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CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Relação entre educação, escola e sociedade: concepções de Educação e de Escola. A função social da escola, a educação
inclusiva e o compromisso ético e social do educador............................................................................................................................. 01
Gestão democrática: a participação como princípio.................................................................................................................................. 14
Organização da escola centrada no processo de desenvolvimento pleno do educando........................................................... 18
A integração entre educar e cuidar na Educação básica........................................................................................................................... 24
Projeto políticopedagógico: fundamentos para a orientação, o planejamento e a implementação das ações educativas
da escola...................................................................................................................................................................................................................... 25
Currículo e cultura: visão interdisciplinar e transversal do conhecimento......................................................................................... 32
Currículo: a valorização das diferenças individuais, de gênero, étnicas e socioculturais e o combate à desi-
gualdade. . . .........................................................................................................................................................................32
Currículo, conhecimento e processo de aprendizagem: as tendências pedagógicas na escola............................................... 43
Currículo nas séries iniciais: a ênfase na competência leitora (alfabetização eletramento) e o desenvolvimento dos sabe-
res escolares da matemática e das diversas áreas de conhecimento.................................................................................................. 50
Currículo em ação: planejamento, seleção, contextualização e organização dos diversos tipos de conteúdos; o trabalho
por projetos. .............................................................................................................................................................................................................. 75
A avaliação diagnóstica ou formadora e os processos de ensino e de aprendizagem. .............................................................. 84
A avaliação mediadora e a construção do conhecimento: acompanhamento dos processos de ensino e de aprendiza-
gem................................................................................................................................................................................................................................ 84
A mediação do professor, dialogal e problematizadora, no processo de aprendizagem e desenvolvimento do aluno; a
inerente formação continuada do educador................................................................................................................................................. 87
Construção participativa do projeto político-pedagógico e da autonomia da escola. ............................................................... 90
A educação escolar e as Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC)...................................................................................... 96

Bibliografia
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LIBÂNEO, J.C.; OLIVEIRA, J. F.; TOSCHI, M. S. Educação Escolar: políticas, estrutura e organização. São Paulo: Cortez, 2003,
capítulo III, da 4a Parte.........................................................................................................................................................................................182
LIBÂNEO, J.C. Didática. São Paulo: Cortez, 2013, capítulos 2,7 e 9......................................................................................................185
MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Abrindo as escolas às diferenças, capítulo 5, in: MANTOAN, Maria Teresa Eglér (org.).
Pensando e Fazendo Educação de Qualidade. São Paulo: Moderna, 2001.....................................................................................195
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MOURA, Daniela Pereira de. Pedagogia de Projetos: contribuições para uma educação transformadora........................203
PIAGET, Jean. Desenvolvimento e aprendizagem. Trad. Paulo Francisco Slomp. UFRGS- PEAD 2009/1..............................208
PIMENTA, Selma, G.A. A Construção do Projeto Pedagógico na Escola de 1° Grau. Ideias, n° 8, 1.990, p 17-24.....................214
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CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

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Legislação
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BRASIL. Lei Federal n° 9.394, de 20/12/96 - Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional (atualizada).........280
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2010.............................................................................................................................................................................................................................297
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Brasília: CNE, 2010..................................................................................................................................................................................................308

Lei Orgânica do Município de Suzano - SP


Lei Municipal n° 190, de 01 de julho de 2010 - Estatuto dos Servidores Públicos do Município de Suzano....................316
Lei Municipal n° 4.392, de 08 de julho de 2010 - Dispõe sobre a estruturação do plano de cargos, carreiras e vencimen-
tos da Prefeitura Municipal de Suzano..........................................................................................................................................................360
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res pedagógicos não restrinjam suas atribuições somente


RELAÇÃO ENTRE EDUCAÇÃO, ESCOLA E à parte técnica, burocrática, elaborar horários de aulas e
SOCIEDADE: CONCEPÇÕES DE EDUCAÇÃO ainda ficarem nos corredores da escola procurando con-
E ESCOLA; A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA; ter a indisciplina dos alunos que saem das salas durante
as aulas, enquanto os professores ficam necessitados de
EDUCAÇÃO INCLUSIVA E COMPROMISSO
acompanhamento. A equipe de suporte pedagógico tem
ÉTICO E SOCIAL DO EDUCADOR. papel determinante no desempenho dos professores, pois
dependendo de como for a política de trabalho do coor-
denador o professor se sentirá apoiado, incentivado. Esse
deve ser o trabalho do coordenador: incentivar, reconhe-
FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA E cer, e elogiar os avanços e conquistas, em fim o sucesso
COMPROMISSO SOCIAL DO EDUCADOR. alcançado no dia a dia da escola e consequentemente o
desenvolvimento do aluno em todos os âmbitos.
O papel da escola / função social da escola
Compromisso social do educador
A sociedade tem avançado em vários aspectos, e mais
do que nunca é imprescindível que a escola acompanhe Ao educador compete a promoção de condições que
essas evoluções, que ela esteja conectada a essas transfor- favoreçam o aprendizado do aluno, no sentido do mes-
mações, falando a mesma língua, favorecendo o acesso ao mo compreender o que está sendo ministrado, quando o
conhecimento que é o assunto crucial a ser tratado neste professor adota o método dialético; isso se torna mais fá-
trabalho. cil, e essa precisa ser a preocupação do mesmo: facilitar a
É importante refletirmos sobre que tipo de trabalho te- aprendizagem do aluno, aguçar seu poder de argumenta-
mos desenvolvido em nossas escolas e qual o efeito, que ção, conduzir ás aulas de modo questionador, onde o alu-
resultados temos alcançado. Qual é na verdade a função no- sujeito ativo estará também exercendo seu papel de
social da escola? A escola está realmente cumprindo ou sujeito pensante; que dá ótica construtivista constrói seu
procurando cumprir sua função, como agente de inter- aprendizado, através de hipóteses que vão sendo testadas,
venção na sociedade? Eis alguns pressupostos a serem ex- interagindo com o professor, argumentando, questionan-
plicitados nesse texto. Para se conquistar o sucesso se faz do em fim trocando ideias que produzem inferências.
necessário que se entenda ou e que tenha clareza do que O planejamento é imprescindível para o sucesso cog-
se quer alcançar, a escola precisa ter objetivos bem defini- nitivo do aluno e êxito no desenvolvimento do trabalho
dos, para que possa desempenhar bem o seu papel social, do professor, é como uma bússola que orienta a direção a
onde a maior preocupação – o alvo deve ser o crescimento ser seguida, pois quando o professor não planeja o aluno
intelectual, emocional, espiritual do aluno, e para que esse é o primeiro a perceber que algo ficou a desejar, por mais
avanço venha fluir é necessário que o canal (escola) esteja experiente que seja o docente, e esse é um dos fatores que
desobstruído. contribuem para a indisciplina e o desinteresse na sala de
aula. É importante que o planejar aconteça de forma siste-
A Escola no Passado matizada e contextualizado com o cotidiano do aluno – fa-
tor que desperta seu interesse e participação ativa.
A escola é um lugar que oportuniza, ou deveria possi- Um planejamento contextualizado com as especifi-
bilitar as pessoas à convivência com seus semelhantes (so- cidades e vivências do educando, o resultado será aulas
cialização). As melhores e mais conceituadas escolas per- dinâmicas e prazerosas, ao contrário de uma prática em
tenciam à rede particular, atendendo um grupo elitizado, que o professor cita somente o número da página e alunos
enquanto a grande maioria teria que lutar para conseguir abrem seus livros é feito uma explicação superficial e dá-se
uma vaga em escolas públicas com estrutura física e peda- por cumprido a tarefa da aula do dia, não houve conversa,
gógicas deficientes. dialética, interação.
O país tem passado por mudanças significativas no
que se refere ao funcionamento e acesso da população Ação do gestor escolar
brasileira ao ensino público, quando em um passado re-
cente era privilégio das camadas sociais abastadas (elite) e A cultura organizacional do gestor é decisiva para o
de preferência para os homens, as mulheres mal apareciam sucesso ou fracasso da qualidade de ensino da escola, a
na cena social, quando muito as únicas que tinham acesso maneira como ele conduz o gestionamento das ações é o
à instrução formal recebiam alguma iniciação em desenho foco que determinará o sucesso ou fracasso da escola. De
e música. acordo com Libâneo (2005), características organizacionais
positivas eficazes para o bom funcionamento de uma esco-
Atuação da equipe pedagógica – coordenação la: professores preparados, com clareza de seus objetivos e
conteúdos, que planejem as aulas, cativem os alunos.
A política de atuação da equipe pedagógica é de suma Um bom clima de trabalho, em que a direção contribua
importância para a elevação da qualidade de ensino na es- para conseguir o empenho de todos, em que os professo-
cola, existe a necessidade urgente de que os coordenado- res aceitem aprender com a experiência dos colegas.

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Clareza no plano de trabalho do Projeto pedagógico- Políticas que fortaleçam laços entre comunidade e es-
-curricular que vá de encontro às reais necessidades da cola é uma medida, um caminho que necessita ser trilhado,
escola, primando por sanar problemas como: falta de pro- para assim alcançar melhores resultados. O aluno é parte
fessores, cumprimento de horário e atitudes que assegu- da escola, é sujeito que aprende que constrói seu saber,
rem a seriedade, o compromisso com o trabalho de ensino que direciona seu projeto de vida, assim sendo a escola lida
e aprendizagem, com relação a alunos e funcionários. com pessoas, valores, tradições, crenças, opções e precisa
Quando o gestor, com seu profissionalismo conquista estar preparada para enfrentar tudo isso.
o respeito e admiração da maioria de seus funcionários e Informar e formar precisa estar entre os objetivos ex-
alunos, há um clima de harmonia que predispõe a reali- plícitos da escola; desenvolver as potencialidades físicas,
zação de um trabalho, onde, apesar das dificuldades, os cognitivas e afetivas dos alunos, e isso por meio da apren-
professores terão prazer em ensinar e alunos prazer em dizagem dos conteúdos (conhecimentos, habilidades, pro-
aprender. cedimentos, atitudes e valores), fará com que se tornem
cidadãos participantes na sociedade em que vivem.
Função Social da Escola Uma escola voltada para o pleno desenvolvimento do
educando valoriza a transmissão de conhecimento, mas
A escola é uma instituição social com objetivo explíci- também enfatiza outros aspectos: as formas de convivência
to: o desenvolvimento das potencialidades físicas, cogniti- entre as pessoas, o respeito às diferenças, a cultura escolar.
vas e afetivas dos alunos, por meio da aprendizagem dos (Progestão 2001).
conteúdos (conhecimentos, habilidades, procedimentos, Ao ouvir depoimentos de alunos que afirmaram que a
atitudes, e valores) que, aliás, deve acontecer de maneira maioria das aulas são totalmente sem atrativos, professo-
contextualiazada desenvolvendo nos discentes a capaci- res chegam à sala cansados, desmotivados, não há nada
dade de tornarem-se cidadãos participativos na sociedade que os atraem a participarem, que os desafiem a querer
em que vivem. aprender. É importante ressaltar a importância da unidade
Eis o grande desafio da escola, fazer do ambiente es- de propostas e objetivos entre os coordenadores e o ges-
colar um meio que favoreça o aprendizado, onde a esco- tor, pois as duas partes falando a mesma linguagem o re-
la deixe de ser apenas um ponto de encontro e passe a sultado será muito positivo que terá como fruto a elevação
ser, além disso, encontro com o saber com descobertas da qualidade de ensino.
de forma prazerosa e funcional, conforme Libâneo (2005) Contudo, partindo do pressuposto de que a escola visa
devemos inferir, portanto, que a educação de qualidade explicitamente à socialização do sujeito é necessário que se
é aquela mediante a qual a escola promove, para todos, adote uma prática docente lúdica, uma vez que ela precisa
o domínio dos conhecimentos e o desenvolvimento de estar em sintonia com o mundo, a mídia que oferece: infor-
capacidades cognitivas e afetivas indispensáveis ao aten- matização e dinamismo.
dimento de necessidades individuais e sociais dos alunos. Considerando a leitura, a pesquisa e o planejamento
A escola deve oferecer situações que favoreçam o ferramentas básicas para o desenvolvimento de um tra-
aprendizado, onde haja sede em aprender e também ra- balho eficaz, e ainda fazendo uso do método dialético, o
zão, entendimento da importância desse aprendizado no professor valoriza as teses dos alunos, cultivando neles a
futuro do aluno. Se ele compreender que, muito mais im- autonomia e autoestima o que consequentemente os fará
portante do que possuir bens materiais, é ter uma fonte de ter interesse pelas aulas e o espaço escolar então deixará
segurança que garanta seu espaço no mercado competiti- de ser apenas ponto de encontro para ser também lugar de
vo, ele buscará conhecer e aprender sempre mais. crescimento intelectual e pessoal.
Analisando os resultados da pesquisa de campo (ques- Para que a escola exerça sua função como local de
tionário) observamos que os jovens da turma analisada oportunidades, interação e encontro com o outro e o sa-
não possuem perspectivas definidas quanto à seriedade ber, para que haja esse paralelo tão importante para o su-
e importância dos estudos para suas vidas profissional, cesso do aluno o bom desenvolvimento das atribuições do
emocional, afetiva. A maioria não tem hábito de leitura, coordenador pedagógico tem grande relevância, pois a ele
frequenta pouquíssimo a biblioteca, outros nunca foram cabe organizar o tempo na escola para que os professores
lá. A escola é na verdade um local onde se encontram, façam seus planejamentos e ainda que atue como forma-
conversam e até namoram. Há ainda, a questão de a fa- dor de fato; sugerindo, orientando, avaliando juntamente
mília estar raramente na escola, não existe parceria entre os pontos positivos e negativos e nunca se esquecendo de
a escola e família, comunidade a escola ainda tem dificul- reconhecer, elogiar, estimular o docente a ir em frente e
dades em promover ações que tragam a família para ser querer sempre melhorar, ir além.
aliadas e não rivais, a família por sua vez ainda não con- O fato de a escola ser um elemento de grande impor-
cebeu a ideia de que precisa estar incluída no processo de tância na formação das comunidades torna o desenvolvi-
ensino e aprendizagem independente de seu nível de es- mento das atribuições do gestor um componente crucial,
colaridade, de acordo com Libâneo (2005), “o grande de- é necessário que possua tendência crítico-social, com visão
safio é o de incluir, nos padrões de vida digna, os milhões de empreendimento, para que a escola esteja acompa-
de indivíduos excluídos e sem condições básicas para se nhando as inovações, conciliando o conhecimento técni-
constituírem cidadãos participantes de uma sociedade em co à arte de disseminar ideias, de bons relacionamentos
permanente mutação”. interpessoais, sobretudo sendo ético e democrático. Os

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CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

coordenadores por sua vez precisam assumir sua respon- Abordando mais especificamente as questões da edu-
sabilidade pela qualidade do ensino, atuando como forma- cação inclusiva temos um histórico amplo de várias signifi-
dores do corpo docente, promovendo momentos de trocas cações no decorrer da história, que assinala registros de re-
de experiências e reflexão sobre a prática pedagógica, o sistência à aceitação social dos portadores de necessidades
que trará bons resultados na resolução de problemas co- educativas especiais. Práticas executadas como abandono,
tidianos, e ainda fortalece a qualidade de ensino, contribui afogamentos, sacrifícios eram comuns até meados do sé-
para o resgate da autoestima do professor, pois o mesmo culo XVIII, quando o atendimento passa das famílias e da
precisa se libertar de práticas não funcionais, e para isso igreja, para a ciência, passando das instituições residenciais
a contribuição do coordenador será imprescindível, o que às classes especiais no século XX.
resultará no crescimento intelectual dos alunos. Conforme Cardoso (2003) os médicos passaram a de-
dicar-se ao estudo dos deficientes, nomenclatura adotada.
A FUNÇÃO DA EDUCAÇÃO Com esta institucionalização especializada dá se início o
período de segregação, onde a política era separar, isolar
A função da Educação é possibilitar condições para a e proteger a sociedade do convívio social, do contato com
atualização e uso pleno das potencialidades pessoais em estas pessoas anormais, inválidas, incapazes de exercer
direção ao autoconhecimento e auto-realização pessoal. qualquer atividade.
A Educação não deve destruir o homem concreto e sim Espera-se que a escola tenha um papel complementar
apoiar-se neste ser concreto. Não deve ir contra o homem ao desempenhado pela família no processo de socializa-
para formar o homem. A Educação deve realizar-se a partir ção das crianças com necessidades educacionais especiais.
da própria vida e experiência do educando, apoiar-se nas É uma tarefa difícil e delicada, que envolve boas doses de
necessidades e interesses naturais, expectativas do edu- atitudes pessoais e coletivas, caracterizadas principalmente
cando, e contribuir para seu desenvolvimento pessoal. Os pelo diálogo, pela compreensão, pelo respeito às diferen-
três princípios básicos da Educação liberalista: liberdade, ças e necessidades individuais, pelo compromisso e pela
subjetividade, atividade. ação.
As escolas inclusivas, portanto, propõem a constituição
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DAS ESCOLAS IN- de um sistema educacional que considera as necessidades
CLUSIVAS de todos os alunos e que é estruturado em razão dessas
necessidades. A inclusão gera uma mudança de perspectiva
Nesse texto, atenção especial é dada à teoria de Vy- educacional, pois não se limita a ajudar somente os alunos
gotsky e suas implicações para o debate sobre inclusão nos que apresentam dificuldades na escola; mas apoia a todos:
campos da educação na escola e na sociedade. O artigo fo- professores, alunos e pessoal administrativo para que ob-
caliza também as relações que definem a política inclusiva tenham sucesso na escola convencional (MANTOAN, 1997).
e a complexidade que caracteriza este processo. Na inclusão, as escolas devem reconhecer e responder
Segundo a educadora Mantoan (2005) afirma que na às diversas necessidades de seus alunos, considerando tan-
escola inclusiva professores e alunos aprendem uma lição to os estilos como ritmos diferentes de aprendizagem e as-
que a vida dificilmente ensina: respeitar as diferenças. Res- segurando uma educação de qualidade a todos, por meio
salta ainda, que a inclusão é a nossa capacidade de reco- de currículo apropriado, de modificações organizacionais,
nhecer o outro e ter o privilégio de conviver com pessoas de estratégias de ensino, de uso de recursos e de parcerias
diferentes. Diferentemente do que muitos possam pensar, com a comunidade.
inclusão é mais do que rampas e banheiros adaptados. Os dois modelos de escola regular e especial podem
Na perspectiva de Mantoan, um professor sem capa- ter características inclusivas e ser o melhor para determi-
citação pode ensinar alunos com deficiência. O papel do nado aluno, o processo de avaliação é que vai identificar a
professor é ser regente de classe e não especialista em de- melhor intervenção, o mais importante salientar que mui-
ficiência, essa responsabilidade é da equipe de atendimen- tos alunos têm passagens rápidas e eficientes pela escola
to especializado, uma criança surda, por exemplo, aprende especial, o que acaba garantindo uma entrada tranquila
com especialista em libras e leitura labial. e bem assessorada no ensino fundamental convencional,
Questionam-se os valores e padrões pré-estabeleci- evitando uma série de transtornos para o aluno, para os
dos, os critérios de avaliação e discriminação que prejudi- pais e para a escola.
cam o desenvolvimento e a aprendizagem das habilidades Segundo Coll (1995) a igualdade educacional não pode
e a independência destas crianças. ser obtida quando se oferece o mesmo cardápio a todos os
Neste sentido, observamos que Vygotsky, psicólogo alunos; a integração escolar das crianças com deficiências
russo e estudioso do tema desenvolvimento e aprendiza- torna-se possível quando se oferece a cada aluno aquilo de
gem, ao falar sobre deficiências educacionalmente consi- que ele necessita.
deradas como uma das necessidades educacionais espe-
ciais mostra a interação existente entre as características Deficiência
biológicas e as relações sociais para o desenvolvimento da
pessoa. Segundo Vygotsky o conceito de Zona de Desen- As crianças no século XV portadores de deficiência
volvimento proximal, conhecida como ZDP, que é a distân- eram deformadas e atiradas nos esgotos de Roma na Ida-
cia entre o desenvolvimento real e o potencial. de Média. Porém os portadores de deficiências eram abri-

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gados nas igrejas e passaram a ganhar a função de bobo - Educação como direito de todos;
da corte. Segundo Martinho Lutero, as pessoas com defi- - Igualdade de oportunidades;
ciências eram seres diabólicos que mereciam castigos para - Convívio social;
serem purificados. - Cidadania;
- Valorização da Diversidade;
A partir do século XVI e XIX as pessoas com deficiên- - Transformação Social.
cias continuavam isoladas em asilos, conventos albergues,
ou até mesmo em hospitais psiquiátricos como na Europa As mudanças da Inclusão a partir do século XXI
que não passava de uma prisão sem qualquer tipo de trata-
mento especializado. No entanto a partir do século XX, os No Brasil a parir do ano 2000 Segundo os dados do
portadores de deficiências começaram a ser considerados Censo realizado pelo IBGE existem cerca de 25 milhões de
cidadãos com direitos e deveres da participação da socie- pessoas portadoras de algum tipo de deficiência. Premida
dade, mas com a Declaração Universal dos Direitos Huma- pela urgência de garantir o exercício pleno da cidadania a
nos começaram a surgir os movimentos organizadores por essa imensa população, a sociedade brasileira vai ganhan-
familiares com críticas à discriminação, para a melhorias de do, pouco a pouco, a sensibilidade requerida para tratar do
vida para os mutilados na guerra em 1970 só então começa tema, ainda que seja bastante longo o caminho a percorrer.
a mudar a visão da sociedade nos anos 80, 90 onde passam A Constituição de 1988 dedicou vários artigos às pes-
a defender a inclusão. soas com deficiência, de que é exemplo o artigo 7º, XXXI;
Segundo Silva (1987): anomalias físicas ou mentais, de- artigo 23, II; artigo 24, XIV; artigo 37, VIII; artigo 203, V;
formações congênitas, amputações traumáticas, doenças artigo 227, p. 2º e o artigo 244. Eles tratam de pontos tão
graves e de consequências incapacitantes, sejam elas de variados como a proibição da discriminação no tocante a
natureza transitória ou permanente, são tão antigas quanto salários e a admissão ao trabalho, saúde e assistência pú-
à própria humanidade. blica, proteção e integração social, o acesso a cargos e
Nas escolas de Anatomia da cidade de Alexandria, Se- empregos públicos, garantia de salário mínimo mensal à
gundo a afirmação de Silva (1987) existiu no período de pessoa com deficiência carente de recursos financeiros e a
300 a. C, nela ficam registro da medicina egípcia utilizada adaptação de logradouros, edifícios e veículos para trans-
para o tratamento de males que afetavam os ossos e os porte coletivo.
olhos das pessoas adulas. Pois havia passagem histórica O primeiro documento que merece menção é o decre-
sobre os cegos do Egito que faziam atividades artesanais. to n. 3298, de 20 de dezembro de 1999. Ele regulamentou
Gugel (2008) expõe que na era primitiva, as pessoas a Lei n. 7853, de 24 de outubro de 1989, que consolidou as
com deficiência não sobreviviam, devido ao ambiente des- regras de proteção à pessoa portadora de deficiência. Se-
favorável. Afinal, para seu sustento, o homem primitivo ti- gundo a Secretária de Direitos Humanos da Presidência da
nha que caçar e colher frutos, além de produzir vestuário República - SDH/PR Secretaria Nacional de Promoção dos
com peles de animais. Com as mudanças climáticas, os ho- Direitos da Pessoa com Deficiência - SNPD.
mens começam a se agrupar e juntos irem à busca de sus- Art. 17. O Poder Público promoverá a eliminação de bar-
tento e vestimenta. No entanto, somente os mais fortes re- reiras na comunicação e estabelecerá mecanismos e alterna-
sistiam e segundo pesquisadores, era comum nesta época tivas técnicas que tornem acessíveis os sistemas de comunica-
desfazerem de crianças com deficiência, pois representava ção e sinalização às pessoas portadoras de deficiência senso-
um fardo para o grupo. rial e com dificuldade de comunicação, para garantir-lhes o
Segundo Gugel (2008), no Egito Antigo, as múmias e direito de acesso à informação, à comunicação, ao trabalho, à
os túmulos nos mostram que a pessoa com deficiência in- educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e ao lazer.
teragia com toda sociedade. Já na Grécia, as deficiências Art. 18. O Poder Público programará a formação de
eram tratadas pelo termo “disformes.” Devido à necessida- profissionais intérpretes de escrita em braile, linguagem de
de de manter um exército forte, os gregos eliminavam as sinais e de guias-intérpretes, para facilitar qualquer tipo de
pessoas com deficiências. comunicação direta à pessoa portadora de deficiência senso-
As famosas múmias do Egito, que permitiam a conser- rial e com dificuldade de comunicação.
vação dos corpos por muitos anos, possibilitaram o estudo Art. 19. Os serviços de radiodifusão sonora e de sons e
dos restos mortais de faraós e nobres do Egito que apre- imagens adotarão plano de medidas técnicas com o objetivo
sentavam distrofias e limitações físicas, como Sipthah (séc. de permitir o uso da linguagem de sinais ou outra subtitula-
XIII a.C.) e Amon (séc. XI a.C.). ção, para garantir o direito de acesso à informação às pes-
A construção da escola inclusiva exige mudanças soas portadoras de deficiência auditiva, na forma e no prazo
nessa cultura e nas suas consequentes práticas. Segundo previsto em regulamento.
Perrenoud (2000) aponta alguns fatores que dificultam a Para se ter a dimensão do entendimento que a so-
construção de um coletivo, no contexto educacional, na ciedade tem sobre o indivíduo deficiente precisamos nos
limitação histórica da autonomia política e alternativa do reportar ao passado, e localizar nas diferenças épocas, o
profissional da educação. retrato que se fixou, culturalmente, sobre a ideia das dife-
O significado da inclusão escolar e que ela vem se de- renças individuais e que se converteu no atual modelo de
senvolvendo em todos os setores sociais, não somente na atendimento a este sujeito nas várias instituições, principal-
escola, mas em todos âmbitos sociais: mente no ensino regular. (ROCHA, 2000).

4
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Gugel (2008) expõe que na era primitiva, as pessoas aprendendo e participando, sem nenhum tipo de discri-
com deficiência não sobreviviam, devido ao ambiente des- minação. A educação inclusiva constitui um paradigma
favorável. Afinal, para seu sustento, o homem primitivo ti- educacional fundamentado na concepção de direitos hu-
nha que caçar e colher frutos, além de produzir vestuário manos, que conjuga igualdade e diferença como valores
com peles de animais. Com as mudanças climáticas, os ho- indissociáveis, e que avança em relação à ideia de equida-
mens começam a se agrupar e juntos irem à busca de sus- de formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da
tento e vestimenta. No entanto, somente os mais fortes re- produção da exclusão dentro e fora da escola.
sistiam e segundo pesquisadores, era comum nesta época Ao reconhecer que as dificuldades enfrentadas nos
desfazerem de crianças com deficiência, pois representava sistemas de ensino evidenciam a necessidade de confron-
um fardo para o grupo. tar as práticas discriminatórias e criar alternativas para su-
Segundo Gugel (2008), no Egito Antigo, as múmias e perá-las, a educação inclusiva assume espaço central no
os túmulos nos mostram que a pessoa com deficiência in- debate acerca da sociedade contemporânea e do papel
teragia com toda sociedade. Já na Grécia, as deficiências da escola na superação da lógica da exclusão. A partir dos
eram tratadas pelo termo “disformes” e devido à necessi- referenciais para a construção de sistemas educacionais
dade de se manter um exército forte os gregos eliminavam inclusivos, a organização de escolas e classes especiais
as pessoas com deficiências. passa a ser repensada, implicando uma mudança estrutu-
ral e cultural da escola para que todos os alunos tenham
Considerações Finais suas especificidades atendidas.
Nesta perspectiva, o Ministério da Educação/Secreta-
O Brasil é hoje uma referência mundial na reparação ria de Educação Especial apresenta a Política Nacional de
de vítimas da hanseníase que foram segregadas do conví- Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva,
vio social no passado. E aprovou em 2008 a Convenção da que acompanha os avanços do conhecimento e das lutas
ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, pela sociais, visando constituir políticas públicas promotoras
primeira vez com força de preceito constitucional, fato que de uma educação de qualidade para todos os alunos.
balizará toda a discussão em torno de um possível estatuto
dos direitos da pessoa com deficiência. Marcos históricos e normativos
O termo deficiência para denominar pessoas com defi-
ciência tem sido considerado por algumas ONGs e cientis- A escola historicamente se caracterizou pela visão da
tas sociais inadequados, pois o termo leva consegue uma educação que delimita a escolarização como privilégio de
carga negativa depreciativa da pessoa, fato que foi ao lon- um grupo, uma exclusão que foi legitimada nas políticas
go dos anos se tornando cada vez mais rejeitado pelos es- e práticas educacionais reprodutoras da ordem social. A
pecialistas da área e em especial pelos próprios indivíduos partir do processo de democratização da escola, eviden-
a quem se refira. Muitos, entretanto, consideram que essa cia-se o paradoxo inclusão/exclusão quando os sistemas
tendência politicamente correta tende a levar as pessoas de ensino universalizam o acesso, mas continuam excluin-
com deficiência a uma negação de sua própria situação e a do indivíduos e grupos considerados fora dos padrões
sociedade ao não respeito da diferença. homogeneizadores da escola. Assim, sob formas distintas,
Atualmente, porém, esta palavra está voltando a ser a exclusão tem apresentado características comuns nos
utilizada, visto que a rejeição do termo, por si só, caracteri- processos de segregação e integração, que pressupõem a
za um preconceito de estigmatizarão contra a condição do seleção, naturalizando o fracasso escolar.
indivíduo revertida pelo uso de um eufemismo, o que pode A partir da visão dos direitos humanos e do conceito
ser observado em sites voltados aos “deficientes” é que o de cidadania fundamentado no reconhecimento das dife-
termo deficiente é utilizado de maneira não pejorativa. renças e na participação dos sujeitos, decorre uma identifi-
cação dos mecanismos e processos de hierarquização que
Referência: operam na regulação e produção das desigualdades. Essa
NOQUELE, A.; SILVA, A. P. da. SILVA, R. Educação Inclu- problematização explicita os processos normativos de dis-
siva e o Processo de Ensino-Aprendizagem. tinção dos alunos em razão de características intelectuais,
físicas, culturais, sociais e linguísticas, entre outras, estrutu-
POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ESPECIAL NA rantes do modelo tradicional de educação escolar.
PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA A educação especial se organizou tradicionalmente
como atendimento educacional especializado substituti-
Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomea- vo ao ensino comum, evidenciando diferentes compreen-
do pela Portaria Ministerial nº 555, de 5 de junho de 2007, sões, terminologias e modalidades que levaram à criação
prorrogada pela Portaria nº 948, de 09 de outubro de 2007. de instituições especializadas, escolas especiais e classes
especiais. Essa organização, fundamentada no concei-
Introdução to de normalidade/anormalidade, determina formas de
atendimento clínico-terapêuticos fortemente ancorados
O movimento mundial pela educação inclusiva é uma nos testes psicométricos que, por meio de diagnósticos,
ação política, cultural, social e pedagógica, desencadeada definem as práticas escolares para os alunos com defi-
em defesa do direito de todos os alunos de estarem juntos, ciência.

5
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

No Brasil, o atendimento às pessoas com deficiência Em 1994, é publicada a Política Nacional de Educação
teve início na época do Império, com a criação de duas Especial, orientando o processo de “integração instrucio-
instituições: o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, em nal” que condiciona o acesso às classes comuns do ensino
1854, atual Instituto Benjamin Constant – IBC, e o Instituto regular àqueles que “(...) possuem condições de acompa-
dos Surdos Mudos, em 1857, hoje denominado Instituto nhar e desenvolver as atividades curriculares programadas
Nacional da Educação dos Surdos – INES, ambos no Rio do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos
de Janeiro. No início do século XX é fundado o Instituto normais” (p.19). Ao reafirmar os pressupostos construídos
Pestalozzi (1926), instituição especializada no atendimento a partir de padrões homogêneos de participação e apren-
às pessoas com deficiência mental; em 1954, é fundada a dizagem, a Política não provoca uma reformulação das
primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – práticas educacionais de maneira que sejam valorizados os
APAE; e, em 1945, é criado o primeiro atendimento edu- diferentes potenciais de aprendizagem no ensino comum,
cacional especializado às pessoas com superdotação na mas mantendo a responsabilidade da educação desses alu-
Sociedade Pestalozzi, por Helena Antipoff. nos exclusivamente no âmbito da educação especial.
Em 1961, o atendimento educacional às pessoas com A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
deficiência passa a ser fundamentado pelas disposições da Lei nº 9.394/96, no artigo 59, preconiza que os sistemas
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, Lei de ensino devem assegurar aos alunos currículo, métodos,
nº 4.024/61, que aponta o direito dos “excepcionais” à edu- recursos e organização específicos para atender às suas
cação, preferencialmente dentro do sistema geral de ensino. necessidades; assegura a terminalidade específica àque-
A Lei nº 5.692/71, que altera a LDBEN de 1961, ao defi- les que não atingiram o nível exigido para a conclusão
nir “tratamento especial” para os alunos com “deficiências do ensino fundamental, em virtude de suas deficiências; e
físicas, mentais, os que se encontram em atraso conside- assegura a aceleração de estudos aos superdotados para
rável quanto à idade regular de matrícula e os superdota- conclusão do programa escolar. Também define, dentre as
dos”, não promove a organização de um sistema de ensino normas para a organização da educação básica, a “possibi-
capaz de atender às necessidades educacionais especiais e lidade de avanço nos cursos e nas séries mediante verifica-
acaba reforçando o encaminhamento dos alunos para as ção do aprendizado” (art. 24, inciso V) e “[...] oportunidades
classes e escolas especiais. educacionais apropriadas, consideradas as características
Em 1973, o MEC cria o Centro Nacional de Educação do alunado, seus interesses, condições de vida e de traba-
Especial – CENESP, responsável pela gerência da educação lho, mediante cursos e exames” (art. 37).
especial no Brasil, que, sob a égide integracionista, impulsio- Em 1999, o Decreto nº 3.298, que regulamenta a Lei nº
nou ações educacionais voltadas às pessoas com deficiência 7.853/89, ao dispor sobre a Política Nacional para a Inte-
e às pessoas com superdotação, mas ainda configuradas por gração da Pessoa Portadora de Deficiência, define a edu-
campanhas assistenciais e iniciativas isoladas do Estado. cação especial como uma modalidade transversal a todos
Nesse período, não se efetiva uma política pública de os níveis e modalidades de ensino, enfatizando a atuação
acesso universal à educação, permanecendo a concepção complementar da educação especial ao ensino regular.
de “políticas especiais” para tratar da educação de alunos Acompanhando o processo de mudança, as Diretrizes
com deficiência. No que se refere aos alunos com super- Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, Re-
dotação, apesar do acesso ao ensino regular, não é organi- solução CNE/CEB nº 2/2001, no artigo 2º, determinam que:
zado um atendimento especializado que considere as suas “Os sistemas de ensino devem matricular todos os
singularidades de aprendizagem. alunos, cabendo às escolas organizarem-se para o aten-
A Constituição Federal de 1988 traz como um dos seus dimento aos educandos com necessidades educacionais
objetivos fundamentais “promover o bem de todos, sem especiais, assegurando as condições necessárias para uma
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer educação de qualidade para todos.”
outras formas de discriminação” (art.3º, inciso IV). Define, As Diretrizes ampliam o caráter da educação especial
no artigo 205, a educação como um direito de todos, ga- para realizar o atendimento educacional especializado
rantindo o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício complementar ou suplementar à escolarização, porém, ao
da cidadania e a qualificação para o trabalho. No seu arti- admitir a possibilidade de substituir o ensino regular, não
go 206, inciso I, estabelece a “igualdade de condições de potencializam a adoção de uma política de educação inclu-
acesso e permanência na escola” como um dos princípios siva na rede pública de ensino, prevista no seu artigo 2º.
para o ensino e garante, como dever do Estado, a oferta do O Plano Nacional de Educação – PNE, Lei nº
atendimento educacional especializado, preferencialmente 10.172/2001, destaca que “o grande avanço que a década
na rede regular de ensino (art. 208). da educação deveria produzir seria a construção de uma
O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei nº escola inclusiva que garanta o atendimento à diversidade
8.069/90, no artigo 55, reforça os dispositivos legais supra- humana”. Ao estabelecer objetivos e metas para que os sis-
citados ao determinar que “os pais ou responsáveis têm temas de ensino favoreçam o atendimento às necessidades
a obrigação de matricular seus filhos ou pupilos na rede educacionais especiais dos alunos, aponta um déficit refe-
regular de ensino”. Também nessa década, documentos rente à oferta de matrículas para alunos com deficiência
como a Declaração Mundial de Educação para Todos (1990) nas classes comuns do ensino regular, à formação docente,
e a Declaração de Salamanca (1994) passam a influenciar a à acessibilidade física e ao atendimento educacional espe-
formulação das políticas públicas da educação inclusiva. cializado.

6
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

A Convenção da Guatemala (1999), promulgada no lar, a formação e a certificação de professor, instrutor e tra-
Brasil pelo Decreto nº 3.956/2001, afirma que as pessoas dutor/intérprete de Libras, o ensino da Língua Portuguesa
com deficiência têm os mesmos direitos humanos e li- como segunda língua para alunos surdos e a organização
berdades fundamentais que as demais pessoas, definindo da educação bilíngue no ensino regular.
como discriminação com base na deficiência toda diferen- Em 2005, com a implantação dos Núcleos de Atividades
ciação ou exclusão que possa impedir ou anular o exercício de Altas Habilidades/Superdotação – NAAH/S em todos os
dos direitos humanos e de suas liberdades fundamentais. estados e no Distrito Federal, são organizados centros de
Este Decreto tem importante repercussão na educação, referência na área das altas habilidades/superdotação para
exigindo uma reinterpretação da educação especial, com- o atendimento educacional especializado, para a orienta-
preendida no contexto da diferenciação, adotado para pro- ção às famílias e a formação continuada dos professores,
mover a eliminação das barreiras que impedem o acesso à constituindo a organização da política de educação inclu-
escolarização. siva de forma a garantir esse atendimento aos alunos da
Na perspectiva da educação inclusiva, a Resolução rede pública de ensino.
CNE/CP nº 1/2002, que estabelece as Diretrizes Curricula- A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Defi-
res Nacionais para a Formação de Professores da Educação ciência, aprovada pela ONU em 2006 e da qual o Brasil é
Básica, define que as instituições de ensino superior devem signatário, estabelece que os Estados-Partes devem asse-
prever, em sua organização curricular, formação docente gurar um sistema de educação inclusiva em todos os níveis
voltada para a atenção à diversidade e que contemple co- de ensino, em ambientes que maximizem o desenvolvi-
nhecimentos sobre as especificidades dos alunos com ne- mento acadêmico e social compatível com a meta da plena
cessidades educacionais especiais. participação e inclusão, adotando medidas para garantir
A Lei nº 10.436/02 reconhece a Língua Brasileira de Si- que:
nais – Libras como meio legal de comunicação e expressão, a) As pessoas com deficiência não sejam excluídas
determinando que sejam garantidas formas institucionali- do sistema educacional geral sob alegação de deficiência
zadas de apoiar seu uso e difusão, bem como a inclusão da e que as crianças com deficiência não sejam excluídas do
disciplina de Libras como parte integrante do currículo nos ensino fundamental gratuito e compulsório, sob alegação
cursos de formação de professores e de fonoaudiologia. de deficiência;
A Portaria nº 2.678/02 do MEC aprova diretrizes e nor- b) As pessoas com deficiência possam ter acesso ao
mas para o uso, o ensino, a produção e a difusão do siste- ensino fundamental inclusivo, de qualidade e gratuito, em
ma Braille em todas as modalidades de ensino, compreen- igualdade de condições com as demais pessoas na comu-
dendo o projeto da Grafia Braille para a Língua Portuguesa nidade em que vivem (Art.24).
e a recomendação para o seu uso em todo o território na- Neste mesmo ano, a Secretaria Especial dos Direitos
cional. Humanos, os Ministérios da Educação e da Justiça, junta-
Em 2003, é implementado pelo MEC o Programa Edu- mente com a Organização das Nações Unidas para a Edu-
cação Inclusiva: direito à diversidade, com vistas a apoiar a cação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, lançam o Plano
transformação dos sistemas de ensino em sistemas educa- Nacional de Educação em Direitos Humanos, que objetiva,
cionais inclusivos, promovendo um amplo processo de for- dentre as suas ações, contemplar, no currículo da educa-
mação de gestores e educadores nos municípios brasileiros ção básica, temáticas relativas às pessoas com deficiência
para a garantia do direito de acesso de todos à escolariza- e desenvolver ações afirmativas que possibilitem acesso e
ção, à oferta do atendimento educacional especializado e à permanência na educação superior.
garantia da acessibilidade. Em 2007, é lançado o Plano de Desenvolvimento da
Em 2004, o Ministério Público Federal publica o docu- Educação – PDE, reafirmado pela Agenda Social, tendo
mento O Acesso de Alunos com Deficiência às Escolas e como eixos a formação de professores para a educação es-
Classes Comuns da Rede Regular, com o objetivo de dis- pecial, a implantação de salas de recursos multifuncionais,
seminar os conceitos e diretrizes mundiais para a inclusão, a acessibilidade arquitetônica dos prédios escolares, aces-
reafirmando o direito e os benefícios da escolarização de so e a permanência das pessoas com deficiência na edu-
alunos com e sem deficiência nas turmas comuns do ensi- cação superior e o monitoramento do acesso à escola dos
no regular. favorecidos pelo Benefício de Prestação Continuada – BPC.
Impulsionando a inclusão educacional e social, o De- No documento do MEC, Plano de Desenvolvimento da
creto nº 5.296/04 regulamentou as Leis nº 10.048/00 e nº Educação: razões, princípios e programas é reafirmada a
10.098/00, estabelecendo normas e critérios para a promo- visão que busca superar a oposição entre educação regular
ção da acessibilidade às pessoas com deficiência ou com e educação especial.
mobilidade reduzida. Nesse contexto, o Contrariando a concepção sistêmica da transversali-
Programa Brasil Acessível, do Ministério das Cidades, é dade da educação especial nos diferentes níveis, etapas e
desenvolvido com o objetivo de promover a acessibilidade modalidades de ensino, a educação não se estruturou na
urbana e apoiar ações que garantam o acesso universal aos perspectiva da inclusão e do atendimento às necessidades
espaços públicos. educacionais especiais, limitando, o cumprimento do prin-
O Decreto nº 5.626/05, que regulamenta a Lei nº cípio constitucional que prevê a igualdade de condições
10.436/2002, visando ao acesso à escola dos alunos surdos, para o acesso e permanência na escola e a continuidade
dispõe sobre a inclusão da Libras como disciplina curricu- nos níveis mais elevados de ensino (2007, p. 09).

7
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Para a implementação do PDE é publicado o Decreto nº Com relação à distribuição das matrículas por etapa de
6.094/2007, que estabelece nas diretrizes do Compromisso ensino em 2006: 112.988 (16%) estão na educação infan-
Todos pela Educação, a garantia do acesso e permanência til, 466.155 (66,5%) no ensino fundamental, 14.150 (2%) no
no ensino regular e o atendimento às necessidades educa- ensino médio, 58.420 (8,3%) na educação de jovens e adul-
cionais especiais dos alunos, fortalecendo seu ingresso nas tos, e 48.911 (6,3%) na educação profissional. No âmbito
escolas públicas. da educação infantil, há uma concentração de matrículas
nas escolas e classes especiais, com o registro de 89.083
Diagnóstico da Educação Especial alunos, enquanto apenas 24.005 estão matriculados em
turmas comuns.
O Censo Escolar/MEC/INEP, realizado anualmente em to- O Censo da Educação Especial na educação superior
das as escolas de educação básica, possibilita o acompanha- registra que, entre 2003 e 2005, o número de alunos pas-
mento dos indicadores da educação especial: acesso à educa- sou de 5.078 para 11.999 alunos, representando um cres-
ção básica, matrícula na rede pública, ingresso nas classes co- cimento de 136%. A evolução das ações referentes à edu-
muns, oferta do atendimento educacional especializado, aces- cação especial nos últimos anos é expressa no crescimento
sibilidade nos prédios escolares, municípios com matrícula de de 81% do número de municípios com matrículas, que em
alunos com necessidades educacionais especiais, escolas com 1998 registra 2.738 municípios (49,7%) e, em 2006 alcança
acesso ao ensino regular e formação docente para o atendi- 4.953 municípios (89%).
mento às necessidades educacionais especiais dos alunos.
Para compor esses indicadores no âmbito da educação Aponta também o aumento do número de escolas
especial, o Censo Escolar/MEC/INEP coleta dados referen- com matrícula, que em 1998 registra apenas 6.557 esco-
tes ao número geral de matrículas; à oferta da matrícula las e, em 2006 passa a registrar 54.412, representando um
nas escolas públicas, escolas privadas e privadas sem fins crescimento de 730%. Das escolas com matrícula em 2006,
lucrativos; às matrículas em classes especiais, escola es- 2.724 são escolas especiais, 4.325 são escolas comuns com
pecial e classes comuns de ensino regular; ao número de classe especial e 50.259 são escolas de ensino regular com
alunos do ensino regular com atendimento educacional matrículas nas turmas comuns.
especializado; às matrículas, conforme tipos de deficiência, O indicador de acessibilidade arquitetônica em prédios
transtornos do desenvolvimento e altas habilidades/super- escolares, em 1998, aponta que 14% dos 6.557 estabeleci-
dotação; à infraestrutura das escolas quanto à acessibilida- mentos de ensino com matrícula de alunos com necessida-
de arquitetônica, à sala de recursos ou aos equipamentos des educacionais especiais possuíam sanitários com aces-
específicos; e à formação dos professores que atuam no sibilidade. Em 2006, das 54.412 escolas com matrículas de
atendimento educacional especializado. alunos atendidos pela educação especial, 23,3% possuíam
A partir de 2004, são efetivadas mudanças no instru- sanitários com acessibilidade e 16,3% registraram ter depen-
mento de pesquisa do Censo, que passa a registrar a sé- dências e vias adequadas (dado não coletado em 1998). No
rie ou ciclo escolar dos alunos identificados no campo da âmbito geral das escolas de educação básica, o índice de
educação especial, possibilitando monitorar o percurso acessibilidade dos prédios, em 2006, é de apenas 12%.
escolar. Em 2007, o formulário impresso do Censo Escolar Com relação à formação inicial dos professores que
foi transformado em um sistema de informações on-line, atuam na educação especial, o Censo de 1998, indica que
o Censo Web, que qualifica o processo de manipulação e 3,2% possui ensino fundamental, 51% ensino médio e
tratamento das informações, permite atualização dos da- 45,7% ensino superior. Em 2006, dos 54.625 professores
dos dentro do mesmo ano escolar, bem como possibilita o nessa função, 0,62% registram ensino fundamental, 24%
cruzamento com outros bancos de dados, tais como os das ensino médio e 75,2% ensino superior. Nesse mesmo ano,
áreas de saúde, assistência e previdência social. Também 77,8% desses professores, declararam ter curso específico
são realizadas alterações que ampliam o universo da pes- nessa área de conhecimento.
quisa, agregando informações individualizadas dos alunos,
das turmas, dos professores e da escola. Objetivo da Política Nacional de Educação Especial
Com relação aos dados da educação especial, o Censo na Perspectiva da Educação Inclusiva
Escolar registra uma evolução nas matrículas, de 337.326 em
1998 para 700.624 em 2006, expressando um crescimento de A Política Nacional de Educação Especial na Perspec-
107%. No que se refere ao ingresso em classes comuns do tiva da Educação Inclusiva tem como objetivo o acesso, a
ensino regular, verifica-se um crescimento de 640%, passan- participação e a aprendizagem dos alunos com deficiência,
do de 43.923 alunos em 1998 para 325.316 em 2006. transtornos globais do desenvolvimento e altas habilida-
Quanto à distribuição dessas matrículas nas esferas des/superdotação nas escolas regulares, orientando os sis-
pública e privada, em 1998 registra-se 179.364 (53,2%) alu- temas de ensino para promover respostas às necessidades
nos na rede pública e 157.962 (46,8%) nas escolas privadas, educacionais especiais, garantindo:
principalmente em instituições especializadas filantrópicas. - Transversalidade da educação especial desde a edu-
Com o desenvolvimento das ações e políticas de educação cação infantil até a educação superior;
inclusiva nesse período, evidencia-se um crescimento de - Atendimento educacional especializado;
146% das matrículas nas escolas públicas, que alcançaram - Continuidade da escolarização nos níveis mais eleva-
441.155 (63%) alunos em 2006. dos do ensino;

8
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

- Formação de professores para o atendimento edu- Os estudos mais recentes no campo da educação es-
cacional especializado e demais profissionais da educação pecial enfatizam que as definições e uso de classificações
para a inclusão escolar; devem ser contextualizados, não se esgotando na mera
- Participação da família e da comunidade; especificação ou categorização atribuída a um quadro de
- Acessibilidade urbanística, arquitetônica, nos mobi- deficiência, transtorno, distúrbio, síndrome ou aptidão.
liários e equipamentos, nos transportes, na comunicação e Considera-se que as pessoas se modificam continuamente,
informação; e transformando o contexto no qual se inserem. Esse dina-
- Articulação intersetorial na implementação das polí- mismo exige uma atuação pedagógica voltada para alterar
ticas públicas. a situação de exclusão, reforçando a importância dos am-
bientes heterogêneos para a promoção da aprendizagem
Alunos atendidos pela Educação Especial de todos os alunos.
A partir dessa conceituação, considera-se pessoa com
Por muito tempo perdurou o entendimento de que a deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo,
educação especial, organizada de forma paralela à educa- de natureza física, mental ou sensorial que, em interação
ção comum, seria a forma mais apropriada para o atendi- com diversas barreiras, podem ter restringida sua partici-
mento de alunos que apresentavam deficiência ou que não pação plena e efetiva na escola e na sociedade. Os alunos
se adequassem à estrutura rígida dos sistemas de ensino. com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles
Essa concepção exerceu impacto duradouro na história que apresentam alterações qualitativas das interações so-
da educação especial, resultando em práticas que enfati- ciais recíprocas e na comunicação, um repertório de inte-
zavam os aspectos relacionados à deficiência, em contra- resses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. In-
posição à sua dimensão pedagógica. O desenvolvimento cluem-se nesse grupo alunos com autismo, síndromes do
de estudos no campo da educação e dos direitos humanos espectro do autismo e psicose infantil. Alunos com altas
vêm modificando os conceitos, as legislações, as práticas habilidades/superdotação demonstram potencial elevado
educacionais e de gestão, indicando a necessidade de se em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combi-
promover uma reestruturação das escolas de ensino regu- nadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade
lar e da educação especial. e artes, além de apresentar grande criatividade, envolvi-
Em 1994, a Declaração de Salamanca proclama que as mento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas
escolas regulares com orientação inclusiva constituem os de seu interesse.
meios mais eficazes de combater atitudes discriminatórias
e que alunos com necessidades educacionais especiais Diretrizes da Política Nacional de Educação Especial
devem ter acesso à escola regular, tendo como princípio na Perspectiva da Educação Inclusiva
orientador que “as escolas deveriam acomodar todas as
crianças independentemente de suas condições físicas, in- A educação especial é uma modalidade de ensino que
telectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras”. perpassa todos os níveis, etapas e modalidades, realiza o
O conceito de necessidades educacionais especiais, que atendimento educacional especializado, disponibiliza os
passa a ser amplamente disseminado a partir dessa Decla- recursos e serviços e orienta quanto a sua utilização no
ração, ressalta a interação das características individuais dos processo de ensino e aprendizagem nas turmas comuns
alunos com o ambiente educacional e social. No entanto, do ensino regular.
mesmo com uma perspectiva conceitual que aponte para a O atendimento educacional especializado tem como
organização de sistemas educacionais inclusivos, que garan- função identificar, elaborar e organizar recursos pedagó-
ta o acesso de todos os alunos e os apoios necessários para gicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a
sua participação e aprendizagem, as políticas implementadas plena participação dos alunos, considerando suas necessi-
pelos sistemas de ensino não alcançaram esse objetivo. dades específicas. As atividades desenvolvidas no atendi-
Na perspectiva da educação inclusiva, a educação espe- mento educacional especializado diferenciam-se daquelas
cial passa a integrar a proposta pedagógica da escola regu- realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas
lar, promovendo o atendimento às necessidades educacio- à escolarização. Esse atendimento complementa e/ou su-
nais especiais de alunos com deficiência, transtornos globais plementa a formação dos alunos com vistas à autonomia e
de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação. Nes- independência na escola e fora dela.
tes casos e outros, que implicam em transtornos funcionais Dentre as atividades de atendimento educacional es-
específicos, a educação especial atua de forma articulada pecializado são disponibilizados programas de enriqueci-
com o ensino comum, orientando para o atendimento às mento curricular, o ensino de linguagens e códigos espe-
necessidades educacionais especiais desses alunos. cíficos de comunicação e sinalização e tecnologia assistiva.
Ao longo de todo o processo de escolarização esse aten-
A educação especial direciona suas ações para o aten- dimento deve estar articulado com a proposta pedagógica
dimento às especificidades desses alunos no processo do ensino comum. O atendimento educacional especializa-
educacional e, no âmbito de uma atuação mais ampla na do é acompanhado por meio de instrumentos que possi-
escola, orienta a organização de redes de apoio, a forma- bilitem monitoramento e avaliação da oferta realizada nas
ção continuada, a identificação de recursos, serviços e o escolas da rede pública e nos centros de atendimento edu-
desenvolvimento de práticas colaborativas. cacional especializados públicos ou conveniados.

9
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

O acesso à educação tem início na educação infantil, da adequação e produção de materiais didáticos e peda-
na qual se desenvolvem as bases necessárias para a cons- gógicos, da utilização de recursos ópticos e não ópticos, da
trução do conhecimento e desenvolvimento global do alu- tecnologia assistiva e outros.
no. Nessa etapa, o lúdico, o acesso às formas diferencia- A avaliação pedagógica como processo dinâmico
das de comunicação, a riqueza de estímulos nos aspectos considera tanto o conhecimento prévio e o nível atual de
físicos, emocionais, cognitivos, psicomotores e sociais e a desenvolvimento do aluno quanto às possibilidades de
convivência com as diferenças favorecem as relações inter- aprendizagem futura, configurando uma ação pedagógica
pessoais, o respeito e a valorização da criança. processual e formativa que analisa o desempenho do aluno
Do nascimento aos três anos, o atendimento educa- em relação ao seu progresso individual, prevalecendo na
cional especializado se expressa por meio de serviços de avaliação os aspectos qualitativos que indiquem as inter-
estimulação precoce, que objetivam otimizar o processo venções pedagógicas do professor. No processo de ava-
de desenvolvimento e aprendizagem em interface com os liação, o professor deve criar estratégias considerando que
serviços de saúde e assistência social. Em todas as etapas alguns alunos podem demandar ampliação do tempo para
e modalidades da educação básica, o atendimento edu- a realização dos trabalhos e o uso da língua de sinais, de
cacional especializado é organizado para apoiar o desen- textos em Braille, de informática ou de tecnologia assistiva
volvimento dos alunos, constituindo oferta obrigatória dos como uma prática cotidiana.
sistemas de ensino. Deve ser realizado no turno inverso ao Cabe aos sistemas de ensino, ao organizar a educação
da classe comum, na própria escola ou centro especializa- especial na perspectiva da educação inclusiva, disponibi-
do que realize esse serviço educacional. lizar as funções de instrutor, tradutor/intérprete de Libras
Desse modo, na modalidade de educação de jovens e guia intérprete, bem como de monitor ou cuidador dos
e adultos e educação profissional, as ações da educação alunos com necessidade de apoio nas atividades de higie-
especial possibilitam a ampliação de oportunidades de es- ne, alimentação, locomoção, entre outras, que exijam auxí-
colarização, formação para ingresso no mundo do trabalho lio constante no cotidiano escolar.
e efetiva participação social. Para atuar na educação especial, o professor deve ter
A interface da educação especial na educação indí- como base da sua formação, inicial e continuada, conhe-
gena, do campo e quilombola deve assegurar que os re- cimentos gerais para o exercício da docência e conheci-
cursos, serviços e atendimento educacional especializado mentos específicos da área. Essa formação possibilita a sua
estejam presentes nos projetos pedagógicos construídos atuação no atendimento educacional especializado, apro-
com base nas diferenças socioculturais desses grupos. funda o caráter interativo e interdisciplinar da atuação nas
salas comuns do ensino regular, nas salas de recursos, nos
Na educação superior, a educação especial se efetiva centros de atendimento educacional especializado, nos nú-
por meio de ações que promovam o acesso, a permanência cleos de acessibilidade das instituições de educação supe-
e a participação dos alunos. Estas ações envolvem o plane- rior, nas classes hospitalares e nos ambientes domiciliares,
jamento e a organização de recursos e serviços para a pro- para a oferta dos serviços e recursos de educação especial.
moção da acessibilidade arquitetônica, nas comunicações, Para assegurar a intersetorialidade na implementação
nos sistemas de informação, nos materiais didáticos e pe- das políticas públicas a formação deve contemplar conhe-
dagógicos, que devem ser disponibilizados nos processos cimentos de gestão de sistema educacional inclusivo, ten-
seletivos e no desenvolvimento de todas as atividades que do em vista o desenvolvimento de projetos em parceria
envolvam o ensino, a pesquisa e a extensão. com outras áreas, visando à acessibilidade arquitetônica,
Para o ingresso dos alunos surdos nas escolas comuns, aos atendimentos de saúde, à promoção de ações de assis-
a educação bilíngue – Língua Portuguesa/Libras desenvol- tência social, trabalho e justiça.
ve o ensino escolar na Língua Portuguesa e na língua de Os sistemas de ensino devem organizar as condições
sinais, o ensino da Língua Portuguesa como segunda lín- de acesso aos espaços, aos recursos pedagógicos e à co-
gua na modalidade escrita para alunos surdos, os serviços municação que favoreçam a promoção da aprendizagem e
de tradutor/intérprete de Libras e Língua Portuguesa e o a valorização das diferenças, de forma a atender as neces-
ensino da Libras para os demais alunos da escola. O atendi- sidades educacionais de todos os alunos. A acessibilidade
mento educacional especializado para esses alunos é ofer- deve ser assegurada mediante a eliminação de barreiras
tado tanto na modalidade oral e escrita quanto na língua arquitetônicas, urbanísticas, na edificação – incluindo ins-
de sinais. Devido à diferença linguística, orienta-se que o talações, equipamentos e mobiliários – e nos transportes
aluno surdo esteja com outros surdos em turmas comuns escolares, bem como as barreiras nas comunicações e in-
na escola regular. formações.
O atendimento educacional especializado é realizado
mediante a atuação de profissionais com conhecimentos Referência:
específicos no ensino da Língua Brasileira de Sinais, da Lín- http://peei.mec.gov.br/arquivos/politica_nacional_
gua Portuguesa na modalidade escrita como segunda lín- educacao_especial.pdf
gua, do sistema Braille, do Soroban, da orientação e mobi-
lidade, das atividades de vida autônoma, da comunicação
alternativa, do desenvolvimento dos processos mentais
superiores, dos programas de enriquecimento curricular,

10
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

ÉTICA: OS DESAFIOS E CONTRADIÇÕES profundamente distantes de interação com as pessoas,


NA PROFISSÃO DOCENTE o que nos dá margem para o surgimento de posturas e
condutas que se aproximam do descompromisso em suas
As várias transformações ocorridas no processo histó- várias dimensões.
rico nos exigem mudanças de modelos, de ações, de ati-
tudes, de postura, enfim, de atuação pessoal e social. São Segundo Vázquez (1996), “ética é a ciência do compor-
muitas e significativas mudanças, vivemos um tempo em tamento moral dos homens em sociedade”. É uma ciência,
que as informações e a comunicação, essenciais para a pois tem objeto próprio, leis próprias e método próprio. As-
compreensão e a participação no mundo, se processam ra- sim, o objeto da Ética é a moral. A moral é um dos aspec-
pidamente. Os avanços tecnológicos nos impulsionam até tos do comportamento humano. A expressão deriva da pa-
mesmo para novas formas de viver e sentir o mundo, novas lavra romana mores, com o sentido de costumes, conjunto
formas de ver o próprio homem. de normas adquiridas pelo hábito reiterado de sua prática.
Em meio a tantas mudanças, questionamo-nos sobre Portanto, “a moral se edifica com o bom exemplo, não com
o que fazer com elas, sobre sua validade, sua essência, so- palavras. Nutre-se e afirma-se numa atitude que surge do
bre nosso fazer diário no processo de educar. Tantos avan- ser interno como imperativo da consciência”.
ços e tantas exigências, muitas vezes extemporâneos, que
geram dúvidas, questionamentos, insegurança. O mundo A ética trata da conduta humana diante do bem e do
nos pede rapidez, capacidade, conhecimento, mas não nos mal. Ou, “daquilo que tem valor, do que realmente tem im-
mostra o como utilizar tudo isso de maneira correta, de portância, do sentido da vida, do que torna a vida digna de
forma a promover maior equilíbrio e felicidade para as pes- ser vivida ou da maneira correta de viver”.
soas. Uma educação em sintonia com a prática da ética deve
Desvelar o processo de construção e aplicação dos co- pressupor ação afetiva, que liga, toca, desperta, compreen-
nhecimentos sempre foi a meta de vários estudos ao lon- de, encaminha, partilha. Deve buscar apreender conceitos,
go da história, que mesmo hoje, diante de tantos avanços técnicas, saberes, que sejam significativos, transformado-
e de um grande número de pesquisas, constitui-se como res, construtores de pessoas, através de procedimentos re-
algo em constante interrogação. O que e para que apren- lacionais, desafiadores, geradores de seres humanos e não
demos? Por que a escola ainda tem tanta dificuldade em apenas de pessoas. O conhecer assim transforma-se em
formar também para a dimensão ética? uma atividade volitiva, que deve levar ao transcender, ao
aperfeiçoar, ao ser e não apenas ao fazer, um instrumento
Quando se fala em ética na educação, precisamos con- de consciência do nosso agir no mundo.
siderar que as implicações educacionais desse fazer se dão O processo de educar precisa fazer com que saibamos
a partir do apelo à humanidade advindo de outrem e a utilizar as informações e os conhecimentos na efetivação
possibilidade de uma resposta incondicionalmente respon- de pessoas melhores e mais responsáveis por si mesmas
sável. Uma pedagogia da ética começa pelo respeito ao e pelo mundo em que vivem. De nada adianta acumular
outro, à humanidade que se mostra a partir de outrem. saberes e informações, se estes não nos tornam melhores
Se nos preocupamos com a construção de uma socie- e mais capazes de agir e melhorar o meio em que convive-
dade ética, devemos reconhecer que o alicerce para um mos e em que atuamos.
futuro digno é a educação, portanto, se faz necessária uma Educar é acreditar na perfeição humana, na capacidade
constante reflexão sobre as implicações educacionais a inata de aprender sobre coisas, valores, memórias, fatos,
partir do apelo à humanidade advinda de e com o outro e que podem ser sabidos e merecem ser, e que nós, homens
a possibilidade de uma resposta incondicionalmente res- e mulheres, precisamos e podemos com aquilo que conhe-
ponsável. cemos, encontrar meios de melhorar a nós mesmos e o
Acredita-se na educação como espaço de encontro, de mundo em que vivemos. É um fazer de risco, um processo
acolhida, de resposta ao outro em sua diferença, portanto de ação e reação, rupturas e tecimentos, erros e acertos,
a educação é concebida de modo eminentemente ético. dúvidas e certezas. É oferecer conhecimentos que trans-
Pensar a educação a partir de seu fundamento ético implica cendem e se transformam em sabedoria, e assim, nos faz
em pensá-la na perspectiva do encontro e da acolhida. querer o aperfeiçoar constante, na intenção de ser melhor
Assim, conhecer e educar para a ética ultrapassa as li- e ajudar o outro a ser também, num despertar interno para
nhas da objetividade, da personalidade, das técnicas, da uma vida produtiva, destinada a buscar os desígnios do
subjetividade, num processo dialético de ir e vir ao mundo bem.
e ao ser. É um definir o mundo e um definir-se diário, já que Temos enxergado tanta destruição não só do meio,
o conhecimento supõe, em primeiro lugar, o “conhecer- como também de nós mesmos. Vivemos momentos de
-se a si mesmo”, buscando algo que possa nos definir por perplexidade, de dúvidas provocadas pelas profundas
dentro, interligando a humanidade ao seu destino e à sua transformações culturais, científicas, tecnológicas, políticas,
busca pela felicidade. morais, que atestam a decadência dos povos, a ausência de
A necessidade de revigorar a reflexão ética se dá pela liberdade moral. Estamos carentes do humano, nos encon-
percepção de uma grande banalização quanto aos concei- tramos diante de situações-limite que nos envolvem e nos
tos da ética nas relações interpessoais, sejam elas formais questionam sobre o que temos sido e o que temos feito a
ou informais. Vivemos uma enorme lacuna, nos sentimos nós mesmos e ao mundo. É como se nos dissessem: “Vivam

11
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

o presente, porque não há futuro”. Reflexo disso é esse Somente uma educação pautada em sólidos valores al-
imediatismo, esse consumismo, esse individualismo, essa truístas poderá fazer surgir uma nova ética social que seja
falta de respeito pelo outro, pela própria vida. Estamos capaz de conciliar direitos individuais com responsabilida-
vivendo o “social conformismo”. des interpessoais e coletivas. A aprendizagem altruísta é
o único caminho possível para combatermos a cultura (...)
Sentimos falta de valores, como respeito, temperança, pautada na insensibilidade interpessoal e na ausência da
coragem, solidariedade, amor. Valores que concretizam o solidariedade coletiva.
caráter que é a nossa marca profunda, valores que nos Conforme alguns estudiosos, existem hoje três preocu-
tornam dependentes e responsáveis com e pelo mundo, pações que devem orientar nossa reflexão sobre a educa-
que nos faz aderidos a uma causa humana, ao sentimento ção para o século XXI: a ética, a política e a epistemológica,
e opinião do e para o outro, da cultura da tolerância e do ou seja, precisamos de uma reflexão sobre a construção de
humano, do transcender a esfera do comum. uma pedagogia que compreenda aspectos cognitivos, mo-
“Valores que continuam sendo cada vez mais deseja- rais e afetivos. Pergunta-se então, como esta questão está
dos pela humanidade, e tratar deles constitui uma neces- sendo vivida dentro das escolas e se existe uma formação
sidade que deve ser assumida por todas as instituições que objetiva a qualidade formativa e humana.
que educam”. No entanto, esta não é uma tarefa fácil e São várias as teorias de produção e prática de conhe-
para que este trabalho seja efetivo na formação das vir- cimentos analisadas por autores como Zabala, Coll, Morin,
tudes, é imprescindível levar em conta a dimensão da entre outros, afirmando que a educação se faz e se constrói
manifestação dos sentimentos e emoções, da afetividade através da inter-relação do conteúdo com a prática, sendo
contida nas relações entre as pessoas, tão em falta nos necessária a atribuição de significados ao que se aprende e
dias atuais. que, no processo de práticas educativas é preciso incorporar
Diante desse cenário é que reconhecemos a dimensão uma visão crítica e questionadora quanto à prática das virtu-
do papel da educação, como também podemos observar des, que não aceita a realidade como estável e determinada.
que muito se tem inovado nas análises epistemológicas A escola hoje tem dedicado pouco tempo ao problema
e metodológicas, mas ainda são poucas as ações educa- da ética nas atividades escolares. A escola tem sido instru-
tivas, que realmente efetivam teorias éticas em prática. tiva e pouco formadora. Vejamos o que nos fala Chalita:
Sabe-se que a educação é a socialização das gerações e, A disposição científica nos permite explicar os fenô-
uma possibilidade de impulso à transformação. “A socie- menos da natureza, a disposição técnica possibilita que
dade contemporânea tem na escola um lugar privilegiado ajamos de modo a transformar o ambiente para torná-lo
para a concretização do ideal de humanidade construído mais favorável aos nossos desejos, o discernimento nos
em torno dos valores da democracia, da justiça, da paz e possibilita o conhecimento do bem e do mal, a inteligên-
da solidariedade”. cia nos permite apreender os fundamentos dos diferentes
Neste universo de diferenças, de complexidades e de conhecimentos e a sabedoria, por último, mas não menos
paradoxos, a dimensão axiológica se impõe por se tratar importante, permite saber nosso lugar no mundo e em re-
de uma ação de sujeitos sobre o contexto que os cerca lação às outras pessoas, é ela o que possibilita nosso cres-
e por se dar em um espaço de vida de educandos e de cimento como pessoas e abre caminho para agirmos com
educadores. justiça rumo à felicidade.
Sendo assim, toda ação educativa deveria estar impli- Portanto, superar esta relação muitas vezes linear e
cada com a construção de uma consciência ética e social, mecânica entre o conhecimento teórico e as práticas hu-
sendo imperativa a reflexão sobre as virtudes no cotidia- manas se torna fundamental, almejando um perfil de esco-
no escolar e a discussão e efetivação de propostas peda- la, que tenha por objetivo formar para a cidadania e con-
gógicas que levem em conta a formação de um ambiente tribuir para socializar os valores e as práticas democráticas
sociomoral cooperativo e participativo. baseadas em valores que promovam a dignidade humana.
Ética é mais do que apenas o dever, é eu me comover com
Em muitas situações, temos percebido que o tema o outro e me sentir feliz de poder ajudar o outro.
das virtudes desapareceu das escolas. Casos de desres-
peito, de falta de limites, de assédio têm sido comuns, Os Parâmetros Curriculares Nacionais (2000) apresen-
mas a radicalidade da crise ética nos impõe o desafio de tam a educação comprometida com o desenvolvimento
reinserir temas morais da formação humana nos proces- total da pessoa. Aprender supõe a preparação do indiví-
sos educacionais em todas as suas dimensões. Conhecer e duo para elaborar pensamentos autônomos e críticos e
viver nossos limites nos leva a aprender o sentido da vida, para formular seus próprios juízos de valor, de modo a
de pertença, de conviver verdadeiramente. poder decidir por si mesmo, frente às diferentes circuns-
O resgate das virtudes na educação implica conceber tâncias da vida. Portanto, é através de práticas educativas
a construção da personalidade de pessoas com valores comprometidas, que o conhecimento sobre ética poderá
morais. As virtudes “são nossos valores morais, se quise- ser reforçado, criando-se assim, condições que preparem
rem, mais encarnados, tantos quanto quisermos, mas vi- as pessoas para assumir suas responsabilidades e construir
vidos, mas em ato”. ou reconstruir uma sociedade mais igualitária, mais justa,
Vejamos o que nos fala Silva sobre a importância de mais humana. Acreditamos que esta é a mais bela missão
educar para os valores: do processo educativo.

12
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Também o artigo 2º da LDB (1996) considera que, Para que tudo isso se efetive e se faça cumprir é neces-
inspirada nos princípios da liberdade e nos ideais de so- sário o comprometimento dos professores. É preciso que
lidariedade humana, é finalidade da educação nacional o eles acreditem que é possível ensinar a virtude, que é pos-
pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o sível ensinar ética para a vivência da cidadania.
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Contudo, ainda percebemos que “a educação foi quase
A LDB institui que a escola é um espaço de forma- inteiramente identificada com escolarização”. Desta forma,
ção de cidadãos e de difusão de valores que expressem a questão do papel do professor ganha uma relevância ain-
a cidadania e a ética, mas não considera que a ideia da da maior porque será a partir dele, de suas atitudes, da
educação como formação do homem e do cidadão pres- maneira como organiza os conteúdos, como elabora suas
supõe que a escola também deva ser pensada como um aulas, como se relaciona com seus alunos, da forma como
espaço no qual estes valores estejam presentes. Para que a lida com seus preconceitos e conceitos que outros valores
escola seja inspiradora de valores éticos, é preciso que ela e virtudes poderão ser definidos.
também seja um espaço ético, operando por meios éticos.
É possível então, que através de um processo educa- Diante de tantos desafios que nos são postos a todo
tivo contínuo e integrado com várias instâncias sociais, instante, o acesso ao conhecimento é um forte instrumento
utilizando de todos os recursos humanos e técnicos dis- na capacitação e na formação de consciência humana, já
poníveis, na constante perseguição de tornar possível que a sua ausência limita e dificulta a maneira de viver e os
o amanhã impossível de hoje, possamos vivenciar esta meios de atuação. Só que este conhecimento só é prolífico
aprendizagem contextualizada, como também formar quando utilizado de maneira fecunda, através de princípios
pessoas cientes da importância da prática e exercício éti- éticos, na busca do aperfeiçoamento humano. A arte de
co em todos os ambientes em que se convive. Esta prá- educar, de aprender, de ensinar, encontra sua máxima ex-
tica educativa da e na escola é certamente um projeto pressão na alma daqueles que têm consciência do seu pa-
de ‘criação histórica’, pois visa transformar processos e pel como pessoas, que vivem e praticam os valores.
práticas educativas tão arraigadas em técnicas e infor- O acesso e uso do conhecimento consciente, o viver a
mações. educação em todos os meios e níveis, a prática da ética no
Analisando a História da educação brasileira, através ambiente da escola, reforçam nossa responsabilidade em as-
de Romanelli (2001), percebemos que os sistemas edu- sumir o que somos, nos possibilitando usar nossa liberdade,
cacionais no país ainda possuem estruturas muito frá- através da prática do livre-arbítrio, buscando o resgate coti-
geis e são alvos de frequentes reformas superficiais que diano da vida em todas as suas instâncias. “O conhecimento
pouco levam a mudar positivamente. Já Gadotti (1995) pode e deve ser transformador e a sabedoria é exatamente
afirma que é por esse motivo que precisamos tornar-nos essa capacidade de utilizá-lo a serviço do bem”.
agentes dessa transformação necessária e sonhada, en- Já se disse que “fica sempre um pouco de perfume nas
xergando na educação um campo fértil para mudanças mãos que oferecem rosas”. A busca pelo resgate e prática
e práticas dos valores já que a escola é uma das mais dos valores através do processo de educar contribui, de ma-
importantes instituições, com capacidade de atingir um neira significativa, para a construção da paz pessoal e social,
grande número de pessoas. afinal, como humanos, recebemos dons especiais que nos
tornam capazes de dividir, trocar, buscar o ser no lugar do
A educação assim, poderá ser vista como uma ativi- ter, liberar nossas energias infinitas, nossa criatividade ilimi-
dade humana participante da totalidade da organização tada, aplicar aquilo que somos capazes para alguma forma
social. Por outro lado, poderá também transformar cada de bem comum. Uma das coisas mais nobres da vida é saber
um em agente, não só pelo que realiza, mas também pe- doar-se ao outro, é viver a generosidade, a solidariedade, a
los resultados e consequências da ação. justiça, a tolerância, a temperança e tantos outros valores que
Educação e ética, desta forma, se imbricam necessa- nos são essenciais, e nessa dialogicidade vivida no processo
riamente, e quanto a isso Saviani nos diz: do educar, ao invés de perder, acrescentamos, cada vez mais,
Podemos, pois, dizer que a natureza humana não é naquilo que estamos nos tornando como gente.
dada ao homem, mas é por ele produzida sobre a base da
natureza biofísica. Consequentemente, o trabalho educa- Queremos uma escola, onde a ideia não amarre, mas
tivo é o ato de produzir, direta e intencionalmente, em liberte. Escola oficina da vida, que se faz saber do bem que-
cada indivíduo singular, a humanidade que é produzida rer. Escolas que assumam, mesmo com tantas adversidades
histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens. sociais e governamentais, não só a dimensão técnica, mas
Esta prática educativa provavelmente possibilitará a acima de tudo a de formação humana, pois estes são os sa-
todos os envolvidos, a capacidade de conviver com ética beres levados por toda a vida. Quem educa tem um papel
e viver como cidadãos, substituindo o conceito distorcido muito mais amplo do que simplesmente transmitir saberes.
de que a função da escola tem sido o de apenas preparar A cultura e a prática ética levar-nos-ão a perceber que,
quadros para o mercado de trabalho. A escola, em todos efetivamente, vida é uma obra de arte aberta, que os pre-
os níveis, tem uma função, acima de tudo, civilizatória, ceitos éticos são como técnicas de uma arte de viver me-
ampla e profunda. Ela não existe apenas para informar, lhor a vida, uma arte que envolve sempre a própria vida e
mas também para formar pessoas não só como homens, a vida dos que estão ao lado, voluntária ou involuntaria-
mas como civilizados, verdadeiros seres humanos. mente.

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CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Ainda temos muito que caminhar, muito que transfor- Associação de Pais e Mestres e Funcionários – APMF, e dos
mar, mas acreditamos que os caminhos têm sido construí- colegiados escolares para os interesses hegemônicos, por
dos, pois as relações entre as condições históricas, episte- outro, é inegável a necessidade da participação de toda a
mológicas e pedagógicas, têm condicionando-nos a esta comunidade escolar e as benesses dessa prática.
mudança e levando-nos a reformar a educação brasileira, O que passa a caracterizar as teorias modernas da ad-
construindo um modelo que se baseia na formação inte- ministração não são mais a coerção e a manipulação carac-
gral do ser humano, afinal, nós professores conjugamos o terísticas da teoria Clássica e de relações Humanas, mas o
verbo fundamental e essencial que está acima de qualquer dirigismo calcado nas práticas da motivação, cooperação e
gramática, de qualquer moeda e de qualquer política, o integração.
verbo amar, razão de ser e de viver. É como já disse Fer- Procurou-se aqui relacionar a gestão democrática na
nando Pessoa: “Para ser grande é preciso ser inteiro”. organização do trabalho pedagógico, tendo como referên-
cia as políticas educacionais e apresentar o Projeto Político
Educar, se educar, dividir, acrescentar, fazer, ter coragem, Pedagógico – PPP como colaborador nesse processo de
seguir, ir até o fim.... Mas, não há fim, tudo termina no eterno gestão democrática. O PPP aponta um caminho possível
recomeçar, com cada um de nós e, com o outro. para uma gestão democrática. Nesse sentido, nossa preo-
cupação é analisar as possibilidades de práticas de partici-
Fonte pação no espaço escolar, buscando uma abordagem crítica.
LODI, I. G. M. Disponível em http://www.uniaraxa.edu. Compreender e buscar o contraponto dessa discussão
br/ “parece” ser o caminho a ser percorrido pela comunidade
escolar a ser construído pelo PPP. Esse caminho passa, ne-
cessariamente, pela organização do espaço escolar, pelo
trabalho diário realizado por cada um dos sujeitos da co-
GESTÃO DEMOCRÁTICA: A PARTICIPAÇÃO munidade escolar, considerando-se os aspectos de tempo,
COMO PRINCÍPIO. espaço, formação, legislação, administração, políticas edu-
cacionais, recursos financeiros e humanos, o que define a
complexidade da educação vivenciada em seu espaço mais
específico que é a escola.
A GESTÃO DEMOCRÁTICA Essa complexidade não pode significar o impedimen-
to de mudanças no espaço escolar; uma visão crítica tem
As mudanças, atualmente refletidas no espaço escolar exatamente o objetivo de denunciar e de buscar caminhos
têm suas origens num processo mais amplo e complexo alternativos.
que antecede os anos 90. Destarte, para compreender o A gestão democrática vista como uma forma dife-
quadro atual, precisamos buscar na história os elementos rente de encaminhar o trabalho pedagógico na escola
constitutivos do processo de mudança nos aspectos eco- deve articular todos os responsáveis pelo PPP de forma
nômicos, sociais e políticos. a interagirem com toda a comunidade escolar. A partir
De acordo com Silva Jr, a escola desenvolve seu traba- do momento em que se busca uma nova organização,
lho no interior de uma sociedade capitalista; nela se mani- também as relações de trabalho no espaço escolar de-
festam as contradições e determinações; da mesma forma, verão ser ressignificadas. Esta ressignificação deve ter
são variadas e, frequentemente, conflitantes as interpreta- como base a possibilidade de real participação dos di-
ções sobre a função da escola e/ou organização do traba- ferentes segmentos, com ênfase no coletivo com espaços
lho pedagógico. Essas contradições impostas pelo capita- para trocas de conhecimentos e de responsabilidades.
lismo permeiam a luta ideológica das ideias e convicções, Essa mudança exige uma ruptura com a cultura auto-
assim, a escola tende a reproduzir as tensões e forças nas ritária que perpassa a história da escola que, instalada em
relações de poder e na própria organização do trabalho nossos hábitos, exige que se entenda a participação como
pedagógico. um princípio da democracia. Portanto, a participação não
Com base no pressuposto de que a organização do pode ser privilégio de uns poucos, mas uma possibilida-
trabalho pedagógico traduz, na sua prática, esse movimen- de para todos, oportunizada de forma efetiva e acessível a
to das políticas educacionais, da legislação, dos modelos toda a comunidade escolar.
de gestão, da formação inicial e continuada e das formas
de participação, os profissionais da educação consideram Um Pouco de História: Buscando As Origens da Gestão
relevante a gestão democrática para a organização do tra- Democrática
balho na escola. Mas não estão descartados os interesses
ideológicos que este trabalho traz consigo no bojo das dis- Vivemos numa sociedade capitalista cujo princípio é a
cussões e na prática. produção de mercadorias e serviços através do trabalho
Uma análise crítica a respeito da gestão democrática, que depende das diferenças socioeconômicas entre aque-
da participação e do coletivo revelou os dois lados de uma les que detêm ou controlam os meios de produção. Nesse
mesma situação. Se, no aspecto ideológico, a gestão de- sistema o objetivo é aumentar o capital, isto é, lucrar. O
mocrática tem sido usada para concretização das políticas sistema capitalista passou por diversas fases desde as suas
educacionais de forma desvirtuada, visando a utilização da origens até os dias atuais.

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CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Tomaremos como base as mudanças da década de Essas mudanças representam o solo fecundo para o
noventa, na qual a globalização representa uma reestru- movimento das reformas implantadas tanto nos aspectos
turação econômica em âmbito mundial, tendo como apa- legais, quanto nos ideológicos e de políticas educacionais.
rato ideológico o neoliberalismo fundamentado em um A LDB 9394/96 torna a gestão democrática um princípio,
discurso que privilegia a esfera econômica. Assim, temos a além da criação dos Conselhos Escolares.
globalização como processo de integração mundial, via in- As diretrizes educacionais respondem a uma política
ternacionalização do capital, ou seja, a transnacionalização. educacional, que, dentro de uma sociedade capitalista,
Esse processo de reestruturação econômica inclui a re- traz suas contradições e a luta pela superação de classes
dução do papel do Estado na diminuição do investimento sociais e do poder hegemônico. Discutir políticas educa-
do setor público, reformas administrativas, estabilização fis- cionais “implica, na verdade, em trazer informações sobre
cal e redução do crédito interno e das barreiras de mercado. o passado (organização do capital) e, com elas, cotejar a
Bruno explica que é praticamente impossível haver de- forma de ser do presente (reorganização do mesmo siste-
senvolvimento fora deste quadro de economia internacio- ma produtivo)”. Ainda, segundo a autora, não é possível
nalizada. analisar a educação sem relacioná-la às mudanças da base
Completa ainda a autora: [...] Entretanto, a integração produtiva e às exigências de reorganização do capital.
das várias economias numa estrutura global não implica em O quadro das mudanças atuais tem o seu “gérmen”,
homogeneização das condições econômicas e sociais exis- a partir da crise capitalista dos anos setenta no Brasil e a
tentes em cada uma delas. Antes, o que ocorre é a repro- difusão da ideologia neoliberal. Essa ideologia postulava
dução generalizada das desigualdades em escala mundial. que o Estado de Bem Estar estaria reduzindo a poupança e
Isto porque a divisão internacional do trabalho foi profun- os investimentos do setor público, sendo responsável pelo
damente alterada e o que se observa é que esta integração fraco desenvolvimento da economia, aliada às políticas so-
não se dá em termos de nação, mas de setores da economia. ciais que canalizavam investimentos de setores produtivos
para os improdutivos.
Esse processo aponta para um movimento de mu- Diante disto, o neoliberalismo propôs alterações para
danças sem precedentes; soma-se a ordem econômica, a o papel do Estado, de acordo com as quais o mercado
reestruturação do trabalho, as inovações tecnológicas e substituiria a política e um Estado Mínimo substituiria o
das próprias estruturas de poder, entre as quais os orga- Estado de Bem Estar. Para realizar essas medidas propos-
nismos multilaterias que têm expandido cada vez mais as tas, a privatização foi um dos caminhos apresentados, pois
suas ações, via empréstimos e financiamentos. teoricamente diminuiria os gastos do Estado e incentivaria
É dentro desse contexto de mudanças que se faz ne- a livre competição do mercado, garantindo os interesses
cessário reconhecer o papel que o Banco Internacional de dos setores privados da economia.
Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD, conhecido como Essa reorganização do capitalismo, em fase de desen-
Banco Mundial, tem desempenhado, especialmente em volvimento desde os anos setenta apresentou-se de forma
relação à educação. É a partir dos anos noventas, que o mais clara nos últimos anos, através da globalização da
Banco adquire expressiva importância no âmbito das polí- economia, da transnacionalização das estruturas de poder
ticas públicas brasileiras. “Com a crescente mobilidade do e da reestruturação produtiva.
capital, a educação deixou de ser uma questão nacional. Seguindo a tese da autora, esta reorganização do ca-
Daí a interferência cada vez mais incisiva dos organismos pitalismo constitui-se um processo vasto e complexo e
transnacionais”. mostra as tendências de dois processos simultâneos, quais
Dentro desse quadro de mudanças, a educação pas- sejam: a nova fase de internacionalização do capital e a
sa a ter função primordial, pois, enquanto política pública reorganização produtiva que, por sua vez, altera as estru-
é considerada como serviço essencial que o Estado deve turas de poder do capitalismo. Nesse mesmo sentido, a
garantir. autora esclarece:
De acordo com a ideologia neoliberal, as políticas edu-
cacionais também tomam forma adequada à lógica do Assim, a novidade da forma atual de internacionaliza-
mercado. O modelo de gestão administrativo empresarial ção do capital, comumente designada globalização, reside
será transferido para a gestão da escola. A racionalização no fato de se constituir um processo de integração mun-
custo/benefício, a descentralização e a busca por uma dial que já não integra nações ou economias nacionais,
maior participação da comunidade é o modelo a ser alcan- mas conjuga a ação dos grandes grupos econômicos entre
çado. “Os conceitos de produtividade, eficácia, excelência si e no interior de cada um deles, não só ultrapassando,
e eficiência serão importados das teorias administrativas mas ignorando, em suas ações e decisões, as fronteiras
para as teorias pedagógicas”. nacionais.
Esse modelo tem como meta final a qualidade que, a A partir dos anos noventa, a questão da qualidade já
partir dos anos noventa, já está incorporada aos discursos incorporada aos discursos políticos educacionais alia-se
políticos educacionais aliando-se ao modelo neoliberal. ao modelo neoliberal. “A qualidade educativa, nesta dé-
Para Lima, essa qualidade preza o resultado, e a escola é cada de 90, é requerida numa perspectiva mercadológica,
o instrumento de efetivação das políticas educacionais de neocientificista, neoconservadora, orientada para implan-
adequação dos alunos à sociedade capitalista. Para o autor, tar-se nos países em desenvolvimento, como o Brasil”.
a escola tem servido aos interesses do Estado capitalista.

15
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Portanto, a educação no que concerne ao mercado A LDB trouxe para a escola a questão da gestão de-
pode ser vista sob dois aspectos concretos: mocrática, tratando-a de forma específica nos artigos que
- 1º, em relação à gestão da escola, com ênfase na se seguem, bem como a forma dessa construção coletiva
reorganização das funções administrativas, da participa- através do PPP e da participação da comunidade em Con-
ção coletiva, das parcerias, do voluntariado; selhos Escolares ou Colegiados.
- 2º, na busca da qualidade total.
Em relação ao primeiro aspecto, Bruno aponta para a Art. 14 – Os sistemas de ensino definirão as normas de
necessidade de promover formas consensuais de tomada gestão democrática do ensino público na educação básica,
de decisões, com a participação dos sujeitos envolvidos, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os se-
o que constitui uma estratégia para prevenir conflitos e guintes princípios:
resistências que possam obstruir a implementação das I- Participação dos profissionais da educação na elabo-
medidas consideradas necessárias. O segundo aspecto, ração do projeto político-pedagógico da escola;
transplantado do setor privado para o setor público, diz II- Participação das comunidades escolar e local em
respeito ao modelo de qualidade total e busca a eficiência conselhos escolares ou equivalentes.
dos resultados com a redução de custos, enfatizando a re-
lação entre consumidor e cliente. PPP: Contribuições
Analisar as políticas educacionais requer a compreen-
são de um novo panorama na forma de organização das O PPP representa a escola, ou seja, expõe, exibe, re-
sociedades, do modo de produção e de relações entre as vela, mostra a sua organização, a sua prática pedagógica
pessoas. e administrativa num movimento contínuo que envolve
Nessa ótica, impossível pensar a educação sem pen- diversos profissionais da educação e suas relações com a
sar nas alterações da base produtiva, nas exigências de comunidade escolar inserida num dado tempo num dado
reorganização do capital, sempre explicitadas pela cons- local, como sujeitos históricos e críticos, revelando, ainda,
tante modernização do sistema. Nesse sentido, impossível as contradições presentes na função social da escola.
pensar a educação fora do espectro da contradição que Portanto, a construção do PPP revela os interesses da
põe lado a lado a mudança e a permanência, que impõe comunidade escolar, suas expectativas dentro da esfera do
novas formas de trabalho no interior da mesma relação de coletivo, buscando uma gestão democrática na definição
produção, que aciona velhas atitudes, apenas maquiadas da ação de cada um e das ações conjuntas. Nesse sentido,
pelo velho dogma do mercado. a sua construção terá sempre o caráter político. “Por isso,
todo projeto pedagógico da escola é, também, um projeto
O processo histórico como caminho para o entendi- político por estar intimamente articulado ao compromisso
mento da educação, enquanto prática social construída sociopolítico com os interesses reais e coletivos da popu-
materialmente, nos auxilia a perceber que os fatos não lação majoritária”.
acontecem por acaso e, sim que estão ligados por um Para efeito deste artigo, o PPP será entendido como
conjunto de fatores materiais, que alteram nosso modo de elemento colaborador no processo de gestão democrática
vida e produção conforme os interesses hegemônicos do nas práticas diárias no trabalho pedagógico e na organi-
momento histórico. zação. Essa colaboração só poderá ser efetivada se o PPP
O pressuposto básico é que a educação é impactada representar, de fato, um projeto emancipador e não um
pela lógica do capital, ou seja, os processos educacionais simples documento organizado de forma a atender as exi-
e os processos sociais mais abrangentes de reprodução gências burocráticas.
estão intimamente interligados. Portanto, limitar uma Veiga explicita a diferença na construção do PPP en-
mudança educacional radical às margens corretivas inte- quanto inovação regulatória ou inovação emancipatória.
resseiras do capital significa abandonar de uma só vez, Enquanto o primeiro está voltado para a burocratização,
conscientemente ou não, o objetivo de uma transforma- cumprindo normas técnicas, de cunho político-adminis-
ção social qualitativa. Do mesmo modo, contudo, procurar trativo, que geram um produto, no caso, um documento
margens de reforma sistêmica na própria estrutura do sis- pronto e acabado, no segundo, a opção pela inovação com
tema do capital é uma contradição em termos. É por isso a participação dos diferentes atores, em um contexto his-
que é necessário romper com a lógica do capital se quiser- tórico e social, propicia a argumentação, a comunicação e
mos contemplar a criação de uma alternativa educacional a solidariedade.
significativamente diferente. Nesse aspecto, o PPP permite a realização de um
trabalho mais comprometido com as ações definidas no
A clareza da relação entre educação e capital nos im- conjunto dos participantes, podendo e devendo provocar
pele a buscar caminhos através da inter-relação das po- mudanças na organização do trabalho pedagógico e rom-
líticas educacionais e das mudanças na prática. Uma das pendo com um modelo de trabalho isolado e fragmentado.
formas de materializar as mudanças propostas pelas po-
líticas educacionais é a legislação. A LDB 9394/96 traduz Sob esta ótica, o projeto é um meio de engajamen-
as orientações dos organismos internacionais, apontando to coletivo para integrar ações dispersas, criar sinergias
para os princípios de produtividade, eficiência e qualidade no sentido de buscar soluções alternativas para diferentes
total. momentos do trabalho pedagógico-administrativo, desen-

16
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

volver o sentimento de pertença, mobilizar os protagonis- cussões para a elaboração do PPP não conta com a pre-
tas para a explicitação de objetivos comuns comum, defi- sença de todos os professores. Neste item, poderíamos
nindo o norte das ações a serem desencadeadas, fortalecer citar muitos motivos, mas indicaremos o que julgamos ser
a construção de uma coerência comum, mas indispensável, o principal, que é a divisão da carga horária do profes-
para que a ação coletiva produza seus efeitos. sor em diversas e diferentes escolas e sua rotatividade.
A atuação efetiva dos Conselhos Escolares, além de Essa situação gera a sensação de que ele não pertence
colaborar com a gestão democrática permite, concomitan- àquela comunidade, e a escola se torna apenas mais um
temente, a construção de um PPP graças ao qual propicia local de trabalho. Essa situação tende a descomprometer
espaço de participação nos processos decisórios da escola, o professor com os rumos da instituição e com a própria
evitando o corporativismo. construção do PPP.
O professor não é vítima nem culpado pela situação
Gestão e Organização do Trabalho Pedagógico vivenciada. Também não é o único profissional afetado
por esse sistema, apesar de fazer parte da maioria na es-
É necessário avançar e explicar o que entendemos por cola. O pedagogo dividido entre o administrativo e o pe-
gestão democrática no espaço da escola pública, como dagógico, exercendo funções burocráticas, entre outras
prática cotidiana na organização do trabalho pedagógico. atividades “corriqueiras”, próprias do pedagogo tarefei-
Para efeito deste ensaio, gestão, administração e coorde- ro, desvia-se da sua real função. Aliada a essa situação, a
nação serão utilizadas como sinônimos visando ampliar a complexidade da escola e a falta de pessoal, impede o de-
perspectiva do entendimento sobre o tema porquanto a senvolvimento de um trabalho voltado para as questões
organização e a gestão constituem o conjunto das condi- pedagógicas específicas e o próprio acompanhamento do
ções e dos meios utilizados para assegurar a qualidade da PPP. Outra necessidade é o pedagogo posicionar-se, de
instituição escolar, buscando alcançar os objetivos propos- fato, como articulador do trabalho pedagógico, exigindo
tos a partir das discussões de toda a comunidade escolar. pessoal para cumprir as atividades tarefeiras e emergen-
Conforme Paro, a administração de uma escola não ciais na escola, como inspetor de alunos, porteiro. É ne-
pode estar reduzida a métodos, técnicas e aparato buro- cessário observar se:
crático, como já foi dito anteriormente. A escola é portado-
ra de uma especificidade na sua organização, o que a torna A ênfase no “administrativo” apresenta-se assim, ao
diferente da administração de uma empresa. mesmo tempo, como opção preferencial face às peculia-
Portanto, a administração escolar, ou gestão escolar, ridades da disciplina e também como “proteção” face ao
diferencia-se da administração de organizações particula- complexo universo teórico-metodológico em que a dis-
res, pois não visa o lucro, mas sim o interesse público, asse- cussão sobre a educação se desenvolve.
gurando o caráter democrático da escola pública. É impossível fazer o Conselho de Classe de vinte tur-
Compreendendo que não apenas a gestão democráti- mas em um único sábado, exceto se destinarmos todos os
ca se configura como princípio na LDB 9394/96, mas tam- sábados de um mês para concretizar esse objetivo. Logo,
bém que o PPP é elemento aglutinador, ou seja, ambos re- o calendário é burlado para dar conta de atender a de-
presentam a legalidade a ser implementada nas unidades manda posta pelo número de alunos e turmas que exige
escolares, não é intuito nosso fazer apologia do PPP como tempo para discussões e busca de encaminhamentos para
salvador da escola, mas apenas utilizá-lo de fato como ele- cada caso.
mento legal para colaborar com a escola.
A comunidade escolar, ou seja, professores, alunos, Considerações Finais:
pais, direção e equipe pedagógica são considerados como
sujeitos ativos de todo o processo, de forma que a partici- A complexidade dos temas permitiu novos questio-
pação de cada um implica em clareza e conhecimento do namentos que respostas, a busca por uma análise crítica
seu papel, em relação ao papel dos demais, como corres- revelou os aspectos que devem ser observados na prática
ponsáveis. Além da participação, a autonomia constitui-se e na necessidade de um aprofundamento teórico. Com
um princípio básico da gestão democrática. Para que os a esperança de uma escola melhor, ousamos apontar al-
membros da comunidade escolar possam ser considerados guns encaminhamentos possíveis para a construção de
sujeitos ativos do processo é necessário refletirmos sobre a um PPP coletivo ou, pelo menos, para a discussão desses
forma de organização do trabalho escolar e as relações de temas.
poder neste espaço. - Analisar o Projeto Político Pedagógico implica em
Para Dourado, a gestão democrática constitui-se como considerar a gestão democrática para a sua construção;
um processo de aprendizado e de luta política, possibili- - Discutir o Projeto Político Pedagógico significa discu-
tando a criação e efetivação de canais de participação, de tir, concomitantemente, a organização do trabalho escolar;
aprendizado do “jogo democrático”, e tendo como resul- - O pedagogo como articulador das questões peda-
tado a reflexão das estruturas autoritárias, com vistas à sua gógicas necessita do coletivo para encaminhar o trabalho
transformação. na escola;
Apesar de partirmos do pressuposto de que há uma - Não é possível propor intervenção na escola, sem,
construção coletiva, de fato essa construção não passa de primeiramente, analisar de forma crítica a participação da
um agrupamento de ideias que busca um consenso. As dis- comunidade escolar;

17
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

- O Colegiado Escolar pode representar um caminho A lógica burocrática constrói a organização do traba-
para a discussão da gestão democrática, como uma forma lho sobre uma regulamentação bastante estrita dos pa-
de participação coletiva; péis e das funções a serem preenchidas. O organograma
- Há necessidade da revisão dos “papéis” de cada um e estabelece relações de autoridade e cadeias hierárquicas
o compromisso com metas comuns; explícitas, os membros da organização sabem quem con-
- É necessário, ainda, compreender a “lógica” das políti- cebe e quem executa. A ideia do estabelecimento escolar
cas educacionais e suas perspectivas para a escola pública. como estrutura local-padrão, é uma resposta burocrática
à questão da educação escolar; em um sistema unificado
Fonte apenas variam o tamanho e, o modo de direção dos es-
OLIVEIRA, S. B. Disponível em http://www.pucpr.br/ tabelecimentos. A lógica burocrática é interiorizada pelos
atores, eles percebem seu papel e seu estatuto, sua zona
de autonomia, a divisão do trabalho, as relações de poder,
a gestão dos processos da mudança, os mecanismos de
ORGANIZAÇÃO DA ESCOLA CENTRADA NO controle, os atores não imaginam poder funcionar de ou-
PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO PLENO tro modo. Os conteúdos das lições são definidos, não de
DO EDUCANDO. acordo com as necessidades dos alunos, mas em função
de um número global de horas disponíveis. Tais parâmetros
gestionários representam uma matriz organizacional que
condiciona a vida escolar, reduz fortemente o desenvolvi-
mento das competências correspondentes, que se incum-
INOVAR NO INTERIOR DA ESCOLA
bem da elaboração e da introdução dos novos programas.
Esse modelo permitiu ajustar as modalidades de gestão e
TRURLER, M. G
controle das escolas, assegurando uma certa coerência e
uma igualdade formal de tratamento. Ele somente provo-
Organização do trabalho, lógicas de ação e auto-
cará mudanças das práticas se a prescrição for traduzida
nomia
de forma clara, for imposta de cima, for compatível com as
práticas já em vigor, etc.
Os estabelecimentos escolares constituem formas or-
Enquanto a lógica burocrática define e impõe proce-
ganizacionais que sobrevivem a muitas mudanças em sua
dimentos de trabalho em vista dos objetivos fixados, a ló-
missão, seu meio, seus recursos e, na renovação perma-
gica profissional limita o trabalho prescrito em função da
nente dos alunos, dos professores e dirigentes. Quando a
complexidade de situações singulares. A lógica profissional
busca de estabilidade passa a ser a lógica de uma organi-
na escola permaneceu por muito tempo limitada ao rela-
zação, suas características positivas têm um custo elevado
cionamento professores/alunos. Os professores inventam,
em rigidez, protecionismo territorial e medo da desordem.
menos do que pensam, seus gestos profissionais, muito
Os trabalhos sobre inovação mostram que a organi-
mais se apropriam da trama fornecida pela cultura profis-
zação burocrática e hierárquica do trabalho, não é o úni-
sional e pela organização escolar. O impacto de tais fatores
co freio a mudança. Nenhuma organização é tributária de
é diferente segundo o grau escolar: na escola de ensino
uma só lógica, e a escola se situa na confluência da lógica
fundamental, os docentes desempenham um papel impor-
burocrática e da lógica profissional.
tante, ao passo que a partir do ensino médio a ideologia
Existem organizações do trabalho mais abertas que
própria de cada disciplina dita as regras de funcionamento.
outras à mudança? Como conseguem encontrar um meio
A lógica profissional representa a via menos explícita e for-
termo entre a necessidade de abertura e a tendência na-
malizada da mudança, é um lento processo de adaptação
tural dos atores em querer preservar equilíbrios estáveis?
durante o qual as novas práticas se instauram conforme as
Há lógicas organizacionais que favorecem a mudança, não
necessidades. As novas políticas educacionais levam a uma
como resposta a uma situação excepcional, nem porque
ampliação da lógica profissional, quando os professores
seriam mais permeáveis do que outras às injunções das au-
são convidados a participar mais em todo o processo de
toridades, mas por integrarem-na sem crise e sem pressa?
inovação.
Os novos paradigmas organizacionais convidam a ul-
trapassar o pensamento científico clássico. À visão de um
Entretanto, há o risco de, através da maior autonomia,
universo como um mecanismo de relojoaria opõe-se àque-
se reforçar o isolamento e o individualismo dos diversos
la de um sistema vivo, instável e imprevisível, mais aberto e
atores envolvidos no processo de inovação. Uma lógica
criador. Vistos sob esse ângulo, os processos de mudança
profissional não harmonizada com um bom nível técnico
correspondem, inversamente, a uma dinâmica instável, ex-
leva os atores a confiarem mais em suas experiências pes-
pressão de uma multiplicidade de forças em interação que
soais do que nas informações que derivam da pesquisa em
ora convergem, ora se defrontam. Essa imagem está mais
educação. Alguns sistemas percebem os laços dos novos
próxima da realidade do que os modelos clássicos. Este pri-
princípios da gestão pública e os integram em seu discurso
meiro capítulo tenta descrever tal evolução, confrontará ló-
oficial, nem por isso passando ao ato no plano das práticas.
gica burocrática e lógica profissional, apresentará os novos
Em alguns sistemas, essa orientação torna-se progressiva-
princípios organizadores.
mente da ordem do possível. A organização profissional

18
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

valoriza o funcionamento colegial e participativo, os pro- natureza das questões a resolver, a destinação de tarefas é
cessos de decisão são pesados, lentos e ineficientes só o variável e modulável conforme a quantidade e a natureza
que se busca é um amplo consenso. Daí o número limitado dos problemas, a capacidade e a vontade dos atores de
de decisões inovadoras. Em nome da colegiatura os atores mobilizarem-se para um projeto. Isso também significa que
estabelecem a lógica da confiança. as escolas variarão no plano de seu nível de desempenho,
Priva-se então de um motor essencial da mudança: a enquanto se adaptarem a seu meio e explorarem novas
análise lúcida dos funcionamentos, dos êxitos e fracassos de vias para melhorar seu processo pedagógico.
uns e de outros. A lógica profissional aplica-se para apagar as
hierarquias. É mais agradável confessar que todos são pares, Tais configurações são novas, algumas equipes de pro-
graças a esse igualitarismo, o clima de trabalho é mais agra- fessores tentam, há anos, romper com a forma escolar tra-
dável, mas é possível haver inovação na negação da hetero- dicional, tais tentativas isoladas estiveram, na maioria das
geneidade das competências e na recusa de reconhecer uma vezes, destinadas ao fracasso, pois permaneceram confi-
liderança? Uma organização dominada pela lógica profissio- nadas em um espaço muito limitado de flexibilidade para
nal é tão conservadora quanto o conjunto de seus membros. “irem ao fim de sua lógica”. Por conseguinte, é lícito espe-
As duas lógicas estruturam o sistema escolar e as es- rar que os estabelecimentos escolares que se voltam para
colas. Elas influenciam tanto com a ordem quanto com a esse tipo de nova configuração desenvolvam uma série de
complexidade e garantem a estabilidade. Ao reunir as duas características que modifica favoravelmente a construção
lógicas organizacionais, a escola dotou-se de um funcio- do sentido de mudança.
namento irreversível que a encerra em um círculo vicioso Quando as escolas funcionam de acordo com uma ló-
difícil de romper. gica flexível, os professores são levados a desenvolver uma
Este círculo vicioso leva tanto as autoridades escolares série de competências que lhes permitem transformar a
quanto os diversos atores a uma estranha dança que só pedagogia. Em termos de organização do trabalho, signi-
pode resultar no fechamento e no contrassenso. fica que os professores se libertem das coações internas,
É preciso, voltar-se para uma lógica mais flexível e que eles se concedem o direito de se organizarem de outro
adaptativa, capaz de ultrapassar o saber prático, tácito e ar- modo. Uma organização flexível introduz uma visão dife-
tesanal de cada um, que é da ordem da consciência prática. rente da divisão do trabalho, as tarefas são analisadas e
Atualmente, concebemos o excesso das lógicas organiza- designadas de modo flexível, e não de acordo com regras
cionais existentes como uma evolução incerta e local. Os ato- e prerrogativas estabelecidas pela tradição.
res devem inventar novas formas de organização sem poder A gestão por redes oferece um meio não apenas de as-
referirem-se a um modelo claramente estabelecido. É preciso segurar a informação e o confronto entre os diversos grupos
considerar estruturas flexíveis onde tudo se atenue e se adap- de atores, mas, de permitir-lhes uma compreensão sistêmica
te à evolução, cada um toma iniciativas que permitem garantir das dinâmicas implicadas; o sentido é construído por inter-
a qualidade. Tanto a coordenação e a codificação estrita das médio desta compreensão, ao sabor das controvérsias em-
atividades quanto o isolamento e o “consenso frouxo” deixam preendidas e das experiências feitas por uns e outros.
o campo livre a uma lógica de arranjo, que permite a realiza- Isso pode permitir que se veja mais longe e que se cons-
ção de acordos locais não previstos. Existe, pois, uma relação cientize que, outros colegas, trabalhando em outras escolas,
entre a organização do trabalho e a mudança. Quanto mais a encontram problemas semelhantes, mas os percebem e re-
escola esteja submetida a injunções de inovação, menos ela solvem de maneiras distintas, o que pode gerar novas idéias.
poderá regulamentar sua atividade. Nenhuma pessoa ou instituição é completamente au-
tônoma, é importante, particularizar com muita clareza o
Os atores do sistema escolar tentam satisfazer duas terreno de autonomia buscado pelas escolas. Diante da
necessidades: estabilidade e mudança. A mudança os leva- grande diversidade das realidades e das necessidades do
rá a valorizar a flexibilidade e a negociação, não poderão, campo, a atitude predominante consiste em não mais in-
entretanto, renunciar a um mínimo de estabilidade. Todo vestir energia para produzir uma aparência de homogenei-
sistema escolar à procura de estabilidade proporcionar-se dade, ao contrário, aceitar que possam existir modalidades
á uma organização de trabalho que lhe permita limitar os organizacionais diferentes dentro de um quadro comum
riscos. Nossa experiência mostra que a mudança se de- aceito pelos parceiros. As escolas assumem a responsabili-
senvolve nos espaços ainda não programados, a partir de dade de desenvolver os dispositivos de ensino-aprendiza-
novas combinações entre os diferentes recursos existentes, gem apropriados em função das necessidades locais. Tra-
em um contexto que reconhece a divergência da maneira ta-se, da vontade explícita de uma flexibilização em favor
de pensar e fazer. Essas combinações organizam-se a par- de uma maior liberdade de ação e decisão concedida aos
tir da intuição, do engajamento e da “ousadia”, dos atores indivíduos e/ou escolas. Alguns esperam que a descentra-
do sistema escolar. A maneira pela qual eles construirão o lização leve os atores a resolverem os problemas com mais
- sentido da mudança – depende da flexibilidade organiza- criatividade e responsabilidade, assim como a desenvolve-
cional que lhes permitirá ou impedirá de integrar os novos rem soluções menos caras. Imaginam que a diversidade de
conceitos. Transposto ao sistema escolar e à escola, isso soluções introduzirá uma certa competição e, aumentará a
leva a um modelo de organização do trabalho que fica me- busca de qualidade nas escolas. Outros temem que a com-
nos burocrático e mais centrado nos funcionamentos infor- petição acarrete consequências nefastas, em função de
mais. As regras de organização são definidas em função da egoísmos e disputas de poder.

