas Ele enviará Sua voz aos limites extremos da terra”. (Ver: Comentário em Miquéas
4, 3). Para Calvino, o evangelho “não cai das nuvens como chuva”, no entanto, ele é “trazido pelas
mãos de homens que vão aonde Deus os mandou” (Comentário em Romanos 10,15). Calvino
ainda afirma ser uma “honra de constituir Seu Filho governador do mundo inteiro” (Comentário
nos Salmos 2,8).
199
3.2.7
A Eclesiologia e a Liberdade Cristã
Esse novo homem, reconciliado com Deus, através de Jesus Cristo, mediante
a fé, agora é inserido na vida do Cristo, vivendo em novidade de vida, como nova
criação de Deus.602 Por meio de Jesus Cristo, o homem recriado passa a fazer
parte do seu Corpo visível, a Comunidade da Fé, a Igreja, lugar a partir do qual
vai exercitar o seguimento de Cristo, no fiel cumprimento da missão que lhe foi
confiada.603 Mesmo vivendo a dialética de sua natureza, sua nova vida tem início,
benefícios, desafios e implicações desde agora, visto que, mesmo sendo nova
criatura, tirado do mundo, é imediatamente enviado ao mundo, a fim de que seja
agente de proclamação do espaço de libertação e de liberdade.604
Nas palavras do reformador, encontramos o seguinte:
602
BIÉLER, André. op. cit., p. 279.
603
Ibidem, p. 280.
604
Ibidem, p. 282.
605
CALVINO, João. Comentários ao Novo Testamento, 1 Co 15.20.
606
Institutas, livro III, caps. 6 a 10.
607
Institutas, livro III, cap. 6, seção 1.
608
CR, 77:312.
609
CR,79:208.
610
Institutas, livro III, cap. 18.
202
611
BIÉLER, André. op. cit., pp. 334-335.
612
BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. op. cit., p. 600.
613
Ibidem, idem, p. 600.
614
LESSA, Vicente Temudo, op. cit., p. 169.
203
615
Esta é a concepção reformada calvinista de sacramento: "Deus nos deixou um legado para nos
assegurarmos de sua constante benevolência. Por tal motivo, ele deu aos seus filhos o segundo
sacramento, através da mão do seu Filho Unigênito: a Santa Ceia em que Cristo dá testemunho de
que é o Pão da Vida, o pão pelo qual nossas almas são alimentadas até a verdadeira e ditosa
imortalidade. Primeiro: os símbolos de que este sacramento fala são o pão e o vinho: eles são o
alimento invisível que recebemos do corpo e do sangue de Jesus Cristo. Segundo: o único alimento
da nossa alma é Cristo, e por isto o Pai celestial nos dirige para que sejamos parte dEle, para que
sejamos consolados e possamos reunir nossas forças até que cheguemos à imortalidade celestial. O
mistério da união secreta de Cristo com os fiéis, sem dúvida, é incompreensível por natureza, por
isso é que Deus nos revela uma imagem ou representação do mistério em sinais visíveis, adaptados
maravilhosamente ao nosso baixo nível. De certo modo, dá-nos legados e indícios que nos dão a
mesma certeza como se o víssemos com nossos próprios olhos. Porque é uma parábola conhecida
que penetra nas mentes sensíveis: nossas almas são alimentadas por Cristo da mesma forma que o
pão e o vinho mantém a vida do corpo. Com isto fica claro qual o objetivo desta bênção secreta:
ela nos assegura que o corpo do Senhor foi sacrificado para nós, para que, agora, o conheçamos
como alimento celestial e para que este gozo seja vivenciado na força deste sacrifício único. E que
Seu sangue foi derramado por nós, de maneira que seja sempre nossa bebida. Por isto chama o
cálice de ‘aliança do meu sangue’ (Lucas 22.20; 1 Coríntios 11.25). Porque cada vez que nos dá de
beber Seu santo sangue, renova-se a aliança que confirmou com Ele, melhor dizendo: é como se
reforça a fé. As almas piedosas podem receber numerosos frutos de confiança e amor deste
sacramento, porque têm o testemunho de que somos um só corpo com Cristo, e que o todo que ele
é, podemos entender como sendo parte de nós.” Institutas, livro IV, 17, 1 e 2.
204
616
WEBER, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, p. 44.
617
Ibidem.
205
3.3
A Cristologia de Calvino e a Liberdade Cristã dela decorrente
3.3.1
Fontes
3.3.2.
Cristologia Calvinista e Tradição
618
Estas deixam de fora, ou então tratam de forma assistemática, as questões posteriormente
tratadas pela Igreja. Este fato fica comprovado na elaboração, desde muito cedo, de credos: os
mais antigos são o Credo Apostólico e o Batismal. O Credo Apostólico se desenvolveu a partir das
afirmações antigas, usadas no Batismo. Quando os candidatos, em sua incorporação na Igreja,
eram levados diante da assembléia, confessavam sua fé em Deus, Pai e Criador; em Jesus, o Filho
de Deus e Senhor, que nasceu da Virgem Maria, morreu na Cruz e ressurgiu, o qual virá
novamente em glória para julgar todas as coisas e no Espírito Santo. O credo batismal é uma
expressão simples e direta da fé e é ainda usado, hoje em dia, na Liturgia Batismal e nos Ofícios
diários da Manhã e da Tarde.
619
Os concílios realizados pela Igreja, os chamados ecumênicos (universais), somam 21,
importantíssimos na sua História, tendo em vista as definições da doutrina. Os mais importantes
para as Igrejas Reformadas são os oito primeiros, a saber: Concílio de Nicéia I, que ocorre entre 29
de maio e 25 de julho de 325, sob a direção do Papa Silvestre I (314-335); o Concílio de
Constantinopla I, ocorrido entre maio e junho de 381, sob a direção do Papa Dâmaso I (366-384);
o Concílio de Éfeso, com data entre 22 de junho e 17 de julho de 431, sob a direção do Papa
Celestino I (422-432); o Concílio de Calcedônia, com duração entre 8 de outubro e 1 de novembro,
sob a direção do Papa Leão I, o Grande (440-461); o Concílio de Constantinopla II, ocorrido entre
5 de maio e 2 de julho de 553, sob a direção do Papa Virgílio (537-555); o Concílio de
Constantinopla III, ocorrido entre 7 de novembro de 680 a 16 de setembro de 681, sob a direção
dos Papas Agato (678-681) e Leão II (662-663); o Concílio de Nicéia II, ocorrido entre 24 de
setembro a 23 de outubro de 787, sob a direção do Papa Adriano I (772-795); e o Concílio de
Constantinopla IV, datado entre 5 de outubro de 869 e 28 de fevereiro de 870, sendo dirigido pelos
Papas Nicolau I (858-867) e Adriano II (867-872). Porém, para a cristologia de Calvino, é
fundamental o resultado dos seis primeiros concílios ecumênicos.
209
620
Institutas, livro II, 16, 1.
621
Calvino fala sobre os maniqueus em Institutas, livro II, 13. 1. Estes são ligados a Mani, persa
nascido no terceiro século, que combinou elementos do zoroastrismo com outras religiões persas e
o cristianismo. A principal característica dos maniqueus é seu dualismo: o universo está sob a
constante influência de duas forças: o bem e o mal. Quanto à Marcion, este viveu em Roma em
150, e é conhecido por ter rejeitado o Antigo Testamento e ter construído um cânon do Novo
Testamento com 10 epístolas paulinas e o evangelho de Lucas modificado: com a exclusão de
citações/referências veterotestamentárias. Ele rejeitou todas as alegorias (TERTULIANO,
Adversus Marcion, II, 19, 21, 22; IV, 15, 20; ORÍGENES, Commentaries in Matthew, XV, 3).
622
Calvino é contrário ao arianismo, ao monofisismo e ao nestorianismo, seguindo integralmente a
tradição calcedoniana. Segundo a definição do Concílio de Calcedônia, Cristo possui as duas
naturezas, a humana e a divina, sem que a união anule a diferença. Essa definição ataca o
monofisismo, que afirmava ter Cristo apenas uma natureza. A definição também é contrária ao
arianismo, principalmente no símbolo quando afirma: “[...] nascido do Pai, antes de todos os
séculos, segundo a Sua divindade [...]”. Também é contrária ao nestorianismo quando afirma
serem as duas naturezas distintas, mas unidas indissoluvelmente. Ver: ESPINOSA, Fernanda.
Antologia de textos históricos medievais, p.59.
623
Na primeira parte do capítulo 1, Calvino começa declarando que Jesus é verdadeiro homem,
refutando heresias antigas do Novo Testamento, como o dualismo gnóstico. Após isto, passa a
refutar seus contemporâneos. Destes, o principal é seu contemporâneo Menno Simons (1496-
1561), que tem tendências marcionitas. Calvino conhece as posições de Simons, que foram
publicadas, na Alemanha, em dialeto do norte, porém foram combatidas em panfletos publicados
por Martin Micron. As obras de Menno Simons sobre a encarnação (WENGER, J.C. (ed),
Complete Works of Menno Simons, traduzida do alemão por L. Verduin, com biografia escrita por
Harold Bender, p. 25) foram refutadas por John a Lasco, obra cujo título é Defensio verae...
doctrinae de Christi incarnatione, foi enviado para Calvino por Albert Hardenberg de Bremen em
1545. Menno argumentou contra seus opositores pelas obras The Incarnation of Our Lord (1554),
op. cit., pp. 783-943; Reply to Martin Micron (1556); Epistle to Martin Micron (1556).
211
624
Ário dizia que Cristo é Deus, mas murmurava que Ele foi criado no princípio. Ele dizia que
Cristo é um com o Pai, mas sussurrava secretamente nos ouvidos dos seus partidários que Ele era
unido com o Pai como qualquer outro crente, sem ter nenhum privilégio (Institutas, livro I, 13,5);
Ver também: Institutas, livro I, 13, 29; IV, 4; II, 14, 1; IV. 5. 6.
212
625
Antes da sua ocorrência, em 379, Teodósio tornou-se imperador e decretou ser o cristianismo a
religião oficial do Império Romano. O imperador favorecia a formulação nicena, principalmente
pela sua oposição ao paganismo e, conseqüentemente, ao esvaziamento cristológico implícito no
arianismo. Ao falar no Concílio, Teodósio defendeu a posição nicena.
626
“Calvino estabeleceu o intento de estudar durante a Escritura e publicou seu excelente
comentário sobre João. Nesta, nós conhecemos suas declarações e assertivas contra Servetus, que
pensava como aqueles a quem os antigos Pais da Igreja, pela sua experiência, combateram por
serem dois monstros: Paulo de Samósata e Ário de Alexandria, que comandaram deflagrações e
atearam fogo em todas as Igrejas do mundo cristão. Servetus foi justamente punido em Genebra,
não como um secretário, mas como um monstro, e sucumbiu devido à sua impiedade e blasfêmias
horríveis, com efeito, lançadas pelos seus discursos e escritos, num espaço de trinta anos, com os
quais ele infestou o céu e a terra.” Ver: BEZA, Theodore, The Life of John Calvin, p. 36.
627
No Concílio de Calcedônia foram combatidas concepções cristológicas já condenadas em
Nicéia, Constantinopla e Éfeso, e mais o eutiquianismo e o monofisismo. O eutiquianismo foi
apregoado por Eutiques, que afirmava a preponderância da natureza divina de Cristo, que absorveu
a natureza humana: ou seja, Cristo não é plenamente homem. Em 448, um Concílio local
condenou Eutiques. Em 449, Dióscoros, patriarca de Alexandria, foi até Éfeso defender o
pensamento eutiquiano. Em sua defesa, ele declarou a doutrina da única natureza de Cristo: a
divina (monofisismo). O papa Leo opôs-se a ambos (Eutiques e Dióscoros), porém o imperador
Teodósio II tolerava o pensamento eutiquiano e monofisista. Em 28 de Julho, Teodósio II falece,
sendo sucedido por Pulcheria, convocando o Concílio de Calcedônia. Neste Concílio, a definição
foi: “duas naturezas unidas em uma hypostasis (pessoa). Mani no Egito, a Síria e outras
localidades não aceitaram a decisão, constituindo esta a primeira divisão na tradição Cristã.
628
A concepção de Apolinário era definida na suguinte concepção teológica: “Christum corpus
assumpsisse sine anima, quod pro anima ei fuerit deitas illudque corpus consubstantiale fuisse
deitati, nec ex substantia Martin efformatum” – ou seja, que Cristo assume um corpo sem uma
alma, porque a Divindade fora posta nele no lugar da alma, e seu corpo era coessencial com a
Divindade, e não fora formada com a substância de Maria.” O apolinarianismo defende que, ao
assumir a alma humana (yuchv - aneu), a natureza divina assume a posse da inteligência e da
razão.
213
629
HEFELE, C. J., ConciUengeschichte II (1856). 127 f.; Hefele-Leclercq II. 1. 231 f.; VVAA,
History of the Councils III. 8, 9. Cf. TERTULIANO, Of the Flesh of Christ v (CG II. 880; tr. ANF
III. 525); Calvino aprova e explana a doutrina, mas rejeita a maneira como Lutero advoga a
ubiqüidade de Cristo (Ver: Institutas, livro IV. 17. 29,30; e LUTERO, Werke WA XXV. 309.
Servetus é atacado continuamente por Calvino em suas doutrinas cristológicas, principalmente
naquilo que está na sua obra SERVETUS, De Trinitatis erroribus I. 15, fo. 20b; III. 12 até 761b.
630
Institutas, livro II, 15, 3.
214
Calvino se apropria da idéia de que Jesus não se tornou vero Deus, vero
homo pela confusão das naturezas, mas pela unidade da pessoa – e o faz contra os
monofisistas e contra os nestorianos. A partir do dado extraído da tradição cristã,
aceito universalmente, Calvino afirma quem pela constituição de Cristo infere-se
que é necessário que não haja confronto nem oposição entre a conduta e a
doutrina cristã confessada – elas podem se relacionar. E os cristãos são, por isto,
admoestados a viverem uma fé encarnada, ou a sua vida humana sob a perspectiva
da sua eleição. Toda a cristologia calvinista se atrela à uma questão prática.631
Para não incorrer neste risco, é preciso perceber e reassumir sempre que, em
tese, Calvino afirma ser Cristo verdadeiro homem e verdadeiro Deus, sendo
gerado do Pai antes de todas as eras. Em sua encarnação, a Divindade de Jesus
fica oculta sob o véu da Sua natureza carnal. Porém, esta Divindade se manifesta
nas obras de Jesus, e a encarnação não limita a pessoa de Jesus, já que o Filho de
Deus também tem uma existência fora da carne.632
Num outro desenvolvimento da cristologia tradicional, Calvino afirma que,
após o juízo escatológico, Jesus se despojará da Sua natureza humana. O
reformador afirma: “Então cessará Deus de ser cabeça de Cristo, porque a
Divindade de Cristo brilhará por si mesma, porém agora está, todavia, coberta
com um véu”.633 Através destas concepções, Calvino demonstra, inicialmente, o
desenvolvimento da cristologia tradicional, tratando de um campo pouco
explorado da mesma. E manifesta o desejo de, pela sua teologia, manter o máximo
possível a natureza divina unida à humana – atendendo à exigência calcedoniana –
, porém não se reduzindo a esta. Quando afirma que o limite da natureza divina é
a humana, e esta será sobrepujada por aquela, esta idéia, mais o conceito de que a
natureza divina age fora do corpo de Jesus (extracalvinisticum), demonstra que,
para Calvino, não é concebível algo finito ser portador e sacramento do Divino a
ponto de limitá-lo. Por esta sua concepção, Calvino foi acusado por Servetus de
nestoriano.634
631
Institutas, livro II, 16.5.