19
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

A escola é um lugar de exercício do poder, estruturado de garantir a coerência da ação pedagógica, visando a: de-
pelas estratégias de atores e seus jogos de poder. Dessas finir a qualidade dos serviços realizados; observar e avaliar
relações de poder depende, a autonomia da qual cada um os processos e condições básicas que determinam esses
dispõe. As relações de poder nunca se estabilizam, qual- serviços realizados; colocar o resultado desse processo de
quer novo acontecimento pode ameaçar os equilíbrios es- avaliação a serviço dos desenvolvimentos ulteriores.
tabelecidos.
A inovação é sempre suspeita de provocar uma ruptura A avaliação interna começa com um diagnóstico em-
nesta relação de poder pré-existente. Portanto a questão preendido, pelos professores e a direção da escola, a forma
de saber quem se beneficia com a mu dança é sempre per- mais simples consiste em conduzir uma análise do funcio-
tinente. namento do estabelecimento escolar, consegue-se assim
As relações sociais são arranjos que permitem viver em recolher um conjunto de dados que permitirão compreen-
paz relativa com os outros, a mudança pode ameaçar esse der melhor como a escola reage em face da mudança, an-
arranjo, dividindo grupos, marginalizando professores, etc. tecipar problemas, compilar as estratégias de resolução,
A inovação modifica os dados do problema e os arranjos definir prioridades e os critérios de êxito para avaliar a efi-
que permitam o modus vivendi, que deve às vezes ser re- cácia dos procedimentos, prestando contas de seu funcio-
construído integralmente. É nesse sentido que os proble- namento, uma equipe de professores, se conscientiza de
mas produzidos devem levar os atores a se empenharem suas forças e fraquezas. Esse passo não é fácil. Exige uma
na busca constante de coerência, é uma questão de justiça capacidade de descentração e vontade de mudança que
e de justeza. A construção do sentido de mudança é forte- não prosperam por si. Eis porque a avaliação interna só é
mente influenciada por esse mecanismo. realizável quando é acompanhada pelo desenvolvimento
Diante dos problemas de poder, de princípios de justi- de um clima de confiança dentro da escola sua construção
ça e de território, a inovação leva os atores a empenharem- deve preceder o estabelecimento de uma avaliação interna.
-se na negociação e no regateio, a fim de construir novos A avaliação interna constitui uma condição básica da trans-
acordos e convenções. parência e da avaliação externa.
Autonomia parcial significa: projeto coletivo original, Não se trata de distribuir boas ou más notas, nem de
explícito e negociado entre os parceiros no âmbito de um ceder à última moda, mas sim a construção de um sistema
conjunto de direitos e obrigações, relativamente ao Estado escolar que permita a reflexão permanente sobre a eficácia
e suas leis. A autonomia das escolas deve ser concedida das práticas, este é o objetivo principal de uma avaliação
com um equilíbrio entre regulamentos centralizadores e externa.
iniciativas locais. O sistema educativo só confiará na autoavaliação dos
O sistema limita-se a prescrever os eixos de orienta- professores, se a sua lucidez estiver acima de qualquer sus-
ção e os regulamentos, e pede às escolas para explicarem peita, tendo sido feita com total profissionalismo.
como trabalham nos campos que acabam de ser evocados, A mudança bem-sucedida não é consequência da sim-
se estabelece um sistema de acompanhamento e de avalia- ples substituição de um modelo de gestão antigo por um
ção externo que permite controlar a qualidade e a coerên- novo. Trata-se sim do resultado de um processo de cons-
cia da aplicação nos diversos estabelecimentos. trução coletiva que tem sentido quando os atores se mo-
A autonomia parcial levará, professores e diretores de bilizam, conseguem ultrapassar os jogos estratégicos e as
escolas, a afinarem os meios de autorregulação para alcan- relações de poder habituais para criarem e desenvolverem
çar os objetivos fixados, não só para eles mesmos como novos recursos e capacidades que permitirão ao sistema
também para prestarem contas a seus parceiros externo. guiar-se ou tornar a se orientar como um conjunto huma-
Após a primeira fase de concepção e de elaboração do no e não como uma máquina.
projeto, o exame da realidade obriga, a redimensionar as
exigências de uns e outros, o que exigirá negociações para A cooperação profissional
clarificarem as representações, e as novas responsabilida-
des que estas acarretam. A cooperação profissional não corresponde ao funcio-
Uma gestão que conceda mais autonomia às escolas namento da maior parte dos professores e dos estabeleci-
faz emergir um novo problema: como se vai, como se pode mentos escolares, o individualismo permanece no âmago
administrar a diversidade? Tais questões, tornam-se cen- da identidade profissional.
trais quando a ação de projeto confronta os diversos par- Entretanto, na maioria das escolas, já se verificam mu-
ceiros com o indispensável controle de qualidade. danças. Na busca de dispositivos de ensino – aprendiza-
gem, os professores trabalham mais em equipe, por outro
No contexto de uma organização do trabalho, a avalia- lado a maioria dos sistemas educacionais aplica-se em re-
ção baseia-se na maneira como os atores obedecem às re- formas que incitam uma maior cooperação entre os pro-
gras. Um dos grandes equívocos que espreitam as escolas fessores.
consiste em crer que a autonomia concedida lhes permiti- O modo de cooperação profissional inscrito na cultura
rá fugir de toda obrigação de prestar contas, no entanto, de um estabelecimento escolar influencia na maneira como
mais autonomia implica também em mais responsabilida- os professores reagem em face de uma mudança. Os mo-
de e transparência. Para que o sistema escolar permaneça dos de cooperação profissional seguem algumas tendên-
administrável ele é levado a estabelecer anteparos capazes cias mais ou menos comuns, a saber:

20
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Individualismo – oferece aos professores uma esfera Quanto à eficácia, é objeto de diferentes percepções,
quase “privada” contra os julgamentos e as intervenções uma vez que, nem todos têm a mesma ideia do que torna
externas. O professor operando sozinho introduz mudan- a escola eficaz.
ças eficazes em suas classes. A evolução da cultura depende da maneira como o
Balcanização: em algumas escolas os professores têm a ten- corpo docente consegue manter uma reflexão e comuni-
dência de associarem-se, mais, a determinados colegas criando cação em torno dos problemas profissionais. Cria-se uma
grupos, cada grupo defende suas posições em detrimento das dinâmica pela qual os atores conciliam seus objetivos, ne-
idéias de outros, o consenso é praticamente impossível. gociando em relação aos objetivos visados, construindo o
Grande família: um modo dentro do qual os membros sentido da mudança.
do corpo docente chegam a uma forma de coexistência
pacífica, que garante o respeito e o reconhecimento do ou- Um estabelecimento escolar em projeto
tro, conquanto que cada qual se submeta a um determina-
do conjunto de regras explícitas ou implícitas. As escolas que produzem efeitos notáveis sobre as apren-
dizagens dos alunos se apoiam nas mudanças que o sistema
Colegiatura forçada: este modo de relacionamento educativo introduz, aproveitam-se das reformas do sistema
ocorre onde a direção impõe procedimentos, cuja finalida- educativo, a não ser que as orientações de fora estejam em
de é levar os professores a concederem mais tempo e aten- forte contradição com sua cultura. Tal atitude supõe que as
ção à planificação e a execução de uma inovação, tende a escolas desenvolvam as competências e posturas necessárias
provocar desconfiança e estratégias defensivas. para definirem seus objetivos e construírem um projeto co-
mum. A existência de um projeto local poderia constituir um
Cooperação profissional: pode ser conceituada como fator favorável às reformas de conjunto, substituídas pelo pro-
um certo número de atitudes que devem ser construídas jeto de estabelecimento escolar, aumentando a oportunidade
a fim de criar: o hábito da ajuda e do apoio mútuo; um de uma aplicação das reformas. Essa visão da mudança dos
capital de confiança e franqueza mútuas; a participação de sistemas escolares oferece uma perspectiva dinâmica. Nessa
cada um nas decisões coletivas. Essas atitudes representam
perspectiva, o desenvolvimento escolar é percebido como um
uma clara evolução em relação aos funcionamentos mais
processo que permite às escolas assimilarem as mudanças ex-
individualistas. Convém lembrar que a cooperação profis-
teriores a seus próprios objetivos.
sional só se torna possível pela vontade obstinada de voltar
Nos interrogaremos, aqui, mais sobre o estabelecimen-
o essencial do processo para a perseguição de um objetivo
to escolar em projeto, do que sobre o “projeto de estabele-
comum que vise à ampliação das competências individuais
cimento escolar” desenvolvido por administrações centrais
e coletivas que garantam o bom resultado dos alunos.
que de tanto normatizarem a ação de projeto correm o
A relação com a mudança na cultura do estabeleci- risco de esvaziá-la de seu sentido.
mento escolar A realidade da escola é feita de urgências, e muitas de-
cisões são tomadas na incerteza. Diante de tal realidade,
Cada escola tem sua própria atmosfera, como reflexo uma parte dos atores investe em um processo de proje-
de cultura, exerce uma forte influência sobre aqueles que to para lutar contra a desmotivação e a avareza mental,
ali trabalham. A cultura de uma escola é construída pelos fixando-se metas coletivas. Muitos sistemas escolares in-
atores, mesmo que essa construção permaneça, em grande centivam os estabelecimentos a colocarem o seu projeto
parte, inconsciente. Ela é a soma das soluções que funcio- por escrito, os estabelecimentos veem-se, assim, levados a
naram bem para acabarem prosperando e serem transmiti- explicitar o que, habitualmente, permanece implícito. Mas,
das aos recém-chegados. A mudança é uma categoria bási- afinal, o que é exatamente um processo de projeto? O pro-
ca do pensamento, até os professores mais conservadores jeto é a imagem de uma situação, de um estado pensado
formam projetos de mudança. A maneira como cada um que se tem a intenção de alcançar. Nas sociedades moder-
pensa a mudança, funda-se em uma história pessoal e na nas, a ideia de projeto tornou-se inseparável de nossa visão
integração a diversos grupamentos sociais, a cultura ine- da ação e do sentido da ação seja ela individual ou coletiva.
rente a cada escola contribui também para influenciar cada
um, ela é um código comum, que permite ficar no mesmo As novas modalidades de gestão transformam necessi-
comprimento de onda quando sobrevém uma reforma. dade em virtude; já que não se pode impedir os indivíduos
De acordo com a situação do estabelecimento escolar e os grupos de terem uma identidade, um projeto e estra-
e de suas culturas, pode-se prever que algumas reformas tégias é melhor reconhecê-lo e integrar, transformando-o
estariam destinadas ao fracasso antes mesmo de terem co- em vantagem gestionária, propiciando maior controle. Essa
meçado, a cultura local determinará as necessidades sen- abordagem constitui os membros de um mesmo estabele-
tidas, a maneira como os professores irão julgar o valor da cimento escolar como ator coletivo, o que os obriga a se
mudança, interagir, tentar e confrontar suas experiências. colocarem em busca de um projeto comum. Quem pensa
A cultura não tem chefe, mas os dirigentes e os profes- são indivíduos que converterão o processo de projeto em
sores que exercem liderança podem modificá-la progres- ilusão ou ferramenta para a ação. Sobre essa base, parece-
sivamente. Frente a uma inovação prescrita pelo sistema, -nos possível apostar no processo de projeto na escala dos
a cultura da escola sugere prioridades que influenciam a estabelecimentos escolares, visto que ele contribui para a
interpretação do programa. construção cooperativa da mudança.

21
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

O projeto educativo corresponde ao projeto visada de consciência, é indispensável determinar tal “zona” a fim
simbólica, como orientação global. Se ele existe e os pro- de saber a quais desafios é possível se exporem, para che-
fessores a ele aderem, embasa o projeto de estabelecimen- garem a transformações da identidade coletiva que per-
to. mitam a utilização dos novos saberes de forma duradoura.
O projeto de estabelecimento escolar está mais pró-
ximo de um programa de ação que envolve o ator coleti- Os projetos garantem um desenvolvimento das com-
vo, constituído pelos professores que trabalham naquele petências profissionais que baste para produzir efeitos
estabelecimento escolar e que, se tornou pessoa moral. É duráveis? Os projetos estão fundados em uma avaliação
importante que a maioria dos professores se associe a um suficientemente sutil da pertinência das práticas em curso
projeto de estabelecimento escolar para que ele seja digno e garantem um acréscimo de valor?
desse nome. Se essas possibilidades forem mal avaliadas é provável
A preocupação de clarificar o projeto educativo co- que o aluno não obtenha o benefício esperado da situação
mum leva uma comunidade pedagógica a indagar-se so- com que se acha confrontado. Para que a situação seja por-
bre sua identidade. Isso leva a enunciar valores que vão tadora de sentido, a mudança prevista deve estar próxima
inspirar a ação. de suas preocupações, oferecendo, uma impressão de rup-
Um projeto educativo ao qual os professores aderem tura com as rotinas.
convocará, uma mudança organizada que chamaremos Entre investimentos a longo prazo, e resultados ime-
aqui de projeto de estabelecimento escolar como progra- diatos, a ação educativa muitas vezes hesita. A lógica “as-
ma de ação, cujas componentes definiremos do seguinte seguradora” pode assim, parecer a única em condições de
modo: uma fixação na história da organização e seu meio; criar a calma para encarar ações inovadoras.
um objetivo ambicioso a médio e longo prazo; um código A multiplicação dos projetos de estabelecimento es-
de valores; cenários para realizar o objetivo principal; um colar fez evoluir a maneira de trabalhar em conjunto. Ao
plano a médio prazo e um plano de ação; dimensões eco- projeto como forma social, associam-se diversas práticas,
nômicas, sociais, culturais e pedagógicas; uma intenção de reconhecidas como características. Não é pequeno o risco
comunicar-se e de avaliar; uma vontade explícita de capita- de ver a adoção dessas práticas fazer as vezes de projeto
lizar e teorizar a experiência. de estabelecimento escolar. É importante associar os pro-
Um projeto de estabelecimento pode fixar-se em um cessos de projeto a uma avaliação interna que verifique a
projeto educativo explícito ou implícito. A ação inovadora coerência entre os objetivos visados e as ações empreen-
corre o risco de esvaziar-se de seu sentido se o projeto não didas.
se transformar em um processo. O processo de projeto não Estando a cultura de cooperação e a do projeto de-
é um fim em si, mas, um dos componentes do estabele- sabrochando, grande parte dos projetos nasce na mente
cimento escolar que contribui para tornar os professores de algumas pessoas conquistadas pela ideia, é verdadeiro
atores da construção do sentido da mudança. para os projetos “espontâneos” e também para os projetos
O projeto de estabelecimento escolar é levado a fun- “solicitados” pelas autoridades escolares. Em ambos os ca-
cionar com três dimensões: capacidade individual e coleti- sos, a questão é saber como passar da iniciativa de alguns a
va de se projetar (lançar) em um futuro incerto, identidade um consenso tão amplo quanto possível sobre o princípio,
dos signatários do projeto representação coletiva, já que se o conteúdo, e as orientações de um projeto de estabele-
trata de um processo de exploração cooperativa. Quando cimento escolar. Durante o período em que a maioria vai
o projeto de estabelecimento escolar leva em conta essas aderindo a um “projeto de projeto”, manifestam-se oposi-
três dimensões, ele passa a ser uma ferramenta de mudan- ções, agravos, tomadas de poder, alianças e clivagens sem
ça, de aprendizagem organizacional. grande relação com o conteúdo. Procurar obter a adesão
Evocamos várias vezes a importância decisiva da coe- entusiasta de 99% dos professores da escola condenaria,
rência interna entre valores e ações, quando é o caso, é qualquer projeto a ser rapidamente abandonado, em geral
visível, para os alunos, que seus professores perseguem dá-se a partida com uma minoria ativa. Quais os fatores
os mesmos objetivos e os acompanham em um percurso que determinam a adesão?
de aprendizagem cuja meta é partilhada por todos. Não A adesão só ocorrerá se os interlocutores puderem en-
se deve confundir projeto com plano de ação, um projeto trever a manutenção de suas experiências ou a abertura
deve evitar a definição de um plano de estudos demasiado de demais caminhos de acesso a vantagens simbólicas ou
estreito e rígido, deve permitir ajustes tanto nas estruturas materiais é durante esta delicada passagem, da concepção
quanto nas práticas. O importante é que subsista um qua- por uma minoria à adesão coletiva, que se executa uma das
dro estável, que protegerá da dispersão e de um ativismo etapas decisivas do projeto. Administrar essa etapa com
extenuante, mais ainda, não seja utilizado por alguns para atenção garante uma saída melhor para o projeto, baseada
fins de tomada de poder. O essencial consiste em estabe- em confiança relativa, garantindo sua razão de ser, tanto
lecer alguns princípios organizadores do pensamento e da no presente quanto na continuidade. A mobilização geral
ação. Um projeto de estabelecimento escolar terá maiores da maioria, o consenso na análise prévia das necessidades
chances de êxito quando os objetivos visados forem realis- e a identificação coletiva dão lugar às divergências e à dis-
tas. Para que um projeto possa fazer a diferença, é neces- persão das forças nos momentos difíceis e precipitam os
sário que ele se inscreva na “zona de desenvolvimento pro- atores em uma fase de turbulências que pode representar
ximal” dos atores e seja capaz de penetrar em seus campos um simples vazio do processo de implementação. Nume-

22
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

rosas equipes desistem diante da ausência de efeitos a cur- conseguem aderir aos objetivos visados, se estão conven-
to ou médio prazo, ou mesmo diante da resistência dos cidos de que as apostas valem a pena e pensam que eles
principais interessados: os alunos. Mesmo um projeto de têm mais a ganhar do que a perder.
estabelecimento escolar que obtenha a concordância e o
apoio de grande maioria dos parceiros não tem garantia O estabelecimento escolar como organização
de sua longevidade. Um projeto de longa duração nunca aprendente
será totalmente aplicado por aqueles que o elaboraram. É
necessário concebe-lo de maneira que seja possível fazê- Um estabelecimento escolar pode ou não favorecer a
-lo durar, e utilizá-lo como instrumento de integração de mudança. É sua capacidade de adquirir experiência que o
recém-chegados. O projeto como explicação de uma iden- torna uma organização aprendente; adota uma aborda-
tidade coletiva não significa fechamento sobre si mesmo, gem mais positiva e profissionalizante, centrada na obriga-
mas sim, abertura para o futuro e para fora. ção de competências, visando à evolução tanto das repre-
sentações da profissão quanto das práticas pedagógicas e
Liderança e modos de exercício do poder à transformação da dinâmica do estabelecimento escolar,
em uma coesão essencialmente pedagógica, constituindo
Os processos de mudança não se desenvolvem por si este último em organização aprendente.
mesmos. Necessitam de uma orquestração ativa, a mudan- O estabelecimento escolar é definido como um grupo
ça choca-se com ações igualmente deliberadas para blo- de professores que assumem a responsabilidade de de-
queá-las. As influências não provêm unicamente daqueles senvolver os dispositivos de ensino e aprendizagem mais
que detêm uma autoridade formal. eficazes.
As noções de líder e de liderança referem-se mais a No desenvolvimento organizacional, os projetos de
uma influência real sobre o curso das coisas do que ao es- formação comum se limitam a alguns seminários durante
tatuto dos que a exercem. Qualquer membro de uma co- os quais os professores têm a ilusão de construir uma cul-
munidade exerce, de vez em quando, alguma influência. tura comum em relação a um tema que lhes parece central,
Alguns com mais frequência do que outros, o que carac- eles imaginam que realmente conseguirão modificar suas
terizará uma liderança se esta se mostrar regularmente so- práticas, enquanto observadores externos notam apenas
bre as decisões de um grupo. A noção de liderança como mudanças insignificantes.
influência regular define o líder, como “aquele que exerce Já, o desenvolvimento profissional ressalta as neces-
uma liderança em um determinado contexto”. sidades e apostas das pessoas que coexistem e cooperam
Os estabelecimentos escolares que se engajam em um dentro de um estabelecimento escolar, esboçando e reali-
processo de mudança deverão construir uma nova visão zando um projeto coletivo.
da gestão das relações de força e, se possível, substituir a Tal interpretação da formação contínua coloca os ato-
liderança autoritária por uma liderança cooperativa. A ideia res do estabelecimento escolar no centro do processo de
de liderança cooperativa designa uma liderança assumida desenvolvimento e o liga à mudança.
de modo cooperativo por um conjunto de atores, nenhum De acordo com esse modelo, os professores são per-
dos quais é líder formal ou informal o tempo todo, mas cebidos como membros de uma organização social, cor-
está abertamente voltado para a ação comum. A liderança responsáveis por seu desenvolvimento ulterior. Visto que
cooperativa rompe com a organização clássica do traba- são responsáveis de seu desenvolvimento profissional, os
lho dentro de um estabelecimento escolar, os membros do atores transformam suas necessidades, formulando proje-
grupo acham-se investidos de tarefas ou de funções que tos coletivos e investindo-se em sua aplicação.
eles assumem sem monopolizá-las duradouramente. A Para aumentar a eficácia da ação organizada dentro de
liderança cooperativa não reconhece hierarquias estáveis uma instituição, é necessário compreender sua cultura, é
nem líder permanente. A liderança é entendida como uma indispensável que os atores meçam a dinâmica e a comple-
força de transformação cultural e de desenvolvimento. Ela xidade do funcionamento coletivo para depois decidirem e
não suprime a função de diretor de escola, mas redefine, colocarem em prática novos funcionamentos.
o papel consistiria em tornar-se aquele que faz as compe- A ação organizada não é redutível às aprendizagens
tências emergirem, facilita a concepção e a aplicação de individuais, trata-se de um sistema de aprendizagens coor-
novas modalidades organizacionais, ele orquestra a ação denadas, sendo suficiente para fazer funcionar o conjunto,
coletiva para que esta possa tender para a transformação porque é de sua capacidade de transformar-se em organi-
das práticas. zação aprendente que depende o resultado de uma maior
A liderança cooperativa produz para cada pessoa uma eficácia da ação coletiva.
sobrecarga de trabalho, daí a necessidade de estabelecer
uma instância de coordenação responsável por: acompa- Conclusão
nhar os esforços de colocação em prática; informar todas
as partes envolvidas sobre o processo em curso; aproximar O estabelecimento escolar é um nível determinante do
e ligar os diferentes grupos de trabalho; organizar e animar destino reservado aos projetos de mudança, porque é ali
as sessões; instituir instâncias de conversa; criar lugares de que os professores trabalham e constroem o sentido de
decisão e de regulação. O papel dos líderes leva-os a veri- suas práticas profissionais, bem como as transformações
ficar constantemente se os diferentes membros do grupo que lhes são propostas, venham elas de dentro ou de fora.

23
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Seu resultado será coerente relativamente à cultura e A instituição de educação infantil deve tornar acessível
às relações sociais instituídas, nas quais as conversações a todas as crianças que a frequentam, indiscriminadamen-
se estabelecerão em torno desse novo objeto, a partir das te, elementos da cultura que enriquecem o seu desenvol-
tentativas e das reposições em discussão que uns e outros vimento e inserção social. Cumpre um papel socializador,
devam ou queiram permitir. propiciando o desenvolvimento da identidade das crianças,
Na verdade, a mudança leva tempo e só se realiza por por meio de aprendizagens diversificadas, realizadas em si-
etapas, conforme as quais os profissionais criam vínculos tuações de interação.
entre seus saberes de experiência e as novas idéias. O pro- Na instituição de educação infantil, pode-se oferecer às
cesso de mudança é, pois, um assunto de evolução conjun- crianças condições para as aprendizagens que ocorrem nas
ta dos valores, crenças, conceitos e práticas. brincadeiras e aquelas advindas de situações pedagógicas
Ao começar este trabalho, já estávamos convencidos intencionais ou aprendizagens orientadas pelos adultos. É
de que o sentido da mudança não é imposto, não é dado importante ressaltar, porém, que essas aprendizagens, de
de antemão nem é imutável. A mudança é construída na natureza diversa, ocorrem de maneira integrada no proces-
regulação interativa entre atores. so de desenvolvimento infantil.
Educar significa, portanto, propiciar situações de cui-
Se a hipótese construtivista é válida não apenas para dados, brincadeiras e aprendizagens orientadas de forma
os indivíduos, mas para as coletividades, como conseguir integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento
comprometê-las em um processo de construção coletiva das capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e
de longa duração? estar com os outros em uma atitude básica de aceitação,
Numerosos fóruns, publicações e debates são dedica- respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhe-
dos a essa problemática. Apesar dos debates, parece-nos cimentos mais amplos da realidade social e cultural. Neste
que, nos encontramos atualmente, bem no início de um processo, a educação poderá auxiliar o desenvolvimento
longo processo de “profissionalização” das práticas de das capacidades de apropriação e conhecimento das po-
inovação, seja na escala do sistema, do estabelecimento tencialidades corporais, afetivas, emocionais, estéticas e
escolar ou da classe. Tal processo levará todos os atores éticas, na perspectiva de contribuir para a formação de
a conduzirem a escola na aventura de uma “organização crianças felizes e saudáveis.
aprendente”. Nessa aventura, o estabelecimento escolar
pode e deve representar um nó estratégico. Cuidar

Referência Contemplar o cuidado na esfera da instituição da educa-


TRURLER, M. G. Inovar no interior da escola. ção infantil significa compreendê-lo como parte integrante
THURLER, Mônica Gather e MAULINI, Olivier (org.). A da educação, embora possa exigir conhecimentos, habilida-
organização do trabalho escolar: uma oportunidade para des e instrumentos que extrapolam a dimensão pedagógica.
repensar a escola. Porto Alegre: Penso, 2012. Ou seja, cuidar de uma criança em um contexto educativo
demanda a integração de vários campos de conhecimentos
e a cooperação de profissionais de diferentes áreas.
A base do cuidado humano é compreender como aju-
A INTEGRAÇÃO ENTRE EDUCAR E CUIDAR dar o outro a se desenvolver como ser humano. Cuidar
NA EDUCAÇÃO BÁSICA. significa valorizar e ajudar a desenvolver capacidades. O
cuidado é um ato em relação ao outro e a si próprio que
possui uma dimensão expressiva e implica em procedi-
mentos específicos.
Educar O desenvolvimento integral depende tanto dos cui-
dados relacionais, que envolvem a dimensão afetiva e dos
Nas últimas décadas, os debates em nível nacional e cuidados com os aspectos biológicos do corpo, como a
internacional apontam para a necessidade de que as insti- qualidade da alimentação e dos cuidados com a saúde,
tuições de educação infantil incorporem de maneira inte- quanto da forma como esses cuidados são oferecidos e das
grada as funções de educar e cuidar, não mais diferencian- oportunidades de acesso a conhecimentos variados.
do nem hierarquizando os profissionais e instituições que As atitudes e procedimentos de cuidado são influen-
atuam com as crianças pequenas e/ou aqueles que traba- ciados por crenças e valores em torno da saúde, da educa-
lham com as maiores. As novas funções para a educação ção e do desenvolvimento infantil. Embora as necessidades
infantil devem estar associadas a padrões de qualidade. humanas básicas sejam comuns, como alimentar-se, prote-
Essa qualidade advém de concepções de desenvolvimen- ger-se etc. as formas de identifica-las, valorizá-las e aten-
to que consideram as crianças nos seus contextos sociais, dê-las são construídas socialmente. As necessidades bási-
ambientais, culturais e, mais concretamente, nas interações cas podem ser modificadas e acrescidas de outras de acor-
e práticas sociais que lhes fornecem elementos relaciona- do com o contexto sociocultural. Pode-se dizer que além
dos às mais diversas linguagens e ao contato com os mais daquelas que preservam a vida orgânica, as necessidades
variados conhecimentos para a construção de uma identi- afetivas são também base para o desenvolvimento infantil.
dade autônoma.

24
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

A identificação dessas necessidades sentidas e expres-


sas pelas crianças, depende também da compreensão que PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO:
o adulto tem das várias formas de comunicação que elas, FUNDAMENTOS PARA A ORIENTAÇÃO, O
em cada faixa etária possuem e desenvolvem. Prestar aten- PLANEJAMENTO E A IMPLEMENTAÇÃO DAS
ção e valorizar o choro de um bebê e responder a ele com
AÇÕES EDUCATIVAS DA ESCOLA.
um cuidado ou outro depende de como é interpretada a
expressão de choro, e dos recursos existentes para respon-
der a ele. É possível que alguns adultos conversem com
o bebê tentando acalmá-lo, ou que peguem-no imediata-
mente no colo, embalando-o. Em determinados contextos Para Veiga e colegas, o projeto políticopedagógico tem
socioculturais, é possível que o adulto que cuida da crian- sido objeto de estudos para professores, pesquisadores e
ça, tendo como base concepções de desenvolvimento e instituições educacionais em níveis nacional, estadual e
aprendizagem infantis, de educação e saúde, acredite que municipal, em busca da melhoria da qualidade do ensino.
os bebês devem aprender a permanecer no berço, após O presente estudo tem a intenção de refletir acerca
serem alimentados e higienizados, e, portanto, não consi- da construção do projeto políticopedagógico, entendido
derem o embalo como um cuidado, mas como uma ação como a própria organização do trabalho pedagógico de
que pode “acostumar mal” a criança. Em outras culturas, o toda a escola.
embalo tem uma grande importância no cuidado de bebês, A escola é o lugar de concepção, realização e avaliação
tanto que existem berços próprios para embalar. de seu projeto educativo, uma vez que necessita organizar
O cuidado precisa considerar, principalmente, as ne- seu trabalho pedagógico com base em seus alunos. Nessa
cessidades das crianças, que quando observadas, ouvidas perspectiva, é fundamental que ela assuma suas responsa-
e respeitadas, podem dar pistas importantes sobre a qua- bilidades, sem esperar que as esferas administrativas supe-
lidade do que estão recebendo. Os procedimentos de cui- riores tomem essa iniciativa, mas que lhe deem as condições
dado também precisam seguir os princípios de promoção necessárias para levá-la adiante. Para tanto, é importante que
à saúde. Para se atingir os objetivos dos cuidados com a se fortaleçam as relações entre escola e sistema de ensino.
preservação da vida e com o desenvolvimento das capa- Para isso, começaremos conceituando projeto político-
cidades humanas, é necessário que as atitudes e procedi- pedagógico. Em seguida, trataremos de trazer nossas re-
mentos estejam baseados em conhecimentos específicos flexões para a análise dos princípios norteadores. Finaliza-
sobre o desenvolvimento biológico, emocional, e intelec- remos discutindo os elementos básicos da organização do
tual das crianças, levando em consideração as diferentes trabalho pedagógico, necessários à construção do projeto
realidades socioculturais. políticopedagógico.
Para cuidar é preciso antes de tudo estar comprometi-
do com o outro, com sua singularidade, ser solidário com O que é projeto políticopedagógico?
suas necessidades, confiando em suas capacidades. Disso
depende a construção de um vínculo entre quem cuida e No sentido etimológico, o termo projeto vem do latim
quem é cuidado. projectu, participio passado do verbo projicere, que significa
Além da dimensão afetiva e relacional do cuidado, é lançar para diante. Plano, intento, designio. Empresa, empreen-
preciso que o professor possa ajudar a criança a identificar dimento. Redação provisoria de lei. Plano geral de edificação.
suas necessidades e priorizá-las, assim como atendê-las de Ao construirmos os projetos de nossas escolas, plane-
forma adequada. Assim, cuidar da criança é sobretudo dar jamos o que temos intenção de fazer, de realizar. Lança-
atenção a ela como pessoa que está num contínuo cresci- mo-nos para diante, com base no que temos, buscando o
mento e desenvolvimento, compreendendo sua singulari- possível. É antever um futuro diferente do presente. Nas
dade, identificando e respondendo às suas necessidades. palavras de Gadotti: Todo projeto supõe rupturas com o
Isto inclui interessar-se sobre o que a criança sente, pensa, presente e promessas para o futuro. Projetar significa tentar
o que ela sabe sobre si e sobre o mundo, visando à am- quebrar um estado confortável para arriscar-se, atravessar
pliação deste conhecimento e de suas habilidades, que aos um período de instabilidade e buscar uma nova estabilidade
poucos a tornarão mais independente e mais autônoma. em função da promessa que cada projeto contém de estado
melhor do que o presente. Um projeto educativo pode ser
Referência: tomado como promessa frente a determinadas rupturas. As
Brasil. Ministério da Educação e do Desporto. Secre- promessas tornam visíveis os campos de ação possível, com-
taria de Educação Fundamental. Referencial curricular na- prometendo seus atores e autores.
cional para a educação infantil/Ministério da Educação e Nessa perspectiva, o projeto políticopedagógico vai
do Desporto, Vol. 1. Secretaria de Educação Fundamental. além de um simples agrupamento de planos de ensino e
— Brasília: MEC/SEF, 1998. de atividades diversas. O projeto não é algo que é construí-
do e em seguida arquivado ou encaminhado às autorida-
des educacionais como prova do cumprimento de tarefas
burocráticas. Ele é construído e vivenciado em todos os
momentos, por todos os envolvidos com o processo edu-
cativo da escola.

25
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

O projeto busca um rumo, uma direção. É uma ação temos que recorrer para a compreensão de nossa prática
intencional, com um sentido explícito, com um compromis- pedagógica. Nesse sentido, temos que nos alicerçar nos
so definido coletivamente. Por isso, todo projeto pedagó- pressupostos de uma teoria pedagógica crítica viável, que
gico da escola é, também, um projeto político por estar parta da prática social e esteja compromissada em solucio-
intimamente articulado ao compromisso sociopolítico com nar os problemas da educação e do ensino de nossa escola;
os interesses reais e coletivos da população majoritária. E uma teoria que subsidie o projeto políticopedagógico. Por
político no sentido de compromisso com a formação do sua vez, a prática pedagógica que ali se processa deve es-
cidadão para um tipo de sociedade. “A dimensão política tar ligada aos interesses da maioria da população. Faz-se
se cumpre na medida em que ela se realiza enquanto práti- necessário, também, o domínio das bases teóricometo-
ca especificamente pedagógica”. Na dimensão pedagógica dológicas indispensáveis à concretização das concepções
reside a possibilidade da efetivação da intencionalidade da assumidas coletivamente. Mais do que isso, afirma Freitas,
escola, que é a formação do cidadão participativo, respon- (...) as novas formas têm que ser pensadas em um contexto
sável, compromissado, crítico e criativo. É pedagógico no de luta, de correlações de força - às vezes favoráveis, às
sentido de definir as ações educativas e as características vezes desfavoráveis. Terão que nascer no próprio “chão da
necessárias às escolas para cumprir seus propósitos e sua escola”, com apoio dos professores e pesquisadores. Não
intencionalidade. poderão ser inventadas por alguém, longe da escola e da
Político e pedagógico têm, assim, uma significação in- luta da escola.
dissociável. Nesse sentido é que se deve considerar o pro- Isso significa uma enorme mudança na concepção do
jeto políticopedagógico como um processo permanente projeto políticopedagógico e na própria postura da admi-
de reflexão e discussão dos problemas da escola, na busca nistração central. Se a escola se nutre da vivência cotidiana
de alternativas viáveis à efetivação de sua intencionalidade, de cada um de seus membros, coparticipantes de sua or-
que “não é descritiva ou constatativa, mas é constitutiva”. ganização do trabalho pedagógico à administração central,
Por outro lado, propicia a vivência democrática necessária seja o Ministério da Educação, a Secretaria de Educação Es-
para a participação de todos os membros da comunidade tadual ou Municipal, não compete a eles definir um modelo
escolar e o exercício da cidadania. Pode parecer complica- pronto e acabado, mas sim estimular inovações e coorde-
do, mas se trata de uma relação recíproca entre a dimensão nar as ações pedagógicas planejadas e organizadas pela
política e a dimensão pedagógica da escola. própria escola. Em outras palavras, as escolas necessitam
O projeto políticopedagógico, ao se constituir em pro- receber assistência técnica e financeira decidida em con-
cesso democrático de decisões, preocupa-se em instaurar junto com as instâncias superiores do sistema de ensino.
uma forma de organização do trabalho pedagógico que Isso pode exigir, também, mudanças na própria lógica
supere os conflitos, buscando eliminar as relações compe- de organização das instâncias superiores, implicando uma
titivas, corporativas e autoritárias, rompendo com a rotina mudança substancial na sua prática.
do mando impessoal e racionalizado da burocracia que Para que a construção do projeto políticopedagógico
permeia as relações no interior da escola, diminuindo os seja possível não é necessário convencer os professores, a
efeitos fragmentários da divisão do trabalho que reforça as equipe escolar e os funcionários a trabalhar mais, ou mobi-
diferenças e hierarquiza os poderes de decisão. lizá-los de forma espontânea, mas propiciar situações que
Desse modo, o projeto políticopedagógico tem a ver lhes permitam aprender a pensar e a realizar o fazer peda-
com a organização do trabalho pedagógico em dois níveis: gógico de forma coerente.
como organização de toda a escola e como organização O ponto que nos interessa reforçar é que a escola não
da sala de aula, incluindo sua relação com o contexto so- tem mais possibilidade de ser dirigida de cima para baixo e
cial imediato, procurando preservar a visão de totalidade. na ótica do poder centralizador que dita as normas e exer-
Nesta caminhada será importante ressaltar que o projeto ce o controle técnico burocrático. A luta da escola é para a
políticopedagógico busca a organização do trabalho peda- descentralização em busca de sua autonomia e qualidade.
gógico da escola na sua globalidade. Do exposto, o projeto políticopedagógico não visa
A principal possibilidade de construção do projeto po- simplesmente a um rearranjo formal da escola, mas a uma
líticopedagógico passa pela relativa autonomia da escola, qualidade em todo o processo vivido. Vale acrescentar, ain-
de sua capacidade de delinear sua própria identidade. Isso da, que a organização do trabalho pedagógico da escola
significa resgatar a escola como espaço público, como lu- tem a ver com a organização da sociedade. A escola nessa
gar de debate, do diálogo fundado na reflexão coletiva. perspectiva é vista como uma instituição social, inserida na
Portanto, é preciso entender que o projeto políticopedagó- sociedade capitalista, que reflete no seu interior as deter-
gico da escola dará indicações necessárias à organização minações e contradições dessa sociedade.
do trabalho pedagógico que inclui o trabalho do professor
na dinâmica interna da sala de aula, ressaltado anterior- Princípios norteadores do projeto políticopedagó-
mente. gico
Buscar uma nova organização para a escola constitui
uma ousadia para educadores, pais, alunos e funcionários. A abordagem do projeto políticopedagógico, como
Para enfrentarmos essa ousadia, necessitamos de um re- organização do trabalho de toda a escola, está fundada
ferencial que fundamente a construção do projeto políti- nos princípios que deverão nortear a escola democrática,
copedagógico. A questão é, pois, saber a qual referencial pública e gratuita:

26
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

a) Igualdade de condições para acesso e permanência nência do aluno na sala de aula, o que vem provocando
na escola. Saviani alerta-nos para o fato de que há uma de- a marginalização das classes populares. Esse compromisso
sigualdade no ponto de partida, mas a igualdade no ponto implica a construção coletiva de um projeto políticopeda-
de chegada deve ser garantida pela mediação da escola. gógico ligado à educação das classes populares.
O autor destaca que “só é possível considerar o processo A gestão democrática exige a compreensão em profundi-
educativo em seu conjunto sob a condição de se distinguir dade dos problemas postos pela prática pedagógica. Ela visa
a democracia como possibilidade no ponto de partida e romper com a separação entre concepção e execução, entre
democracia como realidade no ponto de chegada”. o pensar e o fazer, entre teoria e prática. Busca resgatar o con-
trole do processo e do produto do trabalho pelos educadores.
Igualdade de oportunidades requer, portanto, mais A gestão democrática implica principalmente o repen-
que a expansão quantitativa de ofertas; requer ampliação sar da estrutura de poder da escola, tendo em vista sua
do atendimento com simultânea manutenção de qualida- socialização. A socialização do poder propicia a prática da
de. participação coletiva, que atenua o individualismo; da reci-
b) Qualidade que não pode ser privilégio de minorias procidade, que elimina a exploração; da solidariedade, que
econômicas e sociais. O desafio que se coloca ao projeto supera a opressão; da autonomia, que anula a dependência
políticopedagógico da escola é o de propiciar uma quali- de órgãos intermediários que elaboram políticas educacio-
dade para todos. nais das quais a escola é mera executora.
A qualidade que se busca implica duas dimensões in- A busca da gestão democrática inclui, necessariamen-
dissociáveis: a formal ou técnica e a política. Uma não está te, a ampla participação dos representantes dos diferentes
subordinada à outra; cada uma delas tem perspectivas pró- segmentos da escola nas decisões/ações administrativo-
prias. -pedagógicas ali desenvolvidas. Nas palavras de Marques:
A primeira enfatiza os instrumentos e os métodos, a “A participação ampla assegura a transparência das deci-
técnica. A qualidade formal não está afeita, necessaria- sões, fortalece as pressões para que sejam elas legítimas,
mente, a conteúdos determinados. Demo afirma que a garante o controle sobre os acordos estabelecidos e, so-
qualidade formal “significa a habilidade de manejar meios, bretudo, contribui para que sejam contempladas questões
instrumentos, formas, técnicas, procedimentos diante dos que de outra forma não entrariam em cogitação”.
desafios do desenvolvimento”. Nesse sentido, fica claro entender que a gestão demo-
A qualidade política é condição imprescindível da par- crática, no interior da escola, não é um princípio fácil de ser
ticipação. Está voltada para os fins, valores e conteúdos. consolidado, pois se trata da participação crítica na cons-
Quer dizer “a competência humana do sujeito em termos trução do projeto políticopedagógico e na sua gestão.
de se fazer e de fazer história, diante dos fins históricos da d) Liberdade é outro princípio constitucional. O princípio
sociedade humana”. da liberdade está sempre associado à ideia de autonomia.
Nessa perspectiva, o autor chama atenção para o fato O que é necessário, portanto, como ponto de partida, é
de que a qualidade se centra no desafio de manejar os ins- o resgate do sentido dos conceitos de autonomia e liber-
trumentos adequados para fazer a história humana. A qua- dade. A autonomia e a liberdade fazem parte da própria
lidade formal está relacionada com a qualidade política e natureza do ato pedagógico. O significado de autonomia
esta depende da competência dos meios. remete-nos para regras e orientações criadas pelos pró-
A escola de qualidade tem obrigação de evitar de to- prios sujeitos da ação educativa, sem imposições externas.
das as maneiras possíveis a repetência e a evasão. Tem que Para Rios, a escola tem uma autonomia relativa e a li-
garantir a meta qualitativa do desempenho satisfatório de berdade é algo que se experimenta em situação e esta é
todos. Qualidade para todos, portanto, vai além da meta uma articulação de limites e possibilidades. Para a autora,
quantitativa de acesso global, no sentido de que as crian- a liberdade é uma experiência de educadores e constrói-se
ças em idade escolar entrem na escola. É preciso garantir na vivência coletiva, interpessoal. Portanto, “somos livres
a permanência dos que nela ingressarem. Em síntese, qua- com os outros, não apesar dos outros”. Se pensamos na
lidade “implica consciência crítica e capacidade de ação, liberdade na escola, devemos pensá-la na relação entre
saber e mudar”. administradores, professores, funcionários e alunos que aí
O projeto políticopedagógico, ao mesmo tempo em assumem sua parte de responsabilidade na construção do
que exige de educadores, funcionários, alunos e pais a projeto políticopedagógico e na relação destes com o con-
definição clara do tipo de escola que intentam, requer a texto social mais amplo.
definição de fins. Assim, todos deverão definir o tipo de Heller afirma que:
sociedade e o tipo de cidadão que pretendem formar. As A liberdade é sempre liberdade para algo e não ape-
ações específicas para a obtenção desses fins são meios. nas liberdade de algo. Se interpretarmos a liberdade apenas
Essa distinção clara entre fins e meios é essencial para a como o fato de sermos livres de alguma coisa, encontramo-
construção do projeto políticopedagógico. -nos no estado de arbítrio, definimo-nos de modo negativo.
c) Gestão democrática é um princípio consagrado pela A liberdade é uma relação e, como tal, deve ser continua-
Constituição vigente e abrange as dimensões pedagógica, mente ampliada. O próprio conceito de liberdade contém o
administrativa e financeira. Ela exige uma ruptura histórica conceito de regra, de reconhecimento, de intervenção recí-
na prática administrativa da escola, com o enfrentamento proca. Com efeito, ninguém pode ser livre se, em volta dele,
das questões de exclusão e reprovação e da não-perma- há outros que não o são!

27
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Por isso, a liberdade deve ser considerada, também, É preciso ter consciência de que a dominação no in-
como liberdade para aprender, ensinar, pesquisar e divul- terior da escola efetiva-se por meio das relações de poder
gar a arte e o saber direcionados para uma intencionalida- que se expressam nas práticas autoritárias e conservadoras
de definida coletivamente. dos diferentes profissionais, distribuídos hierarquicamen-
e) Valorização do magistério é um princípio central na te, bem como por meio das formas de controle existentes
discussão do projeto políticopedagógico. no interior da organização escolar. Como resultante des-
A qualidade do ensino ministrado na escola e seu su- sa organização, a escola pode ser descaracterizada como
cesso na tarefa de formar cidadãos capazes de participar instituição histórica e socialmente determinada, instância
da vida socioeconómica, política e cultural do país relacio- privilegiada da produção e da apropriação do saber. As
nam-se estreitamente a formação (inicial e continuada), instituições escolares representam «armas de contestação
condições de trabalho (recursos didáticos, recursos físicos e luta entre grupos culturais e econômicos que têm dife-
e materiais, dedicação integral à escola, redução do núme- rentes graus de poder». Por outro lado, a escola é local de
ro de alunos na sala de aula etc), remuneração, elementos desenvolvimento da consciência crítica da realidade.
esses indispensáveis à profissionalização do magistério. Acreditamos que os princípios analisados e o apro-
A melhoria da qualidade da formação profissional e a fundamento dos estudos sobre a organização do trabalho
valorização do trabalho pedagógico requerem a articula- pedagógico trarão contribuições relevantes para a com-
ção entre instituições formadoras, no caso as instituições preensão dos limites e das possibilidades dos projetos po-
de ensino superior e a Escola Normal, e as agências em- lítico-pedagógicos voltados para os interesses das cama-
pregadoras, ou seja, a própria rede de ensino. A formação das menos favorecidas.
profissional implica, também, a indissociabilidade entre a Veiga acrescenta, ainda, que “a importância desses
formação inicial e a formação continuada. princípios está em garantir sua operacionalização nas es-
O reforço à valorização dos profissionais da educação, ga- truturas escolares, pois uma coisa é estar no papel, na le-
rantindo-lhes o direito ao aperfeiçoamento profissional per- gislação, na proposta, no currículo, e outra é estar ocor-
manente, significa “valorizar a experiência e o conhecimento rendo na dinâmica interna da escola, no real, no concreto”.
que os professores têm a partir de sua prática pedagógica”.
A formação continuada é um direito de todos os pro- Construindo o projeto políticopedagógico
fissionais que trabalham na escola, uma vez que ela não só
possibilita a progressão funcional baseada na titulação, na O projeto políticopedagógico é entendido, neste es-
qualificação e na competência dos profissionais, mas tam- tudo, como a própria organização do trabalho pedagógi-
bém propicia, fundamentalmente, o desenvolvimento pro- co da escola. A construção do projeto políticopedagógico
fissional dos professores articulado com as escolas e seus parte dos princípios de igualdade, qualidade, liberdade,
projetos. gestão democrática e valorização do magistério. A escola
A formação continuada deve estar centrada na escola e é concebida como espaço social marcado pela manifesta-
fazer parte do projeto políticopedagógico. Assim, compete à ção de práticas contraditórias, que apontam para a luta e/
escola: a) proceder ao levantamento de necessidades de for- ou acomodação de todos os envolvidos na organização do
mação continuada de seus profissionais; b) elaborar seu pro- trabalho pedagógico.
grama de formação, contando com a participação e o apoio O que pretendemos enfatizar é que devemos analisar
dos órgãos centrais, no sentido de fortalecer seu papel na e compreender a organização do trabalho pedagógico, no
concepção, na execução e na avaliação do referido programa. sentido de gestar uma nova organização que reduza os
Assim, a formação continuada dos profissionais da es- efeitos de sua divisão do trabalho, de sua fragmentação
cola compromissada com a construção do projeto político- e do controle hierárquico. Nessa perspectiva, a construção
pedagógico não deve se limitar aos conteúdos curriculares, do projeto políticopedagógico é um instrumento de luta,
mas se estender à discussão da escola de maneira geral e é uma forma de contrapor-se à fragmentação do trabalho
de suas relações com a sociedade. Daí, passarem a fazer pedagógico e sua rotinização, à dependência e aos efeitos
parte dos programas de formação continuada questões negativos do poder autoritário e centralizador dos órgãos
como cidadania, gestão democrática, avaliação, metodo- da administração central.
logia de pesquisa e ensino, novas tecnologias de ensino, A construção do projeto políticopedagógico, para ges-
entre outras. tar uma nova organização do trabalho pedagógico, passa
Veiga e Carvalho afirmam que “o grande desafio da pela reflexão anteriormente feita sobre os princípios. Acre-
escola, ao construir sua autonomia, deixando de lado seu ditamos que a análise dos elementos constitutivos da or-
papel de mera ‘repetidora’ de programas de ‘treinamento’, ganização trará contribuições relevantes para a construção
é ousar assumir o papel predominante na formação dos do projeto políticopedagógico.
profissionais”. Pelo menos sete elementos básicos podem ser apon-
Inicialmente, convém alertar para o fato de que essa tados:
tomada de consciência dos princípios norteadores do pro- a) as finalidades da escola;
jeto políticopedagógico não pode ter o sentido esponta- b) a estrutura organizacional; c
neísta de cruzar os braços diante da atual organização da ) o currículo;
escola, inibidora da participação de educadores, funcioná- d) o tempo escolar;
rios e alunos no processo de gestão. e) o processo de decisão;

28
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

f) as relações de trabalho; b) A estrutura organizacional


g) a avaliação.
A escola, de forma geral, dispõe basicamente de duas
a) As finalidades da escola estruturas: as administrativas e as pedagógicas. As primei-
A escola persegue finalidades. É importante ressaltar ras asseguram, praticamente, a locação e a gestão de re-
que os educadores precisam ter clareza das finalidades de cursos humanos, físicos e financeiros. Fazem parte, ainda,
sua escola. Para tanto, há necessidade de refletir sobre a das estruturas administrativas todos os elementos que têm
ação educativa que a escola desenvolve com base nas fi- uma forma material, como, por exemplo, a arquitetura do
nalidades e nos objetivos que ela define. As finalidades da edifício escolar e a maneira como ele se apresenta do pon-
escola referem-se aos efeitos intencionalmente pretendi- to de vista de sua imagem: equipamentos e materiais didá-
dos e almejados. ticos, mobiliário, distribuição das dependências escolares e
- Das finalidades estabelecidas na legislação em vigor, espaços livres, cores, limpeza e saneamento básico (água,
o que a escola persegue, com maior ou menor ênfase? esgoto, lixo e energia elétrica).
- Como é perseguida sua finalidade cultural, ou seja, a As pedagógicas, que, teoricamente, determinam a
de preparar culturalmente os indivíduos para uma melhor ação das administrativas, “organizam as funções educati-
compreensão da sociedade em que vivem? vas para que a escola atinja de forma eficiente e eficaz as
- Como a escola procura atingir sua finalidade política suas finalidades”.
e social, ao formar o indivíduo para a participação política As estruturas pedagógicas referem-se, fundamental-
que implica direitos e deveres da cidadania? mente, às interações políticas, às questões de ensino e
- Como a escola atinge sua finalidade de formação pro- aprendizagem e às de currículo. Nas estruturas pedagógi-
fissional, ou melhor, como ela possibilita a compreensão cas incluem-se todos os setores necessários ao desenvolvi-
do papel do trabalho na formação profissional do aluno? mento do trabalho pedagógico.
- Como a escola analisa sua finalidade humanística, ao A análise da estrutura organizacional da escola visa
procurar promover o desenvolvimento integral da pessoa? identificar quais estruturas são valorizadas e por quem, ve-
As questões levantadas geram respostas e novas inda- rificando as relações funcionais entre elas. É preciso ficar
gações por parte da direção, de professores, funcionários, claro que a escola é uma organização orientada por fina-
alunos e pais. O esforço analítico de todos possibilitará a lidades, controlada e permeada pelas questões do poder.
identificação de quais finalidades precisam ser reforçadas, A análise e a compreensão da estrutura organizacio-
quais as que estão relegadas e como elas poderão ser deta- nal da escola significam indagar sobre suas características,
lhadas de acordo com as áreas do conhecimento, das dife- seus polos de poder, seus conflitos - O que sabemos da
rentes disciplinas curriculares, do conteúdo programático. estrutura pedagógica? Que tipo de gestão está sendo pra-
É necessário decidir, coletivamente, o que se quer re- ticada? O que queremos e precisamos mudar na nossa es-
forçar dentro da escola e como detalhar as finalidades para cola? Qual é o organograma previsto? Quem o constitui e
atingir a almejada cidadania. qual é a lógica interna? Quais as funções educativas predo-
Alves afirma que é preciso saber se a escola dispõe de minantes? Como são vistas a constituição e a distribuição
alguma autonomia na determinação das finalidades e dos do poder? Quais os fundamentos regimentais? -, enfim, ca-
objetivos específicos. O autor enfatiza: “Interessará reter se racterizar do modo mais preciso possível a estrutura orga-
as finalidades são impostas por entidades exteriores ou se nizacional da escola e os problemas que afetam o processo
são definidas no interior do ‘território social’ e se são de- de ensino e aprendizagem, de modo a favorecer a tomada
finidas por consenso ou por conflito ou até se são matéria de decisões realistas e exequíveis.
ambígua, imprecisa ou marginal” (p. 19). Avaliar a estrutura organizacional significa questionar
Essa colocação está sustentada na ideia de que a es- os pressupostos que embasam a estrutura burocrática da
cola deve assumir, como uma de suas principais tarefas, o escola que inviabiliza a formação de cidadãos aptos a criar
trabalho de refletir sobre sua intencionalidade educativa. ou a modificar a realidade social. Para poderem realizar um
Nesse sentido, ela procura alicerçar o conceito de autono- ensino de qualidade e cumprir suas finalidades, as escolas
mia, enfatizando a responsabilidade de todos, sem deixar têm que romper com a atual forma de organização buro-
de lado os outros níveis da esfera administrativa educacio- crática que regula o trabalho pedagógico - pela conformi-
nal. Nóvoa nos diz que a autonomia é importante para “a dade às regras fixadas, pela obediência a leis e diretrizes
criação de uma identidade da escola, de um ethos científi- emanadas do poder central e pela cisão entre os que pen-
co e diferenciador, que facilite a adesão dos diversos atores sam e executam -, que conduz à fragmentação e ao con-
e a elaboração de um projeto próprio” (1992, p. 26). sequente controle hierárquico que enfatiza três aspectos
A ideia de autonomia está ligada à concepção eman- inter-relacionados: o tempo, a ordem e a disciplina.
cipadora da educação. Para ser autônoma, a escola não Nessa trajetória, ao analisar a estrutura organizacional,
pode depender dos órgãos centrais e intermediários que ao avaliar os pressupostos teóricos, ao situar os obstáculos
definem a política da qual ela não passa de executora. Ela e vislumbrar as possibilidades, os educadores vão desve-
concebe seu projeto políticopedagógico e tem autonomia lando a realidade escolar, estabelecendo relações, definin-
para executá-lo e avaliá-lo ao assumir uma nova atitude do finalidades comuns e configurando novas formas de
de liderança, no sentido de refletir sobre suas finalidades organizar as estruturas administrativas e pedagógicas para
sociopolíticas e culturais. a melhoria do trabalho de toda a escola na direção do que

29
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

se pretende. Assim, considerando o contexto, os limites, os O quarto ponto refere-se à questão do controle social,
recursos disponíveis (humanos, materiais e financeiros) e já que o currículo formal (conteúdos curriculares, metodo-
a realidade escolar, cada instituição educativa assume sua logia e recursos de ensino, avaliação e relação pedagógica)
marca, tecendo, no coletivo, seu projeto políticopedagógi- implica controle. Por outro lado, o controle social é instru-
co, propiciando consequentemente a construção de uma mentalizado pelo currículo oculto, entendido este como as
nova forma de organização. “mensagens transmitidas pela sala de aula e pelo ambien-
te escolar”. Assim, toda a gama de visões do mundo, as
c) O currículo normas e os valores dominantes são passados aos alunos
Currículo é um importante elemento constitutivo da no ambiente escolar, no material didático e mais especi-
organização escolar. Currículo implica, necessariamente, a ficamente por intermédio dos livros didáticos, na relação
interação entre sujeitos que têm um mesmo objetivo e a pedagógica, nas rotinas escolares. Os resultados do currí-
opção por um referencial teórico que o sustente. culo oculto “estimulam a conformidade a ideais nacionais
Currículo é uma construção social do conhecimento, e convenções sociais ao mesmo tempo que mantêm desi-
pressupondo a sistematização dos meios para que essa gualdades socioeconómicas e culturais”.
construção se efetive; é a transmissão dos conhecimentos Moreira (1992), ao examinar as teorias de controle so-
historicamente produzidos e as formas de assimilá-los; por- cial que têm permeado as principais tendências do pensa-
tanto, produção, transmissão e assimilação são processos mento curricular, procurou defender o ponto de vista de
que compõem uma metodologia de construção coletiva do que controle social não envolve, necessariamente, orien-
conhecimento escolar, ou seja, o currículo propriamente tações conservadoras, coercitivas e de conformidade com-
dito. Nesse sentido, o currículo refere-se à organização do portamental. De acordo com o autor, subjacente ao dis-
conhecimento escolar. curso curricular crítico, encontra-se uma noção de controle
O conhecimento escolar é dinâmico e não uma mera social orientada para a emancipação. Faz sentido, então,
simplificação do conhecimento científico, que se adequaria falar em controle social comprometido com fins de liberda-
à faixa etária e aos interesses dos alunos. Daí a necessidade de que deem ao estudante uma voz ativa e crítica.
de promover, na escola, uma reflexão aprofundada sobre o Com base em Aronowitz e Giroux (1985), o autor cha-
processo de produção do conhecimento escolar, uma vez ma a atenção para o fato de que a noção crítica de controle
que ele é, ao mesmo tempo, processo e produto. A análise social não pode deixar de discutir “o contexto apropriado
e a compreensão do processo de produção do conheci- ao desenvolvimento de práticas curriculares que favoreçam
mento escolar ampliam a compreensão sobre as questões o bom rendimento e a autonomia dos estudantes e, em
curriculares. particular, que reduzam os elevados índices de evasão e
Na organização curricular é preciso considerar alguns repetência de nossa escola de primeiro grau”.
pontos básicos. O primeiro é o de que o currículo não é A noção de controle social na teoria curricular crítica é
um instrumento neutro. O currículo passa ideologia, e a mais um instrumento de contestação e resistência à ideo-
escola precisa identificar e desvelar os componentes ideo- logia veiculada por intermédio dos currículos, tanto do for-
lógicos do conhecimento escolar que a classe dominante mal quanto do oculto.
utiliza para a manutenção de privilégios. A determinação Orientar a organização curricular para fins emancipa-
do conhecimento escolar, portanto, implica uma análise in- tórios implica, inicialmente, desvelar as visões simplificadas
terpretativa e crítica, tanto da cultura dominante, quanto de sociedade, concebida como um todo homogêneo, e de
da cultura popular. O currículo expressa uma cultura. ser humano, como alguém que tende a aceitar papéis ne-
O segundo ponto é o de que o currículo não pode ser cessários à sua adaptação ao contexto em que vive. Con-
separado do contexto social, uma vez que ele é historica- trole social, na visão crítica, é uma contribuição e uma aju-
mente situado e culturalmente determinado. da para a contestação e a resistência à ideologia veiculada
O terceiro ponto diz respeito ao tipo de organização por intermédio dos currículos escolares.
curricular que a escola deve adotar. Em geral, nossas insti-
tuições têm sido orientadas para a organização hierárqui- d) O tempo escolar
ca e fragmentada do conhecimento escolar. Com base em O tempo é um dos elementos constitutivos da organi-
Bernstein (1989), chamo a atenção para o fato de que a zação do trabalho pedagógico. O calendário escolar orde-
escola deve buscar novas formas de organização curricu- na o tempo: determina o início e o fim do ano, prevendo
lar, em que o conhecimento escolar (conteúdo) estabeleça os dias letivos, as férias, os períodos escolares em que o
uma relação aberta e inter-relacione-se em torno de uma ano se divide, os feriados cívicos e religiosos, as datas re-
ideia integradora. Esse tipo de organização curricular, o au- servadas à avaliação, os períodos para reuniões técnicas,
tor denomina de currículo-integração. O currículo integra- cursos etc.
ção, portanto, visa reduzir o isolamento entre as diferentes O horário escolar, que fixa o número de horas por se-
disciplinas curriculares, procurando agrupá-las num todo mana e que varia em razão das disciplinas constantes na
mais amplo. grade curricular, estipula também o número de aulas por
Como alertaram Domingos et al., “cada conteúdo deixa professor. Tal como afirma Enguita: “Às matérias tornam-se
de ter significado por si só, para assumir uma importância equivalentes porque ocupam o mesmo número de horas
relativa e passar a ter uma função bem determinada e ex- por semana, e são vistas como tendo menor prestígio se
plícita dentro do todo de que faz parte”. ocupam menos tempo que as demais”.

30
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

A organização do tempo do conhecimento escolar é f) As relações de trabalho


marcada pela segmentação do dia letivo, e o currículo é, E importante reiterar que, quando se busca uma nova
consequentemente, organizado em períodos fixos de tem- organização do trabalho pedagógico, está se considerando
po para disciplinas supostamente separadas. O controle que as relações de trabalho, no interior da escola, deverão
hierárquico utiliza o tempo que muitas vezes é desperdiça- estar calcadas nas atitudes de solidariedade, de reciproci-
do e controlado pela administração e pelo professor. dade e de participação coletiva, em contraposição à orga-
Em resumo, quanto mais compartimentado for o tem- nização regida pelos princípios da divisão do trabalho, da
po, mais hierarquizadas e ritualizadas serão as relações fragmentação e do controle hierárquico. É nesse movimen-
sociais, reduzindo, também, as possibilidades de se institu- to que se verifica o confronto de interesses no interior da
cionalizar o currículo-integração que conduz a um ensino escola. Por isso, todo esforço de gestar uma nova organiza-
em extensão. ção deve levar em conta as condições concretas presentes
Enguita, ao discutir a questão de como a escola contri- na escola. Há uma correlação de forças e é nesse embate
bui para a inculcação da precisão temporal nas atividades que se originam os conflitos, as tensões, as rupturas, propi-
escolares, assim se expressa: ciando a construção de novas formas de relações de traba-
A sucessão de períodos muito breves - sempre de me- lho, com espaços abertos à reflexão coletiva que favoreçam
nos de uma hora -dedicados a matérias muito diferentes o diálogo, a comunicação horizontal entre os diferentes
entre si, sem necessidade de sequência lógica entre elas, segmentos envolvidos com o processo educativo, a des-
sem atender à melhor ou à pior adequação de seu conteú- centralização do poder. A esse respeito, Machado assume
do a períodos mais longos ou mais curtos e sem prestar a seguinte posição: “O processo de luta é visto como uma
nenhuma atenção à cadência do interesse e do trabalho forma de contrapor-se à dominação, o que pode contribuir
dos estudantes; em suma, a organização habitual do horá- para a articulação de práticas emancipatórias”.
rio escolar ensina ao estudante que o importante não é a A partir disso, novas relações de poder poderão ser
qualidade precisa de seu trabalho, a que o dedica, mas sua construídas na dinâmica interna da sala de aula e da escola.
duração. A escola é o primeiro cenário em que a criança e
o jovem presenciam, aceitam e sofrem a redução de seu g) A avaliação
trabalho a trabalho abstrato. Acompanhar e avaliar as atividades leva-nos à reflexão,
Para alterar a qualidade do trabalho pedagógico tor- com base em dados concretos sobre como a escola se orga-
na-se necessário que a escola reformule seu tempo, esta- niza para colocar em ação seu projeto políticopedagógico. A
belecendo períodos de estudo e reflexão de equipes de avaliação do projeto políticopedagógico, numa visão crítica,
educadores, fortalecendo a escola como instância de edu- parte da necessidade de conhecer a realidade escolar, busca
cação continuada. explicar e compreender criticamente as causas da existência
É preciso tempo para que os educadores aprofundem de problemas, bem como suas relações, suas mudanças e
seu conhecimento sobre os alunos e sobre o que estão se esforça para propor ações alternativas (criação coletiva).
aprendendo. E preciso tempo para acompanhar e avaliar o Esse caráter criador é conferido pela autocrítica.
projeto políticopedagógico em ação. É preciso tempo para Avaliadores que conjugam as ideias de uma visão glo-
os estudantes se organizarem e criarem seus espaços para bal analisam o projeto políticopedagógico não como algo
além da sala de aula. estanque, desvinculado dos aspectos políticos e sociais;
não rejeitam as contradições e os conflitos. A avaliação tem
e) O processo de decisão um compromisso mais amplo do que a mera eficiência e
Na organização formal de nossa escola, o fluxo das ta- eficácia das propostas conservadoras. Portanto, acompa-
refas, das ações e principalmente das decisões é orientado nhar e avaliar o projeto políticopedagógico é avaliar os re-
por procedimentos formalizados, prevalecendo as relações sultados da própria organização do trabalho pedagógico.
hierárquicas de mando e submissão, de poder autoritário Considerando a avaliação dessa forma, é possível sa-
e centralizador. lientar dois pontos importantes. Primeiro, a avaliação é um
Uma estrutura administrativa da escola, adequada à ato dinâmico que qualifica e oferece subsídios ao projeto
realização de objetivos educacionais, de acordo com os políticopedagógico. Segundo, ela imprime uma direção às
interesses da população, deve prever mecanismos que es- ações dos educadores e dos educandos.
timulem a participação de todos no processo de decisão. O processo de avaliação envolve três momentos: a
Isso requer uma revisão das atribuições específicas e ge- descrição e a problematização da realidade escolar, a com-
rais, bem como da distribuição do poder e da descentrali- preensão crítica da realidade descrita e problematizada e
zação do processo de decisão. Para que isso seja possível a proposição de alternativas de ação, momento de criação
é necessário que se instalem mecanismos institucionais vi- coletiva.
sando à participação política de todos os envolvidos com A avaliação, do ponto de vista crítico, não pode ser ins-
o processo educativo da escola. Paro (1993, p. 34) sugere a trumento de exclusão dos alunos provenientes das clas-
instalação de processos eletivos de escolha de dirigentes, ses trabalhadoras. Portanto, deve ser democrática, deve
colegiados com representação de alunos, pais, associação favorecer o desenvolvimento da capacidade do aluno de
de pais e professores, grêmio estudantil, processos coleti- apropriar-se de conhecimentos científicos, sociais e tecno-
vos de avaliação continuada dos serviços escolares etc. lógicos produzidos historicamente e deve ser resultante de
um processo coletivo de avaliação diagnostica.

31
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Gestão educacional decorrente da concepção do Os estudos de currículo: desenvolvimento e preocupa-


projeto políticopedagógico ções

A escola, para se desvencilhar da divisão do trabalho, Questões referentes ao currículo têm-se constituído
de sua fragmentação e do controle hierárquico, precisa em frequente alvo da atenção de autoridades, professores,
criar condições para gerar uma outra forma de organização gestores, pais, estudantes, membros da comunidade. Quais
do trabalho pedagógico. as razões dessa preocupação tão nítida e tão persistente?
A reorganização da escola deverá ser buscada de den- Será mesmo importante que nós, profissionais da educa-
tro para fora. O fulcro para a realização dessa tarefa será o ção, acompanhemos toda essa discussão e nela nos envol-
empenho coletivo na construção de um projeto político- vamos? Não será suficiente deixarmos que as autoridades
pedagógico, e isso implica fazer rupturas com o existente competentes tomem as devidas decisões sobre o que deve
para avançar. ser ensinado nas salas de aula? Para examinarmos possíveis
É preciso entender o projeto políticopedagógico da respostas a essas perguntas, talvez seja necessário esclare-
escola como uma reflexão de seu cotidiano. Para tanto, ela cer o que estamos entendendo pela palavra currículo, tão
precisa de um tempo razoável de reflexão e ação necessá- familiar a todos que trabalhamos nas escolas e nos sistemas
rio à consolidação de sua proposta. educacionais. Por causa dessa familiaridade, talvez não de-
A construção do projeto políticopedagógico requer diquemos muito tempo a refletir sobre o sentido do termo,
continuidade das ações, descentralização, democratização bastante frequente em conversas nas escolas, palestras a
do processo de tomada de decisões e instalação de um que assistimos, textos acadêmicos, notícias em jornais, dis-
processo coletivo de avaliação de cunho emancipatório. cursos de nossas autoridades e propostas curriculares ofi-
Finalmente, é importante destacar que o movimento ciais. À palavra currículo associam-se distintas concepções,
de luta e resistência dos educadores é indispensável para que derivam dos diversos modos de como a educação é
ampliar as possibilidades e apressar as mudanças que se concebida historicamente, bem como das influências teó-
fazem necessárias dentro e fora dos muros da escola. ricas que a afetam e se fazem hegemônicas em um dado
momento. Diferentes fatores sócioeconômico, políticos e
Referência: culturais contribuem, assim, para que currículo venha a ser
VEIGA, Ilma Passos Alencastro. (Org.) Projeto político- entendido como:
pedagógico da escola: uma construção possível. Papirus, (a) os conteúdos a serem ensinados e aprendidos;
2002. (b) as experiências de aprendizagem escolares a serem
vividas pelos alunos;
(c) os planos pedagógicos elaborados por professores,
escolas e sistemas educacionais;
CURRÍCULO E CULTURA: VISÃO (d) os objetivos a serem alcançados por meio do proces-
INTERDISCIPLINAR E TRANSVERSAL DO so de ensino;
CONHECIMENTO. (e) os processos de avaliação que terminam por influir
nos conteúdos e nos procedimentos selecionados nos dife-
CURRÍCULO: A VALORIZAÇÃO DAS
rentes graus da escolarização.
DIFERENÇAS INDIVIDUAIS, DE GÊNERO, Sem pretender considerar qualquer uma dessas ou de
ÉTNICAS E SOCIOCULTURAIS E O COMBATE outras concepções como certa ou como errada, já que elas
À DESIGUALDADE. refletem variados posicionamentos, compromissos e pon-
tos de vista teóricos, podemos afirmar que as discussões
sobre o currículo incorporam, com maior ou menor ênfa-
se, discussões sobre os conhecimentos escolares, sobre os
CURRÍCULO, CONHECIMENTO E CULTURA procedimentos e as relações sociais que conformam o ce-
nário em que os conhecimentos se ensinam e se aprendem,
O texto Currículo, Conhecimento e Cultura1, de An- sobre as transformações que desejamos efetuar nos alunos
tônio Flávio Moreira e Vera Maria Candau, apresenta ele- e alunas, sobre os valores que desejamos inculcar e sobre
mentos para reflexão texto sobre questões consideradas as identidades que pretendemos construir. Discussões so-
significativas no desenvolvimento do currículo nas escolas. bre conhecimento, verdade, poder e identidade marcam,
Analisa a estreita vinculação que há entre a concepção de invariavelmente, as discussões sobre questões curriculares.
currículo e as de Educação debatidas em um dado momen- Como estamos concebendo, então, a palavra currículo nes-
to. Nessa perspectiva, aborda a passagem recente da preo- te texto? Procurando resumir os aspectos acima menciona-
cupação dos pesquisadores sobre as relações entre currícu- dos, estamos entendendo currículo como as experiências
lo e conhecimento escolar para as relações entre currículo escolares que se desdobram em torno do conhecimento,
e cultura. Apresenta a construção do conhecimento escolar em meio a relações sociais, e que contribuem para a cons-
como característica da escola democrática que reconhece trução das identidades de nossos/as estudantes. Currículo
a multiculturalidade e a diversidade como elementos cons- associa-se, assim, ao conjunto de esforços pedagógicos de-
titutivos do processo ensino-aprendizagem. senvolvidos com intenções educativas. Por esse motivo, a
1 http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/Ensfund/indag3.pdf palavra tem sido usada para todo e qualquer espaço orga-

32
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

nizado para afetar e educar pessoas, o que explica o uso de lises desses estudos destacam como as preocupações dos
expressões como o currículo da mídia, o currículo da prisão pesquisadores têm-se deslocado das relações entre currí-
etc. Nós, contudo, estamos empregando a palavra currículo culo e conhecimento escolar para as relações entre currí-
apenas para nos referirmos às atividades organizadas por culo e cultura. Que aspectos têm provocado essa virada?
instituições escolares. Ou seja, para nos referirmos à escola. Por que o foco tão forte em questões culturais? Resumida-
Cabe destacar que a palavra currículo tem sido também mente, cabe reconhecer, hoje, a preponderância da esfera
utilizada para indicar efeitos alcançados na escola, que não cultural na organização de nossa vida social, bem como na
estão explicitados nos planos e nas propostas, não sendo teoria social contemporânea. O papel do educador no pro-
sempre, por isso, claramente percebidos pela comunidade cesso curricular é, assim, fundamental. Ele é um dos gran-
escolar. Trata-se do chamado currículo oculto, que envolve, des artífices, queira ou não, da construção dos currículos
dominantemente, atitudes e valores transmitidos, sublimi- que se materializam nas escolas e nas salas de aula.
narmente, pelas relações sociais e pelas rotinas do cotidia- Stuart Hall, conhecido intelectual caribenho radicado
no escolar. Fazem parte do currículo oculto, assim, rituais na Grã-Bretanha e um dos fundadores do centro de pes-
e práticas, relações hierárquicas, regras e procedimentos, quisas que foi o berço dos Estudos Culturais, na Universi-
modos de organizar o espaço e o tempo na escola, modos dade de Birmingham (Inglaterra), é especialmente incisivo
de distribuir os alunos por grupamentos e turmas, mensa- nessa perspectiva.
gens implícitas nas falas dos(as) professores(as) e nos livros Por bem ou por mal, a cultura é agora um dos elemen-
didáticos. São exemplos de currículo oculto: a forma como tos mais dinâmicos – e mais imprevisíveis – da mudança
a escola incentiva a criança a chamar a professora (tia, Fu- histórica no novo milênio. Não deve nos surpreender, en-
lana, Professora etc); a maneira como arrumamos as cartei- tão, que as lutas pelo poder sejam, crescentemente, simbó-
ras na sala de aula (em círculo ou alinhadas); as visões de licas e discursivas, ao invés de tomar, simplesmente, uma
família que ainda se encontram em certos livros didáticos forma física e compulsiva, e que as próprias políticas assu-
(restritas ou não à família tradicional de classe média). Que mam progressivamente a feição de uma política cultural.
consequências tais aspectos, sobre os quais muitas vezes Ainda, é inegável a pluralidade cultural do mundo em
não pensamos, podem estar provocando nos alunos? Não que vivemos e que se manifesta, de forma impetuosa, em
seria importante identificá-los e verificar como, nas práti- todos os espaços sociais, inclusive nas escolas e nas salas
cas de nossa escola, poderíamos estar contribuindo para de aula. Essa pluralidade frequentemente acarreta confron-
um currículo oculto capaz de oprimir alguns de nossos(as) tos e conflitos, tornando cada vez mais agudos os desafios
estudantes (por razões ligadas a classe social, gênero, raça, a serem enfrentados pelos profissionais da educação. No
sexualidade)? Julgamos importante ressaltar que, qualquer entanto, essa mesma pluralidade pode propiciar o enri-
que seja a concepção de currículo que adotamos, não pa- quecimento e a renovação das possibilidades de atuação
rece haver dúvidas quanto à sua importância no processo pedagógica. Antes, porém, de analisarmos as relações en-
educativo escolar. Como essa importância se evidencia? tre currículo e cultura, examinaremos o outro tema central
Pode-se afirmar que é por intermédio do currículo que as das discussões sobre currículo – o conhecimento escolar.
“coisas” acontecem na escola. No currículo se sistematizam Procuraremos realçar sua importância para todos os que
nossos esforços pedagógicos. O currículo é, em outras pa- se envolvem no processo curricular e destacaremos o pro-
lavras, o coração da escola, o espaço central em que todos cesso de sua elaboração em diferentes níveis do sistema
atuamos, o que nos torna, nos diferentes níveis do proces- educativo. Subjacente aos nossos comentários está a cren-
so educacional, responsáveis por sua elaboração. O papel ça de que a escola precisa preparar-se para bem socializar
do educador no processo curricular é, assim, fundamental. os conhecimentos escolares e facilitar o acesso do(a) estu-
Ele é um dos grandes artífices, queira ou não, da constru- dante a outros saberes. Subjacente aos nossos comentários
ção dos currículos que se materializam nas escolas e nas está a crença de que os conhecimentos que se constroem
salas de aula. Daí a necessidade de constantes discussões e que circulam nos diferentes espaços sociais constituem
e reflexões, na escola, sobre o currículo, tanto o currículo direito de todos. ... A escola precisa preparar-se para bem
formalmente planejado e desenvolvido quanto o currículo socializar os conhecimentos escolares e facilitar o acesso
oculto. Daí nossa obrigação, como profissionais da educa- do(a) estudante a outros saberes.
ção, de participar crítica e criativamente na elaboração de
currículos mais atraentes, mais democráticos, mais fecun- Esclarecendo o que entendemos por conhecimento
dos. Nessas reflexões e discussões, podemos e devemos escolar
recorrer aos documentos oficiais, como a Lei de Diretrizes
e Bases, as Diretrizes Curriculares Nacionais, as Propostas Que devemos entender por conhecimento escolar?
Curriculares Estaduais e Municipais. Neles encontraremos Reiteramos que ele é um dos elementos centrais do currí-
subsídios fundamentais para o nosso trabalho. Podemos culo e que sua aprendizagem constitui condição indispen-
e devemos também recorrer aos estudos que vêm sendo sável para que os conhecimentos socialmente produzidos
feitos, em nosso país, por pesquisadores e estudiosos do possam ser apreendidos, criticados e reconstruídos por
campo. Tais estudos têm-se intensificado, principalmente a todos/as os/as estudantes do país. Daí a necessidade de
partir da década de 1990, têm sido apresentados em inú- um ensino ativo e efetivo, com um/a professor/a compro-
meros congressos e seminários, bem como publicados em metido(a), que conheça bem, escolha, organize e trabalhe
periódicos de expressiva circulação nacional. Recentes aná- os conhecimentos a serem aprendidos pelos(as) alunos(as).

33
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Daí a importância de selecionarmos, para inclusão no cur- (b) ao mundo do trabalho;


rículo, conhecimentos relevantes e significativos. Mas, para (c) aos desenvolvimentos tecnológicos;
que nossos pontos de vista sejam bem compreendidos, é (d) às atividades desportivas e corporais;
preciso esclarecer o que estamos considerando como qua- (e) à produção artística;
lidade e relevância na educação e no currículo. A nosso ver, (f) ao campo da saúde;
uma educação de qualidade deve propiciar ao(à) estudante (g) às formas diversas de exercício da cidadania;
ir além dos referentes presentes em seu mundo cotidiano, (h) aos movimentos sociais.
assumindo-o e ampliando-o, transformando-se, assim, em Nesses espaços, produzem-se os diferentes saberes
um sujeito ativo na mudança de seu contexto. Que se faz dos quais derivam os conhecimentos escolares. Os conhe-
necessário para que esse movimento ocorra? A nosso ver, cimentos oriundos desses diferentes âmbitos são, então,
são indispensáveis conhecimentos escolares que facilitem selecionados e “preparados” para constituir o currículo for-
ao(à) aluno(a) uma compreensão acurada da realidade em mal, para constituir o conhecimento escolar que se ensina e
que está inserido, que possibilitem uma ação consciente e se aprende nas salas de aula. Ressalte-se que, além desses
segura no mundo imediato e que, além disso, promovam a espaços, a própria escola constitui local em que determi-
ampliação de seu universo cultural. Entendemos relevância, nados saberes são também elaborados, ensinados e apren-
então, como o potencial que o currículo possui de tornar as didos. Exemplifique-se com a gramática escolar, historica-
pessoas capazes de compreender o papel que devem ter na mente criada pela própria escola, na escola e para a esco-
mudança de seus contextos imediatos e da sociedade em la. Que importância tem para nós, professores e gestores,
geral, bem como de ajudá-las a adquirir os conhecimentos e compreender o que se chama de conhecimento escolar?
as habilidades necessárias para que isso aconteça. Relevân- De que modo conhecer essa noção modifica nossa práti-
cia sugere conhecimentos e experiências que contribuam ca? Cientificamo-nos de que os conhecimentos ensinados
para formar sujeitos autônomos, críticos e criativos que ana- na escola não são cópias exatas de conhecimentos social-
lisem como as coisas passaram a ser o que são e como fazer mente construídos. Assim, não há como inserir, nas salas
para que elas sejam diferentes do que hoje são. Que impli- de aula e nas escolas, os saberes e as práticas tal como
cações esses pontos de vistas têm para a prática curricular? funcionam em seus contextos de origem. Para se tornarem
Julgamos que uma educação de qualidade, como a que de- conhecimentos escolares, os conhecimentos de referência
fendemos, requer a seleção de conhecimentos relevantes, sofrem uma descontextualização e, a seguir, um processo
que incentivem mudanças individuais e sociais, assim como de recontextualização.
formas de organização e de distribuição dos conhecimen- A atividade escolar, portanto, supõe uma certa ruptu-
tos escolares que possibilitem sua apreensão e sua crítica. ra com as atividades próprias dos campos de referência.
Tais processos necessariamente implicam o diálogo com os Essa constatação certamente afeta o trabalho pedagógico.
saberes disciplinares assim como com outros saberes so- Como? Cientes das transformações por que passam os co-
cialmente produzidos. Referimo-nos a conhecimentos esco- nhecimentos de referência até se tornarem conhecimentos
lares relevantes e significativos. Mas talvez não tenhamos, escolares, não iremos mais supor que a escola possa ser
até o momento, esclarecido suficientemente o que estamos organizada, para o ensino de Ciências, por exemplo, como
denominando de conhecimento escolar. Que aspectos o um pequeno laboratório, similar aos que existem em outros
caracterizam? Quem o constrói? Onde? Inicialmente, cabe locais. A investigação científica, tal como se desenvolve em
ressaltar que concebemos o conhecimento escolar como um laboratório de pesquisas, é bem distinta da sequência
uma construção específica da esfera educativa, não como de passos estipulados em um manual didático de experiên-
uma mera simplificação de conhecimentos produzidos fora cias científicas escolares. Outro exemplo pode ser encon-
da escola. Consideramos, ainda, que o conhecimento esco- trado no campo das atividades desportivas. A prática do
lar tem características próprias que o distinguem de outras desporto apresenta, em locais de treinamento de atletas
formas de conhecimento. Ou seja, vemos o conhecimento profissionais, características bem diferenciadas das expe-
escolar como um tipo de conhecimento produzido pelo sis- riências oferecidas ao(à) estudante nas aulas de Educação
tema escolar e pelo contexto social e econômico mais am- Física. Torna-se sem sentido, portanto, qualquer tentativa
plo, produção essa que se dá em meio a relações de poder de transformar tais aulas em momentos de preparação de
estabelecidas no aparelho escolar e entre esse aparelho e a futuros atletas. Os dois exemplos citados permitem-nos
sociedade. O currículo, nessa perspectiva, constitui um dis- perceber como a concepção de conhecimento escolar que
positivo em que se concentram as relações entre a socie- propomos pode influir na seleção e na organização das
dade e a escola, entre os saberes e as práticas socialmente experiências de aprendizagem a serem vividas por estu-
construídos e os conhecimentos escolares. Podemos dizer dantes e docentes. Em síntese, a visão de conhecimento
que os primeiros constituem as origens dos segundos. escolar por nós adotada, bem como o reconhecimento de
Em outras palavras, os conhecimentos escolares pro- que devemos trabalhar com conhecimentos significativos
vêm de saberes e conhecimentos socialmente produzidos e relevantes, terão certamente efeitos no processo de ela-
nos chamados “âmbitos de referência dos currículos”. Que boração do projeto político-pedagógico da escola. Mas
são esses âmbitos de referência? Podemos considerá-los em que consistem os mencionados processos de descon-
como correspondendo: textualização e recontextualização do conhecimento esco-
(a) às instituições produtoras do conhecimento científi- lar? Que processos são empregados na “fabricação” dos
co (universidades e centros de pesquisa); conhecimentos escolares? Mencionaremos alguns deles,

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CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

apoiando-nos em Terigi. Em primeiro lugar, destacamos a to. É bastante comum, em nossas salas de aula, o esforço
descontextualização dos saberes e das práticas, que costu- do(a) professor(a) por escolher atividades e conteúdos que
ma fazer com que o conhecimento escolar dê a impressão se mostrem adequados à etapa do desenvolvimento em
de “pronto”, “acabado”, impermeável a críticas e discus- que supostamente se encontra o(a) aluno(a). Em muitos
sões. O processo de produção, com todos os seus conflitos casos, a consequência é ignorarmos o quanto muitos(as)
e interesses, tende a ser omitido. Qual a consequência des- de nossos(as) estudantes conseguem “queimar etapas” e
sa omissão? O estudante acaba aprendendo simplesmente aprender, de modo que nos surpreende, conhecimentos
o produto, o resultado de um longo trajeto, cuja comple- que julgávamos acima de seu alcance. Para o adolescen-
xidade também se perde. Ao observarmos com cuidado os te familiarizado com as inúmeras possibilidades oferecidas
livros didáticos, podemos verificar que eles não costumam pela internet, o acesso a informações e saberes se faz, fre-
incluir, entre os conteúdos selecionados, os debates, as dis- quentemente, de modo não linear e não gradativo. Será
cordâncias, os processos de revisão e de questionamento que, na escola, estamos sabendo tirar suficiente proveito
que marcam os conhecimentos e os saberes em muitos das vantagens resultantes do uso de novas tecnologias?
de seus contextos originais. Dificilmente encontramos, em Como poderíamos aproveitá-las melhor?
programas e em materiais didáticos, menções às disputas Em terceiro lugar, os conhecimentos escolares tendem
que se travam, por exemplo, no avanço do próprio conhe- a se submeter aos ritmos e às rotinas que permitem sua
cimento científico. avaliação. Ou seja, tendemos a ensinar conhecimentos que
Devemos avaliar o processo de descontextualização possam ser, de algum modo, avaliados. Mas, é claro, nem
que vimos discutindo como totalmente nocivo ao processo todos os conteúdos são avaliados da mesma forma. Os que
curricular? A nosso ver, certo grau de descontextualização historicamente têm sido vistos como os mais “importan-
se faz necessário no ensino, já que os saberes e as práticas tes” costumam ser avaliados segundo padrões vistos como
produzidos nos âmbitos de referência do currículo não po- mais “rigorosos”, ainda que não se problematize quem ga-
dem ser ensinados tal como funcionam em seu contexto nha e quem perde com essa “hierarquia”. Chega- se mesmo
de origem. Todavia, precisamos estar atentos para o risco a aceitar, sem questionamentos, que as vozes de docentes
de perda de sentido dos conhecimentos, possível de acon- de determinadas disciplinas sejam ouvidas, nos Conselhos
tecer se trabalharmos com uma forte descontextualização. de Classe, com mais intensidade que as de docentes de dis-
Conhecimentos totalmente descontextualizados, aparente- ciplinas em que o processo de avaliação não se centra em
mente “puros”, perdem suas inevitáveis conexões com o provas ou testes escritos. Em quarto lugar, o processo de
mundo social em que são construídos e funcionam. Conhe- construção do conhecimento escolar sofre, inegavelmente,
cimentos totalmente descontextualizados não permitem efeitos de relações de poder. Recorrendo mais uma vez ao
que se evidencie como os saberes e as práticas envolvem, Conselho de Classe: a “hierarquia” que se encontra no cur-
necessariamente, questões de identidade social, interesses, rículo, com base na qual se valorizam diferentemente os
relações de poder e conflitos interpessoais. Conhecimentos conhecimentos escolares e se “justifica” a prioridade con-
totalmente descontextualizados desfavorecem, assim, um cedida à matemática em detrimento da língua estrangeira
ensino mais reflexivo e uma aprendizagem mais significati- ou da geografia, deriva, certamente, de relações de poder.
va. Não seria oportuno, então, que buscássemos, na escola, Nessa hierarquia, se supervalorizam as chamadas discipli-
verificar se e como tais questões se expressam nos livros nas científicas, secundarizando-se os saberes referentes às
didáticos com que trabalhamos? Como, tendo em vista o artes e ao corpo. Nessa hierarquia, separam-se a razão da
que vimos apresentando, poderíamos pensar em novas emoção, a teoria da prática, o conhecimento da cultura.
estratégias de crítica e de utilização dos livros? Como po- Nessa hierarquia, legitimam-se saberes socialmente re-
deríamos preencher algumas das “lacunas” neles obser- conhecidos e estigmatizam-se saberes populares. Nessa
vadas? Não seria pertinente procurarmos complementar hierarquia, silenciam-se as vozes de muitos indivíduos e
os conhecimentos incluídos nos livros com informações grupos sociais e classificam-se seus saberes como indignos
e discussões referentes aos processos de construção dos de entrarem na sala de aula e de serem ensinados e apren-
conhecimentos de referência, tais como ocorrem em ou- didos. Nessa hierarquia, reforçam-se relações de poder fa-
tros espaços sociais? Que interesses, conflitos e disputas voráveis à manutenção das desigualdades e das diferenças
os têm marcado? Como podemos nos informar melhor so- que caracterizam nossa estrutura social. De que modo a
bre tais processos? A quem podemos recorrer? Julgamos compreensão dos processos de construção do conheci-
que o debate dessas e de outras questões similares pode, mento escolar é útil ao(à) professor(a)? Se o(a) professor(a)
na escola, estimular novas e criativas formas de se traba- entende como o conhecimento escolar se produz, saberá
lhar tanto o livro didático quanto outros materiais e outras melhor distinguir em que momento os mecanismos impli-
fontes que nos auxiliam no complexo processo de favore- cados nessa produção estão favorecendo ou atravancando
cer a aprendizagem de nossos(as) estudantes. Em segun- o trabalho docente. Em outras palavras, a compreensão do
do lugar, ressaltamos a subordinação dos conhecimentos processo de construção do conhecimento escolar facilita
escolares ao que conhecemos sobre o desenvolvimento ao professor uma maior compreensão do próprio processo
humano. Ou seja, os conhecimentos escolares costumam pedagógico, o que pode estimular novas abordagens, na
ser selecionados e organizados com base nos ritmos e nas tentativa tanto de bem selecionar e organizar os conheci-
sequências propostas pela psicologia do desenvolvimen- mentos quanto de conferir uma orientação cultural ao cur-
rículo. Vejamos, então, como abordar, nas decisões curricu-

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CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

lares, a diversidade cultural que marca nossa sociedade. ... sociedades europeias, as únicas a atingirem o grau mais
O processo de construção do conhecimento escolar sofre, elevado de desenvolvimento. Há ainda reflexos dessa vi-
inegavelmente, efeitos de relações de poder. são no currículo? Parece-nos que sim. Em alguns cursos
de História, por exemplo, as referências se fazem, domi-
Cultura, diversidade cultural e currículo nantemente, às histórias dos povos “desenvolvidos”, o que
nos aliena dos esforços e dos rumos seguidos na maioria
Que entendemos pela palavra cultura? Talvez seja útil dos países que formam o chamado Terceiro Mundo Em um
esclarecermos, inicialmente, como a estamos concebendo, quarto sentido, a palavra “culturas” (no plural) corresponde
já que seus sentidos têm variado ao longo dos tempos, aos diversos modos de vida, valores e significados com-
particularmente no período da transição de formações so- partilhados por diferentes grupos (nações, classes sociais,
ciais tradicionais para a modernidade (Bocock, 1995; Ca- grupos étnicos, culturas regionais, geracionais, de gênero
nen e Moreira, 2001). Acreditamos que tal esclarecimento etc) e períodos históricos. Trata-se de uma visão antropo-
pode subsidiar a discussão das relações entre currículo e lógica de cultura, em que se enfatizam os significados que
cultura. O primeiro e mais antigo significado de cultura os grupos compartilham, ou seja, os conteúdos culturais.
encontra-se na literatura do século XV, em que a palavra Cultura identifica-se, assim, com a forma geral de vida de
se refere a cultivo da terra, de plantações e de animais. É um dado grupo social, com as representações da realidade
nesse sentido que entendemos palavras como agricultura, e as visões de mundo adotadas por esse grupo. A expres-
floricultura, suinocultura. O segundo significado emerge são dessa concepção, no currículo, poderá evidenciar-se
no início do século XVI, ampliando a ideia de cultivo da no respeito e no acolhimento das manifestações culturais
terra e de animais para a mente humana. Ou seja, passa-se dos(as) estudantes, por mais desprestigiadas que sejam.
a falar em mente humana cultivada, afirmando-se mesmo Finalmente, um quinto significado tem tido considerável
que somente alguns indivíduos, grupos ou classes sociais impacto nas ciências sociais e nas humanidades em geral.
apresentam mentes e maneiras cultivadas e que somente Deriva da antropologia social e também se refere a signifi-
algumas nações apresentam elevado padrão de cultura ou cados compartilhados. Diferentemente da concepção ante-
civilização. No século XVIII, consolida-se o caráter classista rior, porém, ressalta a dimensão simbólica, o que a cultura
da ideia de cultura, evidente na ideia de que somente as faz, em vez de acentuar o que a cultura é. Nessa mudança,
classes privilegiadas da sociedade europeia atingiriam o efetua- se um movimento do que para o como. Concebe-
nível de refinamento que as caracterizaria como cultas. O -se, assim, a cultura como prática social, não como coisa
sentido de cultura, que ainda hoje a associa às artes, tem (artes) ou estado de ser (civilização). Nesse enfoque, coisas
suas origens nessa segunda concepção: cultura, tal como e eventos do mundo natural existem, mas não apresentam
as elites a concebem, corresponde ao bem apreciar música, sentidos intrínsecos: os significados são atribuídos a partir
literatura, cinema, teatro, pintura, escultura, filosofia. Será da linguagem. Quando um grupo compartilha uma cultu-
que não encontramos vestígios dessa concepção tanto em ra, compartilha um conjunto de significados, construídos,
alguns de nossos atuais currículos como em textos que se ensinados e aprendidos nas práticas de utilização da lin-
escrevem sobre currículo? Para alguns docentes, o estudo guagem. A palavra cultura implica, portanto, o conjunto de
da literatura, por exemplo, ainda tende a se restringir a es- práticas por meio das quais significados são produzidos e
critores e livros vistos como clássicos. compartilhados em um grupo. São os arranjos e as relações
Para alguns estudiosos da cultura e da educação, os envolvidas em um evento que passam, dominantemente, a
grandes autores, as grandes obras e as grandes ideias de- despertar a atenção dos que analisam a cultura com base
veriam constituir o núcleo central dos currículos de nos- nessa quinta perspectiva, passível de ser resumida na ideia
sas escolas. Já no século XX, a noção de cultura passa a de que cultura representa um conjunto de práticas signifi-
incluir a cultura popular, hoje penetrada pelos conteúdos cantes. Não será pertinente considerarmos também o cur-
dos meios de comunicação de massa. Diferenças e ten- rículo como um conjunto de práticas em que significados
sões entre os significados de cultura elevada e de cultura são construídos, disputados, rejeitados, compartilhados?
popular acentuam-se, levando a um uso do termo cultu- Como entender, então, as relações entre currículo e cultu-
ra que se marca por valorizações e avaliações. Será que ra? Quando um grupo compartilha uma cultura, compar-
algumas de nossas escolas não continuam a fechar suas tilha um conjunto de significados, construídos, ensinados
portas para as manifestações culturais associadas à cultura e aprendidos nas práticas de utilização da linguagem. A
popular, contribuindo, assim, para que saberes e valores palavra cultura implica, portanto, o conjunto de práticas
familiares a muitos(as) estudantes sejam desvalorizados e por meio das quais significados são produzidos e compar-
abandonados na entrada da sala de aula? Poderia ser di- tilhados em um grupo.
ferente? Como? Um terceiro sentido da palavra cultura, Se entendermos o currículo, como propõe Williams,
originado no Iluminismo, a associa a um processo secular como escolhas que se fazem em vasto leque de possibi-
geral de desenvolvimento social. Esse significado é comum lidades, ou seja, como uma seleção da cultura, podemos
nas ciências sociais, sugerindo a crença em um processo concebê-lo, também, como conjunto de práticas que pro-
harmônico de desenvolvimento da humanidade, consti- duzem significados. Nesse sentido, considerações de Silva
tuído por etapas claramente definidas, pelo qual todas as podem ser úteis. Segundo o autor, o currículo é o espaço
sociedades inevitavelmente passam. Tal processo acaba em que se concentram e se desdobram as lutas em torno
equivalendo, por “coincidência”, aos rumos seguidos pelas dos diferentes significados sobre o social e sobre o político.

36
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

É por meio do currículo que certos grupos sociais, espe- trar em acirrada competição com outras metas, visadas por
cialmente os dominantes, expressam sua visão de mundo, escolas e famílias. Vale perguntar: como temos, nas salas
seu projeto social, sua “verdade”. O currículo representa, de aula, reagido a esse “confuso” panorama em que a di-
assim, um conjunto de práticas que propiciam a produção, versidade se faz tão presente? Como temos nos esforçado
a circulação e o consumo de significados no espaço social e para desestabilizar privilégios e discriminações? Como te-
que contribuem, intensamente, para a construção de iden- mos buscado neutralizar influências “indesejáveis”? Como
tidades sociais e culturais. O currículo é, por consequência, temos, na escola, dialogado com os “currículos” desses ou-
um dispositivo de grande efeito no processo de constru- tros espaços? Em resumo, o complexo, variado e conflituo-
ção da identidade do(a) estudante. Não se mostra, então, so cenário cultural em que estamos imersos se reflete no
evidente a íntima relação entre currículo e cultura? Se, em que ocorre em nossas salas de aula, afetando sensivelmen-
uma sociedade cindida, a cultura é um terreno no qual se te o trabalho pedagógico que nelas se processa. Voltamos
processam disputas pela preservação ou pela superação a perguntar: como as diferenças derivadas de dinâmicas
das divisões sociais, o currículo é um espaço em que esse sociais como classe social, gênero, etnia, sexualidade, cul-
mesmo conflito se manifesta. O currículo é um campo em tura e religião têm “contaminado” nosso currículo, tanto o
que se tenta impor tanto a definição particular de cultura currículo formal quanto o currículo oculto? Como temos
de um dado grupo quanto o conteúdo dessa cultura. O considerado, no currículo, essa pluralidade, esse caráter
currículo é um território em que se travam ferozes compe- multicultural de nossa sociedade? Como articular currículo
tições em torno dos significados. O currículo não é um veí- e multiculturalismo? Que estratégias pedagógicas podem
culo que transporta algo a ser transmitido e absorvido, mas ser selecionadas? Temos, professores e gestores, reservado
sim um lugar em que, ativamente, em meio a tensões, se tempo e espaço suficientes para que essas discussões acon-
produz e se reproduz a cultura. Currículo refere-se, portan- teçam nas escolas? Como nossos projetos político-peda-
to, a criação, recriação, contestação e transgressão. Como gógicos têm incorporado tais preocupações? Como temos
todos esses processos se “concretizam” no currículo? Po- atendido ao que determina a Lei nº 10639/2003, que torna
de-se dizer que no currículo se evidenciam esforços tanto obrigatório, nos estabelecimentos de ensino fundamental
por consolidar as situações de opressão e discriminação e médio, o ensino sobre História e Cultura afro-brasileira?
a que certos grupos sociais têm sido submetidos, quanto De que modo os professores se têm inteirado das lutas e
por questionar os arranjos sociais em que essas situações conquistas dos negros, das mulheres, dos homossexuais e
se sustentam. Isso se torna claro ao nos lembrarmos dos de outros grupos minoritários oprimidos? Sem pretender
inúmeros e expressivos relatos de práticas, em salas de au- oferecer respostas prontas a serem aplicadas em quaisquer
las, que contribuem para cristalizar preconceitos e discrimi- situações, move-nos a intenção de apresentar alguns prin-
nações, representações estereotipadas e desrespeitosas de cípios que possam nortear a construção coletiva, em cada
certos comportamentos, certos estudantes e certos grupos escola, de currículos que visem a enfrentar alguns dos de-
sociais. Em Conselhos de Classe, algumas dessas visões, safios que a diversidade cultural nos tem trazido. Fundamen-
lamentavelmente, se refletem em frases como: “vindo de tamo-nos, nesse propósito, em estudos, pesquisas, práticas e
onde vem, ele não podia mesmo dar certo na escola!”. Ao depoimentos de docentes comprometidos com uma escola
mesmo tempo, há inúmeros e expressivos relatos de prá- cada vez mais democrática. Nossa intenção é convidar o pro-
ticas alternativas em que professores(as) desafiam as rela- fissional da educação a engajar- se no instigante processo de
ções de poder que têm justificado e preservado privilégios pensar e desenvolver currículos para essa escola.
e marginalizações, procurando contribuir para elevar a au- Desejamos, com os princípios que vamos sugerir, in-
toestima de estudantes associados a grupos subalterniza- tensificar a sensibilidade do(a) docente e do gestor para
dos. O currículo é um campo em que se tenta impor tanto a a pluralidade de valores e universos culturais, para a ne-
definição particular de cultura de um dado grupo quanto o cessidade de um maior intercâmbio cultural no interior de
conteúdo dessa cultura. O currículo é um território em que cada sociedade e entre diferentes sociedades, para a con-
se travam ferozes competições em torno dos significados. veniência de resgatar manifestações culturais de determi-
Ou seja, no processo curricular, distintas e complexas nados grupos cujas identidades se encontram ameaçadas,
têm sido as respostas dadas à diversidade e à pluralida- para a importância da participação de todos no esforço
de que marcam de modo tão agudo o panorama cultural por tornar o mundo menos opressivo e injusto, para a ur-
contemporâneo. Cabe também ressaltar a significativa in- gência de se reduzirem discriminações e preconceitos. O
fluência exercida, junto às crianças e aos adolescentes que objetivo maior concentra-se, cabe destacar, na contextua-
povoam nossas salas de aula, pelos “currículos” por eles lização e na compreensão do processo de construção das
“vividos” em outros espaços socioeducativos (shoppings, diferenças e das desigualdades. Nosso propósito é que os
clubes, associações, igrejas, meios de comunicação, grupos currículos desenvolvidos tornem evidente que elas não são
informais de convivência etc), nos quais se fazem sentir com naturais; são, ao contrário, “invenções/construções” histó-
intensidade muitos dos complexos fenômenos associáveis ricas de homens e mulheres, sendo, portanto, passíveis de
ao processo de globalização que hoje vivenciamos. Nesses serem desestabilizadas e mesmo transformadas. Ou seja, o
outros espaços extraescolares, os currículos tendem a se existente nem pode ser aceito sem questionamento nem é
organizar com objetivos distintos dos currículos escolares, imutável; constitui-se, sim, em estímulo para resistências,
o que faz com que valores como padronização, consumis- para críticas e para a formulação e a promoção de novas
mo, individualismo, sexismo e etnocentrismo possam en- situações pedagógicas e novas relações sociais.

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CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Princípios para a construção de currículos multicultu- ciaram pessoas sendo depreciadas e desrespeitadas. Como
ralmente orientados se comportaram nesses momentos? Em resumo, a ruptura
do daltonismo cultural e da visão monocultural da dinâ-
Passemos aos nossos princípios. Insistimos, inicialmen- mica escolar é um processo pessoal e coletivo que exige
te, na necessidade de uma nova postura, por parte do pro- desconstruir e desnaturalizar estereótipos e “verdades” que
fessorado e dos gestores, no esforço por construir currícu- impregnam e configuram a cultura escolar e a cultura da
los culturalmente orientados. Propomos, a seguir, que se escola. Após a adoção de uma nova postura frente à plu-
reescrevam os conhecimentos escolares, que se evidencie ralidade, outros princípios e propósitos podem mostrar-se
a ancoragem social desses conhecimentos, bem como que úteis na formulação dos currículos. Vejamos alguns deles.
se transforme a escola e o currículo em espaços de crítica
cultural, de diálogo e de desenvolvimento de pesquisas. O currículo com um espaço em que se reescreve o co-
Esperamos que nossos princípios possam nortear a escolha nhecimento escolar
de novos conteúdos, a adoção de novos procedimentos e
o estabelecimento de novas relações na escola e na sala Sugerimos que se procure, no currículo, reescrever o
de aula. conhecimento escolar usual, tendo-se em mente as dife-
rentes raízes étnicas e os diferentes pontos de vista en-
A necessidade de uma nova postura volvidos em sua produção. No processo de construção do
conhecimento escolar, que já abordamos, se “retiram” os
Elaborar currículos culturalmente orientados demanda interesses e os objetivos usualmente envolvidos na pes-
uma nova postura, por parte da comunidade escolar, de quisa e na produção do conhecimento de origem. O co-
abertura às distintas manifestações culturais. Faz-se indis- nhecimento escolar tende a ficar, em decorrência desse
pensável superar o “daltonismo cultural”, ainda bastante processo, “asséptico”, “neutro”, despido de qualquer “cor”
presente nas escolas. O professor “daltônico cultural” é ou “sabor”. O que estamos desejando, em vez disso, é que
aquele que não valoriza o “arco-íris de culturas” que en- os interesses ocultados sejam identificados, evidenciados e
contra nas salas de aulas e com que precisa trabalhar, não subvertidos, para que possamos, então, reescrever os co-
tirando, portanto, proveito da riqueza que marca esse pa- nhecimentos. Desejamos que o aluno perceba o quanto,
norama. É aquele que vê todos os estudantes como idên- em Geografia, os conhecimentos referentes aos diversos
ticos, não levando em conta a necessidade de estabelecer continentes foram construídos em íntima associação com o
diferenças nas atividades pedagógicas que promove. O interesse, de certos países, em aumentar suas riquezas pela
daltonismo cultural a que nos referimos expressa-se, por conquista e colonização de outros povos. Em conformi-
exemplo, na visão da professora de uma escola normal que dade com essa proposta, encontram-se já numerosos(as)
desencoraja uma pesquisadora interessada em compreen- professores(as) de História que não mais se contentam em
der o tratamento dado, na escola, a questões referentes ensinar aos(às) estudantes apenas a visão do dominante,
a racismo na formação docente. “Lamento, mas aqui você do vencedor. Já se fazem frequentes, em suas aulas na es-
não terá material para seu estudo. Não temos problema cola fundamental, discussões como: o Brasil foi descoberto
nenhum de racismo aqui. Eu, por exemplo, ao entrar em ou invadido pelos portugueses? A Lei Áurea, assinada pela
sala, trato todos os meus alunos como se fossem bran- Princesa Isabel, pretendeu de fato beneficiar os escravos?
cos”. O daltonismo é tão intenso que chega a impedir que Domingos Fernandes Calabar deve ser mesmo considera-
a professora reconheça a presença da diversidade (e de do um traidor? Em 1964 houve uma revolução ou um gol-
suas consequências) na escola. Em casos como esse, pode pe? Esses e outros inúmeros pontos controversos de nossa
ser útil, em um primeiro momento, buscarmos sensibilizar História são discutidos por docentes e alunos(as), o que
o corpo docente para a pluralidade e para a diversidade. faz brotar uma análise bem mais lúcida dos diferentes e
Como fazê-lo? Que estratégias empregar nessa tarefa, para conflitantes motivos implicados nos fatos históricos, antes
que se possa ter a maior adesão possível dos que ainda não vistos como “objetivos” e tratados com base em uma única
perceberam a importância de tais aspectos? Nessa pers- versão, aceita sem questionamento.
pectiva, é importante articular o aprofundamento teórico A consequência é que a análise se amplia e se enrique-
com vivências de experiências em que os/as profissionais ce pelo confronto de pontos de vista. Além dessa amplia-
da educação são convidados/as a se colocar “em situação” ção da análise, muitos docentes têm também procurado
e analisar as suas próprias reações. Como se sentiriam e incluir no currículo outras Histórias: a das mulheres, a dos
reagiriam, por exemplo, se, como algumas pessoas negras povos indígenas, a dos negros, por exemplo. Tais inclusões
ainda têm sido, fossem impedidos(as) de entrar pela “porta preenchem algumas das lacunas mais encontradas nas
da frente” em um edifício residencial ou em um hotel de propostas curriculares oficiais, trazendo à cena vozes e cul-
luxo? turas negadas e silenciadas no currículo. Segundo Torres
Outra estratégia possível diz respeito ao resgate de Santomé, as culturas ou vozes dos grupos sociais mino-
histórias de vida e análise de estudos de caso reais, trazi- ritários e/ ou marginalizados que não dispõem de estru-
dos pelos próprios educadores ou registrados em pesqui- turas de poder costumam ser excluídas das salas de aula,
sas realizadas sobre tal temática. Talvez alguns docentes chegando mesmo a ser deformadas ou estereotipadas,
se estimulem a apresentar e a discutir situações em que para que se dificultem (ou de fato se anulem) suas possibi-
se viram, eles próprios, discriminados, ou em que presen- lidades de reação, de luta e de afirmação de direitos. Cabe

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CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

evitar atribuir qualquer caráter exótico às manifestações de vista distintos dos usuais. O caso dos Três Porquinhos
culturais de grupos minoritários. Ademais, sua presença pode surpreender se a figura do Lobo representar o espe-
no currículo não deve assumir o tom fortuito, “turístico”, culador imobiliário que tão bem conhecemos.
tão criticado por Torres Santomé. É preciso que os estu- As atitudes da Cigarra e da Formiga podem ser reava-
dos desenvolvidos venham a catalisar, junto aos membros liadas, tendo-se em mente a forma como se concebem e se
das culturas negadas e silenciadas, a formação de uma organizam trabalho e lazer na sociedade contemporânea.
auto-imagem positiva. Para esse mesmo propósito, pode O desfecho do passeio de Chapeuzinho Vermelho à casa
ser útil a discussão, em diferentes disciplinas, dos rumos da avó pode ser outro, caso imaginemos novos perfis e
de diferentes movimentos sociais (negros, mulheres, in- novas relações para os personagens da história. Ou seja,
dígenas, homossexuais), para que se compreendam e se de novos patamares podemos perceber novos horizontes,
acentuem avanços, dificuldades e desafios. Líderes desses novas trajetórias, novas possibilidades. O que estamos su-
grupos podem ser convidados a participar das atividades. gerindo é que nos situemos, na prática pedagógica cultu-
Exposições e cartazes podem ilustrar trajetórias e con- ralmente orientada, além da visão das culturas como inter-
quistas. Cabe esclarecer que não estamos argumentando -relacionadas, como mutuamente geradas e influenciadas,
a favor do efeito Robin Hood, segundo o qual se tira de e procuremos facilitar a compreensão do mundo pelo olhar
um para dar ao outro, ou seja, não estamos recomendan- do subalternizado. No currículo, trata-se de desestabilizar
do que simplesmente se substitua um conhecimento por o modo como o outro é mobilizado e representado. “O
outro. O que estamos sugerindo é que se explorem e se olhar do poder, suas normas e pressupostos, precisa ser
confrontem perspectivas, enfoques e intenções, para que desconstruído”. Ou seja, trata-se de desafiar a ótica do do-
possam vir à tona propósitos, escolhas, disputas, relações minante e de promover o atrito de diferentes abordagens,
de poder, repressões, silenciamentos, exclusões. O trabalho diferentes obras literárias, diferentes interpretações de
com notícias difundidas pela mídia, frequentemente deri- eventos históricos, para que se favoreça ao(à) aluno(a) en-
vadas de leituras distintas e até mesmo contraditórias dos tender como o conhecimento socialmente valorizado tem
fatos, assim como com músicas, vídeos e outras produções sido escrito de uma dada forma e como pode, então, ser
culturais, permite ilustrar com clareza os confrontos que reescrito. Não se espera, cabe reiterar, substituir um conhe-
pretendemos ver explicitados. Examinando diferentes in- cimento por outro, mas sim propiciar aos(às) estudantes a
terpretações, os(as) alunos(as) poderão melhor perceber, compreensão das relações de poder envolvidas na hierar-
por exemplo, os objetivos e os jogos, por vezes escusos, quização das manifestações culturais e dos saberes, assim
implicados em muitas medidas de nossos políticos e go- como nas diversas imagens e leituras que resultam quando
vernantes. Certamente a análise atenta e a discussão crítica certos olhares são privilegiados em detrimento de outros.
de notícias referentes à decisão de invadir o Iraque, tomada Nessa perspectiva, é importante que consideremos a esco-
pelo presidente George Bush, após os ataques terroristas la como um espaço de cruzamento de culturas e saberes. A
de 11 de setembro de 2001, poderão ajudar o(a) aluno(a) a escola deve ser concebida como um espaço ecológico de
contrapor à versão oficial norte-americana uma outra ver- cruzamento de culturas. A responsabilidade específica que
são dos acontecimentos em pauta. a distingue de outros espaços de socialização e lhe confere
A leitura crítica de jornais permite também verificar identidade e relativa autonomia é exatamente a possibi-
como, na França, se tenta impedir que meninas muçulma- lidade de promover análises e interações das influências
nas frequentem as salas de aula usando seus véus. A jus- plurais que as diferentes culturas exercem, de forma per-
tificativa é que as escolas francesas são seculares e que os manente, sobre as novas gerações.
símbolos religiosos, portanto, devem ser banidos de suas O responsável definitivo da natureza, do sentido e da
práticas. Proibições similares têm ocorrido também na Ale- consistência do que os alunos e as alunas aprendem em
manha, vetando-se às professoras o uso do véu. O que não sua vida escolar é este vivo, fluido e complexo cruzamento
se divulga é como tal medida acaba por solapar importante de culturas que se produz na escola, entre as propostas da
elemento da identidade dessas jovens, desrespeitando o cultura crítica, alojada nas disciplinas científicas, artísticas e
direito à diferença que deve pautar toda sociedade que se filosóficas; as determinações da cultura acadêmica, refleti-
quer democrática, plural e inclusiva. Ou seja, a compreen- das nas definições que constituem o currículo; os influxos
são dos diferentes pontos de vista envolvidos na contenda da cultura social, constituída pelos valores hegemônicos do
permite que o(a) aluno(a) desconstrua o olhar do poder cenário social; as pressões do cotidiano da cultura institu-
hegemônico e infira que outros olhares descortinam outros cional, presente nos papéis, nas normas, nas rotinas e nos
ângulos, outras razões, outros interesses. Leva-o(a) a com- ritos próprios da escola como instituição específica; e as
preender melhor alguns dos elementos que promovem a características da cultura experiencial, adquirida individual-
persistência, no mundo de hoje, do ódio, da violência, do mente pelo aluno através da experiência nos intercâmbios
racismo, da xenofobia, do fundamentalismo. Não será in- espontâneos com seu meio.
dispensável que a escola procure denunciar e colocar em Conceber a dinâmica escolar nesse enfoque supõe re-
xeque essa persistência? Professores dos primeiros anos pensar seus diferentes componentes e romper com a ten-
do ensino fundamental podem também estimular o(a) alu- dência homogeneizadora e padronizadora que impregna
no(a) a reescrever conhecimentos, saberes, mitos, costu- suas práticas. Para Moreira e Candau, a escola sempre teve
mes, lendas, contos. Inúmeras histórias infantis, por exem- dificuldade em lidar com a pluralidade e a diferença. Ten-
plo, têm sido reescritas com base no emprego de pontos de a silenciá-las e neutralizá-las. Sente-se mais confortá-

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CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

vel com a homogeneização e a padronização. No entanto, (e) que conflitos se encontram subjacentes aos proces-
abrir espaços para a diversidade, a diferença e para o cru- sos de construção e de difusão do conhecimento científico?
zamento de culturas constitui o grande desafio que está (f) que debates têm sido gerados pela introdução, na
chamada a enfrentar. comunidade científica, de novas teorias?
A escola precisa, assim, acolher, criticar e colocar em (g) por que a escola insiste em apresentar uma teoria
contato diferentes saberes, diferentes manifestações cultu- consensual da ciência, subestimando as divergências refe-
rais e diferentes óticas. A contemporaneidade requer cultu- rentes a temáticas priorizadas, metodologias, fundamentos
ras que se misturem e ressoem mutuamente, que convivam teóricos, objetivos?
e se modifiquem. Que se modifiquem modificando outras Acreditamos que a exploração de questões como
culturas pela convivência ressonante. Ou seja, um processo essas, em um curso de Ciências Naturais, tanto ajuda a
contínuo, que não pare nunca, por não se limitar a um dar desafiar a suposta neutralidade cultural da ciência quanto
ou receber, mas por ser contaminação, ressonância. a iluminar perspectivas e possibilidades insuspeitadas de
desenvolvimento científico.
O currículo como um espaço em que se explicita a an- O princípio que estamos defendendo nos instiga tam-
coragem social dos conteúdos bém a relacionar os conteúdos curriculares às experiências
culturais dos(as) estudantes e ao mundo concreto, o que
Sugerimos, como outra estratégia (intimamente rela- permite analisar quem lucra e quem perde com as formas
cionada à anterior), que se desenvolva nos(as) estudantes de emprego desses conhecimentos. Experiência desenvol-
a capacidade de perceber o que tem sido denominado vida por um pesquisador canadense, John Willinsky, pode
de ancoragem social dos conteúdos. Pretendemos que ser associada a esse enfoque. Bastante crítico da forma
se propicie uma maior compreensão de como e em que como habitualmente se analisam obras poéticas nas salas
contexto social um dado conhecimento surge e se difun- de aula, despindo-as de seus propósitos culturais e esté-
de. Nesse sentido, vale examinar como um determinado ticos, o autor, ao ser desafiado por um estudante para dar
conceito foi proposto historicamente, por que se tornou uma unidade de Literatura em uma turma de ensino mé-
ou não aceito, por que permaneceu ou foi substituído, que dio, abandonou a antologia tradicionalmente empregada.
tipos de discussões provocou, de que forma promoveu o Optou, então, por formular, com os(as) alunos(as), uma
avanço do conhecimento na área em pauta e, ainda, como antologia alternativa que abrigasse as diferentes vozes e
esse avanço propiciou benefícios (ou não) à humanidade identidades que hoje povoam o Canadá e que pudesse
(ou a certos grupos da humanidade). Não seria estimulante trazer à cena cultura, vida, dor, sangue, paixão, sensibilida-
envolvermos nossos(as) estudantes nas lutas travadas em de, assim como desafiar relações de poder que garantem
torno da aceitação do modelo heliocêntrico do universo? a continuidade de diferenças e desigualdades no mundo
Não seria enriquecedor acompanharmos e situarmos na contemporâneo. O que os(as) estudantes escolheram para
história o surgimento e as transformações dos modelos compor a nova antologia abriu as portas da sala de aula
de átomo, discutindo suas contribuições para o avanço da para suas posições históricas, experiências, visões de mun-
ciência e da tecnologia? O que estamos propondo é que do. Ainda: denunciou a persistente hegemonia da cultura
se evidenciem, no currículo, a construção social e os rumos de origem europeia, claramente expressa na herança co-
subsequentes dos conhecimentos, cujas raízes históricas e lonial que continua a se infiltrar no currículo. Não se está
culturais tendem a ser usualmente “esquecidas”, o que faz diante de uma confirmação de que visões da cultura como
com que costumem ser vistos como indiscutíveis, neutros, mente cultivada ou como desenvolvimento social atrelado
universais, intemporais. aos padrões europeus continuam presentes nos currícu-
Trata- se de questionar a pretensa estabilidade e o ca- los escolares? O mesmo autor nos oferece outro exemplo
ráter aistórico do conhecimento produzido no mundo oci- que também se harmoniza com o princípio que estamos
dental, cuja hegemonia tem sido incontestável. Trata- se, defendendo. Pergunta- nos se é possível dividirmos a rea-
mais uma vez, de caminhar na contramão do processo de lidade humana em culturas, raças, histórias, tradições e so-
transposição didática, durante o qual usualmente se cos- ciedades claramente diferentes e conseguirmos suportar,
tumam eliminar os vestígios da construção histórica dos com dignidade, as consequências dessas classificações.
saberes. Procurando ilustrar nosso ponto de vista com ou- Insiste, então, no questionamento do caráter aparente-
tros exemplos, sugerimos perguntas que, no ensino das mente natural, científico mesmo, dessas divisões. Para isso,
Ciências Naturais, podem se revelar bastante pertinentes. acrescenta, há que se compreender a dinâmica histórica
Eis algumas delas: das categorias por meio das quais temos sido rotulados,
(a) onde situar as origens da ciência: em culturas euro- identificados, definidos e situados na estrutura social. Para
peias ou culturas não europeias? isso, há que se focalizar, no currículo, a construção dessas
(b) em que medida a ciência moderna pode ser conside- categorias. Somente assim iremos desafiar seus significa-
rada ocidental? dos e abrir espaço, na escola e na sala de aula, para a di-
(c) existem ou podem vir a existir ciências, elaboradas versidade. Ou seja, Willinsky rejeita a ideia de que existe
em outras culturas, que também “funcionem”, que também uma verdade, uma essência ou um núcleo em qualquer
expliquem a realidade? categoria. Incentiva-nos, nas diferentes disciplinas curri-
(d) por que a escola insiste em apresentar a ciência oci- culares, a tornar evidente e a desestabilizar a construção
dental como a única possibilidade? histórica de categorias que nos têm marcado, tais como

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CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

raça, nação, sexualidade, masculinidade, feminilidade, ida- mos aprendido a ser quem somos, como profissionais da
de, religião etc. Com essa estratégia, pretende explicitar educação, brasileiros(as), homens, mulheres, casados(as),
como o mundo tem sido dividido. solteiros(as), negros(as), brancos(as), jovens ou idosos(as)?
Aceitando e seguindo a orientação de Willinsky, pode- Nesses momentos, tem sido bastante frequente a afirmação
ríamos planejar coletivamente, na escola, nas distintas dis- “nunca pensei na formação da minha identidade cultural”,
ciplinas, a análise, durante determinado período de tempo, ou então “me considero uma órfã do ponto de vista cultu-
de como a ideia de raça, por exemplo, vem sendo empre- ral”, expressão usada por uma professora jovem, querendo
gada para garantir privilégios e legitimar atos de opres- se referir à dificuldade de nomear os referentes culturais
são. Exemplifiquemos. Em Ciências, poderíamos proble- configuradores de sua trajetória de vida. A socialização em
matizar o caráter supostamente científico da categoria, até pequenos grupos, entre os(as) educadores(as), dos relatos
hoje evocado em muitos textos. Em História, poderíamos sobre a construção de suas identidades culturais pode se
examinar como a categoria tem justificado processos de revelar uma experiência profundamente vivida, muitas ve-
colonização, de rotulação, de hierarquização de grupos e zes carregada de emoção, que dilata tanto a consciência
culturas, de escravidão, de restrição a migrações. Em Geo- dos próprios processos de formação identitária do ponto
grafia, poderíamos explicitar como a categoria raça se tem de vista cultural, quanto a sensibilidade para favorecer esse
acrescentado, de modo harmônico, às razões apresentadas mesmo dinamismo nas práticas educativas que organiza-
para conquistas, novas distribuições de espaços, novos ma- mos. Nesses processos, podemos nos dar conta da com-
pas. Em Literatura, a discussão de representações das raças plexidade envolvida na configuração dos distintos traços
em diferentes textos literários propiciaria verificar o que identitários que coexistem, por vezes contraditoriamente,
essas representações têm valorizado, distinguido, incluído na construção das diferenças de que somos feitos.
e excluído. Em Educação Física, poderíamos desmistificar a
imagem do negro como o “atleta perfeito”, como o corpo O currículo como espaço de questionamento de nos-
que melhor se presta para o salto, a corrida, o jogo, a dan- sas representações sobre os “outros”
ça, o movimento.
Junto ao reconhecimento da própria identidade cul-
O currículo como espaço de reconhecimento de nossas tural, outro elemento a ser ressaltado relaciona-se às re-
identidades culturais presentações que construímos dos outros, daqueles que
consideramos diferentes. As relações entre nós e os outros
Um aspecto a ser trabalhado, que consideramos de es- estão carregadas de dramaticidade e ambiguidade. Em so-
pecial relevância, diz respeito a se procurar, na escola, pro- ciedades nas quais a consciência das diferenças se faz cada
mover ocasiões que favoreçam a tomada de consciência vez mais forte, reveste-se de especial importância aprofun-
da construção da identidade cultural de cada um de nós, darmos questões como: quem incluímos na categoria nós?
docentes e gestores, relacionando-a aos processos socio- Quem são os outros? Quais as implicações dessas ques-
culturais do contexto em que vivemos e à história de nosso tões para o currículo? Como nossas representações dos
país. O que temos constatado é a pouca consciência que, outros se refletem nos currículos? Esses são temas funda-
em geral, temos desses processos e do cruzamento de cul- mentais que estamos desafiados a trabalhar nas relações
turas neles presente. Tendemos a uma visão homogeneiza- sociais e, particularmente, na educação. Nossa maneira de
dora e estereotipada de nós mesmos e de nossos alunos e nos situarmos em relação aos outros tende a construir-se
alunas, em que a identidade cultural é muitas vezes vista em uma perspectiva etnocêntrica. Quem são os nós? Ten-
como um dado, como algo que nos é impresso e que per- demos a incluir na categoria nós todas aquelas pessoas e
dura ao longo de toda nossa vida. Desvelar essa realidade aqueles grupos sociais que têm referenciais semelhantes
e favorecer uma visão dinâmica, contextualizada e plural aos nossos, que têm hábitos de vida, valores, estilos e vi-
das identidades culturais é fundamental, articulando- se sões de mundo que se aproximam dos nossos e os refor-
as dimensões pessoal e coletiva desses processos. Cons- çam. Quem são os outros? Tendem a ser os que entram em
titui um exercício fundamental tornarmo-nos conscientes choque com nossas maneiras de nos situarmos no mundo,
de nossos enraizamentos culturais, dos processos em que por sua classe social, etnia, religião, valores, tradições, se-
misturam ou se silenciam determinados pertencimentos xualidade etc.
culturais, bem como sermos capazes de reconhecê-los, no- Como temos entendido esse outro? Para Skliar e Dus-
meá-los e trabalhá-los. Constitui um exercício fundamen- chatzky, principalmente de três formas distintas: o outro
tal tornarmo-nos conscientes de nossos enraizamentos como fonte de todo mal, o outro como sujeito pleno de um
culturais, dos processos em que misturam ou se silenciam grupo cultural, o outro como alguém a tolerar. A primeira
determinados pertencimentos culturais, bem como sermos perspectiva, segundo os autores, marcou predominante-
capazes de reconhecê-los, nomeá-los e trabalhá-los. mente as relações sociais durante o século XX e pode se
Como favorecer essa tomada de consciência? Alguns revestir de diferentes formas, desde a eliminação física do
exercícios podem ser propostos, buscando-se criar oportu- outro, até a coação interna, mediante a regulação de cos-
nidades em que o profissional da educação se estimule a tumes e moralidades. Nesse modo de nos situarmos diante
falar sobre como percebe a construção de sua identidade. do outro, assumimos uma visão binária e dicotômica. Em
Como vêm sendo criadas nossas identidades de gênero, um lado separamos os bons, os verdadeiros, os autênticos,
raça, sexualidade, classe social, idade, profissão? Como te- os civilizados, cultos, defensores da liberdade e da paz. Em

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CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

outro, deixamos os outros: os maus, os falsos, os bárbaros, O currículo como um espaço de crítica cultural
os ignorantes e os terroristas. Se nos identificamos com os
primeiros, o que temos a fazer é eliminar, neutralizar, do- Apresentamos agora outro princípio, fortemente re-
minar ou subjugar os outros. Caso nos sintamos represen- lacionado aos anteriores: sugerimos que se expandam os
tados como integrantes do pólo oposto, ou internalizamos conteúdos curriculares usuais, de modo a neles incluir al-
a nossa maldade e nos deixamos salvar, passando para o guns dos artefatos culturais que circundam o(a) aluno(a).
lado dos bons, ou nos confrontamos violentamente com A ideia é tornar o currículo um espaço de crítica cultural.
eles. Como essa primeira perspectiva se traduz na escola? Como fazê-lo? Um dos caminhos é abrir as portas, na esco-
Mostra-se presente quando: (a) atribuímos o fracasso es- la, a diferentes manifestações da cultura popular, além das
colar dos(as) alunos(as) às suas características sociais ou que compõem a chamada cultura erudita. Músicas popula-
étnicas; (b) diferenciamos os tipos de escolas segundo a res, danças, filmes, programas de televisão, festas popula-
origem social dos(as) estudantes, considerando que alguns res, anúncios, brincadeiras, jogos, peças de teatro, poemas,
têm maior potencial que outros e, para desenvolvermos revistas e romances precisam fazer-se presentes nas salas
uma educação de qualidade, não podemos misturar es- de aula. Da mesma forma, levando-se em conta a impor-
tudantes de diferentes potenciais; (c) nos situamos, como tância de ampliar os horizontes culturais dos(as) estudan-
professores(as), diante dos(as) alunos(as), com base em es- tes, bem como de promover interações entre diferentes
tereótipos e expectativas diferenciadas segundo a origem culturas, outras manifestações, mais associadas aos grupos
social e as características culturais dos grupos de referên- dominantes, precisam ser incluídas no currículo. A inten-
cia; (d) valorizamos exclusivamente o racional e desvalori- ção é que a cultura dos estudantes e da comunidade possa
zamos os aspectos afetivos presentes nos processos edu- interagir com outras manifestações e outros espaços cul-
cacionais; (e) privilegiamos somente a comunicação verbal, turais como museus, exposições, centros culturais, música
desconsiderando outras formas de comunicação humana, erudita, clássicos da literatura. Se aceitarmos a inexistência,
como a corporal, a artística etc. no mundo contemporâneo, de qualquer “pureza cultural”,
Ao considerarmos o outro como sujeito pleno de uma se pretendermos abrir espaço na escola para a complexa
marca cultural, estamos concebendo-o como membro de interpenetração das culturas e para a pluralidade cultural,
uma dada cultura, vista como uma comunidade homogê- tanto as manifestações culturais hegemônicas como as
nea de crenças e estilos de vida. O outro, ainda que não subalternizadas precisam integrar o currículo e ser objeto
seja a fonte de todo mal, é diferente de nós, tem uma es- de apreciação e crítica. Talvez fosse útil, para o desenvol-
sência claramente definida, distinta da que nos caracteriza. vimento do que sugerimos, que discutíssemos, na escola,
Na área da educação, essa visão se expressa, por exemplo, com que recursos podemos contar em nossa comunidade
quando nos limitamos a abordar o outro de forma genéri- e como fazer para que outros recursos venham, de algu-
ca e “folclórica”, apenas em dias especiais, usualmente in- ma forma, a tornar-se familiares a nossos(as) alunos(as). ...
cluídos na lista dos festejos escolares, tais como o Dia do Abrir as portas, na escola, a diferentes manifestações da
Índio ou Dia da Consciência Negra. Já a expressão o outro cultura popular, além das que compõem a chamada cultura
como alguém a tolerar convida tanto a admitir a existência erudita.
de diferenças quanto a aceitá-las. Nessa admissão, contu- Nessa perspectiva, há um ponto que desejamos des-
do, reside um paradoxo. Se aceitamos, por princípio, todo tacar. Ao intentarmos transformar a escola em um espaço
e qualquer diferente, deveríamos aceitar os grupos cujas cultural, estamos convidando cada professor(a), como inte-
marcas são comportamentos anti-sociais ou opressivos, lectual que é, a desempenhar o papel de crítico(a) cultural.
como os racistas. Que consequências a adoção dessa pers- Estamos considerando que a atividade intelectual implica
pectiva pode ter para a prática pedagógica? Julgamos que o questionamento do que parece inscrito na natureza das
a simples tolerância pode nos situar em uma posição dé- coisas, do que nos é apresentado como natural, questiona-
bil, evitando que tomemos posição em relação aos valores mento esse que visa, fundamentalmente, a mostrar que as
que dominam a cultura contemporânea. Pode impedir que coisas não são inevitáveis. A atividade intelectual centra-se,
polemizemos, levando-nos a assumir a conciliação como assim, na crítica da cultura em que estamos imersos. Como
valor último. Pode incentivar-nos a não questionar a “or- se expressa essa atividade na prática curricular? Julgamos
dem”, vendo-a como comportamentos a serem inevitavel- que cabe à escola, por meio de suas atividades pedagó-
mente cultivados. Poderíamos acrescentar outras formas gicas, mostrar ao aluno que as coisas não são inevitáveis
de nos situar diante dos outros. No entanto, acreditamos e que tudo que passa por natural precisa ser questionado
que a tipologia proposta por Skliar e Duschatzky expres- e pode, consequentemente, ser modificado. Cabe à esco-
sa as posições mais presentes na nossa sociedade hoje, la levá-lo a compreender que a ordem social em que está
evidenciando a complexidade das questões relacionadas inserido define-se por ações sociais cujo poder não é ab-
à alteridade e à diferença. O que desejamos destacar é soluto. O que existe precisa ser visto como a condição de
que o modo como concebemos a condição humana pode uma ação futura, não como seu limite. Nossos questiona-
bloquear nossa compreensão dos outros. Portanto, é im- mentos devem, então, provocar tensões e desafiar o exis-
portante promovermos processos educacionais nos quais tente. Podem não mudar o mundo, mas podem permitir
identifiquemos e desconstruamos nossas suposições, em que o aluno o compreenda melhor. Como nos diz Bauman,
geral implícitas, que não nos permitem uma aproximação “para operar no mundo (por contraste a ser ‘operado’ por
aberta e empática à realidade dos outros. ele) é preciso entender como o mundo opera”. A crítica de

42
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

diferentes artefatos culturais na escola pode, por exemplo, inferior. A participação em pesquisa pode mesmo con-
levar-nos a identificar e a desafiar visões estereotipadas da tribuir para que o trabalho do profissional da educação
mulher propagadas em anúncios; imagens desrespeitosas venha a ser mais valorizado. Estamos defendendo, em
de homossexuais difundidas em programas cômicos de te- resumo, que se torne o currículo, em cada escola, um es-
levisão; preconceitos contra povos não ocidentais eviden- paço de pesquisa. A pesquisa, concebida em um sentido
tes em desenhos animados; mensagens encontradas em mais amplo, reiteramos, não está restrita à universida-
revistas para adolescentes do sexo feminino (e da classe de. Como professores(as)/ intelectuais que atuamos na
média) que incentivam o uso de drogas, o consumismo e escola, precisamos enfrentar esse desafio, tornando-nos
o individualismo; estímulos à erotização precoce das meni- pesquisadores(as) dos saberes, valores e práticas que
nas, visíveis em brinquedos e programas infantis; presen- ensinamos e/ou desenvolvemos, centrando nosso ensi-
ça e aceitação da violência em filmes, jogos e brinquedos. no na pesquisa. Nesse processo, poderemos aperfeiçoar
Outros exemplos poderiam ser citados, reforçando-nos o nosso desempenho profissional, poderemos nos situar
ponto de vista de que os produtos culturais à nossa volta melhor no mundo, poderemos, ainda, nos engajar na luta
nada têm de ingênuos ou puros; ao contrário, incorporam por melhorá-lo. Nesse processo, poderemos despertar
intenções de apoiar, preservar ou produzir situações que nos alunos e nas alunas o espírito de pesquisa, de bus-
favorecem certos grupos e outros não. Tais artefatos, como ca, de ter prazer no aprender, no conhecer coisas novas.
se tem insistentemente acentuado, desempenham, junto Não deveríamos, então, começar, já na próxima reunião
com o currículo escolar, importante papel no processo de de professores(as) de nossa escola, a refletir sobre como
formação das identidades de nossas crianças e nossos ado- tornar o currículo um espaço de estudos e de pesquisas?
lescentes, devendo constituir- se, portanto, em elementos Estamos certos de que essa discussão pode ser extrema-
centrais de crítica em processos curriculares culturalmente mente estimulante e proveitosa.
orientados.
Referência:
O currículo como um espaço de desenvolvimento de BRASIL: Ministério da Educação. Indagações sobre
pesquisas currículo: currículo, conhecimento e cultura / [Antônio
Flávio Barbosa Moreira, Vera Maria Candau; organização
Como intelectual que é, todo(a) profissional da edu- do documento Jeanete Beauchamp, Sandra Denise Pagel,
cação precisa comprometer-se com o estudo e com a Aricélia Ribeiro do Nascimento. – Brasília, 2007.
pesquisa, bem como posicionar-se politicamente. Precisa,
assim, situar-se frente aos problemas econômicos, sócio-
-políticos, culturais e ambientais que hoje nos desafiam e
que desconhecem as fronteiras entre as nações ou entre as CURRÍCULO, CONHECIMENTO E PROCESSO
classes sociais. Sem esse esforço, será impossível propiciar DE APRENDIZAGEM: AS TENDÊNCIAS
ao(à) aluno(a) uma compreensão maior do mundo em que PEDAGÓGICAS NA ESCOLA.
vive, para que nele possa atuar autonomamente. Sem esse
esforço, será impossível a proposição de alternativas viá-
veis, decorrentes de reflexões e investigações cuidadosas e
rigorosas. Daí a necessidade de um posicionamento claro Neste texto objetiva-se sistematizar as características
e de um comprometimento com a pesquisa. Será possí- do pensamento pedagógico de diferentes autores sobre
vel e desejável que nós, profissionais da educação infantil a contextualização dos ambientes educativos de onde
e do ensino fundamental, venhamos a nos envolver com emergem a compreensão de homem, mundo e socieda-
pesquisa? Julgamos que sim. Propomos que todo(a) profis- de; compreender o papel do professor, do aluno, da es-
sional da educação venha, de algum modo, a participar de cola e dos elementos que compõem o ambiente escolar;
pesquisas sobre sua prática pedagógica ou administrativa, estabelecer relação entre as tendências pedagógicas e a
sobre a disciplina que ensina, sobre os saberes docentes, prática docente que os professores adotam na sala de
sobre o currículo, sobre a avaliação, sobre a educação em aula. Além disso, busca-se verificar os pressupostos de
geral, sobre a sociedade em que vivemos ou sobre temas aprendizagem empregados pelas diferentes tendências
diversificados (não incluídos no currículo). Consideramos pedagógicas na prática escolar brasileira, numa tentativa
que gestores e docentes precisam organizar os tempos e de contribuir, teoricamente, para a formação continuada
os espaços escolares para abranger as atividades de pes- de professores.
quisa aqui propostas. É fundamental que, nesse esforço, se As tendências pedagógicas definem o papel do ho-
verifiquem os recursos necessários e os recursos com que mem e da educação no mundo, na sociedade e na esco-
se pode contar. A comunidade em que a escola se situa la, o que repercute na prática docente em sala de aula
pode e deve participar tanto do planejamento como da im- graças a elementos constitutivos que envolvem o ato de
plementação dos estudos. ensinar e de aprender.
A Secretaria de Educação deve ser chamada a colabo- A seguir, serão apresentados, os pensamentos peda-
rar. A pesquisa do(a) professor(a) da escola básica certa- gógicos dos estudiosos Paulo Freire, José Carlos Libâneo,
mente difere da pesquisa levada a cabo na universidade Fernando Becker e Maria das Graças Nicoletti Mizukami.
e nos centros de pesquisa, o que, entretanto, não a torna

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CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

a) Paulo Freire: Educação Bancária e Problematizadora


Abordar o pensamento pedagógico de Paulo Freire não significa enquadrá-lo em um campo teórico determinado nem
testar a validade científica da sua pedagogia. Todavia, é de fundamental importância para a formação de qualquer profis-
sional de Educação que se faça uma leitura e reflexão sobre sua obra, buscando estabelecer uma vivência teórico-prática
durante toda a nossa ação docente. A esse respeito, o próprio Freire sempre chamava a atenção para um novo conheci-
mento que é gerado e produzido na tensão entre a prática e a teoria.
A história de Paulo Freire nos deixa uma grande herança: a sua práxis político-pedagógica e a luta pela construção de um pro-
jeto de sociedade inclusiva. Discutir a sua pedagogia é um compromisso de todos nós que lutamos por inclusão social, por ética,
por liberdade, por autonomia, pela recuperação da memória coletiva e pela construção de um projeto para uma escola cidadã.
Em Pedagogia do Oprimido (1982), Paulo Freire fala sobre a prática docente sob a forma de Educação Bancária e Edu-
cação Problematizadora – também chamada de Libertadora, pois se propõe a conscientizar o educando de sua realidade
social. Para Freire, há duas concepções de educação: uma bancária, que serve à dominação e outra, problematizadora, que
serve à libertação. Nesse sentido, faz uma opção pela educação problematizadora que desde o início busca a superação
educador-educando. Isso nos leva a compreender um novo termo: educador-educando com educando-educador.
Quadro-síntese da concepção da Educação Bancária e Educação Problematizadora de Paulo Freire (1982).

Educação Bancária Educação Problematizadora


O aluno é o banco em que o mestre “Para o educador-educando [...] o conteúdo
deposita o seu saber que vai render largos programático da educação não é uma doação
juros, em favor da ordem social que o ou imposição, mas a revolução organizada,
Ensino
professor representa. sistematizada e acrescentada ao povo daqueles
elementos que este lhe entregou de forma
desestruturada”.
A narração é a técnica utilizada pelo Reforça a imprescindibilidade de
educador para depositar conteúdo nos uma educação realmente dialógica,
educandos e conduzi-los à memorização problematizadora e marcadamente reflexiva,
Método
mecânica. combinações indispensáveis para o
desvelamento da realidade e sua apreensão
consciente pelo educando.
O saber é uma doação dos que se A ação dialógica se dá entre os sujeitos
julgam sábios aos que julgam nada “ainda que tenham níveis distintos de função,
saber. Doação que se funda numa das portanto, de responsabilidade somente pode
Professor-aluno
manifestações instrumentais da ideologia realizar-se na comunicação”. Abomina, dentre
da opressão – a absolutização da outras coisas, a dependência dominadora.
ignorância.
Conhecimento é algo que, por O comprometimento com a transformação
Aprendizagem ser imposto, passa a ser absorvido social é a premissa da educação Libertadora.
passivamente.

A partir desse quadro-síntese constata-se que a Educação Bancária fundamenta-se numa prática narradora, sem diá-
logo, para a transmissão e avaliação de conhecimento numa relação vertical – o saber é fornecido de cima para baixo – e
autoritária, pois manda aquele que sabe.
O método da concepção bancária é a opressão, o antidiálogo. Configura-se então a educação exercida como uma
prática da dominação, “em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos,
guardá-los e arquivá-los. Margem para serem colecionadores ou fichadores das coisas que arquivam”.
Na educação problematizadora, o conhecimento deve vir do contato do homem com o seu mundo, que é dinâmico,
e não como um ato de doação. Supera-se, pois a relação vertical e se estabelece a relação dialógica, que supõe uma troca
de conhecimento.
Freire (1982) destaca que o “educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo
com o educando que, ao ser educado, também educa”. Para o autor a dialogicidade é a essência da Educação Libertadora.
Além disso, outras características são necessárias para que ela se concretize tais como: colaboração, união, organização e
síntese cultural.
Ao desenvolver uma epistemologia do conhecimento, Freire parte de uma reflexão acerca de uma experiência concreta
para desenvolver sua metodologia dialética: ação-reflexão- ação. Metodologia que parte da problematização da prática
concreta, vai à teoria estudando-a e reelaborando-a criticamente e retorna à prática para transformá-la. Nesta concepção,
o diálogo se apresenta como condição fundamental para sua concretização.

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CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Ele nos apresenta sua teoria metodológica a partir da Na Tendência Liberal Tradicional, é tarefa do educador
sua prática refletida na alfabetização de jovens e adultos, fazer com que o educando atinja a realização pessoal através
iniciada na década de 1960. O trabalho, que foi denomina- de seu próprio esforço. O cultivo do intelecto é descontex-
do como “método Paulo Freire”, ou “método de conscienti- tualizado da realidade social, com ênfase para o estudo dos
zação” foi desenvolvido, a partir de uma leitura de mundo, clássicos e das biografias dos grandes mestres. A transmissão
em cinco fases: levantamento do universo vocabular, temas é feita a partir dos conteúdos acumulados historicamente
geradores e escolha de palavras geradoras, criação de situa- pelo homem, num processo cumulativo, sem reconstrução
ções existenciais típicas do grupo, elaboração de fichas-ro- ou questionamento. A aprendizagem se dá de forma recep-
teiro e leitura de fichas com a decomposição das famílias tiva, automática, sem que seja necessário acionar as habilida-
fonêmicas. Apesar do reconhecimento da qualidade eman- des mentais do educando além da memorização.
cipatória do processo de alfabetização divulgada e experien- Seu método enfatiza a transmissão de conteúdos e a
ciada em vários países, Freire insistiu que as experiências não assimilação passiva. É ainda intuitivo, baseado na estimu-
podem ser transplantadas, mas reinventadas. Nesse sentido, lação dos sentidos e na observação. Através da memori-
o da reinvenção, é que acreditamos nas possibilidades didá- zação, da repetição e da exposição verbal, o educador
ticas das experiências com a pedagogia freireana. chega a um interrogatório (tipo socrático), estimulando o
Ele reforça a importância da participação democrática individualismo e a competição. Envolve cinco passos que,
e o exercício da autonomia para construção dos projetos segundo Friedrich Herbart, são os seguintes: preparação,
político-pedagógicos. Em oposição, condena os novos recordação, associação, generalização e aplicação.
pacotes pedagógicos impostos sem a participação da co- Libâneo (1994) afirma ainda que o ensino é centrado
munidade escolar e incentiva a incorporação de múltiplos no professor que expõe e interpreta o conhecimento. Às
saberes necessários à prática de educação crítica. Para isso, vezes, o conteúdo de ensino é apresentado com auxílio de
referencia o respeito aos saberes socialmente construídos objetos, ilustrações ou exemplos, embora o meio principal
na prática comunitária e sugere que se discuta com os alu- seja a palavra, a exposição oral. Supõe-se que ouvindo e fa-
nos a razão de ser de alguns desses saberes em relação ao zendo exercícios repetitivos, os alunos “gravam” o assunto
ensino dos conteúdos e às razões políticas ideológicas. para depois reproduzi-lo quando forem interrogados pelo
professor ou através das provas. Para isso, é importante
que o aluno “preste atenção” para que possa registrar mais
b) José Carlos Libâneo: Pedagogia Liberal e Pedagogia
facilmente, na memória, o que é transmitido.
Progressista
Desse modo, o aluno é um recebedor do conteúdo,
Libâneo classifica as tendências pedagógicas, segun-
cabendo-lhe a obrigação de memorizá-lo. Os objetivos das
do a posição que adotam em relação aos condicionantes
aulas, explícitos ou não no planejamento dos professores,
sociopolíticos da escola, em Pedagogia Liberal – subdivi-
referem-se à formação de um aluno ideal, desvinculado
dida em tradicional, renovada progressivista, renovada da sua realidade concreta. O professor tende a encaixar os
não-diretiva e tecnicista – e Pedagogia Progressista – que alunos num modelo idealizado de homem que nada tem a
se subdivide em libertadora, libertária e crítico-social dos ver com a vida presente e futura.
conteúdos. O conteúdo a ser ensinado é tratado isoladamente, isto
Segundo LIBÂNEO (1994), a pedagogia liberal sustenta é, desvinculado dos interesses dos alunos e dos proble-
a ideia de que a escola tem por função preparar os indi- mas reais da sociedade e da vida. O método de ensino é
víduos para o desempenho de papéis sociais, de acordo dado pela lógica e sequência do assunto, modo pelo qual
com as aptidões individuais. Isso pressupõe que o indiví- o professor se apoia para comunicar-se desconsiderando o
duo precisa adaptar-se aos valores e normas vigentes na processo cognitivo desenvolvido pelos alunos para apren-
sociedade de classe, através do desenvolvimento da cul- der. Todavia, alguns 5 métodos intuitivos foram incorpo-
tura individual. Devido a essa ênfase no aspecto cultural, rados ao ensino tradicional, baseando-se na apresentação
as diferenças entre as classes sociais não são consideradas, de dados ligados à sensibilidade dos alunos de modo que
pois, embora a escola passe a difundir a ideia de igualdade eles pudessem observá-los e, a partir daí, formar imagens
de oportunidades, não leva em conta a desigualdade de mentais. Muitos professores ainda acham que “partir do
condições. concreto” constitui-se na chave do ensino atualizado. Essa
As Tendências Pedagógicas Liberais tiveram seu início ideia, entretanto, já fazia parte da Pedagogia Tradicional
no século XIX, tendo recebido as influências do ideário da porque o concreto (mostrar objetos, ilustrações, gravuras,
Revolução Francesa (1789), de “igualdade, liberdade, fra- entre outros) serve apenas para que o aluno grave na men-
ternidade”, que foi, também, determinante do liberalismo te o que é captado pelos sentidos. O material concreto é
no mundo ocidental e do sistema capitalista, onde estabe- mostrado, demonstrado, manipulado, mas o aluno não lida
leceu uma forma de organização social baseada na pro- mentalmente com ele, não o repensa, não o reelabora com
priedade privada dos meios de produção, o que se deno- o seu próprio pensamento. A aprendizagem é, portanto,
minou como sociedade de classes. Sua preocupação básica receptiva, automática, não mobilizando a atividade mental
é o cultivo dos interesses individuais e não-sociais. Para do aluno e o desenvolvimento de suas capacidades intelec-
essa tendência educacional, o saber já produzido (conteú- tuais, embora tenham surgido nos últimos anos inúmeras
dos de ensino) é muito mais importante que a experiência propostas de renovação das abordagens do processo ensi-
do sujeito e o processo pelo qual ele aprende, mantendo o noaprendizagem, como as sugestões presentes nos atuais
instrumento de poder entre dominador e dominado. Parâmetros Curriculares Nacionais.

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CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

A Pedagogia Renovada, por outro lado, retoma as- e método científico de descobrir conhecimentos. Tanto na
pectos referentes às perspectivas progressivistas baseadas organização das experiências de aprendizagem como na
em John Dewey, bem como a não-diretiva inspirada em seleção de métodos, importa o processo de aprendizagem
Carl Rogers, a culturalista, a piagetiana, a montessoriana e e não diretamente o ensino. O melhor método é aquele
outras. Todavia, o que caracteriza fortemente os conheci- que atende às exigências psicológicas do aprender.
mentos e a experiência da Didática brasileira vem, em sua Em síntese, a tendência dessa escola é deixar os co-
maioria, do movimento da Escola Nova (entendida como nhecimentos sistematizados em segundo plano, valo-
“direção da aprendizagem” e que considera o aluno como rizando mais o processo de aprendizagem e os fatores
sujeito da aprendizagem). Nessa concepção pedagógica, o que possibilitam o desenvolvimento das capacidades e
professor deve deixar o aluno em condições mais adequa- habilidades intelectuais de quem aprende. Desse modo,
das possíveis para que possa partir das suas necessidades os adeptos dessa tendência didática acreditam que o pro-
e ser estimulado pelo ambiente para vivenciar experiências fessor não ensina, mas orienta o aluno durante o processo
e buscar por si mesmo o conhecimento. de aprendizagem, sugerindo assim uma didática não dire-
Segundo Libâneo (1994), essa tendência, no Brasil, se- tiva no ensinoaprendizagem. Isso porque o conhecimento
gue duas versões distintas: a Renovada Progressivista (que ocorre a partir de um processo ativo de busca do aprendiz
se refere a processos internos de desenvolvimento do in- e orientado pelo professor, constituindo-se, então, o eixo
divíduo; não confundir com progressista, que se refere a norteador da ação educativa, centrada nas atividades de
processos sociais) ou Pragmatista, inspirada nos Pioneiros investigação.
da Escola Nova, e a Tendência Renovada não-Diretiva, ins- A Tendência Liberal Tecnicista tem seu início com o de-
pirada em Carl Rogers e A. S. Neill, que se volta muito mais clínio, no final dos anos 60, da Escola Renovada, quando,
para os objetivos de desenvolvimento pessoal e relações mais uma vez, sob a instalação do regime militar no país,
interpessoais (sendo que este último não chegou a desen- as elites dão ênfase a um outro tipo de educação direcio-
volver um sistema a respeito dos métodos da educação). nada às massas, a fim de conservar a posição de domina-
Seu método de ensino é o ativo, que inicialmente se ca- ção, ou seja, manter o status quo dominante.
racteriza pelo método “aprender fazendo” e, após a jun- Atendendo os interesses da sociedade capitalista,
ção dos cinco passos propostos por Dewey (experiência, inspirada especialmente na teoria behaviorista, corrente
problema, pesquisa, ajuda discreta do professor, estudo do comportamentalista organizada por Skinner e na aborda-
meio natural e social), desenvolve o “aprender a aprender”, gem sistêmica de ensino, traz como verdade absoluta a
que, privilegiando os estudos independentes e também os neutralidade científica e a transposição dos acontecimen-
estudos em grupo, seleciona uma situação vivida pelo edu- tos naturais à sociedade.
cando que seja desafiante e que careça de uma solução Negando os determinantes sociais, o tecnicismo tinha
para um problema prático. Para Saviani, por estes motivos como princípios a racionalidade, a eficiência, a produtivi-
e outros de ordem política, a Escola Nova, seguidora des- dade e a neutralidade científica, produzindo, no âmbito
sas vertentes, acaba por aprimorar o ensino das elites e educacional, uma enorme distância entre o planejamento
rebaixar o das classes populares. Mas, mesmo recebendo - preparado por especialistas e não por educadores, seus
esse tipo de crítica, podemos considerá-la como o mais meros executores - e a prática educativa.
forte movimento “renovador” da educação brasileira. Nesse período, a educação passa a ter seu trabalho
Para a tendência renovada, o papel da educação é o parcelado, fragmentado, a fim de produzir determinados
de atender as diferenças individuais, as necessidades e in- produtos desejáveis pela sociedade capitalista e industrial.
teresses dos educandos, enfatizando os processos mentais Muitas propostas surgem como enfoque sistêmico, o mi-
e 6 habilidades cognitivas necessárias à adaptação do ho- croensino, o tele-ensino, a instrução programada, entre
mem ao meio social. O educando é, portanto, o centro e outras. Subordina a educação à sociedade, tendo como
sujeito do conhecimento. função principal a produção de indivíduos competentes,
Nessa perspectiva, Libâneo (1994) afirma que o alu- ou seja, a preparação da mão-de-obra especializada para
no aprende melhor tudo o que faz por si próprio. Não se o mercado de trabalho a ser consolidado. Neste contexto,
trata apenas de aprender fazendo, no sentido de trabalho a pedagogia tecnicista termina contribuindo ainda mais
manual, de ações de manipulação de objetos. Trata-se de para o caos no campo educativo, gerando, assim, a invia-
colocar o aluno frente a situações que mobilizem suas ha- bilidade do trabalho pedagógico.
bilidades intelectuais de criação, de expressão verbal, es- Seu método é o da transmissão e recepção de infor-
crita, plástica, entre outras formas de exercício cognitivo. mações. Nele, o educando é submetido a um processo de
O centro da atividade escolar, portanto, não é o professor controle do comportamento, a fim de que os objetivos
nem a matéria, mas o aluno em seu caráter ativo e investi- operacionais previamente estabelecidos possam ser atin-
gador. O professor incentiva, orienta, organiza as situações gidos. Trata-se do “aprender fazendo”.
de aprendizagem, adequando-as às capacidades de carac- Trata-se de uma tendência pedagógica que ganhou
terísticas individuais dos alunos. certa autonomia quando se constituiu especificamente
Assim, essa didática ativa valoriza métodos e técnicas como tendência independente, inspirada na teoria beha-
como o trabalho em grupo, as atividades cooperativas, o viorista da aprendizagem. De acordo com Libâneo (1994),
estudo individual, as pesquisas, os projetos, as experimen- essa orientação acabou sendo imposta às escolas pelos
tações, dentre outros, bem como os métodos de reflexão organismos oficiais ao longo de boa parte das décadas

46
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

que constituíram o regime militar de governo, por ser estamos necessariamente imobilizados por estarmos
compatível com a orientação econômica, política e ideoló- submetidos a papéis pré-determinados em uma socie-
gica desse regime político, então vigente. dade de classes. Segundo ele, apesar de os seguidores
Atualmente, ainda percebemos a predominância des- dessa tendência não terem tido a preocupação com uma
sas características tecnicistas em alguns cursos de forma- proposta pedagógica explícita, havia uma didática implí-
ção de professores, principalmente das áreas de Ciências cita em seus “círculos de cultura”, sendo cerne da ativida-
e Matemática, com relação ao uso de manuais didáticos de pedagógica a discussão de temas sociais e políticos,
com essas características (tecnicistas), especificamente ins- que a nós parece ser claro o método dialógico, usado
trumentais. Essa tendência didática tem como objetivo a para o despertar da consciência política.
racionalização do ensino, o uso de meios e técnicas mais A Pedagogia Progressista Libertária tem como ideia
eficazes, cujo sistema de instrução é composto de: básica modificações institucionais, que, a partir dos níveis
- Especificação de objetivos instrucionais a serem ope- subalternos, vão “contaminando” todo o sistema, sem
racionalizados; modelos e recusando-se a considerar qualquer forma de
- Avaliação prévia dos alunos para estabelecer pré-re- poder ou autoridade.
quisitos visando alcançar os objetivos; Percebemos esta tendência como decorrência de
- Ensino ou organização das experiências de aprendi- uma abertura para uma sociedade democrática, que vai
zagem; se firmando lentamente a partir do início dos anos 80,
- Avaliação dos alunos relativa ao que se propôs nos com a volta dos exilados políticos e a liberdade de ex-
objetivos iniciais. pressão nos meios acadêmicos, políticos e culturais do
O arranjo mais simplificado dessa sequência resultou país. Firmando-se os interesses por escolas realmente
na seguinte sequência: objetivos, conteúdos, estratégias, democráticas e inclusivas e a ideia do projeto políticope-
avaliação. O professor é um administrador e executor do dagógico da escola como forma de identificação política
planejamento, o meio de previsão das ações a serem exe- que atenda aos interesses locais e regionais, primando
cutadas e dos meios necessários para se atingir os obje- por uma educação de qualidade para todos. A partici-
tivos. De acordo com essa tendência, os livros didáticos pação em grupos e movimentos sociais na sociedade,
usados nas escolas eram, e ainda são, elaborados, em sua além dos muros escolares, é incentivada e ampliada, tra-
maioria, com base na tecnologia da instrução, ou seja, sob zendo para dentro dela a necessidade de concretizar a
a forma de atividades dirigidas nas quais os alunos seguem democracia, através de eleições para conselhos, direção
etapas sequenciadas que os levem ao alcance dos objeti- da escola, grêmios estudantis e outras formas de gestão
vos previamente estabelecidos, sem que possam exercitar participativa.
a sua criatividade cognitiva. No Brasil, os libertários recebem a influência do pen-
Se, nas Tendências Liberais, a escola possuía uma fun- samento de Celestin Freinet e suas técnicas nas quais os
ção equalizadora, nas Tendências Progressistas, derivada próprios alunos organizavam os seus planos de trabalho.
das teorias críticas, ela passa a ser analisada como repro- O método de ensino é a própria autogestão, tornando o
dutora das desigualdades de classe e reforçadora do modo interesse pedagógico dependente de suas necessidades
de produção capitalista. ou do próprio grupo.
Tendo surgido na França a partir de 1968 e no Brasil com Para Libâneo (1994), na didática centrada na Pedago-
a Revolução Cultural, nas Tendências Progressistas, a escola gia Libertadora, o professor busca desenvolver o proces-
passa a ser vista não mais como redentora, mas como repro- so educativo como tarefa que se dá no interior dos gru-
dutora da classe dominante. Snyders (1994) foi o primeiro pos sociais e, por isso, ele é o coordenador ou o anima-
a usar o termo “Pedagogia Progressista”, partindo de uma dor das atividades que se organizam sempre pela ação
análise crítica da realidade social, sustentando, implicita- conjunta dele e dos alunos. Não há, portanto, uma pro-
mente, as finalidades sociais e políticas da educação. posta explícita de Didática e muitos dos seus seguido-
Nessa perspectiva, Libâneo (1994), designa à Pedago- res, entendendo que toda didática resumir-se-ia ao seu
gia Progressista três tendências: caráter tecnicista, instrumental, meramente prescritivo,
A Pedagogia Progressista Libertadora que, partindo de até recusam admitir o papel dessa disciplina na formação
uma análise crítica das realidades sociais, sustenta os fins dos professores.
sociopolíticos da educação. Teve seu início com Paulo Frei- Há, nessa perspectiva pedagógica, uma didática im-
re, nos anos 60, rebelando-se contra toda forma de autori- plícita na orientação das atividades escolares de modo
tarismo e dominação, defendendo a conscientização como que o professor se coloque diante de sua classe como um
processo a ser conquistado pelo homem, através da proble- orientador da aprendizagem dos seus alunos. Entretanto,
matização de sua própria realidade. Sendo revolucionária, ela essas atividades estão centradas na discussão de temas
preconizava a transformação da sociedade e acreditava que sociais e políticos, ou seja, o foco do ensino é a realidade
a educação, por si só, não faria tal revolução, embora fosse social, em que o professor e os alunos estão envolvidos.
uma ferramenta importante e fundamental nesse processo. Assim, eles analisam os problemas da realidade do con-
A teoria educacional freireana é utópica, em seu sen- texto sócioeconômico e cultural da sua comunidade com
tido de vir-a-ser, de inédito viável, expressões usadas por seus recursos e necessidades, visando ao desenvolvimen-
Freire, e esperançosa, porque deposita na transformação to de ações coletivas para a busca de descrição, análise e
do homem a ideia de que mudar é possível e de que não soluções para os problemas extraídos da realidade.

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CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

As atividades escolares não se constituem meramente fundamenta-se numa epistemologia pela qual o sujeito é o
da exploração dos conteúdos de ensino, já sistematizados elemento conhecedor, totalmente determinado pelo mun-
nos livros didáticos ou previstos pelos programas oficiais, do do objeto ou pelos meios físicos e sociais. Essa episte-
mas sim em um processo de participação ativa nas discus- mologia é representada da seguinte forma:
sões e nas ações práticas sobre as questões da realidade
social de todos os envolvidos. Nesse processo, a discussão, S O
os relatos da experiência vivida, a socialização das informa-
ções, a pesquisa participante, o trabalho de grupo, entre O professor representa esse mundo na sala de aula,
outros atos educativo-reflexivos, fazem emergir temas ge- entendendo que somente ele, o professor, é o detentor do
radores que podem ser sistematizados de modo a conso- saber e pode produzir algum conhecimento novo ao aluno.
lidar o conhecimento pelo aluno, com as orientações do Cabe ao aluno ouvir, prestar atenção, permanecer quieto
professor. e em silêncio e repetir, quantas vezes forem necessárias,
A tendência libertadora tem sido a perspectiva didáti- escrevendo, lendo, até aderir ao que o professor deu como
ca mais praticada com muito êxito em vários setores dos conteúdo.
movimentos sociais, como sindicatos, associações de bair- Traduzindo o modelo epistemológico em modelo pe-
ro, comunidades religiosas, entre outros. Parte desse êxito dagógico temos:
deve-se ao fato de tal tendência ser utilizada entre adul-
tos que vivenciam uma prática política e em situações nas A P
quais o debate sobre a problemática econômica, social e
política pode ser aprofundado com a orientação de intelec- Assim, o professor ensina e o aluno aprende. Nesse
tuais comprometidos com os interesses populares. modelo, nada de novo acontece na sala de aula, e se carac-
A Pedagogia Progressista Crítico-Social dos Conteú- teriza por ser reprodução de ideologia e repetição.
dos, tendo sido fortalecida a princípio na Europa e depois
no Brasil, a partir da década de 80, foi considerada como Pedagogia Não-Diretiva
sinônimo de pedagogia dialética, no sentido da “dialógica”. O professor torna-se um facilitador da aprendizagem,
Firmando-se como teoria que busca captar o movimento um auxiliar do aluno. O educando já traz um saber e é
objetivo do processo histórico, uma vez que concebe o ho- preciso apenas organizá-lo ou recheá-lo de conteúdo. O
mem através do materialismo histórico-marxista, trata-se professor deve interagir o mínimo possível, pois acredita
de uma síntese superadora do que há de significado na que o aluno aprende por si mesmo. A epistemologia que
Pedagogia Tradicional e na Escola Nova, direcionando o fundamenta essa postura pedagógica é apriorista:
ensino para a superação dos problemas cotidianos da prá-
tica social e, ao mesmo tempo, buscando a emancipação S O
intelectual do educando, 10 considerado um ser concreto,
inserido num contexto de relações sociais. Da articulação Apriorismo vem de a priori, o que significa que aquilo
entre a escola e a assimilação dos conteúdos por parte des- que é posto antes vem como condição do que vem depois.
te aluno concreto é que resulta o saber criticamente elabo- Essa epistemologia sustenta a ideia de que o ser humano
rado (Libâneo, 1990). nasce com o conhecimento já programado na sua herança
Essa tendência prioriza o domínio dos conteúdos cien- genética, bastando o mínimo de interferência do meio físi-
tíficos, os métodos de estudo, habilidades e hábitos de ra- co ou social para o seu desenvolvimento.
ciocínio científico, como modo de formar a consciência crí- Segundo Becker (2001), o professor que segue essa
tica face à realidade social, instrumentalizando o educando epistemologia apriorista renuncia àquilo que seria a carac-
como sujeito da história, apto a transformar a sociedade e terística fundamental da ação docente: a intervenção no
a si próprio. Seu método de ensino parte da prática social, processo de aprendizagem do aluno.
constituindo tanto o ponto de partida como o ponto de
chegada, porém, melhor elaborado teoricamente. A P

c) Fernando Becker: Pedagogia Diretiva, Pedagogia Pedagogia Relacional


Não-Diretiva e Pedagogia Relacional O professor admite que tudo que o aluno construiu
Fernando Becker (2001) desenvolveu a ideia de mode- até hoje em sua vida serve de patamar para construir no-
los pedagógicos e modelos epistemológicos para explicar vos conhecimentos. Para esse professor, o aluno tem uma
os pressupostos pelos quais cada professor atua. Apre- história de conhecimento percorrida e é capaz de aprender
senta, então, três modelos: Pedagogia Diretiva, Pedagogia sempre. A disciplina rígida e a postura autoritária do pro-
Não-Diretiva e Pedagogia Relacional. fessor são superadas através da construção de uma disci-
plina intelectual e regras de convivência que permitam criar
Pedagogia Diretiva um ambiente favorável à aprendizagem.
Na Pedagogia Diretiva o professor acredita que o co- O professor acredita que o aluno aprenderá novos co-
nhecimento é transmitido para o aluno. Este por sua vez, nhecimentos se ele agir e problematizar sua ação. Para que
não tem nenhum saber, não o tinha no nascimento e não o isso aconteça, torna-se necessário que o aluno aja (assimi-
tem a cada novo conteúdo. O professor, com essa prática, lação) sobre o material que o professor traz para a sala de

48
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

aula e considera significativo para sua aprendizagem que o foram adquiridos. O aluno que adquiriu o hábito ou que
aluno responda para si mesmo às perturbações (acomoda- “aprendeu” apresenta, com frequência, compreensão ape-
ção) provocadas pela assimilação do material. nas parcial. Ignoram-se as diferenças individuais.
A relação professor-aluno é vertical, sendo que (o
S O professor) detém o poder decisório quanto a metodolo-
gia, conteúdo, avaliação, forma de interação na aula etc. O
O sujeito constrói seu conhecimento nas dimensões do professor detém os meios coletivos de expressão. A maior
conteúdo e da forma ou estrutura como condição prévia parte dos exercícios de controle e dos de exames se orienta
de assimilação. Nessa tendência, o professor além de en- para a reiteração dos dados e informações anteriormente
sinar, passa a aprender e o aluno, além de aprender, passa fornecidos pelos manuais.
a ensinar. A metodologia se baseia na aula expositiva e nas de-
monstrações do professor a classe, tomada quase como
A P auditório. O professor já traz o conteúdo pronto e o aluno
se limita exclusivamente a escutá-lo.
d) Maria da Graça Nicoletti Mizukami: tendências pe-
dagógicas e processo de ensino e aprendizagem Mizukami Abordagem comportamentalista
(1986) classifica o processo de ensino nas seguintes abor- O conhecimento é uma “descoberta” e é nova para
dagens: o indivíduo que a faz. O que foi descoberto, porém, já se
Abordagem tradicional A abordagem tradicional tra- encontrava presente na realidade exterior. Os comporta-
ta-se de uma concepção e uma prática educacional que mentalistas consideram a experiência ou a experimentação
persiste no tempo, em suas diferentes formas, e que passa- planejada como a base do conhecimento, o conhecimento
ram a fornecer um quadro diferencial para todas as demais é o resultado direto da experiência.
abordagens que a ela se seguiram. Na concepção tradi- Aos alunos caberia o controle do processo de aprendi-
cional, o ensino é centrado no professor. O aluno apenas zagem, um controle científico da educação, o professor te-
executa prescrições que lhe são fixadas por autoridades ria a responsabilidade de planejar e desenvolver o sistema
exteriores. de ensinoaprendizagem, de forma tal que o desempenho
A construção do conhecimento parte do pressuposto do aluno seja maximizado, considerando-se igualmente
de que a inteligência seja uma faculdade capaz de acumu- fatores tais como economia de tempo, esforços e custos.
lar/armazenar informações. Aos alunos são apresentados Nessa abordagem, se incluem tanto a aplicação da tec-
somente os resultados desse processo, para que sejam nologia educacional e estratégias de ensino, quanto estra-
armazenados. Evidencia-se o caráter cumulativo do co- tégias de reforço no relacionamento professor-aluno.
nhecimento humano, adquirido pelo indivíduo por meio
de transmissão, de onde se supõe o papel importante da Abordagem Humanista
educação formal e da instituição escola. Atribui-se ao su- Nesta abordagem é dada a ênfase no papel do sujeito
jeito um papel insignificante na elaboração e aquisição do como principal elaborador do conhecimento humano. Da
conhecimento. Ao indivíduo que está “adquirindo” conhe- ênfase ao crescimento que dela se resulta, centrado no de-
cimento compete memorizar definições, anunciando leis, senvolvimento da personalidade do indivíduo na sua capa-
sínteses e resumos que lhes são oferecidos no processo de cidade de atuar como uma pessoa integrada. O professor
educação formal. em si não transmite o conteúdo, dá assistência sendo faci-
A educação é entendida como instrução, caracterizada litador da aprendizagem. O conteúdo advém das próprias
como transmissão de conhecimentos e restrita à ação da experiências do aluno o professor não ensina: apenas cria
escola. Às vezes, coloca-se que, para que o aluno possa condições para que os alunos aprendam.
chegar, e em condições favoráveis, há uma confrontação Trata-se da educação centrada na pessoa, já que nessa
com o modelo, é indispensável uma intervenção do pro- abordagem o ensino será centrado no aluno. A educação
fessor, uma orientação do mestre. Trata-se, pois, da trans- tem como finalidade primeira a criação de condições que
missão de ideias selecionadas e organizadas logicamente. facilitam a aprendizagem de forma que seja possível seu
No processo de ensino-aprendizagem a ênfase é dada desenvolvimento tanto intelectual como emocional seria a
às situações de sala de aula, onde os alunos são “instruí- criação de condições nas quais os alunos pudessem tornar-
dos” e “ensinados” pelo professor. Os conteúdos e as in- -se pessoas de iniciativas, de responsabilidade, autodeter-
formações têm de ser adquiridos, os modelos imitados. minação que soubessem aplicar-se a aprendizagem no que
Seus elementos fundamentais são imagens estáticas que lhe servirão de solução para seus problemas servindo-se da
progressivamente serão “impressas” nos alunos, cópias de própria existência. Nesse processo os motivos de aprender
modelos do exterior que serão gravadas nas mentes indi- deverão ser do próprio aluno. Autodescoberta e autodeter-
viduais. Uma das decorrências do ensino tradicional, já que minação são características desse processo.
a aprendizagem consiste em aquisição de informações e Cada professor desenvolverá seu próprio repertório de
demonstrações transmitidas, é a que propicia a formação uma forma única, decorrente da base percentual de seu
de reações estereotipadas, de automatismos denominados comportamento. O processo de ensino irá depender do
hábitos, geralmente isolados uns dos outros e aplicáveis, caráter individual do professor, como ele se relaciona com
quase sempre, somente às situações idênticas em que o caráter pessoal do aluno. Assume a função de facilitador

49
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

da aprendizagem e nesse clima entrará em contato com Logo, a escola deve ser um local onde seja possível o
problemas vitais que tenham repercussão na existência do crescimento mútuo, do professor e dos alunos, no pro-
estudante. cesso de conscientização o que indica uma escola dife-
Isso implica que o professor deva aceitar o aluno tal rente de que se tem atualmente, coma seus currículos e
como é e compreender os sentimentos que ele possui. O prioridades. A situação de ensino-aprendizagem deve-
aluno deve responsabilizar-se pelos objetivos referentes a rá procurar a superação da relação opressor-oprimido.
aprendizagem que tem significado para eles. As qualida- A estrutura de pensar do oprimido está condicionada
des do professor podem ser sintetizadas em autenticida- pela contradição vivida na situação concreta, existen-
de compreensão empática, aceitação e confiança no alu- cial em que o oprimido se forma. Nesta situação, a
no. relação professor-aluno é horizontal, sendo que o pro-
Não se enfatiza técnica ou método para facilitar a fessor se empenhará numa prática transformadora que
aprendizagem. Cada educador eficiente deve elaborar a procurará desmitificar e questionar, junto com o aluno.
sua forma de facilitar a aprendizagem no que se refere ao
que ocorre em sala de aula é a ênfase atribuída a relação Referências
pedagógica, a um clima favorável ao desenvolvimento das BECKER, Fernando. Educação e construção do co-
pessoas que possibilite liberdade para aprender. nhecimento. Porto Alegre: Artmed, 2001.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. São Paulo:
Abordagem Cognitivista Vozes, 1982.
A organização do conhecimento, processamento de LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez,
informações estilos de pensamento ou estilos cognitivos, 1994.
comportamentos relativos à tomada de decisões, etc. MIZUKAMI, Maria da Graça Nicoletti. Ensino: as
O conhecimento é considerado como uma construção abordagens do processo. São Paulo: EPU, 1986.
contínua. A passagem de um estado de desenvolvimento
para o seguinte é sempre caracterizada por formação de no-
vas estruturas que não existiam anteriormente no indivíduo.
O processo educacional, consoante a teoria de desen- CURRÍCULO NAS SÉRIES INICIAIS: A
volvimento e conhecimento, tem um papel importante, ao ÊNFASE NA COMPETÊNCIA LEITORA
provocar situações que sejam desequilibradoras para o
(ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO) E
aluno, desequilíbrios esses adequados ao nível de desen-
volvimento em que a criança vive intensamente (intelectual O DESENVOLVIMENTO DOS SABERES
e afetivamente) cada etapa de seu desenvolvimento. ESCOLARES DA MATEMÁTICA E DAS
Segundo Piaget, a escola deveria começar ensinando DIVERSAS ÁREAS DE CONHECIMENTO.
a criança a observar. A verdadeira causa dos fracassos da
educação formal, diz, decorre essencialmente do fato de
se principiar pela linguagem (acompanhada de desenhos,
de ações fictícias, narradas etc.) ao invés do fazer pela ação ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO: CAMINHOS
real e material. E DESCAMINHOS
Nesta abordagem, o ensino procura desenvolver a in-
teligência priorizando as atividades do sujeito, consideran- Um olhar histórico sobre a alfabetização escolar no Bra-
do-o inserido numa situação social. Caberá ao professor sil revela uma trajetória de sucessivas mudanças conceituais
criar situações, propiciando condições onde possam se es- e, consequentemente, metodológicas. Atualmente, parece
tabelecer reciprocidade intelectual e cooperação ao mes- que de novo estamos enfrentando um desses momentos de
mo tempo moral e racional. mudança – é o que prenuncia o questionamento a que vêm
Uma das implicações fundamentais para o ensino é a de sendo submetidos os quadros conceituais e as práticas deles
que a inteligência se constrói a partir da troca do organismo decorrentes que prevaleceram na área da alfabetização nas
como o meio, por meio das ações do indivíduo. A ação do últimas três décadas: pesquisas que têm identificado proble-
indivíduo, pois, é centro do processo e o fator social ou edu- mas nos processos e resultados da alfabetização de crianças
cativo constitui uma condição de desenvolvimento. no contexto escolar, insatisfações e inseguranças entre alfa-
betizadores, perplexidade do poder público e da população
Abordagem Sociocultural diante da persistência do fracasso da escola em alfabetizar,
Podemos situar Paulo Freire com sua obra, enfatizan- evidenciada por avaliações nacionais e estaduais, vêm pro-
do aspectos sócio-político-cultural, havendo uma grande vocando críticas e motivando propostas de reexame das teo-
preocupação com a cultura popular, sendo que tal preo- rias e práticas atuais de alfabetização. Um momento como
cupação vem desde a II Guerra Mundial com um aumento este é, sem dúvida, desafiador, porque estimula a revisão dos
crescente até nossos dias. Toda ação educativa, para que caminhos já trilhados e a busca de novos caminhos, mas é
seja válida, deve, necessariamente, ser precedida tanto de também ameaçador, porque pode conduzir a uma rejeição
uma reflexão sobre o homem como de uma análise do simplista dos caminhos trilhados e a propostas de solução
meio de vida desse homem concreto, a quem se quer aju- que representem desvios para indesejáveis descaminhos.
dar para que se eduque. Este artigo pretende discutir esses caminhos e descaminhos,

50
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

de que se falará mais explicitamente no tópico final; a esse conveniente a distinção entre os dois processos. Por outro
tópico final se chegará por dois outros que o fundamentam lado, também é necessário reconhecer que, embora dis-
e justificam: um primeiro que busca esclarecer e relacionar os tintos, alfabetização e letramento são interdependentes e
conceitos de alfabetização e letramento, e um segundo que indissociáveis: a alfabetização só tem sentido quando de-
pretende encontrar, nas relações entre esses dois processos, senvolvida no contexto de práticas sociais de leitura e de
explicações para os caminhos e descaminhos que vimos per- escrita e por meio dessas práticas, ou seja, em um contex-
correndo, nas últimas décadas, na área da alfabetização. to de letramento e por meio de atividades de letramento;
este, por sua vez, só pode desenvolver-se na dependência
Alfabetização, letramento: conceitos da e por meio da aprendizagem do sistema de escrita.
Distinção, mas indissociabilidade e interdependência:
Letramento é palavra e conceito recentes, introduzidos quais as consequências disso para a aprendizagem da lín-
na linguagem da educação e das ciências linguísticas há gua escrita na escola?
pouco mais de duas décadas. Seu surgimento pode ser in-
terpretado como decorrência da necessidade de configurar Aprendizagem da língua escrita: alfabetização e/ou le-
e nomear comportamentos e práticas sociais na área da tramento?
leitura e da escrita que ultrapassem o domínio do sistema
alfabético e ortográfico, nível de aprendizagem da língua Uma análise das mudanças conceituais e metodoló-
escrita perseguido, tradicionalmente, pelo processo de al- gicas ocorridas ao longo da história do ensino da língua
fabetização. Esses comportamentos e práticas sociais de escrita no início da escolarização revela que, até os anos
leitura e de escrita foram adquirindo visibilidade e impor- 80, o objetivo maior era a alfabetização (tal como acima
tância à medida que a vida social e as atividades profissio- definida), isto é, enfatizava-se fundamentalmente a apren-
nais tornaram-se cada vez mais centradas na e dependen- dizagem do sistema convencional da escrita. Em torno
tes da língua escrita, revelando a insuficiência de apenas desse objetivo principal, métodos de alfabetização alter-
alfabetizar – no sentido tradicional – a criança ou o adulto. naram-se em um movimento pendular: ora a opção pelo
Em um primeiro momento, essa visibilidade traduziu-se ou princípio da síntese, segundo o qual a alfabetização deve
em uma adjetivação da palavra alfabetização – alfabetiza- partir das unidades menores da língua – os fonemas, as sí-
ção funcional tornou-se expressão bastante difundida – ou labas – em direção às unidades maiores – a palavra, a frase,
em tentativas de ampliação do significado de alfabetiza- o texto (método fônico, método silábico); ora a opção pelo
ção/alfabetizar por meio de afirmações como “alfabetiza- princípio da análise, segundo o qual a alfabetização deve,
ção não é apenas aprender a ler e escrever”, “alfabetizar é ao contrário, partir das unidades maiores e portadoras de
muito mais que apenas ensinar a codificar e decodificar”, sentido – a palavra, a frase, o texto – em direção às uni-
e outras semelhantes. A insuficiência desses recursos para dades menores (método da palavração, método da sen-
criar objetivos e procedimentos de ensino e de aprendiza- tenciação, método global). Em ambas as opções, porém,
gem que efetivamente ampliassem o significado de alfa- a meta sempre foi a aprendizagem do sistema alfabético
betização, alfabetizar, alfabetizado, é que pode justificar o e ortográfico da escrita; embora se possa identificar, na
surgimento da palavra letramento, consequência da neces- segunda opção, uma preocupação também com o sentido
sidade de destacar e claramente configurar, nomeando-os, veiculado pelo código, seja no nível do texto (método glo-
comportamentos e práticas de uso do sistema de escrita, bal), seja no nível da palavra ou da sentença (método da
em situações sociais em que a leitura e/ ou a escrita este- palavração, método da sentenciação), estes – textos, pa-
jam envolvidas. Entretanto, provavelmente devido ao fato lavras, sentenças – são postos a serviço da aprendizagem
de o conceito de letramento ter sua origem em uma am- do sistema de escrita: palavras são intencionalmente sele-
pliação do conceito de alfabetização, esses dois processos cionadas para servir à sua decomposição em sílabas e fo-
têm sido frequentemente confundidos e até mesmo fun- nemas, sentenças e textos são artificialmente construídos,
didos. Pode-se admitir que, no plano conceitual, talvez a com rígido controle léxico e morfossintático, para servir à
distinção entre alfabetização e letramento não fosse neces- sua decomposição em palavras, sílabas, fonemas.
sária, bastando que se ressignificasse o conceito de alfabe- Assim, pode-se dizer que até os anos 80 a alfabetiza-
tização; no plano pedagógico, porém, a distinção torna-se ção escolar no Brasil caracterizou-se por uma alternância
conveniente, embora também seja imperativamente con- entre métodos sintéticos e métodos analíticos, mas sem-
veniente que, ainda que distintos, os dois processos sejam pre com o mesmo pressuposto – o de que a criança, para
reconhecidos como indissociáveis e interdependentes. aprender o sistema de escrita, dependeria de estímulos
Assim, por um lado, é necessário reconhecer que alfa- externos cuidadosamente selecionados ou artificialmente
betização – entendida como a aquisição do sistema con- construídos – e sempre com o mesmo objetivo – o domí-
vencional de escrita – distingue-se de letramento – enten- nio desse sistema, considerado condição e pré-requisito
dido como o desenvolvimento de comportamentos e habi- para que a criança desenvolvesse habilidades de uso da
lidades de uso competente da leitura e da escrita em práti- leitura e da escrita, isto é, primeiro, aprender a ler e a es-
cas sociais: distinguem-se tanto em relação aos objetos de crever, verbos nesta etapa considerados intransitivos, para
conhecimento quanto em relação aos processos cognitivos só depois de vencida essa etapa atribuir complementos
e linguísticos de aprendizagem e, portanto, também de en- a esses verbos: ler textos, livros, escrever histórias, cartas,
sino desses diferentes objetos. Tal fato explica por que é etc.

51
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Nos anos 80, a perspectiva psicogenética da apren- Caminhos e descaminhos


dizagem da língua escrita, divulgada entre nós, sobretu-
do pela obra e pela atuação formativa de Emília Ferrei- A aprendizagem da língua escrita tem sido objeto de
ro, sob a denominação de “construtivismo”, trouxe uma pesquisa e estudo de várias ciências nas últimas déca-
significativa mudança de pressupostos e objetivos na das, cada uma delas privilegiando uma das facetas dessa
área da alfabetização, porque alterou fundamentalmen- aprendizagem. Para citar as mais salientes: a faceta fônica,
te a concepção do processo de aprendizagem e apagou que envolve o desenvolvimento da consciência fonológi-
a distinção entre aprendizagem do sistema de escrita e ca, imprescindível para que a criança tome consciência da
práticas efetivas de leitura e de escrita. Essa mudança fala como um sistema de sons e compreenda o sistema
paradigmática permitiu identificar e explicar o proces- de escrita como um sistema de representação desses sons,
so através do qual a criança constrói o conceito de lín- e a aprendizagem das relações fonemagrafema e demais
gua escrita como um sistema de representação dos sons convenções de transferência da forma sonora da fala para
da fala por sinais gráficos, ou seja, o processo através a forma gráfica da escrita; a faceta da leitura fluente, que
do qual a criança torna-se alfabética; por outro lado, e exige o reconhecimento holístico de palavras e sentenças;
como consequência disso, sugeriu as condições em que a faceta da leitura compreensiva, que supõe ampliação de
mais adequadamente se desenvolve esse processo, re- vocabulário e desenvolvimento de habilidades como in-
velando o papel fundamental de uma interação intensa terpretação, avaliação, inferência, entre outras; a faceta da
e diversificada da criança com práticas e materiais reais identificação e do uso adequado das diferentes funções da
de leitura e escrita a fim de que ocorra o processo de escrita, dos diferentes portadores de texto, dos diferentes
conceitualização da língua escrita. tipos e gêneros de texto, etc. Cada uma dessas facetas é
No entanto, o foco no processo de conceitualização fundamentada por teorias de aprendizagem, princípios fo-
da língua escrita pela criança e a ênfase na importân- néticos e fonológicos, princípios linguísticos, psicolinguís-
cia de sua interação com práticas de leitura e de escrita ticos e sociolinguísticos, teorias da leitura, teorias da pro-
como meio para provocar e motivar esse processo têm dução textual, teorias do texto e do discurso, entre outras.
subestimado, na prática escolar da aprendizagem inicial Consequentemente, cada uma dessas facetas exige meto-
da língua escrita, o ensino sistemático das relações entre dologia de ensino específica, de acordo com sua nature-
a fala e a escrita, de que se ocupa a alfabetização, tal za, algumas dessas metodologias caracterizadas por ensi-
como anteriormente definida. Como consequência de o no direto e explícito, como é o caso da faceta para a qual
construtivismo ter evidenciado processos espontâneos se volta a alfabetização, outras caracterizadas por ensino
de compreensão da escrita pela criança, ter condenado muitas vezes incidental e indireto, porque dependente das
os métodos que enfatizavam o ensino direto e explícito possibilidades e motivações das crianças, bem como das
do sistema de escrita e, sendo fundamentalmente uma circunstâncias e do contexto em que se realize a aprendi-
teoria psicológica, e não pedagógica, não ter proposto zagem, como é caso das facetas que se caracterizam como
uma metodologia de ensino, os professores foram leva- de letramento.
dos a supor que, apesar de sua natureza convencional A tendência, porém, tem sido privilegiar na aprendi-
e com frequência arbitrária, as relações entre a fala e zagem inicial da língua escrita apenas uma de suas várias
a escrita seriam construídas pela criança de forma inci- facetas e, por conseguinte, apenas uma metodologia: as-
dental e assistemática, como decorrência natural de sua sim fazem os métodos hoje considerados como “tradicio-
interação com inúmeras e variadas práticas de leitura e nais”, que, como já foi dito, voltam-se predominantemente
de escrita, ou seja, através de atividades de letramento, para a faceta fônica, isto é, para o ensino e a aprendiza-
prevalecendo, pois, estas sobre as atividades de alfabe- gem do sistema de escrita; por outro lado, assim também
tização. É, sobretudo essa ausência de ensino direto, ex- tem feito o chamado “construtivismo”, que se volta pre-
plícito e sistemático da transferência da cadeia sonora dominantemente para as facetas referentes ao letramento,
da fala para a forma gráfica da escrita que tem motivado privilegiando o envolvimento da criança com a escrita em
as críticas que atualmente vêm sendo feitas ao cons- suas diferentes funções, seus diferentes portadores, com
trutivismo. Além disso, é ela que explica por que vêm os muitos tipos e gêneros de texto. No entanto, os conhe-
surgindo, surpreendentemente, propostas de retorno a cimentos que atualmente esclarecem tanto os processos
um método fônico como solução para os problemas que de aprendizagem quanto os objetos da aprendizagem da
estamos enfrentando na aprendizagem inicial da língua língua escrita, e as relações entre aqueles e estes, eviden-
escrita pelas crianças. ciam que privilegiar uma ou algumas facetas, subestiman-
Cabe salientar, porém, que não é retornando a um do ou ignorando outras, é um equívoco, um descaminho
passado já superado e negando avanços teóricos incon- no ensino e na aprendizagem da língua escrita, mesmo
testáveis que esses problemas serão esclarecidos e re- em sua etapa inicial. Talvez por isso temos sempre fracas-
solvidos. Por outro lado, ignorar ou recusar a crítica aos sado nesse ensino e aprendizagem; o caminho para esse
atuais pressupostos teóricos e a insuficiência das prá- ensino e aprendizagem é a articulação de conhecimentos
ticas que deles têm decorrido resultará certamente em e metodologias fundamentados em diferentes ciências e
mantê-los inalterados e persistentes. Em outras palavras: sua tradução em uma prática docente que integre as várias
o momento é de procurar caminhos e recusar descami- facetas, articulando a aquisição do sistema de escrita, que
nhos. é favorecida por ensino direto, explícito e ordenado, aqui

52
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

compreendido como sendo o processo de alfabetização, Uma vez que a criança não aprende por “fatias” separa-
com o desenvolvimento de habilidades e comportamen- das por áreas do conhecimento, também a prática escolar
tos de uso competente da língua escrita nas práticas para crianças pequenas deve priorizar situações de ensino
sociais de leitura e de escrita, aqui compreendido como nas quais diferentes conhecimentos possam se integrar.
sendo o processo de letramento. No desenvolvimento dessas situações de ensino intencio-
O emprego dos verbos integrar e articular retoma a nalmente selecionadas, os conteúdos específicos manifes-
afirmação anterior de que os dois processos – alfabetiza- tam-se de forma mediada pela ação dos professores e so-
ção e letramento – são, no estado atual do conhecimento cialmente significada na atividade infantil.
sobre a aprendizagem inicial da língua escrita, indissociá- Alguns recursos teóricos e metodológicos podem au-
veis, simultâneos e interdependentes: a criança alfabeti- xiliar os professores a planejar uma prática pautada nessa
za-se, constrói seu conhecimento do sistema alfabético e integração. A importância da mediação e das situações lú-
ortográfico da língua escrita, em situações de letramento, dicas, por exemplo, não pode ser ignorada na busca dessa
isto é, no contexto de e por meio de interação com mate- prática para o ensino da Matemática nas séries iniciais do
rial escrito real, e não artificialmente construído, e de sua Ensino Fundamental.
participação em práticas sociais de leitura e de escrita; Nesse sentido, propomos estabelecer aqui, com aque-
por outro lado, a criança desenvolve habilidades e com- les que se dedicam ao ensino nesta etapa da formação
portamentos de uso competente da língua escrita nas infantil, um diálogo sobre alguns elementos que possam
práticas sociais que a envolvem no contexto do, por meio fundamentar as práticas pedagógicas voltadas para o en-
do e em dependência do processo de aquisição do sis- sino da Matemática, no intuito de proporcionar às crianças
tema alfabético e ortográfico da escrita. Esse alfabetizar a apropriação do conhecimento matemático de maneira
letrando, ou letrar alfabetizando, pela integração e pela lúdica e repleta de significado.
articulação das várias facetas do processo de aprendiza-
gem inicial da língua escrita, é, sem dúvida, o caminho Alfabetização matemática ou letramento em mate-
para a superação dos problemas que vimos enfrentando mática?
nesta etapa da escolarização; descaminhos serão tentati-
vas de voltar a privilegiar esta ou aquela faceta, como se Assim como na língua materna, a aprendizagem de no-
fez no passado, como se faz hoje, sempre resultando em ções básicas de diferentes áreas do conhecimento consti-
fracasso, esse reiterado fracasso da escola brasileira em tui-se como condição essencial para a construção de uma
dar às crianças acesso efetivo e competente ao mundo cidadania crítica, por meio da qual os sujeitos não apenas
da escrita. se integrem passivamente à sociedade, mas tenham condi-
ções e instrumentos simbólicos para intervir ativamente na
Referência: busca da transformação dessa realidade social.
SOARES, Magda. Alfabetização e Letramento: Cami- A escrita traz consigo uma história atrelada às neces-
nhos e Descaminhos. Artigo publicado pela revista Pátio sidades do homem em comunicar de modo eficaz suas
– Revista Pedagógica de 29 de fevereiro de 2004, pela descobertas, nos mais diversos campos do conhecimento,
Artmed Editora. para atender variados interesses sociais. Na sua evolução,
civilizações tais como a dos babilônios, egípcios, fenícios,
MATEMÁTICA gregos e romanos se destacaram, tanto para a evolução da
escrita que comunica descobertas no amplo sentido, como
Apesar da crença que aflora do senso comum de que, na escrita que se refere à linguagem matemática especifi-
para aprender Matemática, o sujeito primeiro precisa ser camente.
alfabetizado, e apesar do esforço de estudiosos da área No caso do ensino da Matemática, a aprendizagem dos
para desmistificá-la, a compreensão de que processos de números e suas operações; de instrumentos para a leitura e
apropriação dos conhecimentos matemáticos ocorrem análise de dados em listas, gráficos e tabelas; de estratégias
associados aos de alfabetização e letramento não chega, de medição de grandezas, uso de unidades de medidas e
ainda, a ser facilmente constatada nas práticas de escola- produção de estimativas; de noções geométricas básicas,
rização das crianças das escolas brasileiras. constituem, de forma geral, o foco do trabalho pedagógico
Se compreendermos que as crianças não precisam, esperado para as primeiras séries do Ensino Fundamental
primeiramente, aprender as letras para só depois apren- (Brasil, 1997; 2012).
derem números, formas e outros entes matemáticos, é No entanto, embora muitos dos conceitos que funda-
possível pensarmos em processos de organização do en- mentam tais aprendizagens se manifestem no uso cotidia-
sino que, ao mesmo tempo que considerem a especifici- no dos números, de medidas ou mesmo no trato de formas
dade da infância, favoreçam e potencializem diferentes geométricas, isso não significa, necessariamente, a apren-
aprendizagens. Como afirma Vigostki (2010, p. 325), dizagem dos conceitos. Não é pelo fato de uma criança
[...] o desenvolvimento intelectual da criança não é utilizar estratégias de contagem em determinada prática
distribuído nem realizado pelo sistema de matérias. Não social (na feira, por exemplo) que ela se apropriou teori-
se verifica que a aritmética desenvolve isolada e indepen- camente do número ou tenha consciência da estrutura do
dentemente umas funções enquanto a escrita desenvolve sistema de numeração decimal. Mas, se ela “usa” o número,
outras. isso não é suficiente? Qual é o problema? O problema é que

53
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

o uso não garante a apropriação do conceito e, sem ele, é Embora os termos “numeramento”, “alfabetização
impossível avançar com consistência na aprendizagem. No matemática” e “letramento matemático” apareçam em di-
exemplo, a criança que apenas “usa” o número provavel- ferentes publicações e documentos, seu uso e o sentido
mente terá dificuldades para compreender o sentido das que lhes é atribuído não é consenso. Concordamos com
operações aritméticas e sua generalização algébrica. Moura (2013, p. 131-132) quando afirma que, para além
Por outro lado, nas práticas sociais os conceitos podem dos termos utilizados na aprendizagem matemática, é fun-
ser apropriados de forma socialmente significada, além de damental a compreensão acerca dos processos humanos
favorecerem que o sujeito possa externar e materializar de significação dos conhecimentos matemáticos básicos,
a sua aprendizagem. A discussão sobre a relevância das seus signos e o que representam, de modo a garantir “a
práticas sociais na aprendizagem tem se refletido nas pes- aprendizagem de um modo geral de lidar com os símbo-
quisas sobre a alfabetização e o letramento, ao indicarem los de forma a permitir o permanente acesso a outros co-
inicialmente a alfabetização com o processo de aquisição nhecimentos nos quais a matemática se faz presente”.
do código da escrita e o letramento como o uso da escrita
em práticas e situações sociais (Kleiman, 1995). Educação matemática, apropriação de conceitos e
No entanto, segundo Soares (2004, p. 14), não se trata desenvolvimento do pensamento teórico
de optar por um ou outro caminho, mas de compreender a
interdependência desses processos, uma vez que O entendimento de que a apropriação de conceitos
[...] a alfabetização desenvolve-se no contexto de e por matemáticos pode se dar de forma mais efetiva, de for-
meio de práticas sociais de leitura e de escrita, isto é, atra- ma significada, em sua relação com as práticas sociais não
vés de atividades de letramento, e este, por sua vez, só se significa que o uso de noções matemáticas diluídas nas
pode desenvolver no contexto da e por meio da aprendiza- práticas sociais seja suficiente para a aprendizagem dos
gem das relações fonemagrafema, isto é, em dependência conceitos matemáticos. Tais distorções esvaziam o papel
da alfabetização. social da escola de socialização dos conhecimentos hu-
manos historicamente produzidos e considerados relevan-
De forma semelhante, alguns pesquisadores da área da tes de serem aprendidos pelas novas gerações. Segundo
educação matemática têm proposto o uso das expressões Moura (2013),
“alfabetização matemática” e “letramento matemático” (ou As visões culturalistas podem levar à falsa ideia de que
numeramento), associando a primeira à “aquisição da lin- as crianças estão impregnadas pela visão dos números no
guagem matemática formal e de registro escrito” (Fonseca, seu meio e que já têm o motivo necessário para buscar
2007), e a segunda expressão a processos de uso de con- compreendê-los. Não, isto não corresponde à verdade.
ceitos matemáticos em práticas sociais. Há ainda, segundo Apropriar-se de um conceito, como é para todo o proces-
a autora, uma vertente da educação matemática que rela- so de apropriação de significado, deve ser resultado de
ciona o numeramento a uma noção mais ampla de letra- uma atividade do sujeito, motivado, que se apropria das
mento, a qual incluiria tanto as práticas sociais quanto as significações a partir de suas potencialidades e de um mo-
condições do sujeito para se inserir e atender às demandas tivo pessoal (Moura, 2013, p. 134).
dessas práticas permeadas pela linguagem escrita. A distinção entre a utilização de conceitos em situa-
Compreendida a noção de letramento dessa forma ções cotidianas e a apropriação conceitual voltada para
mais abrangente, também a noção de numeramento as- generalização tem como fundamento a distinção propos-
sumiria outra dimensão. Assim, segundo Fonseca (2007), ta por Vigotski (2009) entre conceitos cotidianos (ou es-
“não se trataria, portanto, de um fenômeno de letramento pontâneos) e conceitos científicos. Sforni (2006) destaca
matemático, paralelo ao do letramento, mas de numera- que uma das principais distinções entre ambos se refere
mento como uma das dimensões do letramento” (grifos à tomada de consciência pelo sujeito, uma vez que, no
do autor). processo de apropriação de conceitos cotidianos, a cons-
Segundo Mendes (2005), compreender o numeramen- ciência está focada no contexto de utilização; por sua vez,
to como uma dimensão do letramento implica rever a pró- no caso da apropriação de conceitos científicos, é neces-
pria visão de escrita, ampliando-a de modo que envolva sária a consciência voltada intencionalmente para o con-
também outros códigos de representação para além do ceito. Nas palavras de Vigotski (2009, p. 243), temos que
alfabético, por exemplo, o numérico e o simbólico. “no campo dos conceitos científicos ocorrem níveis mais
Na dimensão histórico-cultural do conhecimento os elevados de tomada de consciência do que nos conceitos
conceitos trazem em si encarnados processos de significa- espontâneos”.
ção gestados nas relações humanas historicamente estabe- [...] apesar de na sua origem histórica a matemática
lecidas entre os sujeitos que, segundo Moura (2013a), “par- apresentar vínculos diretos com as necessidades práticas,
ticiparam de sua criação ao resolverem um problema que mais tarde evoluiu sobre proposições abstratas que, com
requereu partilhar ações em que a linguagem foi neces- ajuda da lógica formal, culminaram em sistemas dedutivos,
sária.”. A escola é o espaço privilegiado no qual, de modo como ocorre, por exemplo, com os conceitos geométricos
intencional, os conteúdos constituem-se como “objetos de euclidianos que, segundo Sánchez Vázquez (2007), “têm sua
uma atividade que tem como finalidade fazer com que os origem nos objetos reais sobre os quais se exercia sua ativi-
sujeitos que dela participam se apropriem tanto desses ob- dade prática, objetos cujas propriedades reais foram subme-
jetos como do modo de lidar com eles” (p. 88-89). tidas a um processo de generalização e abstração” (p. 246).