632
Institutas, livro II, 13, 4.
633
Institutas, livro II, 14, 3.
634
Ver SERVETUS, On the Errors of the Trinity, que apareceu ao público em 1531, mas que foi
escrita pelo autor 20 anos antes do seu lançamento (Cf. BAINTON, R.H., Hunted Heretic, p. 217).
Na obra SERVETUS, Christianismi restitutio (1553), ele fala contra o batismo (pp. 372-373). Ele
substitui o termo geralmente usado de sacramentos “símbolos” para a expressão “signos”. Em
1559, Calvino é atacado em suas opiniões por Servetus na obra SERVETUS, Christianismi
restitutio (1553), pp. 564-568, com referências detalhadas em Opera Serveti, V. 336-340.
215
635
MCGRATH, Alister, Teologia Sistemática, Histórica e Filosófica: uma introdução à teologia
cristã, p. 92.
636
Romanos, p. 34.
216
Na cruz, a dor da punição que o povo deveria assumir foi assumida pelo
redentor. Calvino defende esta doutrina contra Servetus637, já que este, escrevendo
a Calvino, "[...] observou que Cristo não desceu à sepultura ou ao lugar onde os
corpos dos mortos são colocados, mas na corte mais interior do inferno, onde as
almas são tornadas cativas."638 Estas idéias de Calvino foram transmitidas a
alguns segmentos da Igreja da Inglaterra, no período do rei Eduardo VI, através
dos ensinos do bispo anglicano John Hooper, que assim comentou a cláusula
descendit ad inferna do Credo Apostólico, por volta de 1549:
637
Essas informações sobre Serveto são encontradas em sua obra Christianismi Restitutio (Vienne,
1553), 621-622 (citada por Friedman, Ibid., 227-228).
638
Institutas, livro II, 16, 8-12.
639
Later Writings of Bishop Hooper, Together with his Letters and Other Pieces, ed. Charles
Nevinson, Parker Society nº 21 (Cambridge: Cambridge University Press, 1852), 30.
217
3.3.3
A Obra de Cristo
640
Sobre os três ofícios assumidos por Cristo, consultar JANSEN, J.F. Calvin’s Doctrine of the
Work of Christ. Nesta obra, Jansen apresenta as fontes que Calvino utilizou para a concepção da
sua doutrina (pp. 20-38). Ele afirma que o ofício profético de Cristo apresenta, em Calvino,
particular destaque. Nos trabalhos típicos de teologia Reformada, a estrutura de três ofícios é
mantida. Cf. HEPPE, R. D., pp. 452-487; HODGE, C., Systematic Theology, II. 459-609;
CUNNINGHAM, W., Historical Theology II, 238; MORRIS, E. D., Theology of the Westminster
Symbols, pp. 322-343; Confissão de Fé de Westminster, VIII; Catecismo Maior de Westminster,
43-45; Breve Catecismo de Westminster 24-26; TORRANCE, T. F., The School of Faith,
Introdução, pp. LXXVII-XCV, CIII.
641
Institutas, livro II, pp. 261,262.
642
Cf. Bucer: “Rex regum Christus est, summus sacerdos, et prophetarum caput.” Enarrationes in
Evangelia (1536), p. 607. Benoit sugere que Calvino extraiu esta doutrina de Bucer. (BENOIT,
Institution II. 267, note 8).
643
Institutas, livro II, 15,1.
218
644
Institutas, livro II, 15,2.
645
Institutas, livro II, pp. 262-265.
646
Institutas, livro II, pp. 265,266.
647
Institutas, livro II, 15, 4.
219
648
Institutas, livro II, pp. 267,268.
649
Institutas, livro II, cap. 15.
650
Institutas, livro II, 15, 5, 6.
651
Catecismo de Genebra. (Pittsburgh: Pittsburgh Theological Seminary, 1972), p. 2.
220
652
Institutas, livro II, 1.2.1.
653
Institutas, livro II, 1.2.2.
654
OC, 32: 249; cf. Institutas, livro III. 2.26.
655
Institutas, livro III, 3.2.27.
656
OC, 38:96.
657
Institutas, livro II, 6.4.
658
Comentário Sobre Atos (Atos 18:22), em OC, 48:435.
659
Comentário sobre Salmos (sobre o Salmo 119:781.), em OC, 32:249.
221
Entre estas, há duas que tem particular destaque: devoção e amor (caritas).
Nas preleções, em Ezequiel (18,5), ele falou de pietas como a raiz da caritas.660
Pietas significa o medo ou reverência a Deus (Salmo 16,10). Esta referência à
nossa atitude reverente para com Deus e nossa atitude para com os outros é
desenvolvida, mais adiante, em um sermão sobre Deuteronômio 5,16. Na verdade,
o crente deve ser dotado de piedade sob o referencial de Jesus, que manifestou a
verdadeira piedade.
Calvino observa que Deus poderia resgatar os seres humanos de outra
maneira, mas quis fazê-lo através do seu Filho. Ele dá ênfase não tanto à justiça de
Deus, mas à Sua ira e amor, ambas ilustradas na obra de Cristo. Não somente a
morte de Cristo tem efeito redentor, mas toda a Sua vida, ensinos, milagres e Sua
contínua intercessão nos céus, à destra do Pai. A obra expiatória de Cristo tem
também um aspecto subjetivo, pelo qual somos chamados a uma vida de
obediência.
Para Calvino, toda relação entre Deus e o homem passa pelo paradigma da
encarnação. Na verdade, a questão central no pensamento teológico de Calvino
era cristológico. Jesus Cristo era central em sua teologia. Ou seja, o único
paradigma normativo sobre o qual se estabelece toda a relação de Deus com a
humanidade é a pessoa de Jesus Cristo. É na união, sem qualquer perspectiva de
fusão, “da divindade e da humanidade de Jesus Cristo”,661 que o homem é
chamado a se relacionar com o Criador. Nesse sentido, toda ética da relação, seja
com Deus, consigo mesmo, com o próximo e com a criação, passa,
indubitavelmente, pelo paradigma cristológico.
Através de sua encarnação, vida, ministério, morte e ressurreição é que o
homem encontra sua libertação, alcançando uma nova humanidade. Para Calvino,
o conhecimento de Deus focaliza-se única e exclusivamente em Jesus Cristo.662
660
OC, 40:426.
661
MCGRATH, Alister, op. cit., p. 175.
662
Institutas, livro I, pp. 83-88.
222
663
Institutas, livro I, p. 111.
664
Institutas, livro I, pp. 84-86.
665
Institutas, livro I, p. 83.
223
666
Institutas, livro I, pp. 88,89.
667
Significa dizer que as Escrituras representam o registro da Palavra, mas elas não são a própria
Palavra. Temos, aqui, um certo paralelo com a encarnação, no qual o divino e o humano
coexistem, sem qualquer comprometimento ou aniquilamento de um em relação ao outro. Ou seja,
as Escrituras evidenciam a palavra de Deus, plasmada na linguagem humana, sobre a qual repousa
toda a autoridade divina, face à sua própria origem que é inspirada pelo Espírito Santo.
668
Institutas, livro II, pp. 230,231.
669
Institutas, livro II, pp. 230, 231.
224
3.3.4
A Cristologia Calvinista e a Liberdade
670
Institutas, livro II, p. 232.
225
671
GABEL, J. Sociología de la alienació. Amorrortu, Buenos Aires, 1973, p. 183.
226
672
CONNER, W. T., Doctrina Cristiana, p. 22.
673
Institutas, livro II, 13, p. 121.
674
CONNER, W. T., Doctrina Cristiana, op. cit., p. 72.
675
Institutas, livro III, 2, p. 25.
227
3.4
A Soteriologia de Calvino e a Liberdade Cristã dela decorrente
676
Institutas, livro III, 2, p. 26.
228
3.4.1
Lei e Evangelho
677
BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, op.cit., p.272.
678
Ibidem, p.272.
679
CALVINO, João. Prefácio do Novo Testamento, em Obras Escolhidas, p. 190; OC, tomo IX,
p. 801. Apud BIÉLER, André, op. cit., p. 272.
229
680
ANDRADE, Eugênio. Liberdade Cristã, op. cit., p. 65.
681
As Institutas, livro II, cap. 10.
682
Institutas, livro II, cap. 6, seção 2 e 3.
683
FERREIRA, Castro., op.cit., p. 270.
684
Institutas, livro II, cap. 6, seção 1.
685
Institutas, livro II, cap. 7, seção 1.
686
GONZALEZ, J. L. Uma História do Pensamento Cristão, op. cit., p. 152.
687
Institutas, livro II, cap. 7, seção 1.
688
Institutas, livro IV, cap. 20, seção 3. “Para Calvino, o valor da Lei está diretamente ligado à sua
autenticidade. Ele declara, explicitamente, que Deus é o Legislador, ou o Autor da Lei. O
reformador francês atribui caráter divino às Escrituras; e o único motivo para isto é que ele as
concebe como Palavra de Deus. Ele compara a Lei a um espelho que revela os nossos pecados e a
justiça manifesta de Deus, cobrando toda a nossa consagração a Ele. Por este motivo, ela tem tanta
autoridade.” Cf. ANDRADE, Eugênio. Liberdade Cristã. 2005, p 24.
230
Calvino faz uso da Lei numa tríplice perspectiva, sendo a primeira delas
evidenciar a perfeita justiça de Deus, na qual o pecado e toda a miserável
condição humana são percebidos. Ou seja, a Lei desmascara toda e qualquer auto-
afirmação humana, pois, diante das exigências do Eterno, o homem percebe suas
limitações. A Lei de Deus, originalmente, não tem o propósito de que o homem
alcance a salvação pelo seu esforço, mas nos aponta a necessidade da graça e da
misericórdia de Deus.689
Na visão de Calvino, há uma segunda perspectiva da lei, que se traduz no
cerceamento da ação do perverso690, sem qualquer intenção soteriológica, mas
fundamental à ordem social.
Uma derradeira perspectiva da lei – tertium usus legis – é evidenciar a clara
vontade de Deus para aqueles que crêem.691 Sendo assim, o peso da lei ou sua
maldição, foi completamente abolido na pessoa de Jesus Cristo, mas o seu
conteúdo revelacional da vontade de Deus permanece. Aqui há um forte ataque
aos antinominalistas. “Na verdade, a lei não pode ser abolida, pois ela expressa a
vontade de Deus, que nunca muda. O que foi abolido, além da maldição da lei
moral, é a lei cerimonial.”692
3.4.2
Soteriologia e Cristologia
689
Institutas, livro II, cap. 7, seções 6 a 9.
690
Institutas, livro II, cap. 7, seções 10 e 11.
691
Institutas, livro II, cap. 7, seção 12 e livro II, cap. 8, seções 6 e 7.
692
GONZALEZ, J. L. Uma História do Pensamento Cristão, op. cit., p. 150.
231
693
CALVIN, John. Commentary on Gênesis, vol 1, about Gn 9.3, disponível em 30 de agosto de
2005 em http://www.ccel.org/ccel/calvin/calcom01.html.
694
BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, op. cit., p. 269.
695
CALVINO, João. Comentários ao Novo Testamento. Edição francesa de 1561. 4 Volumes.
Paris, 1854, comentário de Romanos 5.15.
696
Institutas, livro II, cap. 6, seções 1 a 4; cap. 16, seções 1 a 5; cap. 17, seções 1-6.
232
697
Institutas, livro II, cap. 6, seção 1.
698
Institutas, livro II, caps. 12, 13 e 14.
699
CALVINO, João. Prefácio do Novo Testamento In: Obras Escolhidas, p. 195. Cf. OC, tomo
IX, p. 807.
233
700
Institutas, livro II, cap. 17, seção 4.
701
CALVINO, João. Comentários ao Novo Testamento sobre João 17.1 Apud BIÉLER, A., pp.
350-351.
702
Institutas, livro II, cap. 17, seção 4.
234
3.4.3
Soteriologia e o Espírito Santo
703
Institutas, livro III, cap. 1, seção 34.
704
CALVINO, João. Catecismo de 1537, p. 33. Cf. OC, tomo XXII, p. 46.
705
Institutas, livro II, cap. 2, seção 9.
706
Institutas, livro III, cap. 1, seção 1 e 4.
707
Institutas, livro II, cap. 2, seção 18.
235
3.4.4
A Fé, a Graça e a Santificação
708
Institutas, livro III, cap. 1, seção 3.
709
BIÉLER, André. op. cit., p. 277.
710
VON ALLMEN, J. J. Vocabulário Bíblico. 2a. Edição. São Paulo: ASTE, 1972, p. 358. A
narrativa de Marcos 1.15 confirma tal fato.
711
Institutas, livro III, cap. 3, seção 5.
712
Institutas, livro III, cap. 2, seção 7.
713
VON ALLMEN, J. J. op. cit., p. 358.
714
ANDRADE, Eugênio, op. cit., p. 34.
236
Há, na fé, uma dimensão cognitiva, embora seja dom de Deus, jamais
conquista do ser humano.715 Assim, para Calvino, fé possui um conteúdo
específico – Jesus Cristo. A fé salvífica fundamenta-se nas Escrituras, na Palavra
de Deus e na consciência de Sua soberana vontade.716 Sua eficácia e realidade
acontecem somente nos corações receptíveis à oferta de Deus, isto é, aos crentes
verdadeiros.717 Em outras palavras, somente pela oferta do dom de Deus, em Jesus
Cristo, através da mensagem do Reino, que os homens podem alcançar a
verdadeira liberdade.718
A graça salvífica só pode ser obtida através da pessoa de Jesus Cristo,
mediante a fé, oferta de Deus ao homem, ou seja, “é mediante a fé que aquele que
crê toma posse desses benefícios”719 soteriológicos. Calvino, então, define a fé
como “um conhecimento estável e específico da vontade divina em relação a nós,
o qual, estando baseado na verdade da graciosa promessa em Cristo é, ao mesmo
tempo, revelado a nossas mentes e selado em nossos corações pelo Espírito
Santo”.720 A fé, como dom de Deus, volta-se para o conhecimento de Sua vontade,
bem como Sua obra aplicada ao coração do homem. Ele mesmo afirma que,
715
GONZALEZ, Justo. L. Uma História do Pensamento Cristão, op. cit., p. 156.
716
Institutas, livro III, cap. 2, seção 6.
717
Institutas, livro III, cap. 2, seção 12.
718
VON ALLMEN, J. J. op. cit., p. 358.
719
MCGRATH, Alister, op. cit., p. 191. Calvino trata da doutrina da redenção em suas Institutas,
no livro III.
720
Institutas, livro III, p. 14.
721
Institutas, livro III, ii.6
722
Institutas, livro III, pp. 12-14.
723
“Pelo poder de Deus, somos reduzidos a obedecer à justiça, voluntariamente continuamos
seguindo a graça, então, não me oponho, porque é assunto bem esclarecido que onde reina a graça
de Deus, há tal prontidão em obedecer” (Institución II, 3.11, p. 211).
237
724
Institutas, livro III, p. 13 Na verdade, a fé está alicerçada na graciosa promessa de misericórdia
em relação aos homens e mulheres, de tal maneira que a fé e o evangelho de Jesus Cristo sejam
considerados como termos similares. Cf. Institutas, livro III, pp. 37,38.