54
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Podemos verificar essa diferenciação entre a apropria- No ensino da Matemática, o conhecimento sobre a
ção de conceitos cotidianos e de conceitos científicos ana- história da produção do conceito (as necessidades que o
lisando uma situação bastante comum no ensino de medi- motivaram, as soluções encontradas para responder a essa
das e grandezas nas séries iniciais que é o seu uso em re- necessidade, suas contradições e seus impasses) permite
ceitas culinárias. Em geral, é proposto às crianças o uso de que os professores proponham situações de ensino que
diferentes unidades de medida (colher, xícara, copo etc.). coloquem para as crianças necessidades análogas, o que
O fato de a criança utilizar essas medidas possui o mérito não significa reproduzir o seu contexto histórico de produ-
de favorecer uma aproximação com diferentes unidades de ção. As mediações feitas pelos educadores no sentido da
medida não padronizadas, porém não permite a apropria- explicitação do conceito matemático para a criança preci-
ção do conceito de medida. Se a proposta se reduz a esse sam considerar que cada conhecimento “tem uma história,
uso, sendo o preparo da receita o foco da ação da criança, um desenvolvimento que se fez dentro de certas lógicas
podemos dizer que sua abordagem é o conceito cotidiano. [...] o modo de se conhecer certos conteúdos é quase que
Por outro lado, se, tomando como situação desencadea- perseguir o modo de construí-los” (Moura, 2001, p. 159).
dora a receita, os professores estabelecerem mediações com o A educação escolar diferencia-se de outras instâncias
objetivo de tornar explícito para as crianças o conceito de medi- educativas pela intencionalidade de ensinar conceitos cien-
ção (a diferenciação entre grandezas discretas e contínuas, a ne- tíficos e favorecer o desenvolvimento do pensamento teó-
cessidade da criação de unidade, a comparação entre a unidade rico dos estudantes; ou seja, é o pensamento que se utiliza
e a grandeza a ser medida, a quantificação dessa comparação dos próprios conceitos, e não de situações particulares que
), então esse processo pode tornar-se consciente para a criança os representem (Davídov, 1982).
e possibilitar a apropriação do conceito científico de modo que Pensando desse modo, os processos de apropriação
esse “possa ser conscientizado pelos alunos na condição de um dos conceitos matemáticos básicos relacionam-se com
instrumento de generalização” (Sforni, 2006, p. 6). processos mais gerais de letramento, quando se considera
A apropriação de conceitos científicos dá-se dessa um indivíduo letrado como aquele que aprende não so-
forma, por meio de uma atividade humana consciente, na mente determinadas técnicas para ler, escrever e contar,
qual as ações realizadas pelo sujeito são repletas de sen-
mas sim a usá-las de forma consciente em diferentes con-
tido, de modo que “a interiorização não é resultado me-
textos e práticas sociais. Isso porque apenas a apropriação
cânico da atividade externa em detrimento de seus com-
conceitual que compreende as relações internas e externas
ponentes psíquicos internos” (Martins, 2007, p.70). Portan-
do próprio conceito permite ao sujeito tal autonomia em
to, em qualquer idade, ou fase, ou etapa do processo de
seu uso. De acordo com Leontiev (1983, p. 193), para se
aprendizagem do homem, estar em atividade é condição
apropriar de um conceito,
para a aprendizagem, o que vem a ocorrer se o aprendiz
for movido por alguma necessidade e por motivos que o [...] não basta memorizar as palavras, não basta com-
levem a se aproximar do conhecimento que os professores preender inclusive as ideias e os sentimentos nelas conti-
pretendem ensinar (Leontiev, 1983). dos, é necessário ademais que essas ideias e sentimentos
se tornem determinantes internos da personalidade.
Uma vez que a aprendizagem dos conceitos científicos
não se dá de maneira espontânea, cabe à escola organizar A relação entre a matemática e as necessidades prá-
situações de ensino que coloquem as crianças diante de si- ticas é por vezes mais direta. É indiscutível a contribuição
tuações cuja resolução necessite do conceito que se deseja dos grandes descobrimentos marítimos da Idade Moderna
ensinar e, ao mesmo tempo, de forma mediada pelos pro- no desenvolvimento da trigonometria. Segundo Sánchez
fessores, possibilitem a superação da superficialidade do Vázquez (2007), “[...] o cálculo probabilístico converteu-se
contexto e a exploração de características essenciais dos [...], em uma necessidade na medida em que se estendia o
conceitos, em direção à abstração. comércio exterior inglês em relação com o crescimento do
De forma geral, podemos dizer que educar pressupõe poderio colonial da Inglaterra, o que elevava as perdas e
uma mediação entre a cultura e os educandos, de tal modo riscos comerciais” (p. 247). Contudo, tem-se que considerar
que, nesse processo, o sujeito interioriza, transforma e ga- a autonomia da teoria “para constituir-se em relação dire-
rante a continuidade desta cultura. Nos ambientes escola- ta, seja como prolongamento ou negação dela, com uma
res, elementos da cultura tornam-se objeto de ensino ao teoria já existente” (p. 247). Deve-se então destacar a im-
serem intencionalmente selecionados e socialmente vali- portância de se considerar que em seu desenvolvimento a
dados como conteúdos escolares (Moura, 1996a). Matemática se estrutura para atender exigências teóricas
Em um sentido histórico-cultural, o conhecimento de outras ciências e necessidades da própria técnica.
matemático que se torna objeto de ensino traz em si, nos Do ponto de vista das tarefas atribuídas aos profes-
elementos que o constituem, a história de sua produção sores, organizar o ensino para o desenvolvimento dos
e de seu desenvolvimento e suas formas de organização. conceitos científicos nas crianças é um importante com-
Segundo Leontiev (1978), tais elementos estão impregna- promisso de sua prática pedagógica, o que demanda a or-
dos nos objetos porque são produtos de transformações ganização intencional das ações. Assim sendo, o processo
realizadas pelos seres humanos ao longo de um processo de ensino pode ser considerado como a passagem da ati-
histórico de produção material e intelectual que foi cultu- vidade espontânea da criança para “a atividade organizada
ralmente estruturado, constituindo a sua significação ou e dirigida para o objetivo” (Talizina, 2009). Uma vez que a
significado social. aprendizagem ocorre em atividade, o desafio da organiza-

55
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

ção do ensino é planejar situações educativas que sejam criança, que, pelas ações com eles realizadas, expande o
desafiadoras e lúdicas e, ao mesmo tempo, coloquem para domínio do seu mundo. No brincar, ela amplia sua possibli-
as crianças a necessidade do conceito que se quer ensi- dade real de realizar atividades como cozinhar, dirigir um
nar. Assim, se o objetivo é ensinar as primeiras noções de carro, ser professor ou mecânico, por exemplo. Assim, po-
fração, a criança precisa se deparar com a necessidade de demos entender que as “brincadeiras das crianças não são
representar partes de um todo contínuo; por exemplo, em instintivas e o que determina seu conteúdo é a percepção
situações de medição, o que se relaciona com a necessi- que a criança tem do mundo dos objetos humanos” (Facci,
dade histórica que levou à criação dessa representação de 2004, p. 69).
partes pelos egípcios. Da discrepância entre o motivo da criança e a sua ação,
A resolução dessas situações deve dar-se sempre de nasce a situação imaginária. Porém, a ação no brinquedo
modo mediado e compartilhado entre as crianças. Os pro- não é imaginária. Ao contrário, há uma ação real, uma ope-
fessores devem explorar também a relação entre os con- ração real e imagens reais de objetos reais enquanto que
ceitos e seus usos sociais, além do interesse e a curiosidade a criança cria uma situação imaginária para o desenvolvi-
da criança no compartilhamento de experiências, interpre- mento da ação. Assim é que, por exemplo, um pedaço de
tações e descobertas sobre as características essenciais dos madeira assume a função de uma colher ou uma argola
fenômenos inerentes aos conteúdos a serem estudados. A assume a função do volante de um carro. Para Vigotski
mediação dos docentes durante todo o processo de re- (1991), a ação em uma situação imaginária ensina a criança
solução é condição fundamental para explicitar o concei- a dirigir seu comportamento não somente pela percepção
to presente no contexto explorado, superando a atividade imediata dos objetos ou pela situação que a afeta de ime-
apenas empírica e favorecendo o desenvolvimento do pen- diato, mas também pelo significado dessa situação, em que
samento teórico. as ações surgem das ideias e não das coisas. Ao brincar, a
criança passa a entender o que na vida real passou des-
O jogo no ensino e a atividade principal da criança percebido, experimentando e transformando as regras de
comportamento às situações imaginárias criadas na ação
No decorrer da vida, diferentes atividades têm a pos- de brincar.
sibilidade de potencializar a aprendizagem. Isso porque Ao brincar ou jogar, a criança potencializa sua possi-
se relacionam com os interesses e motivos de os sujeitos bilidade de aprender e de se apropriar de novos conhe-
realizarem-nas. Para Leontiev (1988), elas são denominadas cimentos. Isso se dá porque, segundo Vigotski (1991), ao
“atividades principais”, não porque ocorram com maior fre- brincar, a criança se coloca um nível acima da sua atual
quência ou porque sejam predominantes no tempo que o situação de aprendizagem, do que realiza fora do jogo. As-
sujeito lhe dedica, mas porque são aquelas nas quais ocor- sim, o jogo cria uma “zona de desenvolvimento próximo”,
re mais intensamente a apropriação uma vez que se consti- permitindo que a criança atue acima de seu “nível de de-
tuem como a principal forma de relacionamento do sujeito senvolvimento real”.
com a realidade (Facci, 2004, p. 66). Segundo Vigotski (1991), o nível de desenvolvimento
Assim, a atividade principal não se trata daquela fre- real é determinado pela capacidade de solucionar proble-
quentemente encontrada em certo nível de desenvolvi- mas de modo independente, e o nível de desenvolvimen-
mento, mas, segundo Leontiev (1988, p. 122), é aquela to potencial é determinado pela capacidade de solucionar
[...] em conexão com a qual ocorrem as mais impor- problemas com a orientação, ou ajuda de adultos e, ainda,
tantes mudanças do desenvolvimento psíquico da criança com a colaboração de parceiros mais capazes.
e dentro da qual se desenvolvem processos psíquicos que Relacionando a atividade lúdica com a aprendizagem,
preparam o caminho da transição da criança para um novo temos que “as maiores aquisições de uma criança são con-
e mais elevado nível de desenvolvimento. seguidas no brinquedo, aquisições que no futuro tornar-
Compreendida dessa forma, a atividade principal -se-ão seu nível básico de ação real e moralidade” (Vigot-
da criança “pré-escolar” é a atividade lúdica, o jogo ou a ski, 1991, p. 131).
brincadeira (Leontiev, 1988). No entendimento de Vigots- No desenvolvimento de jogos com regras, a atividade
ki (1991), a relação brinquedo-desenvolvimento pode, em lúdica subordina-se a certas condições atreladas à realiza-
muitos sentidos, ser comparada com a relação instrução- ção de certo objetivo. A partir dos jogos com regras ocorre,
-desenvolvimento. Uma de suas principais características é segundo Leontiev (1988), um momento essencial para o
que, em ambos os contextos, as crianças elaboram e de- desenvolvimento da psique da criança, quando ela intro-
senvolvem habilidades e conhecimentos socialmente dis- duz em sua atividade um elemento moral manifesto pela
poníveis, os quais internalizará. obediência à regra. Para o autor, a relevância desse acon-
Para Leontiev (1988), isso se dá pelo fato de que o tecimento está no fato de que este elemento moral surge
mundo objetivo do qual a criança é consciente está con- da própria atividade da criança e não sob a forma de “uma
tinuamente se expandindo, pois, além dos objetos que máxima moral abstrata que ela tenha ouvido” (p. 139).
constituem seu ambiente próximo (com os quais ela vinha
até então operando em suas atividades), esse mundo inclui Assim, o jogo ou a brincadeira pode constituir-se como
também os objetos com os quais os adultos operam, mas importante recurso metodológico nos processos de ensino
a criança não consegue operar, por estarem ainda além de e de aprendizagem, se considerado de forma intencional
sua capacidade física. O domínio desses objetos desafia a e em relação com o conceito que se pretende ensinar. No

56
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

caso da Matemática, é possível planejar situações nas quais, Considera-se que o saber histórico escolar reelabora o
por meio da brincadeira desencadeada por jogos ou por his- conhecimento produzido no campo das pesquisas dos his-
tórias, as crianças se deparem com as necessidades de contar, toriadores e especialistas do campo das Ciências Humanas,
registrar contagens, socializar esses registros, organizar da- selecionando e se apropriando de partes dos resultados
dos. Por meio dos jogos e na ação compartilhada entre as acadêmicos, articulando-os de acordo com seus objetivos.
crianças sob a mediação dos professores, tais necessidades Nesse processo de reelaboração, agrega-se um conjunto
passam a ser necessidades para as crianças em atividade lú- de “representações sociais” do mundo e da história, produ-
dica, explorando a imaginação e a criatividade. A atividade zidos por professores e alunos. As “representações sociais”
lúdica pode ser explorada no ensino da Matemática por favo- são constituídas pela vivência dos alunos e professores,
recer aprendizagens de “estruturas matemáticas, muitas ve- que adquirem conhecimentos dinâmicos provenientes de
zes de difícil assimilação”, desenvolvendo “sua capacidade de várias fontes de informações veiculadas pela comunidade
pensar, refletir, analisar, compreender conceitos matemáticos, e pelos meios de comunicação. Na sala de aula, os mate-
levantar hipóteses, testá-las e avaliá-las” (Grando, 2008, p. 26). riais didáticos e as diversas formas de comunicação escolar
Algumas ações desenvolvidas pelas crianças ao jogar apresentadas no processo pedagógico constituem o que
podem ser comparadas com as ações adequadas ao pro- se denomina saber histórico escolar.
cesso de resolução de problemas. Além disso, é possível O saber histórico escolar, na sua relação com o saber
estabelecermos paralelos entre as etapas do jogo e as eta- histórico, compreende, de modo amplo, a delimitação de
pas da resolução de problemas (Moura, 1991; 1996; Gran- três conceitos fundamentais: o de fato histórico, de sujeito
do, 2008). Em ambos, parte-se de uma situação desenca- histórico e de tempo histórico. Os contornos e as defini-
deadora ( jogo ou problema), há uma exploração inicial do ções que são dados a esses três conceitos orientam a con-
conceito presente na situação, levantamento de hipóteses cepção histórica, envolvida no ensino da disciplina. Assim,
ou estratégias, verificação de hipótese ou testagem de es- é importante que o professor distinga algumas dessas pos-
tratégias, avaliação, reelaboração na direção de atingir o síveis conceituações.
objetivo (vencer o jogo ou resolver o problema). Os fatos históricos podem ser traduzidos, por exemplo,
Para exemplificar essa possibilidade de articulação como sendo aqueles relacionados aos eventos políticos, às
entre jogo e resolução de problema, Moura (1991, p. 52) festas cívicas e às ações de heróis nacionais, fatos esses
apresenta uma proposta de organização do ensino para apresentados de modo isolado do contexto histórico em
favorecer a aprendizagem do signo numérico: que viveram os personagens e dos movimentos de que
Algumas formas de levar as crianças à compreensão participaram.
do signo numérico podem ser, por exemplo, contando-lhes Em outra concepção de ensino, os fatos históricos po-
uma história, fazendo-as viver uma situação na qual seja dem ser entendidos como ações humanas significativas,
necessário o controle de quantidades ou ainda sugerin- escolhidas por professores e alunos, para análises de de-
do-lhes um jogo em que se deve marcar a quantidade de terminados momentos históricos. Podem ser eventos que
pontos a ser comunicada à classe vizinha através de um pertencem ao passado mais próximo ou distante, de cará-
símbolo criado pelos jogadores. Isto deve ser feito de for- ter material ou mental, que destaquem mudanças ou per-
ma que vá ficando claro o sentido da representação, o ca- manências ocorridas na vida coletiva. Assim, por exemplo,
ráter histórico-social do signo e como se pode melhorar os dependendo das escolhas didáticas, podem se constituir
processos de comunicações humanas. em fatos históricos as ações realizadas pelos homens e pe-
Esse autor defende ainda que, nos anos iniciais, é pos- las coletividades que envolvem diferentes níveis da vida em
sível explorar mais intensamente a perspectiva da resolu- sociedade: criações artísticas, ritos religiosos, técnicas de
ção de problemas como um jogo para a criança uma vez produção, formas de desenho, atos de governantes, com-
que o que os aproxima é o lúdico. Ele propõe que situa- portamentos de crianças ou mulheres, independências po-
ções-problema possam ser trabalhadas pedagogicamente líticas de povos.
com a estrutura do jogo, em situações coletivas e por meio Os sujeitos da História podem ser os personagens que
de um “problema em movimento”, como exposto na pro- desempenham ações individuais ou consideradas como
posta apresentada pelo autor. heroicas, de poder de decisão política de autoridades,
como reis, rainhas e rebeldes. A História pode ser estudada,
Fonte assim, como sendo dependente do destino de poucos ho-
MORETTI Vanessa Dias, Neusa Maria Marques de Souza. mens, de ações isoladas e de vontades individuais de po-
Educação matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamen- derosos, em que pouco se percebe a dimensão das ações
tal: princípios e práticas pedagógicas. Editora Cortez. 2015 coletivas, das lutas por mudanças ou do poder exercido
por grupos sociais em favor das permanências nos costu-
HISTÓRIA mes ou nas divisões do trabalho.
O sujeito histórico pode ser entendido, por sua vez,
O ensino e a aprendizagem de História envolvem uma como sendo os agentes de ação social, que se tornam sig-
distinção básica entre o saber histórico, como um campo nificativos para estudos históricos escolhidos com fins di-
de pesquisa e produção de conhecimento do domínio de dáticos, sendo eles indivíduos, grupos ou classes sociais.
especialistas, e o saber histórico escolar, como conheci- Podem ser, assim, todos aqueles que, localizados em con-
mento produzido no espaço escolar. textos históricos, exprimem suas especificidades e carac-

57
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

terísticas, sendo líderes de lutas para transformações (ou por sua vez, a Independência não representou mudanças
permanências) mais amplas ou de situações mais cotidia- significativas, já que a escravidão permaneceu ainda por
nas, que atuam em grupo ou isoladamente, e produzem muitas décadas (século XVI ao final do XIX).
para si ou para uma coletividade. Podem ser trabalhadores, Os ritmos da duração, por sua vez, possibilitam iden-
patrões, escravos, reis, camponeses, políticos, prisioneiros, tificar a velocidade com que as mudanças ocorrem. Assim,
crianças, mulheres, religiosos, velhos, partidos políticos, etc. podem ser identificados três tempos: o tempo do aconte-
O conceito de tempo histórico pode estar limitado ao cimento breve, o da conjuntura e o da estrutura.
estudo do tempo cronológico (calendários e datas), reper- O tempo do acontecimento breve é aquele que re-
cutindo em uma compreensão dos acontecimentos como presenta a duração de um fato de dimensão breve, cor-
sendo pontuais, uma data, organizados em uma longa e respondendo a um momento preciso, marcado por uma
infinita linha numérica. Os acontecimentos, identificados data. Pode ser, no caso, um nascimento, a assinatura de um
pelas datas, assumem a ideia de uniformidade, de regu- acordo, uma greve, a independência política de um país,
laridade e, ao mesmo tempo, de sucessão crescente e a exposição de uma coleção artística, a fundação de uma
acumulativa. A sequenciação dos acontecimentos sugere cidade, o início ou o fim de uma guerra.
ainda que toda a humanidade seguiu ou deveria seguir o O tempo da conjuntura é aquele que se prolonga e
mesmo percurso, criando assim a ideia de povos “atrasa- pode ser apreendido durante uma vida, como o período
dos” e “civilizados” e ainda limitando as ações humanas a de uma crise econômica, a duração de uma guerra, a per-
uma ordem evolutiva, representando o tempo presente um manência de um regime político, o desenrolar de um mo-
estágio mais avançado da história da humanidade. vimento cultural, os efeitos de uma epidemia ou a validade
O tempo histórico pode ser dimensionado diferente- de uma lei.
mente, considerado em toda sua complexidade, cuja di- O tempo da estrutura é aquele que parece imutável,
mensão o aluno apreende paulatinamente. O tempo pode pois as mudanças que ocorrem na sua extensão são quase
ser apreendido a partir de vivências pessoais, pela intuição, imperceptíveis nas vivências contemporâneas das pessoas.
como no caso do tempo biológico (crescimento, envelhe- É a duração de um regime de trabalho como a escravidão,
cimento) e do tempo psicológico interno dos indivíduos de hábitos religiosos e de mentalidades que perduram, o
(ideia de sucessão, de mudança). E precisa ser compreendi- uso de moedas nos sistemas de trocas ou as convivências
do, também, como um objeto de cultura, um objeto social sociais em organizações como as cidades.
construído pelos povos, como no caso do tempo cronoló- Os diferentes conceitos — de fato histórico, sujeito
gico e astronômico (sucessão de dias e noites, de meses e histórico e tempo histórico — refletem distintas concep-
séculos). ções de História e de como ela é estruturada e constituída.
O tempo histórico compreendido nessa complexida- Orientam, por exemplo, na definição dos fatos que serão
de utiliza o tempo institucionalizado (tempo cronológico), investigados, os sujeitos que terão a voz e as noções de
mas também o transforma à sua maneira. Isto é, utiliza o tempo histórico que serão trabalhadas.
calendário, que possibilita especificar o lugar dos momen- O conhecimento histórico escolar, além de se relacio-
tos históricos na sucessão do tempo, mas procura trabalhar nar com o conhecimento histórico de caráter científico nas
também com a ideia de diferentes níveis e ritmos de dura- especificações das noções básicas da área, também se arti-
ções temporais. cula aos fundamentos de seus métodos de pesquisa, adap-
Os níveis das durações estão relacionados à percepção tando-os para fins didáticos.
das mudanças ou das permanências nas vivências huma- A transposição dos métodos de pesquisa da História
nas. As mudanças podem ser identificadas, por exemplo, para o ensino de História propicia situações pedagógi-
apenas nos acontecimentos pontuais, como no caso da cas privilegiadas para o desenvolvimento de capacidades
queda de um governo, da implantação de uma lei, do início intelectuais autônomas do estudante na leitura de obras
de uma revolta popular. Podem ser identificadas, por outro humanas, do presente e do passado. A escolha dos conteú-
lado, a partir de acontecimentos que possuem durações dos, por sua vez, que possam levar o aluno a desenvolver
mais longas, como nas permanências e nas transformações noções de diferença e de semelhança, de continuidade e
econômicas regidas por governos ou partidos políticos, na de permanência, no tempo e no espaço, para a constitui-
permanência de crises financeiras ou na duração de uma lei ção de sua identidade social, envolve cuidados nos méto-
ou costume. Podem, ainda, ser identificadas em aconteci- dos de ensino.
mentos de longuíssimo tempo, como os comportamentos Assim, os estudos da história dos grupos de convívio
coletivos mais enraizados, os valores e as crenças que per- e nas suas relações com outros grupos e com a sociedade
manecem por gerações, as relações de trabalho que atra- nacional, considerando vivências nos diferentes níveis da
vessam séculos. vida coletiva (sociais, econômicas, políticas, culturais, artís-
A Independência do Brasil, por exemplo, representou ticas, religiosas), exigem métodos específicos, consideran-
no plano político uma mudança no regime de governo, do a faixa etária e as condições sociais e culturais dos alu-
que pode ser relacionada a uma data (7 de setembro de nos. Existe uma grande diversidade cultural e histórica no
1822). No plano econômico, as mudanças não foram, toda- País, explicada por sua extensão territorial e pela história
via, imediatas, já que o rompimento com a dominação por- de seu povoamento. As diferenças sociais e econômicas da
tuguesa se manifestou, inclusive, nas políticas de D. João VI população brasileira acarretaram formas diversas de regis-
no Brasil, desde 1808. No plano das relações de trabalho, tros históricos. Assim, há um grande número de pessoas

58
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

que não fazem uso da escrita, tanto porque não tiveram Intervenções pedagógicas específicas, baseadas no
acesso a processos formais de alfabetização como por- trabalho de pesquisa histórica, provocam significativas
que pertencem a culturas ágrafas, como no caso de po- mudanças nas compreensões das crianças pequenas sobre
pulações indígenas. Nesse sentido, o trabalho pedagógico quem escreve a História.
requer estudo de novos materiais (relatos orais, imagens, Por exemplo: passam a considerar a diversidade de
objetos, danças, músicas, narrativas), que devem se trans- fontes para obtenção de informações sobre o passado,
formar em instrumentos de construção do saber histórico discernindo sobre o fato de que épocas precedentes dei-
escolar. xaram, intencionalmente ou não, indícios de sua passagem
Ao se recuperar esses materiais, que são fontes po- que foram descobertos e conservados pelas coletividades.
tenciais para construção de uma história local parcialmen- Podem compreender que os diferentes registros são fon-
te desconhecida, desvalorizada, esquecida ou omitida, o tes de informação para se conhecer o passado.
saber histórico escolar desempenha outro papel na vida Na organização de dados históricos obtidos, cabe ao
local, sem significar que se pretende fazer do aluno um professor incentivar os alunos a compreenderem os pa-
“pequeno historiador” capaz de escrever monografias, drões de medida de tempo, como calendários, que per-
mas um observador atento das realidades do seu entorno, mitem entender a ordenação temporal do seu cotidiano e
capaz de estabelecer relações, comparações e relativizan- comparar acontecimentos a partir de critérios de anterio-
do sua atuação no tempo e espaço. ridade ou posteridade e simultaneidade.
A escolha metodológica representa a possibilidade
de orientar trabalhos com a realidade presente, relacio- Objetivos de História para o primeiro ciclo
nando-a e comparando-a com momentos significativos
do passado. Didaticamente, as relações e as comparações Espera-se que ao final do primeiro ciclo os alunos se-
entre o presente e o passado permitem uma compreensão jam capazes de:
da realidade numa dimensão histórica, que extrapola as - comparar acontecimentos no tempo, tendo como
explicações sustentadas apenas no passado ou só no pre- referência anterioridade, posterioridade e simultaneidade;
sente imediato. - reconhecer algumas semelhanças e diferenças so-
ciais, econômicas e culturais, de dimensão cotidiana, exis-
Ensino e aprendizagem de História no primeiro ciclo2 tentes no seu grupo de convívio escolar e na sua locali-
dade;
O ensino e a aprendizagem da História estão volta- - reconhecer algumas permanências e transformações
dos, inicialmente, para atividades em que os alunos pos- sociais, econômicas e culturais nas vivências cotidianas das
sam compreender as semelhanças e as diferenças, as per- famílias, da escola e da coletividade, no tempo, no mesmo
manências e as transformações no modo de vida social, espaço de convivência;
cultural e econômico de sua localidade, no presente e no - caracterizar o modo de vida de uma coletividade
passado, mediante a leitura de diferentes obras humanas. indígena, que vive ou viveu na região, distinguindo suas
As crianças, desde pequenas, recebem um grande nú- dimensões econômicas, sociais, culturais, artísticas e reli-
mero de informações sobre as relações interpessoais e co- giosas;
letivas. Entretanto, suas reflexões sustentam-se, geralmen- - identificar diferenças culturais entre o modo de vida
te, em concepções de senso comum. Cabe à escola interfe- de sua localidade e o da comunidade indígena estudada;
rir em suas concepções de mundo, para que desenvolvam - estabelecer relações entre o presente e o passado;
uma observação atenta do seu entorno, identificando as - identificar alguns documentos históricos e fontes de
relações sociais em dimensões múltiplas e diferenciadas. informações discernindo algumas de suas funções.
No caso do primeiro ciclo, considerando-se que as
crianças estão no início da alfabetização, deve-se dar pre- Conteúdos de História para o primeiro ciclo
ferência aos trabalhos com fontes orais e iconográficas e,
a partir delas, desenvolver trabalhos com a linguagem es- Eixo Temático: História Local e do Cotidiano
crita. De modo geral, no trabalho com fontes documentais
— fotografias, mapas, filmes, depoimentos, edificações, Os conteúdos de História para o primeiro ciclo enfo-
objetos de uso cotidiano —, é necessário desenvolver tra- cam, preferencialmente, diferentes histórias pertencentes
balhos específicos de levantamento e organização de in- ao local em que o aluno convive, dimensionadas em dife-
formações, leitura e formas de registros. rentes tempos.
O trabalho do professor consiste em introduzir o alu- Prevalecem estudos comparativos, distinguindo seme-
no na leitura das diversas fontes de informação, para que lhanças e diferenças, permanências e transformações de
adquira, pouco a pouco, autonomia intelectual. O percurso costumes, modalidades de trabalho, divisão de tarefas, or-
do trabalho escolar inicia, dentro dessa perspectiva, com ganizações do grupo familiar e formas de relacionamento
a identificação das especificidades das linguagens dos do- com a natureza. A preocupação com os estudos de história
cumentos — textos escritos, desenhos, filmes —, das suas local é a de que os alunos ampliem a capacidade de obser-
simbologias e das formas de construções dessas mensa- var o seu entorno para a compreensão de relações sociais
gens. e econômicas existentes no seu próprio tempo e reconhe-
2 O primeiro ciclo corresponde aos primeiros anos do ensino fundamental. çam a presença de outros tempos no seu dia-a-dia.

59
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Ao ingressarem na escola, as crianças passam a di- costumes, línguas diferentes, evitando criar a imagem do
versificar os seus convívios, ultrapassando as relações de índio como povo único e sem história. O conhecimento
âmbito familiar e interagindo, também, com outro grupo sobre os costumes e as relações sociais de povos indíge-
social — estudantes, educadores e outros profissionais —, nas possibilita aos alunos dimensionarem, em um tempo
caracterizado pela diversidade, e, ao mesmo tempo, por re- longo, as mudanças ocorridas naquele espaço onde vivem
lações entre iguais. A própria classe possui um histórico no e, ao mesmo tempo, conhecerem costumes, relações so-
qual o aluno terá participação ativa. Sendo um ambiente ciais e de trabalho diferentes do seu cotidiano.
que abarca uma dada complexidade, os estudos históricos Diante da proposta ampla de possibilidades de apro-
aprofundam, inicialmente, temas que dão conta de distin- fundamentos de estudos, cabe ao professor:
guir as relações sociais e econômicas submersa nessas re- • fazer recortes e selecionar alguns aspectos conside-
lações escolares, ampliando-as para dimensões coletivas, rados mais relevantes, tendo em vista os problemas locais
que abarcam as relações estabelecidas na sua localidade. e/ou contemporâneos;
Os estudos da história local conduzem aos estudos dos • desenvolver um trabalho de integração dos conteú-
diferentes modos de viver no presente e em outros tem- dos de história com outras áreas de conhecimento;
pos, que existem ou que existiram no mesmo espaço. • avaliar o seu trabalho ao longo do ano, refletindo
Nesse sentido, a proposta para os estudos históricos é sobre as escolhas dos conteúdos priorizados, as ativida-
de favorecer o desenvolvimento das capacidades de dife- des propostas e os materiais didáticos selecionados, para
renciação e identificação, com a intenção de expor as per- replanejar a sua proposta de ensino de um ano para o
manências de costumes e relações sociais, as mudanças, as outro.
diferenças e as semelhanças das vivências coletivas, sem
julgar grupos sociais, classificando-os como mais “evoluí- A localidade
dos” ou “atrasados”.
Como se trata de estudos, em parte, sobre a história - Levantamento de diferenças e semelhanças indivi-
local, as informações propiciam pesquisas com depoimen- duais, sociais, econômicas e culturais entre os alunos da
tos e relatos de pessoas da escola, da família e de outros classe e entre eles e as demais pessoas que convivem e
grupos de convívio, fotografias e gravuras, observações e trabalham na escola:
análises de comportamentos sociais e de obras humanas: - idade, sexo, origem, costumes, trabalho, religião,
habitações, utensílios caseiros, ferramentas de trabalho, etnia, organização familiar, lazer, jogos, interação com
vestimentas, produção de alimentos, brincadeiras, músicas, meios de comunicação (televisão, rádio, jornal), atividade
jogos, entre outros. dos pais, participação ou conhecimento artístico, prefe-
Considerando o eixo temático “História local e do co- rências em relação à música, à dança ou à arte em geral,
tidiano”, a proposta é a de que, no primeiro ciclo, os alu- acesso a serviços públicos de água e esgoto, hábitos de
nos iniciem seus estudos históricos no presente, mediante higiene e de alimentação.
a identificação das diferenças e das semelhanças existen- - Identificação de transformações e permanências dos
tes entre eles, suas famílias e as pessoas que trabalham na costumes das famílias das crianças (pais, avós e bisavós) e
escola. Com os dados do presente, a proposta é que de- nas instituições escolares:
senvolvam estudos do passado, identificando mudanças e - número de filhos, divisão de trabalhos entre sexo e
permanências nas organizações familiares e educacionais. idade, costumes alimentares, vestimentas, tipos de mora-
Conhecendo as características dos grupos sociais de dia, meios de transporte e comunicação, hábitos de higie-
seu convívio diário, a proposta é de que ampliem estudos ne, preservação da saúde, lazer, músicas, danças, lendas,
sobre o viver de outros grupos da sua localidade no pre- brincadeiras de infância, jogos, os antigos espaços esco-
sente, identificando as semelhanças e as diferenças exis- lares, os materiais didáticos de outros tempos, antigos
tentes entre os grupos sociais e seus costumes; e desenvol- professores e alunos.
vam estudos sobre o passado da localidade, identificando - Levantamento de diferenças e semelhanças entre as
as mudanças e as permanências nos hábitos, nas relações pessoas e os grupos sociais que convivem na coletividade,
de trabalho, na organização urbana ou rural em que con- nos aspectos sociais, econômicos e culturais:
vivem, etc. - diferentes profissões, divisão de trabalhos e ativi-
Identificando algumas das características da socieda- dades em geral entre idades e sexos, origem, religião,
de em que os alunos vivem, podem-se introduzir estudos alimentação, vestimenta, habitação, diferentes bairros e
sobre uma comunidade indígena que habita ou habitava suas populações, locais públicos (igrejas, prefeitura, hos-
a mesma região onde moram atualmente. A opção de in- pitais, praças, mercados, feiras, cinemas, museus), locais
troduzir estudos de povos indígenas é relevante por terem privados (residências, fábricas, lojas), higiene, atendimen-
sido os primeiros habitantes das terras brasileiras e, até to médico, acesso a sistemas públicos de água e esgoto,
hoje, terem conseguido manter formas de relações sociais usos e aproveitamento dos recursos naturais e fontes de
diferentes das que são predominantes no Brasil. A preo- energia (água, terra e fogo), locais e atividades de lazer,
cupação em identificar os grupos indígenas que habitam museus, espaços de arte, diferentes músicas e danças.
ou habitaram a região próxima do convívio dos alunos é a - Identificação de transformações e permanências nas
de possibilitar a compreensão da existência de diferenças vivências culturais (materiais e artísticas) da coletividade
entre os próprios grupos indígenas, com especificidades de no tempo:

60
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

- diferentes tipos de habitações antigas que ainda exis- e acompanhe passo a passo a realização desses procedi-
tem, observações de mudanças no espaço, como reformas mentos pelos alunos, de forma que a aprendizagem seja
de prédios, construções de estradas, pontes, viadutos, di- bem-sucedida.
ferenciação entre produtos manufaturados e industrializa- - Busca de informações em diferentes tipos de fontes
dos, mecanização da agricultura, ampliação dos meios de (entrevistas, pesquisa bibliográfica, imagens, etc.).
comunicação de massa, sobrevivência de profissões arte- - Análise de documentos de diferentes naturezas.
sanais (ferreiros, costureiras, sapateiros, oleiros, seleiros), - Troca de informações sobre os objetos de estudo.
mudanças e permanências de instrumentos de trabalho, - Comparação de informações e perspectivas diferen-
manifestações artísticas, mudanças nas vestimentas, siste- tes sobre um mesmo acontecimento, fato ou tema histó-
ma de abastecimento de alimentos, técnicas de construção rico.
de casas e suas divisões de trabalho, as músicas e danças - Formulação de hipóteses e questões a respeito dos
de antigamente, as formas de lazer de outros tempos. temas estudados.
- Registro em diferentes formas: textos, livros, fotos, ví-
Comunidade indígena deos, exposições, mapas, etc.
- Conhecimento e uso de diferentes medidas de tem-
- Identificação do grupo indígena da região e estudo po.
do seu modo de vida social, econômico, cultural, político,
religioso e artístico: Critérios de avaliação de História para o primeiro ciclo
- o território que habitam e que já habitaram, organiza-
ção das famílias e parentesco, a produção e distribuição de Ao final do primeiro ciclo, depois de terem vivenciados
alimentos, a divisão de trabalho entre os sexos e as idades, inúmeras situações de aprendizagem, os alunos dominam
as moradias e a organização do espaço, os rituais culturais alguns conteúdos e procedimentos. Para avaliar esses do-
e religiosos, as relações materiais e simbólicas com a natu- mínios, esta proposta destaca, de modo amplo, os seguin-
reza (os animais e a flora), a língua falada, as vestimentas, tes critérios:
os hábitos cotidianos de higiene, a medicina, as técnicas de - Reconhecer algumas semelhanças e diferenças no
produção de artefatos, as técnicas de coleta ou de produ- modo de viver dos indivíduos e dos grupos sociais que per-
ção de alimentos, a delimitação do território geográfico e tencem ao seu próprio tempo e ao seu espaço
de domínio da comunidade, os espaços que são públicos e Este critério pretende avaliar se, a partir dos estudos
os espaços considerados privados, as transformações sofri- desenvolvidos, o aluno se situa no tempo presente, reco-
das pela cultura no contato com outros povos, as relações nhece diversidades e aproximações de modo de vida, de
de amizade, trocas ou identidade com outras comunidades culturas, de crenças e de relações sociais, econômicas e
indígenas, as brincadeiras e as rotinas das mulheres, dos culturais, pertencentes às localidades de seu próprio tem-
homens, das crianças e dos velhos, a medição do tempo, po e localizadas no espaço mais próximo com que convive
o contar histórias, as crenças, lendas e mitos de origem, as (na escola, na família, na coletividade e em uma comunida-
manifestações artísticas, como músicas, desenhos, artesa- de indígena de sua região).
nato, danças. - Reconhecer a presença de alguns elementos do pas-
- Identificação de semelhanças e diferenças entre o sado no presente, projetando a sua realidade numa di-
modo de vida da localidade dos alunos e da cultura indí- mensão histórica, identificando a participação de diferen-
gena: tes sujeitos, obras e acontecimentos, de outros tempos, na
- existem vários aspectos da coletividade dos alunos dinâmica da vida atual
que são diferentes do modo de vida da comunidade in- Este critério pretende avaliar as conquistas do aluno
dígena estudada : na ocupação do território, no relacio- no reconhecimento de que sua realidade estabelece laços
namento com a natureza (produção de alimentos, uso da de identidade histórica com outros tempos, que envolvem
água, do solo e da vegetação, mitos, medicina, preserva- outros modos de vida, outros sujeitos e outros contextos. 
ção), nas construções de moradias (materiais, técnicas,
construtores, distribuição e uso do espaço interno), na divi- GEOGRAFIA
são de tarefas entre as pessoas na realização de trabalhos,
nos tipos e confecção de vestimentas, nos tipos de lazer, na Independentemente da perspectiva geográfica, a ma-
religiosidade, nos mitos de origem, nas técnicas de fabri- neira mais comum de se ensinar Geografia tem sido pelo
cação e uso de instrumentos nas mais diversas atividades discurso do professor ou pelo livro didático. Este discurso
de trabalho, no uso do espaço geográfico, nos hábitos de sempre parte de alguma noção ou conceito chave e versa
higiene, nos meios de comunicação, nos meios de trans- sobre algum fenômeno social, cultural ou natural que é des-
porte, nos diferentes modos de medir o tempo. crito e explicado, de forma descontextualizada do lugar ou
do espaço no qual se encontra inserido. Após a exposição,
Conteúdos comuns as Temáticas Históricas ou trabalho de leitura, o professor avalia, pelos exercícios de
memorização, se os alunos aprenderam o conteúdo.
Todas as temáticas são permeadas pelos conteúdos Abordagens atuais da Geografia têm buscado práticas
que se seguem, cuja aprendizagem favorece a construção pedagógicas que permitam apresentar aos alunos os di-
de noções históricas. É necessário que o professor oriente ferentes aspectos de um mesmo fenômeno em diferentes

61
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

momentos da escolaridade, de modo que os alunos pos- sões e explicações mais complexas sobre as relações que
sam construir compreensões novas e mais complexas a seu existem entre aquilo que acontece no dia-a-dia, no lugar
respeito. no qual se encontram inseridos, e o que acontece em ou-
Espera-se que, dessa forma, eles desenvolvam a capa- tros lugares do mundo. Os problemas socioambientais e
cidade de identificar e refletir sobre diferentes aspectos da econômicos — como a degradação dos ecossistemas, o
realidade, compreendendo a relação sociedade-natureza. crescimento das disparidades na distribuição da riqueza
Essas práticas envolvem procedimentos de problematiza- entre países e grupos sociais, por exemplo — podem ser
ção, observação, registro, descrição, documentação, repre- abordados a fim de promover um estudo mais amplo de
sentação e pesquisa dos fenômenos sociais, culturais ou questões sociais, econômicas, políticas e ambientais rele-
naturais que compõem a paisagem e o espaço geográfico, vantes na atualidade. O próprio processo de globalização
na busca e formulação de hipóteses e explicações das rela- pelo qual o mundo de hoje passa demanda uma compreen-
ções, permanências e transformações que aí se encontram são maior das relações de interdependência que existem
em interação. entre os lugares, bem como das noções de espacialidade e
Para tanto, o estudo da sociedade e da natureza deve territorialidade intrínsecas a esse processo.
ser realizado de forma conjunta. No ensino, professores e Tal abordagem visa favorecer também a compreensão,
alunos deverão procurar entender que ambas — sociedade por parte do aluno, de que ele próprio é parte integrante
e natureza — constituem a base material ou física sobre a do ambiente e também agente ativo e passivo das trans-
qual o espaço geográfico é construído. formações das paisagens terrestres. Contribui para a for-
É fundamental, assim, que o professor crie e planeje mação de uma consciência conservacionista e ambiental,
situações nas quais os alunos possam conhecer e utilizar na qual se pensa sobre o ambiente não somente em seus
esses procedimentos. A observação, descrição, experimen- aspectos naturais, mas também culturais, econômicos e
tação, analogia e síntese devem ser ensinadas para que políticos.
os alunos possam aprender a explicar, compreender e até Para tanto, as noções de sociedade, cultura, trabalho
mesmo representar os processos de construção do espaço e natureza são fundamentais e podem ser abordadas por
e dos diferentes tipos de paisagens e territórios. Isso não meio de temas nos quais as dinâmicas e determinações
significa que os procedimentos tenham um fim em si mes- existentes entre a sociedade e a natureza sejam estudadas
mos: observar, descrever, experimentar e comparar servem de forma conjunta. Porém, para além de uma abordagem
para construir noções, espacializar os fenômenos, levantar descritiva da manifestação das forças materiais, é possível
problemas e compreender as soluções propostas, enfim, também nos terceiro e quarto ciclos propor estudos que
para conhecer e começar a operar com os procedimentos e envolvam o simbólico e as representações subjetivas, pois
as explicações que a Geografia como ciência produz. a força do imaginário social participa significativamente na
A paisagem local, o espaço vivido pelos alunos deve construção do espaço geográfico e da paisagem.
ser o objeto de estudo ao longo dos dois primeiros ciclos. A Geografia, ao pretender o estudo dos lugares, suas
Entretanto, não se deve trabalhar do nível local ao mundial paisagens e território, tem buscado um trabalho interdis-
hierarquicamente: o espaço vivido pode não ser o real ime- ciplinar, lançando mão de outras fontes de informação.
diato, pois são muitos e variados os lugares com os quais Mesmo na escola, a relação da Geografia com a Literatura,
os alunos têm contato e, sobretudo, que são capazes de por exemplo, tem sido redescoberta, proporcionando um
pensar sobre. A compreensão de como a realidade local re- trabalho que provoca interesse e curiosidade sobre a leitu-
laciona-se com o contexto global é um trabalho que deve ra do espaço e da paisagem. É possível aprender Geografia
ser desenvolvido durante toda a escolaridade, de modo desde os primeiros ciclos do ensino fundamental pela lei-
cada vez mais abrangente, desde os ciclos iniciais. tura de autores brasileiros consagrados — Jorge Amado,
Além disso, o estudo da paisagem local não deve se Érico Veríssimo, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, entre
restringir à mera constatação e descrição dos fenômenos outros — cujas obras retratam diferentes paisagens do Bra-
que a constituem. Deve-se também buscar as relações en- sil, em seus aspectos sociais, culturais e naturais.
tre a sociedade e a natureza que aí se encontram presentes, Também as produções musicais, a fotografia e até mes-
situando-as em diferentes escalas espaciais e temporais, mo o cinema são fontes que podem ser utilizadas por pro-
comparando-as, conferindo-lhes significados, compreen- fessores e alunos para obter informações, comparar, per-
dendo-as. Estudar a paisagem local ao longo dos primeiro guntar e inspirar-se para interpretar as paisagens e cons-
e segundo ciclos é aprender a observar e a reconhecer os truir conhecimentos sobre o espaço geográfico.
fenômenos que a definem e suas características; descrever, A Geografia trabalha com imagens, recorre a diferen-
representar, comparar e construir explicações, mesmo que tes linguagens na busca de informações e como forma de
aproximadas e subjetivas, das relações que aí se encontram expressar suas interpretações, hipóteses e conceitos. Pede
impressas e expressas. uma cartografia conceitual, apoiada numa fusão de múl-
Nos ciclos subsequentes, o ensino de Geografia deve tiplos tempos e numa linguagem específica, que faça da
intensificar ainda mais a compreensão, por parte dos alu- localização e da espacialização uma referência da leitura
nos, dos processos envolvidos na construção do espaço das paisagens e seus movimentos.
geográfico. A territorialidade e a temporalidade dos fe- Na escola, assim, fotos comuns, fotos aéreas, filmes,
nômenos estudados devem ser abordadas de forma mais gravuras e vídeos também podem ser utilizados como fon-
aprofundada, pois os alunos já podem construir compreen- tes de informação e de leitura do espaço e da paisagem. É

62
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

preciso que o professor analise as imagens na sua totalida- das formas de lazer e inclusive por suas próprias caracte-
de e procure contextualizá-las em seu processo de produ- rísticas biofísicas pode-se observar a presença da natureza
ção: por quem foram feitas, quando, com que finalidade, e sua relação com a vida dos homens em sociedade. Do
etc., e tomar esses dados como referência na leitura de in- mesmo modo, é possível também compreender por que
formações mais particularizadas, ensinando aos alunos que a natureza favorece o desenvolvimento de determinadas
as imagens são produtos do trabalho humano, localizáveis atividades e não de outras e, assim, conhecer as influências
no tempo e no espaço, cujas intencionalidades podem ser que uma exerce sobre outra, reciprocamente.
encontradas de forma explícita ou implícita. Quando se estuda a paisagem local, deve-se procurar
O estudo da linguagem cartográfica, por sua vez, tem estabelecer relações com outras paisagens e lugares dis-
cada vez mais reafirmado sua importância, desde o início tantes no tempo ou no espaço, para que elementos de
da escolaridade. Contribui não apenas para que os alunos comparação possam ser utilizados na busca de semelhan-
venham a compreender e utilizar uma ferramenta básica ças e diferenças, permanências e transformações, explica-
da Geografia, os mapas, como também para desenvolver ções para os fenômenos que aí se encontram presentes.
capacidades relativas à representação do espaço. Inicia-se, assim, um processo de compreensão mais ampla
A cartografia é um conhecimento que vem se desen- das noções de posição, sítio, fronteira e extensão, que ca-
volvendo desde a pré-história até os dias de hoje. Por inter- racterizam a paisagem local e as paisagens de forma geral.
médio dessa linguagem é possível sintetizar informações, É fundamental também que o professor conheça quais
expressar conhecimentos, estudar situações, entre outras são as ideias e os conhecimentos que seus alunos têm so-
coisas — sempre envolvendo a ideia da produção do espa- bre o lugar em que vivem, sobre outros lugares e a relação
ço: sua organização e distribuição. entre eles. Afinal, mesmo que ainda não tenham tido con-
A forma mais usual de se trabalhar com a linguagem tato com o conhecimento geográfico de forma organizada,
cartográfica na escola é por meio de situações nas quais os os alunos são portadores de muitas informações e ideias
alunos têm de colorir mapas, copiá-los, escrever os nomes sobre o meio em que estão inseridos e sobre o mundo, têm
de rios ou cidades, memorizar as informações neles repre- acesso ao conhecimento produzido por seus familiares e
sentadas. Mas esse tratamento não garante que eles cons- pessoas próximas e, muitas vezes, às informações veicula-
truam os conhecimentos necessários, tanto para ler mapas das pelos meios de comunicação.
como para representar o espaço geográfico. Esses conhecimentos devem ser investigados para que
Para isso, é preciso partir da ideia de que a linguagem o professor possa criar intervenções significativas que pro-
cartográfica é um sistema de símbolos que envolve pro- voquem avanços nas concepções dos alunos. O principal
porcionalidade, uso de signos ordenados e técnicas de cuidado é ir além daquilo que já sabem, evitando estudos
projeção. Também é uma forma de atender a diversas ne- restritos às ideias e temas que já dominam e pouco promo-
cessidades, das mais cotidianas (chegar a um lugar que não vem a ampliação de seus conhecimentos e hipóteses acer-
se conhece, entender o trajeto dos mananciais, por exem- ca da presença e do papel da natureza na paisagem local.
plo) às mais específicas (como delimitar áreas de plantio, Desde o primeiro ciclo é importante que os alunos co-
compreender zonas de influência do clima). A escola deve nheçam alguns procedimentos que fazem parte dos méto-
criar oportunidades para que os alunos construam conhe- dos de operar da Geografia. Observar, descrever, represen-
cimentos sobre essa linguagem nos dois sentidos: como tar e construir explicações são procedimentos que podem
pessoas que representam e codificam o espaço e como lei- aprender a utilizar, mesmo que ainda o façam com pouca
tores das informações expressas por ela. autonomia, necessitando da presença e orientação do pro-
fessor. Por exemplo, em relação à observação, o professor
Ensino e aprendizagem de Geografia no primeiro ciclo pode levá-los a compreender que não se trata apenas de
olhar um pouco mais detidamente, mas sim de olhar inten-
No primeiro ciclo, o estudo da Geografia deve abordar cionalmente, em busca de respostas, nem sempre visíveis de
principalmente questões relativas à presença e ao papel imediato, disparadas pelo assunto ou problema em estudo.
da natureza e sua relação com a ação dos indivíduos, dos A descrição, por sua vez, não deve ser apenas uma listagem
grupos sociais e, de forma geral, da sociedade na constru- aleatória do que se observa, mas sim a seleção das infor-
ção do espaço geográfico. Para tanto, a paisagem local e o mações que sugerem certas explicações e possuem relação
espaço vivido são as referências para o professor organizar com as hipóteses daquele que observa e descreve.
seu trabalho. Vale lembrar que esse ciclo é, na maioria das vezes, o
O estudo das manifestações da natureza em suas múl- momento de ingresso da criança na escola. Ensinar os alu-
tiplas formas, presentes na paisagem local, é ponto de par- nos a ler uma imagem, a observar uma paisagem ou ainda
tida para uma compreensão mais ampla das relações entre a ler um texto — mesmo que a leitura não seja realizada di-
sociedade e natureza. retamente por eles — para pesquisar e obter informações
É possível analisar as transformações que esta sofre por faz parte do trabalho do professor desse ciclo. Do mesmo
causa de atividades econômicas, hábitos culturais ou ques- modo, cabe a ele estimular e intermediar discussões entre
tões políticas, expressas de diferentes maneiras no próprio os próprios alunos, para que possam aprender a compar-
meio em que os alunos estão inseridos. Por exemplo, por tilhar seus conhecimentos, elaborar perguntas, confrontar
meio da arquitetura, da distribuição da população, dos há- suas opiniões, ouvir seus semelhantes e se posicionar dian-
bitos alimentares, da divisão e constituição do trabalho, te do grupo.

63
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Assim, mesmo os alunos estando em processo de al- especificidades de cada uma das áreas, o professor pode
fabetização, fontes escritas devem estar presentes nos aproveitar o que há em comum para tratar um mesmo as-
estudos realizados, da mesma forma que o conhecimen- sunto sob vários ângulos.
to construído expresso por meio de textos. Propor que os
alunos registrem por escrito, individual ou coletivamente, O estudo da paisagem local
aquilo que observaram ou aprenderam é uma maneira de
aproximá-los de procedimentos essenciais — ler e escrever São muitos e variados os temas que podem ser pesqui-
— não apenas para o campo da Geografia, mas também sados a partir do estudo da paisagem local. Embora cada
para o desenvolvimento de procedimentos importantes na unidade escolar e cada professor possa propor os seus, a
vida de todo estudante. depender das necessidades e problemáticas que julgarem
A imagem como representação também pode estar importantes de serem abordadas, aqueles selecionados
presente. Desenhar é uma maneira de se expressar caracte- devem tratar da presença e do papel da natureza e sua
rística desse segmento da escolaridade e um procedimento relação com a vida das pessoas — seja em sociedade, co-
de registro utilizado pela própria Geografia. Além disso, é letiva ou individualmente — na construção do espaço geo-
uma forma interessante de propor que os alunos comecem gráfico.
a utilizar mais objetivamente as noções de proporção, dis- Seguem sugestões de blocos temáticos que podem
tância e direção, fundamentais para a compreensão e uso ser estudados com os alunos, apresentados de modo am-
da linguagem cartográfica. plo, pois se configuram como sugestões e não devem ser
O trabalho com a construção da linguagem cartográ- compreendidos como uma sequência de assuntos a serem
fica, por sua vez, deve ser realizado considerando os refe- aprendidos ou ainda como blocos isolados que não se co-
renciais que os alunos já utilizam para se localizar e orientar municam entre si. O professor pode, por exemplo, traba-
no espaço. A partir de situações nas quais compartilhem e lhar com um ou mais blocos ao mesmo tempo, reunidos no
explicitem seus conhecimentos, o professor pode criar ou- estudo da paisagem local.
tras nas quais possam esquematizar e ampliar suas ideias
de distância, direção e orientação. Tudo é Natureza
O início do processo de construção da linguagem car-
tográfica acontece mediante o trabalho com a produção A principal noção a ser trabalhada por este tema é a
e a leitura de mapas simples, em situações significativas presença da natureza em tudo que está visível ou não na
de aprendizagem nas quais os alunos tenham questões a paisagem local. Por meio da observação e descrição, os
resolver, seja para comunicar, seja para obter e interpretar alunos podem reconhecer essa presença em seus hábitos
informações. cotidianos, na configuração e localização de seu bairro e
E como na construção de outras linguagens mesmo de sua cidade ou ainda nas atividades econômicas, sociais
inicialmente não se deve descaracterizá-la nem na produ- e culturais com as quais têm contato direto ou indireto.
ção, nem na leitura. É importante, assim, que o professor Essa percepção pode ser ampliada mediante a comparação
desse ciclo trabalhe com diferentes tipos de mapas, atlas, com a presença da natureza em outros bairros, em dife-
globo terrestre, plantas e maquetes — de boa qualidade rentes regiões do Brasil e em outros lugares do mundo. A
e atualizados —, mediante situações nas quais os alunos visão global de natureza expressa na paisagem local pode
possam interagir com eles e fazer um uso cada vez mais ser realizada por meio dos hábitos de consumo, pesqui-
preciso e adequado deles. sando os produtos que participam da vida cotidiana, como
O estudo do meio, o trabalho com imagens e a repre- são feitos e qual a origem dos recursos naturais que estão
sentação dos lugares são recursos didáticos interessantes envolvidos em sua produção. É possível, ainda, aproximar
pelos quais os alunos poderão construir e reconstruir, de os alunos do papel do trabalho na transformação da natu-
maneira cada vez mais ampla e estruturada, as imagens e reza, investigando como pessoas de diferentes espaços e
as percepções que têm da paisagem local, conscientizan- tempos utilizam técnicas e instrumentos distintos de tra-
do-se de seus vínculos afetivos e de identidade com o lu- balho na apropriação e transformação dos elementos na-
gar no qual se encontram inseridos. turais disponíveis na paisagem local. Entretanto, a dimen-
Além disso, a interface com a História é essencial. A são utilitária da natureza como recurso natural pode ser
Geografia pode trabalhar com recortes temporais e espa- ultrapassada ao se abordarem também suas características
ciais distintos dos da História, embora não possa construir biofísicas e as relações afetivas e singulares que as pessoas
interpretações de uma paisagem sem buscar sua historici- estabelecem com ela e manifestam por meio das artes e
dade. Uma abordagem que pretende ler a paisagem local, das formas de lazer, por exemplo.
estabelecer comparações, interpretar as múltiplas relações
entre a sociedade e a natureza de um determinado lugar, Conservando o Ambiente
pressupõe uma inter-relação entre essas disciplinas, tan-
to nas problematizações quanto nos conteúdos e proce- Este tema proporciona a compreensão das diferentes
dimentos. Com a área de Ciências também há uma afini- relações que indivíduos, grupos sociais e sociedades esta-
dade peculiar nos conteúdos desse ciclo, uma vez que o belecem com a natureza no dia-a-dia. Por meio de proble-
funcionamento da natureza e suas determinações na vida matizações de situações vividas no lugar no qual os alunos
dos homens devem ser estudados. Sem perder de vista as

64
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

se encontram inseridos — seja ele o bairro, a cidade ou Esses blocos temáticos contemplam conteúdos de di-
o país — pode-se discutir o comportamento social e suas ferentes dimensões: conceituais, procedimentais e atitudi-
relações com a natureza. Devem ser estudados o modo de nais que, segundo esta proposta de ensino, são conside-
produzir e fazer do cotidiano, as tecnologias e as possi- rados como fundamentais para atingir as capacidades de-
bilidades de novas formas de se relacionar com a nature- finidas para esse segmento da escolaridade. A seguir, são
za, como as atitudes conservacionistas em relação ao lixo, apresentados em forma de lista, de modo a destacar suas
saneamento básico, abastecimento de água, produção e dimensões e as principais relações que existem entre eles:
conservação de alimentos, por exemplo. É possível ainda - observação e descrição de diferentes formas pelas
introduzir os modos de produzir considerados alternativos, quais a natureza se apresenta na paisagem local: nas cons-
como a produção de energia solar e as técnicas agrícolas truções e moradias, na distribuição da população, na or-
alternativas. Pode-se também abordar a categoria território ganização dos bairros, nos modos de vida, nas formas de
ao se tratar da questão ambiental como política de conser- lazer, nas artes plásticas;
vação e apresentar aos alunos o conceito de Áreas - identificação de motivos e técnicas pelos quais sua
Protegidas e Unidades de Conservação por meio da coletividade e a sociedade de forma geral transforma a na-
pesquisa sobre suas tipologias e seus objetivos, identifi- tureza: por meio do trabalho, da tecnologia, da cultura e da
cando como elas estão próximas ou distantes de seu coti- política, no passado e no presente;
diano e quais as suas implicações na vida das pessoas. - caracterização da paisagem local: suas origens e or-
ganização, as manifestações da natureza em seus aspectos
Transformando a Natureza: Diferentes Paisagens biofísicos, as transformações sofridas ao longo do tempo;
- conhecimento das relações entre as pessoas e o lu-
Este tema proporciona um estudo sobre os motivos, gar: as condições de vida, as histórias, as relações afetivas e
as técnicas e as consequências da transformação e do uso de identidade com o lugar onde vivem;
da natureza. Pode-se integrá-lo ao estudo da História no - identificação da situação ambiental da sua localidade:
que se refere às relações sociais, culturais e econômicas. proteção e preservação do ambiente e sua relação com a
Por meio da leitura de imagens, pode-se conhecer a traje- qualidade de vida e saúde;
tória da constituição da paisagem local e compará-la com - produção de mapas ou roteiros simples considerando
a trajetória de diferentes paisagens e lugares, enfocando características da linguagem cartográfica como as relações
as múltiplas relações e determinações dos homens em so- de distância e direção e o sistema de cores e legendas;
ciedade com a natureza nessa trajetória. Este tema evoca - leitura inicial de mapas políticos, atlas e globo ter-
também pesquisas sobre como diferentes grupos sociais restre;
— índios, negros, imigrantes, caiçaras, dentre os muitos - valorização de formas não-predatórias de exploração,
que fazem parte da sociedade brasileira — relacionaram-se transformação e uso dos recursos naturais;
ao longo de suas trajetórias com a natureza na construção - organização, com auxílio do professor, de suas pes-
do lugar e da paisagem onde vivem, podendo-se inclusive quisas e das conquistas de seus conhecimentos em obras
eleger como objeto de estudo grupos sociais inseridos em individuais ou coletivas: textos, exposições, desenhos, dra-
paisagens distintas daquelas características do Brasil. matizações, entre outras.

O Lugar e a Paisagem Critérios de avaliação de Geografia para o primeiro ciclo

Este tema trata das relações mais individualizadas dos Ao final do primeiro ciclo, os alunos devem ter avalia-
alunos com o lugar em que vivem. das suas conquistas numa perspectiva de continuidade aos
Quais foram as razões que os fizeram morar ali (víncu- seus estudos. A avaliação deve ser planejada, assim, relati-
los familiares, proximidade do trabalho, condições econô- vamente aos conhecimentos que serão recontextualizados
micas, entre outras) e quais são as condições do lugar em e utilizados em estudos posteriores. Para isso é necessário
que vivem (moradia, asfalto, saneamento básico, postos de estabelecer alguns critérios. De modo amplo, são eles:
saúde, escolas, lugares de lazer, tratamento do lixo). Pode- - Reconhecer algumas das manifestações da relação
-se aprofundar a compreensão desses aspectos a partir da entre sociedade e natureza presentes na sua vida cotidiana
forma como percebem a paisagem local em que vivem e e na paisagem local
procurar estabelecer relações entre o modo como cada um Com este critério avalia-se o quanto o aluno se apro-
vê seu lugar e como cada lugar compõe a paisagem. Outro priou da ideia de interdependência entre a sociedade e a
ponto a ser discutido são as normas dos lugares: como é natureza e se reconhece aspectos dessa relação na paisa-
que se deve agir na rua, na escola, na casa; como essas re- gem local e no lugar em que se encontra inserido. Também
gras são expressas de forma implícita ou explícita nas rela- deve-se avaliar se conhece alguns dos processos de trans-
ções sociais e na própria paisagem local; como as crianças formação da natureza em seu contexto mais imediato.
percebem e lidam com as regras dos diferentes lugares. - Reconhecer e localizar as características da paisagem
É importante discutir tentando encontrar as razões pelas local e compará-las com as de outras paisagens
quais elas são estabelecidas dessa forma e não de outra, Com este critério avalia-se se o aluno é capaz de dis-
sua utilidade, legitimidade e como alteram e determinam a tinguir, por meio da observação e da descrição, alguns as-
configuração dos lugares. pectos naturais e culturais da paisagem, percebendo nela

65
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

elementos que expressam a multiplicidade de tempos e no ensino, para que se possa construir com os alunos uma
espaços que a compõe. Se é capaz também de comparar concepção interativa de Ciência e Tecnologia não-neutras,
algumas das diferenças e semelhanças existentes entre di- contextualizada nas relações entre as sociedades humanas
ferentes paisagens. e a natureza. A dimensão histórica pode ser introduzida nas
- Ler, interpretar e representar o espaço por meio de séries iniciais na forma de história dos ambientes e das inven-
mapas simples ções. Também é possível o professor versar sobre a história
Com este critério avalia-se se o aluno sabe utilizar ele- das ideias científicas, conteúdo que passa a ser abordado com
mentos da linguagem cartográfica como um sistema de re- mais profundidade nas séries finais do ensino fundamental.
presentação que possui convenções e funções específicas, Pela abrangência e pela natureza dos objetos de es-
tais como cor, símbolos, relações de direção e orientação, tudo das Ciências, é possível desenvolver a área de forma
função de representar o espaço e suas características, deli- muito dinâmica, orientando o trabalho escolar para o co-
mitar as relações de vizinhança. nhecimento sobre fenômenos da natureza, incluindo o ser
humano e as tecnologias mais próximas e mais distantes,
CIÊNCIAS NATURAIS no espaço e no tempo. Estabelecer relações entre o que é
conhecido e as novas ideias, entre o comum e o diferente,
Os avanços das pesquisas na didática das Ciências, re- entre o particular e o geral, definir contrapontos entre os
sumidos na introdução, apontam a importância da análi- muitos elementos no universo de conhecimentos são pro-
se psicológica e epistemológica do processo de ensino e cessos essenciais à estruturação do pensamento, particu-
aprendizagem de Ciências Naturais para compreendê-lo e larmente do pensamento científico.
reestruturá-lo. Aspectos do desenvolvimento afetivo, dos valores e
Para o ensino de Ciências Naturais é necessária a das atitudes também merecem atenção ao se estruturar a
construção de uma estrutura geral da área que favoreça área de Ciências Naturais, que deve ser concebida como
a aprendizagem significativa do conhecimento histori- oportunidade de encontro entre o aluno, o professor e o
camente acumulado e a formação de uma concepção de mundo, reunindo os repertórios de vivências dos alunos
Ciência, suas relações com a Tecnologia e com a Sociedade. e oferecendo-lhes imagens, palavras e proposições com
Portanto, é necessário considerar as estruturas de conheci- significados que evoluam, na perspectiva de ultrapassar o
mento envolvidas no processo de ensino e aprendizagem conhecimento intuitivo e o senso comum.
— do aluno, do professor, da Ciência. Se a intenção é que os alunos se apropriem do conheci-
De um lado, os estudantes possuem um repertório de mento científico e desenvolvam uma autonomia no pensar e
representações, conhecimentos intuitivos, adquiridos pela no agir, é importante conceber a relação de ensino e aprendi-
vivência, pela cultura e senso comum, acerca dos conceitos zagem como uma relação entre sujeitos, em que cada um, a
que serão ensinados na escola. O grau de amadurecimento seu modo e com determinado papel, está envolvido na cons-
intelectual e emocional do aluno e sua formação escolar trução de uma compreensão dos fenômenos naturais e suas
são relevantes na elaboração desses conhecimentos pré- transformações, na formação de atitudes e valores humanos.
vios. Além disso, é necessário considerar, o professor tam- Dizer que o aluno é sujeito de sua aprendizagem sig-
bém carrega consigo muitas ideias de senso comum, ainda nifica afirmar que é dele o movimento de ressignificar o
que tenha elaborado parcelas do conhecimento científico. mundo, isto é, de construir explicações norteadas pelo co-
De outro lado, tem-se a estrutura do conhecimento cien- nhecimento científico.
tífico e seu processo histórico de produção, que envolve Os alunos têm ideias acerca do seu corpo, dos fenô-
relações com várias atividades humanas, especialmente a menos naturais e dos modos de realizar transformações no
Tecnologia, com valores humanos e concepções de Ciência. meio; são modelos com uma lógica interna, carregados de
Os campos do conhecimento científico — Astronomia, símbolos da sua cultura. Convidados a expor suas ideias
Biologia, Física, Geociências e Química — têm por referên- para explicar determinado fenômeno e a confrontá-las
cia as teorias vigentes, que se apresentam como conjuntos com outras explicações, eles podem perceber os limites de
de proposições e metodologias altamente estruturados e seus modelos e a necessidade de novas informações; esta-
formalizados, muito distantes, portanto, do aluno em for- rão em movimento de ressignificação.
mação. Não se pode pretender que a estrutura das teorias Mas esse processo não é espontâneo; é construído
científicas, em sua complexidade, seja a mesma que orga- com a intervenção do professor. É o professor quem tem
niza o ensino e a aprendizagem de Ciências Naturais no condições de orientar o caminhar do aluno, criando situa-
ensino fundamental. ções interessantes e significativas, fornecendo informações
As teorias científicas oferecem modelos lógicos e ca- que permitam a reelaboração e a ampliação dos conheci-
tegorias de raciocínio, um painel de objetos de estudo — mentos prévios, propondo articulações entre os conceitos
fenômenos naturais e modos de realizar transformações construídos, para organizá-los em um corpo de conheci-
no meio —, que são um horizonte para onde orientar as mentos sistematizados.
investigações em aulas e projetos de Ciências. Ao longo do ensino fundamental a aproximação ao co-
A história das Ciências também é fonte importante de nhecimento científico se faz gradualmente. Nos primeiros
conhecimentos na área. A história das ideias científicas e a ciclos o aluno constrói repertórios de imagens, fatos e no-
história das relações do ser humano com seu corpo, com ções, sendo que o estabelecimento dos conceitos científi-
os ambientes e com os recursos naturais devem ter lugar cos se configura nos ciclos finais.

66
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Ao professor cabe selecionar, organizar e problemati- primeiro desenho se assemelhe ao do professor. Em outras
zar conteúdos de modo a promover um avanço no desen- oportunidades as crianças poderão começar o desenho de
volvimento intelectual do aluno, na sua construção como observação sem o modelo do professor, que ainda assim
ser social. conversa com os alunos sobre detalhes necessários ao de-
Pesquisas têm mostrado que muitas vezes conceitos senho. O ensino desses procedimentos só é possível pelo
intuitivos coexistem com conceitos científicos aprendidos trabalho com diferentes temas de interesse científico, que
na escola. Nesse caso o ensino não provocou uma mudan- serão investigados de formas distintas. Certos temas po-
ça conceitual, mas, desde que a aprendizagem tenha sido dem ser objeto de observações diretas e/ou experimenta-
significativa, o aluno adquiriu um novo conceito. Além dis- ção, outros não.
so, desde que o professor interfira adequadamente, o alu- Quanto ao ensino de atitudes e valores, embora mui-
no pode ganhar consciência da coexistência de diferentes tas vezes o professor não se dê conta estará sempre le-
sistemas explicativos para o mesmo conjunto de fatos e gitimando determinadas atitudes com seus alunos. Afinal
fenômenos, estando apto a reconhecer e aplicar diferentes é ele uma referência importante para sua classe. É muito
domínios de ideias em diferentes situações. Ganhar cons- importante que esta dimensão dos conteúdos seja objeto
ciência da existência de diferentes fontes de explicação de reflexão e de ensino do professor, para que valores e
para as coisas da natureza e do mundo é tão importante posturas sejam desenvolvidos tendo em vista o aluno que
quanto aprender conceitos científicos. se tem a intenção de formar.
Sabe-se também que nem sempre todos os alunos de Em Ciências Naturais é relevante o desenvolvimento
uma classe têm ideias prévias acerca de um objeto de es- de posturas e valores pertinentes às relações entre os se-
tudo. Isso não significa que tal objeto não deva ser estu- res humanos, o conhecimento e o ambiente. O desenvol-
dado. Significa, sim, que a intervenção do professor será vimento desses valores envolve muitos aspectos da vida
a de apresentar ideias gerais a partir das quais o proces- social, como a cultura e o sistema produtivo, as relações
so de investigação sobre o objeto possa se estabelecer. A entre o homem e a natureza. Nessas discussões, o respeito
apresentação de um assunto novo para o aluno também à diversidade de opiniões ou às provas obtidas por inter-
é instigante, e durante as investigações surgem dúvidas, médio de investigação e a colaboração na execução das
constroem-se representações, buscam-se informações e tarefas são elementos que contribuem para o aprendizado
confrontam-se ideias. de atitudes, como a responsabilidade em relação à saúde
É importante, no entanto, que o professor tenha claro e ao ambiente.
que o ensino de Ciências não se resume à apresentação Incentivo às atitudes de curiosidade, de respeito à
de definições científicas, em geral fora do alcance da com- diversidade de opiniões, à persistência na busca e com-
preensão dos alunos. Definições são o ponto de chegada preensão das informações, às provas obtidas por meio de
do processo de ensino, aquilo que se pretende que o alu- investigações, de valorização da vida em sua diversidade,
no compreenda ao longo de suas investigações, da mesma de preservação do ambiente, de apreço e respeito à in-
forma que conceitos, procedimentos e atitudes também dividualidade e à coletividade, têm lugar no processo de
são aprendidos. ensino e aprendizagem.
Em Ciências Naturais são procedimentos fundamentais No planejamento e no desenvolvimento dos temas
aqueles que permitem a investigação, a comunicação e o de Ciências em sala de aula, cada uma das dimensões dos
debate de fatos e ideias. A observação, a experimentação, conteúdos deve ser explicitamente tratada. É também es-
a comparação, o estabelecimento de relações entre fatos sencial que sejam levadas em conta por ocasião das ava-
ou fenômenos e ideias, a leitura e a escrita de textos infor- liações, de forma compatível com o sentido amplo que se
mativos, a organização de informações por meio de dese- adotou para os conteúdos do aprendizado.
nhos, tabelas, gráficos, esquemas e textos, a proposição de
suposições, o confronto entre suposições e entre elas e os Ciências Naturais no primeiro ciclo
dados obtidos por investigação, a proposição e a solução
de problemas, são diferentes procedimentos que possibili- O processo de aprendizagem das crianças, tendo ou
tam a aprendizagem. não cursado a educação infantil, inicia-se muito antes da
Da mesma forma que os conteúdos conceituais, os escolaridade obrigatória. São frequentemente curiosas,
procedimentos devem ser construídos pelos alunos por buscam explicações para o que veem, ouvem e sentem. O
meio de comparações e discussões estimuladas por ele- que é isso? Como funciona? Como faz? E os famosos por-
mentos e modelos oferecidos pelo professor. quês.
No contexto da aprendizagem ativa, os alunos são São perguntas que fazem a si mesmas e às pessoas em
convidados à prática de tais procedimentos, no início imi- muitas situações de sua vida.
tando o professor, e, aos poucos, tornando-se autônomos. As fontes para a obtenção de respostas e de conheci-
Por exemplo, ao trabalhar o desenho de observação, o pro- mentos sobre o mundo vão desde o ambiente doméstico e
fessor inicia a atividade desenhando na lousa, conversan- a cultura regional, até a mídia e a cultura de massas. Portan-
do com as crianças sobre os detalhes de cores e formas to, as crianças chegam à escola tendo um repertório de re-
que permitem que o desenho seja uma representação do presentações e explicações da realidade. É importante que
objeto original. Em seguida, os alunos podem fazer seu tais representações encontrem na sala de aula um lugar
próprio desenho de observação, sendo esperado que esse para manifestação, pois, além de constituírem importante

67
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

fator no processo de aprendizagem, poderão ser amplia- Orientados pelo professor, que lhes oferece informa-
das, transformadas e sistematizadas com a mediação do ções e propõe investigações, os alunos realizam compara-
professor. É papel da escola e do professor estimular os ções e estabelecem regularidades que permitem algumas
alunos a perguntarem e a buscarem respostas sobre a classificações e generalizações. Por exemplo, podem com-
vida humana, sobre os ambientes e recursos tecnológicos preender que existem diferentes fontes de calor; que todos
que fazem parte do cotidiano ou que estejam distantes no os animais se alimentam de plantas ou de outros animais
tempo e no espaço. e que objetos são feitos de determinados materiais apro-
Entretanto, crianças pequenas compreendem e vivem priados ao seu uso.
a realidade natural e social de modo diferente dos adultos. Outra característica deste momento da criança é o
Fora ou dentro da escola, as crianças emprestam magia, desenvolvimento da linguagem causal. A criança é capaz
vontade e vida aos objetos e às coisas da natureza ao ela- de estabelecer sequências de fatos, identificando causas e
borar suas explicações sobre o mundo. De modo geral, em consequências relacionadas a essas sequências, mas ainda
torno de oito anos as crianças passam a exibir um modo não as associa a princípios ou leis gerais das Ciências. Essa
menos subjetivo e mais racional de explicar os aconteci- característica possibilita o trabalho de identificação e regis-
mentos e as coisas do mundo. São capazes de distinguir tro de encadeamento de eventos ao longo do tempo, es-
os objetos das próprias ações e organizar etapas de acon- tabelecendo-se a distinção entre causas e consequências.
tecimentos em intervalos de tempo. Também é de grande importância que o professor in-
No primeiro ciclo são inúmeras as possibilidades de centive o aluno a formular suposições e perguntas, pois
trabalho com os conteúdos da área de Ciências Naturais. esse procedimento permite conhecer as representações e
Nas classes de primeiro ciclo é possível a elaboração de conceitos intuitivos dos alunos, orientando o processo de
algumas explicações objetivas e mais próximas da Ciên- construção de conhecimentos.
cia, de acordo com a idade e o amadurecimento dos alu- Observar, comparar, descrever, narrar, desenhar e
nos e sob influência do processo de aprendizagem, ainda perguntar são modos de buscar e organizar informações
que explicações mágicas persistam. Também é possível o sobre temas específicos, alvos de investigação pela classe.
contato com uma variedade de aspectos do mundo, ex- Tais procedimentos por si só não permitem a aquisição do
plorando-os, conhecendo-os, explicando-os e iniciando a conhecimento conceitual sobre o tema, mas são recursos
aprendizagem de conceitos, procedimentos e valores im- para que a dimensão conceitual, a rede de ideias que con-
portantes. fere significado ao tema, possa ser trabalhada pelo pro-
Desde o início do processo de escolarização e alfabe- fessor.
tização, os temas de natureza científica e técnica, por sua
presença variada, podem ser de grande ajuda, por permiti- Conteúdos de Ciências Naturais para o primeiro ciclo
rem diferentes formas de expressão. Não se trata somente
de ensinar a ler e a escrever para que os alunos possam No primeiro ciclo as crianças têm uma primeira apro-
aprender Ciências, mas também de fazer usos das Ciências ximação das noções de ambiente, corpo humano e trans-
para que os alunos possam aprender a ler e a escrever. formações de materiais do ambiente por meio de técni-
Essa fase é marcada por um grande desenvolvimento cas criadas pelo homem. Podem aprender procedimentos
da linguagem oral, descritiva e narrativa, das nomeações simples de observação, comparação, busca e registro de
de objetos e seres vivos, suas partes e propriedades. Esta informações, e também desenvolver atitudes de respon-
característica permite que os alunos possam enriquecer sabilidade para consigo, com o outro e com o ambiente.
relatos sobre observações realizadas e comunicá-las aos Os textos seguintes buscam explicitar os alcances dos
seus companheiros. conteúdos em cada bloco temático, apontando-se possí-
A capacidade de narrar ou descrever um fato, nessa veis conexões entre blocos, com outras áreas e com os te-
fase, é enriquecida pelo desenho, que progressivamente mas transversais, tendo-se o tratamento didático em pers-
incorpora detalhes do objeto ou do fenômeno observado. pectiva.
O desenho é uma importante possibilidade de registro de
observações compatível com esse momento da escolari- Ambiente
dade, além de um instrumento de informação da própria
Ciência. Conhecer desenhos informativos elaborados por No primeiro ciclo, os conteúdos pretendem uma pri-
adultos — em livros, enciclopédias ou o desenho do pro- meira aproximação da noção do ambiente como resultado
fessor — contribui para a valorização desse instrumento das interações entre seus componentes — seres vivos, ar,
de comunicação das informações. água, solo, luz e calor — e da compreensão de que, embo-
Além do desenho, outras formas de registro se confi- ra constituídos pelos mesmos elementos, os diversos am-
guram como possibilidades nessa fase: listas, tabelas, pe- bientes diferenciam-se pelos tipos de seres vivos, pela dis-
quenos textos, utilizando conhecimentos adquiridos em ponibilidade dos demais componentes e pelo modo como
Língua Portuguesa e Matemática. se dá a presença do ser humano.
Muito importante no ensino de Ciências é a compa- A observação direta ou indireta de diferentes ambien-
ração entre fenômenos ou objetos de mesma classe, por tes, a identificação de seus componentes e de algumas re-
exemplo: diferentes fontes de energia, alimentação dos lações entre eles, bem como a investigação de como o ho-
animais, objetos de mesmo uso. mem se relaciona com tais ambientes, permite aos alunos

68
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

uma primeira noção e a diferenciação de ambiente natural de alimentação, sustentação e locomoção, forma do corpo,
e ambiente construído. Os seres vivos — animais e vege- reprodução e outras características que o capacitam a ex-
tais — destacam-se entre os componentes dos ambientes, plorar e sobreviver em seu meio específico.
estudando-se suas características e hábitos — alimentação, Estudos sobre determinados animais e plantas também
reprodução, locomoção — em relação ao ambiente em que oferecem oportunidades para a compreensão do processo
vivem. É possível uma primeira aproximação ao conceito do ciclo vital, que tem peculiaridades em seres vivos deter-
de ser vivo por meio do estudo do ciclo vital: nascimento, minados, mas é comum a todos: nascer, crescer, reproduzir
crescimento, reprodução e morte. Todos esses conteúdos e morrer. É importante que se tenha claro que o ciclo vital
também fazem parte do documento Meio Ambiente. Para é um processo de cada espécie e não do indivíduo; é a es-
a realização das investigações sugeridas, o professor pode pécie que se mantém por meio da reprodução.
tomar como referência ambientes e seres vivos da sua re- É necessário considerar que as descrições e explicações
gião e outros distantes, no tempo e no espaço. que os alunos conceberão a cada investigação proposta
Comparando-se ambientes diferentes — floresta, rio, serão realizadas, inicialmente, com a utilização de seu pró-
represa, lago, plantação, campo, cidade, horta, etc. —, prio vocabulário, que deverá se aperfeiçoar ao longo dos
busca-se identificar suas regularidades (os componentes trabalhos, embora não se deva exigir a utilização da no-
comuns) e suas particularidades (disponibilidade dos di- menclatura científica em sua complexidade.
ferentes componentes, tipos de seres vivos, o modo e a A coleta de informações sobre a vida de determinados
intensidade da ocupação humana). animais em seus ambientes pode ser feita pela observação
Cabe ao professor orientar os alunos sobre o que e de figuras, leituras de pequenos textos realizadas pelo pro-
onde observar, de modo que se coletem dados importan- fessor para a classe, cultivo de plantas, criação de peque-
tes para as comparações que se pretende, pois, a habilida- nos animais (tatuzinhos de jardim, minhocas, borboletas,
de de observar implica um olhar atento para algo que se besouros), em que se preservem as condições de sua vida
tem a intenção de ver. na natureza, ou ainda por meio de filmes e de contato com
As observações realizadas resultam em um conjunto pessoas que conheçam a vida dos animais e das plantas.
de dados que são organizados por meio de desenhos e Criações de pequenos animais em sala de aula ofere-
listas, de modo que as características de cada ambiente cem oportunidades para que os alunos se organizem nos
fiquem registradas. Ao realizar registros os alunos têm a cuidados necessários à manutenção das criações, para a
oportunidade de sistematizar os conhecimentos que ad- realização de observações a longo prazo a respeito das ca-
quiriram. Entretanto, parte das comparações no primeiro racterísticas do corpo e dos hábitos dos animais seleciona-
ciclo são feitas oralmente, quando os alunos descrevem dos. Da mesma forma, o cultivo de plantas constitui exce-
os ambientes investigados, apontando suas diferenças e lente oportunidade para que se trabalhe com os alunos ati-
semelhanças, e comparam seus resultados às suposições tudes de valorização da vida em sua diversidade. Criações
iniciais. ou cultivo de plantas podem ser feitos utilizando-se peque-
Durante esses trabalhos os alunos adquirem um reper- nos espaços e materiais de sucata, como latas ou caixotes.
tório de imagens e alguns novos significados para ideias Parte significativa do conhecimento sobre seres vivos
de ambiente, solo, seres vivos, entre outras que forem ex- é obtida por meio de leitura de livros, revistas e enciclo-
ploradas. Desenvolvem a habilidade de descrever os am- pédias, buscando-se informações sobre as características
bientes, identificando, comparando e classificando seus das plantas e hábitos de animais habitantes de diferentes
diferentes componentes. Portanto, ampliam suas noções, ambientes. Este conhecimento tem duplo papel: sugerir
verificando por diferentes que sejam todos apresentam observações sobre seres vivos que estão sendo investiga-
componentes comuns e a ocupação humana possibilita di- dos e ainda informar sobre seres vivos distantes no tempo
ferentes transformações. Aspecto a ser considerado ao se e no espaço. Por exemplo, pode-se conhecer habitantes
tratar de ambientes construídos é o fato de apresentarem, das profundezas dos mares e de florestas virgens, sobre
geralmente, menor diversidade de seres vivos, presença de animais selvagens (não-domesticados), animais extintos ou
habitações individuais e coletivas e condições ambientais em extinção, plantas ornamentais, plantas medicinais, etc.
de vida humana bastante variadas. São inúmeros os temas que permitem trabalhar as rela-
Focalizando-se os ambientes construídos pelo homem, ções dos seres vivos entre si e destes com os demais com-
como uma horta, uma pastagem ou as cidades, evidencia- ponentes dos ambientes; relações de alimentação, relações
-se a necessidade humana de transformar os ambientes a entre as características do corpo e do comportamento e as
fim de utilizar os seus recursos e ocupar espaços. É perti- condições do ambiente.
nente a abordagem da degradação ambiental como con- A respeito das relações alimentares explora-se a exis-
sequência de certos modos de interferência humana. Esses tência de diferentes hábitos — herbívoros, carnívoros e
assuntos são tratados em conexão com o bloco “Recursos onívoros — e da dependência alimentar entre todos os
tecnológicos” e com o documento Meio Ambiente. seres vivos, incluindo o ser humano. A forma de obtenção
Os estudos sobre ambientes se complementam com de alimentos e água pelos animais na natureza, e por aque-
as investigações sobre os seres vivos que os habitam, na les domesticados, mostra comportamentos interessantes.
perspectiva de conhecer como determinado ser vivo se Compará-los às formas de obtenção de alimentos pelo ser
relaciona com outros seres vivos e demais componentes humano em diferentes culturas permite a investigação do
de seu ambiente. Cada animal ou planta apresenta modos poder transformador da espécie humana.

69
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Sobre sustentação e locomoção explora-se a pre- - comparação dos modos com que diferentes seres vi-
sença de coluna vertebral, carapaças e musculatura em vos, no espaço e no tempo, realizam as funções de alimen-
animais aquáticos e terrestres, apontando-se para a re- tação, sustentação, locomoção e reprodução, em relação
lação porte do animal, meio em que ele vive e presença às condições do ambiente em que vivem;
de esqueleto. Por exemplo: no ambiente terrestre não - comparação do desenvolvimento e da reprodução de
são encontrados animais invertebrados de grande por- diferentes seres vivos para compreender o ciclo vital como
te; já no aquático são conhecidos polvos e lulas muito característica comum a todos os seres vivos;
grandes. Como a água sustenta o peso dos corpos, tais - formulação de perguntas e suposições sobre os am-
animais podem sobreviver no meio aquático. bientes e os modos de vida dos seres vivos;
Outro aspecto a ser considerado é a relação for- - busca e coleta de informações por meio de observa-
ma do corpo e locomoção no meio. Exemplo: os pei- ção direta e indireta, experimentação, entrevistas, leitura de
xes são animais aquáticos que nadam e apresentam o textos selecionados;
corpo em forma de fuso; essa forma permite melhor - organização e registro de informações por meio de
deslocamento na água, o que é importante para caçar desenhos, quadros, esquemas, listas e pequenos textos,
alimento e fugir de predadores. A respeito dos vege- sob orientação do professor;
tais estuda-se o caule como estrutura de sustentação, - interpretação das informações por intermédio do es-
importante para a sobrevivência de grande parte dos tabelecimento de relações, de semelhanças e diferenças e
vegetais terrestres. de sequências de fatos;
A reprodução nos animais pode ser estudada en- - utilização das informações obtidas para justificar suas
focando-se o desenvolvimento dos filhotes no interior ideias;
do corpo materno ou em ovos postos no ambiente, a - comunicação oral e escrita de suposições, dados e
alimentação dos filhotes e o cuidado com a prole, os conclusões, respeitando diferentes opiniões.
rituais de acasalamento, as épocas de cio, o tempo de
gestação, o tempo que os filhotes levam para atingir a Ser Humano e Saúde
maturidade e o tempo de vida. São funções rítmicas,
interessantes e importantes de serem estudadas. O bloco “Ser humano e saúde” aborda neste ciclo os
Para o estudo da reprodução nos vegetais, é con- primeiros estudos sobre as transformações durante o cres-
veniente o cultivo daqueles com ciclo vital curto, que cimento e o desenvolvimento, enfocando-se as principais
apresentem flores, como as hortaliças, o feijão e a bata- características — relativas ao corpo, aos comportamentos
ta-doce. Estuda-se a participação de insetos e pássaros e às atitudes — nas diferentes fases da vida. Com atenção
na polinização, a formação dos frutos, sua variedade; especial, estudam-se as condições essenciais à manuten-
condições de germinação e crescimento das sementes ção da saúde da criança, medidas de prevenção às doenças
— influência da luz, do calor, da água e do ar. infectocontagiosas, particularmente a AIDS, aspectos tam-
Muito interessante é o trabalho com funções rítmi- bém tratados nos documentos de Orientação Sexual e de
cas nos vegetais: a frutificação de algumas plantas e as Saúde.
estações do ano, a abertura e o fechamento de flores Ao falar de assuntos relativos ao corpo humano, é fre-
ao longo do dia. Esse assunto permite que se construa quente o surgimento, entre os alunos, de vergonha e de
a noção de que os vegetais (como todos os seres vivos) “brincadeiras” dirigidas aos mais gordos ou mais magros,
apresentam funções que se repetem com o mesmo in- muito altos ou muito baixos. Qualquer traço diferente pode
tervalo de tempo (funções rítmicas), ajustadas ao dia, à ser alvo das “brincadeirinhas”. É importante que o profes-
noite e às estações do ano (ciclos geofísicos). sor incentive seus alunos a valorizarem as diferenças indivi-
Vários temas de estudo sobre seres vivos podem duais, seja quanto à cor, à idade, ao corpo, seja quanto ao
ser realizados em conexão com o bloco “Ser humano ritmo de aprendizagem ou às diferenças socioculturais. O
e saúde”, comparando-se características do corpo e do professor, trabalhando num clima de cooperação e solida-
comportamento dos seres humanos aos demais seres riedade com sua classe, favorece a autoestima e a forma-
vivos, particularmente aos animais. Também podem ser ção de vínculos entre os integrantes do grupo.
explorados vínculos com o bloco “Recursos tecnológi- Ao investigar o ciclo de vida dos seres humanos o pro-
cos”, nas questões relativas à produção de alimentos, fessor pode solicitar aos alunos que coletem algumas fi-
medicamentos, vestuário, materiais de construção, etc. guras ou retratos de pessoas em diferentes fases da vida:
bebê, criança, jovem, adulto e idoso. A partir dessa coleção,
Conteúdos para o primeiro ciclo referentes a fatos, professor e alunos podem organizar um painel em que as
conceitos, procedimentos, valores e atitudes: diferentes idades sejam apresentadas em sequência, cons-
truindo-se, assim, uma representação do ciclo de vida do
- comparação de diferentes ambientes naturais e ser humano. Essa representação se enriquece com figuras
construídos, investigando características comuns e di- de mulheres grávidas, iniciando novos ciclos.
ferentes, para verificar que todos os ambientes apre- As mesmas figuras e fotos do painel permitem a in-
sentam seres vivos, água, luz, calor, solo e outros com- trodução da questão dos comportamentos, hábitos e ca-
ponentes e fatos que se apresentam de modo distinto racterísticas do corpo nas diferentes idades. Como são as
em cada ambiente; pessoas? O que parecem estar fazendo? Como imaginam

70
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

o cotidiano delas: o que comem, como realizam sua higie- de repousar. Isto é, na infância já existe relativa autonomia.
ne? Como se divertem e descansam? São questões que os Durante esses trabalhos o professor incentiva os alunos a
alunos respondem revelando o que já conhecem e o que desenvolverem essas capacidades, valorizando os modos
imaginam sobre os assuntos que se pretende trabalhar. saudáveis de alimentação, de cuidados com o corpo, de
A questão das transformações no desenvolvimento lazer e repouso, a organização e limpeza do espaço e dos
envolve vários aspectos, alguns relativos à biologia do ser materiais escolares, bem como a cultura e o conhecimento.
humano, outros a hábitos — de asseio, de alimentação, de Atenção especial deve ser dedicada ao estudo da formação
lazer — e outros, ainda, a valores associados à cultura e às da dentição permanente e aos cuidados com os dentes.
escolhas realizadas por cada um. Ainda na infância inicia-se a tomada de consciência
É importante que as crianças entrem em contato com acerca do esquema geral do corpo. A criança deve ser
a ideia de que a vida compreende a morte, parte do ciclo incentivada a perceber seu corpo, limites e capacidades,
vital da espécie humana e de todos os seres vivos. externar as sensações de desconforto e prazer, ampliando
No primeiro ciclo os alunos podem conhecer as carac- sua capacidade de se expressar sobre o que sente, percebe
terísticas externas do corpo humano, comparando crian- e deseja.
ças, adolescentes e adultos dos dois sexos. Podem iden- Acerca da juventude os alunos verificam a crescente
tificar as características gerais do corpo humano, que nos independência e as acentuadas mudanças no corpo, sen-
identificam como espécie, e as características particulares do momento de transição da infância para a vida adulta.
de sexo, idade e etnia. É interessante, além de estabelecer Os alunos poderão compreender que essa é uma fase de
comparações entre diferentes seres humanos, compará-los muitas e fundamentais escolhas para a vida, com novas
a vários animais. A estrutura geral, revestimento do corpo, responsabilidades e dificuldades a serem resolvidas. É um
postura bípede, limites e alcances das formas de percep- momento de profundas modificações no corpo, no modo
ção do meio (aspectos relativos aos órgãos dos sentidos) de se relacionar com o mundo, com sua sexualidade e com
podem ser explorados. Constituem-se assuntos que conec- o sexo oposto. A consciência do corpo que se inicia na in-
tam este bloco temático ao bloco “Ambiente”. fância continua a se desenvolver e se amplia nessa fase, o
É possível encontrarem dificuldade de diferenciar me- que é facilitado pelo incentivo do adulto.
ninos e meninas pequenas, desde que vestidos; dificuldade Sobre a vida adulta os alunos podem reconhecer a con-
que deixa de existir na identificação de jovens e adultos. quista da autonomia e a ampliação das responsabilidades
O surgimento de pelos no rosto e no corpo, crescimento relativas ao trabalho, à família, à comunidade e a si próprio,
muscular acentuado no homem, surgimento de seios das a permanente necessidade de vínculos afetivos, cuidados
meninas, mudanças na voz — diferente no homem e na com a higiene, alimentação, repouso e lazer. Nessa fase da
mulher —, enfim, todo o conjunto de características sexuais vida a consciência do corpo é significativa, principalmente
secundárias permite a distinção entre os dois sexos a partir quando a pessoa adquiriu conhecimentos básicos a esse
da puberdade. São indicadores de transformações externas respeito.
que acompanham o amadurecimento interno, psíquico, fi- Muito importante é a investigação sobre a velhice, fase
siológico e anatômico, que podem ser apontados aos alu- da vida geralmente apresentada como sinônimo de apo-
nos deste ciclo e se constituem objeto de estudo a partir sentadoria: sem trabalho, sem sonhos, sem necessidades
do segundo ciclo. pessoais, só doenças. É preciso reverter esse quadro de va-
Acompanham essas mudanças no corpo transforma- lores, incentivando as crianças desde cedo a valorizarem a
ções de comportamento e interesses, que variam segundo experiência dos idosos, cuja importância para a família e a
as diferenças culturais e merecem ser abordadas. comunidade cresce à medida que se reconhece no idoso
Também com relação aos comportamentos cabem uma pessoa que pode produzir, que tem projetos a realizar
comparações entre os seres humanos e os demais animais. e necessidades que não podem ser esquecidas.
Essas comparações permitem identificar comportamentos O enriquecimento do conhecimento do aluno sobre
semelhantes, como a alimentação dos filhotes, particu- as diferentes fases do ciclo vital e sobre as transformações
larmente em aves e mamíferos, os cuidados com a prole, que ocorrem durante esse desenvolvimento pode ser al-
alguns rituais de conquista e acasalamento, e estabelecer cançado por meio de busca e organização de informações
diferenças nesses mesmos comportamentos que, nos se- em fontes diversas: visitas ao posto de saúde local, leituras
res humanos, são também aprendidos e impregnados pela que o professor realiza para seus alunos e entrevistas com
cultura, mas guardam elementos do mundo animal ao qual pessoas de diferentes idades da comunidade.
pertencem. Junto com os alunos, o professor prepara as entre-
É interessante verificar que bebês humanos, como os vistas, organizando questões a respeito do cotidiano das
de outras espécies, são totalmente dependentes dos que pessoas, no presente e no passado, de modo que as infor-
deles cuidam. A atenção que recebem, a alimentação e o mações a serem obtidas sejam relevantes para a formação
asseio especiais são determinantes de sua saúde e seu de- da noção de transformação no desenvolvimento humano.
senvolvimento. O posto de saúde local, ou outro equipamento de saú-
Quanto à sua fase de desenvolvimento, a infância, os de, pode fornecer referências quanto aos cuidados para a
alunos podem verificar que, sob orientação dos adultos, higiene e alimentação dos bebês, das crianças em idade
são capazes de cuidar de sua higiene, das tarefas escola- escolar, dos jovens, dos adultos e dos idosos. Também no
res, de se alimentarem, de escolher as formas de lazer e posto de saúde, professor e alunos podem se informar so-

71
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

bre as verminoses, doenças muito frequentes na infância, Alguns processos, por meio dos quais vegetais, ani-
e sobre a AIDS: as formas de transmissão e de contágio, mais, materiais e energia são utilizados, podem ser estu-
cuidados necessários para evitá-las e formas de tratamento dados realizando-se uma primeira aproximação da ideia
do doente. de técnica.
Ao planejar os conteúdos deste tema, especial atenção Não é possível nem desejável o estudo exaustivo so-
deve ser dada às doenças e aos problemas de higiene, saú- bre todos os processos citados. O importante é a seleção
de pessoal e ambiental que incidem sobre a comunidade e a investigação de alguns dos temas apontados, para que
local. o aluno se informe, de modo geral, sobre a origem e os
modos de obtenção de alguns alimentos, objetos de con-
Conteúdos para o primeiro ciclo referentes a fatos, con- sumo e energia. É recomendável, ao planejar essa seleção,
ceitos, procedimentos, valores e atitudes: que o professor leve em conta as possibilidades reais de
realização de procedimentos de observação e experimen-
- comparação do corpo e de alguns comportamentos tação, bem como as visitas e utilização de diversas fontes
de homens e mulheres nas diferentes fases de vida — ao de informação. Investigações das produções de interes-
nascer, na infância, na juventude, na idade adulta e na ve- se local e regional cumprem muito bem esse papel. Os
lhice — para compreender algumas transformações, valo- produtos regionais e os processos de produção podem
rizar e respeitar as diferenças individuais; ser comparados àqueles de outras regiões, ou de outros
- conhecimento de condições para o desenvolvimento tempos, possibilitando a ampliação dos conhecimentos e
e preservação da saúde: atitudes e comportamentos favo- a verificação da variedade de transformações.
ráveis à saúde em relação a alimentação, higiene ambiental A utilização dos seres vivos como recursos naturais
e asseio corporal; modos de transmissão e prevenção de pode ser abordada em conexão com o bloco “Ambiente”.
doenças contagiosas, particularmente a AIDS; Por exemplo, com relação à utilização dos vegetais pelo
- comparação do corpo e dos comportamentos do ser homem, focalizam-se seus possíveis usos como alimentos,
humano e de outros animais para estabelecer semelhanças remédios, tecidos, embalagens, fonte de materiais para a
e diferenças; habitação, produção de papel e também como combustí-
- elaboração de perguntas e suposições acerca das ca- vel (carvão vegetal). Investigam-se técnicas que possibi-
racterísticas das diferentes fases da vida e dos hábitos de litam a obtenção e utilização desses recursos, tais como
alimentação e de higiene para a manutenção da saúde, em extração ou cultivo das plantas que são alimento, nas hor-
cada uma delas; tas, pomares e lavouras; a criação de animais em granjas,
- observação, representação e comparação das condi- viveiros e pastagens; a caça e a pesca, destacando-se as
ções de higiene dos diferentes espaços habitados, desenvol- questões da pesca e da caça depredatórias.
vendo cuidados e responsabilidades para com esses espaços; A produção e a manutenção de uma horta na escola
- busca e coleta de informações por meio de leituras serve ao estudo do ciclo vital e das características de dife-
realizadas pelo professor para a classe, interpretação de rentes plantas; pode ser de grande valor para a formação
imagens, entrevistas a familiares, pessoas da comunidade e de atitudes de cooperação na realização de tarefas e ofe-
especialistas em saúde; recer oportunidades de trabalhar a valorização da máxima
- confrontação das suposições individuais e coletivas utilização dos recursos disponíveis para a obtenção de ali-
com as informações obtidas; mentos.
- organização e registro de informações por meio de Portanto, crianças pequenas poderão trabalhar com
desenhos, quadros, listas e pequenos textos, sob orienta- temas bastante diversos para investigar os animais e os
ção do professor; vegetais como recursos da natureza e as técnicas mais
- comunicação oral e escrita de suposições, dados e comuns utilizadas nessas explorações. Considerando a
conclusões, respeitando diferentes opiniões. realidade local, o professor seleciona temas para investi-
gações: estudar a vida dos vegetais e plantar uma horta;
Recursos tecnológicos estudar os peixes, entrevistar um pescador e organizar vi-
sita ao mercado; estudar os derivados do leite e pesquisar
A transformação da natureza para a utilização de re- as condições de vida de rebanhos leiteiros são algumas
cursos naturais — alimentos, materiais e energia — é in- das possibilidades.
separável da civilização. Produtos industriais ou artesanais Os estudos sobre transformações de materiais em ob-
são partes do cotidiano. Depende-se de materiais básicos, jetos estabelecem possibilidades ricas para o desenvolvi-
como minérios e madeira, do plantio, da criação de ani- mento das habilidades de observar, generalizar (sintetizar)
mais, da pesca, assim como de uma enorme variedade de e relacionar, por meio do ensino e aprendizagem dos pro-
bens produzidos industrialmente — de roupas a veículos, cedimentos correlatos. Os alunos também poderão veri-
de medicamentos a aparelhos. ficar a existência de alguns fenômenos físicos e químicos
Desde o primeiro ciclo os alunos poderão investigar representados pelas propriedades de condução elétrica
sobre os produtos que consomem, sobre as técnicas diver- e de calor pelos metais, a transparência dos vidros, entre
sas para obtenção e transformação de alguns componen- tantas outras que podem ser identificadas pela observação
tes dos ambientes, que são considerados como recursos direta, pela experimentação ou pela busca de informação
naturais essenciais à existência. realizada pelo professor ou com seu auxílio.

72
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

A exploração de materiais e objetos pode ser realizada - conhecimento de origens e algumas propriedades
de diferentes modos. A observação direta no entorno — de determinados materiais e formas de energia, para rela-
escola, casa, meios de transportes — possibilita a identifi- cioná-las aos seus usos;
cação de alguns objetos e os materiais de que são feitos. - formulação de perguntas e suposições sobre os pro-
Com a participação e sob incentivo do professor, os cessos de transformação de materiais em objetos;
alunos podem organizar coleções de objetos ou figuras de - busca e coleta de informações por meio de obser-
objetos que cumprem a mesma finalidade e são feitos de vação direta e indireta, experimentação, interpretação de
diferentes materiais: panelas (de barro e de alguns tipos de imagens e textos selecionados;
metal), calçados (de couro, plástico, tecido, etc.), colheres - organização e registro de informações por intermé-
(de pau, metal ou plástico). Podem colecionar também ob- dio de desenhos, quadros, esquemas, listas e pequenos
jetos ou figuras de objetos diferentes feitos com o mesmo textos;
material: coleções de objetos de papel, de metal, de vidro, - interpretação das informações por meio do estabele-
etc., e situá-los como produtos socioculturais. cimento de regularidades e das relações de causa e efeito;
A partir desses levantamentos, algumas relações po- - utilização das informações obtidas para justificar
dem ser traçadas quanto ao uso dos diferentes materiais suas ideias;
em objetos específicos, relacionando-se a conveniência do - comunicação oral e escrita de suposições, dados e
material escolhido ao objeto elaborado e buscando infor- conclusões, respeitando diferentes opiniões.
mações que permitam explicar por que se usa determinado
material para a confecção de certos objetos. Critérios de avaliação de Ciências Naturais para o pri-
Alguns experimentos são modos interessantes de bus- meiro ciclo
car informações para a verificação das propriedades dos
materiais. As relações de diferentes materiais com a água, Os critérios de avaliação estão referenciados nos ob-
a luz, o calor; as alterações produzidas nos diferentes ma- jetivos, mas, como se pode notar, não coincidem integral-
teriais pela ação de forças; as possibilidades de ser ou não mente com eles. Os objetivos são metas, balizam e orien-
decomposto (“desmanchado”) quando enterrado no solo, tam o ensino, indicam expectativas quanto ao desenvol-
são algumas possibilidades de investigação. vimento de capacidades pelos alunos ao longo de cada
Os processos de transformação artesanal e industrial ciclo. Sabe-se, porém, que o desenvolvimento de todas as
de materiais em objetos podem ser investigados utilizan- capacidades não se completa dentro da duração de um
do-se diferentes estratégias: trazendo para a escola traba- ciclo. Assim, é necessário o estabelecimento de critérios de
lhadores de indústria ou de oficinas artesanais, realizando avaliação que indiquem as aprendizagens imprescindíveis,
visitas previamente preparadas a locais de produção na re- básicas para cada ciclo, dentro do conjunto de metas que
gião e realizando na escola pequenas oficinas — marcena- os norteia.
ria, cerâmica, reciclagem de papel. Também aqui a escolha - Identificar componentes comuns e diferentes em
dos temas de estudo é realizada tomando como referência ambientes diversos a partir de observações diretas e in-
processos importantes realizados na região. diretas.
Todo processo produtivo deve ser investigado consi- Com este critério pretende-se avaliar se o aluno, utili-
derando-se os materiais ou as matérias primas necessárias, zando dados de observação direta ou indireta, reconhece
os instrumentos e as máquinas que operam as transfor- que todo ambiente é composto por seres vivos, água, ar
mações e suas etapas. A partir desses pontos básicos, o e solo, e os diversos ambientes diferenciam-se pelos tipos
professor poderá elaborar com seus alunos questões para de seres vivos e pelas características da água e do solo.
entrevistas, roteiro para visitas e planejar oficinas de pro- - Observar, descrever e comparar animais e vegetais
dução de objetos na escola, com apoio da comunidade. As em diferentes ambientes, relacionando suas características
informações coletadas pelos alunos, sob orientação desses ao ambiente em que vivem
pontos básicos, são registradas na forma de desenhos com Com este critério pretende-se avaliar se o aluno é ca-
legendas para os materiais e instrumentos, e desenhos paz de identificar características dos seres vivos que per-
com legendas sequenciados para as transformações. mitem sua sobrevivência nos ambientes que habitam, uti-
É importante que, ao lado do conhecimento sobre a uti- lizando dados de observação.
lização dos recursos naturais, os alunos recebam algumas - Buscar informações mediante observações, experi-
informações acerca das consequências da prática predatória mentações ou outras formas, e registrá-las, trabalhando
ambiental. Tais informações contribuem para o início da for- em pequenos grupos, seguindo um roteiro preparado pelo
mação de atitudes de preservação do meio ambiente. professor, ou pelo professor em conjunto com a classe.
Com este critério pretende-se avaliar se o aluno, tendo
Conteúdos para o primeiro ciclo referentes a fatos, con- realizado várias atividades em pequenos grupos de busca
ceitos, procedimentos, valores e atitudes: de informações em fontes variadas, é capaz de cooperar
nas atividades de grupo e acompanhar adequadamente
- investigação de processos artesanais ou industriais da um novo roteiro.
produção de objetos e alimentos, reconhecendo a matéria- - Registrar sequências de eventos observadas em ex-
-prima, algumas etapas e características de determinados perimentos e outras atividades, identificando etapas e
processos; transformações.

73
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Com este critério pretende-se avaliar a capacidade do Cabe ao professor escolher os modos e recursos di-
aluno de identificar e registrar sequências de eventos — as dáticos adequados para apresentar as informações, obser-
etapas e as transformações — em um experimento ou em vando sempre a necessidade de introduzir formas artísti-
outras atividades. cas, porque ensinar arte com arte é o caminho mais eficaz.
- Identificar e descrever algumas transformações do Em outras palavras, o texto literário, a canção e a imagem
corpo e dos hábitos — de higiene, de alimentação e ati- trarão mais conhecimentos ao aluno e serão mais eficazes
vidades cotidianas — do ser humano nas diferentes fases como portadores de informação e sentido. O aluno, em si-
da vida. tuações de aprendizagem, precisa ser convidado a se exer-
Com este critério pretende-se avaliar se o aluno rela- citar nas práticas de aprender a ver, observar, ouvir, atuar,
ciona os hábitos e as características do corpo humano a tocar e refletir sobre elas.
cada fase do desenvolvimento e se identifica as transfor- É papel da escola incluir as informações sobre a arte
mações ao longo desse desenvolvimento. produzida nos âmbitos regional, nacional e internacional,
- Identificar os materiais de que os objetos são feitos, compreendendo criticamente também aquelas produzidas
descrevendo algumas etapas de transformação de mate- pelas mídias para democratizar o conhecimento e ampliar
riais em objetos a partir de observações realizadas as possibilidades de participação social do aluno.
Com este critério pretende-se avaliar se o aluno é ca- Ressalta-se que o percurso criador do aluno, contem-
paz de compreender que diferentes materiais são empre- plando os aspectos expressivos e construtivos, é o foco
gados para a confecção de diferentes objetos. Pretende-se central da orientação e planejamento da escola.
avaliar também a capacidade do aluno de descrever as eta- O ensino fundamental configura-se como um mo-
pas de transformação de materiais em objetos. mento escolar especial na vida dos alunos, porque é nesse
momento de seu desenvolvimento que eles tendem a se
ARTE NO ENSINO FUNDAMENTAL aproximar mais das questões do universo do adulto e ten-
tam compreendê-las dentro de suas possibilidades. Ficam
Aprender arte é desenvolver progressivamente um curiosos sobre temas como a dinâmica das relações sociais,
percurso de criação pessoal cultivado, ou seja, alimenta- as relações de trabalho, como e por quem as coisas são
do pelas interações significativas que o aluno realiza com produzidas.
aqueles que trazem informações pertinentes para o pro- No que se refere à arte, o aluno pode tornar-se cons-
cesso de aprendizagem (outros alunos, professores, artis- ciente da existência de uma produção social concreta e ob-
tas, especialistas), com fontes de informação (obras, traba- servar que essa produção tem história.
lhos dos colegas, acervos, reproduções, mostras, apresen- O aluno pode observar ainda que os trabalhos artís-
tações) e com o seu próprio percurso de criador. ticos envolvem a aquisição de códigos e habilidades que
Fazer arte e pensar sobre o trabalho artístico que rea- passa a querer dominar para incorporar em seus trabalhos.
liza, assim como sobre a arte que é e foi concretizada na Tal desejo de domínio está correlacionado à nova percep-
história, podem garantir ao aluno uma situação de apren- ção de que pode assimilar para si formas artísticas elabora-
dizagem conectada com os valores e os modos de produ- das por pessoas ou grupos sociais, ao trilhar um caminho
ção artística nos meios socioculturais. de trabalho artístico pessoal. Esse procedimento diminui
Ensinar arte em consonância com os modos de apren- a defasagem entre o que o aluno projeta e o que quer al-
dizagem do aluno, significa, então, não isolar a escola da cançar.
informação sobre a produção histórica e social da arte e, ao Assim sendo, é no final desse período que o aluno, de-
mesmo tempo, garantir ao aluno a liberdade de imaginar e senvolvendo práticas de representação mediante um pro-
edificar propostas artísticas pessoais ou grupais com base cesso de dedicação contínua, dominará códigos construí-
em intenções próprias. E tudo isso integrado aos aspectos dos socialmente em arte, sem perder seu modo de articular
lúdicos e prazerosos que se apresentam durante a ativida- tais informações ou sua originalidade.
de artística. A aprendizagem em arte acompanha o processo de
Assim, aprender com sentido e prazer está associado à desenvolvimento geral da criança e do jovem desse perío-
compreensão mais clara daquilo que é ensinado. Para tan- do, que observa que suas participações nas atividades do
to, os conteúdos da arte não podem ser banalizados, mas cotidiano social estão envoltas nas regularidades, acordos,
devem ser ensinados por meio de situações e/ou propos- construções e leis que reconhece na dinâmica social da co-
tas que alcancem os modos de aprender do aluno e garan- munidade à qual pertence, pelo fato de se perceber como
tam a participação de cada um dentro da sala de aula. Tais parte constitutiva desta.
orientações favorecem o emergir de formulações pessoais Também cabe à escola orientar seu trabalho com o
de ideias, hipóteses, teorias e formas artísticas. Progressi- objetivo de preservar e impulsionar a dinâmica do desen-
vamente e por meio de trabalhos contínuos essas formu- volvimento e da aprendizagem, preservando a autonomia
lações tendem a se aproximar de modos mais elaborados do aluno e favorecendo o contato sistemático com os con-
de fazer e pensar sobre arte. Introduzir o aluno do primeiro teúdos, temas e atividades que melhor garantirão seu pro-
ciclo do ensino fundamental às origens do teatro ou aos gresso e integração como estudante.
textos de dramaturgia por meio de histórias narradas pode Tal conjunto de considerações sobre os modos de
despertar maior interesse e curiosidade sem perder a inte- aprender e ensinar arte possibilitam uma revisão das teo-
gridade dos conteúdos e fatos históricos. rias sobre a arte da criança e do adolescente.

74
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

A ação artística também costuma envolver criação gru- que se introduzam informações da produção social a
pal: nesse momento a arte contribui para o fortalecimento partir de critérios de seleção adequados à participação
do conceito de grupo como socializador e criador de um do estudante na sociedade como cidadão informado.
universo imaginário, atualizando referências e desenvol- A formação em arte, que inclui o conhecimento
vendo sua própria história. A arte torna presente o grupo do que é e foi produzido em diferentes comunidades,
para si mesmo, por meio de suas representações imaginá- deve favorecer a valorização dos povos pelo reconhe-
rias. O aspecto lúdico dessa atividade é fundamental. cimento de semelhanças e contrastes, qualidades e es-
Quando brinca, a criança desenvolve atividades rítmi- pecificidades, o que pode abrir o leque das múltiplas
cas, melódicas, fantasia-se de adulto, produz desenhos, escolhas que o jovem terá que realizar ao longo de seu
danças, inventa histórias. Mas esse lugar da atividade lú- crescimento, na consolidação de sua identidade.
dica no início da infância é cada vez mais substituído, fora O fenômeno artístico está presente em diferentes
e dentro da escola, por situações que antes favorecem a manifestações que compõem os acervos da cultura
reprodução mecânica de valores impostos pela cultura de popular, erudita, modernos meios de comunicação e
massas em detrimento da experiência imaginativa. novas tecnologias.
Embora o jovem tenha sempre grande interesse por Além disso, a arte nem sempre se apresenta no co-
aprender a fazer formas presentes no entorno, mantém tidiano como obra de arte. Mas pode ser observada
o desenvolvimento de seu percurso de criação individual, na forma dos objetos, no arranjo de vitrines, na mú-
que não pode se perder. sica dos puxadores de rede, nas ladainhas entoadas
O aluno pode e quer criar suas próprias imagens par- por tapeceiras tradicionais, na dança de rua executada
tindo de uma experiência pessoal particular, de algo que por meninos e meninas, nos pregões de vendedores,
viveu ou aprendeu, da escolha de um tema, de uma técni- nos jardins, na vestimenta, etc. O incentivo à curiosi-
ca, ou de uma influência, ou de um contato com a natureza dade pela manifestação artística de diferentes culturas,
e assim por diante. por suas crenças, usos e costumes, pode despertar no
Cabe também ao professor tanto alimentar os alunos aluno o interesse por valores diferentes dos seus, pro-
com informações e procedimentos de artes que podem e movendo o respeito e o reconhecimento dessas distin-
querem dominar quanto saber orientar e preservar o de- ções; ressalta-se assim a pertinência intrínseca de cada
senvolvimento do trabalho pessoal, proporcionando ao grupo e de seu conjunto de valores, possibilitando ao
aluno oportunidade de realizar suas próprias escolhas para aluno reconhecer em si e valorizar no outro a capaci-
concretizar projetos pessoais e grupais. dade artística de manifestar-se na diversidade.
A qualidade da ação pedagógica que considera tan- O ensino de Arte é área de conhecimento com con-
to as competências relativas à percepção estética quanto teúdos específicos e deve ser consolidada como parte
aquelas envolvidas no fazer artístico pode contribuir para o constitutiva dos currículos escolares, requerendo, por-
fortalecimento da consciência criadora do aluno. tanto, capacitação dos professores para orientar a for-
O aluno fica exigente e muito crítico em relação à pró- mação do aluno.
pria produção, justamente porque nesse momento de seu
desenvolvimento já pode compará-la, de modo mais siste- Referencias:
mático, às do círculo de produção social ao qual tem aces- BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâ-
so. Essa caracterização do aluno tem levado à crença de metros curriculares nacionais: Artes/Secretaria de Edu-
que nesse período a criança é menos espontânea e menos cação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 1997.
criativa nas atividades artísticas que no período anterior à BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Pa-
escolaridade. râmetros curriculares nacionais: Ciências Naturais/Se-
O aluno dos anos iniciais do ensino fundamental busca cretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/SEF,
se aproximar da produção cultural de arte. Entretanto, tais 1997.
interesses não podem ser confundidos com submissão aos BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Pa-
padrões adultos de arte. A vivência integral desse momen- râmetros curriculares nacionais: história, geografia/
to autorizará o jovem a estruturar trabalhos próprios, com Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília: MEC/
marca individual, inaugurando proposições poéticas autô- SEF, 1997.
nomas que assimilam influências e transformam o trabalho
que desenvolvem dentro do seu percurso de criação nas
diversas formas da arte.
A área deve ser incorporada com objetivos amplos que
atendam às características das aprendizagens, combinan-
do o fazer artístico ao conhecimento e à reflexão em arte.
Esses objetivos devem assegurar a aprendizagem do aluno
nos planos perceptivo, imaginativo e produtivo.
Com relação aos conteúdos, orienta-se o ensino da
área de modo a acolher a diversidade do repertório cultural
que a criança traz para a escola, a trabalhar com os produ-
tos da comunidade na qual a escola está inserida e também

75
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Para Sacristán: organizar currículo e programas


CURRÍCULO EM AÇÃO: PLANEJAMENTO, de conteúdo é contribuir na formação das novas ge-
SELEÇÃO, CONTEXTUALIZAÇÃO E rações da humanidade com possibilidades de traçar
ORGANIZAÇÃO DOS CONTEÚDOS; O caminhos possíveis para superar dificuldades. E, que
nós cidadãos participantes deste processo, professores
TRABALHO POR PROJETOS. pedagogos e gestores, consigamos construir outra es-
cola, onde todos possam ser sujeitos de suas próprias
histórias e parceiros na construção de uma sociedade
mais democrática e mais humana.
CURRÍCULO EM AÇÃO: PLANEJAMENTO, SELEÇÃO
E ORGANIZAÇÃO DOS CONTEÚDOS. Sob este ponto de vista o currículo caracteriza-se
por uma estratégia de abordagem do objeto, que é o
O currículo escolar e suas implicações no processo aluno. Estratégia esta que significa um modo de obser-
do conhecimento var, de pensar e de agir do educador sobre o alunado,
construindo a partir das teorias que suportam a formação
Na busca da constituição do conhecimento, outro ter- profissional do educador como sobre a sua experiência,
mo a ser levado em consideração é o currículo, palavra de sistema de valores, ideologia e estilo pessoa.
origem latina currere, que se refere à carreira, a um percur-
so, que deve ser realizado. A didática, o plano de trabalho docente e a hora ativi-
A escola está e não está em crise, ela reproduz a ideologia dade como possibilidades de aprendizagem
do capital, e ao mesmo tempo oferece condições de emanci-
pação humana. Podendo assim, conservar ou reproduzir, e é Para Pimenta & Anastasiau “a pedagogia possibilita
nesta contradição que é preciso analisar o currículo da escola, aos profissionais se apropriarem criticamente da cultura
pois, ele deve refletir as mais diversas formas de cultura. pedagógica para compreender e alargar sua visão da si-
Segundo Saviani “o currículo deve expressar um ca- tuação concreta, nas quais realizam seu trabalho, a fim de
minho pelo qual teoricamente todos deveriam percorrer transformar a realidade, incluindo a atividade de ensinar
rumo ao projeto social, passando a ser entendido como que é a didática”.
forma de contestação do poder”. A didática, por sua vez, é o principal ramo da Peda-
Um sistema escolar é complexo, frequentado por mui- gogia que investiga os fundamentos, as condições e os
tos alunos e, portanto, deve organizar-se. O que se deve modos de realizar a educação mediante o ensino.
então ensinar já que o currículo também é uma seleção Sendo o ensino uma ação historicamente situada, a
limitada da cultura? Com certeza um currículo que com- didática constitui-se como teoria de ensino.
preenda um projeto de vida, socializado e cultural, com um A didática possibilita fazer um julgamento ou uma
conjunto de objetivos de aprendizagem selecionados que crítica do valor dos métodos de ensino. Pode-se dizer
possam dar lugar à criação de experiências, para que nele que a metodologia nos dá juízos da realidade e a didáti-
se operem as oportunidades, que se privilegiem conheci- ca, juízos de valor. Com isso pode-se concluir que pode
mentos necessários para entender o mundo e os proble- ser metodológico, sem ser didático, mas não pode ser
mas reais e que mobilize o aluno para o entendimento e didático, sem ser metodológico, pois não se pode julgar
a participação na vida social. Sendo pertinente formar um sem conhecer.
aluno crítico, reflexivo e participativo das tomadas de de-
cisões da sociedade, que não sejam apenas cidadãos, mas Segundo Pimenta & Anastasiau “a didática neste
que saibam praticar e exercer sua cidadania ativa conecta- sentido ocupa-se da busca do conhecimento necessário
da com seus direitos e deveres. para a compreensão da prática pedagógica e da elabora-
A produção do conhecimento deve ser o resultado da re- ção de formas adequadas de intervenção, de modo que
lação entre o homem e as relações sociais, através da atividade o processo ensino- aprendizagem se realize de maneira
humana, ou seja, o trabalho como práxis humana e produtiva. que de fato viabilize a aprendizagem do educando”.
A educação tem passado por várias concepções, em
Para Saviani “é preciso privilegiar a relação entre o suas práticas escolares, mas precisamos nos deter neste
que precisa ser conhecido e o caminho que precisa ser momento da história, com a Concepção Pedagógica His-
trilhado para conhecer, ou seja, entre conteúdo e méto- tórica Crítico, pois ela nos propõe uma síntese superada
do, na perspectiva da construção da autonomia intelec- da Pedagogia Tradicional e renovada, valorizando a ação
tual e ética”. pedagógica enquanto inserida na prática social concre-
ta. Entende a escola como mediação entre o individual e
Hoje, há um consenso entre educadores de que o o social, exercendo a articulação entre transmissão dos
“aprender” é o papel mais importante de toda e qualquer conteúdos e assimilação ativa por parte do aluno con-
instituição educacional. E que nesta linha, o compromis- creto, ou seja, inserido num contexto de relações sociais,
so político do professor apoiada pela equipe e direção se resultando dessa articulação o saber crítico e elaborado
exigem mutuamente e se interpenetram, não sendo mais de forma a eliminar a seletividade social e torná-la de-
possível dissociar uma da outra. mocrática.

76
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Dentro desta linha de pensamento destacamos vá- Nesta perspectiva, Czakalski a organização da hora ati-
rios estudiosos como: Makarenko, B. Charlot, Manacorda, vidade deve garantir o fortalecimento, o desenvolvimento
Snyders, Dermeval Saviani e tantos outros, que concebem de ações de enfrentamento de problemas diagnosticados
os conteúdos como culturais e autônomos, incorpora- que visem à melhoria e a qualidade do ensino e aprendi-
dos pela humanidade, mas reavaliados criticamente face zagem.
às realidades sociais. Fundamentam a concepção de uma Fazendo uso da hora atividade, no planejamento das
proposta educacional universal, mas não numa análise su- práticas docente, há sempre uma preocupação em abordar
perficial de tornar “acessível à escolarização”; mas numa re- a questão da indissociabilidade entre teoria e prática.
flexão fundamentada no “acesso à educação”, garantindo É nos momentos de hora-atividade que a equipe peda-
qualidade nos objetivos educacionais, de não servir apenas gógica com apoio da direção escolar, oportunizam espaço
como reprodutora de um sistema excludente, mas incluir de reflexão das práticas pedagógicas. Auxiliando o profes-
todos os indivíduos no empenho de compreender a reali- sor em seu trabalho, discutindo e encaminhando alunos
dade social e poder contribuir com sua transformação. para avaliações, redirecionando práticas para alunos com
dificuldades de aprendizagem e para alunos repetentes,
Outra prática a ser refletida é o plano de ação da escola promover ações e reflexão, com o objetivo fundamental de
e o Plano de Trabalho Docente, sempre a luz da Proposta assegurar aprendizagem.
Pedagógica Curricular. Se partirmos do princípio que pla-
nejar é assumir uma atitude séria, diante de uma situação Como garantia de sua especificidade a escola utiliza
problema, hoje mais do que nunca em todos os campos da esses momentos coletivos para com os professores, a fim
atividade humana, precisamos do planejamento, pois ele de que haja uma organização coletiva para melhorar suas
requer ações e procedimentos capazes de resolver a espe- práticas. Um momento de rever seu trabalho, metodolo-
cificidade de cada situação. gia, critérios para retomar as ações, proporcionando ao
professor e ao coletivo escolar, uma análise de sua prática
O planejamento de ensino é a especificação e ope- sobre as reais condições de trabalho, privilegiando o co-
racionalização do plano curricular e parte integrada do nhecimento e o aperfeiçoamento do processo educativo,
Projeto Político Pedagógico, em toda sua extensão. Ao viabilizando a utilização de estudos com atividades teóricas
reportar sobre o processo ensinoaprendizagem, é preci- e práticas que se fundem numa totalidade, pois o plane-
so fazer uma reflexão profunda sobre o que é ensinar e jamento das práticas escolares envolve todo um trabalho
o que é aprender. Pois o ensino e a aprendizagem são pedagógico.
processos tão antigos quanto à própria humanidade.
O espaço de sala de aula não é o único onde se cons-
O professor mantém seu profissionalismo pedagógico trói o conhecimento e se aprende sobre cidadania. Mas
quando dialoga e partilha os princípios de um novo olhar deve propiciar espaços alternativos onde a pesquisar cons-
sobre o aluno com Necessidades Educacionais Especiais, trua conhecimento que possa interferir favoravelmente na
engajando na educação geral, as famílias, alunos, outros construção de cidadãos conscientes, responsáveis e atuan-
profissionais da educação e gestores das políticas públicas. tes em seus diferentes papéis sociais.
Continuar buscando resposta para esta questão é acre- Para Gadotti “educar significa formar para a au-
ditar que ensinar, em seu verdadeiro sentido, é reconhecer tonomia, isto é, para se autogovernar. Um processo
valores ter compreensão, solidariedade e crença no poten- educacional somente será verdadeiramente autônomo
cial humano superando atitudes de preconceito e discrimi- e libertador se for capaz de preparar cidadãos críticos,
nação em relação às diferenças. dotados das condições que lhes permitam entender os
O compromisso é um convite a um novo olhar sobre a contextos históricos, sociais e econômicos em que estão
educação e a diversidade, em que currículos que marginalizam inseridos”.
as diferenças deem espaço à construção de práticas curricula- Nosso tempo requer postura de um novo cidadão
res calcadas no compromisso com a pluralidade das manifes- consciente, sensível, que possa intervir e modificar a rea-
tações humanas presentes nas relações cotidianas da escola. lidade social excludente, tornando-se sujeito da própria
história.
Para Vasconcelos “a sua atuação profissional enquanto Para isso a gestão escolar, precisa ser autônoma e de-
docente, não há como ignorar o fato de que o centro de mocrática. Reconhecendo toda a comunidade escolar e
toda e qualquer ação didáticopedagógica está sempre no instâncias colegiadas com suas diversidades culturais, com
aluno e, mais precisamente, na aprendizagem que esse alu- as múltiplas possibilidades e diferentes saberes. Desafian-
no venha a realizar”. do as incertezas e procurando as soluções diante de cada
Uma educação integradora na qual professor e aluno desafio.
possa produzir conhecimentos que possibilitam contribuir
para a transformação da sociedade. Planejar para construir o ensino
Para Bloon a formulação dos objetivos tem a finalidade
de classificar para os professores as mudanças desejadas, Em uma sala de aula, durante a fala do professor, um
orientar na escolha dos conteúdos, metodologias, expe- aluno formula uma pergunta. O professor ouve atentamen-
riências de aprendizagem e processo de avaliação. te e se vê diante de um dilema: O que fazer? Responder a

77
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

pergunta objetivamente e continuar a exposição? Anotar a texto que o próprio aluno lerá pela primeira vez. Logo
questão no quadro e dizer que responderá ao terminar o que após essa leitura, o professor pede que ele comente o
está expondo? Anotar a pergunta e pedir a toda classe que que leu, ou faça um resumo. Faz perguntas sobre as in-
pense na resposta? Solicitar ao aluno que anote a pergunta e formações contidas no texto e pede-lhe que relacione
a repita ao final da exposição? Qual a conduta mais correta? ideias com outras anteriormente tratadas em classe. Ge-
Escolher uma resposta adequada depende de vários ralmente, os professores que propõem essa atividade a
fatores que devem ser considerados pelo professor. Entre seus alunos dizem que ela tem o objetivo de desenvolver
eles, se a pergunta contribui para o desenvolvimento da a capacidade de ler e interpretar um texto. Mas esses
atividade de ensino e aprendizagem naquele momento, professores se esquecem de que, para ler em voz alta,
ou ainda se existe pertinência em relação ao conteúdo em principalmente um texto que está sendo lido pela pri-
jogo na atividade. meira vez, a atenção do leitor volta-se para a emissão da
A pergunta pode evidenciar um nível de compreensão voz, a entonação, os cuidados com a pontuação.
conceitual mais elaborado de um aluno se comparado à
maioria da classe. Respondê-la naquele momento transfor- Ou seja, o leitor, nessas ocasiões, preocupa-se em
maria a aula em uma conversa entre o professor e aquele garantir a audição de sua leitura, não a compreensão
aluno, que dificilmente seria acompanhada pelos demais. lógica e conceitual do que está lendo. Já uma leitura
Pode também revelar uma criança ou jovem com dificul- voltada à compreensão de um texto deve ser silen-
dade de compreender o conceito em questão, o que suge- ciosa, visando o entendimento dos raciocínios e, por
re algum tipo de atenção mais individualizada. É possível isso, com idas e vindas constantes. Se um parágrafo
concluir ainda que a questão seria uma ótima atividade de apresenta uma ideia mais difícil, pode-se lê-lo várias
aprendizagem em um momento posterior, quando certos vezes. Se uma palavra tem significado desconhecido,
aspectos do conteúdo já estiverem esclarecidos. usa-se o dicionário. A leitura em voz alta é contradi-
tória com uma leitura voltada ao estudo, à confecção
Planejar: coerência para as ações educativas de um resumo do texto. A atividade proposta pelo
professor fica comprometida por essa contradição.
O professor tem um papel fundamental de coordenar
o processo de ensino e aprendizagem da sua classe. “É pre- Quem faz o planejamento
ciso organizar todas as suas ações em torno da educação
de seus alunos. Ou seja, promover o crescimento de todos O planejamento é um trabalho individual e de equi-
eles em relação à compreensão do mundo e à participação pe. A elaboração do Planejamento do Ensino é uma ta-
na sociedade”. Para isso, ele precisa ter claro quais são as refa que cada professor deve realizar tendo em vista o
intenções educativas que presidem esta ou aquela ativida- conjunto de alunos de uma determinada classe, sendo,
de proposta. Na verdade, ele precisa saber que atitudes, por isso, intransferível. O ideal é desenvolver esse Pla-
habilidades, conceitos, espera que seus alunos desenvol- nejamento em cooperação com os demais professores,
vam ao final de um período letivo. com a ajuda da coordenação pedagógica e mesmo da
Certamente isso significa fazer opções quanto aos direção da escola, mas cada professor deve ser o autor
conteúdos, às atividades, ao modo como elas serão desen- de seu Planejamento do Ensino. Quantas vezes nós, pro-
volvidas, distribuir o tempo adequadamente, assim como fessores, ouvimos um aluno perguntar: - Professor, por
fazer escolhas a respeito da avaliação pretendida. Se essas que a gente precisa saber isso? Quantas vezes, no tempo
intenções estiverem claras, as respostas a esta ou àquela em que éramos alunos, fizemos essa mesma pergunta a
pergunta ou a diferentes situações do cotidiano de uma nossos professores, sem nunca obter uma resposta sa-
sala de aula serão mais coerentes com os objetivos e pro- tisfatória?
pósitos definidos.
O Planejamento do Ensino tem como principal função Flexibilidade
garantir a coerência entre as atividades que o professor faz
com seus alunos e as aprendizagens que pretende propor- Vale lembrar que nenhum Planejamento deve ser
cionar a eles. uma camisa-de-força para o professor. Existem situações
da vida dos alunos, da escola, do município, do país e
Planejamento de Ensino do mundo que não podem ser desprezadas no cotidiano
escolar e, por vezes, elas têm tamanha importância que
Em muitos casos, quando o professor atua junto à sua justificam por si adequações no Planejamento do Ensino.
classe sem ter refletido sobre a atividade que está em de- No processo de desenvolvimento do ensino e da
senvolvimento, sem ter registrado de alguma forma suas aprendizagem, novos conteúdos e objetivos podem en-
intenções educativas, a atividade pode se revelar contradi- trar em jogo; outros, escolhidos na elaboração do plano,
tória com os objetivos educativos que levaram o professor podem ser retirados ou adiados. É aconselhável que o
a selecioná-la. professor reflita sobre suas decisões durante e após as
Esse tipo de contradição é muito mais comum do que atividades, registrando suas ideias, que serão uma das
parece. No ensino da leitura, por exemplo, é frequente o fontes de informação para melhor avaliar as aprendiza-
professor exigir de um aluno uma leitura em voz alta de um gens dos alunos e decidir sobre que caminhos tomar.

78
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Além disso, as pessoas aprendem o mesmo conteúdo o que torna o ensino e a aprendizagem de valores, e de
de formas diferentes; portanto, o Planejamento do Ensino atitudes também, um processo complexo, que não se resolve
é um orientador da prática pedagógica e não um “ditador apenas com a preparação de atividades localizadas. Em uma
de ritmo”, no qual todos os alunos devem seguir unifor- escola onde o respeito mútuo e o combate a qualquer tipo de
memente. Ao longo do ano letivo e a partir das avaliações, preconceito de gênero, de etnia ou de classe social estejam au-
algumas atividades podem se mostrar inadequadas, e será sentes no dia-a-dia, não há como ensinar valores e atitudes por
necessário redirecionar e diversificá-las, rever os conteú- meio de atividades ou “sérias conversas” sobre esses temas.
dos, fazer ajustes. Os conteúdos do Planejamento do Ensino são aque-
les que guiaram a escolha das atividades na elaboração do
Registro plano e são os conteúdos em relação aos quais o professor
tentará observar, e avaliar, como se desenvolvem as apren-
Registrar ajuda a avaliação. Vale destacar que a forma dizagens, pois isso não seria possível fazer com relação a
de organizar o Planejamento do Ensino aqui apresentado é “todos” os conteúdos presentes na atividade.
uma escolha. O importante é o professor ter alguma forma
de registro de suas intenções, procurando agir pedagogi- Conteúdo do planejamento X Conteúdo das atividades
camente de forma coerente com os objetivos específicos e
gerais traçados no Projeto de Escola e em seu Planejamen- Em uma atividade de ensino e aprendizagem, os alu-
to do Ensino. A forma como cada professor registra seu nos trabalham com vários tipos de conteúdos ao mesmo
Planejamento não deve ser fixa, para que cada profissional tempo. Pensando sobre um conceito de Matemática, os
possa fazê-lo da forma como se sente melhor. Mas, se um alunos podem estar mais ou menos mobilizados para essa
educador deseja ser um profissional reflexivo, que pensa ação, e a mobilização necessária pode ser fruto de um valor
criticamente sobre sua prática pedagógica e se desenvolve anteriormente aprendido: são alunos que gostam do desa-
profissionalmente com esse processo, ele precisa registrar fio de aprender, e que identificam na atividade problemas
seu Planejamento do Ensino. interessantes que aguçam seu pensamento lógico.
Redigir o projeto não é uma simples formalidade admi- Para resolver uma questão de História ou de Geografia,
nistrativa. É a tradução do processo coletivo de sua elabo- o aluno precisa mobilizar seus conhecimentos de leitura,
ração [...]. Deve resultar em um documento simples, com- lembrar dados e relações que ele já aprendeu e que lhe
pleto, claro, preciso, que constituirá um recurso importante permitam compreender a questão feita e pensar em possí-
para seu acompanhamento e avaliação. veis respostas, ou em possíveis fontes para obter informa-
ções ou esclarecer conceitos. Por fim, terá que mobilizar
Componentes do planejamento do ensino seus conhecimentos de escrita para redigir a resposta.
Durante uma atividade, alunos interagem com outros
O Planejamento do Ensino, chamado também de pla- alunos e com o educador, e nessas relações inúmeros va-
nejamento da ação pedagógica ou planejamento didático, lores e atitudes entram em jogo. Quando o professor, ao
deve explicitar: iniciar um debate, relembra as regras de participação com
- as intenções educativas – por meio dos conteúdos e dos sua classe, está trabalhando conteúdos atitudinais ainda
objetivos educativos, ou das expectativas de aprendizagem; que o debate seja sobre reprodução celular.
- como esse ensino será orientado pelo professor – as É preciso lembrar, ainda, que existem conteúdos, ge-
atividades de ensino e aprendizagem que o professor se- ralmente, valores ou atitudes, que são eleitos no Projeto de
leciona para coordenar em sala de aula, com o propósito Escola, e que devem ser trabalhados em todas as atividades
de cumprir suas intenções educativas, o tempo necessário de sala de aula, bem como em todas as relações pessoais
para desenvolvê-las; ocorridas no espaço escolar. Respeito mútuo e intolerância
- como será a avaliação desse processo. com qualquer tipo de discriminação étnica, de gênero ou
classe social são dois exemplos desses conteúdos.
Conteúdos e objetivos
Objetivos
Conteúdo é uma forma cultural, um tipo de conheci-
mento que a escola seleciona para ensinar a seus alunos. Os objetivos educativos do Planejamento do Ensino,
Informações, conceitos, métodos, técnicas, procedimentos, também chamados objetivos didáticos ou específicos, ou
valores, atitudes e normas são tipos diferentes de conteú- ainda de expectativas de aprendizagem, definem o que os
dos. Informações, por exemplo, podem ser aprendidas em professores desejam que seus alunos aprendam sobre os
uma atividade, já o algoritmo da multiplicação de números conteúdos selecionados. A forma tradicional de redigir um
inteiros, que é um procedimento, não. Esse é um tipo de objetivo é utilizar a frase “ao final do conjunto de ativida-
conteúdo cuja aprendizagem envolve grandes intervalos des, cada aluno deverá ser capaz de...”. Não há problema
de tempo e que necessita de atividades planejadas ao lon- em definir dessa forma os objetivos no Planejamento do
go de meses, pelo menos. Ensino, desde que os alunos não sejam obrigados a atin-
Valores são conteúdos aprendidos nas relações huma- gi-los todos ao mesmo tempo. É possível definir esses ob-
nas, ocorram elas no espaço escolar ou não. Muitas vezes, jetivos descrevendo as expectativas de aprendizagem da
aprender um valor pode significar também mudar de valor, forma que for mais fácil de compreendê-las.

79
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Os objetivos educativos do Planejamento do Ensino alunos no decorrer de cada atividade escolhida. Existem
são importantes porque muitos conteúdos, os conceitos planos que se realizam quase integralmente, os que se
científicos entre eles, são aprendidos em processos que realizam em grande parte, ou aqueles que, simplesmente,
se complementam ao longo da escolaridade. Por exem- precisam ser refeitos tendo como critério a avaliação da
plo, se um aluno das séries iniciais do Ensino Fundamen- aprendizagem dos alunos.
tal afirmar que célula é uma “coisa” muito pequena que
forma o corpo dos seres vivos, pode-se considerar que Fonte
seu conhecimento sobre o conceito de célula está em OST, N. M.
bom andamento. Mas, se esse for um aluno de 1a sé-
rie do Ensino Médio, então, ele está precisando aprender TRABALHO POR PROJETOS
mais sobre esse conceito.
Os objetivos educativos do Planejamento do Ensino de- Segundo Fêo3, antigamente, quando o aluno ia à esco-
finem o grau de aprendizagem a que se quer chegar com o la, via um quadro negro e um giz na mão de um professor
trabalho pedagógico. São faróis, guias para os professores, que a tudo comandava. Hoje, ele vê um quadro branco, um
mas não devem se tornar “trilhos fixos”, em sequências que pincel colorido e quase o mesmo professor, exceto pelo
se repetem independentemente da aprendizagem de cada fato dele já não saber tanta coisa. Muitas escolas e pro-
aluno. fessores ainda insistem em realizar a prática de ensino do
mesmo jeito que antes, mudou-se a forma, mas a essência
Organização das atividades continua a mesma.
O objetivo de antes era transmitir conteúdos e o obje-
Organizar as atividades: A principal função do con- tivo de hoje deveria ser propor tarefas aos alunos que os
junto articulado de atividades de ensino e aprendizagem tornem capazes de identificar, avaliar, reconhecer e ques-
que devem compor o Planejamento do Ensino é provocar tionar para que eles possam ser cidadãos deste novo mun-
nos alunos uma atividade mental construtiva em torno do, (Perrenoud, 2000). O MEC sinaliza para a necessidade
de conteúdo(s) previamente selecionado(s), no Projeto de se promover formas de aprendizagem que desenvolvam
de Escola, no Planejamento do Ensino ou durante sua no aluno sua criatividade, análise crítica, atitudes e valores
realização. orientados para a cidadania, atentas às dimensões éticas
e humanísticas e que supere o conteudismo do ensino re-
Ao escolher uma atividade de ensino e aprendi- duzido à condição de meros instrumentos de transmissão
zagem para desenvolver com seus alunos, o professor de conhecimento e informações. Então, faz-se necessário
precisa considerar principalmente a coerência entre repensar os objetivos da educação de modo a permitir que
suas intenções – explicitadas pelos conteúdos e objeti- o aluno compreenda o mundo, que dele se aproprie e que
vos – e as ações que vai propor a eles. Precisa também o possa transformar. Sugere Castilho (2001) que o método
pensar em como aquela atividade irá se articular com de ensino é a variável que mais pesa nos resultados do
a(s) anterior (es) e com a(s) seguinte(s). Uma ativi- desempenho do aluno. Almeida (1999) argumenta que a
dade que está iniciando o trabalho sobre um ou mais forma de conceber a educação envolvendo o aluno, pro-
conteúdos é muito diferente de uma atividade na qual movendo sua autonomia e garantindo uma aprendizagem
os alunos estão discutindo um problema real, visto no significativa deveria ser por meio do desenvolvimento de
jornal, por exemplo, baseados em seus estudos ante- projetos. À medida que suas competências são desenvolvi-
riores sobre conceitos que estão em jogo no problema. das, suas possibilidades de inclusão na sociedade da infor-
mação são ampliadas.
As atividades devem ser de acordo com aquilo que
se quer ensinar, seja a curto, médio ou longo prazo. A A Pedagogia de projetos
diversidade é uma de suas características principais: as-
sistir a um filme, a uma peça teatral ou a um programa Na visão de Perrenoud (1999) a escola deveria estar
de TV; realizar produções em equipe; participar de de- se contagiando com a noção de competência utilizada no
bates e praticar argumentação e contra argumentação; mundo do trabalho e das empresas. É pensamento comum,
fazer leituras compartilhadas (em voz alta); práticas de entre os autores pesquisados, que para isso ocorrer é ne-
laboratório; observações em matas, campos, mangues, cessária a superação da visão fragmentada do conheci-
áreas urbanas e agrícolas; observações do céu; acompa- mento fornecida pela escola através das disciplinas. Fazen-
nhamento de processos de médio e longo prazo em Bio- da (2001) enfatiza que a escola, na medida que organiza
logia e Astronomia. Idas a museus, bibliotecas públicas, os currículos em disciplinas tradicionais, fornece ao aluno
exposições de arte. Pesquisa em livros e revistas, com ou apenas um acúmulo de informações que de pouco ou nada
sem uso de informática e Internet. Assistir a uma exposi- valerão na sua vida profissional, principalmente por que o
ção por parte do professor. ritmo das mudanças tecnológicas não tem contrapartida
com a velocidade que a escola pode se adequar.
Novamente, deve-se insistir no fato de que a se- 3 FÊO, E. A. A prática pedagógica por meio do desenvolvimento de projetos.
quência de atividades que compõe o Planejamento do Disponível em: http://www.drb-assessoria.com.br/1.Apraticapedagogicapor
Ensino deve levar em conta as experiências dos próprios meiododesenvolvimentodeprojetos.pdf

80
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Para Almeida, (1999), a utilização do projeto seria uma Entretanto, destacou-se que o professor não está pre-
forma de envolver o aluno em interações com recursos parado e está pouco à vontade com os jovens e as suas
tecnológicos e sociais a fim de desenvolver sua autonomia realidades por isso deverá refletir com seus pares como
e de construir conhecimentos de distintas áreas do saber, promover a melhoria de sua profissão. A prática de pro-
por meio da busca de informações significativas para a jetos pode envolver os alunos em um trabalho de equipe,
compreensão, apresentação e resolução de uma situação- no qual o aprendizado acontece no fazer, no pesquisar, no
-problema. levantar e organizar informações. Nesse modelo, o profes-
Nogueira (2001) esclarece que a totalidade das pesqui- sor exerce o papel de tutor, de organizador, aquele que
sas a respeito do ensino-aprendizagem está sempre volta- reconhece e orienta adequadamente as competências dos
da ao aluno como centro do problema de aprendizagem, diferentes alunos.
todavia se podem localizar problemas também no sistema
e no professor. Este autor afirma que em suas pesquisas Referências:
constatou que as práticas nas quais se realizam experen- Almeida, M. E. B. de. Projeto: uma nova cultura de
ciação, pesquisa de campo, construção de maquetes, re- aprendizagem. PUC/SP, jul.1999.2f.(apostila mimeo). Antu-
presentações, dramatizações, etc. provaram ser eficiente nes, C. Um método para o ensino fundamental: o projeto.
tanto em termos de resultados de aprendizado como em 3.ed. Petrópolis: Vozes, 2001. 44p. Castilho, S. As compe-
motivação dos alunos. Assim, também se espera do tra- tências essenciais. Jornal Público, Lisboa, p.3, 20 out. 2001.
balho com projetos. Segundo Antunes (2001) é possível Fazenda, I. C. A. (Coord.) Práticas interdisciplinares na
viabilizar com intensidade invulgar o uso das múltiplas escola. 8. Ed. São Paulo: Cortez, 2001. 147 p. Hernandez, F.
inteligências e, por consequência, os alunos, conhecendo Transgressão e mudança na educação: os projetos de tra-
melhor suas aptidões, podem se expressar através delas. balho. Porto Alegre: ArtMed, 1998,
Em resumo, a finalidade dos projetos é favorecer o ensino 150 p. Nogueira, N. R. Pedagogia dos Projetos: uma
para a compreensão e compreender é ser capaz de ir além jornada interdisciplinar rumo ao desenvolvimento das múl-
da informação dada, é também de acordo com Perkins e tiplas inteligências. São Paulo: Érica, 2001. 220 p.
Blythe (1994) apud Hernandez (1998), “ ... a capacidade de Perrenoud, P. Construir as competências desde a es-
investigar um tema mediante estratégias como explicar, cola. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. 90p.
encontrar evidências e exemplos, generalizar, aplicar, es- ________ Pedagogia diferenciada: das intenções à
tabelecer analogias, e representar um tema por meio de ação. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. 183 p.
uma nova forma”. Perrenoud (2003) define a Pedagogia de _________ A pedagogia do projeto a serviço do desenvol-
Projeto como: - Uma empreitada coletiva gerada pelo vimento de competências. In: 3º SEMINÁRIO INTERNA-
grupo-classe, na qual o professor coordena, mas não CIONAL DE EDUCAÇÃO. São Paulo: 2003. 40 p.
decide tudo; Uma orientação para uma produção con- Piconez, S.C.B. A pedagogia de projeto como alterna-
creta (textos, jornais, espetáculos, exposições, maque- tiva para o ensino-aprendizagem na educação de jovens e
tes, experiências científicas, festas, passeios, eventos adultos. Cadernos Pedagógicos-Reflexões. São Paulo: USP/
esportivos, concurso, etc.); Um conjunto de tarefas nas FE/NEA, n.16, 1998, 12 p.
quais todos os alunos possam participar e tenham uma
função ativa, a qual poderá variar em função de seus Projetos de Trabalho
recursos e interesses; Um aprendizado de saberes e co-
nhecimentos no âmbito da gestão de projetos (decidir, Para Moura4, os Projetos de Trabalho traduzem, por-
planejar, coordenar, etc.); Um aprendizado identificável tanto, uma visão diferente do que seja conhecimento e
e que conste do programa de uma ou mais disciplinas; currículo e representam uma outra maneira de organizar o
Uma atividade emblemática e regular, colocada a ser- trabalho na escola. Caracterizam-se pela forma de abordar
viço do programa. um determinado tema ou conhecimento, permitindo uma
No entanto, o processo de implantação dessa práti- aproximação da identidade e das experiências dos alunos,
ca em estabelecimentos que há muito tempo se limita ao e um vínculo dos conteúdos escolares entre si e com os
ensino tradicional não é uma tarefa fácil. Para sua utiliza- conhecimentos e saberes produzidos no contexto social e
ção, a Pedagogia do Projeto exige o desenvolvimento de cultural, assim como com problemas que dele emergem.
competências do professor e que ele deseje as mudanças, Dessa forma, eles ultrapassam os limites das áreas e con-
mas isto não basta. De acordo com Piconez (1998) de nada teúdos curriculares tradicionalmente trabalhados pela es-
adiantam modificações no planejamento do professor se cola, uma vez que implicam o desenvolvimento de ativida-
a escola não possuir um projeto políticopedagógico que des práticas, de estratégias de pesquisa, de busca e uso de
esboce o cidadão que se pretende ajudar constituir pela diferentes fontes de informação, de sua ordenação, análise,
educação escolar. interpretação e representação. Implicam igualmente ativi-
Contudo, com este trabalho procurou-se esclarecer a dades individuais, de grupos/quipes e de turma(s), da es-
prática do projeto e sua contribuição para a construção da cola, tendo em vista os diferentes conteúdos trabalhados
aprendizagem significativa, alertando para alguns princí- (atitudinais, procedimentos, conceituais), as necessidades e
pios que não devem ser esquecidos como: a autonomia do interesses dos alunos.
aluno, a avaliação constante e o necessário treinamento do 4 MOURA, D. P. de. Pedagogia de Projetos: Contribuições para Uma Educa-
professor. ção Transformadora. 2010.

81
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Ao estudá-los, as crianças e os jovens realizam contato Possibilita que os alunos, ao decidirem, opinarem, de-
com o conhecimento não como algo pronto e acabado, baterem, construam sua autonomia e seu compromisso
mas como algo controverso. Um dos aspectos mais impor- com o social, formando-se como sujeitos culturais e cida-
tantes, no trabalho como Projetos, é que ele permite que dãos.
o aluno desenvolva uma atitude ativa e reflexiva diante Será necessário oportunizar situações em que os alu-
de suas aprendizagens e do conhecimento, na medida em nos participem cada vez mais intensamente na resolução
que percebe o sentido e o significado do conhecimento das atividades e no processo de elaboração pessoal, em
para a sua vida, para a sua compreensão do mundo. vez de se limitar a copiar e reproduzir automaticamente as
instruções ou explicações dos professores. Por isso, hoje o
Pedagogia de projetos: método ou postura pedagógica? aluno é convidado a buscar, descobrir, construir, criticar,
comparar, dialogar, analisar, vivenciar o próprio processo
Não podemos entender a prática por projetos como de construção do conhecimento. (ZABALLA, 1998)
uma atividade meramente funcional, regular, metódica. O fato de a pedagogia de projetos não ser um método
A Pedagogia de Projetos não é um método, pois a para ser aplicado no contexto da escola dá ao professor
ideia de método é de trabalhar com objetivos e conteú- uma liberdade de ação que habitualmente não acontece
dos pré-fixados, pré-determinados, apresentando uma se- no seu cotidiano escolar. O compromisso educacional do
quência regular, prevista e segura, refere-se à aplicação de professor é justamente saber O QUÊ, COMO, QUANDO e
fórmulas ou de uma série de regras. POR QUE desenvolver determinadas ações pedagógicas. E
Trabalhar por meio de Projetos é exatamente o opos- para isto é fundamental conhecer o processo de aprendi-
to, pois nele, o ensino-aprendizagem se realiza mediante zagem do aluno e ter clareza da sua intencionalidade pe-
um percurso que nunca é fixo, ordenado. O ato de projetar dagógica.
requer abertura para o desconhecido, para o não-determi- Mais do que uma técnica atraente para transmissão
nado e flexibilidade para reformular as metas e os percur- dos conteúdos, como muitos pensam, a proposta da Pe-
sos à medida que as ações projetadas evidenciam novos dagogia de Projetos é promover uma mudança na maneira
problemas e dúvidas. de pensar e repensar a escola e o currículo na prática peda-
Fernando Hernández (1998) vem discutindo o tema e gógica. Com a reinterpretação atual da metodologia, esse
define os projetos de trabalho não como uma metodolo- movimento tem fornecido subsídios para uma pedagogia
gia, mas como uma concepção de ensino, uma maneira dinâmica, centrada na criatividade e na atividade discentes,
diferente de suscitar a compreensão dos alunos sobre os numa perspectiva de construção do conhecimento pelos
conhecimentos que circulam fora da escola e de ajudá-los alunos, mais do que na transmissão dos conhecimentos
a construir sua própria identidade. pelo professor.

O trabalho por projetos requer mudanças na concep- Analogia entre construtivismo e pedagogia de projetos
ção de ensino e aprendizagem e, consequentemente, na
postura do professor. Hernández (1988) enfatiza ainda O Construtivismo e a Pedagogia de Projetos tem em
que o trabalho por projeto não deve ser visto como uma comum a insatisfação com um sistema educacional que
opção puramente metodológica, mas como uma manei- teima em continuar essa forma particular de transmissão
ra de repensar a função da escola. Leite (1996) apresenta que consiste em fazer repetir, recitar, aprender, ensinar o
os Projetos de Trabalho não como uma nova técnica, mas que já está pronto, em vez de fazer agir, operar, criar, cons-
como uma pedagogia que traduz uma concepção do co- truir a partir da realidade vivida por alunos e professores,
nhecimento escolar. isto é, pela sociedade.
Em se tratando dos conteúdos, a pedagogia de proje- Na Pedagogia de Projetos a relação ensino/aprendi-
tos é vista pelo seu caráter de potencializar a interdiscipli- zagem é voltada para a construção do conhecimento de
naridade. Isto de fato pode ocorrer, pois o trabalho com maneira dinâmica, contextualizada, compartilhada, que en-
projetos permite romper com as fronteiras disciplinares, volva efetivamente a participação dos educandos e educa-
favorecendo o estabelecimento de elos entre as diferentes dores num processo mútuo de troca de experiências. Nessa
áreas de conhecimento numa situação contextualizada da postura a aprendizagem se torna prazerosa, pois ocorre a
aprendizagem. partir dos interesses dos envolvidos no processo, da reali-
A Pedagogia de Projetos é um meio de trabalho per- dade em que estes estão inseridos, o que ocasiona motiva-
tinente ao processo de ensino-aprendizagem que se in- ção, satisfação em aprender.
sere na Educação promovendo-a de maneira significati- O Construtivismo leva o educando a pensar, expandin-
va e compartilhada, auxiliando na formação integral dos do seu intelecto através de uma aprendizagem significati-
indivíduos permeado pelas diversas oportunidades de va, ou seja, que tenha sentido, e contextualizada. O conhe-
aprendizagem conceitual, atitudinal, procedimental para cimento é construído a cada instante com a mediação do
os mesmos. Os projetos de trabalho não se inserem ape- educador, respeitando o nível de desenvolvimento mental
nas numa proposta de renovação de atividades, tornando- de cada educando.
-as criativas, e sim numa mudança de postura que exige o “O diálogo do aluno é com o pensamento, com a cultura
repensar da prática pedagógica, quebrando paradigmas já corporificada nas obras e nas práticas sociais e transmitidas
estabelecidos. pela linguagem e pelos gestos do professor, simples mediador.”.

82
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Então, tanto no Construtivismo como na Pedagogia de O trabalho por Projetos pode ser dividido em 4 etapas:
Projetos, o educando é o próprio agente de seu desen- problematização, desenvolvimento, aplicação e avaliação.
volvimento, o conhecimento é assimilado de maneira pró- a) problematização: é o início do projeto. Nessa eta-
pria, mas sempre com o auxílio da mediação do educador. pa, os alunos irão expressar suas ideias e conhecimentos
Aprender deixa de ser um simples ato de memorização e sobre o problema em questão. Essa expressão pode emer-
ensinar não significa mais repassar conteúdos prontos. O gir espontaneamente, pelo interesse despertado por um
aluno deixa de ser um sujeito passivo, sempre à mercê das acontecimento significativo dentro ou fora da escola ou
ordens do professor, lidando com um conteúdo completa- mesmo pela estimulação do professor. É fundamental de-
mente alienado de sua realidade e em situações artificiais tectar o que os alunos já sabem o que querem saber e
de ensino-aprendizagem. Aprender passa então a ser um como poderão saber. Cabe ao educador incentivar a ma-
processo global e complexo, onde conhecer e intervir na nifestação dos alunos e saber interpretá-las para perceber
realidade não se dissocia. O aluno é visto como sujeito ati- em que ponto estão, para aprender suas concepções, seus
vo que usa sua experiência e conhecimento para resolver valores, contradições, hipóteses de interpretação e expli-
problemas. cação de fatos da realidade.
b) desenvolvimento: é o momento em que se criam as
Aprende-se participando, vivenciando sentimentos, to- estratégias para buscar respostas às questões e hipóteses
mando atitudes diante dos fatos, escolhendo procedimen- levantadas na problematização. Os alunos e o professor
tos para atingir determinados objetivos. Ensina-se não só definem juntos essas estratégias. Para isso, é preciso que
pelas respostas dadas, mas principalmente pelas experiên- criem propostas de trabalho que exijam a saída do espaço
cias proporcionadas, pelos problemas criados, pela ação escolar, a organização em pequenos ou grandes grupos
desencadeada. para as pesquisas, a socialização do conhecimento atra-
Suas concepções e conhecimentos prévios são levanta- vés de trocas de informações, vivências, debates, leituras,
dos e analisados para que o educador possa problematizá-los sessões de vídeos, entrevistas, visitas a espaços ora da es-
e oferecer-lhes desafios que os façam avançar, atingindo o cola e convites a especialistas no tema em questão. Os
processo de equilibração/desequilibração que é a base do alunos devem ser colocados em situações que os levem
Construtivismo e ao mesmo tempo da Pedagogia de Projetos. a contrapor pontos de vista, a defrontação com conflitos,
Então podemos dizer que a aprendizagem é o resul- inquietações que as levarão ao desequilíbrio de suas hipó-
tado do esforço de atribuir e encontrar significados para teses iniciais, problematizando, refletindo e reelaborando
o mundo, o que implica a construção e revisão de hipó- explicações.
teses sobre o objeto do conhecimento, ela é resultado c) aplicação: estimular a circulação das ideias e a atua-
da atividade do sujeito, e o meio social tem fundamental ção no ambiente da escola ou da comunidade ligada à es-
importância para que ela ocorra, pois necessitamos de cola dá ao educando a oportunidade de se colocar como
orientação para alcançá-la e aí surge a teoria do pensador sujeito ativo e transformador do seu espaço de vivência
russo Vygotsky sobre a Zona de Desenvolvimento Proxi- e convivência, por meio da aplicação dos conhecimentos
mal que é a distância entre o nível de desenvolvimento real obtidos na execução do projeto na sua realidade.
(conhecimento prévio, o que o indivíduo já sabe) e o nível d) avaliação: numa concepção dinâmica e participativa,
de desenvolvimento potencial (onde ele pode chegar com a avaliação tem, para o educador, uma dimensão diagnós-
a ajuda do outro), isto é, a possibilidade que o indivíduo tica, investigativa e processual. Avaliamos para investigar o
(educando) tem de resolver problemas sob a orientação de desenvolvimento dos alunos, para decidir como podemos
outrem (educador). ajudá-los a avançar na construção de conhecimentos, ati-
tudes e valores e para verificar em que medida o processo
A metodologia do trabalho por projetos está coerente com as finalidades e os resultados obtidos.
Para o aluno, a avaliação é instrumento indispensável ao
A Pedagogia de Projetos surge da necessidade de de- desenvolvimento da capacidade de aprender a aprender
senvolver uma metodologia de trabalho pedagógico que por meio do reconhecimento das suas possibilidades e li-
valorize a participação do educando e do educador no mites.
processo ensino/aprendizagem, tornando-os responsáveis O registro (a escrita, o desenho, os gráficos, mapas, re-
pela elaboração e desenvolvimento de cada projeto de tra- latórios, a reunião de materiais etc.) é uma prática funda-
balho. mental no trabalho com Projetos e deve ser desenvolvida
O trabalho por meio dos projetos vem contribuir para ao longo de todo o processo.
essa valorização do educando e tem-se mostrado um dos Durante o processo de levantamento e análise dos da-
caminhos mais promissores para a organização do conhe- dos, a mediação do professor é essencial no sentido de
cimento escolar a partir de problemas que emergem das construir entre os alunos uma atitude de curiosidade e de
reais necessidades dos alunos. cooperação, de trabalho com fontes diversificadas, de es-
Mas como se dá essa participação? Inicialmente, para tabelecimento de conexões entre as informações, de escu-
se propor um projeto este deve ser subsidiado por um ta e respeito às diferentes opiniões e formas de aprender
tema. A escolha deste tema e dos conteúdos a serem tra- e elaborar o conhecimento, de fazê-los perceber a impor-
balhados é de responsabilidade de todos e deve ser pensa- tância do registro e as diversas formas de realizá-lo.
da de forma a contemplar a realidade do educando.

83
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Se os projetos de trabalho possibilitam um repensar do educandos em sua compreensão da realidade, ao mesmo


significado de aprender e ensinar e do papel dos conteú- tempo em que possibilita a introdução de mudanças duran-
dos curriculares, isto repercute também no sentido que se te o desenvolvimento do programa de ensino. Além disso,
dá à avaliação e nos instrumentos usados para acompanhar permite aos professores aproximar-se do trabalho dos alunos
o processo de formação ocorrido durante todo o percurso. não de uma maneira pontual e isolada, como acontece com
Tradicionalmente, a avaliação do processo ensino- as provas e exames, mas sim, no contexto do ensino e como
-aprendizagem tem sido feita no sentido de medir a quan- uma atividade complexa baseada em elementos e momentos
tidade de conhecimentos aprendidos pelos educandos. A da aprendizagem que se encontram relacionados. Por sua vez,
avaliação na Pedagogia de Projetos é global, ou seja, con- a realização do portfólio permite ao alunado sentir a aprendiza-
sidera o educando e sua aprendizagem de forma integral, gem institucional como algo próprio, pois cada um decide que
concilia o resultado da verificação do processo com a veri- trabalhos e momentos são representativos de sua trajetória,
ficação do desempenho. Esse tipo de avaliação considera, estabelece relações entre esses exemplos, numa tentativa de
portanto, não só aspectos conceituais: de assimilação dos dotar de coerência as atividades de ensino, com as finalidades
conteúdos utilizados para a problematização do tema, mas de aprendizagem que cada um e o grupo se tenham proposto.
também aspectos atitudinais: comportamento, atitudes, É interessante destacar que a criação do portfólio, por
capacidade de trabalhar em grupo, espírito de liderança, si só, não garante um processo de avaliação significativo.
iniciativa; atributos que se referem ao modo de interação É preciso que se discutam seus usos e funções.
com os demais.
Essa metodologia de avaliação potencializa as diferen- Referência:
ças, dá lugar a diversidade de opiniões, de singularidade de Texto disponível em:
cada sujeito, faz da heterogeneidade um elemento signifi- PERRENOUD, Philippe. Pedagogia diferenciada: das
cativo para o processo de ampliação dos conhecimentos. intenções à ação. Porto Alegre: ArtMed, 2000.
A diferença nos ajuda a compreender que somos su- ZABALA, Antoni. A Prática educativa: como ensinar.
jeitos com particularidades, com experiências próprias, Porto Alegre: ArtMed, 1998.
constituídas nos processos coletivos de que participamos
dentro e fora da escola; posta em diálogo, enriquece a ação
pedagógica.
Assim, a avaliação não trabalha a partir de uma respos- A AVALIAÇÃO DIAGNÓSTICA OU
ta esperada, mas indaga as muitas respostas encontradas FORMADORA E OS PROCESSOS DE ENSINO
com o sentido de ampliação permanente dos conhecimen- E DE APRENDIZAGEM. A AVALIAÇÃO
tos existentes. Nesse caso, o erro deixa de representar a MEDIADORA E A CONSTRUÇÃO DO
ausência de conhecimento, sendo apreendido como pista
CONHECIMENTO: ACOMPANHAMENTO
que indica como os educandos estão articulando os co-
nhecimentos que já possuem com os novos conhecimen- DOS PROCESSOS DE ENSINO E DE
tos que vão sendo elaborados. APRENDIZAGEM.
Deste modo, a avaliação nos projetos de trabalho
passa a fazer parte de todo o processo, sendo entendida
como a possibilidade do aluno tomar consciência do seu Avaliação Diagnóstica, Formativa e Somativa: Discu-
processo de aprendizagem, descobrindo o que sabe, o que tindo Conceitos
aprendeu, o que ainda não domina. Para isto, é preciso que
ao longo de todo o percurso do trabalho, haja um trabalho Alguns estudos como os realizados por Fernan-
constante de avaliação. des (2006), Leite (2009), Mendes (2005), Santos e Varela
Dentro da perspectiva dos projetos, o acompanhamen- (2007), classificam a avaliação em três tipos: diagnóstica,
to e a avaliação do trabalho têm sido feitos, principalmen- formativa e somativa.
te, a partir dos registros, sejam eles coletivos ou individuais. Segundo Santo e Varela (2007) a avaliação diagnós-
Estes registros fazem parte do cotidiano da sala de aula e tica fornece dados que permitem diagnosticar os con-
servem para organizar o trabalho, socializar as descobertas, teúdos aprendidos ou não pelos alunos, que se forma-se
localizar dúvidas e inquietações, enfim, explicitar o proces- através da soldagem, projeção e retrospecção do desen-
so vivido. volvimento dos alunos. Esta avaliação almeja verificar as
O Portifólio é o instrumento mais apropriado para a aprendizagens anteriores, para posterior planejamento e
avaliação de um Projeto de Trabalho, na medida em que superação dos obstáculos encontrados.
ele representa a reconstrução do processo vivido e a refle- Segundo Leite (2009), a concepção da avaliação diagnósti-
xão do aluno sobre a sua aprendizagem. ca sugere atitudes a favor do aluno, proporcionando momentos
Hernandéz (1998), ao falar da importância do portfólio de reflexões, o que possibilita a aprendizagem das crianças.
como instrumento de avaliação, afirma que: De acordo com Santos e Varela (2007) os planos de
A avaliação do portfólio como recurso de avaliação ação dos professores e alunos são reajustados, a partir da
é baseada na ideia da natureza evolutiva do processo de avaliação diagnóstica. Esta concepção de avaliação deve
aprendizagem. O portfólio oferece aos alunos e professo- realizar-se no início de cada ciclo de estudo, para que
res uma oportunidade de refletir sobre o progresso dos ocorra uma reflexão constante, crítica e participativa.

84
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

A referida função diagnóstica da avaliação obriga Para Fernandes (2006), a avaliação formativa se trata de
a uma tomada de decisão posterior em favor do ensino, uma avaliação que tem como objetivo regular e melhorar
estando a serviço de uma pedagogia que visa à transfor- as aprendizagens. O autor afirma que, a avaliação formati-
mação social. A avaliação deve estar comprometida, assim va, deve estabelecer um paralelo entre suas funções, pois ao
com uma proposta histórico-crítica. mesmo tempo que deve permitir ao professor informações
Muitas vezes verificamos que a avaliação diagnóstica é sobre seus alunos, tais como estágio de desenvolvimento, ca-
aplicada apenas no início do ano. Percebemos também que pacidades desenvolvidas ou não, também devem indicar ca-
a avaliação diagnóstica não acontece realmente, muitos a minhos que professor deve seguir para alcançar os objetivos.
utilizam como forma de “conhecer” e “repensar” o trabalho Desta forma os educadores e alunos precisam compartilhar as
desenvolvido na escola. experiências e ideias para que o objetivo seja realmente con-
Outro tipo de avaliação é a formativa. De acordo com cretizado, ou seja, deve ocorrer a aprendizagem dos alunos.
Fernandes (2006), este tipo de avaliação deve realizar-se ao A partir dessas discussões sobre os diferentes tipos
término de um tópico do currículo proposto, antecedendo de avaliação, podemos afirmar que também encontramos
a avaliação somativa. diversos instrumentos que, ser utilizados para avaliar os
alunos, entre eles podemos citar o portfólio, conselho de
De acordo com Gonçalves (2010) a avaliação formativa classe, trabalhos, autoavaliação, provas entre outros. Po-
tem como princípio contemplar a diversidade dos estudan- rém percebemos que o instrumento mais utilizado ainda
tes. Ela admite que os recursos da aprendizagem tenham são as provas com suas tradicionais rotinas e calendários.
extensão, diversificação e pluralização. Permite que o pro- No dizer de Mendes (2005), os alunos podem ser ava-
fessor tenha mobilidade em suas aulas, pois pode alterar liados em diversos momentos na sala de aula, entre eles, na
suas práticas pedagógicas em relação à avaliação e ao en- solicitação deste para resolver uma questão; correção de
sino, de acordo com as necessidades dos alunos. exercícios; dúvidas que surgiram em atividades realizadas
A avaliação formativa é uma estratégia pedagógica de em ambientes diferentes da sala de aula; desenvolvimento
luta contra fracassos educacionais e diferenças de aprendi- de experiências; organização e apresentação de trabalhos;
zagem. Para isso, é importante o docente, detectar o cami- comportamento; e por fim com aplicação de provas com
nho já percorrido pelo aluno em relação à aprendizagem questões discursivas ou objetivas.
e ao gênero e o que ele ainda falta percorrer, para fazer
intervenções didáticas acertadas. Segundo Leal (2006), a variação dos instrumentos ava-
Podemos concluir então que a avaliação formativa é liativos permite que se obtenham informações importantes
um excelente instrumento para que tanto os alunos como sobre a prática do professor e também os níveis de apren-
os professores, possam superar os obstáculos encontrados dizagem dos alunos, além de permitir que se faça uma re-
ao longo da trajetória escolar, ou seja, estabelece uma re- flexão sobre o processo de ensino e aprendizagem.
lação de cooperação. Ainda segundo Leal (2006), podemos avaliar de diver-
Outro importante tipo de avaliação intitula-se soma- sas formas, porém todos os instrumentos devem diagnos-
tiva. No dizer de (2007), esta se refere a um juízo global e ticar e também contribuir para que o educador reveja suas
de síntese, permitindo decidir a progressão ou retenção do práticas. Para que o professor consiga diagnosticar se os
estudante, baseado em resultados globais, possibilitando alunos realmente aprenderam de forma significativa deter-
assim constatar a progressão do aluno de acordo com ob- minados conteúdos, pode-se utilizar produções diárias dos
jetivos definidos. estudantes sejam elas escritas ou orais como, textos que
A avaliação somativa, pode ser facilmente utilizada escrevem, comentários e participação durante as aulas, ou
como um instrumento de certificação social na medida em então instrumentos específicos entre eles, tarefas, provas,
que permite seriar os alunos de acordo com seu mérito trabalhos, que fornecem resultados mais concretos sobre
social, constituindo a função social da avaliação. os conhecimentos aprendidos.
Acreditamos que a prática de avaliação que predomina Sabemos que muitos professores ainda encontram-se
nas instituições escolares é a somativa, na qual o sistema es- resistentes a aplicar outros tipos de instrumentos para ava-
colar estabelece uma “média” que os alunos devem atingir. liar a aprendizagem dos alunos. Muitos profissionais ainda
Para Horta Neto (2010), as avaliações somativas não consideram que a prova é o melhor instrumento.
avaliam os processos utilizados para que a aprendizagem De acordo Leal (2006), para que o educador alcance
ocorra, apenas analisam os resultados desta. Portanto este cada vez mais conquistas é necessário repensar se os ins-
tipo de avaliação tem como princípio que todos os estu- trumentos utilizados estão corretos, se as decisões toma-
dantes possuem o mesmo nível de aprendizagem, ou seja, das tanto no planejamento quanto em relação as ações
todos aprendem o mesmo conteúdo ao mesmo tempo. tomadas em sala estão adequadas. É importante também
De acordo com Tavares (2008), para que se ocorra uma que o professor sempre se autoavalie e repense em suas
aprendizagem significativa, é necessário que o aluno utilize o co- estratégias e recursos utilizados.
nhecimento aprendido em situações concretas do seu dia-a-dia. Vasconcellos (2000) destaca que as provas da forma
Segundo Mendes (2005) para que a avaliação forma- como são muitas vezes aplicadas prejudicam o processo de
tiva possa acontecer é necessário que ela ocorra durante aprendizagem, pois colocam a nota como principal objeti-
todo o processo ensino-aprendizagem, e não apenas como vo de todo processo, funcionando como um instrumento
uma verificação no final de um conteúdo. classificatório.

85
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Vale destacar que para Vasconcellos (2000), quando a Leal (2006) afirma ainda que de nada adianta selecio-
apreensão com a avaliação durante as aulas torna-se maior nar, ordenar e colocar em uma pasta confirmações do pro-
que o interesse pela aprendizagem, os alunos começam a cesso ensino-aprendizagem, mas é necessário a partir da
sofrer pressões que desencadeiam distúrbios como: mal- análise organizar momentos de reflexão sobre o que real-
-estar, medo, angústia, perda do sono, vergonha, enjoo, mente se aprendeu e quais foram as dúvidas que surgiram,
ansiedade, diurese, nervoso, o famoso “branco”, esqueci- além de refletir as estratégias que precisam de alteração e
mento, decepção com sua nota, criação de imagem nega- as que devem permanecer.
tiva de si mesmo. Para o autor muitas escolas afirmam que, Outra função do portfólio, segundo Mendes (2005) é
todo este clima é necessário para que os alunos se prepa- proporcionar ao aluno um registro de seus conhecimentos
rem para o vestibular, por tanto eles devem habituarem-se durante o semestre, mostrando todo seu desenvolvimen-
as tensões, “frios na barriga”, esquecendo-se que a melhor to, além de permitir que este reflita sobre suas práticas e
preparação para o vestibular que a escola poderia oferecer acompanhe toda sua evolução ao longo do processo ensi-
seria uma excelente aprendizagem dos conteúdos ao es- no-aprendizagem.
tudante, de forma qualitativa e não quantitativa. Outro instrumento avaliativo é o conselho de clas-
Diante desta situação, pode-se dizer que esses “ri- se. De acordo com Mendes (2005), este tipo de avaliação
tuais” do dia de prova, muitas vezes conduz os alunos a ocorre de forma coletiva, onde professores e alunos dis-
colarem por não terem confiança em si mesmo, pois sua cutem as dificuldades que foram percebidas no processo
única preocupação é atingir a média ou tirar uma boa ensino-aprendizagem, e em seguida sugerem alternativas
nota. Percebe-se então que a escola deve estar atenta e para tentar solucioná-las. Ressalta que o conselho deve re-
tentar acabar com este “instrumento maléfico” que podem unir-se não apenas no final do semestre, mas ao longo do
impedir que o processo ensino aprendizagem seja concre- desenvolvimento de todo o semestre.
tizado. Concluímos que este instrumento é de grande impor-
tância, pois permite também que os professores compar-
No dizer de Leite (2009), da mesma maneira que a tilhem experiências como, por exemplo, dificuldades en-
avaliação é utilizada na escola como um instrumento de frentadas com alguns alunos, com determinadas classes
poder, ameaça e controle, o aluno cria táticas para sua so- entre outros problemas. Desta forma as conversas seriam
brevivência. Ou seja, o aluno quer a nota independente construtivas e positivas.
da maneira que utiliza para conseguir, estando correta ou Para Mendes (2005) a aplicação deste instrumento pe-
não, sendo que na maioria das vezes o “instrumento” uti- los professores deve permitir que o professor discuta sua
lizado é a cola, ou então a memorização mecânica sem prática na preparação das aulas e seu desenvolvimento, re-
aprendizagem. Por tanto pode-se concluir que nota não lação professor-aluno, elaboração das avaliações.
significa aprendizagem, o estudante deduz o jogo da es- No dizer de Vasconcellos (2000), os conselhos de clas-
cola e se adapta através de várias atitudes, sendo elas po- se não deveriam ocorrer apenas no final do ano quando
sitivas ou não. já não se pode tomar muitas atitudes com os alunos, mas
Um instrumento que tem sido bastante discutido no sim de uma forma contínua; é necessário a participação de
meio educacional são os portfólios. De acordo com Boas vários membros da comunidade como professores, auxilia-
(2005), por meio do portfólio todas as atividades que fo- res da escola, direção, pais, alunos ou ao menos os repre-
ram realizadas em um determinado período de tempo, sentantes de cada sala para que assim diferentes opiniões
são avaliadas tanto pelo professor como pelo aluno. Suas sejam expressas e o enfoque principal deve ser o processo
características não são classificatórias nem punitivas. Po- ensino aprendizagem.
demos ao final do trabalho fazer uma comparação das ati-
vidades iniciais e finais, para acompanhar a progressão ou A aplicação de trabalhos também pode ser compreen-
dificuldades dos alunos. dida como um instrumento avaliativo, porém estes na
Segundo Silva (2009), o portfólio permite que os pro- maioria das vezes não produzem resultados positivos, pois
fessores e alunos possam avaliar, autoavaliar, ler e reler o seu único objetivo para muitos professores é a nota. De
todo o seu aprendizado sobre determinado conteúdo. acordo com Vasconcellos (2000), o professor aplica um tra-
Diante disto o professor poderia relembrar ou reforçar al- balho extra quando a maioria dos alunos não atingiram as
guns conteúdos com os alunos para aumentar o desenvol- notas esperadas na avaliação. No entanto esta não deveria
vimento dos estudantes. ser atitude do professor, mas sim refletir qual é o problema,
Para Leal (2006), os portfólios permitem que outras se a avaliação não foi bem elaborada ou se os alunos não
pessoas inseridas no contexto escolar como, pais, alunos, aprenderam determinado conteúdo e precisam passar por
outros professores, diretores e supervisores, avaliem o uma recuperação.
processo de ensino-aprendizagem. Ou seja, este instru- Outro instrumento avaliativo é a autoavaliação que
mento não é utilizado em uma escola com a prática tra- não ocorre com grande frequência nas escolas, na maioria
dicional, onde o objetivo da avaliação é única e exclusiva- das vezes pelo fato dos professores não “acreditarem” na
mente classificar e selecionar os alunos entre os “bons” e veracidade das palavras dos alunos. Segundo Vasconcellos
os “ruins”, pois neste caso apenas o professor avalia e é (2000) esta prática não deve produzir nota, pois caso con-
tido como o “dono da razão”. trário acaba com seu caráter formativo, pois sofrerá altera-
ção com a correção do professor.

86
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

No dizer de Mendes (2005), a autoavaliação tem Assim sendo, Fontana (2000) afirma que é preciso que o
como objetivo desenvolver intelectualmente nos alu- adulto assuma o seu papel com o objetivo claro da relação de
nos através da autocrítica e corresponsabilidade, além ensino (que é o de ensinar), levando em consideração a condi-
de promover o amadurecimento e socialização destes. ção de ambos os lados dessa prática, como parceiros intelec-
Necessita de ser aplicada por meio de roteiros que ava- tuais, desiguais em termos de desenvolvimento psicológico e
liem diferentes aspectos. dos lugares sociais ocupados no processo histórico, mas por isso
Em linhas gerais percebemos que muitos profes- mesmo, parceiros na relação contraditória do conhecimento.
sores não se preocupam com o que fazer perante os É justamente, pensando nessa “prática social” que o
resultados das avaliações, com o intuito de garantir a professor deve estar ciente de que não basta tratar somen-
aprendizagem dos alunos, mas preocupam-se apenas te de conteúdos atuais em sala de aula, mas sim, também,
em entregar as notas para a secretaria, estudantes e resgatar conhecimentos mais amplos e históricos, para
pais. que os alunos possam interpretar suas experiências e suas
Concordamos assim com Mendes (2005) quando aprendizagens na vida social.
afirma que, alguns professores podem até modificar Por isso, como afirma Kramer (1989), para que essa fun-
os instrumentos para avaliação, porém a atitude diante ção se efetive na prática: [...] o trabalho pedagógico precisa
dos resultados obtidos sempre são as mesmas. Os pro- se orientar por uma visão das crianças como seres sociais,
fessores cumprem o conteúdo proposto, em seguida indivíduos que vivem em sociedade, cidadãs e cidadãos.
aplicam seminários, trabalhos, pesquisas e exercícios, Isso exige que levemos em consideração suas diferentes
mas não diversificam suas atitudes diante dos resulta- características, não só em termos de histórias de vida ou
dos, apenas corrigem as atividades e entregam as no- de região geográfica, mas também de classe social, etnia
tas. Esse é nosso desafio. e sexo. Reconhecer as crianças como seres sociais que são
implica em não ignorar as diferenças.
Referência: É exatamente nesse sentido que devemos considerar
FUZARO, K.; SILVA, F. D. A. Algumas reflexões sobre as experiências sociais acumuladas de cada aluno e seu
tipos de avaliação e instrumentos avaliativos. Revista contexto social, de modo a construir a partir daí um am-
Partes, 2013. biente escolar acolhedor em que o aluno se sinta parte do
todo e esteja totalmente aberto a novas aprendizagens.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (2001),
o enfoque social oferecido aos processos de ensino e
A MEDIAÇÃO DO PROFESSOR, DIALOGAL aprendizagem traz para a discussão pedagógica aspectos
E PROBLEMATIZADORA, NO PROCESSO de excepcional importância, em particular no que se re-
DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO fere ao modo como se devem entender as relações entre
DO ALUNO; A INERENTE FORMAÇÃO desenvolvimento e aprendizagem, à relevância da relação
CONTINUADA DO EDUCADOR. interpessoal nesse processo, à relação entre educação e
cultura e ao papel da ação educativa ajustada às situações
de aprendizagem e às características da atividade mental
construtiva do aluno em cada momento de sua escolari-
O Papel do Professor no Ensino e Aprendizagem dade. Nesse sentido, o segundo passo ao se discutir uma
pedagogia crítico-social dos conteúdos, de acordo com
Nessa análise, será discutido o papel desempenha- Saviani (2003), não seria a apresentação de novos conheci-
do pelo professor e pelos alunos em sala de aula, de mentos pelo professor (Pedagogia Tradicional) nem o pro-
modo a destacar, a atuação do professor na interação blema como um obstáculo que interrompe a atividade dos
do aluno com o conhecimento. alunos (Pedagogia Nova). Caberia, neste momento, a iden-
Saviani (2003), ao defender uma pedagogia críti- tificação dos principais problemas postos pela prática so-
co-social dos conteúdos na qual professor e alunos se cial. E a este segundo passo, Saviani (2003) chama de pro-
encontram numa relação social específica – que é a re- blematização, através da qual se detectam questões que
lação de ensino - com o objetivo de estudar os conhe- precisam ser resolvidas no âmbito da prática social e, em
cimentos acumulados historicamente, a fim de cons- consequência, que conhecimento é necessário dominar.
truir e aprimorar novas elaborações do conhecimento, Percebe-se então, a importância do enfoque social na
aponta que o ponto de partida da ação pedagógica não aprendizagem da criança. É através da problematização desse
seria a preparação dos alunos, cuja iniciativa é do pro- “social” que o conhecimento começa a ser construído indivi-
fessor (Pedagogia Tradicional ) nem a atividade, que é dualmente e socializado através da mediação do professor.
de iniciativa dos alunos (Pedagogia Nova ), mas seria a A aprendizagem escolar tem um vínculo direto com o
prática social comum a professor e alunos, consideran- meio social que circunscreve não só as condições de vida
do que do ponto de vista pedagógico há uma diferença das crianças, mas também a sua relação com a escola e
essencial em que professor, de um lado, e os alunos de estudo, sua percepção e compreensão das matérias. A con-
outro, encontram-se em níveis diferentes de compreen- solidação dos conhecimentos depende do significado que
são (conhecimento e experiências) da prática social. eles carregam em relação à experiência social das crianças
e jovens na família, no meio social, no trabalho.

87
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Dessa forma, segundo os Parâmetros Curriculares Na- Nova), trata-se de “catarse”, entendida como: Elaboração
cionais (2001), se potencialmente não podemos mais deixar superior da estrutura em superestrutura na consciência dos
de ter inquietações com o domínio de conhecimentos for- homens, em que ocorre a efetiva incorporação dos instru-
mais para a participação crítica na sociedade, considera-se mentos culturais, transformados agora em elementos ativos
também que é indispensável uma adequação pedagógica de transformação social.
às características de um aluno que pensa, de um professor Nesse processo de entrecruzamento e incorporação
que sabe e de conteúdos com valor social e formativo. se fazem presentes e atuantes, como afirmam Fontana e
O ensino tem, portanto, de acordo com Libâneo (1994), Cruz (1997), as maneiras de dizer e pensar da criança e o
como função principal garantir o processo de transmissão papel do professor como parceiro social de sua aprendi-
e assimilação dos conteúdos do saber escolar e, através zagem, que considera os saberes trazidos em sala de aula,
desse processo, o desenvolvimento das capacidades cog- provocando outros significados e sentidos além do que os
noscitivas dos alunos, de maneira que, o professor plane- alunos já conhecem, buscando articular conhecimentos e
je, dirija e comande o processo de ensino, tendo em vista chegar ao conhecimento sistematizado.
estimular e suscitar a atividade própria dos alunos para a Segundo Libâneo):
aprendizagem. O trabalho docente é atividade que dá unidade ao
É justamente o que defende Saviani (2003) como ter- binômio ensino-aprendizagem, pelo processo de trans-
ceiro passo no processo de ensino, que não coincide com missão-assimilação ativa de conhecimentos, realizando a
assimilação de conteúdos transmitidos pelo professor por tarefa de mediação na relação cognitiva entre o aluno e as
comparação com conhecimentos anteriores (Pedagogia matérias de estudo.
Tradicional) nem com a coleta de dados (Pedagogia Nova), Desse modo, percebemos uma interrelação entre dois
ainda que por certo envolva transmissão e assimilação de momentos do processo de ensino – transmissão e assimi-
conhecimentos podendo, eventualmente, envolver levan- lação ativa – que supõe o confronto entre os conteúdos
tamento de dados. Trata-se de uma instrumentalização, sistematizados, trazidos pelo professor, e a experiência
da apropriação pelas camadas populares das ferramentas sociocultural do aluno e por suas forças cognoscitivas,
culturais produzidas socialmente e preservados historica- enfrentando as situações escolares de aprendizagem por
mente de modo que a sua apropriação pelos alunos está meio da orientação do professor.
na dependência de sua transmissão direta ou indireta pelo Finalmente então, chega-se ao quinto passo, no qual
professor. Saviani (2003) nos coloca que não será a aplicação (Pe-
Essencialmente, é o que nos coloca Fontana e Cruz ao dagogia Tradicional) nem a experimentação (Pedagogia
afirmarem que “deixa-se de esperar das crianças a postura Nova), mas o ponto de chegada que será a própria prática
de ouvinte valorizando-se sua ação e sua expressão. Pos- social, compreendida agora não mais em termos sincréti-
sibilitar à criança situações em que ela possa agir e ouvi-la cos pelos alunos. Neste momento, ocorre uma elevação
expressar suas elaborações passam a ser princípios básicos dos alunos ao nível do professor, posto que em conse-
da atuação do professor”. quência de todo o processo, manifesta-se nos alunos a
De fato, a criança precisa ser ouvida para que através competência de expressarem um entendimento da prática
de suas palavras e da problematização feita a partir delas, em termos tão elaborados quanto era possível ao profes-
ocorra uma aprendizagem ativa e crítica. sor.
Desse modo, segundo Fontana e Cruz (1997), pensar Dessa forma, observa-se uma desigualdade no ponto
sobre o modo como a criança utiliza a palavra, é pensar em de partida (primeiro passo) e uma igualdade no ponto de
uma atividade intelectual nova e complexa. Assim, o que a chegada. Através da ação pedagógica é possível formar
professora faz é levar as crianças a desenvolverem um tipo sujeitos sociais críticos e ativos numa sociedade pensante.
de atividade intelectual que elas ainda não realizam por si A teoria em si [...] não transforma o mundo. Pode con-
mesmas. tribuir para sua transformação, mas para isso tem que sair
É neste sentido que consiste a intervenção e o papel do de si mesma, e, em primeiro lugar tem que ser assimilada
professor na prática educativa. pelos que vão ocasionar, com seus atos reais, efetivos, tal
Sem dúvida, através de suas orientações, intervenções transformação. Entre a teoria e a atividade prática trans-
e mediações, o professor deve provocar e instigar os alu- formadora se insere um trabalho de educação das cons-
nos a pensarem criticamente e a se colocarem como sujei- ciências, de organização dos meios materiais e planos con-
tos de sua própria aprendizagem. cretos de ação; tudo isso como passagem indispensável
Portanto, como afirmam Fontana e Cruz (1997), o pro- para desenvolver ações reais, efetivas. Nesse sentido, uma
fessor através de suas perguntas, não nega nem exclui as teoria é prática na medida em que materializa, através de
definições iniciais das crianças, ao contrário, ele as proble- uma série de mediações, o que antes só existia idealmente,
matiza e as “empurra” para outro patamar de generaliza- como conhecimento da realidade ou antecipação ideal de
ção, levando as crianças a considerarem relações que não sua transformação.
foram incluídas nas suas primeiras definições, provocando É justamente, pela formação de sujeitos autônomos e
reelaborações na argumentação desenvolvida por elas. produtivos que a educação deve se destacar, pois por meio
Efetivamente, neste momento chegamos ao quarto dela, professores e alunos, reciprocamente aprendem, de
passo defendido por Saviani (2003), que não é a generali- modo que assim ambos possam inserir-se criticamente em
zação (Pedagogia Tradicional) nem a hipótese (Pedagogia seu processo histórico e na sociedade.

88
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Contudo, consideramos, neste trabalho, que cabe ao exercício profissional, também se torna essencial de modo
professor, mediar o chamado “saber elaborado” acumu- a acompanhar as mudanças que ocorrem a todo o momen-
lado historicamente pela sociedade com as vivências do to, em diversos lugares e pessoas.
aluno possibilitando uma aprendizagem crítica para sua Partindo desse pressuposto, a reflexão sobre a legis-
atuação como sujeito na sociedade, enfocando o ensino lação vigente no Brasil relacionada a educação, tendên-
dos conhecimentos do passado, da tradição, para o enten- cias pedagógicas, metodologias de ensino, acesso a novas
dimento das situações presentes e formas de se redefinir tecnologias e impactos dessas informações em ambientes
as ações futuras. educativos, entre outros assuntos – quando discutidos por
Portanto, a ação pedagógica no processo de ensino pessoas com experiências similares – é bastante válida pela
consiste, basicamente, na “prática social”. De modo que, possibilidade de troca de experiências e busca de soluções
inicialmente cabe ao educador, mediar conhecimentos embasadas em conhecimentos teóricos. Além, disso, ao
historicamente acumulados bem como os conhecimentos compartilhar com profissionais que vivenciam situações
atuais, possibilitando, ao fim de todo o processo, que o semelhantes, torna-se imediatamente possível a prática re-
educando tenha a capacidade de reelaborar o conheci- flexiva (práxis) em seus ambientes de trabalho.
mento e de expressar uma compreensão da prática em
termos tão elaborados quanto era possível ao educador. O educador, especificamente, articula teoria e prática
Percebe-se então, que tal prática social só pôde ser durante todo o processo de mediação de conhecimentos
alcançada através de uma ação pedagógica mediadora e com os alunos. É nesse contexto que a formação continua-
problematizadora dos conteúdos sistematizados, das vi- da se torna fundamental, visto que trata da reflexão sobre
vências dos alunos e dos acontecimentos da sociedade a prática, com embasamento teórico no contexto do traba-
atual. lho pedagógico.
Assim sendo, na relação de ensino estabelecida na sala O autor menciona que a profissionalidade significa um
de aula, o professor precisa ter o entendimento de que en- conjunto de requisitos profissionais que o tornam educa-
sinar não é simplesmente transferir conhecimento, mas, ao dor, o qual supõe a profissionalização e o profissionalismo.
contrário, é possibilitar ao aluno momentos de reelabora- A profissionalização trata das condições ideais que venham
ção do saber dividido, permitindo o seu acesso critico a a garantir o exercício profissional de qualidade e, o pro-
esses saberes e contribuindo para sua atuação como ser fissionalismo, relaciona-se ao “desempenho competente
ativo e crítico no processo históricocultural da sociedade. e compromissado dos deveres e responsabilidades que
De fato, este é o verdadeiro papel do professor media- constituem a especificidade de ser professor e ao compor-
dor que almeja através da sua ação pedagógica ensinar os tamento ético e político expresso nas atitudes relaciona-
conhecimentos construídos e elaborados pela humanidade das à prática profissional” Ibidem, 2003, p.63). Constata-se,
ao longo da história e assim contribuir na formação de uma portanto, complementaridade entre as noções apresenta-
sociedade pensante. das, visto que ambas se complementam para dar sentido à
prática profissional.
Referência: A profissionalidade é de fundamental importância para
BULGRAEN, V. C. O papel do professor e sua media- a educação ou formação continuada, na medida em que
ção nos processos de elaboração do conhecimento. Revista integra o desenvolvimento pessoal e profissional no am-
Conteúdo, Capivari, v.1, n.4, ago./dez. 2010. biente de trabalho. Antes de tudo, a formação inicial favo-
rece a construção de conhecimentos, atitudes e convicções
FORMAÇÃO CONTINUADA que fazem parte da identidade profissional do sujeito, en-
tretanto, é na formação continuada que ocorre a consoli-
Os estudos de Libâneo (2003) contribuem para o en- dação dessa identidade, no contexto do seu ambiente de
tendimento de que a formação continuada “é a condição trabalho.
para a aprendizagem permanente e o desenvolvimento
pessoal, cultural e profissional”. Acrescenta que é no con- Para esse autor:
texto de trabalho que as pessoas envolvidas com o proces- A formação continuada é uma maneira diferente de ver
so educativo têm a possibilidade de promover mudanças a capacitação profissional de professores. Ela visa ao de-
pessoais e profissionais, resolver problemas, criar e recriar senvolvimento pessoal e profissional mediante práticas de
procedimentos e estratégias de trabalho. envolvimento dos professores na organização da escola, na
Fundamentado em sua visão de formação continuada, organização e articulação do currículo, nas atividades de
Libâneo reforça, ainda, a importância da formação inicial, a assistência pedagógico-didática junto com a coordenação
qual “refere-se ao ensino de conhecimentos teóricos e prá- pedagógica, nas reuniões pedagógicas, nos conselhos de
ticos destinados à formação profissional, frequentemente classe etc. O professor deixa de estar apenas cumprindo a
completados por estágios”. Com isso, a prática se articula rotina e executando tarefas, sem tempo de refletir e avaliar
à teoria como complementaridade. Entretanto, a formação o que faz.
continuada, entendida como prolongamento da formação Nessa perspectiva, ressalta-se que a formação conti-
inicial visando ao aperfeiçoamento profissional teórico e nuada se refere às ações de formação que ocorrem dentro
prático no próprio contexto de trabalho, e ao desenvol- da jornada de trabalho (no ambiente escolar) e fora (con-
vimento de uma cultura geral mais ampla, para além do gressos, cursos). Um ponto em comum entre essas ações

89
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

consiste em possibilitar ao docente a reflexão, a discus- O sentido da participação


são e a confrontação das experiências oriundas da prática
profissional e articulá-las às teorias que existem no tema A participação, em seu sentido pleno, caracteriza-se
em foco. Além de ser papel da instituição proporcionar por uma força de atuação consciente pela qual os mem-
ao professor eventos de formação profissional, o próprio bros de uma unidade social reconhecem e assumem seu
docente deve ser responsável por buscar aprimorar sua poder de exercer influência na determinação da dinâmica
formação. Para subsidiar nossas reflexões, observe um dessa unidade, de sua cultura e seus resultados. Esse poder
trecho do artigo publicado por Libâneo (2003), ao men- é resultante da competência e vontade de compreender,
cionar os estudos de Abdalla (1999), em que analisou, em decidir e agir sobre questões que lhe são afetas, dando à
sua tese de doutorado, o papel da escola como contexto unidade social vigor e direcionamento firme.
de ação e de formação continuada de educadores. Conforme indicado por Marques (1987: 69), “a parti-
cipação de todos, nos diferentes níveis de decisão e nas
Referência: sucessivas faces de atividades, é essencial para assegurar
RAPOSO, D. M. S. P. Formação Continuada do Profis- o eficiente desempenho da organização”. No entanto, a
sional de Educação. In. Fundamentos da Educação Brasi- participação deve ser estendida como processo dinâmico e
leira, 2010. interativo que vai muito além da tomada de decisão, pois é
caracterizado pelo inter-apoio na convivência do cotidiano
da escola, na busca, pelos seus agentes, da superação das
dificuldades e limitações e do bom cumprimento da sua
CONSTRUÇÃO PARTICIPATIVA DO PROJETO finalidade social.
POLÍTICO-PEDAGÓGICO E DA AUTONOMIA Cabe lembrar que toda pessoa tem poder de influên-
DA ESCOLA. cia sobre o contexto de que faz parte, exercendo-o, inde-
pendentemente da consciência desse fato e da direção e
intenção de sua atividade. No entanto, a falta de consciên-
cia dessa interferência resulta em falta de consciência do
O trabalho escolar é uma ação de caráter coletivo, poder de participação que tem; disso decorrem resultados
realizado a partir da participação conjunta e integrada negativos para a organização e para as próprias pessoas
dos membros de todos os segmentos da comunidade es- que constituem o ambiente escolar. Faltas, omissões, des-
colar. Portanto, afirmar que sua gestão pressupõe a atua- cuidos, incompetência são aspectos que exercem esse po-
ção participativa representa um pleonasmo de reforço a der negativo.
essa importante dimensão da gestão escolar. Assim, o Por conseguinte, a participação em sentido pleno é
envolvimento de todos os que fazem parte, direta ou in- caracterizado por mobilização efetiva dos esforços indi-
diretamente, do processo educacional no estabelecimen- viduais para superar atitudes de acomodação, alienação,
to de objetivos, na solução de problemas, na tomada de marginalidade, comportamentos individualistas e estimular
decisões, na proposição, implementação, monitoramento a construção de espírito e equipe.
e avaliação de planos de ação, visando os melhores re-
sultados do processo educacional, é imprescindível para Variações de significado e alcance da participação
o sucesso da gestão escolar participativa, (Luck, Freitas,
Girling, Keith, 2002). Registram-se várias formas de participação, com signi-
Esta modalidade de gestão se assenta no entendi- ficado, abrangência e alcance variados: da simples presen-
mento de que o alcance dos objetivos educacionais, em ça física em um contexto, até o assumir responsabilidade
seu sentido amplo, depende da canalização e emprego por eventos, ações e situações. Assim, é coerente o reco-
adequado da energia dinâmica das relações interpessoais nhecimento de que, mesmo na vigência da administração
que ocorrem no contexto da organização escolar, em tor- científica, preconiza-se a prática da participação: em toda
no de objetivos educacionais, entendidos e assumidos e qualquer atividade humana, por mais limitado que seja
por seus membros, com empenho coletivo em torno da seu alcance e escopo, há a participação do ser humano,
sua realização. seguindo-a, sustentando-a, analisando-a, revisando-a, cri-
A participação dá às pessoas a oportunidade de con- ticando-a.
trolar o próprio trabalho, sentirem-se autoras e respon- De fato, o processo de participação tem sido evocado
sáveis pelos seus resultados, construindo, portanto, sua na escola em várias circunstâncias, das quais serão ressal-
autonomia. Ao mesmo tempo, sentem-se parte orgânica tadas algumas, apenas para exemplificar a limitação das
da realidade e não apenas um simples instrumento para práticas levadas a efeito sob essa denominação, em seu
realizar objetivos institucionais. Mediante a prática par- alcance e sentido.
ticipativa, é possível superar o exercício do poder indivi- Uma das circunstâncias escolares mais comuns sobre
dual e de referência e promover a construção do poder as quais exige participação de professores, diz respeito a
da competência, centrado na unidade social escolar como realização de festividades, como, por exemplo, festas juni-
um todo. nas, promoções de campanhas para arrecadar fundos ou
outras atividades do gênero. Ou outra circunstância é a da
realização de reuniões para a tomada de decisões a respei-

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CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

to de problemas apontados pela direção da escola (muitas A solidariedade é manifestada pelo reconhecimento
vezes indicados por autoridades do sistema de ensino, e do valor inerente a cada pessoa e o sentido de que os
cujas soluções alternativas são sugeridas pela própria di- seres humanos se desenvolvem em condições de troca
reção, servindo a assembleia para referendar, por meio de e reciprocidade, em vista do que são necessárias redes
manipulações essas decisões). Essa forma inadequada de abertas de apoio recíproco.
participação é, aliás, notória em assembleias de professo- A equidade é representada pelo reconhecimento de
res - não sendo privilégio de dirigentes de sistemas e de que pessoas e grupos em situações desfavoráveis neces-
escolas -, quando são convocados por líderes de classe sitam de atenção e condições especiais, para igualar-se a
para “tirar” moções de greve já decididas em fórum externo seus semelhantes no processo de desenvolvimento. Vale
à assembleia com qualquer manifestação contrária sendo dizer que os benefícios da atenção são distribuídos de
repudiada de plano pelos dirigentes da assembleia. forma diferente, de modo a possibilitar aos que apresen-
É importante ressaltar que essas circunstâncias deixam tam maior dificuldade de participação condições favorá-
de caracterizar a participação efetiva dos professores, uma veis para superar essa dificuldade.
vez que eles se sentem usados – e se deixam usar -, no pri- O compromisso se traduz na ação dos envolvidos no
meiro caso como simples mão de obra, e no segundo como processo pedagógico, focada e identificada com objeti-
sujeitos manipuladores por concordar em realizar o que, de vos, valores, princípios e estratégias de desenvolvimen-
antemão, já foram determinado por um grupo restrito. Essa to. Pressupõe o entendimento pleno dessas questões
prática embora pareça oferecer alguns resultados positivos, e o empenho pela sua realização, traduzida em melhor
do ponto de vista de quem conduz, a médio prazo, produz aprendizagem pelos alunos.
resultados altamente negativos, que deterioram a cultura or- Portanto, a ação participativa hábil em educação é
ganizacional da escola, por destruir qualquer possibilidade orientada pela promoção solidária da participação por
de colaboração benéfica; promover o descrédito nas ações todos da comunidade escolar, na construção da escola
de direção e nas pessoas que detêm autoridade; gerar des- como organização dinâmica e competente, tomando de-
confiança, insegurança e destruir as sementes e motivações cisões em conjunto, orientadas pelo compromisso com
de participação efetiva das pessoas que, ao se sentirem usa-
valores, princípios e objetivos educacionais elevados, res-
das, passam a negar o processo e sua legitimidade.
peitando os demais participantes e aceitando a diversi-
A participação efetiva pressupõe que os professores,
dade de posicionamentos.
coletivamente organizados discutam e analisem a pro-
blemática pedagógica que vivenciam em interação com a
TEXTO 2:
organização escolar e que, a partir dessa análise, determi-
POSTURAS E ATITUDES DE GESTÃO RESPONSÁ-
nem um caminho para superar as dificuldades que julga-
rem mais carentes de atenção. Portanto os problemas são VEIS PELOS BONS
apontados pelo próprio grupo, e não pelo diretor da escola RESULTADOS DA ESCOLA
ou sua equipe técnico-pedagógica.
De acordo com um entendimento limitado de partici- - Comprometimento e divisão de responsabilidades,
pação, em sala de aula, professores indicam a importância facilitando a participação dos envolvidos.
da participação dos alunos, propondo até mesmo a “avalia- - Reconhecimento dos esforços, avanços e iniciativas
ção por participação”, conhecida como simples e eventual dos envolvidos, para estimular, motivar e tornar as pes-
manifestação verbal indicativa de estarem acompanhando soas mais eficazes e felizes.
e prestando atenção na aula. Nesse caso, cria-se uma cul- - Realização de parcerias para atender as necessida-
tura de faz-de-conta, do qual participam apenas os alunos des da escola, sendo que a grande parceria é com os pro-
que julgam saber o que os professores desejam ouvir, uma fessores e funcionários.
vez que julgam poderem dizer apenas isso. Em trabalhos - Exposição e transparências das metas pessoais de
em grupo observa-se até mesmo a distorção do sentido todos.
de grupo – é comum, em vez dos grupos servirem para - Tranquilidade e discernimento para lidar com con-
promover a aprendizagem coletiva, a partir da troca e reci- flitos e adversidades.
procidade de ideias, realizar a divisão de trabalho e tarefas. - Superação do ego e da vaidade, mantendo a auto-
ridade necessária, lembrando na gestão coletiva o que
Valores orientadores da ação participativa predomina são as ações conjuntas.
- Garantia de que os procedimentos têm como re-
A ação participativa depende de que sua prática seja ferência a legislação vigente e os documentos que nor-
realizada a partir do respeito a certos valores substanciais, teiam as ações da escola, bem como as decisões tomadas
como ética, solidariedade, equidade e compromisso. em reuniões de professores, funcionários e pais
A ética é representada mediante a ação orientada pelo - Criação de cultura de participação comunitária, in-
respeito ao ser humano, às instituições sociais e aos eleva- citando as pessoas a se pronunciarem, colaborando para
dos valores necessários ao desenvolvimento da sociedade eliminar o medo da manifestação.
com qualidade de vida, que se faz traduzir nas ações de - Acompanhamento e auxílio na organização das re-
cada um. De acordo com esse valor, a ação participativa é gras e acordos e atenção para o seu cumprimento.
orientada pelo cuidado e atenção aos interesses humanos - Constância e persistência em relação aos resulta-
e sociais como valor. dos.