725
McGrath diz que a doutrina da justificação, pela graça mediante a fé, é largamente considerada
como uma das principais doutrinas da Reforma, sendo, na verdade, a tese pela qual a Igreja se
sustenta ou se desmantela. Lutero foi quem mais defendeu tal doutrina, fazendo parte da primeira
geração dos reformadores. Cf. McGrath, Luther’s Theology of the Cross (Oxford/Nova York,
1985); idem, Iustitia Dei: A History of the Christian Doctrine of Justification (2 vols: Cambridge,
1986), vol. 2, pp. 3-20. Ver ainda MCGRATH, Alister, op. cit, p. 192.
238
3.4.5
A Soteriologia Calvinista e a Liberdade
726
Romanos, pp. 89-93.
727
Romanos, p. 91.
728
Institutas, livro III, p. 298.
729
Institutas, livro III, p. 298.
730
Institutas, livro III, pp. 298-313.
239
731
Institutas, livro III, p. 299.
732
Institutas, livro III, p. 3.
240
733
Institutas, livro III, p. 299.
734
Institutas, livro III, p. 299.
735
Ibidem, p. 299. Tal posição, que, em primeiro lugar, tem seu fundamento nos evangelhos,
choca-se com o conceito de salvação pós-moderno, no qual a salvação, de modo geral, está
centrada no homem, e não na pessoa e obra redentora de Jesus Cristo. A unicidade e a
universalidade salvíficas de Cristo tornam-se um dos grandes desafios soteriológicos do nosso
tempo.
241
736
Institutas, livro III, p. 299.
737
Institutas, livro III, p. 299.
738
Institutas, livro III, p. 299.
739
BULTMAN, Rudolf. Teologia do Novo Testamento, op. cit., p. 418.
740
Institutas, livro III, pp. 300,301.
242
Tomado pela graça em Jesus Cristo, o cristão não obedece a Deus sob a
pressão da lei, ao contrário, sua obediência segue o caminho da gratuidade, da
voluntariedade, como homem liberto em Cristo Jesus. Nele, não há espaço para
qualquer tipo de obediência por obrigação. A graça exige amor, como resposta ao
amor de Deus. Daí surge a liberdade para servir a Deus e ao próximo. A liberdade
alcançada pela libertação, operada pela obra redentora de Cristo, acontece agora
no campo da reciprocidade amorosa, pelo estabelecimento da comunhão que se
rompera pelo pecado. Em Cristo, somos livres para amar. Amar a Deus, a nós
mesmos, ao próximo e à criação. Perspicuamente haveremos de compreender,
inclusive, o próprio princípio da Lei, que “amemos ao nosso Deus de todo o
coração, de toda a alma, de todas as forças” (Dt 6,5).742 Por isso que André Biéler
afirma:
741
Institutas, livro III, p. 300.
742
Institutas, livro III, p. 300.
243
743
BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino. p. 294. Ver BULTMANN,
Rudolf. Teologia do Novo Testamento. p. 415. “Claro está que Cristo é o fim da lei na medida em
que a lei tinha a pretensão de ser o caminho da salvação ou na medida em que foi entendida pelo
ser humano como meio para estabelecer a justiça própria. Pois, na medida em que contém a
exigência de Deus, ela continua em vigor”. Cf. Robson da Costa de Souza. Vocação para
Liberdade. Uma Reflexão Teológica da Doutrina Cristã Acerca da Libertação. Trabalho
monográfico apresentado no Seminário Teológico Presbiteriano do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro.
2004. Robson faz parte de um grupo pequeno de alunos que, encorajados por mim, como professor
de Ética, tem procurado desenvolver sua linha de pesquisa nessa área não apenas pertinente e
relevante, como também escassa no Brasil.
744
AGOSTINI, Nilo. Ética Cristã e Desafios Atuais, op. cit., pp. 16-32.
244
745
Institutas, livro III, pp. 301,302.
746
Institutas, livro III, p. 302. Cf. ALLMEN, J. J. Von. Vocabulário bíblico, op. cit., p. 301. Ver
também: BURGE, G. M. “Obediência”. In: Ethic III, p. 37. PACKER, J. I. “Obediência”. In: O
Novo Dicionário da Bíblia. Vol. II, p. 1134.
747
BONHOEFFER, D. Discipulado, op. cit., p. 36.
245
Na relação entre obediência e Lei, Jesus Cristo é aquele que rompe com todo
tipo de casuísmos e legalismos, desafiando homens e mulheres a uma obediência
do coração, capaz de discernir a verdadeira exigência de Deus. A obediência
exigida por Jesus está fundada no amor, concretizada numa ética de atitude,
sendo, portanto, uma obediência reflexiva dos livres, e não submissão absoluta e
cega dos escravos. Com isso, entendemos a superação da Lei na imersão do
mistério da graça, através da experiência com o Cristo ressuscitado, promovendo,
no homem, uma nova consciência, capaz de julgar e agir segundo o Evangelho da
graça.748 Bultman traz uma contribuição significativa quando afirma:
748
SCHRAGE, Wolfgan. Ética do Novo Testamento. São Leopoldo-RS: Sinodal. 1994, p. 48
passim.
749
BURGE, G. M. “Obediência”. In: Ethic. Vol. III, pp. 37,38.
750
SCHRAGE, Wolfgan. Ética do Novo Testamento, op. cit., p. 199 passim.
246
Na verdade, tanto Paulo como Calvino falam que o agir cristão, na prática da
liberdade do amor, seja para com os mais fracos ou mais fortes, promove o
crescimento do homem, tornando-o mais adulto, maduro e responsável, em todas
as dimensões. Mais especificamente, na teologia de Calvino, a consciência não se
submete à Lei, posto que sua obediência é livre e voluntária a Deus. Ou seja, a
bondade de Deus reconhece nossa imperfeição, mas aceita nossas atitudes de
obediência.752 Ao comentar Romanos 13,5, ele afirma que:
751
Ibidem, p. 200.
752
Institutas, livro III, pp. 298 passim.
753
Romanos, p. 454.
754
LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. São Leopoldo: Sinodal. Volume III. 1989, p. 89.
ADIÁFORO é uma linguagem usada na teologia luterana, que quer dizer “indiferente”. Pode ser
usado desde que não entre em conflito com a centralidade de Cristo. Isto é, referindo-se às
cerimônias religiosas, espiritualidade, qualquer costume ou prática que se arraste ao longo do
tempo, que não venha a obscurecer a luz de Jesus Cristo nos evangelhos.
247
755
Institutas, livro II, p. 05.
756
Institutas, livro III, p. 303.
757
Institutas, livro III, p. 303.
248
758
Institutas, livro III, p. 305.
759
Institutas, livro III, p. 305.
760
Institutas, livro III, p. 305.
761
Ibidem, idem, p. 43.
762
Institutas, livro III, p. 307.
249
763
Institutas, livro III, p. 309.
764
Institutas, livro III, p. 310.
765
Institutas, livro III, p. 311.
766
Institutas, livro III, p. 311.
767
Institutas, livro III, p. 311.
768
Institutas, livro III, p. 311.
250
769
Institutas, livro III, p. 311.
770
Calvino diz que “[...] a sociedade de Cristo vale tanto que, por esta razão, somos não só
graciosamente recebidos como justos, mas também nossas próprias obras são havidas como justiça
e recompensadas de eterno galardão [...] Recebido à comunhão de Cristo [...] Apagada, destarte, a
culposidade das transgressões que impedia que produzissem os homens algo que fosse agradável a
Deus, sepultados também os vícios de imperfeições de que são tisnadas e maculadas todas as boas
obras, então estimadas por justas as boas obras que os fiéis praticam, ou, melhor, que a tanto
equivale, são imputadas para justiça.” Cf. CALVINO, João. Catecismo de 1537, pp. 46-47. Ver
também: OC, tomo XXII, pp. 51-52. Cf. Institutas, livro III, cap. 17, seção 7.
771
Institutas, livro III, cap. 11, seção 3.
251
772
Institutas, livro III, cap. 11, seção 2.
773
CR, 74:23.
774
Institutas, livro III, cap. 12, seção 7.
252
Conclusão
Quarto Capítulo
4
O Reino de Deus e a Liberdade Cristã
4.1
Jesus Cristo e a Chegada do Reino de Deus
775
Podemos afirmar que Deus inculturou-se na pessoa de Jesus Cristo, que exerceu seu ministério
no horizonte da história, buscando fazer do Reino do Pai um fermento lançado à massa, capaz de
provocar profundas e radicais mudanças. Por isso, entendemos “inculturação” na mesma
perspectiva do processo de Encarnação de Jesus Cristo (Cf. Jo 1, 1ss; Heb 1,1ss). O termo é novo
e, no dizer do Pontífice da Igreja Católica Romana, João Paulo II, “significa a íntima
transformação dos valores culturais autênticos, pela sua integração no cristianismo, e o
enraizamento do cristianismo na várias culturas”. Ou seja, pelo processo de inculturação, a Igreja
encarna o Evangelho nas diversas culturas e simultaneamente introduz os povos, com todo o seu
ethos cultural, nas suas próprias comunidades. Cf. REB 53 N. 212/DEZ. 93, p. 194.
254
776
KIPPENBERG, H. G., Religião e formação de classes na antiga Judéia, São Paulo: Paulus,
1988, pp. 109-116.
777
“A expressão mais clara desse desenvolvimento é a concentração da posse da terra na mão de
poucos latifundiários. Ela determinava - talvez com uma exceção parcial na época hasmonéia - a
255
4.1.1
O Reino de Deus no Novo Testamento
784
Segundo Karl L. Schimidt, os termos “Reino de Deus”, “Reino de Cristo” e “Reino dos Céus”
mostram o mesmo sentido primário de “realeza divina” ou “autoridade régia”. Ver SCHIMIDT, K.
L. Rei e Rei. In: KITTEL, G. AIgreja no Novo Testamento. São Paulo: ASTE, 1965, pp. 91-97.
785
CROSSAN, J. Reino e Sabedoria. In:_______, Jesus Histórico: a vida de um camponês judeu
do Mediterrâneo. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1994. cap. 12, pp. 302-339.
786
GOPPELT, L., op. cit., p. 80.
787
SCHMIDT, K. L. Rei e Reino. In: KITTEL, G. op. cit., p. 96.
788
YODER, John Howard. A Política de Jesus. São Leopoldo – RS. Sinodal. 1988, pp. 19-27.
789
MATEOS, Juan. A Utopia de Jesus. São Paulo. Paulus. 1994, pp. 13,14.
790
AZEVEDO, Marcello S. J. op. cit., pp. 35,36.
791
BARRETO, J. O Evangelho de São João. Análise Linguística e Comentário Exegético. São
Paulo: Paulinas. 1989, pp. 741,742.
257
Portanto, a esperança cristã consiste muito mais que uma utopia da fé.
Consiste num processo em direção à verdade, desapegada ao desespero das
esperanças terrenas, capaz de produzir confiança no Deus que proporciona todo
bem e toda justiça. Na dimensão do Reino, a esperança do cristão ultrapassa as
fluidas expectativas desse mundo, pois ele foi criado e recriado em Jesus Cristo
para uma realidade supramundana.
Crossan declara o seguinte sobre o tema:
792
CROSSAN, John Dominic. Jesus: Uma Biografia Revolucionária. São Paulo: Imago. 1995, p.
70. Cf. PADILLA, C. René. Missão Integral. Ensaios sobre o Reino e a Igreja. São Paulo:
Temática Publicações. 1992, p. 142. Cf. BOFF, Leonardo. Jesus Cristo Libertador. Petrópolis –
Rio de Janeiro: Vozes. 1985. Ver John Howard Yoder. A Política de Jesus. São Leopoldo: Sinodal.
1988, pp. 9-18.
793
PADILLA, C. René. op. cit., p. 197.
794
BOFF, Leonardo, op. cit., p. 62. Gottfried afirma que “L. Boff indiscutivelmente merece
consentimento ao embasar o falar sobre o reino de Deus na cristologia. Reside aí uma das mais
valiosas contribuições de seu livro”. Cf. BRAKEMEIER, Gottfried, p. 18.
258
4.1.2
O Testemunho Apostólico do Reino de Deus nos Evangelhos
795
Id., A Santíssima Trindade é a melhor comunidade. Petrópolis – Rio de Janeiro: Ed. Vozes.
2000, p. 129.
796
BOFF, Leonardo, op. cit., pp. 62,66,67,69,74.
797
Comentário de Mateus 14.7 de Orígenes.
259
798
Aland, Kurt, Black, Matthew, Martini, Carlo M., Metzger, Bruce M., ad Wikgren, Allen, The
Greek New Testament, (Deutsche Bibelgesellschaft Stuttgart) 1983. Cf. ROLOFF, Jürgen, op. cit.,
pp. 31-38.
799
SCHMIDT, K.L. Rei e Reino. In: KITTEL, G. A Igreja no Novo Testamento. São Paulo.
ASTE. 1965, p. 96.
800
GOPPELT, Leonhard, op. cit., p. 80.
801
No tempo de Jesus Cristo as expectativas messiânicas eram as mais diversas possíveis. Os
vários grupos religiosos alimentavam esperanças messiânicas de acordo com suas crenças.
Denizete Scardelai em Movimentos Messiânicos no Tempo de Jesus – Jesus e outros Messias -,
esclarece bastante esse assunto. Ver pp. 109-204.
802
GETZ, Gene A. Igreja: Forma e Essência. O Corpo de Cristo pelos Ângulos das Escrituras, da
História e da Cultura. São Paulo: Vida Nova. 1994, pp. 53-55.
803
KÜMMEL, Werner Georg. Síntese Teológica do Novo Testamento: de acordo com as
testemunhas principais: Jesus, Paulo, João. São Leopoldo: Sinodal, 1983. p. 35.
260
O termo Reino dos Céus ocorre 31 vezes em Mateus. E é notável que não
apareça em nenhuma outra parte do NT. Em contraste, o termo Reino de Deus
ocorre 63 vezes no NT.804 A explicação mais corrente para Mateus preferir usar a
expressão Reino dos Céus, e não Reino de Deus, é que Mateus, ao escrever para
leitores especificamente judeus, introduziu o termo céus para não chocar seus
leitores ao mencionar o termo Deus. Porém, Mateus usa o termo Deus 50 vezes, o
que torna difícil crer ser esta a razão da troca.805
Quando é feita a comparação entre os evangelhos de Mateus e Lucas,
Mateus utiliza Reino dos Céus exatamente no mesmo contexto em que Lucas
utiliza Reino de Deus. Assim não paira nenhuma dúvida que são termos diferentes
que descrevem a mesma coisa. O Reino dos Céus e o Reino de Deus são
sinônimos.806
O Evangelho de Mateus trata deste Reino, o Reino dos Céus,
contextualizadamente, tendo como pano de fundo uma realidade social que tinha
por característica, segundo Andrew Overman, a hostilidade da liderança judaica
contra os cristãos, acrescida da sensação de ruína nacional, advinda da falência
das tentativas de vivenciar a vontade de Deus através das revoluções armadas e da
violência.807 Esta violência gerou as guerras judaicas, que culminaram na
desolação de Israel.
Dentro desta concepção, a comunidade que recebeu o evangelho de Mateus
estava sofrendo uma dupla afronta: a perseguição dos adeptos do judaísmo
formativo e a realidade social desprivilegiada e fragmentada, que gerou
desagregação e disputas internas na Igreja.808
804
CROSSAN, John Dominic, p. 70.
805
LADD, George Eldon, op. cit., p. 69.
806
JEREMIAS, Joachim. Teologia do Novo Testamento: a pregação de Jesus. São Paulo:
Paulinas, p. 152.
807
OVERMAN, Andrew. O Judaísmo Formativo. São Paulo: Loyola, 2002. p. 54.
808
MORACHO, Félix. Como Ler os Evangelhos: para entender o que Jesus fazia e dizia. São
Paulo: Paulus. 1994, p. 60. Cf. MANSON, T. W. O Ensino de Jesus. São Paulo: ASTE. 1965, p.
155. Ver Também: BROWN, Raymond. As Igrejas dos Apóstolos. São Paulo: Paulinas. 1986, p.
189.
261
809
BOUSSET, Wilhelm. Jesu Predigt im Gegensatz zum Judentum, Göttingen, p. 63.
810
Cf. FEINE, P. Theologie des Neuen Testaments. 8ª ed. Leipzig, 1950, p. 73.
811
WERNLE, P. Jesus. Tubingen. 1916, pp. 237 passim.
812
WEISS, Johannes. Die Predigt Jesus vom Reiche Gottes. 2ª ed. Góttingen, 1900, pp. 100
passim.
262
Através da teologia dos escritos joaninos, vê-se que, por meio de Jesus
Cristo, uma nova imagem de Deus começou a ser mostrada e formada, ou seja,
Jesus revelou a graça, a misericórdia, a bondade, o amor e o perdão de Deus,
sendo, Ele mesmo, a concretização e a historificação desse Deus.813 Jesus Cristo
encarnado é a luz nas trevas do mundo, o Eterno Filho “que nos faz filhos,
abrindo-nos”814 o caminho para o mistério da Trindade. Ele mesmo disse:
“Aquele que crê em mim, não crê em mim, mas naquele que me enviou” (Jo 12.
44). Afirma ainda que “ninguém pode vir a mim, se não atrair o Pai que me
enviou” (Jo 6. 44). Sendo o próprio Deus, agora encarnado em Jesus, pôde afirmar
“eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai, senão por mim” (Jo
14. 6). Não há como escapar à constante afirmação de que, somente em Jesus
Cristo, Deus realiza a verdadeira libertação do homem a fim de que este possa
viver em liberdade.
O Reino da liberdade se concretiza definitivamente, ainda que não
plenamente, “em” e “por” Jesus Cristo. Nesse sentido, Bruno Forte afirma que,
813
GREEN, Michael. Evangelização na Igreja Primitiva. São Paulo: Vida Nova. 2000, pp. 58-
61.
814
FORTE, Bruno. op. cit., p. 50.
815
Ibidem, p. 52.
816
Ibidem, p. 49.
817
Ibidem, p. 49.
263
4.1.3
Implicações Teológicas da Concepção Bíblica de Reino de Deus
Alfonso Garcia Rubio, em seu livro O Encontro com Jesus Cristo Vivo, faz
algumas colocações muito claras acerca da realidade do Reino de Deus e da
relação desse Reino com Jesus Cristo:
818
Ibidem, p. 49.
819
“Ele, então, liga o Reino de Deus a sua comunidade dos discípulos, sem perder da vista todo
Israel.” LOHFINK, Gerhard, Como Jesus Queria as Comunidades: a dimensão social da fé cristã.
São Paulo: Paulinas, 1987. p. 47.
820
RUBIO, Alfonso Garcia. O Encontro com Jesus Cristo Vivo. São Paulo: Paulinas. 2003, pp.
33,34. Cf. Mc 1,15; Mt 4,23; Lc 4,43; 8,1 etc. Cf. também L. Goppelt, vol. 1, pp. 101-104.
264
4.2
Jesus Cristo e a Formação do Espaço de Liberdade
821
PADILLA, C. René, op. cit. p. 200.
822
Ibidem, p. 200.
823
MEEKS, Wayne A. op. cit., pp. 120-148.
824
LADD, George E. A Theology of the New Testament. Grand Rapids: William B. Eerdmans.
1974, p. 111. Em português: Teologia do Novo Testamento. Rio de Janeiro: JUERP. 1985.
265
4.2.1
Jesus Cristo e a Mensagem da Liberdade
825
COMBLIN, José. Vocação para a Liberdade. São Paulo. Paulus. 1998, p. 39.
826
AZEVEDO, Marcello S. J. pp. 34-36.
266
827
FORTE, Bruno, p. 55.
828
CRUZ, São João. Ditos de Luz e Amor. Número 98. In: Obras completas. Petrópolis: Vozes.
2002, p. 102.
829
FORTE, Bruno, op. cit., 55.
830
COMBLIN, José, op. cit., p. 316.
267
831
Ibidem, p. 35.
832
Ibidem, p. 40. Cf. RIDDERBOS, Herman Nicolaas. El Pensamiento del Apostol Pablo. Grand
Rapids, Michigan: Libros Desafio, 2000, pp. 80-81.
833
Ver mais em WRIGHT, N. T. Christian Origins and the Question of God, vol. 2: The New
Testament and the People of God (London: SPCK; Minneapolis: Fortress, 1992), pp. 189-99.
834
GOPPELT, Leonhardt, op. cit., p. 366.
268
4.2.2
Aspectos Fundantes da Igreja Neotestamentária
835
SCHELKLE, Karl Hermann, v. II, op. cit., p. 139.
836
FORTE, Bruno, op. cit., pp. 49, 57 e 68.
837
COMBLIN, José, op. cit., p. 307.
838
D’ARAÚJO, Caio Fábio Filho. Igreja: Evangelização, Serviço e Transformação Histórica. Rio
de Janeiro / São Paulo. VINDE / SEPAL. 1987, pp. 92,93.
269
839
COSTAS, Orlando E. Hacia una Teologia de la Evangelizacion. Buenos Aires – Argentina.:
Ed. La Aurora. 1973, p. 132. Cf. Deut 7, 7; Heb 13,13; I Pe 5,10,11.
840
Ibidem, pp. 133,134.
841
D’ARAÚJO, Caio Fábio Filho, p. 92.
842
Para muitos escritores, o Jesus pré-pascal não fundou a Igreja. Sendo assim, a Igreja só teria seu
início com a ressurreição de Jesus. Cf. ROLOFF, Jürgen, p. 62. Veja a afirmação de G.
Bornkamm: “A fundação da Igreja, portanto, não é obra já do Jesus terreno, mas do ressurreto”.
BORNKAMM, G. Jesus von Nazareth. 1956, p. 171. Encontramos ainda E. PETERSON.
Theologische Traktate. München. 1951, pp. 409-429; H. SCHLIER, Die Entscheidung für die
Heidenmission in der Urchristenheit, in: id., Die Zeit der Kirche, Freiburg, 1958, pp. 129-147; N.
A. DAHL, Das Volk Gottes, pp. 176, 278; H. von CAMPENHAUSEN, Kirchliches Amt und
geistliche Vollmacht, pp. 10-12. Sem dúvida que a páscoa é o ponto de partida para toda
cristologia explícita.
843
ROLOFF, Jürgen, pp. 65-74. Cf. BOFF, Leonardo, pp. 141-145.
270
844
HORREL, J. Scott (Org.). Ultrapassando Barreiras. Novas Opções para a Igreja Brasileira na
virada do século XXI. Armando Bispo Cruz. Os Dons Espirituais. Despertando o Potencial Divino
da Igreja Local. São Paulo: Ed. Vida Nova, 1989, pp. 94-96. Cf. PACKER, J. I.. Na Dinâmica do
Espírito. Uma Avaliação das Práticas e Doutrinas. São Paulo: Vida Nova. 1991, p. 62. Cf.
AGOSTINHO, Santo. De Trinitate. 5, 11, 12: Pl 42, 919.
845
BARTH, Karl. Die kirchiliche Dogmatik. I/2. Zürich: Evangelister Verlag. 1942, p. 273.
271
4.3
O Espírito Santo como Agente Capacitador da Missão
846
RUBIO, Alfonso Garcia. O Encontro com Jesus Cristo Vivo. São Paulo: Paulinas, 1994, pp.
96-106. Cf. KITTEL, Gerhard. A Igreja no Novo Testamento. São Paulo: ASTE, 1965, pp. 17-
36.
847
“[...] a nova vida, que passa a existir com o nascimento a partir do Espírito de Deus, justamente
não é nenhum nascimento repetido, mas é o novo nascimento único e definitivo de uma vida
humana para a nova e eterna criação do céu e da terra, sendo o começo do cumprimento da
promessa de Deus: ‘Eis que faço novas todas as coisas’ (Ap 21: 5)” Ver: “[...] a nova vida, que
passa a existir com o nascimento a partir do Espírito de Deus, justamente não é nenhum
nascimento repetido, mas é o novo nascimento único e definitivo de uma vida humana para a nova
e eterna criação do céu e da terra, sendo o começo do cumprimento da promessa de Deus: ‘Eis que
faço novas todas as coisas’” (Ap 21: 5). MOLTMANN, Jürgen. A Fonte da Vida: O Espírito Santo
e a Teologia da Vida. São Paulo: Loyola, 2002. p. 31.
272
848
Cf. MOLTMANN, Jürgen. Deus na criação. Petrópolis: Vozes, 1993. O caminho de Jesus
Cristo. Petrópolis: Vozes, 1993. Teologia da Esperança. São Paulo: Herder, 1971.
849
DIBELIUS, O. Das Jahrhundert der Kirche. Berlin: Furche Verlag, 1926, p. 46.
850
GUARDINI, R. La Realtà della Chiesa. Brescia: Morcelliana, 1967, p. 21. O texto de onde
extraí a citação - intitulado O sentido da Igreja (Von Sinn der Kirche), - saiu em primeira edição
em 1922.
851
FORTE, Bruno, op. cit., pp. 133,134.
273
852
Ibidem, p. 134.
853
Cf. Jo 15. 12; 13.34; 17.21,22; II Co 13.13; Jo 15.26s.
854
LE FORT, P. Les Structures de l`église Militante selon Saint Jean. Etude d`ecclésiologie
concrète appliquée au IV évangile et aux épîtres johanniques. Genève: Labor et Fides. 1970, p.
172.
855
FORTE, Bruno, op. cit., pp. 137,139.
274
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A narrativa do livro dos Atos evidencia que o Espírito Santo não é só uma
força divina, impessoal, que atua de maneira continuada em Jesus e de forma
passageira nas demais pessoas. Pelo contrário, o Espírito tem uma realidade
extremamente pessoal, concreta e distinta.857 Portanto, é a partir da descida do
Espírito que a Igreja começa a espalhar a glória de Deus através de sua ação
querigmática por meio de sua vida pneumatológica.858 O Espírito Santo, como
pneuma, significa a força de Deus necessária para a realização de ações
específicas de Deus.
Portanto “O Espírito é o catalisador e a força guiadora da missão
expansiva da comunidade”.859 Este tema nos serve como a mais forte ligação
entre os Atos e os Evangelhos, entre a história de Jesus e a história da Igreja (Lc
24, 49; At 1, 4,5,8; 2, 33), pois o Espírito mantém a presença e as diretrizes de
Cristo ressurreto na Igreja como o impulso para o universalismo e o poder que
possibilita a intrepidez da comunidade860. Por ter o Espírito Santo uma
característica missionária, seu desejo é que a Igreja também tenha como finalidade
principal, a obra missionária.
856
AGOSTINHO, Santo. De Trinitate. 15, 28, 51: Pl 42, 1098.
857
BOFF, Jenura Clotilde. Espírito e Missão na obra de Lucas-Atos. Para uma Teologia do
Espírito. Dissertação de Pós-Doutorado, defendida pela Pontifícia Universitas Gregoriana. 1995,
p.80.
858
COSTAS, Orlando E., op. cit., pp. 134-136.
859
CARRIKER, Timóteo Charles, op. cit., p. 210.
860
Ibidem, p. 210.
275
861
ROBERTI, Carlos. O Espírito Santo na Obra de Lucas. Revista Estudos Bíblicos 45 - O
Espírito Santo - Formador de Comunidades. Rio de Janeiro.Vozes. 1991, p. 52.
862
D’ARAÚJO, Caio Fábio Filho. Igreja: Comunidade do Carisma. Rio de Janeiro. VINDE.
1994, pp. 30-32.
863
BOFF, Jenura Clotilde, op. cit., p. 79.
864
Ibidem, p. 80.
865
ROBERTI, Carlos, op. cit., p. 53.
276
A experiência de Pentecostes (At 2), por si só, alarga a missão para que seja
ouvida pelas várias populações da Diáspora. Não tenho dúvida de que o Espírito
inicia uma ação missionária inculturada naquele momento especial da Igreja
nascente. O Espírito é sumamente ecumênico, visto que ele fala e cada qual
867
entende na sua própria língua materna. Afirma Carlos Roberti:
866
STEUERNAGEL, Valdir. Obediência Missionária e Prática Histórica. Em Busca de
Modelos. São Paulo: ABU. 1993, pp. 92-94.
867
ROBERTI, Carlos, op. cit., pp. 51-53.
868
Ibidem, p. 54.
277
869
CARRIKER, Timóteo Charles, op. cit., p. 210
870
PATE, Larry, op. cit., pp. 23-24.
871
Ibidem, p. 26.
278
4.4
A Liberdade Cristã na Teologia de Paulo
872
STEUERNAGEL, Valdir, op. cit., pp. 94-96.
873
Quando comparamos o ministério de Jesus Cristo, realizado na Galiléia com toda a
religiosidade vivida na Judéia, sobretudo aquela do templo, constatamos que Jesus não cabia
dentro desta religião do templo, visto ter Ele vivido na perspectiva de uma proposta nova, na qual
o seu lugar era nas ruas, vivendo e convivendo com o povo em geral, sem qualquer discriminação,
oferecendo vida e vida em abundância. Jesus era aquele que sentava à mesa com publicanos e
pecadores (Lc 5, 29-32). E é precisamente a partir dessa perspectiva que vai se estabelecendo uma
constante tensão entre a Sua vida e a religião dos escribas e fariseus. Cf. C. René Padilla, op. cit.,
pp. 47-49.
279
874
COMBLIN, José, op. cit., pp. 43-54.
875
Id., Paulo - Apóstolo de Jesus Cristo. Rio de Janeiro. Vozes. 1993, p. 07.
876
Ibidem, p. 08.
877
MEEKS, Wayne A., op. cit., pp. 21-42. Conforme o autor descreve, Paulo era um homem da
pólis, da cidade. Portanto, é a partir da cidade que ele lança o seu programa de evangelização. Ele
sabia ser cristão na cidade grande. Sua missão de levar o evangelho aos gentios era uma missão
essencialmente urbana. Como veremos, era sempre a partir das cidades, com o seu ethos cultural
próprio, que Paulo buscava inserir o Evangelho.
878
BITTENCOURT, B. P. A Personalidade viva de Paulo. São Paulo. Publicação da Associação
Acadêmica “João Wesley” - Faculdade de Teologia Rudge Ramos. s/d, p. 23.