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CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

- Intervenção em situações que afetam a rotina, os re- A articulação da prática científica, da produção de co-
lacionamentos ou que tragam prejuízo para a escola. nhecimentos com a prática pedagógica cotidiana é impor-
tante e necessária para a transformação das percepções,
Fonte das práticas e do agir individual.
LÜCK, Heloísa. A gestão participativa na escola. Petró- Não basta conhecer a realidade a partir das leituras e re-
polis: Vozes, 2010 presentações individuais. É necessário construir coletivamen-
te a síntese crítica destas representações, como investigar,
PLANEJAMENTO PARTICIPATIVO pesquisar as causas e as consequências (se nada for feito).
A construção desse conhecimento culminará numa
O Planejamento é um processo de tomada de decisões nova visão da realidade, - uma visão mais próxima à reali-
e, como tal, é um instrumento capaz de intervir na realidade dade -, o que permitirá a transformação das condutas indi-
concreta, seja para mantê-la, qualificá-la ou transformá-la. viduais em condutas coletivas.
Planejar é preciso para organizar e dar transparência Assim, ”toda prática traz uma teoria da realidade. Não
ao trabalho; articular ações administrativas e pedagógi- há separação entre teoria e prática. Qualquer ação tem im-
cas com a política educacional; superar a fragmentação de plícita, consciente ou não, uma teoria da realidade, uma
ações, o ativismo, o imediatismo e o espontaneísmo; rever teoria do social e uma teoria da própria consciência”.
concepções arraigadas, em que persiste a dicotomia entre Na gestão da escola, como podemos transformar esses
as dimensões políticas, pedagógicas e organizacionais do conhecimentos produzidos (pesquisa da realidade e das
processo educacional. representações) num instrumento de transformação:
Com o planejamento é possível prever as possibilida- - Das visões, leituras e representações individuais da
des do amanhã. Portanto, possibilita que se tomem inicia- realidade em condutas coletivas? Ou,
tivas no presente, quer para evitar como para viabilizar um - Num plano de ação que supere os índices de repro-
“estado futuro”. vação e abandono?
Há várias definições de Planejamento; entretanto, to- - Numa gestão compartilhada, democrática e huma-
das apontam que o Planejamento é um processo e, como nista?
processo, não é algo estático, mas em permanente mo- - Num instrumento de superação das avaliações sele-
vimento. Isso quer dizer que, sistematicamente, é preciso tivas em processos investigativos, emancipatórios e parti-
projetar, prever e decidir ações para o alcance de determi- cipativos?
nados fins (político-administrativo pedagógicos), tendo em As produções do conhecimento, através do Planeja-
vista a realidade global, ou seja, o objeto do Planejamento mento Participativo, bem como a utilização desse conhe-
como um todo. cimento para a transformação da realidade e das práticas,
A forma de se planejar, a maneira de se construir o devem acontecer em todas as instâncias da escola, e ser
processo (para o alcance dos fins almejados), caracteriza o objeto de uma reflexão crítica permanente.
tipo de Planejamento a ser adotado. É importante lembrar que a escola não é uma ilha. Ela
está inserida numa realidade sóciohistórica, econômica e cul-
O que é o planejamento participativo? tural concreta. Portanto, ela sofre as influências externas, bem
como pode agir e se construir como uma dimensão social de
O Planejamento Participativo é uma prática social; por- superação das desigualdades e das injustiças sociais.
tanto, não possui receita. Trata-se de uma prática participa- A escola pode praticar e se construir como um espaço
tiva, de um processo social dinâmico, dialético, umas práxis de vivência da democracia participativa, criando mecanis-
não prescritas, pré-construída, e sim construída, reconstruí- mos e canais que garantem a participação como um direito
da e recriada sistematicamente pela ação coletiva, a partir e não como concessão.
da reflexão crítica da realidade, da tomada de decisões, Nesse sentido, o Planejamento Participativo é um ins-
ações e avaliações coletivas. trumento através do qual podemos construir a escola que
O Planejamento Participativo requer a participação de todos queremos – de qualidade social, com democracia
todos os sujeitos sociais da comunidade escolar em todo participativa – como espaço de inclusão social, de respei-
o processo: to às diferenças e aos diferentes saberes; um espaço em
- Na análise (diagnóstico da realidade); que as decisões são tomadas coletivamente (professores,
- Na decisão (definição de prioridades); alunos, pais e funcionários); um espaço pedagógico que
- Na execução de ações (acompanhamento e controle propicie a aprendizagem para todos, onde a organização
social das ações planejadas); e curricular está preocupada com a qualidade social do co-
- Na avaliação (análise dos resultados), que servirá de nhecimento; com a provisoriedade do mesmo; com a con-
ponto de partida para o (re) planejamento. textualização da realidade em que a escola está inserida,
Por ser uma prática social, o Planejamento Participativo para que os alunos conheçam criticamente esta realidade,
deve “articular em seu bojo duas práticas: uma prática cien- como os fatos e os fenômenos se interrelacionam e como
tífica de produção de conhecimento, e por isso se baseia é possível, pela ação coletiva, transformá-la; uma escola
em pesquisa e deve, na medida do possível, se impregnar onde todas as ações são frutos de um Planejamento Parti-
de rigor, de sistemática e disciplina e uma prática pedagó- cipativo, onde toda comunidade escolar é protagonista do
gica”. Projeto Político Pedagógico.

92
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

O Planejamento Participativo permite recuperar a tota- “Só existe saber na invenção, na reinvenção, na
lidade de um sistema fragmentado, invertendo a tendência busca inquieta, impaciente, permanente, que os ho-
tradicional do Planejamento de cima para baixo, do ápice, mens fazem no mundo, com o mundo e com os ou-
centralizando decisões e descentralizando a execução. tros. Busca esperançosa também. ”
É preciso descentralizar o poder de decisão, a partici-
pação em todas as etapas do Planejamento. O poder deve - Análise/Reflexão Crítica
ser compartilhado. A base deve participar da tomada de É o momento de aprofundamento das investiga-
decisões. ções sobre as causas, as origens dos problemas. Esta
A escola está na base do sistema; portanto, é a primei- análise não pode ser pontual. E preciso contextuali-
ra instância de deliberação. A escola é a instância onde a zá-la e relacioná-la com realidades mais amplas, em
totalidade do sistema se manifesta. busca de soluções. Assim, os problemas não são en-
Segundo Paulo Freire, escola é o lugar onde o diverso frentados somente nas suas consequências, mas nas
se torna uno, e, ao mesmo tempo, o que é uno se revela suas origens, nas suas causas.
sob diversas formas. Esta análise instrumentalizará os partícipes do
A participação é um processo inerente a toda ação hu- processo, para que ultrapassem a percepção empí-
mana e o Planejamento Participativo é um processo ine- rica da realidade e avancem na construção de no-
rente ao exercício de cidadania. vos conhecimentos, o que lhes permitirá tomarem
Este exercício de cidadania deve ser garantido como decisões pertinentes sobre as prioridades definidas
um direito do cidadão e cidadã. Por isso se torna necessá- coletivamente.
rio que todos participem em condições de igualdade. Para Ao se estabelecer uma análise entre as causas que
que esta igualdade seja assegurada, é preciso buscar for- condicionaram o surgimento da situação-problema e
mas de auxiliar a comunidade escolar – no Planejamento suas consequências, concomitantemente levantare-
Participativo da Escola – a ultrapassar a percepção empí- mos as necessidades e alternativas de solução.
rica da realidade escolar, avançando no sentido de deter Como não existem recursos suficientes para to-
o conhecimento global das carências, das potencialidades das, as necessidades devem ser priorizadas. Para
da escola, do sistema estadual de ensino, para tomar de- priorizá-las é preciso estabelecer critérios de sele-
cisões sobre as dimensões, indicadores e descritores esco- ção. Esse é um momento muito importante do pla-
lares, sobre as prioridades estratégicas e os investimentos nejamento, uma vez que os mesmos poderão ser os
a serem feitos com os recursos públicos de forma mais responsáveis pela qualidade das propostas no ama-
pertinente. nhã (futuro).
Nessa visão, o Planejamento é mais que um instru- “Não é no silêncio que os seres humanos se fa-
mento de participação; é um instrumento de mobilização zem, mas na palavra, no trabalho, na ação reflexão”.
social, pois estimula e alimenta a participação.
Nessa concepção, o Planejamento deixa de ser uma - Programação de ações
questão tecnocrática, passando a ser um processo de Pla- Com a priorização das necessidades é importante
nejamento Participativo. elencar as alternativas, ou seja, as ações estratégicas
Como processo, tem momentos interligados, os quais possíveis para superar os problemas detectados ou
não são estanques. Reflexão, decisão, ação e avaliação, qualificar as ações em execução, a partir dos resul-
no processo de planejamento, não acontecem de forma tados do diagnóstico da realidade global da escola,
linear, mecânica ou sequencial. Os momentos se “perpas- considerando as dimensões, os indicadores e descri-
sam”. tores e demais dados.
Para fins de sistematização, estes momentos são: As ações priorizadas pelo conjunto da comuni-
dade escolar devem estar interrelacionadas e con-
- Diagnóstico participativo da realidade siderar a viabilidade técnica e financeira e o tempo
O diagnóstico pode ser o marco inicial do planeja- histórico/ cronológico de sua execução.
mento; entretanto, ele perpassa todo o processo, assim No Planejamento é preciso considerar os recur-
como os demais momentos ou etapas. sos existentes, as condições operacionais, as possi-
Para haver planejamento, deve haver uma realidade, bilidades reais de execução das ações; portanto, é o
deve haver um profundo conhecimento desta realidade, momento de confrontar necessidades, condições e
caso contrário, não há planejamento. recursos para o atendimento das prioridades sele-
Como o Planejamento é Participativo, deve haver cionadas pelo coletivo, assim como o tempo, o mo-
um Diagnóstico Participativo, ou melhor, uma Pesquisa mento de sua execução.
Diagnóstico-Participativa. Todos devem investigar, pes- Este é o momento privilegiado de democratizar
quisar, buscar informações necessárias à visão global de o planejamento, tornando público as potencialida-
sua realidade (informações quantitativas e qualitativas da des, as boas práticas e os problemas existentes para
totalidade); conhecer suas representações (seus valores se construir, de forma dialógica e participativa, as
socioculturais), suas potencialidades, os avanços, proble- condições possíveis para a execução das ações estra-
mas, dificuldades e carências; devem investigar as causas e tégicas com a participação de todos os envolvidos.
identificar as consequências, em busca de soluções.

93
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

- Execução, acompanhamento e avaliação participativa


Na execução das ações, como nos demais momentos do planejamento, a direção da escola e a presidência do Con-
selho Escolar (como órgão máximo da escola), têm papel fundamental na coordenação do processo de planejamento, no
acompanhamento da execução e na avaliação sistemática ao longo do processo.
O acompanhamento e a avaliação devem ser de caráter processual e não só ao final da execução. A avaliação deve
iniciar já no momento do diagnóstico, na definição de critérios, na priorização das necessidades/ações e na execução das
mesmas.
Sistematicamente, a comunidade escolar deve comparar os resultados da execução com as finalidades, com os objeti-
vos finais do Planejamento Participativo, afim de que as ações sejam redimensionadas, repensadas ou até excluídas se for
comprovado que não são viáveis, pertinentes ou necessárias.
O acompanhamento e a avaliação devem preocupar-se com os aspectos qualitativos/quantitativos – ou seja, com as
transformações, as mudanças e os resultados sociais, educativo, as práticas pedagógicas, a democratização da gestão, a
construção de sujeitos plenos e os conhecimentos formais necessários à inserção crítica e transformadora da realidade.

Referência:
OCAMPOS, D. T. G. de. O PLANEJAMENTO NA EDUCAÇÃO: elementos para uma fundamentação teórica. In: Reflexões
e orientações sobre o processo de planejamento participativo à luz do SEAP-RS. – Porto Alegre, 2014.

AUTONOMIA:
UMA BUSCA DE CONSTRUÇÃO COLETIVA DA ESCOLA PÚBLICA

Pensar e buscar a autonomia da escola pública é uma tarefa que se apresenta de forma complexa, pois, é complexo
alcançar a liberdade total ou independência, principalmente, quando se tem que considerar os diferentes agentes sociais
e as muitas interfaces e interdependências que fazem parte da organização educacional. Por isso, a busca pela autonomia
deve ser muito bem trabalhada, haja vista que só ela é capaz de equacionar a problemas e questões que envolvem a escola.
Sabe-se que a descentralização do sistema educacional brasileiro e a autonomia da escola pública são processos com-
plementares e interdependentes. Assim, tanto a descentralização como a autonomia são limitadas por essas relações, visto
que a escola é parte de um sistema e com ele se relaciona institucionalmente, observando e participando das definições
macropolíticas, prestando conta das atividades e resultados e cumprindo as normas gerais do sistema educacional e que
garantem sua unidade.
É preciso assumir que para mudar a educação tem-se que mudar a escola, principalmente em sua gestão descentra-
lizando suas atividades administrativas e pedagógicas. Para isto, ela tem que estar mais perto de seus usuários. Não há
dúvida que a escola tem sido uma das instituições mais sacrificada da nossa sociedade, pois, em geral, as decisões mais im-
portantes para seu funcionamento são decididas fora dela, sem a participação direta dos seus atores, tal como a nomeação
de seus professores e diretores, o currículo, as avaliações, o destino de seus recursos, entre outros. A própria formação e
capacitação de seus docentes tem respondido mais a planejamentos feitos de forma centralizada sem muita consideração
às suas necessidades. Além de tudo isso, não recebem recursos para realizar o que estimam necessário.
Igualmente, é válido enfatizar que para ser eficaz, uma escola tem que possuir autonomia para decidir sobre temas
importantes, tais como a aplicação dos seus recursos, seu currículo e seu calendário escolar, o processo de formação con-
tinuada dos seus profissionais, além de suas estratégias para avaliar a aprendizagem dos alunos. Desse modo, além dos
temas de interesse comum a todos os alunos, a escola deve ter competência para incluir em seu currículo temas de interes-
se da comunidade na qual está inserida. Entende-se, dessa forma, que as escolas devem ser pensadas como um espaço de
gestão compartilhada entre docentes, pais e autoridades locais, numa administração colegiada com total caráter de des-
centralização. Esta prática, entretanto, deve favorecer para a criação e manutenção de um ambiente escolar onde o clima
organizacional seja favorável à aprendizagem e os professores e demais educadores desenvolvam seu trabalho em equipe.
A autonomia é assim entendida como um princípio regulador das relações entre a escola, o sistema educacional e o
sistema social e somente sua construção poderá levar a uma articulação entre os âmbitos endógeno e exógeno, macro e
micro, responsabilização pelo todo (LUCK, 2000).
Para que se entenda o que vem a ser autonomia é relevante que se busque analisar seus conceitos. A principal concep-
ção de autonomia é aquela já compreendida pelo senso comum que a vê como uma possibilidade de alguém ou algo ter
plena liberdade para construção dos atos e projetos.
Esta concepção vê a autonomia como independência, isolamento, onde o sujeito assume o completo poder / controle
em completa oposição ao poder / controle exercido por outros. Ser autônomo implica desta forma, um corte radical e uma
ausência total de qualquer dependência dos outros. Contudo, esta percepção corresponde muito pouco ao verdadeiro
significado da autonomia que prever liberdade, mas também exige responsabilidade coletiva do grupo onde ela é exercida.
Barroso (1996) observa que o conceito de autonomia está ligado à ideia de “autogoverno”, onde os sujeitos se regulam
por regras próprias. Contudo, isto não é sinônimo de indivíduos independentes:

94
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

A autonomia é um conceito relacional (somos sempre Como se pode ver, a autonomia, é, pois, o resultado do
autônomos de alguém ou de alguma coisa) pelo que a sua equilíbrio de forças numa escola entre os diversos detento-
ação se exerce sempre num contexto de interdependên- res de influência e pressupõe a autonomia dos seus atores.
cia e num sistema de relações. A autonomia é também um Na realidade, a autonomia da escola não se constrói por
conceito que exprime um certo grau de relatividade: somos decreto; pelo contrário “esta perspectiva retira sentido à
mais, ou menos, autônomos; podemos ser autônomos em tentativa de encontrar, a partir das chamadas „escolas efi-
relação a umas coisas e não o ser em relação a outras. A cazes‟, estruturas e modalidades de gestão que funcionem
autonomia é, por isso, uma maneira de gerir, orientar, as como padrão da autonomia para todas as escolas.”.
diversas dependências em que os indivíduos e os grupos Desse modo, observa-se que a autonomia da escola
se encontram no seu meio biológico ou social, de acordo pública passa pela capacidade da mesma se identificar e,
com as suas próprias leis. ” por isso mesmo, de se diferenciar daquilo que a envolve.
Macedo (1991) declara que “a autonomia pressupõe Mas, esta capacidade de se diferenciar implica que seja ca-
auto-organização. “Ao auto organizarem-se, isto é, ao es- paz de se relacionar e interagir com o meio que a envolve.
truturar-se na realização de objetivos que define o sistema Autonomia não significa independência, mas sim interde-
diferencia-se de outros sistemas com quem está em inter- pendência.
-relação, criando a sua própria identidade. É um sistema A construção de identidade própria pressupõe a parti-
autônomo. ”. Assim, a autonomia pressupõe que se seja cipação de todos os atores que interagem entre si. A nova
capaz de identificar, e assim, se diferenciar dos outros. Mas, concepção das organizações implica a „recuperação‟ da
esta capacidade de diferenciação só é possível na inter-re- importância dos atores. Não se trata de uma concepção de
lação com os outros. “Quanto mais são as trocas de ener- racionalidade ilimitada, mas sim de uma concepção onde
gia, informação e matéria que um sistema estabelece com atores e sistema se condicionam mutuamente: se os ato-
o „meio‟, maior é a sua riqueza, a sua complexidade, as res são constrangidos pelas regras do sistema, eles con-
possibilidades de construção da autonomia.”. tribuem também para a transformação e alteração dessas
Para Macedo (1991), “a essência da autonomia da es- mesmas regras.
cola passa pela capacidade de efetuar trocas com os outros Para alcançar tais objetivos, será necessário grande es-
sistemas que envolvem a escola”. Dentro dessa ótica, a au- forço e vontade política do governo e da sociedade civil,
tonomia da escola não é algo adquirido, mas sim algo que envolvendo vários atores e recursos. Entretanto, não há
se vai construindo na interrelação, pois só assim a escola dúvida de que, no centro desses desafios, encontra-se a
vai criando a sua própria identidade. escola, como agência educativa de formar os futuros cida-
É pertinente refletir sobre algumas formas de concreti- dãos e de prestação dos serviços educacionais diretamente
zação da autonomia da escola, permitindo perceber quais a população.
os princípios teóricos, ideológicos, ou políticos que estão Nesse contexto, é relevante frisar que se faz necessário
na base de uma determinada visão da autonomia esco- à escola e seus profissionais que ampliem a consciência so-
lar. Além disso, esta reflexão contribui também para uma bre esse quadro e reconstruam suas práticas organizativas
melhor compreensão dos diversos caminhos possíveis na e pedagógicas em consonância com as expectativas sociais
construção da autonomia da escola, não sendo, contudo, em torno da função da escola na sociedade contemporâ-
uma descrição exaustiva. nea e, consequentemente, dos resultados a serem obtidos
Como se vê, a autonomia se presta para permitir que no desempenho de seus alunos.
pessoas competentes na escola pública tomem decisões
que favoreçam a aprendizagem; dar voz à comunidade es- Projeto Político-Pedagógico: e a construção coleti-
va da autonomia da Escola
colar nas decisões cruciais; acentuar a prestação de contas
das decisões; conduzir a uma maior criatividade na formu-
É do consenso de todos que o Projeto Político Peda-
lação dos programas; redirecionar recursos a fim de supor-
gógico ultrapassa a mera elaboração de planos, que só se
tar os objetivos desenvolvidos em cada escola; permitir a
prestam a cumprir exigências burocráticas. Isso é confirma-
realização de orçamentos realistas devido a pais e profes-
do por Veiga quando afirma que:
sores estarem mais cientes da situação financeira da escola,
O projeto político-pedagógico busca um rumo, uma
dos limites de duração e custo dos programas; valorizar
direção. É uma ação intencional, com um sentido explíci-
melhor os professores e ajudar a sua liderança a todos os to, com um compromisso definido coletivamente. Por isso,
níveis. todo projeto pedagógico da escola é, também, um projeto
A escola é, pois, uma organização social onde coabitam político por estar intimamente articulado ao compromisso
pessoas das mais variadas faixas etárias (adultos, crianças, sócio-político e com os interesses reais e coletivos da po-
adolescentes, jovens), sendo, portanto, uma organização pulação majoritária. (...) Na dimensão pedagógica reside a
com fins educativos. Dessa forma, Barroso (1996, p. 185) possibilidade da efetivação da intencionalidade da escola,
considera que “a autonomia da escola deve ser construída que é a formação do cidadão participativo, responsável,
e não decretada”. Com certeza, a autonomia da escola tem compromissado, crítico e criativo. Pedagógico, no sentido
de ter em conta a especificidade da organização escolar, de se definir as ações educativas e as características ne-
sendo construída pela interação dos diferentes atores or- cessárias às escolas de cumprirem seus propósitos e sua
ganizacionais em cada escola. intencionalidade. (VEIGA, 1995)

95
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Dentro desse entendimento, pode-se ver que o pro- Destacar a diferença entre conhecimento e informa-
jeto político-pedagógico é o fruto da interação entre os ção é de suma importância, visto que a utilização das
objetivos e prioridades estabelecidas pela coletividade, tecnologias amplia a possibilidade de não apenas ob-
que estabelece, através da reflexão, as ações necessárias termos informações, mas sim, as múltiplas possibilidades
à construção de uma nova realidade. É, antes de tudo, um de elaboração do conhecimento, mesmo, que não haja
trabalho que exige comprometimento de todos os envol- garantias de que esse acesso seja efetivado com sucesso.
vidos no processo educativo: professores, equipe técnica, (...) A tecnologia amplia as condições de acesso às fon-
alunos, seus pais e a comunidade como um todo. tes de informações, mas não há nenhuma garantia que tal
Essa prática de construção de um projeto deve estar recurso seja suficiente, por si mesmo, para efetivar a síntese
amparada por concepções teóricas sólidas e supõe o aper- representada pela cognição.
feiçoamento e a formação de seus agentes. Só assim serão Assim, surgem novos desafios para a prática educativa,
rompidas as resistências em relação a novas práticas edu- sinalizando para a necessidade de uma competência mais
cativas. Os agentes educativos devem sentir-se atraídos adequada para o educador que é repensar sua ação pe-
por essa proposta, pois só assim terão uma postura com- rante esses desafios de nossa sociedade, que é regida pela
prometida e responsável. Trata-se, portanto, da conquista informação e comunicação, ou seja, pelas TIC.
coletiva de um espaço para o exercício da autonomia. De forma geral, espera-se que a educação esteja em
sintonia com os desafios ditados pela sociedade na qual a
Fonte escola está inserida, caso contrário pode-se gerar conse-
MOURA, M. M. Autonomia e gestão democrática: ca- quências negativas, erros que podem favorecer a exclusão
minhos para a valorização da escola pública, 2011. social.
As tecnologias de informação e da comunicação (TIC)
podem produzir mudanças significativas para a socieda-
de, influenciando culturas, o mercado de trabalho e pa-
A EDUCAÇÃO ESCOLAR E AS TECNOLOGIAS drões de consumo. No entanto, enquanto o acesso a uma
DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO (TIC). tecnologia não for estendido a uma parte mais expressiva
da sociedade, permanecerá o estigma de ser um benefício
das classes privilegiadas. Por outro lado, pensar as tecno-
logias apenas sob o aspecto econômico é desconsiderar
Reconhecer que vivemos em uma sociedade cada vez suas influências sobre a educação.
mais tecnológica é reconhecer também a importância da E para além do aspecto econômico, as TIC podem
capitação e das habilidades do educador em lidar com as ser vistas como forma de atingir as exigências da socie-
novas tecnologias. dade em que vivemos, no entanto, garantias quanto às
As tecnologias da informação e da comunicação (TIC) transformações qualitativas na prática pedagógica é outra
requerem do educador novas formas de organização de questão que ainda merece ser discutida com cautela.
trabalho, articulação dos saberes, transdiciplinaridade, A apropriação educacional das novas tecnologias exi-
interdisciplinaridade e a consideração de que o conheci- ge a mudança do modelo de comunicação que tem sus-
mento tem um valor precioso nesse processo de organi- tentado as práticas escolares.
zação. As TIC não podem ser analisadas de forma autôno-
Agora, a educação e o educador ganham novos con- ma e desvinculadas das condições políticas, humanas e
ceitos frente ao uso das tecnologias. O educador pode sociais, mas, como meio de contribuição da minimização
desenvolver um trabalho buscando práticas pedagógicas das restrições relacionadas ao tempo e ao espaço e da
mais próximas do uso das tecnologias, auxiliando o edu- agilização da comunicação entre educadores e educan-
cando na aprendizagem dessas “novas” ferramentas. dos.
As instituições escolares além de incorporarem novas A sala de aula é a “ferramenta” mestra quando fa-
tecnologias têm a possibilidade de desenvolver uma prá- lamos de escola, ensino e aprendizagem e com as TIC
tica que leve o educando a reflexão sobre os conhecimen- surgem novos espaços para o processo de ensinoapren-
tos e usos tecnológicos. dizagem que modificam a “ação” do educador em sala
Em nossos dias atuais, a informação, o uso das tec- de aula, com isso, novas propostas vêm surgindo, tanto
nologias são ferramentas para a elaboração do conhe- tecnológicas quanto pedagógicas.
cimento. As tecnologias, os recursos digitais são meios
para a obtenção de informações e matéria prima para a
elaboração do conhecimento.
Assim, é importante destacar que o conceito de co-
nhecimento se diferencia do conceito de informação,
pois o conhecimento tem seu caráter enraizado na sub-
jetividade, ultrapassando o limite de um rol de informa-
ções e de um caráter mais objetivo.

96
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

As informações adquiridas por essas tecnologias pelo No sentido do preenchimento do que ficou em aberto,
educador e educando tem modificado o processo de ensi- vale insistir que trabalhar os novos textos, a multimídia e as
no-aprendizagem? novas tecnologias implicam novos multidesafios que não
Agora, a tarefa do educador não precisa delimitar-se podem ser desvinculados da discussão do trabalho como
ao espaço de sala de aula, mas, gerenciar atividades a dis- um todo, com seus materiais e ferramentas.
tância, técnicas, projetos, flexibilizando o tempo das aulas Ao contrário de deturpar, a introdução que esses no-
e da aprendizagem. vos conceitos tendem a enriquecer os propósitos centrais
É preciso garantir o direito a TV, vídeo, computador, do processo pedagógico no desenvolvimento humano,
etc. (Alves apud Barreto, 2000) porque a esmagadora cultural, científico e tecnológico. Lembrando-nos do con-
maioria dos alunos tem na escola a única possibilidade de ceito que educar é também oportunizar novas formar de
acesso ao conjunto destas tecnologias. conhecermos o mundo, a necessidade de domínio das TIC
Os recursos tecnológicos devem estar a serviço de mu- torna-se fundamental.
danças na postura do educador, que não é apenas coletar O mundo não é. O mundo está sendo. Como subjetivi-
informações, mas trabalhá-las, selecioná-las e aplicá-las dade curiosa, inteligente, interferidora na objetividade com
às situações de interesse do educando, confrontando vi- que dialeticamente me relaciono, meu papel no mundo
sões, metodologias e resultados. O educador terá que se não é só de quem constata o que ocorre, mas também o de
atualizar e abrir-se para o que o educando trazer, aprender quem intervém como sujeito de ocorrências. (Freire, 1996).
acerca das TIC e interagir com este, ou seja, redefinir a sua A diferença não está no uso ou não uso das novas tec-
própria prática, incorporando a esta as TIC no processo de nologias, mas na compreensão das suas possibilidades.
sua formação. Mais ainda, na compreensão da lógica que permeia a mo-
Barreto (2002) afirma que precisamos de ferramentas vimentação entre os saberes no atual estágio da sociedade
cada vez mais sofisticadas, não para operar mágicas, mas tecnológica.
sim para não permitir a simplificação da matéria a ser tra- O educador, além da possibilidade de difundir o conhe-
balhada. cimento, em todos os aspectos do ensino, conhecimento
Segundo Barreto (2002) a atratividade e a interativi- este que tenha como proposta a melhoria da qualidade de
dade são características atribuídas à presença das TIC nas vida da sociedade, ser produtor de si próprio e reconhecer
salas de aula e que para, além disso, as TIC incluem possi- também que o conhecimento, a cultura e a sociedade são
bilidades de mudanças no espaço escolar que se opõem as conceitos que indissociáveis.
velhas tecnologias, onde as carteiras em filas dão espaço
para uma organização em semicírculo, possibilitando uma Referência:
relação de interações verbais e não - verbais incluindo no- ALMEIDA, N. R. de. A atuação do educador e as tecno-
vas possibilidades de troca e discussão. logias: uma relação possível? CNPq. Disponível em: http://
A ação pedagógica não se resume a uma representa- www.educacaoecomunicacao.org/leituras_na_escola/tex-
ção linear e sequencial de conteúdos. A formação de con- tos/oficinas/textos_completos/a_atuacao_do_educador.pdf
ceitos, envolvendo articulações, rupturas e superação para
a elaboração do conhecimento, no plano individual e social
são pontos importantes na aprendizagem do educando.
Do ponto de vista metodológico o educador precisa
aprender a equilibrar processos de organização e de “pro-
vocação” na sala de aula e buscar novos desafios, posicio-
namentos, valores. No entanto, o educador tem utilizado
essas tecnologias como um agente provocador de mudan-
ças tanto na educação formal ou informal ou tem as utili-
zado como apenas um complemento, uma incorporação?
Educar para além da burocratização, impulsionando,
questionando, inovando, esse pode ser um dos caminhos
das “ações” do educando frente as TIC.
As TIC nas escolas podem ter diferentes finalidades,
por exemplo, ser utilizadas como forma de aperfeiçoar o
trabalho educativo que já feito outrora; como parte do pro-
jeto educacional; como implantação efetiva da integração
das TIC no projeto educacional, entre outras.
O educador possui domínio técnico-pedagógico para
fazer a gestão das novas tecnologias no contexto de ensino
- aprendizagem?
Combinar o que podemos fazer melhor em sala de aula,
pensar o currículo de cada projeto educacional, ampliar
conceitos de teoria-prática é uma forma de compreender e
vivenciar a “ação” do educador.

97
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

QUESTÕES 05. (CONSULPLAN/2017) O currículo tem um


papel tanto de conservação quanto de transforma-
01. (MOURA MELO/2016) Com relação à Edu- ção e construção dos conhecimentos historicamente
cação para a Cidadania, podemos afirmar, exceto: acumulados. A perspectiva teórica que trata o cur-
a) Estimula o desenvolvimento de competência. rículo como um campo de disputa e tensões, pois o
b) Não se atém à abordagem de temas trans- vê implicado com questões ideológicos e de poder,
versais. denomina-se
c) Valoriza o desenvolvimento do espírito críti- (A) tecnicista.
co. (B) crítica.
d) Preocupa-se com o apreço pelos valores de- (C) tradicional.
mocráticos. (D) pós-crítica.

02. (MOURA MELO/2016) Para que o conhe- 06. (SEDUC-AM/2017) A respeito da formação
cimento seja pertinente, a educação deverá tornar de professores para a Educação Especial, assinale a
certos fatores evidentes. São eles, exceto: afirmativa incorreta.
a) O global.
b) O complexo. (A) A proposta inclusiva envolve uma escola cujos
c) O contexto. professores tenham um perfil compatível com os
d) O unidimensional. princípios educacionais humanistas.
(B) Os professores estão continuamente atuali-
03. (MOURA MELO/2016) O acesso ao ensino zando-se, para conhecer cada vez mais de perto os
fundamental é direito: seus alunos, promover a interação entre as discipli-
a) Privado objetivo. nas escolares, reunir os pais, a comunidade, a escola
b) Privado subjetivo. em que exercem suas funções, em torno de um pro-
c) Público objetivo. jeto educacional que estabeleceram juntos.
d) Público subjetivo. (C) A formação continuada dos professores é, an-
tes de tudo, uma auto formação, pois acontece no
04. (CETRO - 2017) As Diretrizes Curriculares interior das escolas e a partir do que eles estão bus-
Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Ra- cando para aprimorar suas práticas.
ciais e para o Ensino de História e Culturas Afro- (D) As habilitações dos cursos de Pedagogia para
-Brasileira e Africana constituem-se de orientações, formação de professores de alunos com deficiência
princípios e fundamentos para o planejamento, exe- ainda existem em diversos estados brasileiros.
cução e avaliação da Educação e (E) A inclusão diz respeito a uma escola cujos
a) têm por meta promover a educação de cida- professores tenham uma formação que se esgota na
dãos atuantes e conscientes no seio da sociedade graduação ou nos cursos de pós-graduação em que
multicultural e pluriétnica do Brasil, buscando rela- se diplomaram.
ções étnico-sociais positivas, rumo à construção de
uma nação democrática. 07. (ESAF/2016) Considerando a Política Nacio-
b) devem ser obser vadas pelas instituições de nal de Educação Especial na Perspectiva da Educação
ensino que atuam na educação básica, ficando a cri- Inclusiva, assinale a opção correta.
tério das instituições de Ensino Superior incluí-las, (A) A transversalidade da educação especial é
ou não, nos conteúdos das disciplinas dos cursos uma exigência da educação básica.
que ministram. (B) Não requer atendimento educacional espe-
c) preveem o ensino sistemático de História e cializado, pois o aluno deve inserir-se no contexto
Culturas Afro-Brasileira e Africana na educação bá- regular de ensino.
sica, especificamente como conteúdo do compo- (C) Não tem condições de garantir a continuidade
nente curricular de História do Brasil. da escolarização nos níveis mais elevados do ensino.
d) definem que os estabelecimentos de ensino (D) Requer a formação de professores para o
estabeleçam canais de comunicação com grupos do atendimento educacional especializado e demais
Movimento Negro, para que estes forneçam as ba- profissionais da educação para a inclusão escolar.
ses do projeto pedagógico da escola. (E) Restringe a participação da família e da comu-
e) alertam os órgãos colegiados dos estabeleci- nidade, pois não possuem formação apropriada para
mentos de ensino para evitar o exame dos casos de lidar com as demandas do aluno.
discriminação, pois caracterizados como racismo,
devem ser tratados como crimes, conforme prevê a
Constituição Federal em vigor.

98
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

08. (IBFC/2016) A Educação Inclusiva não deve ser (E) A formação deve favorecer conhecimentos de ges-
confundida como Educação Especial, porém, a segunda tão de sistema educacional inclusivo, mas sem precisar
esta inclusa na primeira. Em outras palavras, a Educação considerar o desenvolvimento de projetos em parceria
Inclusiva é a forma de: com outras áreas.
(A) Promover a aprendizagem e o desenvolvimento de
todos. 11. (SEDUC/AM-FGV/2017) A respeito da Política Na-
(B) Inclusão de jovens e adultos no ensino médio. cional de Educação Especial na Perspectiva da Educação In-
(C) Promover a aprendizagem de crianças somente na clusiva, assinale V para a afirmativa verdadeira e F para a falsa.
educação infantil. ( ) Na perspectiva da educação inclusiva, a educação
(D) Inclusão de crianças no ensino fundamental. especial passa a integrar a proposta pedagógica da escola
regular, promovendo o atendimento às necessidades educa-
09. (AOCP/2016) De acordo com a Política Nacional cionais especiais de alunos com deficiência, transtornos glo-
de Educação Especial, na Perspectiva da Educação Inclusi- bais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.
va, NÃO podemos afirmar que ( ) A educação especial direciona suas ações para o
atendimento às especificidades desses alunos no processo
(A) na perspectiva da educação inclusiva, a educação educacional e, no âmbito de uma atuação mais ampla na
especial passa a integrar a proposta pedagógica da escola escola, orienta a organização de redes de apoio, a forma-
regular, promovendo o atendimento às necessidades edu- ção continuada, a identificação de recursos, serviços e o
cacionais especiais de alunos com deficiência, transtornos desenvolvimento de práticas colaborativas.
globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdo- ( ) A atuação pedagógica deve ser direcionada a man-
tação. ter a situação de exclusão, reforçando a importância dos
(B) constitui um paradigma educacional fundamentado ambientes homogêneos para a promoção da aprendiza-
na concepção de direitos humanos, que conjuga igualda- gem de todos os alunos.
de e diferença como valores indissociáveis, e que avança As afirmativas são, respectivamente,
em relação à ideia de equidade formal ao contextualizar as
circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e (A) V, V e V.
fora da escola. (B) V, V e F.
(C) o atendimento educacional especializado tem (C) V, F e V.
como função identificar, elaborar e organizar recursos pe- (D) F, F e V.
dagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras (E) F, V e F.
para a plena participação dos alunos, considerando suas
necessidades específicas. 12. (VUNESP/2016) Para Vygotsky, o tema do pensa-
(D) tem como objetivo o acesso, a participação e a mento e da linguagem situa-se entre as questões de psico-
aprendizagem dos alunos com deficiência, transtornos glo- logia, em que aparece em primeiro plano, a relação entre as
bais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação diversas funções psicológicas e as diferentes modalidades
nas escolas regulares, orientando os sistemas de ensino de atividade da consciência. O ponto central de toda essa
para promover respostas às necessidades educacionais es- questão é (A) a relação entre o pensamento e a palavra.
peciais. (B) a relação entre o desenvolvimento e a linguagem.
(E) para atuar na educação especial, o professor deve (C) a priorização das diversas funções psicológicas.
ter como base da sua formação, inicial e continuada, co- (D) os diversos modos de desenvolver a consciência.
nhecimentos gerais para o exercício da docência, bem (E) o pensamento e o desenvolvimento ampliado das
como conhecimentos gerais da área. relações morais.

10. (SEDUC-AM- FGV/2017) De acordo com o do- 13. (VUNESP/2016) O conceito de currículo está as-
cumento “Política Nacional de Educação Especial na pers- sociado às diferentes concepções, que derivam dos diver-
pectiva da Educação Inclusiva”, a respeito da formação do sos modos como a educação é concebida historicamente,
professor para atuar na Educação Especial, assinale a afir- e pode ser entendido como as experiências escolares que
mativa correta. se desdobram em torno do conhecimento, em meio a rela-
(A) O professor deve ter, como base da sua formação, ções sociais, e que contribuem para a construção das iden-
conhecimentos gerais para o exercício da docência, sem tidades dos alunos. Assim, um currículo precisa contemplar
necessidade de conhecimentos específicos da área. (A) um rol de conteúdos a serem transmitidos para os
(B) A formação não deve possibilitar a sua atuação no alunos.
atendimento educacional especializado. (B) o plano de atividades de ensino dos professores.
(C) A formação deve aprofundar o caráter interativo (C) o uso de textos escolares, efeitos derivados das
e interdisciplinar da atuação nas salas comuns do ensino práticas de avaliação.
regular para a oferta dos serviços e recursos de educação (D) uma série de estudos do meio que contemplem as
especial. relações sociais.
(D) A formação não precisa contemplar conhecimentos (E) conhecimentos, valores, costumes, crenças e hábi-
de gestão de sistema educacional inclusivo. tos.

99
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

14. (VUNESP/2016) O sentido social que se atri- 16. (IFRO/ 2017) O Projeto Políticopedagógico é por
bui à profissão docente está diretamente relacionado si a própria organização do espaço escolar. Ele organiza as
à compreensão política da finalidade do trabalho pe- atividades administrativas, pedagógicas, curriculares e os
dagógico, ou seja, da concepção que se tem sobre a propósitos democráticos. Dizer que o Projeto Políticopeda-
relação entre sociedade e escola. Assim, a escola é o gógico abrange a organização do espaço escolar significa
cenário onde alunos e professores, juntos, vão cons- dizer que o ambiente escolar é normatizado por ideais co-
truindo uma história que se modifica, amplia, trans- muns a todos que constitui esse espaço, visto que o Pro-
forma e interfere em diferentes âmbitos: o da pessoa, jeto Político Pedagógico deve ser resultado dos atributos
o da comunidade na qual está inserida e o da socie- participativos. Dessa forma, Libâneo (2001) elenca quatro
dade, numa perspectiva mais ampla. É correto afirmar áreas de ação em que a organização do espaço escolar
que a escola deve abranger.
(A) é suprassocial, não está ligada a nenhuma
classe social específica e serve, indistintamente, a to- Qual das alternativas não se refere às áreas elencadas
das. pelo autor?
(B) não é capaz de funcionar como instrumento a) A organização da vida escolar, relacionado à organi-
para mudanças, serve apenas para reproduzir as injus- zação do trabalho escolar em função de sua especificidade
tiças. de seus objetivos.
(C) não tem, de forma alguma, autonomia, é de- b) Organização do processo de ensino e aprendizagem
terminada, de maneira absoluta, pela classe dominan- – refere-se basicamente aos aspectos de organização do
te da sociedade. trabalho do professor e dos alunos na sala de aula.
(D) é o lugar especialmente estruturado para po- c) Organização das atividades de apoio técnico admi-
tencializar a aprendizagem dos alunos. nistrativo – tem a função de fornecer o apoio necessário ao
(E) tem a tarefa primordial de servir ao poder e trabalho docente.
não a de atuar no âmbito global da sociedade. d) Orientação de atividades que vinculam escola e fa-
mília – refere-se às relações entre a escola e o ambiente
15. (IFRO/ 2017) O Projeto Políticopedagógico é interno: com os alunos, professores e famílias.
por si a própria organização do espaço escolar. Ele e) Organização de atividades que vinculam escola e
organiza as atividades administrativas, pedagógicas, comunidade – refere-se às relações entre a escola e o am-
curriculares e os propósitos democráticos. Dizer que biente externo: com os níveis superiores da gestão de siste-
o Projeto Políticopedagógico abrange a organização mas escolar, com as organizações políticas e comunitárias.
do espaço escolar significa dizer que o ambiente es-
colar é normatizado por ideais comuns a todos que 17. (IFRO/ 2016) Para Vygotsky (1998), não basta de-
constitui esse espaço, visto que o Projeto Político Pe- limitar o nível de desenvolvimento alcançado por um indi-
dagógico deve ser resultado dos atributos participati- víduo. Dessa forma, ele demarca dois níveis de desenvol-
vos. Dessa forma, Libâneo (2001) elenca quatro áreas vimento:
de ação em que a organização do espaço escolar deve a) NDR (Nível de Desenvolvimento Real) onde as fun-
abranger. ções mentais da criança já estão completadas e NDP (Nível
de Desenvolvimento Pessoal) onde a criança consegue rea-
Qual das alternativas não se refere às áreas elen- lizar tarefas com a ajuda de adultos ou colegas mais pró-
cadas pelo autor? ximos.
a) A organização da vida escolar, relacionado à b) NDR (Nível de Desenvolvimento Real) onde as fun-
organização do trabalho escolar em função de sua es- ções mentais da criança ainda já estão completadas e ZDP
pecificidade de seus objetivos. (Zona de Desenvolvimento Processual) que define funções
b) Organização do processo de ensino e aprendi- ainda não amadurecidas, mas em processo de maturação.
zagem – refere-se basicamente aos aspectos de or- c) NDR (Nível de Desenvolvimento Real) onde as fun-
ganização do trabalho do professor e dos alunos na ções mentais da criança já estão completadas e NDP (Nível
sala de aula. de Desenvolvimento Proximal) onde a criança consegue
c) Organização das atividades de apoio técnico realizar tarefas com a ajuda de adultos ou colegas mais
administrativo – tem a função de fornecer o apoio ne- avançados.
cessário ao trabalho docente. d) NDR (Nível de Desenvolvimento Real) onde as fun-
d) Orientação de atividades que vinculam escola e ções mentais da criança ainda não estão completadas e
família – refere-se às relações entre a escola e o am- NDP (Nível de Desenvolvimento Processual) onde a criança
biente interno: com os alunos, professores e famílias. não consegue realizar tarefas com a ajuda de adultos ou
e) Organização de atividades que vinculam escola colegas mais avançados.
e comunidade – refere-se às relações entre a escola e e) NDR (Nível de Desenvolvimento Real) onde as fun-
o ambiente externo: com os níveis superiores da ges- ções mentais da criança ainda não estão completadas e
tão de sistemas escolar, com as organizações políticas ZDP (Zona de Desenvolvimento Proximal) que define fun-
e comunitárias. ções ainda não amadurecidas, mas em processo de matu-
ração.

100
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

18. (IFRO/ 2016) Dentro do processo de ensino e


aprendizagem, aponte qual o teórico que defende que a BIBLIOGRAFIA
criança nasce inserida em um meio social, que é a família, AGUIAR, MÁRCIA ÂNGELA DA SILVA [ET.
e é nele que estabelece as primeiras relações com a lin-
AL.]. CONSELHO ESCOLAR E A RELAÇÃO
guagem na interação com os outros. (Nas interações coti-
dianas, a mediação (necessária intervenção de outro entre ENTRE A ESCOLA E O DESENVOLVIMENTO
duas coisas para que uma relação se estabeleça) com o COM IGUALDADE SOCIAL. BRASÍLIA:
adulto acontecem espontaneamente no processo de utili- MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, SECRETARIA DE
zação da linguagem, no contexto das situações imediatas.) EDUCAÇÃO BÁSICA, 2006.
a) Jean Piaget.
b) Henry Wallon.
c) Paulo Freire. Introdução
d) Louis Althusser.
e) Lev Vygotsky. Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da Re-
pública Federativa do Brasil:
19. (FUNCAB/2016) “Organizar os conteúdos é estru- I. construir uma sociedade livre, justa e solidária;
turar a sequência lógica em que eles serão apresentados ao II. garantir o desenvolvimento nacional;
aluno.” (MALHEIROS, Bruno T. Didática Geral. Rio de Janei- III. erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir
ro: LTC, 2012, p. 97) as desigualdades sociais e regionais;
Dessa forma, os conteúdos devem ser organizados, IV. promover o bem de todos, sem preconceitos de
considerando-se três critérios. São eles: origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas
de discriminação. CF 1988
(A) importância do conteúdo; grau de dificuldade; no-
vidade. A igualdade é um tema que tem exercido enorme fas-
(B) continuidade; grau de dificuldade; importância do cínio entre os homens e mulheres, desde que os gregos
conteúdo. atenienses instituíram a ágora – a praça pública na qual os
(C) continuidade; sequência; integração. cidadãos se reuniam para discutir e deliberar as questões
(D) sequência; importância do conteúdo; grau de di- políticas que diziam respeito à polis, à sua cidade. O ideal
ficuldade. de igualdade tem sido perseguido pela humanidade e está
(E) integração; facilidade de ensino; importância do presente em todas as épocas e em todos os países, em que
conteúdo. pesem as inúmeras controvérsias e polêmicas que sempre
suscita. Nos tempos atuais, no Brasil, o ideal da igualdade
20. (FEPESE/2016) O ensino fundamental, no Brasil, também emerge no debate sobre as políticas públicas di-
passou a ter nove anos de duração e inclui as crianças de recionadas ao atendimento da população em um país mar-
seis anos de idade. Pesquisadores defendem que os direi- cado pela injustiça e por desigualdades socioeconômicas.
tos sociais precisam ser assegurados e que o trabalho pe- De fato, no Brasil, com uma população de quase 180
dagógico precisa levar em conta: milhões, verifica-se que é muito grande o número de pes-
a. ( ) As necessidades exclusivas dos professores na soas que vivem em condições de extrema pobreza – mais
realização do trabalho docente. de 20 milhões, estimado em 2003, o que corresponde a
b. ( ) A singularidade das ações infantis e o direito à “mais de duas vezes a população de Portugal”. O contin-
brincadeira, à produção cultural. gente de pessoas pobres no país foi estimado em 54 mi-
c. ( ) Que o currículo escolar deve explorar somente a lhões em 2003, ou seja, “mais do que a população total
dimensão cognitiva. combinada dos outros três países do Mercosul (Argentina,
d. ( ) Que as crianças precisam ser ensinadas e discipli- Paraguai e Uruguai)”. Além disso, a distância entre os mui-
nadas com rigor. to pobres e os ricos no Brasil permanece: “o quinto mais
e. ( ) Que no ensino fundamental as crianças devem rico da população tem uma renda 30 vezes maior do que
ser concebidas apenas como estudantes. a renda do quinto mais pobre da população”. Esse quadro
faz o Brasil ser considerado uma das cinco sociedades mais
desiguais do mundo.
GABARITO Nessa situação de exclusão encontra-se também parte
significativa das crianças e dos 35 milhões de jovens entre
01-B/ 02- D/ 03- D/ / 04 – A/ 05- B/ 15 e 24 anos que enfrentam a violência, o desemprego,
06. E/ 07. D/ 08. A/ 09. E/ 10. C/ 11. B o tráfico, a gravidez indesejada e precoce, a ausência de
12- A/ 13- E/ 14- D/ 15. D/ 16. E/ 17. C/ 18. E oportunidades para o seu pleno desenvolvimento pessoal
19. C/ 20. B e sociocultural.
Reverter esse quadro exige esforços gigantescos dos
governos e da sociedade e requer a definição e o desen-
volvimento de políticas públicas que visem à superação das
desigualdades que se manifestam em todos os setores. A

101
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

definição dessas políticas, contudo, não se dá de forma Como combater a exclusão e a discriminação?
automática nem linear, tendo em vista que se situam no Como promover um clima de acolhimento para
interior de processos políticos e sociais complexos e con- crianças e jovens? Como reforçar a construção do proje-
traditórios onde sobressaem interesses diversificados de to político-pedagógico considerando o entorno da es-
diferentes grupos e classes sociais. cola e a comunidade local sem perder de vista a relação
Nesse cenário, não surpreende que o debate sobre as com o mundo?
políticas públicas seja demarcado por posições conflitan- O aprofundamento desse debate na escola é potencial-
tes em relação à sociedade, ao mundo do trabalho, ao Es- mente rico por possibilitar a todos os profissionais da edu-
tado e aos direitos do cidadão e que se manifestam com cação, aos pais e aos estudantes ampliarem a compreen-
muita clareza nas lutas sociais. Essas visões estão presen- são das vinculações da escola com a sociedade e com os
tes na definição do papel do Estado nos diferentes contex- projetos socioeducativos, bem como o (re)conhecimento
tos sociopolíticos, na formulação das políticas de desen- dos mecanismos de exclusão e discriminação de quaisquer
volvimento que se materializam nos programas e projetos ordens, presentes na sociedade e na escola, para melhor
governamentais e nas iniciativas da sociedade civil. Estão enfrentá-los e superá-los. Como afirma Cury, “a igualda-
presentes também nas concepções sobre o mundo do de torna-se, pois, o pressuposto fundamental do direito à
trabalho, e nas orientações que predominam no tocante educação, sobretudo nas sociedades politicamente demo-
à destinação dos frutos do trabalho humano. Estão pre- cráticas e socialmente desejosas de uma maior igualdade
sentes ainda nas decisões que afetam todas as esferas da entre as classes e entre os indivíduos que as compõem e
convivência social e humana. as expressam”.
O princípio da igualdade integra também o ideário da
“educação para todos” e tem sido objeto de variadas in- I – Desenvolvimento com igualdade social: de quê
terpretações com desdobramentos nas práticas sociais e estamos falando?
educativas. No Brasil, nos anos recentes, a igualdade refe-
renciada à educação é um dos princípios da Constituição Para ampliar a compreensão a respeito da temática
focalizada neste caderno – educação e desenvolvimento
Federal de 1988. Cury, ao analisar o direito à educação,
com igualdade social –, é necessário, inicialmente, alertar
destaca que “o pressuposto do direito ao conhecimento é
o leitor sobre a existência de perspectivas diversas sobre o
a igualdade. Essa igualdade pretende que todos os mem-
que seja desenvolvimento. Com efeito, existem óticas dife-
bros da sociedade tenham iguais condições de acesso
renciadas a respeito desse tema decorrentes de posiciona-
aos bens trazidos pelo conhecimento, de tal maneira que
mentos político ideológicos diversos. Isso também ocorre
possam participar em termos de escolhas ou mesmo de
quando o debate focaliza a temática do desenvolvimento
concorrência no que uma sociedade considera como sig-
local sustentável. Dentre estudiosos do tema, Deluiz e No-
nificativo e onde tais membros possam ser bem-sucedidos
vicki apontam para três concepções de desenvolvimento
e reconhecidos como iguais”. sustentável.
Garantir, portanto, o princípio da igualdade social Uma primeira concepção de desenvolvimento susten-
em um projeto de desenvolvimento que tenha o homem tável pode ser encontrada no Relatório Brundtland, de 1987,
como cerne constitui um desafio para todos aqueles que produzido pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
lutam por uma sociedade justa, o que compreende a luta Desenvolvimento da ONU. Neste relatório, o desenvolvi-
por uma escola que se constitua efetivamente um espaço mento sustentável é aquele que “atende às necessidades
de formação para a cidadania. É evidente que uma escola do presente sem comprometer a possibilidade de as ge-
que busque cumprir o papel acima destacado desenvolve rações futuras atenderem às suas próprias necessidades”,
ritos e práticas no seu cotidiano que vão além do proces- ou seja, aquele que “garante um crescimento econômico
so de ensino e aprendizagem de conteúdos reservados a vigoroso e, ao mesmo tempo, social e ambientalmente sus-
cada nível e modalidade de ensino. A questão central, nes- tentável”. Esta concepção de desenvolvimento sustentável
se caso, é o modo como se desenvolve o processo educa- tem como princípio norteador o crescimento econômico e
tivo, no que está implicado desde as formas de exercício a eficiência na lógica do mercado. Nessa concepção, o livre
da gestão da escola até as relações professor-aluno em mercado é o instrumento que permite a distribuição efi-
sala de aula. Dessa perspectiva é que se pode entender a ciente dos recursos planetários e, neste sentido, a relação
importância em compreender e debater a vinculação entre trabalho e meio ambiente está subordinada ao capital, com
o Conselho Escolar, a gestão da educação, os processos de sérias consequências para o mundo do trabalho e para os
ensino e aprendizagem e a busca de padrões de igualdade recursos naturais.
na relação entre educação e desenvolvimento social. Uma segunda concepção de desenvolvimento susten-
Neste caderno, intitulado Conselho Escolar e a rela- tável entende que a sustentabilidade seria alcançada, por
ção entre a Escola e o Desenvolvimento com Igualdade um lado, com a preservação e construção de comunidades
Social, procura-se, junto aos Conselhos Escolares, ampliar sustentáveis “que desenvolvem relações tradicionais com
o debate em torno do princípio da igualdade e do desen- o meio físico natural de que depende sua sobrevivência” e,
volvimento focalizando algumas questões cruciais para a por outro lado, com o fortalecimento dos Estados nacio-
educação no cotidiano das escolas, a saber: nais, que poderiam implementar políticas em oposição aos
objetivos do livre comércio e à erosão das fronteiras nacio-

102
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

nais. Esta concepção, como observam os citados autores, feito mediante o investimento em situações que propiciem
muito embora seja portadora de uma crítica ao capitalismo a formação da consciência crítica e induzam a ampliação
globalizado e seus impactos sobre a autonomia dos Esta- da democracia representativa no sentido da ampliação da
dos nacionais, propõe uma volta ao passado e o homem é democracia participativa.
visto em posição de subserviência em relação à natureza. Contudo, essas situações somente são viabilizadas
Por fim, uma terceira concepção de desenvolvimento quando há o reconhecimento de parte das comunidades
sustentável tem como perspectiva a “sustentabilidade de- envolvidas que não se trata de uma questão a ser condu-
mocrática”. Tal concepção supõe uma mudança na orien- zida de forma individual, mas na ação coletiva, abrangen-
tação do desenvolvimento econômico, contemplando a do as dimensões social política, econômica e cultural. Isso
justiça social, a superação da desigualdade socioeconômi- implica o reconhecimento da necessidade de investimen-
ca e os processos democráticos. A questão da sustenta- to em processos formativos que favoreçam o domínio de
bilidade é discutida no campo das relações sociais e há o conhecimentos para alargar a compreensão dos processos
entendimento de que “as noções de sustentabilidade e de históricos sociais e ampliar a capacidade de intervenção na
desenvolvimento sustentável são construções sociais fru- sociedade tendo em vista a construção da justiça e igual-
to do embate político entre os vários atores em busca de dade social.
hegemonia de suas posições” (idem). Nesta perspectiva, o Essa é, sem dúvida, uma das razões da centralidade da
mercado e a visão economicista deixam de ter a centralida- educação para as estratégias de desenvolvimento defendi-
de e cedem lugar “a uma perspectiva de desenvolvimento da por diversos grupos no mundo, ao lado daqueles que
democrático, que se realiza na partição da riqueza social consideram a importância da educação seja em função das
e na distribuição do controle sobre os recursos, inclusive exigências decorrentes das mudanças científico-tecnológi-
os provenientes da natureza, explicitando o cunho político cas que ocorrem no mundo da produção e do trabalho,
desta apropriação” (idem). Em tal concepção de desenvol- seja em função de novas condições que as sociedades cada
vimento, que tem “a equidade como princípio da sustenta- vez mais complexas impõem à efetivação da cidadania.
bilidade”, fica claro que a desigualdade social e a degrada- Dessa forma, espera-se da educação e da escola que,
ção ambiental têm suas raízes no sistema capitalista. além do cumprimento das funções sociais e pedagógicas
Considerando esta última visão, entende-se, neste tex- que lhes são próprias, sejam indutoras de novas formas de
to, que a consolidação de um projeto de desenvolvimento sociabilidade humana que influenciem o padrão de desen-
no Brasil requer: a) a articulação entre democracia partici- volvimento e democracia.
pativa e democracia representativa; b) a inclusão social nos Há autores que advogam uma articulação estreita en-
processos concernentes à ampliação das oportunidades tre a ação pedagógica e o desenvolvimento, daí decorren-
produtivas e à melhoria da qualidade de vida; e c) a articu- do uma agenda a ser cumprida pela escola. Nessa visão,
lação institucional entre os entes e as diversas instâncias da a escola teria um papel central a desempenhar no projeto
Federação que seja expressa nos processos de formulação, de desenvolvimento. Todavia, muito embora seja uma va-
implementação e avaliação das políticas públicas. riável importante num projeto de desenvolvimento o en-
Esta posição apoia-se, de um lado, no pressuposto de volvimento da escola com a comunidade, é necessário ter
que o desenvolvimento se situa num campo de conflitos cautela nessa questão para evitar que a finalidade última
de interesse de grupos e classes sociais e, portanto, não da escola – a aprendizagem dos estudantes e a sua for-
é um fenômeno ou processo neutro; e, de outro lado, que mação como cidadãos –, seja subordinada aos objetivos
o desenvolvimento, por não se constituir em um fenôme- de projetos econômicos. Defende-se a tese de que quan-
no padronizado, é uma possibilidade aberta de construção to mais cumpre sua função social mais a escola contribui
de novas regras e práticas institucionais, a partir do en- para a formação de homens e cidadãos íntegros, críticos e
volvimento de múltiplos atores sociais. Essa compreensão participativos. Dessa forma, a inserção da escola na comu-
está subjacente aos conceitos de desenvolvimento local e nidade orienta-se por objetivos pedagógicos e valores da
desenvolvimento local sustentável, termos que aparecem cidadania.
constantemente na mídia, nos discursos e nos programas e Com essa perspectiva, abordaremos, neste tópico,
projetos de desenvolvimento. São termos igualmente po- aspectos importantes da escola pública, considerando o
lissêmicos, ou seja, termos que têm muitas significações e contexto sócio-político-econômico e os processos de glo-
que geram múltiplas interpretações. balização em curso no mundo e no Brasil, com seus desdo-
Nessa concepção de desenvolvimento local é atribuído bramentos no plano educacional. Para tanto, procuramos
ao indivíduo, na sua inter-relação com a sociedade local, o refletir sobre os limites e as potencialidades de a escola
protagonismo no desencadeamento de ações que visam à pública exercer sua função na realidade brasileira, median-
mudança. Esse assumir de responsabilidade é considerada te o levantamento de indicadores que sinalizam, de um
como uma das formas de garantir a sua sustentabilidade, o lado, para a continuidade do padrão excludente e seletivo
que implica uma mudança de postura e de comportamen- vigente na sociedade e, de outro lado, para as mudanças
to do indivíduo em sua relação com o contexto social e da positivas que estão ocorrendo em muitas esferas.
comunidade na qual está inserido. Têm sido várias as inicia- Vale a pena, contudo, enfatizar que debater a respon-
tivas oficiais e de instituições da sociedade civil que visam sabilidade da escola quanto à inclusão social significa, no
estimular as comunidades a assumirem um papel central fundo, discutir a possibilidade de uma nova organização
na história de construção de seu território. Isso tem sido societal capaz de garantir a plena cidadania de todos os

103
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

segmentos que a integram. Assim, quando se faz referên- melhor entender o cenário no qual se insere a escola no
cia à possibilidade de a escola, no Brasil, contribuir efetiva- Brasil. Os dados sobre a taxa de desemprego, a renda do
mente para o combate à exclusão social não se pode dei- trabalhador, escolaridade, dentre outros, possibilitam uma
xar de levar em conta que tal situação só será modificada compreensão mais ampliada dos fatores socioeconômicos
quando questões de ordem social, política e econômica que interferem na escola frequentada pelos brasileiros e os
forem equacionadas. Nessa direção, um passo importante caminhos que se vislumbram para sua melhoria.
será dado quando os governos, numa ação de colaboração
entre os entes federados, forem efetivamente capazes de Diminuiu o desemprego no Brasil?
estabelecerem políticas globais que favoreçam a inclusão.
Muito embora o Brasil, nas últimas décadas, tenha Nesse sentido, uma primeira pergunta se impõe: será
avançado no tocante à garantia dos direitos econômicos, que diminuiu o desemprego no país? Vamos procurar a
sociais e culturais, há certamente um longo caminho a resposta na PNAD: esta mostra que, muito embora tenha
percorrer para que sua aplicabilidade seja universal. É im- aumentado o número de empregos (3,3% em relação a
portante reconhecer o fosso que existe entre aqueles que 2003), com o acréscimo de 2,7 milhões de trabalhadores
gozam plenamente dos direitos de cidadania e aqueles que ocupados, durante o ano de 2003, o que fez cair a taxa
não desfrutam das mínimas condições de sobrevivência. E de desemprego de 9,7% para 9%, o país ainda apresenta
esses cidadãos, que constituem um grande contingente um quadro preocupante, com 8,2 milhões de desempre-
da população brasileira, estão a clamar por justiça social e gados. Diante desse quadro, pode-se perguntar: quais são
igualdade de oportunidades em todos os campos. os principais fatores que concorrem para o desemprego no
Para diminuir essa distância, é necessário que o poder país? Muitas são as respostas que os analistas da política
público, nas diversas instâncias, desenvolva políticas públi- econômica apresentam, contudo, duas explicações, dentre
cas em todos os campos, de modo a garantir a efetiva- outras, parecem ser mais convincentes. Na perspectiva de
ção desses direitos, e que a população, mediante ação dos alguns analistas, deve-se essa taxa de desemprego no país,
setores organizados, participe ativamente da formulação principalmente, a dois fatores: a) as mudanças que ocorre-
e implementação das políticas que tenham a igualdade ram na economia brasileira provocadas pela abertura co-
como cerne. Nesse processo, vale destacar, a educação é mercial, com ganhos expressivos de produtividade e corte
portadora de uma promessa fundamental: contribuir para de postos de trabalho; e b) o baixo crescimento econômico
dotar a sociedade de mecanismos e instrumentos que pos- que marcou a segunda metade da década de 1990 e o co-
sibilitem acessar e cobrar legitimamente os direitos da ci-
meço dos anos 2000.
dadania, os quais, no Brasil, estão inscritos na Constituição
A indústria procurou se modernizar para se adaptar à
Federal.
competição, demitindo mais ou contratando menos e ele-
O retrato da escola no Brasil revela com muita nitidez
vando a produtividade. Como demanda serviços de outros
a existência desse enorme fosso social e as estatísticas
setores, o ajuste da indústria se espalhou por toda a eco-
mostram em que medida a desigualdade tem decresci-
nomia. Um dos desdobramentos dessa situação pode ser
do no país. O conhecimento desses dados e a discussão
contextualizada sobre os mesmos constituem requisitos visto em relação aos jovens, às mulheres e aos negros: são
importantes para a construção solidária de caminhos que os mais afetados no que tange aos problemas relacionados
permitam à escola cumprir a sua função social em favor da ao emprego. Os jovens, que representam 47% da popula-
formação cidadã. ção desempregada, continuam com grandes dificuldades
de encontrar oportunidades de emprego, mesmo quan-
Muito embora o Brasil, nas últimas décadas, tenha do terminam a universidade. Os empregos mais acessí-
avançado no tocante à garantia dos direitos econômicos, veis são, em geral, de baixa remuneração, precários e sem
sociais e culturais, há certamente um longo caminho a per- atrativos. No caso das mulheres e dos negros, além de se
correr para que sua aplicabilidade seja universal. defrontarem, frequentemente, com práticas preconceituo-
sas e discriminatórias, que se traduzem nas dificuldades de
1.1 Manchete de jornal: “Rico empobrece e desi- conseguirem emprego, ainda recebem baixos salários ao
gualdade diminui” realizarem o mesmo trabalho. Analisando-se esse quadro,
observa-se que a taxa de desemprego das mulheres é 50%
“Rico empobrece e desigualdade diminui”. Essa é a mais alta do que a dos homens e que o desemprego é mais
manchete publicada no jornal noticiando, mais uma vez, alto entre mulheres e negros do que entre homens bran-
os resultados da PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra cos, com os mesmos níveis de escolaridade.
de Domicílios) de 2004, divulgada em 25 de novembro de
2005, pelo IBGE. Tal manchete poderia induzir o leitor a Diminui o número de empregos na faixa com ensi-
ver com otimismo a situação nacional, nos primeiros anos no fundamental incompleto
deste século, se não atentasse para o que esses números
revelam sobre a situação dos brasileiros e brasileiras no Analisando-se a situação de emprego no país, verifi-
tocante à renda, ao trabalho e à educação, entre outros ca-se que o mercado de trabalho se fecha para os traba-
indicadores. lhadores com menor índice de escolaridade: de 2003 para
A PNAD traça um retrato bem detalhado do país. 2004, o número de empregos na faixa com ensino funda-
Vamos ver o que dizem as estatísticas para que se possa mental incompleto (até sete anos de estudo) caiu 1,1%,

104
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

equivalente a 436 mil vagas a menos nesse contingente. O O que muda na desigualdade da renda do trabalho?
ganho de emprego se concentrou entre os que estudaram
mais. No segmento com mais de 11 anos de estudo (ao Os dados revelam que a renda média do trabalhador
menos o ensino médio completo) ocorreu um crescimento permaneceu estagnada, sem apresentar recuperação das
de 8,1% em relação a 2003. Analisando esses dados, o eco- perdas que ocorrem desde 1996, quando a renda atingiu
nomista Marcelo de Ávila, do IPEA (Instituto de Pesquisa seu ponto mais alto. Todavia, considerando esse quadro,
Econômica Aplicada), chama a atenção para o lado perver- analistas mostram que, mesmo não ocorrendo um cresci-
so deste movimento, tendo em vista que “a grande oferta mento na renda, outros fatores como o recuo da inflação e
de trabalhadores qualificados impede o avanço do rendi- o aumento real do salário mínimo contribuíram para uma
mento, já que sobra mão-de-obra de qualidade e as firmas melhor distribuição da renda e do trabalho. Com efeito, a
podem contratar esses profissionais pagando menos”. Os renda média cresceu 3,2% para a metade dos trabalhado-
dados comprovam que o contingente com menos de sete res que ganham menos e caiu 0,6% nos 50% que ganham
anos de estudo perdeu espaço no mercado de trabalho: mais.
a taxa passou de 50,6% em 2003 para 48,6%. Esses dados
mostram, de uma determinada perspectiva, a necessidade A participação na renda dos 50% mais pobres cres-
que o país tem de ampliar a oferta da escolarização básica, ceu entre 2002 e 2004
ou seja, de garantir que o estudante efetivamente cumpra
as etapas do Ensino Fundamental e Médio, muito embo- Os dados apresentados reforçam o que tem sido uma
ra todos saibam que as razões que geram essa situação das características do Brasil: a permanência da forte con-
estão situadas no plano econômico-político. Examinemos centração de renda mesmo quando se observa alguma va-
um pouco mais a PNAD e vejamos como se comportam as riação em relação àqueles que se encontram na base da
estatísticas em relação à situação da mulher no mercado pirâmide social. Com efeito, em relação à concentração de
de trabalho. renda, verifica-se uma queda no rendimento dos mais ri-
cos: de 1966 a 2004, a renda média dos 10% com maiores
O nível de ocupação das mulheres foi o mais alto ganhos caiu 22,7% e o rendimento médio dos 50% de tra-
balhadores com menor renda teve uma queda menor, de
desde 1992
4,31%. Esse quadro mostra que, embora ambos os grupos
tenham perdido, houve uma melhoria na distribuição de
Quando a análise focaliza a situação da mulher no
renda, tendo em vista que os mais pobres perderam menos
mercado do trabalho, os dados permitem constatar que
do que os mais ricos. Todavia, é importante destacar que
apesar de ter elevado a presença no emprego, esse é de
ainda estamos longe de um patamar de equidade de renda
pior qualidade e menor remuneração. Com efeito, o em-
no Brasil, considerando o elevado grau de concentração de
prego feminino cresceu mais (4,5%) do que o masculino
renda e a magnitude das desigualdades sociais que ainda
(2,4%), no entanto, o emprego sem carteira, que paga
imperam no país.
salários menores, aumentou 12,3% em 2004. Uma outra
situação correlata chama a atenção: persiste a diferença A população brasileira está mais velha
de renda – os homens ganhavam, em média, R$ 835, e as
mulheres, R$ 579. Permanece ainda a discriminação com Em relação à estrutura etária da população, a tendência
relação à participação das mulheres no mercado de tra- revelada nas pesquisas do IBGE mostra que a população
balho quando se observa que tal participação ainda está brasileira está mais velha. O país já tem 120 idosos para
20 pontos abaixo da taxa masculina. Essa diferença ganha cada 100 crianças. O número de idosos passou a ser maior
cores vivas quando se verifica que, muito embora a oferta do que o de criança a partir de 2002. Em 2004, a relação já
de emprego seja crescente para as mulheres, “há nichos era de 120,1 idosos para cada 100 brasileiros com menos
ocupacionais de pouco prestígio, pouco poder e salários de cinco anos de idade. Tal quadro interfere nas opções
baixos que concentram muito da força de trabalho femi- concernentes às políticas públicas.
nina. O principal dentre tais nichos é a área de serviços Alguns analistas observam que se há um contingente
domésticos, onde 95% do setor é composto por mulheres” menor de crianças, poderão sobrar mais recursos para au-
(UNCT, p. 9). É, também, reduzido o acesso das mulheres mentar o gasto com a escola pública. Por outro lado, ha-
às posições de gerência e os salários são mais baixos para verá um contingente crescente de aposentados que devem
as mulheres nos mesmos cargos. Observa-se que, dada ser sustentados, do ponto de vista da previdência pública,
esta permanente discriminação, quanto mais elevado o ní- por um número cada vez menor de jovens e adultos em
vel educacional, maior a diferença. As mulheres enfrentam idade ativa, o que é um fenômeno mundial. Uma das expli-
também taxas mais elevadas de desemprego e subempre- cações para este fenômeno é a queda na taxa de fecundi-
go. Passemos a observar, a seguir, o que vem acontecendo dade da mulher brasileira. Neste ano, assim como já havia
em relação à renda obtida pelo trabalhador, o que nos acontecido no ano anterior, ela chegou a 2,1 filhos por mu-
permite refletir sobre a qualidade de vida numa economia lher. Ao mesmo tempo em que nascem menos brasileiros,
de mercado, considerando o quadro de desigualdade do aumenta também a expectativa de vida dos mais idosos.
país. A queda na fecundidade e o aumento da população idosa
são uma tendência verificada em todas as regiões do Brasil,

105
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

mas seus efeitos estão mais acelerados nas regiões Sul e de 5 e 6 anos, onde a porcentagem de crianças fora da es-
Sudeste. Tendo em vista que esse fenômeno é decorren- cola caiu de 21,3% para 18,2%. Na faixa de 7 a 14 anos não
te, sobretudo, do acesso às informações entre as mulheres houve variação de 2003 para 2004 nesse percentual, que
em termos de opção do controle da natalidade e, de outro ficou em 2,8%. De 15 a 17 anos também houve tendência
lado, por conta do acesso aos serviços de saúde pública de estabilidade, mas com ligeiro aumento de 17,6% para
e avanços das ciências médicas no controle das doenças, 17,8%. Esses dados levam o mesmo pesquisador a consi-
melhor padrão de alimentação, cuidado com o corpo, dis- derar que “a estabilidade na taxa de escolarização de 7 a
seminação das informações sobre saúde e doença, pode- 14 anos é preocupante. O aumento de 9.400 no número de
-se afirmar que é necessário investir nesse segmento para crianças fora da escola de 2003 a 2004 de 7 a 14 não é nada
sua maior qualificação, o que tem a ver com as condições positivo, já que o ensino nesta faixa é obrigatório desde
socioeconômicas e com a educação. 1971”. Mas aponta um dado positivo importante: “O que é
positivo é a melhora da média de anos de estudo, fato que
Acréscimo de 1 milhão de novos estudantes entre provavelmente está ligado aos programas de correção de
2002 e 2004 fluxo escolar”. Esses dados relativos à educação que foram
aqui retratados traduzem, de certo modo, a desigualdade
Em relação ao ensino, constata-se que o setor priva- no país e induzem a uma reflexão crítica a respeito da má-
do ampliou seu espaço na educação brasileira de 2001 a xima anunciada, ao longo das décadas, que a educação,
2004. As escolas e universidades particulares atendiam, em como direito inalienável dos seres humanos, é indispen-
2001, a 9,1 milhões de alunos. Quatro anos depois, passa- sável para promoção do desenvolvimento. A análise do
ram a atender a 10,3 milhões, ou seja, sua participação no padrão educacional brasileiro suscita perguntas quanto à
total de estudantes passou de 17,9% para 19,4% do total. situação da educação básica de outros países.
Contudo, essa variação foi diferenciada entre os níveis de
ensino. No nível superior, as instituições de ensino parti- 1.2 O que ocorre com a educação em outros países?
culares cresceram 36,4% em número de alunos, passando
a absorver 948 mil estudantes a mais. Já no ensino médio, Com efeito, se nos reportarmos aos objetivos de de-
o efeito foi justamente o contrário, e o setor privado dimi- senvolvimento que os Chefes de Estado e de Governo de
nuiu 24,9%, perdendo 477 mil alunos. Com isso, as esco- 189 países se comprometeram a cumprir, para o ano de
las privadas de ensino médio, que antes atendiam a 21,4% 2015, durante a Cúpula do Milênio das Nações Unidas, ce-
do total de estudantes, perderam espaço para as públicas lebrada em 2000, ficaremos com a sensação de otimismo.
e representavam, no ano passado, apenas 15,1% do total Naquela ocasião foram priorizados como Objetivos do Mi-
de alunos. Alguns analistas, para explicarem esta situação, lênio – componentes da agenda global do século XXI, o
consideram a possibilidade de estar havendo alguma mi- que segue:
gração das escolas particulares para as públicas, tendo em 1. Erradicar a extrema pobreza e a fome;
vista a dinâmica de expansão da educação pública que 2. Atingir o ensino básico universal;
pode absorver parte da demanda que era da rede privada. 3. Promover a igualdade entre os sexos e a autono-
A PNAD 2004 mostra também que o ritmo de redução na mia das mulheres;
taxa de analfabetismo adulto continua lento. 4. Reduzir a mortalidade infantil;
5. Melhorar a saúde materna;
Cai a taxa de analfabetismo das pessoas acima de 6. Combater o HIV/AIDS, a malária e outras doen-
15 anos ças;
7. Garantir a sustentabilidade ambiental;
De fato, observa-se que o número de analfabetos com 8. Estabelecer uma parceria mundial para o desen-
mais de 15 anos de idade, que era de 14,788 milhões em volvimento.
2002, caiu para 14,654 milhões em 2004, o que constituiu
uma redução de 134 mil analfabetos. Com isso, a taxa foi
Contudo, o otimismo logo diminui quando se tem em
diminuída de 11,8% em 2002 para 11,2% no naquele ano.
mãos, cinco anos depois, os números apresentados pela
Analisando esta situação, José Marcelino Pinto observa que
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência
“A redução do analfabetismo parece ocorrer muito mais
e a Cultura (Unesco) em seu último informe, no qual res-
por um movimento inercial, em razão da morte das gera-
salta que ainda falta muito para se alcançar um direito bá-
ções mais velhas, do que pelo efeito de eventuais políticas
sico: a alfabetização. A Unesco aponta, neste trabalho, que
para a área, que são inconsistentes e intermitentes”. Con-
tudo, de outro lado, não se pode deixar de reconhecer que a quinta parte da população adulta do planeta não tem
ocorreram algumas mudanças positivas. acesso à educação e, portanto, não sabe ler nem escrever.
Destaca que em 12 países se reúnem as três quartas partes
Aumentou o número de anos médio de estudo dos analfabetos do mundo. A Ásia meridional e ocidental
apresenta uma taxa de alfabetização de apenas 58,6%, se-
Todos os dados de alfabetização e escolarização de- guida pela África Subsahariana (59,7%) e os estados árabes
monstraram avanços quando comparados com os da déca- (62,7%). A situação na América Latina e Caribe também é
da passada. Na comparação de 2003 para 2004, a única fai- preocupante. Segundo este informe, mais da metade dos
xa etária do ensino básico onde foi verificado avanço foi na países da região investem em educação menos de 5% de

106
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

seu produto interno bruto (PIB), e alguns governos apenas acesso e permanência bem-sucedida dos estudantes nas
1% a este setor. Como podemos verificar, a problemática redes escolares. As obrigações do poder público em rela-
relativa à educação dos povos constitui uma preocupação ção ao campo educacional estão também definidas na Lei
mundial o que se explica pela centralidade que o conhe- de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Em relação ao
cimento assumiu nos processos produtivos e nos desafios acesso à escola, a LDB, no art. 5º (incisos I, II, III), é muito
para o exercício da cidadania plena no mundo contempo- clara ao definir as responsabilidades das diversas instâncias
râneo. e dos gestores da escola, a saber:
I – recensear a população em idade escolar para o
1.3 As políticas e a gestão da educação básica no ensino fundamental, e os jovens e adultos que a ele não
cenário de desigualdades tiveram acesso;
II – fazer-lhes a chamada pública;
Considerando essas informações que nos permitem ter III – zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela fre-
mais clareza sobre diversos aspectos da educação no con- quência à escola;
texto mundial, vamos analisar de modo sucinto o que tem
sido feito pelo poder público nesta seara, no Brasil. Um dos Cumprir essas exigências da LDB requer dos sistemas
caminhos para efetivar tal análise é considerar o que reza a de ensino e das escolas capacidade pedagógica e admi-
Constituição Federal de 1988 sobre a educação. A educa- nistrativa para a instituição de condições favoráveis ao de-
ção é definida no artigo 205, transcrito a seguir, como um sempenho das mencionadas responsabilidades. Isso não
direito de todos e um dever do Estado: A educação, direito constitui, no entanto, uma tarefa simplesmente técnica,
de todos e dever do Estado e da família, será promovida dado que implica tomada de decisão política de governos
e incentivada com a colaboração da sociedade, visando nas diversas instâncias.
ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o Vejamos alguns exemplos: se em um determinado
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. município não ocorreu, nas instâncias competentes, uma
Isso significa que todo cidadão tem direito ao acesso, à definição política no sentido de priorizar investimentos na
permanência e de ser bem-sucedido na educação escolar rede de ensino, como poderá ser ampliado o parque es-
básica. colar ao ser constatado um aumento de demanda por en-
A responsabilidade de assegurar este direito é, sobre- sino fundamental? Se não forem criados mecanismos que
tudo, do Estado e, por conseguinte, dos governos nas três permitam acompanhar o desempenho pedagógico dos
esferas jurídico-administrativas: União, estados e municí- estudantes como um dos requisitos do Projeto Político-
pios. Sem dúvida, a ação do Estado, com a colaboração -Pedagógico da escola, como será possível “zelar pela fre-
da família e da sociedade, é imprescindível neste campo, quência à escola” exigida em lei, sem que isso se torne uma
principalmente em um país que apresenta um quadro de tarefa meramente burocrática sem efeitos relevantes para
desigualdades sociais como o Brasil, produzidas que são a aprendizagem? Nessa mesma linha de raciocínio, passe-
no âmbito do capitalismo mundial. O Estado intervém no mos a analisar o artigo 12, incisos VII e VIII da LDB, quando
campo educacional mediante um conjunto de políticas explicita mais uma vez as obrigações e responsabilidades
públicas que são formuladas e desenvolvidas nessas três dessas instâncias, ou seja:
instâncias, muitas vezes com a participação da sociedade VII - informar os pais e responsáveis sobre a fre-
civil (comunidades, entidades não-governamentais, sindi- quência e o rendimento dos alunos, bem como sobre a
catos, entre outros) e que são traduzidas em programas, execução de sua proposta pedagógica;
projetos e ações, sejam de abrangência nacional, estadual VIII – notificar ao Conselho Tutelar do Município,
ou municipal. A Constituição Federal atribui ao Estado a ao juiz competente da Comarca e ao respectivo repre-
obrigatoriedade de garantir os direitos econômicos, sociais sentante do Ministério Público a relação de alunos que
e culturais para todos os brasileiros. Isso significa que a apresentem quantidade de faltas acima de cinquenta
Constituição brasileira incorpora a universalidade e a in- por cento do percentual permitido.
divisibilidade dos direitos humanos que se expressam na
garantia dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao Atender ao disposto no inciso VII deste artigo da LDB
lazer, à segurança, à previdência social, à proteção à mater- implica, para as redes de ensino e para as escolas, o com-
nidade e à infância e à assistência aos desamparados. prometimento com a construção de um projeto político-
Cada governante, ao assumir o cargo, tem, como é de -pedagógico cujas dimensões pedagógicas e administrati-
praxe (pelo menos, formalmente), um programa a ser exe- vas sejam contempladas em ações concretas do cotidiano.
cutado e, ao mesmo tempo, é chamado a decidir sobre a Nessa perspectiva, o fato de manter os pais e responsáveis
continuidade de certas ações iniciadas no governo ante- atualizados quanto ao desempenho escolar do estudante
rior. Tem ocorrido, com muita frequência, com a mudança já se configura como resultado de determinadas concep-
dos governos, uma interrupção nas ações pedagógico- ções, opções e práticas pedagógicas efetivadas no dia-a-
-administrativas que vêm dando certo, o que prejudica o -dia da escola. Sabemos todos que, por várias razões, nem
atendimento das demandas da população. Constatada tal sempre a lei é cumprida. Em relação a tal circunstância, o
situação, cabe aos setores organizados da sociedade me- povo é sábio quando menciona que a “lei é morta”. Ora, é
diar o processo de demandas da população junto a essas preciso atentar ao fato de que manter viva a lei que traduz
instâncias, especialmente no que diz respeito à garantia de o direito à educação não só depende do nível de organiza-

107
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

ção da população como também da capacidade que tenha 2.1 A escola e o desenvolvimento local: a interação
esta população organizada de exigir a sua aplicação. Não possível
podemos esquecer: foi fruto dessa organização e das lutas
sociais que se configuraram ao longo do tempo os siste- Com as críticas crescentes à globalização neoliberal
mas educacionais. que aprofunda a desigualdade social e que se expressa na
exclusão social, o desenvolvimento local passa a ser con-
II – A garantia do acesso a uma escola de qualidade siderado uma saída para a questão da pobreza, das de-
como uma das condições de desenvolvimento do país sigualdades pessoais e regionais e da própria questão da
sustentabilidade. Mesmo que o debate sobre esta questão
Os sistemas nacionais de educação, no formato que ainda mostre muitas ambiguidades, importa destacar que
temos hoje, surgiram, no mundo ocidental, no momento o tema desenvolvimento local sustentável está na pauta.
em que despontavam os Estados Nacionais e se firmavam Esta proposta, que contempla uma concepção de desen-
as bases da moderna sociedade democrática. “A emergên- volvimento “de baixo para cima”, incorpora uma visão mais
cia do indivíduo – o ser livre para tomar decisões, ter e orgânica do desenvolvimento. Tem como característica
exprimir opiniões – e a de um ideal de igualdade condu- principal a valorização da identidade sociocultural de cada
ziram à construção de um conceito de cidadania onde to- território, apoiando-se nas associações comunitárias e nas
das as pessoas participam da vida nacional, reivindicando instituições locais. Visa ao fortalecimento e à diversificação
e exercendo direitos, conhecendo e praticando deveres, da economia local como condição para alcançar uma ver-
a partir de um conjunto de normas jurídico-políticas que dadeira melhoria na qualidade de vida das pessoas.
regulamentam o convívio social, determinando os limites Os setores que defendem essa concepção afirmam que
entre o individual e o coletivo, entre o público e o priva- uma proposta dessa natureza não pode ser concretizada
do. E caberia à escola a transmissão e consolidação des- apenas pelo Estado. Ela requer a congregação de esforços
ses novos valores” (Fogaço 1998: 11). A educação escolar, de outros agentes e instâncias e a participação dos setores
ao internalizar princípios e valores, teria como um de seus organizados da sociedade civil. Nessa dinâmica, a escola
também é envolvida no que se relaciona com os proces-
principais objetivos contribuir a socialização, em sentido
sos formativos. A escola está situada em um determinado
amplo, envolvendo todos os aspectos da vida em socie-
espaço e pode desempenhar um papel importante no seu
dade. Tendo em vista o cumprimento deste papel, a escola
entorno visando contribuir para o exercício coletivo da ci-
não deve se descurar da preparação para o exercício da
dadania. Dependendo do nível de inserção e compromisso
cidadania. Nessa direção, a história mostra que nos paí-
com a comunidade, a escola constitui um espaço estraté-
ses que investiram na educação, os sistemas nacionais de
gico para o desenvolvimento de ações coletivas que mate-
educação chegaram, mais rapidamente, à universalização
rializam o exercício de sua função social. Esse papel não é
do ensino elementar, inclusive como um produto das lutas
fácil de ser exercido, haja vista que a escola, no Brasil, está
sociais por maior igualdade de oportunidades. imersa nas relações sociais capitalistas que põem limites à
De fato, nos países do capitalismo avançado, ainda sua ação. Contudo, de modo contraditório, a escola pode
que a universalização do ensino elementar não tenha sig- contribuir, sobretudo, com a indução sistemática quanto à
nificado para todos o mesmo patamar de ascensão social, necessária articulação entre as ações pedagógicas e políti-
certamente garantiu a disseminação de princípios e valo- cas para a formação de um cidadão crítico e criativo capaz
res relativos ao exercício da cidadania, bem como a base de concorrer para as mudanças profundas na sociedade.
de conhecimentos necessária a todos os indivíduos, o que Daí a importância de se buscar a construção coletiva do
influenciou a estruturação de sociedade menos desiguais. projeto político-pedagógico que se constitua efetivamente
De fato, “sem querer atribuir à escola uma influência maior o norte das ações pedagógicas e curriculares desenvolvi-
do que ela possa ter, pode-se afirmar que, no mundo das pela escola.
desenvolvido, a educação escolar colaborou fortemente A realidade socioeconômica brasileira traz para o in-
para que se estruturassem sociedades menos desiguais, terior da escola situações e problemas que ultrapassam a
instrumentalizando os indivíduos para uma participação sua capacidade de atuação, a exemplo do desemprego es-
mais efetiva tanto no nível sócio-político quanto no ní- trutural que atinge os jovens. Como já referido, os dados
vel produtivo” (idem). Na América Latina, este movimento do IBGE mostram que parcela significativa dos jovens não
ocorreu diferentemente. Como afirma Fogaço, ao subde- encontra trabalho. Os jovens são vítimas desse processo e
senvolvimento econômico correspondeu um “subdesen- são atingidos em sua autoestima, tomando, muitas vezes,
volvimento sócio-político”, gerando sociedades marcadas caminhos que deságuam na violência. Apresenta-se, assim,
pelas desigualdades, nas quais CIDADANIA quase sempre nesse contexto, um grande desafio para a escola: contri-
é sinônimo de PODER ECONÔMICO. A educação escolar buir com a formação cidadã dos jovens. O desafio maior é
se implantou com um caráter altamente seletivo, transfor- exercer essa função em ambientes desfavoráveis. Todavia,
mando-se em importante instrumento de legitimação das em que pese a baixa expectativa que reina na sociedade
desigualdades existentes. O que ocorreu no Brasil não foi em função da falta de oportunidades de trabalho, a escola
diferente. precisa participar no esforço de favorecer a construção de
perspectivas para os estudantes, bem como para a comuni-
dade em que está inserida. A cidade e o bairro são espaços

108
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

sociais que compõem, juntamente com a escola, o ambien- medidas políticas que garantam às crianças e aos jovens a
te de formação das crianças e jovens matriculados no siste- inserção no mundo do trabalho, na convivência social e fa-
ma público de ensino. A escola precisa nesse território pro- miliar exercitando a sua cidadania. Isso, por certo, constitui
mover o debate do contexto social, das políticas públicas, um processo, mas, enquanto não avança a escola de tempo
com a finalidade de contribuir para a ampliação de espaços integral, é importante a construção de espaços que opor-
onde a juventude possa exercitar uma ocupação cidadã. tunizam sua ocupação cidadã. Espaços que contribuam
Projeto de vida do estudante, projeto de desenvolvimen- para que estes se tornem sujeitos de direito capazes de
to local e projeto político-pedagógico precisam ter estreita intervenção no espaço público e na organização da popu-
relação. A escola precisa saber o que está acontecendo no lação juvenil; que ampliem a sua capacidade de sonhar, de
seu bairro. A escola precisa saber e colaborar com a cons- defender seus direitos, de exercer a cidadania e de projetar
trução de novas perspectivas para os estudantes. o futuro.

2.2 A realidade local como objeto de atenção e es- III – Conselho Escolar: incentivador da articulação
tudo da escola escola/sociedade

Para exercer um papel ativo junto aos estudantes, no Pretende-se neste tópico possibilitar aos diferentes
sentido de assegurar condições satisfatórias às aprendi- segmentos que compõem a unidade escolar e a comuni-
zagens significativas, a escola precisa debater os aspectos dade local, especialmente aos membros do Conselho Esco-
econômicos, políticos e sociais do local em que está inseri- lar, identificar na sociedade brasileira práticas emergentes
da. Desse modo, em relação à dimensão econômica, é ne- que favorecem a construção da cidadania. Práticas sociais
cessário tomar conhecimento e pôr em discussão o Plano as mais diversas, que são traduzidas numa intensa eferves-
Diretor da cidade que lhe permita identificar a projeção de cência cultural e social, passam despercebidas ou não são
empreendimentos que vão alterar a vida do bairro, quer legitimadas ou apoiadas não só pela escola, como também
seja em decorrência da implantação de indústria ou de pólo pelos sistemas de ensino, ou mesmo, pela sociedade. O
industrial, comercial ou de serviço, quer seja em virtude da que mais se evidencia é a existência de um discurso institu-
implantação de projeto de urbanização ou construção de cional que insiste em ignorar a capacidade de intervenção
rodovias de grande porte que terá impacto no bairro, entre e as ações que estão em marcha, organizadas pelas comu-
outros. Impõe-se, do mesmo modo, o conhecimento das nidades, visando à construção de um mundo mais igual,
potencialidades locais, das riquezas materiais e culturais, ético, fraterno e solidário.
da vocação econômica local, da economia informal, dentre Perceber, compreender, criticar e, se necessário, alterar
outras. Apreender a dimensão sociocultural implica o co- a sua prática pedagógica constitui um desafio para a es-
nhecimento de lugares de aprendizagens diversos, sejam cola, o que pode ser efetivado mediante um conjunto de
institucionais – como espaços culturais governamentais, as ações norteadas pelo projeto político-pedagógico cons-
organizações não-governamentais (ONGs) que desenvol- truído coletivamente. Nessa direção, pode-se considerar a
vem projetos socioeducativos na busca da atenção e do multiplicidade de formas de atuação ao alcance das escolas
reforço da aprendizagem escolar – ou não institucionais. e de seus profissionais, tais como: ν mapear as organiza-
Neste caso, há diversas comunidades de interesse or- ções populares existentes no bairro; ν promover assem-
ganizadas pelos jovens que promovem as festas do bairro, bleias externas, em parceria com as entidades da sociedade
a vida religiosa, a comunicação ( jornais, rádio comunitária, civil, para analisar ou propor políticas de desenvolvimento
novenas, cultos religiosos diversos, associação de amigos), local; ν inventariar a situação do bairro com o objetivo de
entre outras. Em se tratando de esportes e lazer, é possível compreender o contexto social, econômico e político, o
encontrar diversos grupos de jovens executando ou inte- que significa entender o bairro, suas perspectivas, poten-
ressados em iniciar algum tipo de atividade dessa natureza. cialidades, projetos do setor público e do setor privado que
É importante considerar como lugares de aprendizagens o modificarão a vida local.
movimento ecológico, de gênero, étnico ou de defesa de Há um razoável consenso entre os educadores que o
direitos, a exemplo do movimento de defesa dos direitos projeto político-pedagógico, construído de forma coleti-
dos meninos e meninas de rua e do movimento dos sem- va e participativa, constitui o norte orientador das práticas
-terra. A escola deve estar atenta, também, ao fato de que curriculares e pedagógicas na escola. De fato, no âmbito da
nas periferias das grandes cidades, particularmente, crian- escola, o exercício da participação que caracteriza a ges-
ças e jovens vivem em contextos socioeconômicos que os tão democrática abre novas possibilidades de organização
colocam em situação de vulnerabilidade e risco social. Nas pedagógica que favorecem, de um lado, a instauração do
ruas, ou imersos no mundo do trabalho infantil, crianças respeito à individualidade do estudante e ao seu percur-
e jovens transformam-se em ambulantes, biscateiros, ca- so de aprendizagem e, de outro lado, contribuem para o
tadores de lixo, carregadores de compras, marisqueiros, crescimento profissional dos educadores que partilham
empregadas domésticas, babás, ajudantes de oficinas etc., do trabalho coletivo. O Conselho Escolar pode exercer um
muitos deles constrangidos a fazer “bicos” para auxiliar o papel relevante na gestão escolar (pedagógico-administra-
orçamento familiar ou participar de outros tipos de ativi- tiva) contribuindo para a construção e implementação do
dades que se conflitam com a lei. São circunstâncias deter- projeto político-pedagógico da escola e para o alargamen-
minadas pela conjuntura sócio-histórica que estão a exigir to do horizonte cultural dos estudantes. Nesse processo,

109
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

o Conselho Escolar, ao atuar plenamente, no sentido de ção. Mesmo porque esses profissionais também enfrentam
contribuir com a ampliação das oportunidades de aprendi- situações desgastantes na luta pela sua afirmação pessoal
zagens dos estudantes, não só se fortalece como instância e profissional numa sociedade competitiva e excludente.
de controle social como também auxilia a escola pública no O que pode contribuir para alterar esse quadro de
cumprimento de sua função social. incertezas e de dificuldades de toda ordem é levar todas
essas questões ao debate no coletivo da escola, expor as
3.1 Conselho Escolar e a articulação com a comu- contradições que afloram permanentemente na prática
nidade pedagógica, não se deixar intimidar pelo volume dos pro-
blemas e pela precariedade de recursos que poderiam ser
Nessa direção, a escola pode propiciar a organização acionados visando à sua superação. Debater as situações
de situações que favoreçam ao estudante efetivar aprendi- problemáticas, tomar decisões, desenvolver e avaliar as
zagens que o leve a valorizar a história do seu bairro, dos ações pedagógicas e administrativas, nos colegiados, pa-
líderes populares do seu lugar, da sua raça, do seu gênero recem ser formas bem-sucedidas de lidar com as inúmeras
e da sua classe social. Incentivar no corpo discente o de- questões sociais e pedagógicas que emergem no cotidiano
senvolvimento de posturas solidárias, críticas e criativas e da escola.
propiciar a organização de situações que induzam o estu-
dante a lutar pelos seus sonhos são tarefas de uma escola 3.2 A participação nos projetos comunitários
comprometida com a formação cidadã. Nesse sentido, a
escola pode realizar atividades que despertem o senso es- Nessa perspectiva, a escola pode procurar interagir
tético, concorrendo, assim, para a vivência mais plena dos com os projetos comunitários, de natureza socioeducativa,
estudantes, como seres humanos sensíveis, mesmo que que visem promover o ingresso, o regresso, a permanência
estes convivam em ambientes pouco estimuladores da be- e o sucesso dos estudantes na escola. Estrategicamente, a
leza que a natureza e a produção cultural da humanidade escola e o sistema de ensino podem aproveitar a existência
oferecem. Incentivar e desenvolver atividades pedagógicas desses projetos para discutir, apreciar e avaliar as condições
que permitam aflorar a sensibilidade e o bom gosto dos de infraestrutura e pedagógicas locais, com o propósito de
estudantes pode ser um objetivo relevante da escola. implantar de forma progressiva e criativa o tempo integral,
Quantas e quantas vezes os estudantes se deparam, já sinalizado na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Na-
em seu dia-a-dia, com paisagens portadoras de beleza cional e, de há muito tempo, uma realidade em países que
que suscitam emoções, como uma árvore florida que reluz alcançaram melhores patamares na oferta da escolarização
quando os raios de sol iluminam sua copa, e não chegam às suas populações.
a perceber essa dádiva generosa que a natureza oferece
pois não tiveram a oportunidade de aprender a observar e Enfim, incentivar a constituição de projetos de vida dos
a curtir o que de valioso lhes cercam? Cabe à escola propi- estudantes articulados aos movimentos que visam à cons-
ciar tais oportunidades de vivências de experiências posi- trução coletiva do projeto de bairro, da cidade e da nação
tivas e gratificantes, concorrendo, assim, para, de um lado, é um desafio. Projetos de vida que significam crescimento
suavizar um pouco o desgastante cotidiano da maioria das pessoal e profissional, considerando a sociedade complexa
crianças e jovens do Brasil e do planeta e, de outro lado, e contraditória na qual o estudante se situa. Contribuir para
suscitar nos estudantes o desejo de lutar para transformar que o estudante se reconheça como ser histórico e que faz
as condições adversas que tanto dificultam a realização a história em suas ações cotidianas e em interação com o
plena dos homens e das mulheres nessa sociedade marca- outro é papel da escola. Esse reconhecimento do estudan-
da pelo signo da exploração econômica. te como ser histórico, capaz de, ao longo do tempo e em
É necessário atentar que para possibilitar um ambien- processos de lutas coletivas, mudar as condições de vida
te favorável às aprendizagens significativas das crianças e e as relações sociais de trabalho nessa sociedade, valoriza
jovens que se encontram em situação de maior vulnerabi- a ação da escola. Nessa direção, são variadas as ativida-
lidade (como bem evidenciam as manchetes que apontam des de cunho pedagógico que podem ser desenvolvidas
para as estatísticas de violência, desemprego, gravidez in- na escola e na comunidade com a participação decisiva do
desejada e precoce e restritas oportunidades culturais e de Conselho Escolar. São atividades propostas, discutidas, de-
lazer), a escola depende, em boa parte, da ação solidária e senvolvidas e avaliadas por docentes em sua relação com
colaborativa da comunidade local em relação às suas pro- os estudantes, bem como por outras instâncias da escola
postas pedagógicas. Crianças e jovens, habituados e fas- e pelo Conselho Escolar. Atividades essas que mantém um
cinados pela vida livre das ruas, sem limites e regras, têm vínculo direto com os objetivos e propósitos do projeto
dificuldade de adaptação à “estrutura tradicional” da esco- político-pedagógico, como pode ser observado nos itens
la. Ou seja, encontram sérias dificuldades em cumprir os que seguem.
rituais característicos da escola, tais como observar os ho-
rários, acatar determinações superiores, respeitar as regras
de convivência social, realizar tarefas de forma disciplinada
etc. Fazer da escola um ambiente atrativo, que mobilize a
atenção desse contingente de estudantes, não constitui
certamente uma tarefa fácil para os profissionais da educa-

110
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Algumas considerações finais


ARÊAS, CELINA ALVES. A FUNÇÃO SOCIAL
Ficou claro ao longo do texto que a escola vive per-
DA ESCOLA. CONFERÊNCIA NACIONAL DA
manentemente contradições que resultam da sua própria
inserção no mundo capitalista. De fato, a escola, no Bra-
EDUCAÇÃO BÁSICA.
sil, atende a um grande contingente de estudantes oriun- AUAD, DANIELA. EDUCAR MENINAS E
dos de famílias que vivem em situação de pobreza e em MENINOS - RELAÇÕES DE GÊNERO NA
ambientes socialmente degradados. Contudo, ao mesmo ESCOLA. SÃO PAULO: EDITORA CONTEXTO,
tempo em que reproduz as estruturas de dominação da 2016.
sociedade, a escola é um campo aberto à possibilidade de
questionamento desse padrão de dominação.
Quando a escola oferece situações de desafio e de
aprendizagens que levam ao questionamento do senso co- FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA
mum, ao desenvolvimento das capacidades de argumenta-
ção, de crítica e da criatividade, ela possibilita a mudança Princípios
para patamares superiores. Tudo isso implica decisões po- 1. Defesa da escola pública, gratuita e laica em todos
lítico-pedagógicas. Quando há uma decisão política de si- os níveis;
tuar a educação escolar com qualidade social, isso significa 2. Educação como direito de todos e dever do Estado;
optar por um projeto educativo que contempla a maioria 3. Regulamentação do ensino privado sob o controle
da população e tem como pressupostos a igualdade e o do Estado;
direito à educação. Nessa perspectiva, as iniciativas e po- 4. Não inclusão do setor na Educação na OMC;
líticas que apontam para a inclusão social não se confun- 5. Não intromissão dos organismos internacionais nos
dem com ações compensatórias e localizadas que pouco rumos da educação nacional;
alteram as condições de desigualdade da sociedade. Le- 6. Defesa de um Sistema Nacional de Educação (rede
vam em consideração o local e o agora, mas ultrapassam pública e setor privado).
essa visão restrita projetando-se para o todo social e para
Texto referência da CONEB
o futuro. Nessa perspectiva, um projeto educacional que
• Educação é:
possibilita a articulação de todos os segmentos, que esti-
a) Processo e prática social constituída e constituinte das
mula práticas coletivas de solidariedade e que proporciona
relações sociais mais amplas; b) Processo contínuo de formação;
as condições de desenvolvimento de práticas pedagógicas
c) Direito inalienável do cidadão.
inovadoras é portador de uma mensagem de mudança da
• A prática social da Educação deve ocorrer em espaços
sociedade que se revela na superação dos preconceitos e
e tempos pedagógicos diferentes, para atender às diferen-
de todos os fatores que têm contribuído historicamente
ciadas demandas
para a negação do direito do acesso e da permanência na • Como prática social, a educação tem como lócus privi-
educação escolar. Participar da construção de um projeto legiado a escola, entendida como espaço de garantia de direitos;
educacional dessa magnitude requer do Conselho Escolar a • Devemos trabalhar em defesa da educação pública, gra-
organização de situações de debate e de estudos que per- tuita, democrática, inclusiva e de qualidade social para todos;
mita a todos os segmentos da comunidade escolar avançar • É fundamental a universalização do acesso, a amplia-
na compreensão das vinculações do fazer pedagógico com ção da jornada escolar e a garantia da permanência bem-
as demais práticas sociais. Assim, perceberá que o projeto -sucedida para crianças, jovens e adultos, em todas as eta-
político-pedagógico da escola tem suas bases de susten- pas e modalidades de educação básica.
tação num projeto social mais amplo cujo ponto central
é sempre o respeito à dignidade do ser humano. Nesse É indispensável à escola, portanto:
sentido, o Conselho Escolar buscará formas de incentivar a • Socializar o saber sistematizado;
participação de todos os segmentos envolvidos no proces- • Fazer com que o saber seja criticamente apropriado
so educativo, de modo a assegurar a sua adesão e compro- pelos alunos;
metimento com os ideais de renovação democrática dos • Aliar o saber científico ao saber prévio dos alunos
espaços e das práticas escolares. (saber popular);
• Adotar uma gestão participativa no seu interior;
• Contribuir na construção de um Brasil como um país
de todos, com igualdade, humanidade e justiça social.