280
"A cidade de Tarso, onde nasceu entre os anos 5-10 (At 21,39;22,3; 26, 9-
11), era a capital da região e da província romana da Cilícia”.879 Tarso era um
grande centro comercial, possuindo uma linha divisória de duas culturas: a
civilização greco-romana do Ocidente e a civilização semítico-babilônica do
Oriente.880 Sua cidade natal era famosa pelas suas escolas de filosofia e pela
fabricação de “cilício”, uma espécie de tecido rústico feito de pêlo de cabra para
as tendas dos nômades.881
O ambiente em que Saulo nasceu e cresceu, portanto, era dominado pela
_
civilização grega em praticamente todas as dimensões a cultura helênica era
dominante na época.882 Josef Holzner diz:
Saulo nasceu como cidadão romano, pois seu pai era cidadão romano. Ao
_
nascer, o menino recebeu o nome de Saulo, devido ao rei Saulo Paulo era,
provavelmente, seu cognome latino.884
Seus genitores eram judeus muito religiosos, pertencentes à seita dos
fariseus, ou, pelo menos, fortemente influenciados por esse grupo. Pertenciam à
tribo de Benjamim. Ele, Paulo, fazia questão de salientar sua pertença à nação de
Israel: “Fui circuncidado no oitavo dia, sou israelita da tribo de Benjamim,
hebreu, filho de hebreus” (Fl 3,5). “São hebreus? Eu também. São israelitas? Eu
também. São descendentes de Abraão? Eu também” (II Co 11,22). “Eu também
sou israelita, da descendência de Abraão, da tribo de Benjamim” (Rm 11, 1).
Assim, “tanta insistência na pertença a Israel pode ser um sinal de que ele se
sentia atacado por esse lado e sentia a necessidade de se defender. Essa pertença
foi questionada, pelo menos a sinceridade da sua adesão ao judaísmo”.885
879
BORNKAMM, G. Paulo. Vida e Obra. Rio de Janeiro: Vozes. 1992, p. 31.
880
HOLZNER, Josef. Paulo de Tarso. São Paulo. Quadrante. 1994, p. 07.
881
Ibidem, p.10.
882
HOLZNER, Josef, op. cit., p. 8.
883
Ibidem, p. 15.
884
CHAMPLIN R. N. & J. M. Bentes. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. Vol. 5. São
Paulo. Candeia. 1991, pp. 120,121.
885
COMBLIN, José, op. cit., p. 13.
281
886
Ibidem, pp. 16,17.
887
CARRIKER, Timóteo Charles, op. cit., p. 224.
888
HOLZNER, Josef, op. cit., p. 17.
889
Ibidem, p. 19.
890
BOMKAMM, G., op. cit., p. 40.
282
891
ASHERI, Michael. O Judaísmo vivo. As Tradições e as Leis dos Judeus Praticantes. Rio de
Janeiro. Imago. 1995, pp. 27-31.
892
Ibidem, p. 24. O referido autor comenta o seguinte: “A Lei judaica, contida no pentateuco, que,
na sua essência, é obra de Moisés, foi-se desenvolvendo mais tarde entre os Profetas e adquiriu
uma importância histórica mundial quando Esdras, no ano de 445 a.C., por ordem do rei dos
persas, a tornou obrigatória para os judeus que tinham regressado do cativeiro na Babilônia.
Privado de autonomia política e de qualquer política exterior, o povo judeu concentrou todas as
suas apaixonadas energias em si próprio. Os dois pólos em torno dos quais girava toda a vida
nacional de Israel passaram a ser a Lei, que regulava até os menores detalhes da vida humana,
tinha os olhos fixos no passado e estava vinculada à tradição e à esperança messiânica expressada
no anelo pelo estabelecimento definitivo do ‘reino de Deus’ e da soberania judaica sobre as nações
pagãs. Este foi o começo do que entendemos propriamente por judaísmo”.
893
É exatamente a partir daí que ele se lança contra os do “Caminho”. É perfeitamente aceitável o
argumento de que, até então, Saulo não tivesse qualquer visão inculturada quanto ao processo de
evangelização que ele colocaria em prática a partir de sua conversão. Sua formação judaico-
religiosa não fora suficiente para dar-lhe tal percepção quando de sua conversão. Por isso, seu
encontro com o Senhor Jesus possui muito mais brilho, visto não se tratar apenas de mudança de
vida, mas de visão.
894
ASHERI, Michael, p. 39.
895
HOLZNER, Josef, p. 40.
283
4.4.1
Paulo: sua Missão e o Processo de Evangelização Inculturada
896
Cf. Gl 1, 13; I Cor 15,9; I Tm 1,12,13; At 9,1,2.
897
FOULKES, Ricardo B. Motivos Paulinos para La Evangelizacion. In.: Costas Orlando
Costas, op. cit., p. 71.
898
FOULKES, Ricardo B., op. cit., p. 68.
899
Por inculturação, entende-se o processo pelo qual a evangelização se faz a partir de dentro dos
elementos culturais pré-existentes. Significa tomar os valores culturais da cultura subjacente. Jesus
Cristo, por exemplo, agiu exatamente assim, ou seja, a partir de dentro de sua cultura, Ele iniciou
seu processo de evangelização, falando da chegada do Reino de Deus e pregando a sua desafiadora
mensagem. Podemos, ainda, afirmar que inculturação é o processo pelo qual a semente da Palavra
é lançada na terra da cultura, e a terra produz uma nova planta. Por isso, conforme o tipo da
terra/cultura, haverá um tipo de evangelização. No próximo capítulo deste trabalho (O Desafio de
Ser Igreja no Mundo Urbano) daremos outras definições sobre o termo inculturação. Ver as
seguintes obras: Culturas e Evangelização. Paulo Suess (Org.). São Paulo: Loyola;
Entroncamentos & entrechoques. Vivendo a Fé em um Mundo Plural. Marcello Azevedo S. J. São
Paulo: Loyola; Inculturação - Desafios de Hoje. Márcio Fabri dos Anjos (Org.). Rio de Janeiro:
Vozes; A Utopia Possível - Em Busca de um Cristianismo integral. Robinson Cavalcanti. MG:
Ultimato.
900
GREEN, Michael, pp. 240-242.
284
Podemos citar aqui, em linhas gerais, alguns episódios vividos por Paulo que
caracterizam muito bem essa questão de sua ação kerigmática “inculturada”. Por
exemplo, em Atos 16, 13, ele aparece de modo informal, realizando uma reunião
de oração à beira de um rio. Logo em seguida, ou seja, em Atos 16, 15, ele se
expressa de forma familiar, entrando na casa de Lídia, iniciando ali uma célula
cristã. Em Atos 16, 16-18, já o vemos intrépido, confrontando “demônios” em
nome de Jesus Cristo, causando grande impacto à comunidade. Em Atos 16, 24,
25, ele é capaz de cantar na prisão a ponto de incomodar tremendamente o
carcereiro, após um terremoto. Paulo era criativo.
901
Id., Como Começar um Ministério Novo. São Paulo. Ed. Abba. 1995, pp. 30,31.
902
GREEN, Michael, p. 317.
285
Atos nos informa que, quando voltou para Damasco, depois de um tempo
cuja duração não se sabe, Paulo passou imediatamente a pregar o evangelho. A
resposta dos judeus foi imediata, ou seja, quiseram matá-lo. Ele teve que fugir (At
9,25).904
Sem dúvida, o ponto de partida das missões cristãs foi a Igreja
neotestamentária. Temos as palavras do Senhor ressuscitado em Atos 1,8: “[...]
mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas
testemunhas tanto em Jerusalém, como em toda a Judéia e Samaria, e até aos
confins da terra”.
Assim,
903
COMBLIN, José, p. 32.
904
BITTENCOURT, B. P., p. 47.
905
TUCKER, Ruth A. p. 28.
286
906
LATOURTTE, Kenneth Scott. The First Five Centuries. Vol. 1. A History of the Expansion
of Christianity. Grand Rapids: Zondervan. 1970, p. 80.
907
CARRIKER, Timóteo Charles, op. cit., p. 228.
908
COMBLIN, José, op. cit., p. 08.
909
MEEKS, Wayne A., op. cit., pp. 21-26.
910
VELLOSO, Ary. Iniciando Novas Igrejas. In.: HORREL, J. Scott, op. cit., p.111.
287
911
ALLEN, Roland. Missionary Methods: St. Paul’s or Ours? (Grand Rapids, MI: Eerdmans,
1962). Apesar do autor afirmar que o ministério de Paulo durou pouco mais de dez anos, vale dizer
que seu ministério teve uma extensão de aproximadamente vinte anos.
288
4.4.2
Paulo e sua Concepção de Evangelho
912
GREEN, Michael, op. cit., p. 318.
913
GOPPELT, L, op.cit., p. 355.
914
Ibidem, p. 356.
915
Ibidem, p. 359.
916
Ibidem, p. 360.
917
Institutas, livro III, cap. 10.
918
Institutas, livro III, cap. 8, seção 9.
289
Todo cristão alcançado pela graça de Deus em Cristo Jesus, torna-se liberto
do pecado e, por conseguinte, liberto da Lei. “Em Cristo, o problema religioso do
pecado é resolvido, e o homem restabelece sua comunhão com Deus. A
desobediência é transformada em obediência; a imagem de Deus no homem é
renovada e ele deixa a escravidão”.919 Assim, a nova vida é uma vida em
comunidade, a Igreja. E esta, é chamada e enviada para o cumprimento de sua
missão.920
919
FERREIRA, E. M., p. 33.
920
Resposta ao Cardeal Sadoleto, p. 32.
290
Conclusão
Quinto Capítulo
5
Ação Querigmática da Igreja e a Liberdade Cristã
921
COMBLIN, José. Vocação para a Liberdade. São Paulo: Paulus. 1998, p. 309.
922
COMBLIN, José, op. cit., p. 309. A política também não foi capaz de produzir a liberdade, pois
viu-se atrelada e submissa aos caprichos do poder econômico.
292
923
WURTH, G. Brillenllenburg. “Calvin and the Kingdom of God”, John Calvin:
Contemporary Prophet (editado por Jacob T. Hoogstra), p. 122. Cf. FERREIRA, Edijéce Martins.
A Ética de Calvino. Edição comemorativa do centenário do presbitério de Pernambuco. Recife:
1988, p. 13.
293
5.1
O Querigma Libertário: Libertação da Igreja Diante dos Desafios da
Pós-Modernidade
924
Institutas, vol. IV, XX, 3.
925
GUTHRIE, Shirley C. Sempre se Reformando. A Fé Reformada em um Mundo Pluralista.
São Paulo: Pendão Real. 2000, p. 7.
294
926
MIRANDA, Mário de França. Libertados para a Práxis da Justiça. A Teologia da Graça no
Atual Contexto Latino-Americano. São Paulo: Loyola, 2002, p. 26.
927
Ibidem, p. 28.
295
928
Ibidem, p. 59.
929
CARRIKER, Timóteo Charles. Missão Integral. Uma Teologia Bíblica. São Paulo: SEPAL.
1992, p. 202.
930
CAVALCANTI, Robinson, op. cit., pp. 16-27.
931
FOX, H. Eddie & George E. Morris. Anunciemos o Senhor. A Evangelização na Virada do
Século. São Paulo: Imprensa Metodista. 1994, pp. 125-139.
932
PADILLA, C. René, op. cit., pp. 139-142. Cf. V.V.A.A. A Missão da Igreja no Mundo de
Hoje. Principais Palestras do Congresso Internacional de Evangelização Mundial Realizado em
Lausane, Suíça. Howard A. Snyder. A Igreja como Agente de Deus na Evangelização. São
Paulo: ABU. 1984, pp. 87-91. Ver também: CÉSAR, Élben Magalhães Lenz. Missões e
Tentações. In.: CARRIKER, Timóteo (Org.). Missões e a Igreja Brasileira. A Vocação
Missionária. Vol. 1. São Paulo: Mundo Cristão. 1993, pp. 41-43. Ver ainda: CARRIKER, Timóteo
Charles. Missões e a Igreja Brasileira. A Vocação Missionária. Vol. 01. São Paulo: Mundo
Cristão. 1993, pp. 1-10.
296
A Igreja precisa saber como ela deve ser e o que ela deve fazer.933 Ela
precisa, para realizar a obra de evangelização, sentir-se parte efetiva do
movimento do Espírito Santo de Deus, do contrário ela não faz missões. Assim,
evangelizar é participar com Deus no processo de redenção e salvação dos Seus
escolhidos. É participar da Missio Dei.934
Portanto, “sem a missão da Igreja a história nada mais é do que a história
humana, cujo progresso consiste, na melhor das hipóteses, na intensificação de
sua catástrofe. Mas se sabemos da vinda do Reino nos alegramos em proclamá-
lo”.935 Karl Barth descreve a missão da Igreja da seguinte maneira:
933
Isso era algo que devia estar muito claro na mente e no coração da Igreja. Era uma nova
sociedade com uma nova mensagem. Cf. C. PADILLA, René, op. cit., pp. 24-37.
934
PATE, Larry. Missiologia: A Missão Transcultural da Igreja. São Paulo: Vida. 1987, pp. 4-26.
935
BLAUW, Johannes, op. cit., p. 110.
936
Ibidem., p. 117. Cf. “Relatório do Conselho Consultivo do Principal Tema da Segunda
Assembléia - Cristo, a Esperança do Mundo”, p. 18. In The Christian Hope and the Task of the
Church, Nova York: Harper Bros, 1954.
937
Cf. João Paulo II. Homilia em Veracruz. México: 7.5.90.
938
EN, 22.
297
5.1.1
O Espírito Santo e o Anúncio do Querigma Libertário
939
STEUERNAGEL, Valdir. Obediência Missionária e Prática Histórica. São Paulo: ABU.
1993, pp. 154-155.
940
STAGG, Frank. Atos - A Luta dos Cristãos por uma Igreja Livre e sem Fronteiras. Rio de
Janeiro: JUERP. 1994, pp. 44-55.
941
PADILLA, C. René, op. cit., pp. 202-206.
942
ARANA, Pedro. Bases Bíblicas da Missão Integral da Igreja. A Serviço do Reino. Um
Compêndio sobre a Missão Integral da Igreja. In.: STEUENAGEL, Valdir (Editor). Belo
Horizonte: Missão Editora. 1992, pp. 84-86.
298
943
ROBERTI, Carlos. O Espírito Santo na Obra de Lucas. Revista Estudos Bíblicos 45 - O
Espírito Santo - Formador de Comunidades. Rio de Janeiro: Vozes, p. 57.
944
ROBERTI, Carlos, op. cit., p. 58.
945
RAMOS, Ariovaldo. Veja Sua Cidade Com Outros Olhos. Ação da Igreja na Cidade. São
Paulo: SEPAL. 1995, p. 25.
946
KIVENGERE, Festo. A Cruz e a Evangelização Mundial. A Missão da Igreja no Mundo de
Hoje. São Paulo: ABU. 1982, p. 231 passim. Todo o artigo é dedicado à fundamentação da
evangelização na obra redentora de Jesus Cristo na Cruz do calvário, que teve como objetivo
salvar e libertar os oprimidos e cativos. Portanto, a cruz não pode ser vista e analisada como sendo
um fim em si mesma. A cruz pela cruz não tem significado algum para a realidade existencial do
homem.
947
STOTT, John. A Cruz de Cristo. São Paulo: Vida. 1990, p. 149 passim.
299
948
Institutas, Edição Especial, pp. 105-107.
949
KIRK, Andrew. Igreja: Comunidade do Serviço. Rio de Janeiro: VINDE. 1989, p. 9 passim.
950
HARMS-WIEBE, Ray. Estrutura Criativa no Contexto Metropolitano - Passos de um processo
de Transformação. In.: HORRELL, J. Scott (org.). Ultrapassando Barreiras. São Paulo: Vida
Nova. 1995, p. 31.
951
AG, 2; cf. LG, 1. Vaticano II.
300
952
BLAUW, Johannes. A Natureza Missionária da Igreja. São Paulo: ASTE. 1966, p.110.
953
LOEFFLER, Paul. Apostilas Sobre Evangelização Urbana. 1980.
954
HOUTART, François. A Igreja e o Mundo. Petrópolis: Vozes. 1965. Cf. HORRELL, J. Scott.
Ultrapassando Barreiras. Novas opções para a Igreja Brasileira na virada do século XXI.
São Paulo: Vida Nova, p. 9. Cf. RENÉ, Padilla C., op. cit., pp. 197-200.
955
AZEVEDO, Marcelo S.J. Entroncamento e Entrechoques. Vivendo a Fé em um Mundo
Plural. São Paulo: Loyola. 1991, p. 81 passim. O autor é Dr. em Missiologia e trabalha muito bem
a questão do processo de uma evangelização inculturada. É profundo conhecedor da nossa
realidade, sendo, sem dúvida, um referencial nesta questão do agir da Igreja nos grandes centros
urbanos e de como deve ser a articulação entre a Igreja e o ethos cultural do homem moderno e
urbano.
956
Esta é expressão de Jean Daniélou em Essai sur le mmystère de l’histore. 1954, p. 193.
957
CAVALCANTI, Robinson. Igreja: Agência de Transformação Histórica. Rio de Janeiro:
VINDE. 1987, p. 49 passim.
958
BLAUW, Johannes, op. cit. p. 106. Cf. CAVALCANTI, Robinson, op. cit., pp. 59-61. Cf.
V.V.A.A. Evangelização no Brasil. Documento preparado pelos participantes do Simpósio de
Evangelização, promovido pela ASTE, em São Paulo, em 1967.
301
5.1.2
Igreja: Promotora de Liberdade e de Esperança
959
KIVITZ, Ed René. Pequenos Grupos, uma Velha Novidade. In.: HORRELL, J. Scott (Editor).
Ultrapassando Barreiras. São Paulo: Vida Nova, p. 59 passim. Cf. HORRELL, Scott. A
Essência da Igreja. São Paulo: Vida Nova, pp. 10,11,27. Cf. com a obra: Evangelização e
Responsabilidade Social. Série Lausanne. São Paulo: ABU. Vol. 2, pp. 38-42. Esta obra faz parte
de uma série de dez volumes sobre o Congresso Mundial de Evangelização, ocorrida em
Lausanne, Suíça, em 1974.
302
960
MIRANDA, Mário de França, op. cit., p. 102.
303
961
Ibidem, p. 102.
962
PADILLA, C. René, op. cit., pp. 202,203.
963
CAVALCANTI, Robinson, op. cit., p. 55.
304
5.2
A Cristologia Calvinista e o Querigma Libertário diante dos Desafios
da Pós-Modernidade
964
KIRK, Andrew, op. cit., p. 27 passim.
965
Não queremos assumir, aqui, nenhuma forma reducionista de que, fora da Igreja, não há
salvação, mas evidenciar a vocação eclesial e de cada discípulo, individualmente, na tarefa
querigmática de anunciar as Boas Novas, que promovem a verdadeira liberdade humana.
966
Institutas, Vol. II, 13.4.
305
5.2.1
A Atualização da Cristologia Calvinista: Aplicação na Cristologia
Eclesial
967
ROMEIRO, Paulo. Decepcionados com a Graça. Esperanças e frustrações no Brasil
Neopentecostal. São Paul:. Mundo Cristão. 2005, p. 158.
968
SOUZA, Sandra Duarte. Trânsito religioso e construções simbólicas temporárias: Uma
bricolagem contínua. São Paulo. UMESP. 2001, pp. 164,165.
307
969
REGA, Lourenço Stelio. Fast Food Gospel, Eclésia n. 45, p. 45.
970
Institutas. Edição Especial, p. 109.
971
Institutas. Edição Especial, p. 110.
308
5.2.2
Unicidade e Universalidade em Jesus Cristo
972
Na verdade, são dois grandes desafios teológicos diante do Diálogo Inter-Religioso.
973
No entanto, na cristologia de corte pluralista, a encarnação de Jesus deve ser interpretada não
como um fato histórico absoluto, mas como um mito da fé cristã, tendo, no teólogo John Hick, sua
maior expressão. Cf. Hick é um teólogo muito produtivo e sua obra é muito vasta. Para maior
aprofundamento do seu pensamento, citamos, aqui, apenas seus trabalhos relacionados à temática
do DIR. HICK, John. The Myth of God Incarnate, London: SCM Press, 1993; God Has Many
Names, London: Macmillian, 1980; Whatever Path Man Choose is Mine, In: J.HICK and B.
HEBBLETHWAITE. Christianity and Other Religions, Fortress. Philadelfia, 1980.
974
MIRANDA, M. F. O Cristianismo em face das religiões. São Paulo: Loyola. pp. 96-104.
309
975
Ibidem. op cit. p. 411.
976
GUTHRIE, Shirley C. Sempre se Reformando. A Fé Reformada em um Mundo Pluralista.
São Paulo : Pendão Real. 2000, pp. 34-41.
977
SCHILLEBEECKX, E. Universalité unique d’une figure religieuse historique nommée Jésus
de Nazareth. (universidade única de uma figura religiosa histórica chamado Jesus de Nazaré).
Artigo selecionado pelo professor da matéria para intercambiar com outros autores na elaboração
do trabalho. Cf. SCHILLEBEECKX, E. Cristo, Sacramento do Encontro com Deus. Petrópolis.
Vozes. p. 10.
978
DA 28.
979
GS 22.
980
GS 22.
310
981
Institutas, Edição Especial, Vol. II, pp. 209-211.
982
Institutas, Edição Especial, Vol. II, pp. 172,173.
983
Institutas, Edição Especial, Vol. II, p. 170.
311
5.3
O Querigma Libertário: Libertação do Ser Humano diante dos
Desafios da Pós-Modernidade
984
Ibidem. p. 123.
985
DA, pp. 5,6.
312
5.3.1
O Homem como Ser Alienado de Deus
986
BIÉLER, André. O Pensamento Social e Econômico de Calvino, op. cit., p. 264.
987
FERREIRA, Edijéce Martins. A Ética de Calvino. op. cit., p. 25.
988
Institutas, livro II, ii, 12.
989
Institutas, livro II, i, 9.
313
990
Institutas, livro II, i, 9.
991
Institutas, livro II, i, 9.
992
Institutas, livro II, ii, 11.
993
Institutas, livro II, iii, 5.
994
WARFIELD, Benjamim Breckinridge. Calvin and Calvinism, p. 292.
995
NIEBUHR, H. Richard. Christ and Culture, p. 194.
996
Institutas, livro II, i, 4.
314
997
Institutas, livro II, ii, 27.
998
Institutas, livro II, cap. 1 § 11.
999
Institutas, livro II, cap. XV § 8.
1000
Institutas, livro II, cap. II § 13.
1001
Pentateuco, (Gn. 2.17).
315
1002
Gênesis, (Gn 9.3).
1003
COMBLIN, José. Vocação para a Liberdade. São Paulo: Paulus. 1998, p. 10.
316
5.3.2
O Homem como Nova Criação de Deus na Sociedade
1004
SOLONCA, Paulo. Inovando uma Igreja Tradicional. In.: J. Scott Horrell (Editor).
Ultrapassando Barreiras. São Paulo: Vida Nova, p. 121.
1005
COMBLIN, José, op. cit., p. 11.
1006
BIÉLER, André. O Pensamento Social e Econômico de Calvino, op. cit., p. 263. Cf.
Institutas, livro II, cap. I § 5.
1007
Romanos, (Rm 5.15).
317
O homem por sua livre vontade fracassou, mas Deus jamais fracassou e, por
Sua misericórdia, buscou restabelecer a primeira condição humana. Lemos então
que era
Por isso, desde a Queda do primeiro Adão até a chegada do segundo Adão,
Deus revelou-se ao homem, dando-lhe condições de conhecê-lO, até que chegasse
a plenitude dos tempos. Mostrou-Se à humanidade através de homens escolhidos,
estabelecendo com estes um pacto, uma aliança, até que, com o povo de Israel,
pactuou-Se de modo particular.
Vejamos tal fato:
1008
OC, tomo IX, p. 797.
318
1009
OC, tomo IX, p. 795. Cf. Oeuvres Choises, op. cit., p. 186.
1010
MIRANDA, Mário de França. Libertados para a Práxis da Justiça. A Teologia da Graça no
Atual Contexto Latino-Americano. São Paulo: Loyola, 2002, p. 76.
319
1011
FORTE, Bruno. A Essência do Cristianismo. Petrópolis: Vozes. 2003, p. 71.
1012
Institutas, livro II, vii, 4.
1013
Institutas, livro II, vii, 54.
1014
Institutas, livro II, vii, 54.
320
1015
Institutas, livro II, iii, 7.
1016
Tal expressão é fruto do Congresso Internacional de Evangelização Mundial realizado em
Lausane, Suíça, em 1974. Posteriormente foi reafirmada em novo Congresso realizado em Manila,
nas Filipinas, em 1991. Cf. A Missão da Igreja no Mundo de Hoje. São Paulo: ABU / Visão
Mundial.
1017
NASSER, Antonio C. A Igreja Apaixonada por Missões. Uma Aplicação da Teoria do
Óbvio ao Relacionamento das Igrejas e Agências Missionárias. São Paulo: Abba. 1995, pp. 11-25.
1018
CAVALCANTI, Robinson, op. cit., pp. 42-45.
1019
CAVALCANTI, Robinson, op. cit., p. 44.
1020
Ibidem, pp. 87 passim.
321
1021
LUTERO, Martinho. Obras Selecionadas. Vol 2. op.cit. p. 435.
1022
Institutas, livro III, cap. 19, seção 7.
1023
Institutas, livro III, cap. 19, seção 12.
1024
Institutas, livro III, cap. 19, seção 12.
1025
CROATO, Severino. Êxodo: uma hermenêutica da liberdade. São Paulo: Paulinas, 1981, p.
169. Cf. FORTE, Bruno. A Essência do Cristianismo. Petrópolis: Vozes. 2003, p. 56.
322
1026
MIRANDA, Mário de França, op. cit., p. 86.
323
5.4
A Soteriologia Calvinista sob o Paradigma do Querigma Libertário
diante dos Desafios da Pós-Modernidade
5.4.1
A Soteriologia e os Desafios da Pós-modernidade
1027
OKHOLM, Dennis. Four Views on Salvation in a Pluralistic World. Inter-varsity Press, 1997,
p. 12.
1028
SUNG, Jung Mo. Deus numa economia sem coração. São Paulo: Paulus. 1992, p. 122.
1029
COMBLIN, José, op. cit., p. 37.
324
1030
Cf. Revista Esprit (Paris), junho de 1997: Le temps des religions sans Dieu. Ver também
Gianni Vattimo, em Credere di credere, Garzanti, 1996.
1031
SUNG, Jung Mo. Deus numa economia sem coração. São Paulo: Paulus. 1992, pp. 123,124.
1032
QUEIRUGA, Andrés Torres. Fim do Cristianismo Pré-Moderno. São Paulo: Paulus. 2003,
pp. 125-127.
1033
GS 4d.
1034
BERDIAEFF, Nicolas. Esprit et Liberté. Paris: Desclée. 1984, p. 27.
325
1035
CONNOR, Steven. Postmodernist Culture. Blackwell, 1989, pp. 32-33.
326
1036
VEITH, Gene Edward. Postmodern Times. Crossway Books. 1994, p. 212.
327
1037
COLSON, Charles. The Body: Being Light in Darkness (Dallas, Texas: Word, 1992), pp. 44-
47.
1038
Apenas para esclarecimento, a doutrina cristológica discute sobre a pessoa de Jesus Cristo,
enquanto a doutrina soteriológica versa sobre a ação redentora de Jesus Cristo.
328
1039
Tradução-adaptação feita pelo Rev. Dr. Claude Emanuel Labrunie de artigo do Dr. Allan L.
Ferrir, publicado na revista Reformed World, de setembro de 1974, pp. 107-115.
1040
GEORGE, Timothy. A Teologia dos Reformadores. São Paulo: Vida Nova. (Original em
inglês: Theology of the Reformers (Nashville: Broadman, 1988), pp. 185-223.
1041
Institutas, Vol. II, 2.1.8.
329
1042
GEORGE, Timothy. A Teologia dos Reformadores, op. cit., pp. 185-223.
330
1043
Este parágrafo é uma tradução-adaptação feita pelo Rev. Dr. Claude Emanuel Labrunie, de
artigo do Dr. Allan L. Ferrir, publicado na revista Reformed World de setembro de 1974, pp. 107-
115.
1044
Institutas, Edição especial. Vol. I, pp. 109,110.
331
Calvino não nega existir o que ele chama de “alguma semente de nobreza
em nossa natureza, a qual nos deve incitar a seguir a justiça e a honestidade”.1046
Entretanto, na medida em que busca um exame mais acurado de si mesmo, o
homem depara-se com a dura realidade de sua condição diante de Deus, vendo-se
“esvaziado de toda esperança”1047 soteriológica. Cabe ao homem perceber o
motivo para o qual foi criado e, certamente, dotado por Deus com dons e talentos
a fim de que viva para glorificar o seu Criador. Esta é uma parte essencial do
conhecimento que o ser humano deve ter de si mesmo.1048
Como conseqüência natural dessa avaliação, nascerá o desejo de servir a
Deus, pois como criatura recebeu a imagem e semelhança do seu Criador.
1045
CALVINO, João. As Instituas. Edição especial com notas para estudo e pesquisa. Vol. I. São
Paulo: Ed. Cultura Cristã. 2006, p. 8. A partir desta nota, será usado como Institutas, Edição
especial.
1046
Institutas, Edição especial. Vol. I, p. 83.
1047
Institutas, Edição especial. Vol. I, p. 82.
1048
“A luz desse fato aprendemos, também, que os que são responsáveis pelo presunçoso uso da
bondade divina se aproveitam dela para orgulhar-se da excelência que possuem, como se a
possuíssem por sua própria habilidade, ou como se a possuíssem por seu próprio mérito; enquanto
que sua origem deveria, antes, lembrá-los de que ela tem sido gratuitamente conferida aos que são,
ao contrário, criaturas vis e desprezíveis e totalmente indignas de receber algum bem da parte de
Deus. Qualquer qualidade estimável, pois, que porventura virmos em nós mesmos, que ela nos
332
estimule a celebrarmos a soberana e imerecida bondade que a Deus aprouve conceder-nos”. In.:
CALVINO, João. O Livro de Salmos. São Paulo: Parakletos, 1999. Vol. I, (Sl 8.4, pp. 165,166).
1049
CALVINO, João. O Livro dos Salmos, Vol. I, (Sl 8.5), p. 167.
1050
“Quando de seu estado original decaiu Adão, não há a mínima dúvida de que, por esta
defecção, se haja alienado de Deus. Pelo que, embora concedamos não haja sido nele aniquilada e
apagada de todo a imagem de Deus, foi ela, todavia, corrompida a tal ponto que, o que quer que
resta, é horrenda deformidade” (Institutas, Vol. I, 15,4). “Pelo pecado estamos alienados de Deus”
(CALVINO, João. Efésios, (Ef. 1.9), p. 32); “Como a morte espiritual não é outra coisa senão o
estado de alienação em que a alma subsiste em relação a Deus, já nascemos todos mortos, bem
como vivemos mortos até que nos tornamos participantes da vida de Cristo.” (CALVINO, João,
Efésios, (Ef 2.1), p. 51). “Tão logo Adão alienou-se de Deus em conseqüência de seu pecado, foi
ele imediatamente despojado de todas as coisas boas que recebera”. CALVINO, João, Exposição
de Hebreus, (Hb 2.5), p. 57.) Todos os homens estão “totalmente alienados de Deus”. (CALVIN,
John. Calvin’s Commentaries, Grand Rapids, Michigan, Baker Book House Company, 1981, Vol.