Constituição Federal 1988


• Artigo 205
“A educação, direito de todos e dever do Estado e da
família, será promovida e incentivada com a colaboração
da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pes-
soa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua quali-
ficação para o trabalho”.

111
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

- LDBEN - 1996 de certas competências e habilidades necessárias para que


as pessoas atuem competitivamente num mercado de tra-
TÍTULO I balho altamente seletivo e cada vez mais restrito.
Da Educação b) A educação escolar deve garantir as funções de clas-
sificação e hierarquização dos postulantes aos futuros em-
Art. 1º A educação abrange os processos formativos pregos (ou aos empregos do futuro). Para os neoliberais,
que se desenvolvem na vida familiar, na convivência huma- nisso reside a ‘função social da escola’. Semelhante ‘desafio’
na, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos só pode ter êxito num mercado educacional que seja, ele
movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas próprio, uma instância de seleção meritocrática, em suma,
manifestações culturais. um espaço altamente competitivo”.
§ 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo
do trabalho e à prática social. Conclusão
• Função social da escola:
TÍTULO II Compromisso com a formação do cidadão e da cidadã
Dos Princípios e Fins da Educação Nacional com fortalecimento dos valores de solidariedade, compro-
misso com a transformação dessa sociedade.
Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspi-
rada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidarie- Fonte
dade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento ARÊAS, Celina Alves. A função social da escola. Confe-
do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e rência Nacional da Educação Básica.
sua qualificação para o trabalho.

- Outras Concepções
• Paulo Freire: CASTRO, JANE MARGARETH; REGATTIERI,
a) A formação do sujeito deve contemplar o desenvol- MARILZA. RELAÇÕES CONTEMPORÂNEAS
vimento do seu papel dirigente na definição do seu desti-
ESCOLA- FAMÍLIA. P. 28-32. IN: CASTRO,
no, dos destinos de sua educação e da sua sociedade;
b) Formar o cidadão, construir conhecimentos, atitudes JANE MARGARETH; REGATTIERI, MARILZA.
e valores que tornem o estudante solidário, crítico, ético e INTERAÇÃO ESCOLA- FAMÍLIA: SUBSÍDIOS
participativo; PARA PRÁTICAS ESCOLARES. BRASÍLIA:
UNESCO, MEC, 2009.
• José Geraldo Bueno (PUC SP)
a) construção de um sistema de ensino que possa se
constituir em fator de mudança social
b) responsável pela formação das novas gerações em INTERAÇÃO ESCOLA-FAMÍLIA:
termos de acesso à cultura, de formação do cidadão e de SUBSÍDIOS PARA PRÁTICAS ESCOLARES
constituição do sujeito social.
c) distinção entre a função da escola em relação à ori- I – INTRODUÇÃO
gem social dos alunos trouxe importantes contribuições
para uma melhor compreensão da complexidade dessa Professoras da rede pública de uma típica cidade de
instituição, por outro, parece ter desembocado, novamen- periferia metropolitana começam a visitar as casas de seus
te, numa concepção abstrata de escola, em particular em alunos para ver mais de perto a vida das crianças e de seus
relação à escola pública, como sendo aquela que, voltada pais. Conhecendo o ambiente doméstico, esperam com-
fundamentalmente para a educação das crianças das ca- preender melhor seus alunos e passar a contar com a ajuda
madas populares, cumpre o papel de reprodutora das rela- dos familiares para melhorar o desempenho escolar das
ções sociais e de apoio à manutenção do status quo. crianças. Como toda visita gentil, cada professora leva para
• “Parece que, como sempre, os responsáveis pelas po- a família uma lembrança: uma muda de árvore. Os educa-
líticas sociais (entre elas a da educação), em nosso país, dores optaram por este brinde porque o município perdeu
encontraram um novo ‘bode expiatório’: as unidades esco- quase toda a sua cobertura vegetal. Eles consideram válida
lares. No passado, foram ou os alunos (por suas carências qualquer iniciativa para tentar reflorestá-lo. Mesmo hon-
e/ou dificuldades) ou os professores e a sua falta de forma- rada com o presente, a mãe (ou o pai ou a avó ou outro
ção (como se essa falta de formação não fosse produto das responsável), dias depois, é obrigada a devolvê-lo à escola
políticas educacionais). Agora, parece que se transfere essa porque simplesmente não há onde plantar a árvore. Lem-
função social à escola”. brem-se: é uma típica periferia de nossas grandes cidades,
onde se amontoam, de forma desordenada, milhares de
• Pablo Gentili: pequenas moradias. Sem quintal, jardim, muro, portão ou
a) Visão neoliberal da função social da escola: “Na mesmo rua. Nos poucos dias em que, hesitantes, os res-
perspectiva dos homens de negócios, nesse novo modelo ponsáveis pelas crianças decidiam que destino dar à nobre
de sociedade, a escola deve ter por função a transmissão mudinha, ela murchou e desfolhou. Estava seca, quando

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CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

chegou de volta ao pátio da escola. E foi colocada ao lado por diferentes meios, aproximar-se das famílias de seus
de outras centenas como ela. Nas várias escolas municipais, alunos, conhecer suas condições de vida e envolvê-las na
o mesmo se repetiu: via-se um mundo de arvorezinhas ra- produção de bons resultados educacionais. Projetos, ideias
quíticas em saquinhos pretos, um quase cemitério de plan- e práticas inovadoras, como a visita domiciliar da história,
tinhas recém-nascidas... nascem nos gabinetes das Secretarias, nas salas de aula e
Como esta história poderia continuar? Há diferentes até em iniciativas isoladas de professores.
possibilidades de desfecho, dependendo das escolhas fei- Como construir uma relação entre escola e família que
tas pelos principais personagens. Podemos partir da mais favoreça a aprendizagem das crianças e adolescentes?
previsível: desolado com o insucesso de suas boas inten- Esta pergunta é o fio condutor deste estudo.
ções, o pessoal das escolas põe-se a procurar o erro e a O presente trabalho faz parte de um esforço de gerar
buscar culpados. Algumas professoras veteranas acharam conhecimentos educacionais, por meio de estudos, pes-
que tudo aquilo evidenciava a conhecida má vontade e quisas, avaliação e projetos piloto, que contribuam para as
desinformação dos familiares. Pois certamente, se pro- práticas educativas em sala de aula e para a formulação
curassem com carinho, encontrariam um lugarzinho para de projetos e políticas públicas. A participação das famí-
plantar a mudinha. Diante de tal ingratidão, era melhor não lias na vida escolar de seus filhos, sobretudo nos primeiros
tentar mais esse tipo de aproximação, defenderam. Outro anos do ensino fundamental, é destacada como estraté-
grupo de professoras tratou de apontar suas críticas para a gia importante de apoio à aprendizagem em publicações
coordenação, a direção da escola e a Secretaria Municipal técnicas e nas cartas e declarações internacionais resultan-
de Educação pela ideia da planta. Como esqueceram que tes de reuniões e conferências convocadas pela UNESCO
estamos na área mais pobre e densamente povoada do Es- desde os anos 1980. Entre elas, vale lembrar como marcos
tado?, repreendiam. Claro que ninguém tem onde plantar a Declaração Mundial sobre Educação para Todos (JOMN-
uma árvore, todas foram cortadas justamente para dar es- TIEN,1990), reafirmada pela Conferência de Dacar (2000),
paço para mais gente. que estabeleceu como um de seus objetivos assegurar, até
Enquanto o debate prosseguia, a sobrevivência das mu- 2015, o atendimento das necessidades de aprendizado de
das estava por um triz. Será que morreria toda a promessa todas as crianças, jovens e adultos em processo equitati-
de floresta? Os muitos saquinhos pretos enfileirados, como vo. Como país-membro da UNESCO, o Brasil, por meio do
que prontos para o funeral, chamaram a atenção de um Ministério da Educação, também tem renovado, ano a ano,
grupo de alunos. Eles perguntaram aos adultos: o que vo- este compromisso.
cês vão fazer com as plantas? Fez-se silêncio. Todos sabiam O presente estudo – uma iniciativa da UNESCO e do
que também na escola não havia onde plantar todas aque- MEC – tem como objetivo oferecer aos gestores educacio-
las árvores. Nem em seu entorno, com poucas ruas urba- nais e escolares informações qualificadas para o desenvol-
nizadas. Devolvê-las a quem fez a doação seria uma prova vimento de projetos e políticas de interação escola-família
cabal de incompetência. Abandoná-las, um ato insensível e em função da sua missão de garantir aos alunos o direito
totalmente antieducativo. Como proceder? Alguém então de aprender.
sugeriu que se tentasse saber o que a escola mais próxima Como construir uma relação entre escola e família que
pensava em fazer, já que o problema era comum. favoreça a aprendizagem das crianças e adolescentes? Esta
Na procura por soluções, descobriram que o último pergunta é o fio condutor deste estudo. Partimos de duas
grande terreno existente na região acabara de ser desa- crenças: a primeira é que, para entender o que se passa
propriado pela prefeitura – para que se construísse ali per- no presente, é necessário um mergulho na nossa história. A
to uma área integrada de equipamentos sociais. Conversa segunda é que o Brasil é muito grande e diversos para caber
vai, conversa vem, gestores municipais, diretores de escola, em uma única fórmula ou receita. O desafio ao qual nos pro-
professores, pais, avós, tios e alunos conseguiram liberar pusemos foi organizar informações disponíveis em pesqui-
parte do terreno para o plantio das mudas e assim inicia- sas acadêmicas, articuladas a algumas iniciativas relevantes
ram o que viria a se transformar na maior área verde do que vêm sendo desenvolvidas nos municípios, em escolas
município. Até lá, compartilhariam, sem perceber, o equi- isoladas ou em coordenação com as Secretarias Municipais
valente a muitas e muitas aulas de Ciências e aprenderiam de Educação, e apresentá-las de forma acessível.
bem mais do que uma lição de Ecologia. E não pararam por A fim de identificar as iniciativas que já estão ocorrendo
aí: depois de garantir que as mudas crescessem, as famílias no Brasil, foi feita uma chamada via internet para que as Se-
e os profissionais da escola abandonaram antigos hábitos cretarias Municipais de Educação (SMEs) e escolas relatas-
e renovaram seu dia a dia – tudo para que, todos os anos, sem suas boas experiências de parceria com famílias. Além
continuasse a florescer em seus filhos/alunos o desejo de de uma breve explicação sobre o propósito deste projeto,
aprender. apresentamos uma ficha para coleta de informações nos
sítios da UNESCO e da União Nacional dos Dirigentes Mu-
PARA ALÉM DAS SEMELHANÇAS E COINCIDÊNCIAS nicipais de Educação (Undime), entre 28 de outubro e 28
de novembro de 2008. O Conselho Nacional de Secretários
Esta história, uma ficção de final feliz, levemente ins- de Educação (Consed) enviou correspondência a todos os
pirada em fatos reais, espelha o que vem acontecendo na seus filiados. Assim foi possível disponibilizar, para a tota-
rede de ensino das pequenas ou grandes cidades brasi- lidade dos municípios brasileiros, a oportunidade de apre-
leiras: cada vez mais as redes de escolas públicas buscam, sentar sua iniciativa.

113
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Outras formas de prospecção das experiências foram: Embora nossa intenção seja direcionada à construção
contatos com redes de pesquisadores, professores univer- de novas práticas, este documento não é nem um guia,
sitários, gestores públicos e avaliadores que conhecessem nem um manual. A relação escola-família é complexa e os
várias SMEs e pudessem indicar experiências de interação assuntos a ela relacionados são extensos e polêmicos de-
escola-família; pesquisa junto a bancos de experiências de mais para serem abordados numa única publicação. Assim,
organismos governamentais, internacionais ou privados e fizemos recortes, escolhas e decidimos propor um trabalho
busca direta na internet. Conseguimos localizar experiên- que é, em boa medida, aberto ao necessitar de adapta-
cias coordenadas por Secretarias Municipais de Educação ções de acordo com cada realidade local. Todo esse esforço
e realizadas por escolas sem a intervenção direta das SMEs. pretende provocar mudanças positivas nas condições de
aprendizagem de crianças e adolescentes, posicionando a
As informações sobre tais experiências foram obtidas escola também como local estratégico para a construção
por meio de fichas preenchidas por Secretarias Municipais de uma efetiva rede de proteção integral de seus alunos.
e escolas e de entrevistas por telefone. O passo seguinte foi O estudo está organizado em três partes. A primeira
selecionar experiências a serem visitadas, para uma análise traz reflexões históricas e conceituais, além de localizar os
mais aprofundada daquela iniciativa. Adotaram-se como marcos legais que pautam esta relação. A segunda articula
critérios de seleção: projetos centrados no tema da relação os conceitos com as lições da prática, destacando elemen-
escola-família, articulados com a aprendizagem dos alunos tos para a construção de uma política de interação escola-
e coordenados pelas Secretarias Municipais de Educação. -família. A terceira apresenta um cardápio de políticas em
Privilegiamos experiências que tivessem estratégias distin- curso que podem compor a estratégia de intersetorialida-
tas entre si para obter um repertório mais amplo. Os muni- de, além da bibliografia que serviu de base para as afirma-
cípios visitados foram: Iguatu (CE), Itaiçaba (CE), Taboão da ções aqui colocadas.
Serra (SP) e Teresina (PI). Boa leitura!
Belo Horizonte (MG), embora não tenha sido visitada
naquela ocasião, acabou impondo-se como experiência II – CAMINHOS E ESCOLHAS
importante para os objetivos pretendidos. Ao longo deste
trabalho, tivemos contato direto com os gestores estraté- A perspectiva deste trabalho coloca no centro da cena
gicos do Programa Família-Escola e, como já havia infor- os alunos da escola pública que estão nos anos iniciais do
mações qualificadas sobre o histórico desta iniciativa, foi ensino fundamental. Ao olharmos com cuidado para esses
possível incluí-la no estudo. meninos e meninas, vemos que é impossível entendê-los
A fim de identificar o que as pesquisas e ensaios di- sem considerar seu contexto familiar de referência. Como
zem sobre as interações escola-família, fizemos um levan- dizia José Ortega y Gasset “eu sou eu e minhas circuns-
tamento documental, selecionando principalmente textos tâncias”, ou seja, não é possível dizer quem é o aluno sem
nacionais produzidos a partir de 1990. O campo priorizado considerar suas circunstâncias sociais.
foi o da Sociologia da Educação, no qual a questão da re- Na nossa sociedade, a responsabilidade pela educação
lação escola-família entre essas duas instâncias é um tema das crianças e dos adolescentes recai, legal e moralmente, so-
recorrente. Selecionamos cerca de 100 títulos entre relatos bre duas grandes agências socializadoras: a família e a escola.
de pesquisa, ensaios e notas de síntese. Estes foram classi- A educação abrange os processos formativos amplos
ficados e lidos de forma a destacar os principais achados que se desenvolvem na convivência humana ao longo da
que pudessem ser incorporados ao presente trabalho. Para vida. Trataremos aqui especialmente da educação escolar
facilitar a leitura por um público amplo, optamos por utilizar obrigatória, tendo o Estado a responsabilidade de oferta
as informações sem mencionar a cada frase ou parágrafo primária e as famílias o dever de matricular e enviar seus
sua origem. Ao final, apresentamos a bibliografia utilizada. filhos à escola.

Outro aspecto metodológico a destacar é a interlocu- DEFININDO OS TERMOS


ção com diferentes leitores e especialistas antes de finalizar
o estudo. Sua primeira versão foi submetida à leitura das Escola: Parte do sistema público de ensino que é res-
instituições proponentes – MEC e UNESCO – e, em seguida, ponsável primário pela educação escolar. Segundo a LDB
apresentada em seminários com dirigentes educacionais; (1996), a educação escolar tem como objetivo, no ensino
equipes técnicas das SMEs; diretores de escolas, coorde- fundamental, “a formação básica do cidadão compreendi-
nadores pedagógicos e professores. Participaram ainda es- da como:
pecialistas que têm contribuído significativamente para a I – o desenvolvimento da capacidade de aprender, ten-
construção de conhecimento sobre o tema. Desta forma, do como meios básicos o pleno domínio da leitura, da es-
podemos dizer que este trabalho foi escrito a muitas mãos. crita e do cálculo;
Assim, depois de entrevistar e ouvir os que criam e os II – a compreensão do ambiente natural e social, do
que executam projetos nas escolas de ensino fundamental sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em
Brasil afora, interagir com especialistas e pesquisar a lite- que se fundamenta a sociedade;
ratura acadêmica, entendemos que o melhor a fazer se- III – o desenvolvimento da capacidade de aprendiza-
ria compartilhar uma série de reflexões e desejar que elas gem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habi-
inspirem nos educadores ações inovadoras e responsáveis. lidades e a formação de atitudes e valores; IV – o fortaleci-

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CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

mento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade


humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida
social”.
Família: Utilizamos aqui o conceito amplo de família,
no sentido de quem exerce as funções de cuidados básicos
de higiene, saúde, alimentação, orientação e afeto, mesmo
sem laços de consanguinidade.
No mundo familiar as crianças são filhos; no mundo escolar
elas são alunos. A passagem de filho a aluno não é uma ope-
ração automática e, dependendo da distância entre o universo
familiar e o escolar, ela pode ser traumática. Dentro da escola, o Fonte: Néstor López et alli, 2009.
responsável direto pela condução dos alunos é o professor, um
adulto que também passou por um processo de formação para Podemos dizer que a relação entre escola e família está
alcançar a condição de profissional da educação. presente, de forma compulsória, desde o momento em
As crianças que chegam à escola são membros-de- que a criança é matriculada no estabelecimento de ensino.
pendentes de um núcleo familiar que lhes dá um nome e De maneira direta ou indireta, essa relação continua viva e
um lugar no mundo. Os professores, conectados ou não atuante na intimidade da sala de aula. Assim, sempre que
com o lugar social deste aluno, têm como principal função a escola se perguntar o que fazer para apoiar os profes-
garantir o direito educacional de cada menino e menina, sores na relação com os alunos, provavelmente surgirá a
guiando-se pelas diretrizes do sistema/estabelecimento de necessidade de alguma interação com as famílias. Nesta
ensino com o qual tem vínculo de trabalho. O conjunto de corrente, cabe aos sistemas de ensino o estabelecimento
professores, funcionários, coordenadores pedagógicos, di- de programas e políticas que ajudem as escolas a interagir
retores escolares e familiares configura uma comunidade com as famílias, apoiando assim o processo desenvolvido
escolar, que tem funções deliberativas sobre vários aspec- pelos professores junto aos alunos.
tos do projeto da escola. Apesar de ser uma atribuição formal e inevitável da es-
As famílias estão inseridas em uma comunidade, lo- cola, a interação escola-família não será tratada neste estudo
calizada em determinado território, com seus costumes, como um fim em si mesmo. Sabemos que ela pode estar
valores e histórias a que chamaremos de contexto social. a serviço de diversas finalidades, tais como: o cumprimento
As escolas fazem parte de um sistema ou rede de ensino, do direito das famílias à informação sobre a educação dos
sob coordenação da Secretaria Municipal de Educação, que filhos; o fortalecimento da gestão democrática da escola; o
compartilha um mesmo marco regulatório (leis, decretos, envolvimento da família nas condições de aprendizagem dos
atos normativos do Conselho Nacional de Educação etc.) filhos; o estreitamento de laços entre comunidade e escola; o
com as Secretarias de Estado e o Ministério da Educação. A conhecimento da realidade do aluno; entre outras.
essas relações denominaremos contexto institucional. As ideias aqui expostas não devem ser entendidas
A comunidade local se organiza como sociedade ci- como “mais um pacote pronto” que cai na cabeça de quem
vil para exercer direitos e deveres, enquanto o sistema de está nas salas de aula. Pelo contrário: ao começar a elabo-
ensino representa o poder público que, em um Estado de- rar projetos e políticas, cada município ou escola estaria
mocrático de direito, tem obrigação de cobrar deveres e criando e estruturando suas próprias ações, conectadas ao
garantir o exercício da cidadania também pela oferta de conjunto das demais práticas educacionais consideradas
serviços sociais a toda a população. válidas para a sua realidade.
No mundo globalizado e complexo em que vivemos, A possibilidade de várias abordagens e usos da inte-
as relações entre setores, instituições e atores sociais es- ração escola-família exige que explicitemos algumas refle-
tão muito imbricadas. Fica cada vez mais difícil entender xões e escolhas que norteiam o estudo:
os problemas educacionais apontando apenas para as • A expressão interação escola-família se baseia na ideia
dificuldades originadas fora da escola ou somente pelos de reciprocidade e de influência mútua, considerando as es-
processos internos a ela. Se, por um lado, não podemos pecificidades e mesmo as assimetrias existentes nessa relação.
desconsiderar a influência da situação socioeconômica, da • O Dicionário Houaiss traz definições da palavra in-
violência, das mudanças de costumes sobre o comporta- teração: a) atividade ou trabalho compartilhado, em que
mento e desempenho dos alunos, por outro, não podemos há trocas e influências recíprocas e b) comunicação entre
admitir que a escola se transforme numa agência de assis- pessoas que convivem; diálogo, trato, contato.
tência social e negligencie sua função específica de zelar • A assimetria das posições está vinculada também às
pela aprendizagem escolar. diferentes responsabilidades que a família e o Estado têm
É recomendável optar por uma abordagem relacional em relação à educação escolar das crianças e adolescentes.
entre educação e contexto social. Sempre com foco nos Para assegurar a oferta de educação escolar, o Estado ins-
processos de ensino-aprendizagem, enxergamos as rela- titui um sistema de ensino operado por profissionais espe-
ções professor-aluno em uma perspectiva ampliada que cializados, encarregados de transmitir saberes socialmente
considera a cadeia de relações que está por trás e entre validados. A família, por sua vez, desempenha seu papel
esses dois atores, conforme sugere o esquema da página educacional a partir de um contexto sociocultural especí-
seguinte. fico.

115
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

• O reconhecimento dessa diferença é fundamental Parte das características fundamentais para o sucesso
para a interação: o desafio é fazer com que essa assimetria escolar, no entanto, não é ensinada pela ou na escola: ela
produza complementaridade, e não exclusão ou superpo- deve vir como pré-requisito do aluno, desde o seu primeiro
sição de papéis. dia de aula. Se a criança não está desde cedo no sistema
• Outro detalhe que faz toda a diferença é a ordem educacional, por falta, por exemplo, de acesso à educação
escolhida para descrever a relação: escola-família e não fa- infantil, espera-se que ela aprenda estes comportamentos
mília-escola. Estamos assumindo que a aproximação com no convívio familiar.
as famílias é parte do trabalho escolar, uma vez que as Uma família cujos membros mais velhos frequenta-
condições familiares estão presentes de forma latente ou ram a escola por um tempo significativo tende a entender
manifesta na relação professor-aluno e constituem chaves e valorizar o que acontece nesta instituição. Isso facilita a
de compreensão importantes para o planejamento da ação transmissão das regras escolares aos seus membros mais
pedagógica. jovens. A importância do uniforme, a capacidade de espe-
• É preciso colocar a interação escola-família em uma rar a vez de falar, por exemplo, são normas que têm de
perspectiva processual que estabeleça horizontes de cur- ser aprendidas. O acompanhamento do dever de casa é
to, médio e longo prazos. No primeiro momento faz-se o outro exemplo de como a escola requisita espaço e tempo
conhecimento mútuo; no segundo são estabelecidas as do cotidiano familiar. Entretanto, muitas famílias simples-
condições de negociação das responsabilidades específi- mente não sabem ou não conseguem realizar esse acom-
cas sobre a educação das crianças, e, por fim, no terceiro, panhamento com a disponibilidade e/ou competência que
são construídos espaços de corresponsabilidade, aber- se espera delas.
tos também à participação de outros atores importantes Assim, os alunos cujas famílias têm experiências e valo-
no processo de educação dos filhos/alunos. Percebemos res próximos aos da escola, além de recursos para investir
neste estudo que geralmente o processo escola-família é no apoio a sua carreira escolar, ocupam o lugar do “aluno
desencadeado sem os devidos e desejáveis cuidados pre- esperado”. Já os alunos cujas famílias têm culturas, valo-
liminares: é muito comum os sistemas de ensino e escolas res diferentes dos da escola e têm poucos recursos para
partirem direto para a negociação/cobrança de responsa-
empregar no suporte à escolarização dos filhos são, mui-
bilidades das famílias, antes de compreenderem as con-
tas vezes, classificados simplesmente pela distância que os
dições dos diversos grupos de familiares dos alunos. Ao
separa do aluno esperado. Esta identidade marcada pelo
suprimir a etapa inicial, os projetos de aproximação podem
que falta à criança para se transformar no aluno dentro
gerar mais desencontros. Por essa razão, enfatizamos es-
dos “moldes desejados” tende a afetar sua relação com os
pecialmente o movimento inicial de aproximação para (re)
professores, coordenadores escolares e diretores. Como os
conhecimento mútuo, tendo em mente que ele deve ser
apenas o início de uma longa relação. projetos político-pedagógicos – e as práticas deles decor-
Este trabalho pretende refletir como a interação das rentes – irão considerar essa criança, se a comunidade es-
escolas com as famílias pode ser apoiada pelas redes de colar só a conhece pelo que ela não é e não conhece seu
ensino para incidir sobre a relação professor-aluno (que rosto? É difícil incluir e valorizar o que não se conhece.
estrutura a relação aluno-saber escolar). Historicamente, as práticas pedagógicas na instituição
Por isso, priorizamos, dentre todas as finalidades que a escolar baseiam-se com frequência na homogeneização do
interação escola-família pode ter, o conhecimento do alu- grupo de alunos: os que se encaixavam no padrão espera-
no no seu contexto social como insumo para revisão das do seguiam em frente, enquanto os que não se encaixavam
práticas pedagógicas, escolares e educacionais. fracassavam até desistir. Convivemos, durante muito tem-
po, com a produção do insucesso escolar em massa, sem
DO ALUNO ESPERADO AO ALUNO REAL nos escandalizarmos.
Com a conquista paulatina de direitos infanto-juvenis,
Voltemos a pensar no que é necessário para que uma a simples exclusão de alunos do sistema de ensino pas-
criança incorpore a identidade de aluno. Será que todos sou a ser uma via institucionalmente bloqueada. Os edu-
têm as mesmas condições de fazer essa passagem? Quais cadores começaram a perceber a magnitude do problema:
características uma criança precisa trazer consigo para com a população infanto-juvenil toda dentro do sistema de
transitar bem pelos códigos e regras escolares? Que tipo ensino, muitas crianças não sabiam transitar pelas regras
de situação familiar facilita a entrada e permanência das institucionais, não dispunham de recursos materiais neces-
crianças e adolescentes na escola e que tipo dificulta? sários ou nem podiam contar, fora da escola, com apoio de
Assumimos que a educação é para todos e, sob a pers- um adulto que tivesse tempo, afeto e conhecimento para
pectiva inclusiva, não podemos usar características indivi- lhes oferecer.
duais ou sociais para negar o acesso e progresso de qual- Entretanto, o conhecimento da realidade precária, que
quer um na escola. No entanto, não podemos ignorar que comprometia as condições de escolarização de uma gran-
o trabalho escolar, em geral, pressupõe que uma criança de parcela do alunado, em vez de abrir caminho para novas
chegue à escola com uma série de características: físicas – práticas educacionais, acabou sendo usado, muitas vezes,
deve estar saudável e bem alimentada; linguísticas – precisa como álibi: sentindo-se sobrecarregada, a escola eximiu-
entender bem a língua usada pelos professores e pelos cole- -se de responsabilidades e jogou sobre as crianças e suas
gas; e atitudinais – tem de respeitar os professores, cumprir famílias o ônus do fracasso. Muitos professores e diretores
acordos, assumir compromissos, saber se controlar etc. apostaram que, elegendo e reforçando os alunos bem-su-

116
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

cedidos, estariam incitando os demais a se esforçar para lorização da escola e o reforço da legitimidade dos educa-
seguir o mesmo modelo. Neste movimento, desvaloriza- dores são fatores que emanam da família e estão altamente
ram aqueles que não traziam em sua bagagem familiar os relacionados com o desempenho dos alunos.
comportamentos e recursos necessários para enfrentar a A proposta deste estudo é organizar uma compreen-
vida escolar. As diferenças (étnicas, culturais, sociais, cor- são mais acurada do que está em jogo quando os agentes
porais etc.) foram convertidas em carências e déficits que educacionais tomam a iniciativa do contato com as famí-
deviam ser compensados e ultrapassados até que o aluno lias dos alunos. Esperamos que contribua para o resgate
real se transformasse no “aluno ideal”. da disposição dos profissionais da escola em conhecer a
A tese do déficit cultural gerou programas que ofere- realidade de cada aluno e entender o alcance da sua prá-
ciam às crianças das classes sociais marginalizadas condi- tica social.
ções para recuperar o seu “atraso”. Aplainando as carências Para isso, frisamos mais uma vez, os professores pre-
afetivas, nutricionais, linguísticas, todos os alunos se trans- cisarão ser apoiados pela equipe de gestão escolar – que,
formariam no aluno esperado e a escola poderia seguir por sua vez, terá de contar nesta tarefa com o suporte da
seu projeto sem grandes mudanças. As críticas à educação Secretaria de Educação.
compensatória denunciaram que ela contribuía para refor- O conhecimento das condições de vida das crianças e
çar e difundir uma visão preconceituosa sobre o modo de adolescentes em idade de escolarização obrigatória pode
vida das camadas populares, retratando-as como uma cul- dar origem a ações interligadas em dois níveis: 1) a revisão
tura inferior. dos projetos e práticas educacionais, pensando na diversi-
Passadas algumas décadas, a situação de desigualdade dade dos alunos e não apenas no aluno esperado;
social no Brasil ainda permanece grave, mas consolida-se 2) a convocação de novos atores e a articulação das
cada vez mais a compreensão sobre as formas de se alcan- políticas educacionais com políticas setoriais capazes de
çar justiça social e se manter a conquista de direitos. apoiar as famílias dos alunos para que elas possam exercer
Chegamos então a uma questão que é crucial na pers- suas funções.
pectiva deste trabalho: a equidade educacional.
Desde o final dos anos 1980, as lutas pelos direitos das III – PRINCÍPIOS PARA UMA PROPOSTA DE INTERA-
minorias e em defesa da diversidade confrontaram os dis- ÇÃO ESCOLA-FAMÍLIA
cursos consolidados sobre a igualdade vigentes até então.
A fórmula “somos todos iguais” começou a ser revista a O presente estudo assume uma proposta de interação
partir do reconhecimento de que somos todos diferentes: escola-família que está baseada nos seguintes princípios
a igualdade não deve ser tomada como um ponto de parti- norteadores:
da, mas sim como um horizonte a ser alcançado. Coloca-se • A educação de qualidade, como direito fundamen-
assim a noção de equidade como base de um projeto po- tal de todas as pessoas, tem como elementos essenciais
lítico de igualdade que parte do reconhecimento das desi- a equidade, a relevância e a pertinência, além de dois ele-
gualdades iniciais. mentos de caráter operativo: a eficácia e a eficiência.
Mas como essa noção se aplica à educação? Inicial- • O Estado (nos níveis federal, estadual e municipal) é o
mente, é preciso reconhecer que a concepção de que todos responsável primário pela educação escolar.
somos iguais, por desconsiderar as diferenças de origem, • A escola não é somente um espaço de transmissão da
contribuiu para converter desigualdades sociais em desi- cultura e de socialização. É também um espaço de constru-
gualdades escolares. A oferta educativa homogênea, pen- ção de identidade.
sada para atender o grupo dos alunos esperados, reforçava • O reconhecimento de que a escola atende alunos
a desvantagem inicial dos alunos que se distanciavam des- diferentes uns dos outros possibilita a construção de es-
se perfil. tratégias educativas capazes de promover a igualdade de
No Brasil, com a quase universalização do acesso ao oportunidades.
ensino fundamental, a desigualdade nas condições de • É direito das famílias ter acesso a informações que
aprendizagem e no alcance dos resultados educacionais lhes permitam opinar e tomar decisões sobre a educação
está sendo assumida como um problema de qualidade da de seus filhos e exercer seus direitos e responsabilidades.
escola/sistema – além de ser uma questão prioritária na • O sistema de educação, por meio das escolas, é parte
agenda social nacional. indispensável da rede de proteção integral que visa asse-
A busca pela qualidade com equidade, ou seja, todos gurar outros direitos das crianças e adolescentes.
os alunos aprendendo e progredindo na carreira escolar • A proteção integral das crianças e adolescentes ex-
na idade certa, está presente na pauta das políticas, nos trapola as funções escolares e deve ser articulada por meio
projetos e também nos programas de pesquisa na área da de ações que integrem as políticas públicas intersetoriais.
Educação.
Na empreitada pela equidade, a relação escola-família IV – BREVE HISTÓRIA DA RELAÇÃO ESCOLA-FAMÍ-
ressurge como um fator-chave. Mesmo que não haja uma LIA NO BRASIL
comprovação científica da influência direta da interação
escola família na melhoria do aprendizado dos alunos, inú- Tanto a escola quanto a família, as duas instituições
meras pesquisas no Brasil e no mundo todo têm mostrado cuja relação é nosso objeto de análise, sofreram transfor-
que as condições socioeconômicas, as expectativas e a va- mações profundas ao longo da nossa história. Mediador

117
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

e regulador dessa relação, o papel do Estado também foi Com a criação das escolas públicas pelo novo regime,
se modificando. Ao percorrer esta história, podemos com- começa-se a questionar a capacidade da família para edu-
preender a origem de algumas ideias que ainda hoje estão car os filhos. É neste quadro de contraposição da educa-
presentes no pensamento educacional e verificar sua atua- ção moderna à educação doméstica que se consolidam as
lidade ou anacronismo. A recuperação deste fio de meada primeiras ideias – que resistem ao tempo, mesmo fora de
pode inspirar cada município a identificar conexões desse contexto –, de que as famílias não estavam mais qualifica-
cenário geral com a história local, com seus traços especí- das para as tarefas do ensino. Além de terem de mandar os
ficos, e assim melhor compreender o terreno simbólico no filhos à escola, os familiares precisavam também ser edu-
qual irá atuar. cados sobre os novos modos de ensinar. O Estado passa a
ter um maior poder diante da família, regulando hábitos e
DE ONDE VEM A ESCOLA QUE CONHECEMOS E AS comportamentos ligados à higiene, saúde e educação.
IDEIAS QUE AINDA ACEITAMOS? A construção dos grupos escolares durante o período
da Primeira República (1889-1930) colocava em circulação
Com a instituição da República em 1889, surge no o modelo das escolas seriadas. O novo sistema educacional
Brasil a escola como a conhecemos hoje, considerada fun- permitia aos republicanos romper com o passado monár-
damental para a construção da sociedade: a escola con- quico e projetar um futuro. A arquitetura com dimensões
temporânea nasce marcada pelo ideário da civilização e do grandiosas, a racionalização e a higienização dos espaços
progresso para todos. A ação educacional no Brasil come- faziam com que o prédio escolar se destacasse em relação
çou, ainda no período colonial, como uma ação para as às outras edificações que o cercavam. O objetivo era incutir
elites, calcada nos valores da cultura europeia, de conteúdo nos alunos o apreço à educação racional e científica, valori-
livresco e aristocrático. Para as classes populares, a educação, zando uma simbologia estética, cultural e ideológica cons-
quando existia, voltava-se para a preparação para o trabalho truída pela República. A cultura elaborada tendo como eixo
e era quase uma catequese – o objetivo principal era mora- articulador os grupos escolares atravessaram o século XX,
lizar, controlar e conformar os indivíduos às regras sociais. constituindo-se em referência para a organização seriada
Configurou-se assim, desde o início da história da edu- das classes, para a utilização racionalizada do tempo e dos
espaços e para o controle sistemático do trabalho docente.
cação brasileira, uma proposta educacional marcada pela
diferenciação de atendimento para ricos e pobres.
A disciplina e a moral da Era Vargas
Nos primeiros anos da República, as poucas escolas
primárias existentes – criadas ainda no período do Império
No fim da Primeira República e início do governo de
– atendiam cerca de 250 mil alunos, em um país com cerca
Getúlio Vargas, consolida-se a dimensão reformista da
de 14 milhões de habitantes, dos quais 85% eram analfa-
escola, sobretudo no que se refere às camadas mais po-
betos. Até o final do século XIX, o abismo entre os setores bres. Nessa cruzada pelos bons costumes, com destaque
da sociedade brasileira no que se refere à educação man- para higiene e alimentação, a mulher é identificada como a
teve-se praticamente inalterado: enquanto os filhos dos grande responsável por garantir a boa ordem no lar e pre-
fazendeiros eram enviados à Europa para aprofundar seus cisa ser reeducada para conhecer e compreender as neces-
estudos, formando a elite política e intelectual do país, a sidades infantis. Dá-se especial importância à estratégia de
imensa maioria da população era analfabeta. Durante todo utilizar o próprio aluno como intermediário entre a escola e
o período imperial e ainda no início da República, a escola- a família, influenciando a educação dos adultos, expediente
rização doméstica de iniciativa privada, às vezes organizada até então muito utilizado pela Igreja Católica.
em grupos de parentes ou vizinhos em áreas rurais, atendia Nesse contexto, a família inicialmente perde sua função de
um número considerável de alunos, ultrapassando inclusi- educadora em favor da sociedade política, mas, em seguida, é
ve a rede de escolas públicas existente. chamada de volta ao terreno da educação para auxiliar o Esta-
Foi especialmente a partir da proclamação da Repúbli- do educador. Enquanto a escola continua a comandar o pro-
ca em 1889 que a escolarização ganhou impulso em dire- cesso, os pais e responsáveis passam a ocupar uma posição
ção à forma escolar que conhecemos atualmente. Pode-se de auxiliar... Com seu status de serviço de interesse público,
mesmo afirmar que a escola se transforma numa instituição a educação passa a ser exercida por profissionais com sabe-
fundamental para a sociedade brasileira há pouco mais de res, poderes, técnicas e métodos próprios. Essa demarcação
100 anos, e nesse sentido, ela pode ser considerada uma separa familiares e profissionais da educação, distinguindo lei-
instituição republicana. No ideário republicano a educação gos e doutos na promoção da aprendizagem escolar. A escola
escolar se associava à crença na civilização e no progres- afirmava-se como instituição especializada na socialização das
so. A importância crescente da escola primária teve como crianças, sobrepondo-se à família, às igrejas ou a quaisquer
contraponto a desqualificação das famílias para a tarefa de outras iniciativas de organização social.
oferecer a instrução elementar, progressivamente delegada As famílias, também atingidas pela complexidade que
à instituição escolar, cujos profissionais estariam tecnica- tomou conta do mundo e da escola, também se reorgani-
mente habilitados para isso. Apesar da importância confe- zam. Não surpreende então que família e escola, obrigadas
rida à educação pela República, não se verificou uma subs- a conviver e partilhar desigualmente a responsabilidade
tancial melhoria da situação de ensino: o recenseamento pela educação das novas gerações, às vezes conduzam o
de 1906 apresentou uma média nacional de analfabetismo trabalho de forma substancialmente diferente e até mesmo
de 74,6%. conflitante.

118
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Uma experiência dos pioneiros da escola nova A campanha pela escola pública

Em 1921, em plena República Velha, uma professora Após a queda do Estado Novo, a Constituição de 1946
chamada Armanda Álvaro Alberto fundou a Escola Prole- concedeu grande autonomia aos estados e restabeleceu o
tária de Meriti, localizada em Duque de Caxias, onde criou ensino primário obrigatório e gratuito, mantido por um per-
o Círculo de Mães – uma experiência institucional inédita centual da receita dos impostos dos estados e municípios.
na busca de aproximação entre a escola e a família. A es- Os governos municipais e estaduais responderam à cres-
cola, que foi a primeira também a fornecer almoço para os cente demanda educacional da população em acelerado
alunos, dispunha de uma biblioteca e um museu. Esses es- processo de urbanização (na década de 1950 a população
paços eram desconhecidos numa época em que os alunos urbana já representava 35% do total no Brasil), expandindo
só aprendiam o que estava nos livros e nem se falava em a rede de escolas, ao mesmo tempo em que o ensino par-
pesquisa escolar. ticular também se ampliava. Em 1948, o Ministério da Edu-
A professora Armanda Álvaro Alberto fazia parte do cação e Cultura passa a ter atuação independente do Mi-
Movimento dos Pioneiros da Escola Nova, que surgiu na nistério da Saúde e lança-se o primeiro Plano Nacional de
década de 1920 e teria forte presença e influência no cená- Educação, propondo um modelo único de educação para
rio educacional das décadas seguintes. Os escolanovistas todo o país. Ainda assim, em fins dos anos 1950, metade da
lutavam pela garantia de educação como direito básico e população do país ainda era analfabeta e apenas 50% das
trabalharam pela modernização não apenas dos espaços crianças na faixa de 7 a 14 anos frequentavam a escola pri-
escolares, mas também das práticas pedagógicas. Neste mária (séries iniciais do atual ensino fundamental). Nessa
período, muitos desses educadores realizaram reformas época, diversos grupos organizados da sociedade se arti-
educacionais nos estados, como a de Lourenço Filho, no culam em torno da Campanha de Defesa da Escola Pública,
Ceará, em 1923, a de Francisco Campos e Mario Casassan- liderada por educadores aos quais se juntam profissionais
ta, em Minas Gerais em 1927, a de Fernando de Azevedo, liberais, estudantes, intelectuais e líderes sindicais. Frente à
no Distrito Federal (atual Rio de Janeiro) em 1928 e a de participação tímida e ineficiente do Estado para atender a
Carneiro Leão, em Pernambuco, em 1928 e a do próprio demanda por matrículas pressionada pela industrialização
Anísio Teixeira na Bahia em 1925. e urbanização do país, a expansão do ensino privado ga-
Já sob o governo Vargas, em 1932, os Pioneiros da Es- rantiu o aumento quantitativo na escolarização.
cola Nova divulgaram o Manifesto “A Reconstrução Edu- O Plano de Metas do governo Juscelino Kubitschek
cacional no Brasil – Ao Povo e ao Governo”. Armanda foi (1956-1961) quase não contemplou os investimentos so-
uma das três mulheres signatárias do documento – que ciais em educação. Em 1961 foi aprovada a primeira Lei de
retratava o inconformismo com a educação no país e de- Diretrizes e Bases da Educação. A lei tratava dos fundos
fendia a montagem de um sistema de educação pública, nacionais e da aplicação e distribuição de recursos finan-
laica, gratuita e obrigatória para todos. O Manifesto, marco ceiros destinados à educação. No início dos anos 1960, fo-
inaugural do projeto de renovação educacional, consoli- ram definidos um novo Plano Nacional de Educação e o
dava a visão de um segmento da elite intelectual que via Programa Nacional de Alfabetização, inspirado no Método
a possibilidade de interferir na organização da sociedade Paulo Freire de alfabetização de adultos. Este programa,
brasileira a partir da educação. percebido como um ato político por privilegiar a educação
Entre as várias propostas, trataram da função social da popular, viria a ser extinto logo após o golpe militar.
escola, reconhecendo a importância da família como agen-
te de educação vale destacar: “A educação não se faz so- A ditadura militar e a desvalorização da profissão
mente pela escola, cuja ação é favorecida ou contrariada, docente
ampliada ou reduzida pelo jogo de forças que concorrem
ao movimento das sociedades modernas. Numerosas e va- O índice de analfabetismo no Brasil era de 32,05% no
riadíssimas são as influências que formam o homem atra- final da década de 1960. Durante a ditadura militar, o re-
vés da existência. Há a herança que é a escola da espécie, passe às escolas privadas de recursos do salário-educa-
a família que é a escola de pais, o ambiente social que é a ção como “amparo técnico e financeiro” contribuiu para a
escola da comunidade”. expansão da rede privada de ensino, em um ambiente de
À medida que o regime de Vargas se fechava e cami- confiança na eficácia da competição empresarial como ins-
nhava para a ditadura, a educação voltava-se cada vez mais trumento de ampliação da oferta educacional reclamada
para o culto da nacionalidade, da disciplina e da moral. As pela sociedade.
concepções, os formatos e as práticas da Era Vargas molda- A Constituição de 1967 classificou a educação como
ram o ensino brasileiro por várias décadas. Estabeleceu-se dever do Estado e ampliou a obrigatoriedade do ensino de
no Estado Novo a associação entre educação e segurança quatro para oito anos, porém suprimiu o preceito que obri-
nacional, sendo a educação utilizada como instrumento gava a destinação de um percentual de recursos públicos
de controle, dentro de um projeto de mobilização vigiada, para a educação. Sem financiamento contínuo e garanti-
para a implantação dos conceitos fundamentais de disci- do, as instalações e condições físicas das escolas públicas
plina, hierarquia, solidariedade e cooperação, vistos como pioram e a qualidade do ensino também cai. Ainda assim
garantia de segurança da nação. observa-se a gradativa expansão da rede pública de ensi-
no, que prioriza a construção de novas unidades escolares,

119
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

mesmo à custa da precarização da manutenção e da garan- Dessa forma, não tem sentido fazer referência a essas
tia de condições dignas de trabalho para os profissionais diferentes configurações como “famílias desestruturadas”,
da educação. As longas jornadas, os baixos salários e uma uma vez que na verdade elas configuram novas estruturas
mudança no perfil da clientela contribuíram para que a car- e não a falta de estrutura. Isso não significa dizer que não
reira de professor primário (séries iniciais do ensino fun- existam famílias negligentes ou omissas, nem implica em
damental) perdesse o encanto e parte do reconhecimento negar a situação de vulnerabilidade de muitas – mas é pre-
social. Observou-se o progressivo declínio da dignidade e ciso discernir entre o que realmente traz problemas para
do valor da profissão docente, particularmente na educa- as crianças e o que é apenas sinal de novos tempos. Vale
ção básica. lembrar que estas transformações e rearranjos familiares se
A necessidade de formação da força de trabalho que encontram atualmente presentes em todos os grupos so-
pudesse subsidiar o crescimento econômico dos anos 1970 ciais e nem todas as crianças oriundas destas novas estru-
favoreceu a construção de inúmeros estabelecimentos de turas familiares vivenciam problemas escolares ou sociais.
ensino, e a escola chegou a partes significativas da classe Nas últimas décadas do século XX, a revolução tec-
trabalhadora, que até então quase não se escolarizava. A nológica, a globalização, a comunicação e a computação
rede pública de ensino passa a atender crianças provenien- criam novos costumes e demandas. Nesse período, espe-
tes de famílias com muito pouca ou nenhuma escolarida- cialmente nos grandes centros urbanos do Brasil, os altos
de. Para lidar com as diferenças sociais e culturais da nova índices de violência e de conflitos sociais impactam a vida
clientela, surge a proposta da “educação compensatória”, das famílias e a rotina das escolas públicas. Ao mesmo tem-
que se dispunha a aplainar as deficiências advindas das po, a consolidação da democracia e a busca conjunta pela
condições sociais dos filhos de famílias pobres. qualidade do ensino parecem abrir espaço para o maior
Nas décadas de 1970 e 1980 os setores urbanos, cada entendimento e colaboração entre escola e família.
vez mais numerosos, continuaram a pressionar pela am- Estudos sociológicos recentes iluminam de modo mais
pliação da oferta de escolarização básica, demanda que se- específico essa relação, buscando, entre outros objetivos,
guia sendo muito superior à capacidade e à vontade polí- identificar os efeitos do envolvimento dos responsáveis na
escolaridade dos filhos. Os estudiosos do tema atestam
tica do poder público de atendê-la. Nesse contexto, cresce
que hoje a escola e a família intensificaram como nunca
o movimento das famílias de classe média de enviar suas
suas relações. A presença e a participação dos responsáveis
crianças para escolas particulares, iniciando-se uma forte
nas atividades escolares são cotidianas e acontecem além
associação entre escola pública e ensino para pobres.
das instâncias formais. A relação entre responsáveis e pro-
Mesmo com a expansão das matrículas no sistema
fissionais da educação é cada vez mais individualizada, em
educacional desde as décadas de 1960 e 70, o Censo De-
favor não apenas do desenvolvimento intelectual da crian-
mográfico de 1980 dava conta que, de uma população
ça, mas de seu bem-estar emocional.
em idade escolar de 23 milhões, cerca de um terço não
frequentava a escola. Na área rural, onde a população em A democracia e a busca da qualidade
idade escolar era na época de cerca de nove milhões, me-
nos da metade frequentava a escola. Também em 1980, o Com a redemocratização do país na década de 1980 e a
índice de analfabetismo no Brasil era de 25,5%. convocação da Assembleia Nacional Constituinte, os direitos
Criada como instituição especializada, dotada das sociais da população são evidenciados. A Carta de 1988, que
competências específicas, a escola assumiu a função de pela primeira vez incorporou ao sistema de ensino a educa-
promover o ensino. Família e escola compartilharam, ao ção infantil e retomou o direito à educação para todos, inclu-
longo do século XX, a responsabilidade por criar condições sive os adultos, definiu a educação como direito social (artigo
para que o aluno pudesse aprender. 6º) “fundante” da cidadania e instituiu o ensino fundamental
A partir dos anos 1950, crescem a importância que as gratuito e obrigatório universal (para crianças, adolescentes,
famílias atribuem à educação e a aproximação entre escola jovens, adultos e idosos de qualquer idade) como direito pú-
e família. Esse processo, entretanto, esteve sujeito a idas e blico subjetivo (artigo 208, parágrafos 1º e 2º).
vindas: durante os períodos autoritários, por exemplo, a es- A partir de então, atendendo democraticamente à pres-
cola pública brasileira esteve menos permeável ao diálogo são da sociedade, os governos passaram a dar mais atenção
com as famílias e as comunidades. à área da educação, estabelecendo novos planos e estra-
Por outro lado, as várias mudanças políticas, econômi- tégias para financiar o sistema educacional – que a partir
cas e culturais ocorridas, sobretudo na segunda metade do da nova Constituição volta a ter garantia de percentuais de
século XX, tiveram forte impacto sobre o papel da mulher e impostos para seu desenvolvimento e manutenção –, quali-
sobre a configuração das famílias, que se tornaram menos ficar professores e avaliar os resultados das escolas públicas.
numerosas e menos sujeitas ao controle patriarcal. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB),
Assim as famílias contemporâneas assumem novos promulgada em 1996, traz pela primeira vez a dimensão da
formatos com mães responsáveis pelo sustento dos filhos, autonomia das escolas para concepção do projeto políti-
pais solteiros, madrastas e padrastos de segundos casa- co pedagógico, com apoio das Secretarias Municipais de
mentos, união entre pessoas do mesmo sexo com direito a Educação. Até então, as escolas eram um espaço de imple-
adoção de filhos etc. A organização das famílias passa a in- mentação de políticas e programas e não respondiam pela
cluir novos arranjos que refletem mudanças socioculturais. construção de seus projetos.

120
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Como resultado da obrigatoriedade constitucional e Ação integral das escolas com as famílias prevista
das novas políticas públicas desenvolvidas a partir da rede- na LDB
mocratização do país, a taxa de escolarização da população
de sete a 14 anos subiu em 2000 para 97%. Dessa forma, “Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas
o desafio prioritário no ensino fundamental deixa de ser a as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão
garantia do acesso à escola. Superada a exclusão pela falta a incumbência de: (...) VI – articular-se com as famílias e a
de capacidade de atendimento, visualiza-se a exclusão pelo comunidade, criando processos de integração da socieda-
aprendizado insuficiente. de com a escola; (...) Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão
A escola brasileira continua a reproduzir desigualda- de: (...) VI – colaborar com as atividades de articulação da
des, uma vez que meninos negros e pobres são mais re- escola com as famílias e a comunidade. Art. 14. Os sistemas
provados, abandonam mais os estudos e concluem menos de ensino definirão as normas da gestão democrática do
o ensino fundamental. De acordo com o Relatório de Mo- ensino público na educação básica, de acordo com as suas
nitoramento Global de Educação para Todos, lançado pela peculiaridades e conforme os seguintes princípios: (...) II –
UNESCO em abril de 2008, o Brasil precisará de um grande participação das comunidades escolar e local em conselhos
esforço para cumprir, até 2015, o conjunto de metas do escolares ou equivalentes”.
compromisso da Conferência Mundial de Educação em Como a educação básica é dirigida, em princípio, a alu-
Dacar, Senegal, em 2000. O combate ao analfabetismo, a nos de zero a 17 anos, o ECA se aplica às escolas e diz
paridade de gênero – o Brasil tem mais meninas do que explicitamente:
meninos na escola –, a educação infantil e a qualidade da
educação são metas nas quais o país está mais atrasado. Capítulo IV
Atualmente, portanto, a democratização do ensino se Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao
traduz pela qualidade do ensino oferecido que viabiliza a Lazer.
permanência com sucesso do estudante na escola e contri-
bui para sua formação cidadã. “Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à edu-
cação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa,
V – RELAÇÕES CONTEMPORÂNEAS ESCOLA-FAMÍLIA preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o
trabalho, assegurando-se-lhes:
MARCOS LEGAIS I – igualdade de condições para o acesso e permanên-
cia na escola;
Ao longo das últimas décadas, a criança foi sendo des- II – direito de ser respeitado por seus educadores;
locada da periferia para o centro da família. Do mesmo III – direito de contestar critérios avaliativos, podendo
modo, ela passou a ser o foco principal do sistema edu- recorrer às instâncias escolares superiores;
cativo. O deslocamento é fruto de uma longa história de IV – direito de organização e participação em entida-
emancipação, na qual as propostas educacionais têm peso des estudantis;
importante. Esse movimento alinha-se ao dos direitos hu- V – acesso à escola pública e gratuita próxima de sua
manos e consolida-se na Carta Internacional dos Direitos residência. Parágrafo único. É direito dos pais ou responsá-
da Criança, de 1987, que registra o acesso da criança ao veis ter ciência do processo pedagógico, bem como parti-
estatuto de sujeito de direitos e à dignidade da pessoa. Tais cipar da definição das propostas educacionais. (...)
conquistas invertem a concepção de aluno como página Art. 55. Os pais ou responsável têm a obrigação de ma-
em branco, encerrada no projeto inicial da escola de mas- tricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino.
sa e que organizava a hierarquia das posições no sistema Art. 56. Os dirigentes de estabelecimentos de ensino
escolar. Estas mudanças incidem diretamente nas transfor- fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de:
mações das relações entre as gerações, tanto de pais e fi- I – maus-tratos envolvendo seus alunos;
lhos quanto entre professores e alunos. Com relações mais II – reiteração de faltas injustificadas e de evasão esco-
horizontais, o exercício da autoridade na família e na escola lar, esgotados os recursos escolares;
como estava configurado até então – adultos mandavam e III – elevados níveis de repetência”.
crianças/adolescentes obedeciam – tende a entrar em cri-
se. Na consolidação dos direitos das crianças, as responsa- Tanto no ECA quanto na LDB, a efetividade do direito à
bilidades específicas dos adultos que as cercam vão sendo educação das crianças e dos adolescentes deve contar com
modificadas e a relação escola-família passa a ser regida a ação integrada dos agentes escolares e pais ou respon-
por novas normas e leis. No Brasil, em termos legais, os sáveis. Esse novo ambiente jurídico-institucional inaugura
direitos infanto-juvenis estão amparados pela Constituição um período sem precedentes de consolidação de direitos
e desdobrados no Estatuto da Criança e do Adolescente sociais e individuais dos alunos e suas famílias. De todos
(ECA), Lei nº 8.069, de 1990, e na nova Lei de Diretrizes e os equipamentos do Estado, a escola é o que tem o mais
Bases da Educação Nacional (LDB), promulgada em 1996. amplo contato contínuo e frequente com os sujeitos destes
Segundo a LDB, os profissionais da educação devem ser os direitos, daí sua responsabilidade de atuar junto a outros
responsáveis pelos processos de aprendizagem, mas não atores da rede de proteção social. Isso não significa mudar
estão sozinhos nesta tarefa. A lei prevê a ação integrada o papel da escola e transformá-la em instituição assisten-
das escolas com as famílias: cialista, mas sim dar relevo a seu papel de ator fundamen-

121
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

tal – embora não exclusivo – na realização do direito da NOVAS FRONTEIRAS ESCOLA-FAMÍLIA


criança e do adolescente à educação. É comum se ouvir
discussões acaloradas entre professores sobre o ECA, prin- No movimento histórico apresentado anteriormente,
cipalmente quando ocorre alguma infração envolvendo vimos que houve transferência de parte das funções edu-
adolescentes que recebem a proteção indicada pelo Esta- cativas da esfera familiar para a estatal. Nesse deslocamen-
tuto. De fato, o respeito deve ser exercido em “mão dupla”, to, ao mesmo tempo em que o saber familiar, sobretudo
ou seja, não apenas crianças e adolescentes têm direitos das famílias pobres, foi desqualificado, ocorreu a profissio-
a serem respeitados, mas também seus educadores e de- nalização das funções educativas, reorganizando a interse-
mais profissionais. As discussões em torno do tema devem ção de funções e responsabilidades entre as famílias e as
ocorrer a partir de uma compreensão acurada da doutrina escolas. É importante ressaltar que ainda hoje mães, pais e
da proteção integral, que precisa estar incorporada à for- os demais agentes escolares se encontram em condições
mação inicial e continuada de professores, gestores escola- bastante distintas dentro do processo educativo. Como
res e educacionais. Com o envolvimento consciente desses instituição do Estado encarregada legalmente de conduzir
profissionais, a realização do direito à educação da criança a educação formal, a escola, por meio de seus profissionais,
e do adolescente certamente será mais facilmente alcan- tem a prerrogativa de distribuir os diplomas que certificam
çada. Outra questão é que, para a efetivação do Estatuto, o domínio de conteúdos considerados socialmente rele-
novos atores, como o Conselho Tutelar – órgão permanen- vantes. Esses certificados são pré-requisitos para estudos
te e autônomo, não jurisdicional – e o Ministério Público, futuros e credenciais importantes no acesso das pessoas às
passam a ser interlocutores dos agentes educacionais e das diferentes posições de trabalho na sociedade. Essas duas
famílias. Essas mediações afetam o equilíbrio das relações instituições, que deveriam manter um espaço de interse-
de poder dentro das escolas, das famílias e entre escolas e ção por estarem incumbidas da formação de um mesmo
famílias. Conflitos antes tratados na esfera privada ganham sujeito, podem, dependendo das circunstâncias, se distan-
os holofotes e os rigores da esfera pública. Atualizando os ciar até chegar a uma cisão. Normalmente, quando o aluno
marcos existentes, o Plano de Metas Compromisso Todos aprende, tira boas notas e se comporta adequadamente,
pela Educação, do Plano de Desenvolvimento da Educação mães, pais e professores se sentem como agentes comple-
(PDE), formalizado pelo Decreto nº 6.094, de 24/4/2007, mentares, corresponsáveis pelo sucesso.
reforça a importância da participação das famílias e da co- Todos compartilham os louros daquela vitória. Mas,
munidade na busca da melhoria da qualidade da educação quando os alunos ficam indisciplinados ou têm baixo ren-
básica. O Plano de Metas estabelece as seguintes diretrizes dimento escolar, começam as disputas em torno da divisão
para gestores e profissionais da Educação: de responsabilidades pelo insucesso. O insucesso escolar
deveria suscitar a análise de causas dos problemas que
Diretrizes do Plano de Metas interferiram na aprendizagem, avaliando o peso das con-
dições escolares, familiares e individuais do aluno. O que
“XIX – divulgar na escola e na comunidade os dados re- se constata é que, em vez disso, o comportamento mais
lativos à área da educação, com ênfase no Índice de Desen- comum diante do fracasso escolar é a atribuição de cul-
volvimento da Educação Básica – Ideb, referido no art. 3º; pas, que geralmente provoca o afastamento mútuo. Para
XX – acompanhar e avaliar, com participação da comu- ilustrar essa questão, colocamos lado a lado duas falas re-
nidade e do Conselho de Educação, as políticas públicas na correntes nas entrevistas realizadas para este estudo: – Dos
área de educação e garantir condições, sobretudo institu- professores, ouvíamos: “os pais dos alunos que mais pre-
cionais, de continuidade das ações efetivas, preservando a cisam de ajuda são sempre os mais difíceis de trazer até a
memória daquelas realizadas; escola”. – Dos pais desses alunos que mais precisam, ouvía-
XXI – zelar pela transparência da gestão pública na área mos: “nós, que mais precisamos de ajuda, somos os mais
da educação, garantindo o funcionamento efetivo, autôno- cobrados pelas escolas”. E uns não escutam os outros. Nes-
mo e articulado dos conselhos de controle social; (...) te jogo de busca de culpados, a assimetria de poder entre
XXIV – integrar os programas da área da educação com profissionais da educação e familiares costuma pesar a fa-
os de outras áreas como saúde, esporte, assistência social, vor dos educadores, principalmente quando temos, de um
cultura, dentre outras, com vista ao fortalecimento da iden- lado, os detentores de um saber técnico e, de outro, sujei-
tidade do educando com sua escola; tos de uma cultura iletrada. Novamente, se essas diferenças
XXV – fomentar e apoiar os conselhos escolares, en- são convertidas em desigualdade, a distância entre alguns
volvendo as famílias dos educandos, com as atribuições, tipos de famílias e as escolas que seus filhos frequentam
dentre outras, de zelar pela manutenção da escola e pelo se amplia. Podemos dizer que usar a assimetria de poder
monitoramento das ações e consecução das metas do para transferir da escola para o aluno e sua família o peso
compromisso; do fracasso transforma pais, mães, professores, diretores e
XXVI – transformar a escola num espaço comunitário alunos em antagonistas, afastando estes últimos da garan-
e manter ou recuperar aqueles espaços e equipamentos tia de seus direitos educacionais. É uma armadilha comple-
públicos da cidade que possam ser utilizados pela comu- ta. Mas seria possível, ou desejável, anular a assimetria en-
nidade escolar”. tre os familiares dos alunos e os profissionais da educação?
Entendemos que por trás da assimetria há diferenças reais.
Os educadores escolares são profissionais especializados

122
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

que têm autorização formal para ensinar e, conforme já mencionado, para emitir certificações escolares. Eles formam um
coletivo com interesses profissionais e institucionais a zelar, enquanto os familiares, geralmente pouco organizados, são
movidos por interesses individuais centrados na defesa do próprio filho.
Mais recentemente, além de representantes dos filhos, os familiares têm sido estimulados – inclusive pela legislação edu-
cacional – a interagir com os profissionais da educação também como cidadãos que compõem a esfera pública da instituição
escolar. A participação em conselhos escolares (ou associações de pais e mestres), em conselhos do Fundeb, conselhos de
merenda etc. é parte desta tarefa de representação da sociedade civil e de controle social. Essa dupla função – representante
do filho e representante da comunidade – torna mais complexa a delimitação dos lugares reservados aos pais e mães na escola,
mas abre possibilidades importantes de exercício democrático de participação que podem beneficiar todos.
Quando falamos em interação, pensamos em atores distintos que têm algum grau de reciprocidade e de abertura para
o diálogo. Nessa perspectiva, é importante identificar e negociar, em cada contexto, os papéis que vão ser desempenha-
dos e as responsabilidades específicas entre escolas e famílias. Por exemplo, considera-se que o ensino é uma atribuição
prioritariamente da escola. Esta, porém, divide essa responsabilidade com as famílias, quando prescreve tarefas para casa
e espera que os pais as acompanhem. Em um contexto de pais pouco escolarizados, com jornadas de trabalho extensas e
com pouco tempo para acompanhar a vida escolar dos filhos, essa divisão pode mostrar-se ineficaz. Por isso, da mesma
forma como procura diagnosticar as dificuldades pedagógicas dos alunos para atendê-los de acordo com suas necessi-
dades individuais, a escola deve identificar as condições de cada família, para então negociar, de acordo com seus limites
e possibilidades, a melhor forma de ação conjunta. Assim como não é produtivo exigir que um aluno com dificuldades de
aprendizagem cumpra o mesmo plano de trabalho escolar dos que não têm dificuldades, não se deve exigir das famílias
mais vulneráveis aquilo que elas não têm para dar.

VI – TIPOS IDENTIFICADOS DE RELAÇÃO DAS ESCOLAS COM AS FAMÍLIAS

O levantamento realizado para este estudo revelou ser pequeno o número de iniciativas (projetos, programas ou políti-
cas) em curso no Brasil desenhadas especificamente para estimular a relação escola-família. Constatamos também que vá-
rias experiências, localizadas via internet, haviam sido interrompidas com pouco tempo de duração. Isso pode indicar tanto
que tais experiências foram projetadas como eventos pontuais – dia da família na escola, ação comunitária, festividades –,
quanto a dificuldade de conceber e implementar uma proposta mais consistente. Estes fatos contrastam com o discurso
difundido por pesquisadores, educadores, gestores educacionais e legisladores sobre a importância de se trabalhar em
conjunto com a família dos alunos. Como ler esta distância entre o suposto consenso sobre a relevância de aproximação
das escolas com as famílias e a dificuldade de se conceber e implementar programas ou políticas nessa direção? Parte da
explicação parece estar na conjunção da complexidade do tema e das inúmeras dificuldades que as escolas públicas brasi-
leiras enfrentam para acolher o universo das crianças em idade de escolarização obrigatória.
As pesquisas mostram também que esta interação nem sempre é cordial e solidária. Ela pode ser uma relação armadilhada,
onde nem tudo o que reluz é ouro ou um diálogo (im)possível, como descrevem alguns teóricos mais influentes sobre a questão.
Um agravante da dificuldade do empreendimento pode ser, justamente, a falta de referências concretas de experiências munici-
pais e escolares que obtiveram resultados comprovados de uma interação que resultasse em melhoria na qualidade educacional.
O presente estudo pretende avançar, mesmo que de forma exploratória, na remoção deste último obstáculo. Com base nas infor-
mações coletadas, fizemos uma leitura transversal que aglutinou as experiências em quatro tipos de intencionalidade.

TIPOS DE PROPOSTA DE INTERAÇÃO ESCOLA-FAMÍLIA

123
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Toda tipologia deve ser tomada como uma das possíveis interpretações dos dados e tem efeito simplificador que
redunda em perdas. Perdem-se a riqueza dos contextos, as nuances de situações muito distintas e os detalhes de cada
experiência concreta. Na realidade, uma mesma experiência pode ter simultaneamente objetivos, estratégias e resultados
de diferentes tipos, de forma que eles não são mutuamente excludentes. Nossa expectativa com esta classificação é ajudar
os gestores e educadores a reconhecer em que medida já realizam atividades de interação escola-família e refletirem como
podem ampliá-las, redirecioná-las ou iniciar novos cursos de ação segundo as necessidades diagnosticadas.

124
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Educar as famílias nada diante da dificuldade em reunir um número realmen-


te significativo de pais para a tomada de decisões coletivas.
Praticamente todas as escolas e redes de ensino fazem Assim, aqueles familiares que assumem os postos de re-
reuniões de pais e promovem debates sobre as mudanças presentação tendem a defender visões particulares, muitas
sociais que afetam as crianças, jovens e consequentemente vezes a favor dos seus próprios filhos – e não exatamen-
escolas e famílias. Nessas ocasiões apresentam seus pro- te os interesses de seus pares. Isso pode contribuir para
jetos pedagógicos, falam de seus planos e convidam pa- manter afastadas as famílias menos escolarizadas e reforçar
lestrantes para esclarecer sobre o perigo do envolvimento as desigualdades sociais dentro da escola, barrando opor-
com drogas, o risco de uma gravidez precoce, a dificuldade tunidades de equidade educacional. Sendo assim – e sem
de impor limites e manter a autoridade do adulto etc. Às deixar de reconhecer que os mecanismos de participação e
vezes, as reuniões são organizadas de forma mais lúdica, gestão democrática são conquistas preciosas e relevantes
com técnicas de dinâmica de grupo para que as pessoas –, a forma como eles são praticados deve ser objeto de
se sintam mais acolhidas. Mas, na medida em que a escola atenção cuidadosa por parte das escolas e redes de ensino.
defende seu lugar de protagonista e abre poucos canais de A legitimidade é uma moeda importante na gestão es-
escuta sobre o que os pais têm a dizer, esse acolhimento colar/educacional. Além disso, cabe lembrar que há hoje
fica num nível muito superficial. programas de formação de conselhos municipais de edu-
Não estamos negando a importância desse tipo de ati- cação, conselhos escolares e outros, que ajudam a quali-
vidade, mas é importante também analisar alguns de seus ficar esses processos de decisão coletiva. Interagir para
limites. A ideia de educar as famílias costuma ter por base melhorar os indicadores educacionais Uma das principais
a suposição de que elas são omissas em relação à criação causas diagnosticadas da fragilidade da interação das
de seus filhos. Essa “omissão parental” que alguns autores famílias com as escolas é que a maioria dos usuários do
nomeiam como um mito, aparece reiteradamente no dis- ensino público não tem a cultura de exigir educação de
curso dos educadores como uma das principais causas dos qualidade para seus filhos. Pesquisas envolvendo pais de
problemas escolares. Esse tipo de explicação incorre numa alunos de escolas públicas atestam que, para a maior parte
inversão perigosa de responsabilidades: uma coisa é valori- destes, o direito à educação continua sendo confundido
zar a participação dos pais na vida escolar dos filhos; outra com vaga na escola, acesso ao transporte, ao uniforme e à
é apontar como principal problema da educação escolar a merenda escolar. Em resposta a isso, cartilhas orientando
falta de participação das famílias. sobre os direitos e deveres das famílias e sugerindo formas
de envolvimento dos pais e mães na educação dos filhos
Abrir a escola para a participação familiar têm sido largamente divulgadas. Igrejas, empresas e ONGs
conclamam seus fiéis, empregados e beneficiados a atuar
Essa é uma das formas de aproximação mais difundidas na busca por uma escola pública mais eficaz. Mais recente-
hoje no meio escolar. É onde se inscrevem políticas federais mente, com a criação do Ideb, estamos vendo uma série de
como o Escola Aberta, o Mais Educação e também as ações iniciativas governamentais e não governamentais de mobi-
que visam cumprir as diretrizes de gestão democrática da lização da sociedade civil (familiares incluídos) para moni-
escola. O espaço da escola é visto como equipamento pú- torar as metas estabelecidas para cada município e escola.
blico a serviço da comunidade cuja utilização deve ser am- Muitas redes de ensino começam a estabelecer incentivos
pliada com a realização de atividades comunitárias, como com base nestas medidas.
oficinas para geração de renda e trabalho. Os responsá- Cumprindo a determinação legal, neste tipo de intera-
veis pelos alunos são tratados como parte da comunidade ção as informações são compartilhadas com os familiares e
escolar representando seus pares em conselhos escolares, as metas estabelecidas para os alunos são colocadas como
associações de pais, e até participando escola família como um horizonte de interesse comum. Profissionais da edu-
voluntários em ações cotidianas da escola, inclusive em cação orientam familiares a atuarem complementarmente
alguns casos como auxiliares das professoras em salas de ao trabalho da escola, valorizando e acompanhando a vida
aula. escolar dos filhos. Ajudam também a encontrar alternati-
Os eventos abertos ao público costumam ser plane- vas, quando a família não consegue auxiliar nas atividades
jados conjuntamente por representantes de pais e equipe de apoio escolar. Coloca-se assim o princípio de respon-
escolar. No entanto, a ação propriamente pedagógica con- sabilização de cada parte para a mesa de negociações e
tinua sendo uma questão de especialistas e um pedaço da novos atores entram em cena, como o Conselho Tutelar
conversa onde não cabe bem a opinião familiar. Embora o – convocado para ajudar no combate à infrequência e ao
diálogo neste tipo de interação seja mais fecundo do que abandono escolar, por exemplo. Neste tipo de interação, o
no tipo descrito anteriormente, os estudos que focam es- foco está posto nos resultados da educação escolar. Me-
pecificamente a participação dos pais na escola revelam diada por resultados de avaliações escolares, este tipo de
que as oportunidades e espaços destinados a esta partici- interação ajuda a organizar um diálogo mais produtivo. As
pação costumam privilegiar um tipo de família, que geral- questões de disciplina são tratadas como um problema co-
mente já se encontra mais próxima da cultura escolar, em mum e não como falha da educação familiar. As funções e
detrimento de outros20. Em outras palavras: são sempre os metas de ensino ajudam a estabelecer os compromissos a
mesmos e poucos pais e mães que participam da gestão serem assumidos pela escola. A dificuldade que se apre-
escolar. Nesse sentido a ideia de representação é questio- senta é que isso exige dos professores e gestores escolares

125
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

segurança para defender seu trabalho educacional e aber- Algumas conquistas formais, como a participação de
tura para ouvir críticas em caso de resultados negativos, representantes de pais e mães e mesmo alunos na gestão
além da necessária disposição para buscar soluções de for- escolar, muitas vezes não passam de rituais burocráticos
ma compartilhada. travestidos de democracia. Para que um programa de in-
No contexto atual, as ações de interação com a fa- teração cumpra seus objetivos de igualdade de oportuni-
mília para melhorar os indicadores educacionais tendem dades entre os alunos, é preciso analisar que participação
a se multiplicar. Incluir o aluno e seu contexto. Este tipo é essa, em que medida ela é representativa do conjunto
foi identificado em apenas três das experiências realizadas das famílias, e que fatores podem inibir a participação
pelas Secretarias – e mesmo assim de forma parcial. Essas mais igualitária dos diversos grupos familiares. Destaca-
experiências, ainda que raras, incorporam de maneira mais mos também que a presença de familiares na escola nem
completa os princípios propagados neste estudo, apontan- sempre é um bom indicador de uma interação a serviço da
do para possibilidades de interação escola-família menos aprendizagem dos alunos/filhos.
difundidas, mas promissoras. Nesse tipo de abordagem, Uma escola que promove muitos e concorridos eventos
a aproximação das famílias tem como ponto inicial o co- pode estar se comportando mais como um centro cultural/
nhecimento sobre as condições de vida dos alunos e sobre social e perdendo de vista o que lhe é específico, isto é, ga-
como elas podem interferir nos processos de aprendiza- rantir uma educação escolar de qualidade. Assim, é impor-
gem. Para estabelecer o diálogo, a escola tanto recebe as tante fazer uma diferenciação entre participação familiar
famílias quanto vai até elas por meio de visitas domiciliares, nos espaços escolares e participação na vida escolar dos
entrevistas com familiares, enquetes, troca de informações filhos – o que também nem sempre depende da presença
com outros agentes sociais que interagem com as famílias, dos responsáveis no estabelecimento de ensino. Chama a
como os agentes de saúde do Programa Saúde da Família atenção o fato de que em boa parte das experiências iden-
etc. A equipe de gestão escolar atua na preparação dessa tificadas a interação com as famílias não é pensada como
aproximação e no planejamento das atividades pedagógi- uma estratégia de conhecimento da situação familiar para
cas a partir do que foi apreendido sobre os alunos e seu a construção de um diálogo em torno da educação esco-
lar, mas sim como uma intervenção no ambiente familiar
contexto familiar. A interação com as famílias é universal,
para que ele responda de forma mais efetiva às deman-
isto é, atinge todos os alunos, mas as consequências do
das da escola. Essa diferença pode parecer sutil – porém
programa dão origem a formas diferenciadas de atendi-
é bastante significativa. Para ilustrá-la, vamos pensar em
mento aos alunos. Por exemplo: os casos de vulnerabilida-
posturas diferentes diante de uma atividade que está pre-
de e abuso são notificados, encaminhados e acompanha-
sente em todos os estabelecimentos de ensino: as reuniões
dos em conjunto com outros órgãos públicos.
de pais na escola. Uma reunião pode ter elementos muito
A partir daí, serviços de atendimento educacional aos
semelhantes, mas, dependendo da sua condução, pode au-
alunos com menos apoio familiar podem ser organizados
mentar a distância entre os participantes ou abrir canais de
e assumidos pelas escolas. Este é um tipo de relação que diálogo.
requer uma disposição de revisão permanente das práticas A reunião poder ser marcada no horário de conveniên-
e posturas da instituição escolar e também a articulação de cia da escola sem consultar a disponibilidade dos respon-
outros profissionais para compor uma rede de proteção à sáveis, ter como conteúdo mensagens que a escola quer
criança e ao adolescente que seja realmente integral. Re- passar aos familiares, independentemente de qualquer tipo
flexões sobre a prática A diversidade de experiências que de demanda destes, e a dinâmica pode ser os profissio-
encontramos reforça o que já dissemos sobre as múltiplas nais da educação falarem e os familiares escutarem. Nes-
funções e possibilidades que a interação escola-família ses casos, os cuidados com acolhimento e participação são
pode cumprir. Podemos fazer uma aproximação desta ti- pequenos e podem acontecer situações nas quais os pais
pologia com uma outra, proposta por Jorge Ávila de Lima, se sentem excluídos, como a projeção de textos escritos
que classifica o envolvimento dos pais na escola em três para uma plateia com muitos analfabetos ou o uso de lin-
tipos: guagem técnica que não é compreendida pela audiência.
1) Mera recepção de informação; A equipe escolar, ao fim desse tipo de encontro, só sabe o
2) Presença dos pais nos órgãos de gestão da escola; e que quis dizer e não o que foi compreendido pelas famílias.
3) Envolvimento significativo na vida da sala de aula. A consequência é continuar trabalhando com suposi-
É oportuno fazermos aqui uma observação: na construção ções sobre as famílias, sem ter avançado no conhecimento
de uma interação escola-família, importa mais o tipo de sobre elas e muito menos na construção de uma agenda de
relação que a atividade favorece do que a modalidade da colaboração mútua. Numa reunião em que há uma preocu-
atividade em si. Nas duas formas de classificação de ativi- pação maior com a interação, a equipe da escola organiza
dades citadas anteriormente, percebemos que a interação informações sobre o desempenho dos alunos (geral e indi-
com as famílias ou participação parental pode ser mais ou vidual) e também orientações sobre como as famílias po-
menos superficial, dependendo do objetivo estabelecido dem estimular os alunos a se empenharem nas atividades
por cada escola ou rede/sistema de ensino. Há casos em escolares. Esse tipo de interação exige maior clareza dos
que a comunidade se impõe no espaço escolar, mas, na papéis dos agentes educacionais, que ajudam a delinear
maioria das situações, o tipo de interação é decidido pelos para pais e mães os lugares que podem ocupar no apoio/
educadores. complementação da educação escolar. Como a interação

126
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

pretende influenciar positivamente o desempenho dos alu- pessoal das escolas e os familiares têm gostado dessas reu-
nos, toma-se mais cuidado com a linguagem e procura-se niões: dizem que são diferentes, interessantes e agradáveis.
criar espaços de manifestação e esclarecimento de dúvidas. Depois de sensibilizar os pais para o debate, a estratégia
Os horários das reuniões são normalmente marcados do “Conversando a Gente se Entende” tem sido exortar a
após consulta aos familiares, os assuntos são registrados participação deles na busca de uma educação de qualidade
em ata e os compromissos de cada um são estabelecidos para os filhos.
e acompanhados tanto pela escola, como pelos responsá-
veis junto com a avaliação processual dos alunos. Nos ca- VII – ELEMENTOS PARA UMA POLÍTICA DE INTERA-
sos onde a relação escola-família já está mais desenvolvida, ÇÃO ESCOLA-FAMÍLIA
os motivos apresentados pelas famílias para não participar
dos encontros das escolas são pesquisados e utilizados Esta seção aponta alguns elementos para a elabora-
para o planejamento das próximas atividades. Em vez de ção de uma política ou programa de interação escola-fa-
uma série de respostas, os profissionais da escola fazem mília, reconhecendo que a base empírica do estudo não
também perguntas e dialogam com os pais antes de pro- nos permite ir muito além disto. Inicialmente retomaremos
por ações de responsabilidade conjunta. aspectos mais estratégicos, como a definição de ações (que
Para os pais ausentes, são pensadas estratégias não podem configurar um projeto, um programa, uma política),
somente para disseminar as informações da reunião, mas para, num segundo momento, detalharmos aspectos que
também para apoiá-los, se for o caso, com ações da rede ajudem a pensar a operacionalização do programa/políti-
comunitária ou de proteção social disponível. Os familia- ca. Reiteramos que este estudo não pretende ser normati-
res podem propor temas para a reunião com a escola. Os zador e sim sinalizar um caminho de reflexões para repen-
agentes escolares se posicionam claramente como respon- sar as práticas estruturantes do fazer pedagógico a partir
sáveis pelo ensino e negociam com as famílias suas possi- da interação entre escolas e famílias.
bilidades de ajudar na escolarização dos filhos. Observa-se,
enfim, nesse tipo de reunião, uma efetiva abertura para VII. 1 – Pensando estrategicamente a Interação Es-
tomar os pais como sujeitos e parceiros do processo de cola-Família
escolarização, buscando compreender seus pontos de vista
e evitando-se exagerar nas expectativas em relação a eles. Os argumentos sobre a importância e necessidade do
Concluindo, queremos dizer que vão existir sempre re- trabalho integrado entre essas duas instituições são tão
uniões e reuniões – poderão ser produtivas ou infrutíferas, numerosos que, muitas vezes, nos esquecemos de fazer al-
dependendo da forma como são construídas. Ao organizar gumas perguntas simples, porém fundamentais:
encontros e palestras, a escola precisa ter em seu horizon-
te algumas questões, como por exemplo: qual lugar é re- AS ESCOLAS PODEM TRABALHAR SEM AS FAMÍ-
servado para as famílias? A atividade reforça a assimetria LIAS?
entre quem sabe/quem não sabe, quem é especialista ou
formado/quem não é, ou estabelece um espaço efetivo de É claro que o trabalho conjugado entre as duas instân-
diálogo em que todos são interlocutores válidos? Nessa se- cias socializadoras favorece o desenvolvimento integral (in-
gunda perspectiva, educadores escolares e famílias podem cluindo a carreira escolar) das crianças e adolescentes. Mas
ter a chance de se educarem juntos. não podemos esquecer que, sendo o Estado o responsável
O calor não dava trégua, mesmo no final da tarde. Não primário pela educação pública, deve procurar meios para
havia nem ventilador, muito menos ar refrigerado. Mesmo priorizar e garantir esse direito. Ou seja, o sistema de ensino
assim cerca de 60 mães/pais/avós de alunos da Escola Mu- que deposita todas suas expectativas ou a culpa dos resulta-
nicipal Santa Maria de Vassouras se reuniram para ouvir um dos escolares de seus alunos exclusivamente na família está
texto, assistir a um filme e, depois, bater um papo sobre o de alguma forma renunciando a sua missão. O dever da famí-
que ouviram e viram com a diretora e técnicos da Secre- lia quanto à educação escolar obrigatória é matricular e en-
taria de Educação. O texto Nó do Afeto dizia que, mesmo viar regularmente seus filhos às escolas. O não cumprimento
com pouco tempo, um pai e uma mãe podem mostrar ao deste dever caracteriza negligência passível de punição legal.
filho que o amam e se interessam por sua vida escolar. O É preciso que as escolas conheçam as famílias dos alu-
filme Vida Maria mostrava o efeito do trabalho precoce e nos para mapearem quantas e quais famílias podem ape-
da falta ou interrupção da escola na vida de crianças de um nas cumprir seu dever legal, quantas e quais famílias têm
meio rural. condições para um acompanhamento sistemático da es-
O legado de uma geração para a outra era só a miséria. colarização dos filhos e quantas e quais podem, além de
A tristeza do filme emudeceu um pouco as mães. Mas uma acompanhar os filhos, participar mais ativamente da gestão
avó logo soltou a voz: “no meu tempo, era assim mesmo. escolar e mesmo do apoio a outras crianças e famílias. É
A gente não ia para a escola porque era longe e porque nesse sentido que a interação com famílias para conheci-
precisava trabalhar. Ninguém aprendia nada”, disse. Per- mento mútuo destaca-se como uma estratégia importante
guntada se via mudanças, afirmou: “hoje tem escola em de planejamento escolar e educacional.
todo o lugar e ajuda para estudar”, resumiu. Esta reunião O levantamento sistemático de informações objetivas
foi uma das várias realizadas em 2008 nas escolas de Teresi- sobre os recursos e as atitudes das famílias frente à es-
na, dentro do projeto “Conversando a Gente se Entende”. O colarização dos filhos deve substituir ações baseadas em

127
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

suposições genéricas do que, em tese, toda família deveria culando pela sala, e não se concentrava nos seus afazeres.
fazer para o bom desenvolvimento dos filhos. De novo, te- Quando conversou com sua mãe, se deu conta de que ele
mos que passar da “família esperada” à “família real” para tinha uma série de atribuições domésticas e era responsá-
traçar estratégias mais eficazes visando o envolvimento fa- vel, na ausência dos adultos, pelos irmãos mais novos. As-
miliar na vida escolar dos alunos. Uma política ou progra- sim, o único espaço que ele tinha para relaxar e ser criança
ma de interação escola-família é uma forma de estabelecer era a escola.
uma racionalidade produtiva para essa delicada relação, de Numa outra história, a professora de educação física con-
modo a tirá-la tanto do lugar de bode expiatório – situação tou que não conseguia envolver vários de seus alunos nas
na qual a ausência das famílias é, reiteramos, motivo ale- atividades de dança. Ela argumentava com a turma o quanto
gado para os maus resultados da rede de escolas –, quanto soltar o corpo era bom e prazeroso e tinha como resposta
do otimismo ingênuo – segundo o qual basta haver vín- os olhares desconfiados de boa parte da turma. Quando se
culos amistosos entre professores, gestores, mães, avós e aproximou das famílias, percebeu que a orientação religiosa
demais parentes para se julgar que há complementaridade da maioria das mães e pais pregava que a dança era um ato
entre os dois universos de referência das crianças. pecaminoso. Assim, a professora percebeu que, ao insistir na
atividade, gerava um sério conflito moral em seus alunos. Os
UMA POLÍTICA PARA QUÊ? exemplos acima sinalizam que uma compreensão mais apu-
rada das condições de vida e da cultura dos alunos pode ge-
Guiada pelos princípios já expostos, a política de inte- rar mudanças produtivas no planejamento pedagógico e na
ração deve estar alinhada com objetivos gerais, tais como: relação professor-aluno. Este ponto merece especial atenção,
• Garantir aos alunos o direito a educação de qualidade pois, desde o fim dos anos 1960, pesquisas já constatavam
e a salvo de toda forma de negligência e discriminação; que as expectativas dos docentes funcionam como uma pro-
• Promover ensino de qualidade, compreendendo e in- fecia autorrealizadora para seus alunos.
cluindo o contexto familiar e social do aluno no processo A profecia autorrealizadora, também conhecida como
educativo; efeito pigmaleão, foi fundamentada por Rosenthal e Jacob-
• Conhecer as situações das famílias dos alunos, bus- son (1968). O estudo mostrou que os professores tendem
cando envolvê-las, na medida de suas possibilidades, na a tratar os alunos conforme expectativas prévias que termi-
educação escolar dos filhos. O que a interação com as fa- nam por influenciar o desempenho efetivo dos estudantes.
mílias tem a ver com a qualidade de ensino-aprendizagem? Por exemplo, um professor classifica um aluno como desa-
Recuperando a ideia de que a relação escola-família come- tento e passa então a agir em relação a este aluno sempre
ça pelo tratamento que é dado aos alunos em sala de aula, segundo este pensamento. Com o tempo, o aluno acaba
vemos que as iniciativas de interação podem ter conexão se convencendo de que é mesmo desatento, intensifican-
direta com as práticas pedagógicas propriamente ditas. do comportamentos nesse sentido. Se a percepção de um
Independentemente da estratégia de aproximação das professor sobre cada um de seus alunos é decisiva para a
escolas dos contextos familiares dos alunos, é importante que promoção de uma boa relação escola-aluno, um diagnós-
ela seja pensada para incidir diretamente no conhecimento tico baseado em suposições e não em evidências sobre os
que a escola tem sobre as condições de apoio educacional fatores que estão interferindo nos problemas de aprendi-
que cada aluno tem na dinâmica do seu grupo familiar. Ao zagem pode gerar intervenções pedagógicas pouco efica-
conhecer as condições reais das famílias – simbólicas e mate- zes e com resultados possivelmente desastrosos.
riais –, as escolas conseguem delimitar melhor o seu espaço Além disso, os julgamentos escolares costumam in-
de responsabilidade específica e planejar de forma mais con- fluenciar a expectativa das famílias – o que, por sua vez,
creta os apoios necessários para o grupo de alunos cujas fa- impacta consideravelmente as chances de uma criança,
mílias não têm condições (mesmo que temporariamente) de adolescente ou jovem ter sucesso como aluno. O círculo vi-
se envolver na escolaridade dos filhos. Além disso, quando os cioso se quebra quando “a escola abraça até o mau aluno”,
alunos percebem que seus professores os conhecem, sabem como disse uma coordenadora pedagógica entrevistada. A
com quem moram, em que situação vivem, sentem-se mais interação com as famílias nos moldes como estamos con-
seguros para expressar seus medos e dúvidas na sala de aula. cebendo aqui é recente na história da educação brasileira,
Esse conhecimento pode vir por meio de visita domiciliar, rea- por isso ela requer mudanças de mentalidade de todos os
lizada pelo próprio professor ou outro agente educacional, envolvidos. Segundo várias pesquisas, as escolas frequen-
por informações organizadas via questionário, pela presença temente representam as famílias como uma extensão de
de pais nos espaços escolares e mesmo por atividades reali- si mesmas, sem perceber as diferenças de lógica de um
zadas diretamente com os alunos. espaço a outro. Esse traço, de colocar a lógica da instituição
Muitos professores ouvidos nesse estudo afirmam que, escolar no centro do diálogo, é chamado escolacentrismo e
ao verem com mais nitidez a realidade de alunos, modifica- costuma impedir que os agentes escolares escutem e com-
vam sua interpretação sobre seu comportamento em sala preendam o ponto de vista das famílias.
de aula, deixando de lado a expectativa de aluno ideal e O estudo Participación de las familias en la educación
abraçando o aluno real. Vários exemplos apareceram nos infantil latino-americana destaca alguns fatores que costu-
municípios visitados. Em um deles, uma professora relatou mam inibir uma boa interação com algumas famílias. Todos
que tinha dificuldades para lidar com um aluno que atra- esses fatores podem, de alguma forma, ser relacionados
palhava o ritmo dos colegas: ficava sempre brincando, cir- com a ideia de “escolacentrismo”:

128
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

• Os professores sentem-se incomodados quando os resolva todos os problemas sociais. A Assistência Social do
pais opinam na área que julgam de sua competência ex- município geralmente tem a atribuição de formar a Rede
clusiva. Não veem importância ou não acreditam que as de Proteção Integral para crianças e adolescentes, confor-
famílias possam participar dessa relação de contornos mais me prevê o ECA. As Secretarias de Educação e as escolas
pedagógicos. são uma parte estratégica desta rede de proteção, espe-
• Educadores culpam a família pelas dificuldades apre- cialmente porque têm contato cotidiano com as crianças e
sentadas pelos alunos e alunas. É comum ouvir: a mãe não jovens e, por meio deles, também com suas famílias.
se preocupa, abandona o filho, não estabelece limites em O papel dos agentes educacionais é identificar as de-
casa. mandas e encaminhá-las aos serviços de apoio social exis-
• Professores criticam os pais (principalmente as mães) tentes no município/bairro, estruturados especificamente
por não ajudarem no dever e nos pedidos da escola, ig- para as necessidades não escolares, por exemplo: grupos
norando as mudanças do papel da mulher na sociedade. de alcoólicos anônimos, programas de erradicação de tra-
Assim, o aluno que se apresenta sem o apoio do adulto é balho infantil, serviços de saúde etc. Ou seja, é preciso que
desprestigiado em sala de aula e tende a piorar seu rendi- os gestores e demais responsáveis pela educação tenham
mento. uma visão intersetorial. No desenho de políticas e ações
• Gestores e docentes desqualificam aspectos da cul- intersetoriais, a coordenação costuma ficar a cargo do pre-
tura familiar sem sequer conhecer o sentido das práticas, o feito municipal, já que exerce poder de articulação entre
espaço e a rotina familiar. os diversos setores governamentais e pode ainda mobilizar
• A escola persiste com atividades dirigidas a modelos organizações não governamentais, meios de comunicação
de famílias tradicionais, apesar das mudanças na socieda- e a população em geral. Essa liderança é um respaldo fun-
de. damental e até mesmo um pré-requisito para desencadear
• A escola mantém a mesma rotina de reuniões, ofi- as ações multissetoriais necessárias ao desenvolvimento de
cinas, palestras e atividades, sem consultar os pais sobre uma política educacional de interação responsável e efi-
temas de seu interesse, necessidade e horários adequados. ciente.
A identificação das práticas e atitudes que distanciam as Significa dizer que, se dos prefeitos espera-se o pa-
famílias de um diálogo focado no desenvolvimento escolar pel de coordenador das políticas intersetoriais, do gestor
dos seus filhos é importante para, por exemplo, rever os educacional esperam-se iniciativa, disposição e capacidade
conteúdos de formação dos docentes, reorganizar a forma de articulação horizontal com seus pares da Saúde, Assis-
como as escolas convocam e recebem familiares dos alu- tência Social etc., pois muitas vezes é necessário agilidade
nos, repensar as instâncias de participação na gestão da para que os problemas sociais não se alojem apenas nos
escola, entre outras providências. estabelecimentos de ensino. Caso o serviço não esteja dis-
ponível, mas seja uma demanda legítima da população, a
QUEM PROPÕE A POLÍTICA? secretaria ou órgão responsável deverá ser apoiado, com
dados coletados pela rede educacional, para pleitear jun-
Ao considerarmos as instituições escolares como ini- to à administração municipal a instalação deste serviço ou
ciadoras do movimento de aproximação com as famílias, as política. Como alertam os estudos de casos de articulação
orientações aqui contidas se dirigem prioritariamente aos intersetorial, a construção de compromissos comuns a par-
gestores educacionais, gestores escolares e professores. tir de referências disciplinares, técnicas, políticas e de foco
Embora tenhamos encontrado experiências interessantes distintos é um grande desafio.
acontecendo em escolas, percebemos que a interferência Apesar das dificuldades, constata-se que se a colabo-
direta ou a liderança da Secretaria de Educação aumenta ração de vários setores é bem- -sucedida, ela oferece uma
as chances de sucesso de um programa de interação. Além série de vantagens para a população tais como: aumenta
disso, é importante que a política conte com a participação o conhecimento e a compreensão entre os setores; evita
da sociedade, representada, por exemplo, pelo Conselho superposição de funções que geram rivalidades; ajuda a
Municipal de Educação, Conselho Municipal da Criança e estabelecer uma matriz de papéis e responsabilidades; as-
do Adolescente etc. segura o planejamento baseado no conhecimento amplia-
do das necessidades da comunidade; e disponibiliza para
UMA POLÍTICA COM QUEM? o público informações mais coerentes e uniformes. Progra-
mas como o Bolsa Família, de Erradicação do Trabalho In-
A experiência tem mostrado que, quando a escola fantil (Peti), Saúde na Família (PSF), Saúde na Escola (PSE),
vai ao encontro das famílias dos alunos, principalmente entre outros, são exemplos de aplicação da estratégia in-
quando há contato direto como nas visitas domiciliares, tersetorial em interface com a educação.
os educadores se deparam com situações e demandas de Tal estratégia é reforçada pela Diretriz XXIV do Plano
várias ordens: alcoolismo, vício em drogas, violência, pre- de Metas Compromisso Todos pela Educação do PDE – “in-
cariedade das condições das moradias, necessidade de tegrar os programas da área da educação com os de ou-
atendimento médico, trabalho infantil doméstico etc. Esses tras áreas como saúde, esporte, assistência social, cultura,
problemas extrapolam a função dos educadores e, muitas dentre outras, com vista ao fortalecimento da identidade
vezes, causam-lhes uma sensação de impotência que os do educando com sua escola”. “Gente, é o mesmo meni-
fragiliza emocionalmente. Não se espera que a Educação no!” Benjamin é um menino de 11 anos, bem alto para sua

129
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

idade, que aproveita, todas as tardes, as atividades de la- mil famílias, Belo Horizonte (MG) consolidou nos últimos
zer oferecidas por um dos Centros de Referência de Ação anos, a partir da criação do Programa Família-Escola, ações
Social (Cras) de Teresina, onde sua família credenciou-se integradas no território. São quatro grandes linhas de atua-
para receber o Programa Bolsa Família. O pessoal do Cras ção: controle da frequência escolar, transferência de renda,
conhece Benjamin, sua preferência por basquete e acos- promoção da saúde e mobilização social.
tumou-se a ouvir, todas as tardes, sua risada alta, quando Essa estratégia orienta a descentralização em adminis-
faz uma cesta. Para eles, Benjamin, e também sua família, trações regionais, a formação dos gestores escolares – para
são participantes ativos do programa. Entretanto, o boletim se verem como agentes de ações intersetoriais –, e chega
de controle de frequência da escola do bairro, que fica ali até as crianças de muitas formas. Um exemplo de desdo-
perto do Cras, mostra que Benjamin faltou às aulas muito bramento possível de um olhar mais de perto e em con-
mais do que o permitido. junto sobre cada aluno é o fornecimento de merenda dife-
Ele corre, portanto, o risco de ter o benefício suspenso. renciada para os alunos com problemas metabólicos, alér-
Os gestores sabem que o dinheiro fará falta à família e não gicos ou outros. Numa articulação entre as Secretarias de
querem fazer isso, mas têm de cumprir as regras. E não Abastecimento, Saúde e Educação, alunos com restrições
entendem uma coisa: por que o menino está presente no alimentares foram identificados e passaram a ter um car-
Cras e não na escola? E por que não souberam disso antes? dápio montado exclusivamente para eles. A dieta passou
Na escola, a surpresa é a mesma: por que o menino e sua também a fazer parte do planejamento e da distribuição
família prestigiam o Cras e não a escola? E por que não alimentar nas escolas. Assim, os alunos se sentem incluídos
souberam disso antes? Na realidade, professores e assis- e atendidos nas suas necessidades específicas.
tentes sociais nem saberiam a reação e as dúvidas uns dos A Secretaria Municipal de Educação (SMED) apoia,
outros. Por quê? Porque simplesmente não conversavam além das atividades internas a cada escola, o Fórum Famí-
uns com os outros. Assim como também não saberiam di- lia-Escola – encontros nos quais os familiares expõem suas
zer se Benjamin está em dia com o posto de saúde. Já que dúvidas, queixas e sugestões sobre a educação e a escola
faltou tanto, comprometendo seu desempenho escolar, de seus filhos. Todas as famílias também recebem trimes-
poderia estar doente. E olha que o posto, encarregado de tralmente o Jornal Famíla-Escola e contam com o serviço
verificar o calendário de vacinas, fica bem ao lado da esco- de relacionamento por telefone chamado Alô, Educação!
la. Localizados no mesmo território, os gestores municipais Todas essas atividades orientam-se, segundo a SMED, para
de educação, saúde e assistência social cuidavam de suas criar uma rede de colaboração, diálogo e parceria entre fa-
atribuições, mas não entendiam o que tinham em comum. mílias, escolas, comunidades e serviços públicos, garantin-
“Gente, é o mesmo menino”, resumiria a diretora da escola, do não só a permanência dos alunos em sala de aula, mas
quando o grupo finalmente sentou-se à mesma mesa para também o aprendizado de crianças, adolescentes e jovens.
conversar. Sim: o mesmo menino – de manhã na escola, de
tarde no Cras, e com passagens pelo posto de saúde. No UMA POLÍTICA COM QUE RECURSOS?
caso de Teresina, como 80% dos alunos da rede municipal
estão inscritos no Programa Bolsa Família, a necessidade de Sabemos que a descontinuidade dos programas na
articulação desses serviços é ainda maior. mudança de gestores públicos é um problema grave na
Mas, como cada área só cuidava de sua parte, ninguém gestão educacional. Quando a política envolve custos ele-
via o Benjamin inteiro: para uns ele estava bem, para ou- vados, fica mais vulnerável a cortes orçamentários. Nas
tros, mal. Teresina decidiu encarar o desafio da interseto- experiências visitadas para esta pesquisa, os recursos ma-
rialidade – tarefa que já se consolida em outras capitais, teriais e humanos necessários para implementar ações de-
como Belo Horizonte (MG), como veremos a seguir. Em ou- pendiam diretamente da estratégia de aproximação com as
tubro de 2008, os principais gestores municipais de Teresi- famílias. Encontramos iniciativas com custo mínimo, ape-
na – pedagogos, médicos e assistentes sociais – estavam se nas com a cessão de técnicos da SME para acompanhar
transferindo para o mesmo prédio para facilitar o trabalho esporadicamente os trabalhos nas escolas. Já as iniciativas
conjunto. O município havia realizado também nessa épo- que incluíam visitas domiciliares contavam com a provisão
ca um inédito Ciclo de Oficinas de Integração entre esses de recursos para custear os deslocamentos e o trabalho
profissionais, para organizar a rede de proteção social. A dos agentes educacionais. A frequência e abrangência des-
proposta é construir um planejamento conjunto de atendi- sas visitas definem o custo do programa. Chama atenção a
mento às famílias, por território. existência de decretos municipais amparando legalmente
A iniciativa tem o nome de Ciclo de Oficinas de Arti- esse tipo de função.
culação e Integração das Ações dos Centros de Referência Esse procedimento institucional fortalece as ações de
da Assistência Social (Cras) com as Políticas de Educação interação escola-família, tornando-as menos sujeitas a mu-
e Saúde. Resultou da parceria entre a Secretaria Munici- danças conjunturais. Além dos encontros diretos com fa-
pal de Educação e Cultura (Semec), a Secretaria Municipal miliares, é preciso prever recursos e prazos também para
do Trabalho, Cidadania e Assistência Social (SEMTCAS) e a atividades de formação dos profissionais de educação
Fundação Municipal de Saúde (FMS). A expectativa é que, envolvidos, e também para reuniões periódicas de troca
ao fazer o encaminhamento familiar para a rede de prote- de experiências, cursos ou outras atividades de formação
ção social, a escola estará também garantindo as condições continuada, reuniões ou fóruns de pais, além da avaliação
de educabilidade de seus alunos. Com 177 mil alunos e 118 dos resultados e replanejamento das ações. Em municípios

130
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

maiores, publicações enviadas às casas das famílias, fórum Itaiçaba, os envolvidos no projeto veem muitos benefícios.
de pais, serviços de ouvidoria (0800), programas de rádio “Eu estudo mais porque minha mãe está ali me olhando e
e outras estratégias de comunicação também foram loca- ajudando a professora”, disse um aluno. “Até a merenda
lizadas. está melhor”, completa uma mãe. “Eu vi quando minha fi-
lha aprendeu a ler e escrever as primeiras palavras”, teste-
VII. 2 – Pensando a Operacionalização do Progra- munhou um pai emocionado.
ma/Política O projeto produziu ainda efeito cascata, ativando e re-
vitalizando outras ações no ambiente escolar. Um desses
FORMAS DE ATUAÇÃO DA SME JUNTO ÀS ESCOLAS programas é o Laboratório de Redação, onde pais, mães,
alunos e professores escrevem sobre temas eleitos em con-
Sabemos que nem todos os programas educacionais junto e debatem semanalmente suas produções. Depois
começam com um projeto escrito, mas em algum momento do Laboratório de Redação, a visita dos alunos à Biblioteca
seus proponentes percebem a importância e a necessida- Pública, uma iniciativa do Governo do Estado denomina-
de de colocar as ideias no papel. Pode acontecer também da Amigos da Leitura, virou programa familiar. Junto com
que, depois de implementado, um projeto ou programa as professoras, seguem para a biblioteca pais, mães, avós,
passe a ser uma atividade permanente, um eixo transversal tias, primas, irmãs mais velhas. Não só para ouvir a leitura
do trabalho escolar/educacional. No levantamento reali- das crianças, mas também para desfrutar, em sossego, de
zado, encontramos projetos criados por iniciativa de uma um bom livro. A experiência de Itaiçaba tem um contexto
ou mais professoras, projetos elaborados por SMEs, assim muito particular de envolvimento comunitário que facili-
como outros originados pela pressão da comunidade local tou a mobilização espontânea de pais e mães e a abertura
que, com o tempo e os bons resultados, acabaram virando completa das escolas a sua participação em todos os espa-
política municipal. ços. Essa não é uma estratégia simples de se implantar nem
livre de problemas de delimitação de competências entre
DO NÃO ESCRITO A UMA POLÍTICA MUNICIPAL professores e familiares sobre a tarefa de ensino.
No entanto, naquele município, essa experiência tem
Itaiçaba é uma pequena cidade do Ceará com apenas sido um estímulo para a renovação das práticas peda-
2.500 alunos, distribuídos em sete escolas municipais e uma gógicas e, junto com uma série de outros programas de
estadual. Dividem as mesmas salas de aula da rede pública formação, avaliação e fortalecimento da gestão, tem con-
os filhos de trabalhadores do campo e de fazendeiros, de tribuído para a melhoria dos indicadores educacionais. As
comerciários e comerciantes, das domésticas e das profes- experiências identificadas neste estudo foram implantadas
soras, dos dirigentes e dos funcionários municipais. Há dois pelas SMEs de duas formas básicas. Na primeira, a Secre-
anos, não só os filhos, mas também os pais e os parentes taria, ouvindo as equipes escolares, elaborou o projeto e
começaram a frequentar todos os dias a escola, dispostos apresentou-o às escolas para que manifestassem o inte-
a contribuir como pudessem para diminuir os altos índices resse em aderir a ele. Dependendo do porte da rede, pode
de evasão, de repetência e absenteísmo verificados no mu- ser necessário dimensionar a proposta fazendo um projeto
nicípio. A ideia de chamar os pais para a escola não estava piloto, envolvendo poucas escolas e, depois de analisar os
escrita em lugar algum. Partiu da Secretaria Municipal de resultados, ampliar para as demais. Neste e em outros casos
Educação a iniciativa de reunir as famílias para algo além de seleção de escolas, os técnicos da Secretaria elaboram cri-
da divulgação periódica dos boletins. térios para priorizar os estabelecimentos de ensino que têm
O primeiro encontro para propor uma parceria escola- problemas mais agudos relacionados à aprendizagem, aban-
-família ocorreu na escola Dom Aureliano Matos, na zona dono ou vulnerabilidade das condições de vida dos alunos.
rural. A reunião, descrita como descontraída e prazerosa, Na segunda, a SME constata que as escolas já estão
terminou com oito mães se prontificando para irem diaria- desenvolvendo, por conta própria, ações de interação com
mente à escola. Basicamente, sentiram-se capazes de rea- as famílias de seus alunos e resolvem apoiá-las. Implan-
lizar as seguintes atividades: organizar brincadeiras com as tam uma coordenação técnica para que os projetos não
crianças na hora do recreio, ajudar no reforço escolar do ocorram de forma isolada e mantenham suas especificida-
contraturno e levar um grupo de crianças para casa para des. Este é o caso de Itabuna (BA), que tem a integração
que fizessem juntas o dever. escola-família como uma política pública aplicada nas 127
Nas outras escolas, o mesmo processo foi se repetin- escolas urbanas e 37 rurais que compõem a rede. Cada
do: além de pais e mães, avós, tias e primas mais velhas escola apresentou uma proposta e a SME designou três
foram se apresentando à escola como responsáveis pelos coordenadoras, dentro da gerência de ensino básico, para
alunos e se colocando à disposição para ajudar, dentro de cuidar da interação com a comunidade, além de organizar
suas possibilidades e horários. Já havia algum tempo que uma coordenadoria exclusiva das relações escolas-famílias.
os adultos podiam ser vistos nos pátios e salas de aula das Sudmenucci (SP), cuja rede é constituída de apenas sete
escolas quando o projeto Família Presente, Aluno Ideal foi escolas, também preferiu não ter um projeto único e sim
escrito. Ele passou então a ser apresentado nas igrejas, apoiar os projetos de cada escola. Seja qual for a opção,
quadras, auditórios e divulgado por um grupo de alunos uma aprendizagem importante é que essa política não
por meio da Rádio Itinerante, espaço semanal dos alunos pode ser imposta. As Secretarias precisam informar e dar
na rádio comunitária local, nas sete escolas municipais. Em condições para que as escolas se posicionem.