XVIII, (Jo 14.22), p. 97.
1051
Institutas, Edição especial. Vol. I, p. 86.
1052
Institutas, Edição especial. Vol. I, p. 90. “Os homens jamais encontrarão um antídoto para suas
misérias, enquanto, esquecendo-se de seus próprios méritos, diante do fato de que são os únicos a
enganar a si próprios, não aprenderem a recorrer à misericórdia gratuita de Deus.” (CALVINO,
João. O Livro dos Salmos, Vol. I, (Sl 6.4), pp. 128,129).
333
1053
FERREIRA, Edijéce Martins. A Ética de Calvino. op. cit., p. 33.
1054
Institutas, livro III, xi, 11.
1055
BARTH, Karl. Die Kirchliche Dogmatik. Zürich, 1950, I/2, p 135.
334
5.4.2
Em Busca de uma Salvação Integral e Integrada
1056
Institutas, livro III, xix, 2.
1057
Institutas, livro III, viii, 51.
1058
ZANDRINO, Ricardo. Curar também é tarefa da Igreja. São Paulo: CPPC, 1986, p. 38.
335
1059
BERKHOF, Luis, op. cit., p. 496.
336
1060
Institutas, livro III, xix, 14.
1061
MIRANDA, Mário de França, op. cit., p. 142.
1062
Ibidem., p. 89.
337
Tal justificação ocorre somente pela fé, sem qualquer efetivação de obras
humanas (Rm 3,28; Gl 2,16; Ef 2,8-10). Isso significa dizer que não há qualquer
possibilidade por parte do homem em promover sua autojustificação.
“Naturalmente essa fé não é um assentimento intelectual a certas verdades
salvíficas, mas a fé-compromisso, a fé-doação, que se identifica como atitude
1064
profunda do homem com a esperança, a caridade, a metanóia”. Ou seja, a
justificação implica na dimensão forense e transformativa, na qual a justiça de
Cristo é imputada ao homem, mas também a ação regeneradora do Espírito Santo
1065
o faz nova criatura (II Co 5,17).
5.5
Implicações Éticas Diante dos Desafios da Pós-Modernidade
1063
Ibidem., p. 89.
1064
MIRANDA, Mário de França, op. cit., p. 89.
1065
Institutas, Edição Especial, p. 90.
1066
Institutas, Edição Especial, Vol. IV, pp. 177,178.
338
5.5.1
A Ética na Vida de Serviço
1067
Institutas, Edição Especial, Vol. IV, p. 181.
1068
Institutas, Edição Especial, Vol. IV, p. 181.
1069
Efésios, (Ef. 1.13), pp. 35,36.
1070
Institutas, Edição Especial, Vol. IV, p. 182.
339
1071
Institutas, Edição Especial, Vol. IV, p. 182. Tais palavras de Calvino são libertadoras e
evidenciam um homem consciente das limitações humanas, mesmo alcançado pela graça salvadora
de Jesus Cristo.
1072
BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino. São Paulo: Casa Editora
Presbiteriana. 1990, pp. 334-339.
1073
Ibidem, pp. 334-335.
1074
MATOS, Alderi Souza de. Resgatando Aspectos Essenciais da Fé Reformada. In.: Fides
Reformata III/1, 86.
340
1075
Comentário, 2 Coríntios 8.15.
1076
Sermão 96 sobre Deuteronômio 15.16.23. Os sermões de Calvino sobre o livro de
Deuteronômio são particularmente ricos em revelar o seu pensamento social.
1077
Comentário ao Evangelho de Mateus, 3.9-16.
1078
Este parágrafo é uma tradução-adaptação feita pelo Rev. Dr. Claude Emanuel Labrunie, de
artigo do Dr. Allan L. Ferrir, publicado na revista Reformed World ,de setembro de 1974, pp. 107-
115.
341
O trabalho, além disso, é um dos meios pelos quais Deus em sua providência
cuida das necessidades da sua criatura. A sociedade que não der a um homem
condições de trabalhar, está a roubar-lhe um de seus direitos humanos
fundamentais. Mediante o trabalho humano, Deus atende às necessidades de um
homem e de sua família. Subtrair de alguém a possibilidade de trabalhar, declarou
Calvino, é equivalente a “cortar sua garganta”.1080
Não satisfeito com isso, Calvino afirma que o trabalho é um instrumento
para desincumbirmo-nos de nossas responsabilidades para com o nosso próximo.
O reformador, como já exposto, era um líder preocupado com a solidariedade da
vida humana. Os homens não constituem uma coleção de indivíduos; é uma
comunidade de gente mutuamente dependente. Para Calvino, a ética pessoal deve
ser ética social, e esta última tem a ver com meu próximo. Percebe-se, pois, que o
fim, o objetivo, a intenção com que o homem trabalha, é de importância decisiva.
O trabalho pode ser a expressão de um espírito egoísta e açambarcador, ou pode
ser um meio de expressar minha nova vida com Cristo, que requer não apenas
honrar a Deus, mas também amar meu próximo em quem, por mais distorcida que
seja, reflete-se a imagem de Deus. Mediante meu trabalho, eu me torno capaz de
expressar de maneira concreta meu amor por meu próximo.1081
1079
Coríntios, (2 Co 1.4), p. 17.
1080
Sermão em Deuteronômio 24.14-18.
342
1081
Tradução-adaptação feita pelo Rev. Dr. Claude Emanuel Labrunie, de artigo do Dr. Allan L.
Ferrir, publicado na revista Reformed World de setembro de 1974, pp. 107-115.
1082
Para um maior aprofundamento da questão ética, sugere-se a leitura de duas obras
fundamentais para a filosofia prática ocidental, cf. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo:
Nova Cultural, 1987 e KANT, I. Crítica da Razão Prática / CRPr, (A 167-185). São Paulo:
Martins Fontes, 2002.
1083
Ibidem, pp. 239,241.
1084
MIRANDA, Mário de França, op. cit., p. 98.
343
1085
Ibidem, p. 98.
1086
AGOSTINI, Nilo. Ética e Evangelização, op. cit., p. 21.
1087
CORBISIER, R. Introdução à filosofia, tomo1, Rio de Janeiro: Ed.Civilização Brasileira,
1991, pp. 125-127.
1088
COTRIM, G. Fundamentos da Filosofia – História e Grandes Temas, op. cit., p. 264.
1089
COTRIM, G. op. cit., p. 265.
1090
Institutas, livro IV, cap. 10, seção 1, p. 173.
344
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56
3
5.5.2
Desafio de Construção de uma Sociedade Humanizada
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1093
Institutas, Edição Especial, Vol. IV, p. 179.
1094
Hebreus, (Hb 4.10), p. 105.
345
Sendo assim, o cristão é aquele que exerce sua fé não apenas na dimensão da
contemplação, mas também no contexto histórico no qual se encontra. Segundo
Calvino, o que Deus deseja para seus filhos, antes de qualquer coisa, é
integridade, caracterizada pela nobreza de coração, singeleza e sinceridade de
alma.1095 Somos, portanto, desafiados e encorajados pelo próprio Cristo a
prosseguir na caminhada cristã, perseguindo a maturidade e a estatura do segundo
Adão, Cristo. Para o cristão comprometido com as implicações do Evangelho,
haverá de perceber que o hoje superou o ontem. A ética cristã importa em que
sejamos melhores do que somos, pois com o nosso ethos restaurado seremos mais
humanos e melhores nas nossas relações interpessoais, com a criação e com o
próprio Deus. Na verdade, uma coerência entre ortodoxia e ortopraxia.
Vejamos as palavras do próprio Calvino:
1095
Salmos, Vol. II (Sl 58.1), p. 517.
5 6/
D" .5E5F 5/E5/F
346
1097
KUYPER, Abraham. Calvinismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 38.
1098
Ibidem, p. 249.
1099
Institutas, livro III, cap. 19, seção 15.
1100
Institutas, livro III, cap. 19, seção 10.
347
1101
TILLICH, Paul. História do Pensamento Cristão. São Paulo: ASTE, 2000, p. 269.
1102
Ibidem, p. 269.
1103
Ibidem, p. 269.
1104
Institutas, livro III, cap. 19, seção 14.
1105
Institutas, livro III, cap. 7, seção 6.
348
Nilo Agostini fala-nos, também, da grandeza dessa ética, que busca o resgate
da alteridade, sendo esta um dos grandes desafios na pós-modernidade. Alteridade
significa a dinâmica do saber ouvir para a práxis do saber servir.1106 O cristão
deve valorizar a sua vida, o seu tempo, o seu corpo, o seu trabalho como meio de
sobrevivência e de serviço em prol da coletividade.
O princípio escriturístico da liberdade cristã está no exercício de sair de si
mesmo e envidar todo esforço do nosso ser ao serviço de Deus, que, na verdade, é
a construção do Seu Reino através da sociedade provisória, a Igreja, segundo a
linguagem de Calvino. Tal serviço consiste não apenas a obediência à Palavra de
Deus e submissão ao Espírito Santo, mas também o desempenho dos dons
recebidos em benefício do próximo. Diferentemente dos filósofos que ensinam
que devemos seguir apenas a razão, como instrumento de governo da vida,
Calvino declara que “a filosofia cristã pretende que a razão ceda e se afaste, para
dar lugar ao Espírito Santo”.1107
Torna-se imperativo no contexto da pós-modernidade resgatar a consciência
ético-cristã acerca da vocação de cada servo de Deus, a fim de que não sejamos
absorvidos pela cultura atual, que valoriza desenfreadamente a busca constante
das opções oferecidas. Ao contrário, saibamos ordenar nossa conduta pela via da
vocação que Deus deu a cada um de nós. Portanto, é no exercício de nossa
vocação que encontraremos o caminho da liberdade.1108
Biéler, percebendo a importância do papel da Igreja na sociedade, declara
que as relações sociais naturais sofrem substancial transformação pela presença da
Comunidade Cristã, resultado da obra regeneradora na vida de cada cristão.
Vejamos suas próprias palavras:
A obra de regeneração realizada por Jesus Cristo,
manifesta-se no aparecimento de novas relações sociais
entre os homens. É na Igreja que a ordem primitiva da
sociedade, tal qual havia Deus estabelecido, tende a ser
restaurada.1109
1106
Ibidem, pp.42-44.
1107
Institutas, Edição Especial, Vol. IV, p. 184.
1108
Institutas, Edição Especial, Vol. IV, pp. 224,225. Cf. CALVINO, João. A Verdadeira Vida
Cristã, op. cit., p. 77.
1109
BIÉLER, A. op. cit., pp. 335,336. “Tem-se, por muito tempo, debatido a questão de saber se a
ordem natural de que se percebem traços no mundo de hoje, após a Queda, era a ordem da criação,
ou se decorria ela de uma ordem estabelecida posteriormente, a ordem de conservação, que Deus
teria instituído após a Queda para manter a vida humana e impedir que o mundo se precipite no
caos a que o arrasta o poder destrutivo do pecado. De fato, porém, a ordem natural não pode ser
reconhecida agora senão a partir da ordem que Cristo restabelece entre os homens; não podemos
349
5.6
Impactos de uma Teologia Libertária na Sociedade
saber, fora desta revelação, qual era a ordem social natural primitiva”. Quanto ao debate teológico
referente a esta questão, cf. CHENEVIÈRE, Marc. La pensée Politique de Calvin. Genève.
Editions Labor 1937, p. 91, e CONORD, Paul. Le Problème d’Une Sociologie Chrétienne. Paris,
1936, pp. 57-77.
1110
KUYPER, Abraham. Calvinismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 80.
1111
BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, op. cit., p. 410.
350
5.6.1
Impacto na Política
1112
Ao enfatizar a soberania e glória de Deus em sua obra, Calvino entendia ser ela “certa
orientação e ajuda, para saber que deva nela buscar a fim de não vaguear incerta, ao contrário,
alcance rota segura que lhe faculte atingir sempre o fim a que a convoca o Santo Espírito”. In.:
Institutas, livro I, p. 49. Ou seja: a vocação religiosa não se expressa apenas no espectro
eclesiástico, mas se manifesta em toda a vida, em todas as esferas vivenciais.
1113
Cf. DAVIES, A. Mervn. O pensamento da Liberdade Americana, (New York, 1955), que
afirma que “Ao vencer o Absolutismo emergente, quando este ameaçava devorar toda Europa, este
(i.e., o Calvinismo) tornou possível o surgimento de uma comunidade de homens debaixo da
soberania de Deus. Assim, pois, foram postos os fundamentos da nossa liberdade,” p. 24.
1114
CANTU, Cesare. História universal. São Paulo: Ed. das Américas, 1967-1968. p. 121.
1115
SABINE, George H. História das Teorias Políticas. Rio de Janeiro / Lisboa: Editora Fundo
de Cultura, 1964. pp. 189-190).
1116
BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, op. cit., p. 152.
351
1117
KUYPER, Abraham. Calvinismo. São Paulo. Ed. Cultura Cristã. 2002, pp. 85-92.
1118
Institutas, livro IV, seção 20, 9.
1119
Institutas, livro IV, seção 20, 3.
352
1120
Ver também DAVIES, A. Mervn, em O pensamento da Liberdade Americana, (New York,
1955), que afirma que “Ao vencer o Absolutismo emergente, quando este ameaçava devorar toda
Europa, este (i.e., o Calvinismo) tornou possível o surgimento de uma comunidade de homens
debaixo da soberania de Deus. Assim, foram postos os fundamentos da nossa liberdade,” p. 24.
1121
Para um tratamento mais detalhado do tema da graça comum e da cultura, Cf. BAVINCK, H.,
“Calvino e a Graça Comum,” Calvino e a Reforma, pp. 117- 30, donde Bavinck sustenta que
Calvino, apesar de “sua convicção da majestade e caráter espiritual da lei moral,” é mais generoso
em seu reconhecimento do que é verdadeiro e bom, onde quer que se encontre, do que qualquer
outro reformador.” p. 120.
1122
BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino. São Paulo: Casa Editora
Presbiteriana. 1990, p. 147.
1123
Institutas, livro IV, seção 20, 1732.
1124
VIGUERIE, Jean de. L’institution des enfants - L’éducation en France - XVIe - XVIIIe siècle.
Paris: Calmann-Lévy, 1978. 331p. Cf. Viguerie, 1978:42.
353
1125
GOMES, Antônio M. de Araújo. O Pensamento de João Calvino e a Ética Protestante de
Max Weber, Aproximações e Contrastes. São Paulo: FIDES REFORMATA 7/2 (2002), p. 6.
1126
BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, op. cit., pp. 446-450.
1127
CALVINO, Juan. Institución de la religion cristiana. Traducida y publicada por Cipriano de
Valera en 1597 por Luis de Usoz y Río en 1858. Nueva edicion revisada en 1967. Países Bajos:
Fundacion Editorial de Literatura Reformada, 1967. Livros I e II. p. 1.172.
1128
Ibidem, p. 1.193.
354
5.6.2
Impacto na Cultura
1129
DAKIN, A, op. cit., p. 18.
1130
Calvino compreendeu os efeitos radicais da queda, inclusive o efeito noético do pecado, que
tornou a razão humana incapaz de chegar ao conhecimento da verdade por si mesma (Tt 1,15). E
uma vez que a queda é primordialmente uma tragédia ética, a desobediência é a característica de
tudo o que fazemos, dizemos ou pensamos. Mas Calvino também compreendeu o sentido radical
da redenção em Cristo, que restaura o homem palingeneticamente, em todos os aspectos do seu ser
Deus é o criador do cosmos e das leis que o regem, e não está sujeito às leis cósmicas, nem mesmo
às leis da lógica. Cf. Knudsen, Calvinistic Philosophy, 8-9.
355
1131
DE LIBERA, Alain, A Filosofia Medieval, p. 430.
1132
Esta consciência é fruto da ação do Espírito. No comentário do Salmo 73:23, Calvino declara o
papel do Espírito na preservação dos eleitos. Ele diz “a razão de não sucumbirmos, mesmo entre
os severos conflitos, nada mais é que, recebemos o cuidado do Espírito Santo. Realmente, Ele nem
sempre põe sobre nós o Seu poder de um modo evidente e notável, (pois Ele nos aperfeiçoa em
nossa fraqueza), mas é suficiente que Ele nos socorra, ainda que sejamos ignorantes e
inconscientes disto, que Ele nos sustenta quando nos humilhamos, e ainda nos levanta quando
caímos” (John Calvin, in loci, The Works of John Calvin. In.: Ages Digital Library).
1133
Para Calvino, a liberdade espiritual do cristão não suprime os tribunais, as leis e os
governadores, e é perfeitamente consoante com o serviço civil (Ibid., IV, 20, 1).
1134
Institutas, livro III, p. 19.
1135
Institutas, livro III, capítulo 3.
356
1136
Cf. Institutas, op. cit., p. 230.
1137
A doutrina da expiação reflete isto, segundo Calvino: “Para um sacerdote, cuja função era
apaziguar a ira de Deus, socorrer os desventurados, restaurar os caídos, libertar os oprimidos, seu
primordial e extremo requisito era demonstrar misericórdia e criar em nós tal senso de comunhão.
Pois é muito raro que aqueles que sempre vivem afortunadamente simpatizem com os sofrimentos
alheios. O Filho de Deus não tinha necessidade de passar por alguma experiência a fim de
conhecer pessoalmente a emoção da misericórdia. Entretanto, Ee jamais nos teria persuadido de
sua bondade e prontidão em socorrer-nos não fosse Ee provado pelos nossos próprios infortúnios.
Fiel significa verdadeiro e justo. É o oposto de um impostor ou alguém que não cumpre o seu
dever. A experiência de nosso infortúnio faz de Cristo Alguém tão pleno de compaixão, que o
move a implorar o auxílio divino em nosso favor. Que mais podemos desejar? Para fazer expiação
por nossos pecados, Ele se vestiu de nossa natureza, para que pudéssemos ter, em nossa própria
carne, o preço de nossa reconciliação. Em uma palavra, para que pudesse nos levar consigo, para
dentro dos Santos dos Santos de Deus em virtude de nossa comum natureza.” Cf. Hebreus, op. cit.,
pp. 78-79.
1138
Enquanto Zwinglio estabeleceu os primeiros fundamentos religiosos, seu trabalho foi
continuado e aperfeiçoado pelo seu sucessor em Zurique Henrique Bullinger (1504 - 1575) e por
João Calvino, em Genebra, os quais uniram os dois caminhos religiosos de Zurique e Genebra à
357
5.6.3
Impacto na Economia
1143
Institutas, Edição Especial, Vol. IV, p. 223.
1144
“Pela gratuita misericórdia de Deus a vontade é convertida ao bem, e convertida, persevera
nEle. Que, quando a vontade do homem é guiada ao bem, e que, depois de ser encaminhada, seja
também constante nEle, tudo isto depende unicamente da vontade de Deus, e não de algum mérito
seu” (Institución, vol II.3.14, p. 213).
1145
Sermões, Deut. 15:1112; 26:16). Ver também P. A. Diepenhorst. Calvijn en de Economie,
(Wageningen, 1904). O que segue no texto é um extrato da dissertação do Dr. Diepenhorst, que
consultou as obras de Calvino no Corpus Reformatorum. Apesar das referências nos sermões e nos
comentários, a teoria de Calvino sobre este assunto é apresentada em seu Concílio.
1146
Calvino entende que o uso das benesses da criação é válido. Ele afirma: “Prescindamos, pois,
daquela inumana filosofía que não concede ao homem o uso das criaturas de Deus que é
estritamente necessário, e nos priva sem razão do lícito fruto da liberalidade divina, e que somente
pode ter aplicação despojando o homem de seus sentidos e reduzindo-o a um pedaço de madeira.”
(Institutas, livro III, 10, 3).
359
1147
Cf. Lucas 6:35; Deut. 23:19; Salmo 15 etc.
1148
DIEPENHORST, P. A. Calvin en de Economie, (Wageningen, 1904), p. 123.
1149
Comentários, sobre Êxodo 22:25; Lev. 25:25-28; Deut. 23:19, 20.
1150
BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, op. cit., pp. 215-220.
1151
DIEPENHORST, P. A. op. cit., pp. 139, 153-71.
1152
A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (New York, 1931) 2 vols. A Religião e o
Surgimento do Capitalismo, Holland Memorial Lectures, 1922, (Penguin Books, Inc. New York).
360
1153
Calvijn Als Mensch En Hervormer, pp. 122-125.
1154
Calvino afirma que “é uma notável e brilhante prova de seu inestimável amor, que o Pai não
hesitou em entregar seu Filho para a nossa salvação.” Ver Romanos, p. 300. A implicação disto é
“porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas”. Para Calvino, não há lugar para
as boas obras naquilo que é fundamental para garantir a salvação, já que Cristo foi-nos dado como
meio revelador do amor de Deus (Jo 1:14; 3:16; Hb 1:3). A obra realizada por Cristo, foi realizada
em nosso favor, e em nosso lugar, como também uma dádiva graciosa para desfrutarmos (Rm
5:10). Se em Cristo, o Pai reconciliou-nos com Ele, afirmar a eficácia das boas obras seria perder
toda a obra do seu amado Filho. Calvino ainda afirma: “quando o cristão olha para si mesmo, ele
não vê motivo para ansiedade, na verdade, nenhum desespero; mas, visto que ele foi chamado à
comunhão com Cristo, então não pode pensar de si mesmo, no tocante à segurança da salvação, de
nenhuma outra forma senão como membro de Cristo, fazendo, assim, suas todas as bênçãos de
Cristo. Dessa forma, ele se assegurará da esperança da perseverança final (como é chamada) como
algo garantido, caso ele se considere um membro de Cristo, Aquele que jamais pode falhar.” (In:
comentário de 1 Coríntios, p. 40).
1155
Nisbet, em seu sugestivo livro “História de la idea de progreso", assinala a etimologia da
palavra progresso citando trecho do poeta latino Lucrécio, no qual o autor de "De Natura Rerum"
(Sobre a natureza das coisas) fala a respeito da evolução técnica e cultural: E a navegação, a
agricultura, a construção de paredes, a invenção das leis, e as armas, as estradas, os vestidos e toda
classe de invenções semelhantes, e também todas as que não proporcionavam senão gosto, a
canção, a pintura, e a escultura, foram inventadas à força de experiências, de necessidade e de
dedicação. E assim, pouco a pouco, avançando passo a passo ("pedetentim progredientes") (grifo
meu) as foram aprendendo e melhorando. Deste modo, o tempo, pouco a pouco, provoca os
descobrimentos das coisas, que a razão eleva à luz. Viram, pois como as coisas, umas após outras,
iam tornando-se mais claras em suas mentes, até que graças ao seu engenho chegaram ao mais alto
nível. In.: NISBET, Robert. História de la idea de progreso. Barcelona: GEDISA, 1981, p. 71).
Nesta citação, percebe-se que o progresso está vinculado ao desenvolvimento agrícola e da
proteção das terras.
361
1156
Cf. Comentários sobre Oséias 12:8; Gen 47:19-23; João 2:16b; Isa. 23:2.
1157
Comentários sobre Isaías 47.
1158
Um exemplo: Babilônia não foi condenada pela prosperidade e luxo produzidos pelo comércio,
mas pela arrogância e orgulho. Cf. Comentário sobre Isaías, p. 47.
1159
Calvino entende que a perfeição não pode ser alcançada por méritos humanos, já que Jesus é o
único que é perfeito e apresenta perfeitamente Sua vida em nosso favor. Ele afirma: “Para um
sacerdote, cuja função era apaziguar a ira de Deus, socorrer os desventurados, restaurar os caídos,
libertar os oprimidos, seu primordial e extremo requisito era demonstrar misericórdia e criar em
nós tal senso de comunhão. Pois é muito raro que aqueles que sempre vivem afortunadamente
simpatizem com os sofrimentos alheios. O Filho de Deus não tinha necessidade de passar por
alguma experiência a fim de conhecer pessoalmente a emoção da misericórdia. Entretanto, Ele
jamais nos teria persuadido de sua bondade e prontidão em socorrer-nos, não fosse Ele provado
pelos nossos próprios infortúnios. Fiel significa verdadeiro e justo. É o oposto de um impostor ou
alguém que não cumpre o seu dever. A experiência de nosso infortúnio faz de Cristo Alguém tão
pleno de compaixão, que O move a implorar o auxílio divino em nosso favor. Que mais podemos
desejar? Para fazer expiação por nossos pecados, Ele se vestiu de nossa natureza, para que
pudéssemos ter, em nossa própria carne, o preço de nossa reconciliação. Em uma palavra, para que
pudesse nos levar consigo, para dentro dos Santos dos Santos de Deus em virtude de nossa comum
natureza.” João CALVINO – Exposição de Hebreus, 1997, pp. 78-79.
362
1160
Cf. Sermões sobre Deut. 11:15; 12:15; 22:5; ver também comentários sobre I Sm. 25:26-43;
Amós 6:4; Tiago 5:5; Isa. 3:16; e muito mais sobre este mesmo tema nas Institutas, op. cit., vol.
III, 19, 9, 10; III, 10.
1161
Os anabatistas surgiram nos cantões suíços como conseqüência importante do debate, de onde
surgiram conflitos entre Zwínglio e os seus partidários radicais, como Conrado Grebel (1498 -
1526), que não somente defendeu uma separação clara da Reforma e da autoridade secular, mas
também realizou, em janeiro de 1525, o primeiro batismo de um adulto no cantão de Zurique e
iniciou, dessa maneira, o movimento dos anabatistas suíços. A partir desses dois debates
religiosos, uma multiplicidade de reformas referindo-se a todas as áreas do Estado e da sociedade
foi realizada na cidade. O próprio Zwinglio defendeu a sua posição em diversos escritos novos,
entre eles a sua obra principal de 1525 com o título De vera et falsa religione [...] commentarius
[Comentário sobre a verdadeira e a falsa religião].In: Zwingli: Schriften. Vol. 3, pp. 31-452. para
os anabatistas, também conhecidos como representantes da reforma radical, a disciplina tinha um
caráter quase sacramental e radicalizaram, à semelhança dos puritanos ingleses, a teologia luterana
do sacerdócio universal de todos os crentes, que rompia com toda hierarquia clerical, a favor do
livre-exame da Escritura e da liberdade da consciência. (HILL, C. Intelectuals Origens Of English
Revolution: Revised Edition). A versão brasileira, publicada pela Companhia das Letras, é baseada
na antiga edição inglesa. Nessa nova edição revisada, Hill destaca a influência de Tyndale na
formação intelectual da revolução inglesa, citando como fonte deste novo entendimento sua
biografia escrita por David Daniell. Hill entende que Tyndale lançou bases para a contestação
política puritana durante o reinado de Charles I. Cf. HILL, C. O Eleito de Deus. Companhia das
Letras). Soma-se a estas características a idéia de que os cristãos não estavam sujeitos à obediência
ao governo civil, tese esta combatida por Calvino (Institutas, livro IV, xx, 5).
1162
Calvino sempre se mostrou preocupado com a situação do próximo, sobretudo os
desprivilegiados e os pobres. Sobre isto, afirma Wallace: “Do púlpito, ele muitas vezes saía de seu
estilo para incitar a consciência de seus ouvintes sobre seu dever para com os desprovidos
financeiramente ao seu redor. Quando ele pregava sobre a proibição do Antigo Testamento de
363
despojar o devedor pobre de um penhor insuportável por seu débito, ele falava em voz alta que
pode ser ouvida hoje como um reclamo de que nenhuma sociedade deve privar qualquer homem
da oportunidade de trabalhar para seu sustento.” In.: WALLACE, Ronald. Calvin, Geneva and the
reformation. Grand Rapids: Baker Book House Company, 1990, p. 123.
1163
TAYLOR, Henry Osborn. Pensamento e Expressão no Século Dezesseis. (New York, 1920),
Vol. I, pp. 423, 424.
1164
WALLACE, Ronald, op. cit., p. 142.
1165
A Religião foi um fator importante para favorecer ou obstaculizar o desenvolvimento da
cidadania. A versão calvinista do protestantismo reforçou o individualismo e favoreceu a cidadania
colocando ênfase na sociedade, e não no Estado. Ver: HERMET, G. (1991) “Des Concepts de la
Citoyenneté dans la Tradition Occidentale”. Métamorphoses de la Représentation Politique au
Brésil et en Europe. Paris. Edit. Centre National de la Recherche Scientifique.
1166
BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, op. cit., p. 661.
364
Diante de tal fato, não podemos afirmar que Calvino foi o pai do
capitalismo em sua evolução histórica e como o temos hoje nem podemos negar
que sua visão não o fazia prisioneiro de nenhum “sistema fechado de moral
econômica e social”.1167 Pela capacidade de colocar a fé no exercício integral da
vida, por outro lado, o reformador contribuiu para o desenvolvimento de tal
sistema, mas sempre sob a soberania de Deus e os princípios do amor e da justiça
para com os homens, jamais com suas próprias regras, e ainda dentro do contexto
histórico no qual estava inserido.1168
1167
Ibidem, p. 661.
1168
Ibidem., p. 661.
365
Conclusão
6
CONCLUSÃO
1169
O professor de História da Igreja, José Roberto da Silva Costanza, traz uma nota explicativa
acerca do governo da Igreja reformada ou presbiteriana, em sua apostila sobre “Os Fundamentos
Doutrinários de Calvino”. “O governo da Igreja presbiteriana é comumente chamado de sistema
misto de democracia e elementos hierárquicos, porque o poder é balanceado entre pastores e leigos
e entre congregações e os corpos de governo maiores da Igreja. Embora a estrutura de governo da
Igreja presbiteriana varie, usualmente consiste de um sistema conciliar ascendente. Cada
congregação é governada por um conselho ou consistório, composto pelo pastor e por presbíteros,
que são eleitos representantes da congregação. A congregação pertence ao presbitério, ou classe,
que coordena e governa as atividades das congregações dentro de uma determinada área
geográfica. São membros de um presbitério todos os pastores e os presbíteros representantes de
cada congregação”.
369
1170
BIÉLER, André. O Pensamento Econômico e Social de Calvino, op. cit., p. 668.
375
1171
Institutas, Edição Especial, Vol. IV, p. 181.
1172
KUYPER, Abraham. Calvinismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2002, p. 80.
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