131
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Antes de aderirem, os gestores escolares devem avaliar as famílias incluíram fóruns, serviços de telefone gratuito
sua relação com as famílias de seus alunos e com a co- e publicações distribuídas em domicílio. Iguatu (CE) e Pe-
munidade do entorno, sua estrutura funcional e, principal- dras de Fogo (PB) são municípios que selecionam e for-
mente, o engajamento de seus profissionais na proposta. mam jovens universitários ou concluintes do ensino médio
Essa não é uma política sem riscos que possa ser executada para irem periodicamente à casa dos alunos, ajudando a
de forma burocrática. Como a base de uma boa interação controlar a infrequência, evasão e mesmo informar sobre
é a relação de confiança, se os compromissos subjacentes, problemas de aprendizagem e comportamento.
a esta política, não forem bem compreendidos, ela pode Vimos também iniciativas nas quais os familiares dos
gerar o efeito inverso ao pretendido, ou seja, afastar ainda alunos se fazem presentes em vários espaços escolares: au-
mais o universo escolar do universo familiar de referência xiliam no recreio, apoiam os professores em sala de aula,
dos alunos. abrem suas casas para a realização de reforço escolar para
seus filhos e vizinhos etc. É importante salientar, conforme
FORMAS DE APROXIMAÇÃO DAS ESCOLAS EM DI- indicam outras pesquisas, que a participação das famílias
REÇÃO ÀS FAMÍLIAS nas atividades escolares pode gerar conflitos com profes-
sores, que veem suas salas de aula ocupadas por adultos
No levantamento que fizemos, encontramos diversas que não têm as mesmas responsabilidades institucionais
estratégias de aproximação dos agentes escolares das fa- nem a formação requerida para desempenhar funções de
mílias dos alunos. Essa diversidade de estratégias nos pare- ensino. Além disso, a presença voluntária de mães e pais no
ce válida e necessária num país tão plural quanto o nosso. É cotidiano escolar tem de respeitar a disponibilidade destes
importante pensar nos riscos e possibilidades de cada uma para não gerar uma pressão extra sobre a carga de respon-
dessas estratégias. Em alguns lugares, os professores fazem sabilidades parentais.
visitas se deslocando até o domicílio dos alunos. Em outros, Na experiência de Itaiçaba, no entanto, como esta
quem está encarregado da visita domiciliar é o agente da aproximação foi feita de forma paulatina e fruto da boa
educação. Essas visitas precisam ser bem preparadas e são relação escola comunidade, os efeitos dessa presença fo-
atividades formadoras muito importantes. ram relatados como benéficos para alunos, responsáveis
No entanto, questiona-se até que ponto os professo- e docentes. Seja qual for a estratégia de aproximação, é
res, que já têm uma vida profissional tão atribulada, têm fundamental preparar todos os profissionais envolvidos no
condições de assumir mais essa função e até que ponto programa para que atuem com segurança. Para isso, o di-
ela deveria fazer parte de suas atribuições profissionais. No rigente municipal e sua equipe técnica devem estruturar
debate da versão preliminar deste documento, que con- linhas de formação continuada, apoio e monitoramento
tou com a participação de professores, coordenadores e das atividades que serão planejadas e executadas pelos
diretores escolares, as vantagens desse tipo de ação fo- professores e gestores escolares. Algumas decisões prévias
ram consideradas mais relevantes quando ela é percebida são definidoras do escopo do plano de ação.
como estruturante do planejamento do trabalho pedagó- Por exemplo: numa ação de aproximação com as famí-
gico com os alunos. Inversamente, se esta ação não está lias, todos os alunos serão contemplados? Comparando as
articulada com os demais programas da Secretaria e da experiências, concluímos que, desde que as famílias permi-
escola, ela foi considerada pouco importante. tam, todas devem ter a oportunidade de um encontro no
Deve-se observar que outras políticas setoriais tam- qual possam se apresentar e conhecer melhor o ambiente
bém costumam utilizar a estratégia da visita – o que pode e as pessoas encarregadas da formação escolar de seus fi-
acabar sobrecarregando o mesmo grupo familiar com per- lhos. Esse é o momento para a família se dar a conhecer.
guntas, tarefas e orientações diversas. Há riscos de se gerar Observamos que, quando a aproximação está ligada ape-
procedimentos duplicados, confusos e ineficazes. Nesse nas a problemas como infrequência, evasão e mau desem-
sentido, ouvimos sugestões de formar os agentes do Pro- penho, ela ganha uma conotação negativa que estigmatiza
grama Saúde da Família como parceiros da Educação para, os alunos visitados e faz com que os demais não queiram
por exemplo, verificar motivos de infrequência escolar. os agentes escolares em seus lares. Pais e mães, quando
Além disso, fatores como a distância da casa dos alunos, sentem que a escola só pensa na repreensão, costumam se
risco de circulação em áreas inseguras, são reais e precisam afastar do ambiente escolar.
ser levados em consideração ao se optar pela visita domi- Como a experiência mais sistematizada que encontra-
ciliar. Algumas Secretarias criaram serviços especiais, com mos foi a de Taboão da Serra (SP), que está em vigor há
psicólogos e assistentes sociais, encarregados de fazer a mais de cinco anos, disponibilizamos a seguir um exemplo
ponte entre as escolas e as famílias. A vantagem alegada é mais operacional da estratégia de aproximação escolhida,
que estes profissionais têm uma formação mais adequada que no caso se realiza por meio da visita domiciliar reali-
para a aproximação domiciliar e conseguem mediar rela- zada por professores a todos os alunos. Ressaltamos, mais
ções tensas entre famílias e escolas. uma vez, que essa é apenas uma das possibilidades de in-
A desvantagem é que geralmente esses profissionais teração escola-família. É sempre importante que as famílias
são pouco numerosos e não conseguem cobrir o univer- tenham o direito de dizer se desejam ou não receber uma
so das famílias. As informações coletadas por eles não são visita, por exemplo, e possam participar de outro tipo de
também imediatamente repassadas às escolas e professo- atividade.
res. Em redes maiores, os mecanismos para falar e ouvir

132
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

PASSO A PASSO DA PREPARAÇÃO DAS VISITAS NO VII. 3 – ASPECTOS A SEREM CONSIDERADOS NA


PROJETO DE TABOÃO DA SERRA OPERACIONALIZAÇÃO DO PROGRAMA OU POLÍTICA

1) Envio de correspondência da escola para as famílias, A seguir apresentamos mais algumas aprendizagens
informando da intenção da visita e solicitando que a famí- da interlocução entre teoria e prática, que indicam aspec-
lia responda, autorizando formalmente a realização desta. tos a serem considerados na operacionalização de progra-
2) Agendamento da visita, de acordo com as disponi- mas, políticas ou práticas de interação escola-família: Cole-
bilidades do professor e da família, sempre fora do horário ta e organização das informações sobre alunos e familiares
escolar. A qualidade de informações que as redes municipais têm
• As visitas podem ser marcadas pelo(a) professor(a) sobre seus alunos é um fator importante para seu plane-
aleatoriamente – por ordem alfabética dos alunos, por jamento geral e também das formas de aproximação das
exemplo – ou priorizando as crianças que apresentam al- famílias dos alunos. Hoje, não faltam questionários contex-
gum problema de aprendizagem ou comportamento. tuais direcionados a alunos, professores e gestores e apli-
• Em qualquer situação, a orientação é de não fazer cados nas avaliações externas efetuadas pelos governos
visitas “de surpresa”, sem agendamento prévio. 3) Reali- federal, estadual e municipal.
zação da visita na data marcada (obs.: Cada visita tem a Para os alunos que participam do Programa Bolsa Famí-
duração aproximada de uma hora). lia, que pertencem aos grupos familiares mais vulneráveis,
• O professor da turma vai até a casa do aluno e esta- está disponível um banco de dados com as informações
belece uma conversa informal sobre a família e o aluno, de necessárias ao acompanhamento do seu contexto social.
acordo com as orientações gerais fornecidas pela Secreta- Mas nem sempre as informações geradas em nível local
ria de Educação. são apropriadas neste mesmo nível. Isso ocorre, muitas ve-
• O professor deve fornecer informações sobre o de- zes, porque a capacidade de analisar as informações não
sempenho escolar do aluno e ouvir da família sua percep- está instalada na escola ou até mesmo na Secretaria. Assim,
ção sobre o mesmo, assim como entender as principais é importante localizar parceiros (universidades, por exem-
plo) para investirem na formação profissional dos técnicos
demandas de ajuda (serviços sociais públicos) daquele
ou apoiarem o desenvolvimento desse tipo de competên-
grupo ou comunidade.
cia. É preciso levantar as informações que a escola/rede já
• O professor é orientado a não fazer anotações du-
dispõe para então definir quais dados devem ser buscados
rante a visita, a fim de manter o caráter informal.
junto às famílias. Há dois blocos de questões interligadas
• Pode ser marcada nova visita, ou tantas outras quan-
a se considerar: um bloco ligado às características sociais,
tas o professor julgar serem necessárias. 4) Elaboração do
econômicas e culturais e outro às formas de apoio para a
relatório após a visita, o professor faz um relatório e entre-
escolarização.
ga à coordenação da escola.
Para uma primeira abordagem das condições de vida
• Cada escola estabelece seu modelo e/ou roteiro para das famílias, é importante organizar informações sobre:
elaboração do relatório. • Configuração familiar – número de membros e rela-
• Os relatórios são discutidos com a coordenação pe- ções entre eles;
dagógica da escola para identificar as necessidades de in- • Condições de moradia – número de cômodos e con-
tervenção (escolar ou não) e orientar as decisões sobre os dições de conservação das instalações;
encaminhamentos que sejam necessários. • Renda per capita familiar;
• Os relatórios são confidenciais e arquivados na pró- • Situação de escolaridade e de trabalho dos responsáveis;
pria escola. • Participação em programas governamentais (ex.: Bol-
5) Leitura e discussão coletiva dos relatórios e troca de sa Família). Caso estes dados já estejam disponíveis e orga-
experiências que ocorrem uma ou duas vezes por mês; os nizados na secretaria ou na escola, eles podem orientar a
relatórios são socializados com os demais professores, nos organização e roteiro das visitas, reuniões coletivas e indi-
horários coletivos utilizados para planejamento do traba- viduais e entrevistas. Estas, por sua vez, podem atualizar as
lho pedagógico. Nestas ocasiões, os professores podem informações obtidas anteriormente.
tratar de situações específicas detectadas nas visitas e re- O contato mais permanente pode captar acontecimen-
cebem sugestões dos demais. tos familiares – separações, nascimentos, morte, doença
6) Mensalmente a equipe de direção/coordenação da – que são dinâmicos e não são captados apenas no mo-
escola encaminha ficha de controle das visitas realizadas mento da matrícula. Uma referência para eleger dados que
pelos seus professores à Secretaria, para que seja efetua- permitem relacionar a influência do contexto familiar no
do o pagamento da ajuda de custo correspondente aos desempenho dos alunos é o Estudo Internacional Com-
professores. Caso sejam detectadas situações que a escola parativo entre vários países – inclusive o Brasil –, que se
não se sinta apta a resolver, pode ser encaminhado relató- propôs a identificar os fatores associados ao desempenho
rio específico descritivo dos problemas para a Secretaria. em linguagem e matemática para alunos do terceiro e do
quarto anos do ensino fundamental. O estudo construiu
um índice correlacionando o desempenho dos alunos em
testes padronizados com aspectos do contexto familiar tais
como:

133
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

• O nível de educação dos responsáveis; mílias dos alunos, seja indo até elas, seja abrindo o espaço
• O número de horas que os responsáveis passam em escolar para sua maior presença e participação, duas ques-
casa nos dias de trabalho; tões merecem atenção: de um lado, a idealização que cos-
• Os recursos de leitura que estão disponíveis na mo- tuma haver sobre o arranjo parental que as famílias devem
radia; e ter; de outro lado, a idealização de si mesmo que, muitas
• A estrutura do núcleo familiar (se tem pai e mãe, mes- vezes, coloca os agentes escolares como detentores de
mo que não sejam formalmente casados). uma posição cultural supostamente superior à da família,
impedindo que ela expresse seu saber sobre si e sobre o
A análise das respostas mostrou que o aumento da mundo.
média de anos de escolaridade dos responsáveis resul- É preciso reconhecer ainda que, muitas vezes, faltam
ta no aumento dos rendimentos escolares de seus filhos. aparatos conceituais que permitam aos profissionais da
Mostrou também que as crianças/adolescentes cujos res- educação enxergar os novos arranjos de convivência hu-
ponsáveis leem para eles, costumam ganhar entre três a mana como estruturas familiares legítimas. O trabalho de
seis pontos, especialmente em linguagem, acima daqueles formação deve sempre alertar os professores de que o
cujos responsáveis não o fazem. julgamento moral do outro baseado nos valores pessoais
O efeito combinado de ler com frequência para os fi- pode gerar mais preconceito. As redes de ensino precisam
lhos e dispor de livros em casa é poderoso para melhorar o apoiar as escolas para que aposentem gradualmente o
rendimento na escola. Essas informações ajudam a pautar discurso da família desestruturada como disfunção a ser
práticas pedagógicas que não deixem em desvantagem as tratada e comecem a construir nas escolas competências
crianças e adolescentes que não contam em casa com os para discernir situações de negligência e vulnerabilidade
recursos (família nuclear, pais escolarizados e disponíveis, socioeconômica que precisam ser encaminhadas, de arran-
livros em casa) de apoio para sua escolarização. Além dis- jos familiares pouco usuais.
so, conhecer os hábitos da criança, o que gosta de fazer O fundamental é que a escola consiga integrar ao seu
– que atividades culturais frequenta, que responsabilidades planejamento um saber sobre: quais grupos familiares são
assume em casa e como faz as tarefas escolares -, são in- capazes de cumprir bem a função de pátrio poder (e isso
formações relevantes para a equipe escolar organizar seu não depende apenas da condição socioeconômica) e quais
trabalho. grupos familiares são capazes de dar suporte à vida escolar
dos filhos. A inclusão dos saberes mais aprofundados so-
Ações de formação dos educadores. bre o aluno e seu contexto social no planejamento do tra-
balho pedagógico é especialmente importante, pois, sem
Embora as informações dos questionários sejam muito mudanças na cultura escolar e em suas práticas, todo esse
importantes, elas não são suficientes para preparar os pro- esforço pode se perder no meio do caminho e não bene-
fissionais da educação para tomar a iniciativa de se apro- ficiar de fato os alunos. Como grande parte das escolas
ximar das famílias dos alunos. A formação dos educadores brasileiras já tem instituído o horário de trabalho pedagó-
deve ser pensada no seu conjunto, desde a preparação de gico, sugere-se que o tema da interação escola família seja
informações sobre o desenvolvimento do aluno que serão incluído na pauta dessas reuniões e demais atividades de
levadas até as famílias, passando pelo tipo de informação formação na escola.
que a escola precisa observar/coletar sobre o contexto de Ou seja, todo o conhecimento sobre os alunos deve ser
vida familiar, até a capacidade dos agentes escolares traba- incorporado ao trabalho cotidiano da equipe escolar. Ele
lharem com essas informações para, enfim, incorporá-las deve servir para rever a comunicação com os familiares, os
ao planejamento das práticas pedagógicas e/ou de gestão. contatos com a comunidade, os mecanismos de participa-
Nos encontros de formação, recomenda-se que os ção na gestão da escola, as atividades e linguagem utiliza-
educadores discutam as pesquisas que trabalham a revisão da junto aos alunos, a avaliação dos alunos e a retroalimen-
dos mitos sobre o descaso das famílias em relação à educa- tação da interação permanente das relações que incidem
ção dos filhos, sobre as novas configurações familiares e as sobre as condições de vida e aprendizagem das crianças.
transformações sociais que impactam as instituições escola Isso pode exigir, num primeiro momento, um trabalho mais
e família. O presente estudo pode ser um subsídio inte- intenso dos coordenadores pedagógicos, equipe de dire-
ressante para organizar conteúdos de formação. Na parte ção, professores e funcionários da escola. Mas escola com
inicial, a síntese histórica, os marcos legais e as reflexões o passar do tempo esse trabalho tende a ser absorvido pela
podem ser um ponto de partida para as discussões. rotina e, melhor, pode renovar o repertório de práticas pe-
Além disso, no final desta publicação está apresentada dagógicas e estimular a revitalização do trabalho escolar.
uma extensa bibliografia sobre o tema. Professores e coor- Concluímos que, para lidar com as famílias dos alunos
denadores pedagógicos entrevistados que participaram de sem reproduzir os mecanismos que reforçam a desigualda-
programas de interação direta com as famílias relataram de, a formação dos educadores não deve ser pensada ape-
seu crescimento pessoal e a conquista de um novo lugar nas como mais informação técnica: ela deve ser um espaço
profissional, considerado importante e relevante por seus de revisão de pressupostos e de exposição de conflitos e
alunos, familiares e comunidade. Mas ouvimos também receios, ou seja, deve abranger também as dimensões pes-
histórias de dificuldade, frustração e desencontro. Por isso, soais, éticas e políticas. Acompanhamento, apropriação das
na preparação de profissionais para o encontro com as fa- aprendizagens e avaliação das ações Os três efeitos mais

134
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

importantes da aproximação com as famílias nas experiên- intersetorial. Como já abordado anteriormente, deve haver
cias contatadas foram: a incorporação das aprendizagens vontade política do executivo municipal para liderar e sus-
obtidas no contato com as famílias dos alunos para orga- tentar um grupo de trabalho com representantes das di-
nizar serviços e atendimento a necessidades específicas; a versas secretarias e demais órgãos de governo. Um avanço
ampliação da participação das famílias na vida escolar dos em relação a este ponto é a promoção do planejamento
alunos e na relação com os agentes escolares; e a articu- integrado de escolas, postos de saúde e centros de assis-
lação de programas e instituições para ajudar a escola a tência social, por território. Os diretores de cada um desses
apoiar os alunos em situação mais vulnerável. Estes efeitos estabelecimentos públicos se reúnem periodicamente para
geraram encaminhamentos em duas direções – para den- traçar juntos metas de atendimento às demandas da po-
tro e para fora da rede de escolas. Na direção intraescolar, pulação local. A combinação desses dois vetores de enca-
a possibilidade de tirar o aluno real da sombra do aluno minhamento – intra e extraescolares – potencializa que os
esperado abre muitas oportunidades de transformação. profissionais da educação sintam-se seguros para ajudar
Pode implicar a revisão da linguagem, metodologias e seus alunos a enfrentar eventuais adversidades vividas pelo
conteúdos utilizados em sala de aula, que, por sua vez, al- seu grupo familiar, assumindo seu papel na rede de prote-
teram os projetos político-pedagógicos, podendo impactar ção social. A família, por sua vez, pode passar a ter, além de
até os planos municipais de educação. Embora trabalhosa, maior respeito pela instituição escolar, a confiança neces-
essa revisão das práticas é gratificante pois, afinal, há algo sária para assumir tarefas para as quais se julgava incapaci-
mais frustrante para um professor do que não conseguir tada. Como diz um slogan bastante propagado na área de
se comunicar e interagir com seus alunos? Desse ponto de projetos sociais, é preciso ajudar a família a se ajudar.
vista, a experiência de Taboão da Serra sinalizou um avan-
ço ao organizar um Grupo de Apoio Pedagógico (GAP) em VIII – CONSIDERAÇÕES PARA FINALIZAR
cada escola. O GAP promove encontros quinzenais de for-
mação e apoio aos professores, além de atendimento in- Este estudo se propôs a dar um passo para a articu-
dividualizado para os alunos que não têm suporte no am- lação de esforços teóricos e práticos a partir do levanta-
biente familiar para realizar suas atividades escolares. mento de experiências já implementadas e de pesquisas
Outro encaminhamento interno da aproximação com sobre a relação escola-família no Brasil. Será bem-sucedido
as famílias é a necessidade de aperfeiçoamento dos ins- na medida em que conseguir mostrar que, apoiados pelas
trumentos de avaliação. É avaliando que podemos prestar Secretarias de Educação, os programas de interação têm
contas do que estamos fazendo, disseminar boas experiên- possibilidades de realmente impactar o trabalho cotidia-
cias e corrigir rumos. Embora a avaliação da aprendizagem no da escola. Não encontramos nem criamos um modelo
dos alunos esteja hoje consolidada nos sistemas de ensino, pronto de interação. Organizamos um conjunto de infor-
o monitoramento e a avaliação das políticas e dos projetos mações e reflexões que podem ser úteis se bem adapta-
especiais das Secretarias e escolas nem sempre são realiza- das às situações de cada município brasileiro. Vimos que
dos. Embora seja comum a alegação de falta de tempo e as fronteiras e as relações entre escola e família mudaram
de excesso de funções burocráticas, constatou-se também vertiginosamente no Brasil e no mundo nos últimos 60
que ainda faltam instrumentos e capacidade técnica em anos. De uma escola para poucos, chegamos a uma escola
muitas secretarias de educação para avaliar internamen- de massas com um alunado com características comple-
te ou contratar avaliações externas. Este foi o ponto mais tamente diferentes daquelas apresentadas nos tradicionais
frágil das experiências localizadas neste estudo. Mesmo as cursos de formação de professores. Esse novo aluno e essa
já consolidadas. A avaliação é uma atribuição eminente- nova família desafiam os educadores. No passado recente,
mente de Gestão Educacional e está contemplada no PAR quando nos deparamos com os problemas sociais do en-
por meio do indicador: Existência, acompanhamento e torno, trazidos para a escola na bagagem de seus novos
avaliação do Plano Municipal de Educação, com base no alunos, cometemos alguns erros que devem ser evitados:
Plano Nacional de Educação não haviam passado por uma 1 – Não podemos retomar a mítica de que a escola
avaliação, apesar de este mecanismo estar previsto em vá- como sistema educativo é o único e principal fator da mu-
rios dos projetos e de sua importância ser reconhecida. Por dança social. Uma das poucas certezas que temos hoje é
isso enfatizamos a importância e o cuidado que é preciso que o desafio de garantir o direito de todas as crianças a
ter com os registros sobre as experiências: sem registros uma educação de qualidade transcende as políticas educa-
não há memória e muito menos avaliação ou aprendiza- tivas e se inscreve no centro das políticas sociais de desen-
do consistente e cumulativo para o aperfeiçoamento das volvimento. Isso não significa retirar da escola seu papel
ações. O registro organizado e sistemático das atividades específico na socialização do saber e na formação de ati-
possibilita a sistematização do conhecimento adquirido, tudes compatíveis com a vida em sociedade, mas sim atri-
bem como a possibilidade de socialização e integração das buir-lhe novas funções de articulação de outros atores para
novas informações no planejamento continuado da ação que não se sobrecarregue tentando resolver os problemas
educativa. Participação no grupo articulador das políticas do mundo, que atravessam as salas de aulas.
intersetoriais. 2 – Não podemos persistir em práticas homogêneas
Com relação aos aspectos relacionados aos alunos, que desconsiderem as diferenças dos alunos e obriguem
que extrapolam a alçada da escola e da educação, é preci- todos a se conformar a um modelo de aluno esperado.
so acionar as instâncias que compõem o grupo de gestão Além de não ser desejável, isso não é possível. As diferen-

135
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

ças linguísticas, culturais, étnicas, econômicas, físicas etc. ciantes ou silenciosos. E é na escola que pode ser garanti-
não podem ser convertidas em desigualdade de desempe- do o direito a uma aprendizagem de qualidade. Diante da
nho e de oportunidades. Isso significa pensar em projetos complexidade que afeta a vida dos alunos, e para cumprir
político-pedagógicos, políticas e programas que contem- sua missão de assegurar um ensino público de qualidade,
plem todos e cada um dos alunos – o que não impede a estrutura educacional deve assumir a iniciativa da apro-
que se pense em atendimentos e serviços diferenciados ximação com as famílias, tendo sempre em seu horizonte
de acordo com suas necessidades. Vivemos um momento a articulação de políticas com outros atores e serviços so-
em que todas as crianças e adolescentes dos mais diversos ciais. Para isso, as escolas e os sistemas de ensino poderiam
grupos familiares têm reconhecido o seu direito de serem responder perguntas simples, tais como:
bem acolhidos pela escola. Como já destacamos, a relação 1 – Por que chamar as famílias à escola?
escola-família é inevitável, compulsória (no caso do ensino 2 – Quando e por que ir às famílias?
fundamental, pelo menos) e importante. Ocorre que não é 3 – Nos encontros programados pelos educadores, os
fácil para as escolas lidar com tantos públicos diferentes. familiares têm oportunidades para falar o que pensam?
Professores, coordenadores e diretores simplesmente não 4 – As situações de interação contribuem realmente
foram preparados nas faculdades para isso. Além disso, para aproximar escola e famílias, ou acabam aumentando
a velocidade das transformações socioculturais foi maior as distâncias sociais e culturais entre elas?
fora do que dentro do sistema educacional, o que gerou 5 – A escola está aberta para conhecer e respeitar a
escola anacronismos nas relações escola-família que pre- cultura, a organização e os saberes dos grupos familiares
cisam ser revistos. mais distanciados do padrão tradicional?
Boa parte desses profissionais, infelizmente, atribuiu 6 – Os familiares têm mesmo poder de interferência
ou ainda atribui o insucesso escolar à ausência ou omissão nos conselhos, assembleias, colegiados?
dos responsáveis. Dizer que as condições para o sucesso da 7 – A escola utiliza o conhecimento mais acurado que
educação escolar estão nas mãos das famílias é o mesmo tem ao se aproximar das famílias para se planejar, rever
que admitir que a escola só é capaz de ensinar a alunos que suas práticas e formas de tratar os alunos?
já vêm educados de casa. As pesquisas revelam que há um 8 – Quando a escola se aproxima das famílias e percebe
conhecimento ainda precário sobre os alunos e suas con- situações de vulnerabilidade social, ela consegue convocar
dições de vida. Isso significa que o trabalho desenvolvido novos atores para encaminhar os apoios necessários? Re-
nas escolas pode não estar considerando a diversidade e as conhecemos que relacionar diretamente as ações de um
reais necessidades de seu público. Iniciar um movimento da projeto ou política de interação escola-família com os in-
escola em direção às famílias está no escopo da responsa- dicadores de qualidade educacionais é um grande desafio
bilidade legalmente atribuída aos sistemas de ensino, mas que ainda está por ser encarado.
o conhecimento gerado nesta aproximação e sua utilização Os resultados que conseguimos evidenciar neste es-
no planejamento pedagógico têm sido pouco enfatizados. tudo – maior compromisso dos professores com seus alu-
Por isso, das várias funções que a interação escola-fa- nos, maior conhecimento da SME e das escolas sobre as
mília pode ter – informar os pais, orientá-los para se envol- condições que interferem na aprendizagem de seus alunos,
verem na vida escolar dos filhos, fortalecer a participação maior participação dos pais e comunidade na escolariza-
em conselhos e outras instâncias de democratização da ção dos alunos, menor evasão e infrequência etc. – foram
escola etc –, privilegiamos o conhecimento dos alunos no captados por meio de depoimentos de agentes e das in-
seu contexto como um primeiro passo necessário para o formações fornecidas pelos coordenadores dos projetos/
estabelecimento de uma relação que vai se desenvolvendo programas.
ao longo do tempo. Muitos se perguntam se a estratégia O que ajudou a dar lastro para sugerir alguns caminhos
de deslocar os educadores do seu espaço institucional para de ação foram pesquisas que investigaram políticas públi-
compreender o território no qual está situada a escola e cas ou outras experiências ligadas ao tema. Como este tipo
seus alunos não produzirá uma perda de foco da função de política ainda está em estágio de maturação no país,
específica da educação escolar, chamando para si deman- o acompanhamento das experiências em curso torna-se
das que a ultrapassam. Isso não seria assistencialismo, ou particularmente relevante. O monitoramento e a avaliação
seja, um retrocesso? No contexto aqui proposto, aproxi- podem ajudar a aprimorar a tecnologia social de interação
mar-se da vida de cada um dos alunos é uma forma de escola-família em favor da garantia do direito de aprender.
conhecer, reconhecer e utilizar as lições da realidade a favor Desejamos a todos os educadores que se sintam inspirados
de sua aprendizagem. por esse estudo que sejam zelosos e que guardem fôlego
Está, portanto, intrinsecamente relacionada com a mis- para avaliar suas iniciativas e compartilhar suas aprendiza-
são da instituição escolar. Devemos sempre lembrar que o gens.
fato de a escola não ter como lidar sozinha com todas as Assim poderemos consolidar uma política de interação
questões que afetam a vida de seus alunos não fará com escola-família bem estruturada e capaz de gerar avanços
que esses problemas deixem de existir ou de desafiá-la. importantes na garantia de uma educação de qualidade
Pelo contrário: se não forem enfrentados, eles tenderão a para todos. Um indicador chamado alegria Watson não
se agravar e continuarão a se manifestar dentro da escola. aguentava mais. Todo dia, tinha de ficar ouvindo os colegas
Pois é para a escola que as crianças e adolescentes dia- se exibindo: “a professora foi lá em casa ontem, conversou
riamente trazem seus pedidos de ajuda, ainda que balbu- um tempão com mãe e pai, comeu bolo de chocolate, to-

136
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

mou café e falou bem de mim”. O problema é que parecia e finalidades compartilhadas, uma direção que tome de-
que nunca chegava a sua vez. “Isso é que dá ter nome que cisões de forma colegiada, materiais didáticos preparados
começa com W, fica no fim da fila, depois dele na chamada em conjunto, a formação continuada e a participação dos
só X-Y-Z. Deve ser por isso que a professora está demoran- pais são pontos essenciais para a construção da escola de
do tanto para ir lá em casa”, pensava o menino. Na volta do qualidade.
recreio, o menino finalmente recebeu o que tanto esperava: A instituição escolar é identificada pelo seu caráter so-
a autorização, que deveria ser assinada pela mãe ou pai, cial e socializador. É por meio da escola que os seres hu-
para que a professora Vânia, a sua professora, visitasse sua manos entram em contato com uma cultura determinada.
casa. Eufórico, lia o papel, mas quando terminou seu sorri- Nesse sentido, a concepção construtivista compreende um
so havia murchado. E se o pai ou a mãe não quisessem, por espaço importante à construção do conhecimento indivi-
algum motivo, a visita? Watson resolveu pôr fim à dúvida: dual e interação social, não contrapondo aprendizagem
assinou seu nome na autorização e entregou-a na mesma e desenvolvimento. Aprender não é copiar ou reproduzir,
hora para a professora. “Eles sempre dizem que eu também mas elaborar uma representação pessoal da realidade a
sou dono da casa”, justificou, abrindo novamente o sorriso. partir de experimentações e conhecimentos prévios. É pre-
Falamos, durante todo este estudo, dos efeitos favoráveis ciso aprender significativamente, ou seja, não apenas acu-
da implantação de um programa de interação entre profis- mular conhecimentos, mas construir significados próprios
sionais da educação e familiares, para o processo educacio- a partir do relacionamento entre a experiência pessoal e
nal e até para a consolidação de políticas sociais. a realidade. A pré-existência de conteúdos confere certa
Mas reservamos para o final destacar a mudança mais peculiaridade à construção do conhecimento, que deve ser
visível, imediata e incontestável: a elevação da autoestima entendida como a atribuição de significado pessoal aos
dos alunos. Quando ocorre um bem conduzido processo conteúdos concretos, produzidos culturalmente.
de aproximação entre escola e família, as crianças tornam- Pensando especificamente o trabalho do professor, o
-se mais participativas em salas de aula, animadas com os construtivismo é uma concepção útil à tomada de deci-
estudos e alegres com a escola. Ou seja: alunos felizes. sões compartilhadas, que pressupõe o trabalho em equipe
na construção de projetos didáticos e rotinas de trabalho.
Fonte Por fim, é importante ressaltar que o construtivismo não
Interação escola-família: subsídios para práticas esco- é um referencial acabado, fechado a novas contribuições;
lares / organizado por Jane Margareth Castro e Marilza Re- sua construção acontece no âmbito da situação de ensino/
gattieri. – Brasília: UNESCO, MEC, 2009. aprendizagem e a ela deve servir.

2. Disponibilidade para a aprendizagem e sentido


da aprendizagem
COLL, CÉSAR. O CONSTRUTIVISMO NA SALA
DE AULA. SÃO PAULO: EDITORA ÁTICA, 1999. A aprendizagem é motivada por um interesse, uma
(CAPÍTULOS 4 E 5). necessidade de saber. Mas o que determina esse interes-
se, essa necessidade? Não é possível elaborar uma única
resposta a essa questão. No entanto, um bom caminho a
seguir é compreender que além dos aspectos cognitivos,
1. Os professores e a concepção construtivista a aprendizagem envolve aspectos afetivo-relacionais. Ao
construir os significados pessoais sobre a realidade, cons-
O construtivismo não é uma teoria, e sim uma refe- trói-se também o conceito que se tem de você mesmo
rência explicativa, composta por diversas contribuições (autoconceito) e a estima que se professa (autoestima),
teóricas, que auxilia os professores nas tomadas de deci- características relacionadas ao equilíbrio pessoal. O auto-
sões durante o planejamento, aplicação e a avaliação do conceito e a autoestima influenciam a forma como o aluno
ensino. Ou seja, o construtivismo não é uma receita, um constrói sua relação com os outros e com o conhecimento;
manual que deve ser seguido à risca sem se levar em conta reconhecer essa dimensão afetivo-relacional é imprescindí-
as necessidades de cada situação particular. Ao contrário, vel ao processo educativo.
os profissionais da educação devem utilizá-lo como auxílio Em relação à motivação para conhecer, é necessário
na reflexão sobre a prática pedagógica; sobre o como se compreender a maneira como alunos encaram a tarefa de
aprende e se ensina, considerando-se o contexto em que estudar, que pode ser dividida em dois enfoques: o enfo-
os agentes educativos estão inseridos. Essas afirmações que profundo e o enfoque superficial. No enfoque profun-
demonstram a necessidade de se compreender os conteú- do, o aluno se interessa por compreender o significado do
dos da aprendizagem como produtos sociais e culturais, o que estuda e relaciona os conteúdos aos conhecimentos
professor como agente mediador entre indivíduo e socie- prévios e experiências. Já no enfoque superficial, a intenção
dade, e o aluno como aprendiz social. do aluno limita-se a realizar atarefas de forma satisfatória,
Tendo em vista uma educação de qualidade, enten- limitando-se ao que o professor considera como relevan-
dida como aquela que atende a diversidade, o processo te, uma resposta desejável e não a real compreensão do
educativo não é responsabilidade do professor somente. conteúdo. Importante ressaltar que o enfoque com que o
Desse modo, o trabalho coletivo dos professores, normas aluno aborda a tarefa pode variar; dessa forma, o enfoque

137
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

profundo pode ser a abordagem de uma relação a uma (saber como se planta uma árvore). Esses conhecimentos
tarefa e o enforque superficial em relação a outras pelo são diferentes, porém não devem ser considerados melho-
mesmo aluno. A inclinação dos alunos para um enfoque ou res ou piores que outros. Para o ensino coerente, é preciso
outro vai depender, dentre outros fatores, da situação de considerar o estado inicial dos alunos, seus conhecimentos
ensino da qual esse aluno participa. prévios e esquemas de conhecimentos construídos. Esse
Entretanto, o enfoque profundo pode ser trabalhado deve ser o início do processo educativo: conhecer o que se
com os alunos de maneira intencional. Para isso, é preciso tem para que se possa, sobre essa base, construir o novo.
conhecer as características da tarefa trabalhada, o que se
pretende com determinado conteúdo e a sua necessidade. 4. O que faz com que o aluno e a aluna aprendam
Tudo isso demanda tempo, esforço e envolvimento pes- os conteúdos escolares? A natureza ativa e construtiva
soal. Outro ponto importante a ser ressaltado é que o pro- do conhecimento.
fessor, ao entrar numa sala de aula, carrega consigo certa
visão de mundo e imagem de si mesmo, que influenciam Entre as concepções de ensino e aprendizagem susten-
seu trabalho e sua relação com os alunos. Da mesma for- tadas pelos professores, destacam-se três, cada uma consi-
ma, os alunos constroem representações sobre seus pro- derando que aprender é:
fessores. Reconhecer esses aspectos afetivos e relacionais
é fundamental para motivação e interesse pela construção 1) Conhecer as respostas corretas: Nessa concepção
de conhecimento, tendo em vista que o autoconceito e a entende-se que aprender significa responder satisfatoria-
autoestima, ligados às representações e expectativas so- mente as perguntas formuladas pelos professores. Refor-
bre o processo educativo, possuem um papel mediador na çam-se positivamente as respostas corretas, sancionando-
aprendizagem escolar. -as. Os alunos são considerados receptores passivos dos
As interações, no processo de construção de conheci- reforços dispensados pelos professores.
mento, devem ser caracterizadas pelo respeito mútuo e o
sentimento de confiança. É a partir dessas interações, das 2) Adquirir os conhecimentos relevantes: Nessa con-
relações que se estabelecem no contexto escolar, que as cepção, entende-se que o aluno aprende quando apreende
pessoas se educam. Levar isto em consideração é com- informações necessárias. A principal atividade do professor
preender o papel essencial dos aspectos afetivo-relacionais é possuir essas informações e oferecer múltiplas situações
no processo de construção pessoal do conhecimento sobre (explicações, leituras, vídeos, conferências, visitas a mu-
a realidade. seus) nas quais os alunos possam processar essas informa-
ções. O conhecimento é produto da cópia e não processo
3. Um ponto de partida para a aprendizagem de no- de significação pessoal.
vos conteúdos: os conhecimentos prévios
3) Construir conhecimentos: Os conteúdos escolares
Quando se inicia um processo educativo, as mentes são aprendidos a partir do processo de construção pessoal
dos alunos não estão vazias de conteúdo como lousas do mesmo. O centro do processo educativo é o aluno, con-
em branco. Ao contrário, quando chegam à sala de aula siderado como ser ativo que aprende a aprender. Auxiliar a
os alunos já possuem conhecimentos prévios advindos da construção dessa competência é o papel do professor.
experiência pessoal. Na concepção construtivista é a partir
desses conhecimentos que o aluno constrói e reconstrói A primeira concepção está ligada às concepções tra-
novos significados. Identificam-se alguns aspectos globais dicionais, diferenciada em relação às duas restantes por
como elementos básicos que auxiliam na determinação do enfatizar o papel supremo do professor na elaboração
estado inicial dos alunos: a disposição do aluno para rea- das perguntas. As outras duas concepções, pelo contrário,
lizar a tarefa proposta, que conta com elementos pessoais ocupam-se de como os alunos adquirem conhecimentos;
e interpessoais com sua autoimagem, autoestima, a repre- no entanto, entendem de formas diferentes esse proces-
sentação e expectativas em relação à tarefa a ser realizada, so. Compreendendo-se que aprender é construir conhe-
seus professores e colegas; capacidades, instrumentos, es- cimentos, identifica-se a natureza ativa dessa construção
tratégias e habilidades compreendidas em certos níveis de e a necessidade de conteúdos ligados ao ato de aprender
inteligência, raciocínio e memória que possibilitam a reali- conceitos, procedimentos e atitudes.
zação da tarefa. Nesse sentido, é preciso organizar e planejar intencio-
Os conhecimentos prévios podem ser compreendidos nalmente as atividades didáticas tendo em vista os con-
como esquemas de conhecimento, ou seja, a representa- teúdos das diferentes dimensões do saber: procedimental
ção que cada pessoa possui sobre a realidade. É impor- (como a observação de plantas); conceitual (tipos e parte
tante ressaltar que esses esquemas de conhecimento são das plantas); e atitudinal (de curiosidade, rigor, formali-
sempre visões parciais e particulares da realidade, deter- dade, entre outras). O trabalho com esses conteúdos de-
minadas pelo contexto e experiências de cada pessoa. Os monstra a atividade complexa que caracteriza o processo
esquemas de conhecimento contêm, ainda, diferentes ti- educativo, trabalho que demanda o envolvimento coletivo
pos de conhecimentos, que podem ser, por exemplo, de na escola.
ordem conceitual (saber que o coletivo de lobos é alcateia),
normativa (saber que não se deve roubar), procedimental

138
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

5. Ensinar: criar zonas de desenvolvimento proxi- Trabalhar a partir dessas concepções caracteriza desa-
mal e nelas intervir. fios à prática educativa que não está isenta de problemas
e limitações. No entanto, entende-se que esse esforço,
O ensino na concepção construtivista deve ser entendi- mesmo que acompanhado de lentos avanços, é decisivo
do como uma ajuda ao processo de ensino-aprendizagem, para a aprendizagem e o desenvolvimento das escolas e
sem a qual o aluno não poderá compreender a realidade e das aulas.
atuar nela. Porém, deve ser apenas ajuda porque não pode
substituir a atividade construtiva do conhecimento pelo 6. Os enfoques didáticos
aluno. A análise aprofundada do ensino enquanto ajuda
leva ao conceito de “ajuda ajustada” e de zona de desen- A concepção construtivista considera a complexidade
volvimento proximal (ZDP). No conceito de “ajuda ajusta- e as distintas variáveis que intervêm nos processos de en-
da” observa-se que o ensino, enquanto ajuda o processo sino na escola. Por isso, não receita formas determinadas
de construção do conhecimento, deve ajustar-se a esse de ensino, mas oferece elementos para a análise e reflexão
processo de construção. Para tanto, conjuga duas grandes sobre a prática educativa, possibilitando a compreensão de
características: seus processos, seu planejamento e avaliação. Um méto-
do educacional sustenta-se a partir da função social que
1) a de levar em conta os esquemas de conhecimen- atribui ao ensino e em determinadas ideias sobre como as
to dos alunos, seus conhecimentos prévios em relação aos aprendizagens se produzem. Nesse sentido, a análise das
conteúdos a serem trabalhados; tarefas que propõem e conteúdos trabalhados, explícita ou
implicitamente (currículo oculto), requer a compreensão
2) e, ao mesmo tempo, propor desafios que levem os do determinante ideológico que embasam as práticas dos
alunos a questionarem esses conhecimentos prévios. Ou professores. A discriminação tipológica dos conteúdos, ou
seja, não se ignora aquilo que os alunos já sabem, porém seja, a análise dos conteúdos trabalhados segundo a na-
aponta-se para aquilo que eles não conhecem, não reali- tureza conceitual, procedimental ou atitudinal, mostra-se
zam ou não dominam suficientemente, incrementando a como importante instrumento de entendimento do que
capacidade de compreensão e atuação autônoma dos alu- acontece na sala de aula.
nos. Outro instrumento importante para a compreensão do
processo educativo é a concepção construtivista da apren-
O conceito de zona de desenvolvimento proximal dizagem, que estabelece a aprendizagem como uma cons-
(ZDP) foi proposto pelo psicólogo soviético L. S. Vygotsky, trução pessoal que o aluno realiza com a ajuda de outras
partindo do entendimento de que as interações e relações pessoas; processo que necessita da contribuição da pessoa
com outras pessoas são a origem dos processos de apren- que aprende, implicando o interesse, disponibilidade, co-
dizagem e desenvolvimento humano. Nesse sentido, a ZDP nhecimentos prévios e experiência; implica também a fi-
pode ser identificada como o espaço no qual, com a ajuda gura do outro que auxilia na resolução do conflito entre os
dos outros, uma pessoa realiza tarefas que não seria capaz novos saberes e o que já se sabia, tendo em vista a realiza-
de realizar individualmente. A contribuição do conceito de ção autônoma da atividade de aprender a aprender.
ZDP está relacionada à possibilidade de se especificar as O problema metodológico para o fazer educativo não
formas em aula, ajudando os alunos no processo de signi- se encontra no âmbito do “como fazemos”, mas antes na
ficação pessoal e social da realidade. compreensão do “que fazemos” e “por que”. Na elabora-
ção das sequências didáticas que devem auxiliar a prática
Para o trabalho com os conceitos acima arrolados, indi- educativa deve-se levar em consideração os objetivos e os
cam-se os seguintes pontos: meios que se tem para facilitar o alcance desses objetivos.

1) Inserir atividades significativas na aula; 7. A avaliação da aprendizagem no currículo escola:


2) Possibilitar a participação de todos os alunos nas di- uma perspectiva construtivista.
ferentes atividades, mesmo que os níveis de competência,
conhecimento e interesses forem diferenciados; A questão da avaliação do processo educativo tem sido
3) Trabalhar com as relações afetivas e emocionais; muito discutida. Com o desenvolvimento de propostas teó-
4) Introduzir modificações e ajustes ao logo da realiza- ricas, metodológicas e instrumentais, expressões e concei-
ção das atividades; tos como o de avaliação inicial, formativa e somatória po-
5) Promover a utilização e o aprofundamento autôno- voam o vocabulário educacional. Junto a isso, construiu-se
mo dos conhecimentos que os alunos estão aprendendo; o consenso de que não se deve avaliar somente o aluno,
6) Estabelecer relações entre os novos conteúdos e os mas também a atuação do professor, o planejamento de
conhecimentos prévios dos alunos; atividades e também sua aplicação. No entanto, muitas
7) Utilizar linguagem clara e objetiva evitando mal-en- questões ainda se encontram sem respostas e se configu-
tendidos ou incompreensões; ram como desafios aos envolvidos com o tema.
8) Recontextualizar e reconceitualizar a experiência. Uma primeira questão a ser levantada é a relação en-
tre a avaliação e uma série de decisões relacionadas a ela,
como promoção, atribuição de crédito e formatura de alu-

139
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

nos. Essas decisões não fazem parte, em sentido estrito,


do processo de avaliação, porém essas decisões devem ser CONTRERAS, JOSÉ. A AUTONOMIA DE
coerentes com as avaliações realizadas. O desafio é alcan- PROFESSORES. SÃO PAULO: CORTEZ
çar a máxima coerência entre os processos avaliativos e as EDITORA, 2002. (CAPÍTULOS 3 E 7).
decisões a serem tomadas. Todo processo avaliativo deve
levar em conta os elementos afetivos e relacionais da ava-
liação. Desse modo, o planejamento das atividades avalia-
tivas parte do entendimento de que o aluno atribui certo A AUTONOMIA DOS PROFESSORES
sentido a essa atividade, sentido que depende da forma
como a avaliação lhe é apresentada e também de suas ex- CONTRERAS, José. A autonomia dos professores. São
periências e significações pessoais e sociais da realidade. Paulo: Cortez, 2002.
É preciso levar em conta também o caráter sempre parcial
dos resultados obtidos por meio das avaliações, devido à A Autonomia dos professores, bem como a própria
complexidade e diversificação das situações de aprendiza- ideia de seu profissionalismo, são temas recorrentes nos
gem vivenciadas pelos alunos. Assim, as práticas avaliativas últimos tempos nos discursos pedagógicos. No entanto,
privilegiadas devem ser aquelas que consideram a dinâmi- sua profusão está se dando, sobretudo, na forma de slo-
ca dos processos de construção de conhecimentos. gans, que como tal de desgastam e seus significados se
Ao contrário das concepções que buscam neutralizar esvaziam com o uso frequente. Pode-se dizer que, por se-
as influências do contexto nos resultados das avaliações, a rem slogans, são utilizados em excesso para provocar uma
concepção construtivista ressalta a necessidade de consi- atração emocional, sem esclarecer nunca o significado que
derar as variáveis proporcionadas pelos diversos contextos se lhes quer atribuir.
particulares. Para isso, recomenda-se a utilização de uma Há casos em que este sentido de slogan, de palavra
gama maior possível de atividades de avaliação ao longo com aura, é muito mais evidente. Tomemos o exemplo da
do processo educativo. qualidade da educação. Atualmente, todo programa, toda
Partindo da consideração que é na prática que se uti- política, toda pesquisa, toda reivindicação educativa é feita
liza o que se aprende, um dos critérios, que devem ser le- em nome da qualidade, porém citá-la sem mais nem me-
vantados nas atividades avaliativas, é o menor ou maior nos é, às vezes, um recurso para não defini-la. Remeter à
valor instrumental das aprendizagens realizadas, ou seja, expressão “qualidade da educação”, em vez de explicitar
em que grau pode-se utilizar o que se aprendeu, o que se seus diversos conteúdos e significados para diferentes pes-
construiu na significação dos saberes. Na medida em que soas, e em diferentes posições ideológicas, é uma forma de
aprender a aprender significa a capacidade para adquirir, pressionar para um consenso sem permitir discussão. Evi-
de forma autônoma, novos conhecimentos, avaliar os as- dentemente esse é um recurso que pode ser utilizado por
pectos instrumentais, é de suma importância a qualidade quem tem poder para dispor e difundir slogan como forma
da educação. Por fim, ressalta-se a necessidade da aborda- de legitimar seu ponto de vista sem discuti-lo.
gem da avaliação em estreita ligação com o planejamento Em relação à autonomia dos professores, estamos dian-
didático e o currículo escolar. Dessa forma, “o quê”, “como” te de um caso parecido. Uma vez que a expressão passou
e “quando” ensinar e avaliar se unem configurando uma a fazer parte dos slogans pedagógicos, já não podemos
prática educativa global, na qual as atividades avaliativas evitá-la. Porém, usá-la como slogan é apoiar os que têm
não estão separadas das demais atividades de construção a capacidade de exercer o controle discursivo, os que se
de conhecimento pelos alunos. valem da retórica para criar consenso evitando a discussão.
Deste modo, temos que aproveitar o processo de es-
Fonte clarecimento para recuperar e repensar aqueles significa-
COLL, César. O construtivismo na sala de aula. São Pau- dos que supõem uma defesa expressa de certas opções;
lo. Editora Ática, 1999 e que, mais do que nos limitarmos a repeti-las, possamos
descobrir seu valor educativo e social.
Esta é a pretensão deste livro. Esclarecer o significado
da autonomia de professores, tentando diferenciar os di-
versos sentidos que lhe podem ser atribuídos, bem como
avançar na compreensão dos problemas educativos e po-
líticos que encerra. Deve-se compreender, no entanto, que
apesar da pretensão de esclarecer os diferentes significa-
dos da autonomia, isto não quer dizer que o propósito seja
puramente conceitual. Contreras pretende captar a signi-
ficação no contexto de diferentes concepções educativas
e sobre o papel daqueles que ensinam. O esclarecimento
da autonomia é por sua vez a compreensão das formas
ou dos efeitos políticos dos diferentes modos de conce-
ber os docentes, bem como as atribuições da sociedade
na qual esses profissionais atuam. Ao falar da autonomia

140
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

do professor, estamos falando também de sua relação com Esta é a razão pela qual, se quisermos abordar o tema
a sociedade e, por conseguinte, do papel da mesma com da autonomia profissional, precisamos discutir os aspec-
respeito à educação. tos contraditórios e ambíguos que encerra. A aspiração do
autor com essa discussão é, portanto, conseguir manter o
O presente texto está estruturado em três partes: confronto ideológico, com o objetivo de resgatar uma po-
• na Parte I, analisa-se o problema do profissionalismo sição comprometida com determinados valores para a prá-
no ensino, situando essa questão no debate sobre a prole- tica docente. O tema da proletarização dos professores nos
tarização do professor, as diferentes formas de entender o oferece uma perspectiva adequada para essa preocupação.
que significa ser profissional e as ambiguidades e contradi- A tese básica da proletarização de professores é que o tra-
ções ocultas na aspiração à profissionalidade. balho docente sofreu uma subtração progressiva de uma
• na Parte II, o autor discute as três tradições diferentes série de qualidades que conduziram os professores à perda
com respeito à profissionalidade de professores: a que en- de controle e sentido sobre o próprio trabalho, ou seja, à
tende os professores como técnicos, a que defende o ensi- perda da autonomia. O debate sobre a proletarização dos
no como uma profissão de caráter reflexivo e a que adota professores
para o professor o papel do intelectual crítico. Embora não se possa falar em unanimidade entre os
A Parte III é dedicada a estabelecer uma visão global autores que defendem a teoria da proletarização de pro-
do que se deve entender por autonomia de professores, fessores, a tese básica dessa posição é a consideração de
mostrando o equilíbrio necessário requerido entre dife- que os docentes, enquanto categoria, sofreram ou estão
rentes necessidades e condições de realização da prática sofrendo uma transformação, tanto nas características de
docente, e propondo as condições pessoais, institucionais suas condições de trabalho como nas tarefas que realizam
e sociopolíticas que uma autonomia profissional deveria as quais os aproxima cada vez mais das condições e interes-
ter que não signifique nem individualismo, nem corpora- ses da classe operária. Autores como Apple (1987; 1989b;
tivismo, tampouco submissão burocrática ou intelectual. Apple e Jungck, 1990), Lawn e Ozga (1988; Ozga, 1988),
Segundo o autor, este não é um livro no qual se façam pro- ou Densmore (1987) são representantes de tal perspectiva.
postas concretas, se entendermos por isso planos de ação. Este tipo de análise, segundo Jimenez Jaén (1988),
Ao contrário, o livro possui, sim, um sentido muito prático, tem como base teórica a análise marxista das condições
se aceitarmos que a forma com que pensamos tem muito a de trabalho do modo de produção capitalista e o desen-
ver com a forma com que encaramos a realidade e decidi- volvimento e aplicação dessas propostas realizadas por
mos nela nos inserir. A Autonomia não é isolamento e não Braverman (1974). Com o objetivo de garantir o controle
é possível sem o apoio, a relação, o intercâmbio. sobre o processo produtivo, este era subdividido em pro-
Nem sempre as sugestões provêm das leituras dos ras- cessos cada vez mais simples, de maneira que os operários
cunhos. Provêm também, e neste caso especialmente, do eram especializados em aspectos cada vez mais reduzidos
clima intelectual e profissional no qual se criam oportuni- da cadeia produtiva, perdendo deste modo a perspectiva
dades para discussões interessantes ou para análise de nós do conjunto, bem como as habilidades e destrezas que an-
mesmos como docentes e de nossas circunstâncias profis- teriormente necessitavam para o seu trabalho. O produ-
sionais. to dessa atomização significava, por conseguinte, a perda
da qualificação do operário. Agora, o trabalhador passa a
A AUTONOMIA PERDIDA: A PROLETARIZAÇÃO DOS depender inteiramente dos processos de racionalização e
PROFESSORES controle de gestão administrativa da empresa e do conhe-
cimento científico e tecnológico dos experts. Deste modo,
Uma das ideias mais difundidas na atualidade com res- os conceitos-chave que explicam esse fenômeno de racio-
peito aos professores e, ao mesmo tempo, uma das mais nalização do trabalho são:
polêmicas é a sua condição de profissional. Uma das razões a) A separação entre concepção e execução no proces-
que torna esse assunto problemático é que a palavra “pro- so produtivo;
fissional”, e suas derivações, embora em princípio pareçam b) A desqualificação;
apenas referir-se às características e qualidades da prática c) A perda de controle sobre o seu próprio trabalho.
docentes, não são sequer expressões neutras. O tema do
profissionalismo – como todos os temas em educação – Esta lógica racionalizadora transcendeu o âmbito da
está longe de ser ingênuo ou desprovido de interesse e empresa, como âmbito privado e de produção, enquanto
agendas mais ou menos escusas. O ensino, enquanto um processo de acumulação de capital para invadir a esfera do
ofício, não pode ser definido apenas de modo descritivo, Estado. No caso do ensino, a atenção a essas necessidades
ou seja, pelo que encontramos na prática real dos profes- realizou-se historicamente mediante a introdução do mes-
sores em sala de aula, já que a docência se define também mo espírito de “gestão científica”, tanto no que se fere ao
por suas aspirações e não só por sua materialidade. Por conteúdo da prática educativa como ao modo de organiza-
isso, se quisermos entender as características e qualidades ção e controle do trabalho do professor. Assim, o currículo
do ofício de ensinar, temos de discutir tudo o que se diz começou a conceber também uma espécie de processo
sobre ele ou o que dele se espera. E também o que é e o de produção, organizado sob os mesmos parâmetros de
que não deveria ser; o que se propõe, mas que se torna, ao decomposição em elementos mínimos de realização – os
menos, discutível. objetivos -, os quais corresponderiam a uma descrição das

141
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

atividades particulares e específicas da vida adulta para as por meio de seus sistemas educativos: “Muitos mestres se
quais haveria que se preparar (Bobbit, 1918).A determina- comprometerão com elas (as metas de políticas reformis-
ção cada vez mais detalhada do currículo a ser adotado nas tas) acreditando que vale a pena alcançá-las, e investirão
escolas, a extensão de todo tipo de técnicas e diagnóstico quantidades excepcionais de tempo necessárias, tratando
e avaliação dos alunos, a transformação dos processos de de assumi-las com seriedade. Estes mestres explorarão a si
ensino em microtécnicas dirigidas à consecução de apren- mesmos trabalhando inclusive mais duramente, com baixa
dizagens concretas perfeitamente estipuladas e definidas remuneração e em condições intensificadas, fazendo tudo
de antemão, as técnicas de modificação de comportamen- para vencer as contraditórias pressões às quais estarão sub-
to, dirigidas fundamentalmente ao controle disciplinar dos metidos. Aos mesmo tempo, porém, a carga adicional de
alunos, toda a tecnologia de determinação de objetivos trabalho criará uma situação na qual será impossível alcan-
operativos ou finais, projetos curriculares nos quais se esti- çar plenamente essas metas” (Apples e Jungck, 1990:169).
pula perfeitamente tudo o que deve fazer o professor passo
a passo ou, em sua carência, os textos e manuais didáticos A Proletarização em nosso contexto recente
que enumeram i repertório de atividades que professores Outro aspecto crítico que convém considerar com res-
e alunos devem fazer etc. (Jimenez Jaen, 1988). Tudo isso peito à análise da profissão do professor afetada por um
reflete o espírito de racionalização tecnológica do ensino. processo de proletarização é que a maioria dos estudos
A degradação do trabalho, privado de suas capacida- sobre essa questão provêm de uma realidade social e edu-
des intelectuais e de suas possibilidades de ser realizado cacional muito diferente da nossa, a maioria dos estudos é
como produto de decisões pensadas e discutidas coletiva- realizada na Europa. Estão se perdendo muitas das habili-
mente, regulamentado na enumeração de suas diferentes dades e conhecimentos profissionais que possuíam e estão
tarefas e conquistas a que se deve dar lugar, fez com que os sendo afastados de funções para determinação do currícu-
professores fossem perdendo aquelas habilidades e capa- lo que anteriormente lhes correspondiam.
cidades e aqueles conhecimentos que tinham conquistado O professor do ensino fundamental passa atualmen-
e acumulado “ao longo de dezenas de anos de duro traba- te por sucessivas transformações que elevam sua catego-
lho” (Apple e Jungck, 1990:154). ria até transformá-lo em estudos universitários, enquanto
que para o professor do ensino médio se institui também
Profissionalismo e proletarização uma formação pedagógica ainda mínima. (Varela e Ortega,
Um dos mecanismos que, segundo teóricos da pro- 1984).
letarização, tem sido utilizado entre os professores como O certo é que essa requalificação permite transfor-
modo de resistência à racionalização de seu trabalho e à mar e ocultar a forma de controle, ao justificar-se por seu
desqualificação, tem sido a reivindicação de seus status valor técnico para a eficácia, “neutralizando” o conteúdo
de profissionais (Densmore, 1987). Para Densmore, a pre- anterior puramente ideológico. Desta maneira, embora pu-
tensão dos docentes de serem reconhecidos como profis- déssemos falar de um processo de regulação, burocracia e
sionais não reflete mais que uma aspiração para fugir de tecnicidade cada vez mais detalhadas, isto não ocorre em
sua assimilação progressiva às classes trabalhadoras. Com um processo de anterior domínio e independência profis-
efeito, a base social que se nutriu do trabalho dos profes- sional. O modo de assegurar o controle e a dedicação dos
sores foi evoluindo também à proporção que este se foi professores, como vimos, reside em obter sua colaboração
degradando. nos processos de racionalização, os novos mecanismos de
Segundo Apple (1989b), não se pode explicar o surgi- racionalização que a reforma pôs em prática conseguirão
mento do profissionalismo como defesa ideológica diante eliminar as possíveis resistências dos professores à medida
da desqualificação, sem entender a forma de evolução do que consigam sua aceitação.
sentido de responsabilidade entre os professores. Con-
forme aumenta o processo de controle, da tecnicidade e O controle ideológico e controle técnico no ensino
da intensificação, os professores e professoras tendem a Em primeiro lugar, embora a análise dos processos de
interpretar esse incremento de responsabilidades técnicas proletarização costume fazer referência fundamentalmente
como um aumento de suas competências profissionais. A à perda das competências técnicas e a seu desprendimento
tese definida por Lawn e Ozga sobre este particular: “Entre das funções de concepção, com as quais se atribui signifi-
os professores, o profissionalismo pode ser considerado cação ao trabalho, o certo é que no âmbito educativo há
uma expressão do serviço à comunidade, bem como em um aspecto mais importante que o da desqualificação téc-
outros tipos de trabalho (...). Também se pode considerar nica e que é mais de natureza ideológica. No contexto edu-
uma força criada externamente que os une numa visão par- cativo, a proletarização, se ela significa alguma coisa, é so-
ticular de seu trabalho (...). O profissionalismo é, em parte, bretudo a perda de um sentido ético implícito no trabalho
uma tentativa social de construir uma “qualificação”; a au- do professor. Há processos de controle ideológico sobre os
tonomia era, em parte, a criação por parte dos professores professores que podem ficar encobertos por um aumento
de um espaço defensivo em torno da referida ‘qualifica- de sofisticação técnica e pela aparência de uma maior qua-
ção’”. (Lawn e Ozga, 1988:213). lificação profissional. Um determinado resgate de habilida-
Em contrapartida, isso permitiria entender fenômenos des e decisões profissionais pode se transformar em uma
segundo os quais, em algumas ocasiões, os professores se forma mais sutil de controle ideológico. Se a posição clás-
comprometem com as políticas de legitimação do Estado, sica da proletarização era a perda da autonomia ocasio-

142
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

nada pela redução de professores a meros executores de Assim quando se compara os professores com essas
decisões externas, a recuperação de determinado controle características, a conclusão mais habitual que se chega é
pode não ser mais que a passagem da simples submissão a que a única denominação possível a ser atribuída é a de
diretrizes alheias à “autogestão do controle externo”. semiprofissionais.

A RETÓRICA DO PROFISSIONALISMO E SUAS AM- O profissionalismo como ideologia


BIGUIDADES Estudos de Larson (1977) colocaram em evidência que
as teorizações sobre os traços não são senão formaliza-
A discussão sobre o profissionalismo dos professores ções de supostos ideológicos que as próprias profissões
está atravessada de ponta a ponta pelas ambiguidades que sustentam, com o objetivo de manter a legitimidade de
a própria denominação “profissional” acarreta, bem como seu status e privilégios, e para manter sua diferenciação
pelos interesses no uso desse termo. Algo desse assunto com respeito a outras ocupações.
pode ser observado ao analisar o modo conflitivo e con- No entanto, segundo Larson, esse suposto poder au-
traditório com que o termo é usado quando os professores tônomo não corresponde à realidade e hoje menos do que
tratam de fugir da proletarização. Passa a ser ambíguo por- nunca. A necessidade de depender do poder do Estado
que sua fuga é tanto uma resistência à perda de qualidade para a defesa de seus interesses e do capitalismo mono-
em suas atividades de docência, como uma resistência a per- polista modificaram as condições de trabalho dos profis-
der – ou não obter – um prestígio, um status ou uma remu- sionais, tornando-se agora um especialista assalariado em
neração que se identifique com a de outros profissionais. uma grande organização empresarial ou burocrática.
Essa transformação fez com que o status tradicional
Imagens e características de muitos profissionais não seja agora mais que o de tra-
Em geral, parece que a reivindicação de profissiona- balhadores assalariados e burocratizados.
lismo ou o sentimento de “profissionais” por parte dos Além disso, se o profissionalismo como ideologia se
professores obedece a uma série de características que encontra ligado à capacidade de impor um conhecimento
normalmente eles expressam como se pertencessem por
como exclusivo, despolitizando e tornando tecnocrática a
direito próprio a seu trabalho. É o caso, por exemplo, da
atuação social, está longe de ficar claro que isso seja uma
reivindicação de condições de trabalho como a remune-
conquista social, esta é uma advertência que Popkewitz
ração, horas de trabalho, facilidade para atualização como
(1990) faz.
profissionais e reconhecimento de sua formação perma-
nente, tudo isso em conformidade com a importância da
O controle sobre o conhecimento e as profissões
função social que cumprem. Mas é também um pedido de
do ensino.
reconhecimento “como profissionais”, isto é, como dignos
A profissionalização encontrou seu processo mais for-
de respeito e como especialistas em seu trabalho e, por-
tanto, a rejeição à ingerência de “estranhos” em suas deci- te de legitimação na posse do conhecimento cientifico. O
sões e atuações. Isso significa, ao menos em certo sentido, profissionalismo, como assessoria de experts no planeja-
“autonomia profissional”, mas também dignificação e reco- mento e regulação escolar, transformava a administração
nhecimento social de seu trabalho, sobretudo em épocas política educativa em um problema meramente racional,
em que se sentem questionados pelos pais nos conselhos que poderia ser resolvido mediante habilidades técnicas
escolares. São muitos os quadros elaborados tentando ex- adquiridas pelos especialistas graças ao caráter científico
por quais são esses traços determinantes de uma profissão. de seu conhecimento. (Popkewitz, 1991)“A formação de
Para Skopp, são eles: professores existe e está historicamente ligada ao desen-
• Um saber sistemático e global (o saber profissional) volvimento institucional do ensino. Conforme o ensino
• Poder sobre o cliente (disposição deste de acatar suas evoluiu como forma social de preparar as crianças para a
decisões) vida adulta, também se desenvolveu um grupo ocupacio-
• Atitude de serviço diante de seus clientes nal especializado em elaborar o plano de sua vida diária.
• Autonomia ou controle profissional independente Este grupo desenvolveu algumas corporações especializa-
• Prestígio social e reconhecimento legal e público de das em imagens, alegorias e rituais que explicam a ‘na-
seu status tureza’ do ensino e sua divisão do trabalho. A formação
• Subcultura profissional especial de professores pode ser entendida, em parte, como um
Já Fernandez Enoita (1990), por sua vez, assinalou os mecanismo para fixar e legitimar as pautas ocupacionais
seguintes traços: de trabalho para os futuros professores” (Popkewitz, 1987)
• Competência (ou qualificação num campo de conhe- O resultado é que os professores ocupam uma posi-
cimentos) ção subordinada na comunidade discursiva da educação.
• Vocação (ou sentido de serviço a seus semelhantes) Quem detém o status de profissional no ensino é, funda-
• Licença (ou exclusividade em seu campo de trabalho) mentalmente, o grupo de acadêmicos e pesquisadores
• Independência (ou autonomia, tanto frente às organi- universitários, bem como o de especialistas com funções
zações como frente a seus clientes administrativas, de planejamento e de controle no sistema
• Autorregulação (ou regulação e controle exercido educacional.
pela própria categoria profissional).

143
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

As armadilhas do profissionalismo ser indiscutíveis na profissão de docente. E a profissionali-


Em nome da profissionalização, ou de atributos que lhe zação pode ser, nessa perspectiva, uma forma de defender
são associados, com o objetivo de garanti-la, ou ampliá-la, não só os direitos dos professores, mas da educação.
justificam-se transformações administrativas e trabalhistas
para os docentes, exigindo-se sua colaboração. Evidente- A obrigação moral
mente, não se pode defender a oposição a uma reforma A primeira dimensão da profissionalidade docente de-
se, como consequência da mesma, começarmos a ser reco- riva do fato de que o ensino supõe um compromisso de
nhecidos como melhores profissionais ou, se nós negamos caráter moral para quem a realiza (Contreras, 1990). Este
a fazê-la, estaremos abandonando nossas responsabilida- compromisso ou obrigação moral confere à atividade de
des profissionais. ensino um caráter que, como assinalou Sockett (1989:100),
Smyth (1991a), por exemplo, explica a forma em que se situa acima de qualquer obrigação contratual que possa
o profissionalismo dos professores está se redefinindo e ser estabelecida na definição do emprego. É preciso aten-
utilizando, como fator de legitimação, as novas políticas der o avanço na aprendizagem de seus alunos, enquanto
de reforma, as quais se caracterizam por uma combinação que não se pode esquecer das necessidades e do reconhe-
entre as decisões centralizadas e pelas metas curriculares cimento do valor que, como pessoas, merece todo o alu-
claramente definidas e fixadas pelo Estado, por um lado, nado. É inevitável o fato de que o trabalho de ensinar con-
e a participação local e a decisão colegiada nos centros sista na relação direta e continuada com pessoas concretas
escolares por outro. sobre as quais se pretende exercer uma influência, com a
Dessa perspectiva, a profissionalização atua como bondade das pretensões e com os aspectos mais pessoais
modo de garantir a colaboração sem discutir os limites de de evolução, os sentimentos e o cuidado e atenção que
atuação. Isto é o que Hargreaves e Dave (1990) chamam de podem exigir como pessoas (Noddings, 1986). O aspecto
“colegização artificial”. moral do ensino está muito ligado à dimensão emocional
presente na relação educativa. Na verdade, sentir-se com-
Autonomia no profissionalismo promissado ou “obrigado” moralmente reflete este aspecto
A reivindicação de autonomia do profissionalismo pa- emocional na vivência das vinculações com o que se con-
rece mais uma defesa contra a intrusão. É previsível que sidera valioso. O professor ou professora, inevitavelmente,
se defronta com sua própria decisão sobre a prática que
essa reação contra a intervenção externa possa se susten-
realiza, porque ao ser ele ou ela quem pessoalmente se
tar com mais facilidade diante dos setores mais fracos da
projeta em sua relação com alunos e alunas, tratando de
sociedade, do que frente às organizações ou aos poderes
gerar uma influência, deve decidir ou assumir o grau de
públicos; isto é, ante os receptores de seus serviços e não
identificação ou de compromisso com as práticas educati-
frente a seus empregadores (Fernandez Enguita, 1993; Gil,
vas que desenvolve, os níveis de transformação da realida-
1996). Nesse sentido, os movimentos de profissionalização
de que enfrenta etc.
podem obter mais êxito em preservar suas atuações da crí-
O compromisso com a comunidade
tica e da participação social, do que na determinação do
A educação não é um problema da vida privada dos
conteúdo ou das condições de seu trabalho nas instituições professores, mas uma ocupação socialmente encomen-
nas quais se integram. A autonomia como não intromissão dada e responsabilizada publicamente. É também neces-
costuma ser, por um lado, uma descrição equivocada da sário entender que a responsabilidade pública envolve a
função desempenhada pelo ensino, já que este se situa no comunidade na participação das decisões sobre o ensino.
terreno da transmissão de valores e saberes sancionados Se a educação for entendida como um assunto que não se
socialmente. reduz apenas às salas de aula, mas que tem uma clara di-
mensão social e política, a profissionalidade pode significar
OS VALORES DA PROFISSIONALIZAÇÃO E A PRO- uma análise e uma forma de intervir nos problemas socio-
FISSIONALIDADE DOCENTE políticos que competem ao trabalho de ensinar. Todos os
campos de compromisso social da prática docente supõem
A profissionalidade docente e as qualidades do tra- para os professores, em muitas ocasiões, um conflito com
balho educativo as definições institucionais da escola, a regulação de suas
Como afirmaram Lawn e Ozga (1988), ou Carlson funções e as inércias tradições assentadas. Já não estamos
(1987;1992), as exigências profissionais que os professores falando do professor ou da professora, isolados na sua sala
podem fazer não se diferenciam em muitas ocasiões das de aula, como forma de definir o lugar da sua competência
que podem ser feitas por outros trabalhadores. Pretender profissional, mas da ação coletiva e organizada e da inter-
um maior controle sobre o próprio trabalho não é privativo venção naqueles lugares que restringem o reconhecimento
dos trabalhadores da área de ensino, porém essa reivindi- das consequências sociais e da política do exercício profis-
cação não se reduz a um desejo de maior status. A educa- sional do ensino.
ção requer responsabilidade e não se pode ser responsável
se não é capaz de decidir, seja por impedimentos legais ou A competência profissional
por falta de capacidades intelectuais e morais. Autonomia, A obrigação moral dos professores e o compromisso
responsabilidade, capacitação são características tradicio- com a comunidade requerem uma competência profissio-
nalmente associadas a valores profissionais que deveriam nal coerente com ambos. Temos que falar de competên-

144
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

cias profissionais complexas que combinam habilidades, Domínio Técnico e dependência profissional
princípios e consciência do sentido das consequências das No campo da educação, a falta de aplicação técnica
práticas pedagógicas. Dificilmente, pode-se assumir uma de grande parte do conhecimento pedagógico, junta-
obrigação moral ou um compromisso com o significado e mente com a natureza ambígua e, por vezes, conflituosa
as repercussões sociais do ensino se não se dispuser desta de seus fins, levou a que se considere o ensino como uma
competência (Sockett, 1993).É necessário destacar, de qual- profissão somente em um sentido muito fraco e limitado.
quer modo, que a atenção a competências profissionali- O reconhecimento que, como profissionais, os professores
zadoras que requerem um distanciamento dos contextos possuem, sob essa concepção, relaciona-se com o domínio
imediatos para entender os fatores de determinação da técnico demonstrado na solução de problemas, ou seja, no
prática educativa há de ser compensada e simultaneamen- conhecimento dos procedimentos adequados de ensino e
te sustentada com a atenção e cuidado às pessoas concre- em sua aplicação inteligente. O conhecimento pedagógico
tas que se deduz da obrigação moral. Da mesma maneira, relevante, a partir da mentalidade da racionalidade técnica,
podemos dizer que a competência profissional é o que é sobretudo aquele que estabelece quais os meios mais
capacita o professor para assumir responsabilidades, mas eficientes para levar a cabo alguma finalidade predetermi-
ele ou ela dificilmente pode desenvolver sua competência nada, ou seja, aquele que se pode apresentar como técnica
sem exercitá-la, isto é, se carecer de autonomia profissio- ou método de ensino (Holiday, 1990).
nal, porque, como afirmou Gimeno: “(...) um professor não
pode se tornar competente naquelas facetas sobre as quais A irredutibilidade técnica do ensino.
não tem ou não pode tomar decisões e elaborar juízos O professor, como profissional técnico, compreende
arrazoados que justifiquem suas intervenções” (Gimeno, que sua ação consiste na aplicação de decisões técnicas.
1989:15). Ao reconhecer o problema diante do qual se encontra, ao
ter claramente definidos os resultados que deve alcançar,
MODELOS DE PROFESSORES: ou quando tiver decidido qual é a dificuldade de aprendi-
EM BUSCA DA AUTONOMIA PROFISSIONAL DO zagem de tal aluno ou grupo, seleciona entre o repertório
DOCENTE
disponível o tratamento que melhor se adapta à situação
e o aplica. A prática docente é, em grande medida, um en-
A Autonomia Ilusória: o professor como profissio-
frentamento de situações problemáticas nas quais conflui
nal técnico
uma multidão de fatores e em que não se pode apreciar
Trata-se mais precisamente de aprofundar o entendi-
com clareza um problema que coincida com as categorias
mento da autonomia como chave para compreensão de
de situações estabelecidas de situações para as quais dis-
um problema específico do trabalho educativo, caracterís-
pomos de tratamento. Aqueles professores que entendem
tica que se mostrará essencial na possibilidade de desen-
que seu trabalho consiste na aplicação de habilidades para
volvimento das qualidades essenciais da prática educativa.
A prática profissional do ensino a partir da raciona- alcançar determinadas aprendizagens, tendem a resistir à
lidade técnica análise de circunstâncias que ultrapassa a forma pela qual
Como afirmou Schön (1983;1992), o modelo domi- já compreenderam seu trabalho. Por outro lado, os que
nante que tradicionalmente existiu sobre como atuam os se sensibilizam diante dessas questões, terão de aceitar o
profissionais na prática, e sobre a relação entre pesquisa, contexto mais amplo nas origens e consequências de sua
conhecimento e prática profissional, foi o da racionalidade prática educativa como parte de seu compromisso profis-
técnica. A ideia básica deste modelo é que a prática profis- sional, embora percam necessariamente a segurança que
sional consiste na solução instrumental de problemas me- lhes dava a redução de sua competência profissional, e se
diante a aplicação de um conhecimento teórico e técnico, abrirão à complexidade, à instabilidade e à incerteza.
previamente disponível, que procede da pesquisa científi-
ca. Segundo essa perspectiva, Schein identificou no conhe- A autonomia ilusória: a incapacitação política
cimento profissional três componentes essenciais: Eliot (1991b) denominou de “expert infalível” aquele
a) Ciência ou disciplina básica, sobre o qual a prática se tipo de professor que demonstra uma preocupação pelo
apoia e a partir do qual se desenvolve. rigor maior do que pela relevância. Segundo este autor, o
b) Ciência aplicada ou de engenharia, a partir do qual expert infalível não está preocupado em desenvolver uma
deriva a maioria dos procedimentos cotidianos de diagnós- visão global da situação na qual atua, mas, sim, em função
tico e de solução de problemas. das categorias extraídas do conhecimento especializado
c) Habilidade e atitude, que se relaciona com a atuação que possui. Ainda segundo Elliott, dada a lacuna existente
concreta a serviço do cliente, utilizando para isso os dois com- na epistemologia positivista, da prática entre o domínio do
ponentes anteriores da ciência básica e aplicada. “A racionali- conhecimento técnico e seu uso nas situações reais, o “ex-
dade técnica impõe, então, pela própria natureza da produção pert infalível” aplica esse conhecimento de forma intuitiva,
do conhecimento, uma relação de subordinação dos níveis baseando-se no saber do senso comum, que se manipula
mais aplicados e próximos da prática aos níveis mais abstratos na cultura profissional. Um dos efeitos evidentes da con-
de produção do conhecimento, ao mesmo tempo em que se cepção dos professores como “experts técnicos” é o que
preparam as condições para o isolamento dos profissionais e se refere às finalidades do ensino. Em termos da prática de
seu confronto gremial” (Pérez Gómez, 1991). ensino, tanto a fixação externa de objetivos educacionais

145
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

como sua redução a resultados, não resolvem os proble- chegou-se inclusive, a obscurecer algumas vezes o sentido
mas de obrigação moral, os quais os professores necessa- que Schön quis dar a esses termos. Para Stenhouse, o en-
riamente enfrentarão. sino é uma arte, visto que significa a expressão de certos
valores e de determinada busca que se realiza na própria
O DOCENTE COMO PROFISSIONAL REFLEXIVO prática do ensino. Por isso, pensa que os docentes são
como artistas, que melhoram sua arte experimentando-a
O que o modelo de racionalidade técnica - como con-
e examinando-a criticamente. E compara a busca e experi-
cepção da atuação profissional - revela é a sua incapacida-
mentação de um professor com a que realiza, por exemplo,
de para resolver e tratar tudo o que é imprevisível, tudo o
que não pode ser interpretado como um processo de deci- um músico tentando extrair o que há de valioso em uma
são e atuação regulado segundo um sistema de raciocínio partitura, tentando experimentá-la, pesquisando possibili-
infalível a partir de um conjunto de premissas. Por isso, é dades, examinando efeitos, até encontrar o que para ele
necessário resgatar a base reflexiva da atuação profissional, expressa seu autêntico sentido musical. (Stenhouse, 1985).
com o objetivo de entender a forma pela qual realmente Tanto Stenhouse com Schön expõem sua posição em rela-
se abordam situações problemáticas da prática. A partir ção aos professores ou aos profissionais como resistência
da descrição que Schön realizou, observando a forma com e oposição aos modelos de racionalidade técnica. Uma das
que diferentes profissionais realizam realmente seu traba- ideias básicas no pensamento de Stenhouse foi a da sin-
lho, foi se caracterizando essa perspectiva, apresentada a gularidade das situações educativas. Não é possível saber
seguir. o que é, ou o que será, uma situação de ensino até que se
realize. Desta forma, é impossível dispor de um conheci-
Schön e os profissionais reflexivos mento que nos proporcione os métodos que devam ser
seguidos no ensino, porque isso seria como aceitar que há
A ideia de profissional reflexivo desenvolvida por Schön
(1983;1992) trata justamente de dar conta da forma pela ações cujo significado se estabelece à margem dos que o
qual os profissionais enfrentam aquelas situações que não atribuem, ou que é possível depender de generalizações
se resolvem por meio de repertórios técnicos; aquelas ativi- sobre métodos, quando o importante na educação é aten-
dades que, como o ensino, se caracterizam por atuar sobre der as circunstâncias que cada caso apresenta e não pre-
situações que são incertas, instáveis, singulares e nas quais tender a uniformização dos processos educativos, ou dos
há um conflito de valor. Essa ideia de reflexão na ação habi- jovens. Como a prática docente supõe o ensino de algo,
tual, na vida cotidiana, adota determinadas características a criação de determinadas situações de aprendizagem, a
próprias na prática profissional. Conforme sua prática fica busca de certas qualidades na aprendizagem dos alunos
estável e repetitiva, seu conhecimento na prática se torna etc., é o currículo que reflete o conteúdo do ensino. O cur-
mais tácito e espontâneo. É esse conhecimento profissio- rículo necessita ser sempre interpretado, adaptado e, inclu-
nal o que lhe permite confiar em sua especialização. Os sive, (re) criado por meio do ensino que o professor realiza.
professores podem se encontrar em processos imediatos Como expressa J. Mac Donald: “O ensino não é a aplicação
de reflexão na ação no caso de terem de responder a uma
do currículo, mas a contínua invenção, reinvenção e impro-
alteração imprevista no ritmo da classe. Este processo de
reflexão na ação transforma o profissional, segundo Schön, visação do currículo.
em um “pesquisador no contexto da prática” (1983:69). A O professor, como pesquisador de sua própria prática,
prática constitui-se, desse modo, um processo que se abre transforma-a em objeto de indagação dirigida à melhoria
não só para a resolução de problemas de acordo com de- de suas qualidades educativas. O currículo, enquanto ex-
terminados fins, mas à reflexão sobre quais devem ser os pressão de sua prática e das qualidades pretendidas, é o
fins, qual o seu significado concreto em situações comple- elemento que se reconstrói na indagação, da mesma ma-
xas e conflituosas, “que problemas valem a pena ser re- neira que também se reconstrói a própria ação. A ideia do
solvidos e que papel desempenhar neles” (ibid.:130).“Um professor como pesquisador está ligada, portanto, à neces-
profissional que reflete na ação tende a questionar a defi- sidade dos professores de pesquisar e experimentar sobre
nição de sua tarefa, as teorias na ação das quais ela parte e sua prática enquanto expressão de determinados ideais
as medidas de cumprimento pelas quais é controlado. E, ao educativos.
questionar essas coisas, também questiona elementos da
estrutura do conhecimento organizacional na qual estão
O fundamento aristotélico: a racionalidade prática.
inseridas suas funções (...). A reflexão na ação tende a fazer
Tanto o trabalho de Schön como o de Stenhouse, e
emergir não só os pressupostos e as técnicas, mas também
os valores e propósitos presentes no conhecimento orga- seus seguidores, podem ser assumidos perfeitamente sob
nizacional”. (Schön, 1983:338-9) a perspectiva da racionalidade prática aristotélica. Para
Aristóteles, há uma diferença clara entre o que se chama
Stenhouse e o professor como pesquisador de atividades técnicas e as atividades práticas. De acor-
do com essa ética, é evidente que a educação é um tipo
A concepção do ensino como prática reflexiva, e dos de atividade prática se for entendida como dirigida não à
professores como profissionais reflexivos, transformaram- consecução de produtos, mas à realização de qualidades
-se em denominações habituais na atual literatura peda- intrínsecas ao próprio processo educativo.
gógica, de tal maneira que, como veremos mais adiante,

146
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Autonomia das decisões profissionais e responsa- Apropriação generalizada do termo reflexivo


bilidade social Desde que se publicou a obra de Schön (1983), a ideia
Ser sensível às características do caso, e atuar em rela- do docente como profissional reflexivo passou a ser moeda
ção ao mais apropriado para o mesmo, é algo que requer corrente na literatura pedagógica. Vários autores tentaram
processos reflexivos, os quais não podem manipular ele- fazer uma revisão sobre o enfoque reflexivo. De um lado,
mentos que não estiverem assimilados por seus protago- não se sabe, em muitas ocasiões, o que querem dizer os
nistas, seja a partir de sua própria experiência ou da pro- autores com o termo reflexão, fora do uso comum utilizado
posição de uma tradição. Se a deliberação é sobre a forma pela maioria dos professores. Zeichner (1993), por exem-
de realizar o bem, nenhum professor poderá evitar agir em plo, em uma tentativa de esclarecer o campo, identificou na
relação à sua própria concepção do que é o bem na edu- literatura pedagógica cinco variedades da prática reflexiva:
cação, independentemente das restrições ou das ordens às • Versão acadêmica: que acentua a reflexão sobre as
quais estejam submetidos. A conclusão que se extrai é a de disciplinas, e a representação e tradução do conhecimento
que a educação não pode ser determinada a partir de fora; disciplinar em matérias, para promover a compreensão dos
entenda-se a partir disto a ideia de que a prática educativa estudantes;
não pode ser a realização de valores educativos formula- • Versão de eficiência social: que ressalta a aplicação
dos por agentes externos à própria ação. São os próprios minuciosa de estratégias particulares de ensino que vêm
profissionais do ensino que, em última instância, decidem sugeridas por um “conhecimento básico” externo à prática
a forma com que planejam suas aulas, por meio das quais e que se deduz da pesquisa sobre o ensino;
as tentativas de influência externa são transformadas em • Versão evolutiva que prioriza um ensino sensível ao
práticas que nem sempre têm muito a ver com a essência pensamento, aos interesses e às pautas do desenvolvimen-
das mudanças pretendidas. “Como poderemos nós, profes- to evolutivo dos estudantes, bem como da própria evolu-
sores, conhecer o que se deve fazer: Uma resposta possível ção do professor como docente e como pessoa;
é que teremos de receber instruções em forma de currículo • Versão de reconstrução social que acentua a reflexão
e de especificações sobre os métodos pedagógicos. sobre os contextos institucionais, sociais e políticos, bem
Pessoalmente, rejeito essa ideia. A educação é um como a valorização das atuações em sala de aula em rela-
aprendizado no contexto de uma busca da verdade. A ver- ção à sua capacidade para contribuir para uma igualdade
dade não pode estar definida pelo Estado, nem sequer por maior, justiça e condições humanas, tanto no ensino como
meio de processos democráticos: um controle estrito do na sociedade;
currículo e dos métodos pedagógicos nas escolas é equi- • Versão genética, na qual se defende a reflexão em ge-
valente ao controle totalitário da arte. Alcançar a verdade ral, sem especificar grande coisa em relação aos propósitos
por meio da educação é um assunto de juízo profissional desejados ou ao conteúdo da reflexão
em cada situação concreta, e os professores de educação Crítica à concepção reflexiva de Schön
ou os administradores não podem nos indicar o que deve- Liston e Zeichner (1991) apontaram os limites da teoria
mos fazer. As recomendações vão variar em cada caso. Não de Schön. Para eles, este é um enfoque reducionista e es-
necessitaremos de um médico se o que este nos indicar for treito, que limita, por conseguinte, o sentido do que deve-
um tratamento prescrito pelo Estado ou sugerido por seu ria ser uma prática reflexiva. “A prática reflexiva competente
professor, sem sequer nos ter examinado e diagnosticado pressupõe uma situação institucional que leve a uma orien-
previamente” (Stenhouse, 1985:44-5) tação reflexiva e a uma definição de papéis, que valorize a
reflexão e a ação coletivas orientadas para alterar não só as
CONTRADIÇÕES E CONTRARIEDADES: interações dentro da sala de aula e na escola, mas também
DO PROFISSIONAL REFLEXIVO AO INTELECTUAL entre a escola e a comunidade imediata e entre a escola e
CRÍTICO as estruturas sociais mais amplas” (Liston e Zeichner, 1991:
81).
Não vivemos em uma sociedade simplesmente plu- A crítica de Liston e Zeichner se dirige à falta de especi-
ralista, mas estratificada e dividida em grupos com status ficidade de Schön em relação ao fato de que os professores
desigual, poder e acesso a recursos materiais e culturais reflitam sobre sua linguagem, seu sistema de valores, de
(Warnke, 1992:150). A prática profissional não é só a rea- compreensão sobre a forma com que definem seu papel,
lização de pretensões educativas. Nós, docentes, em um pois é necessário propor a forma com que isto se constitui
mundo não só plural, mas também desigual e injusto, nos como parte importante do processo de reflexão na ação.
encontramos submetidos a pressões e vivemos contradi-
ções e contrariedades das quais nem sempre é fácil sair, ou Os limites do professor como artista reflexivo
nem sequer captar com lucidez. Da mesma forma que no caso de Schön, há outros au-
É essa fraqueza ou insuficiência de argumentação do tores que criticaram as limitações do pensamento de Ste-
profissional reflexivo que conduz à busca de uma concep- nhouse em relação a sua concepção do professor como
ção que, sem renunciar ao que anuncia a pretensão reflexi- pesquisador. A ideia do artista reflete o fato de que uma
va (uma prática consciente e deliberativa, guiada pela bus- pessoa se autoanalisa, com seus próprios recursos e sua
ca da coerência pessoal entre as atuações e convicções), dê própria compreensão, para desenvolver as qualidades ar-
conta dessas preocupações em relação a qual deveria ser a tísticas de sua obra, dentro de uma tradição estética. Quan-
orientação para a reflexão do professor. do se define a ideia do professor como artista ou como

147
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

pesquisador, bem como a do profissional reflexivo, estamos contínuas relações de poder, tornando-os capazes de al-
diante do mesmo problema: define-se uma configuração terar as bases sobre as quais se vive a vida. Atuar como
das relações entre determinadas pretensões e as práticas intelectuais transformadores significa ajudar os estudantes
profissionais, em um contexto de atuação, mas não se está a adquirir um conhecimento crítico sobre as estruturas so-
revelando nenhum conteúdo para essa reflexão. ciais básicas, tais como a economia, o Estado, o mundo do
trabalho e a cultura de massas, de modo que estas insti-
As práticas institucionais dos professores e as limi- tuições possam se abrir a um potencial de transformação.
tações da reflexão Uma transformação, neste caso, dirigida à progressiva hu-
Não poderemos compreender as possibilidades que a manização da ordem social” (Giroux, 1991:90).
reflexão tem em si mesma para detectar os interesses de
dominação da prática escolar, e para transcender os limites A reflexão crítica
que esta impõe à emancipação, se não tivermos em conta Facilitar a ligação de uma concepção libertadora da
a forma com que professores e professoras, no contexto da prática de ensino com um processo de emancipação dos
instituição escolar, constroem seu papel. O ensino, enquan- próprios professores para sua configuração como intelec-
to prática social, não é definido ex novo pelos docentes, tuais críticos requer, na opinião de Smyth (1991b; 1986;
mas estes se incorporam a uma instituição, a qual já res- 1987) e Kemmis (1985; 1987), a constituição de processos
ponde a certas pretensões, uma história, rotinas e estilos de colaboração com os professores para favorecer sua re-
estabelecidos. Contudo, a lógica do controle tecnocrático flexão crítica. A reflexão crítica não se pode ser concebida
entra em contradição com a forma pela qual as instituições como um processo de pensamento sem orientação. Pelo
expressam o sentido da missão encomendada. Enquanto contrário, ela tem um propósito muito claro de “definir-se”
que por um lado, se formulam as finalidades educativas diante dos problemas e atuar consequentemente, conside-
como formas de preparação para uma vida adulta com ca- rando-os como situações que estão além de nossas pró-
pacidade crítica em uma sociedade plural, por outro lado prias intenções e atuações pessoais, para incluir sua análise
a docência e a vida na escola se estruturam negando essas como problemas que têm uma origem social e histórica.
pretensões. Para Kemmis (1987), refletir criticamente significa co-
locar-se no contexto de uma ação, na historiada situação,
A crítica teórica como superadora das limitações da participar de uma atividade social e ter uma determinada
reflexão postura diante dos problemas. Significa explorar a natureza
Muitos professores, em virtude das características da social e histórica, tanto de nossa relação como atores nas
instituição educacional e da forma pela qual nela se sociali- práticas institucionalizadas da educação, quanto da relação
zam, tendem a limitar seu universo de ação e de reflexão à entre nosso pensamento e ação educativos. Colmo essa
sala de aula. O excesso de responsabilidade e a inseguran- maneira de atuar tem consequências públicas, a reflexão
ça em que vivem os levam a aceitar as concepções regula- crítica induz a conceber como uma atividade também pú-
mentares e tecnocráticas, que lhes oferecem uma seguran- blica, exigindo, por conseguinte, a organização das pessoas
ça aparente, porém, ao mesmo tempo, a regulamentação envolvidas e dirigindo-se à elaboração de processos siste-
burocrática e externa lhes impede de atender simultanea- máticos de crítica que permitiriam a reformulação de sua
mente às necessidades de seus alunos e às exigências de teoria e prática social e de suas condições de trabalho.Com
controle. Em sua insatisfação, os sentimentos de responsa- o objetivo de poder articular a forma pela qual a prática
bilidade conduzem ao isolamento e ao deslocamento da reflexiva se relaciona com um compromisso crítico, Kemmis
culpa para os contextos mais imediatos: os alunos, os cole- (1985) chamou a atenção para os elementos que configu-
gas, o funcionamento da escola. Segundo expressa Giroux: ram como processo. São os seguintes:
“Os professores podem não ser conscientes da natureza de 1. A reflexão não está biológica ou psicologicamente
sua própria alienação, ou podem não reconhecer o pro- determinada, nem é tampouco “pensamento puro”; expres-
blema como tal (...). Esta é precisamente a ideia da teoria sa uma orientação à ação e tem a ver com a relação entre
crítica: ajudar os professores a desenvolver uma apreciação pensamento e ação nas situações reais históricas nas quais
crítica da situação na qual se encontram”. nos encontramos.
2. A reflexão não é o trabalho individualista da mente,
Giroux e o professor como intelectual crítico como se fosse um mecanismo ou mera especulação; pres-
Foi Giroux quem melhor desenvolveu essa ideia dos supõe e prefigura relações sociais.
professores como intelectuais. Baseando-se nas ideias de 3. A reflexão não está livre de valores nem é neutra;
Gramsci sobre o papel dos intelectuais na produção e re- expressa e serve a particulares interesses humanos, sociais,
produção da vida social, para Giroux, o sentido dos pro- culturais e políticos.
fessores compreendidos como intelectuais reflete todo 4. A reflexão não é indiferente ou passiva em relação à or-
um programa de compreensão e análise do que, para ele, dem social, nem se reduz a discutir os valores sobre os quais
devem ser os professores. Por um lado, permite entender exista acordo social; ativamente, reproduz ou transforma as
o trabalho do professor como tarefa intelectual, em oposi- práticas ideológicas que estão na base da ordem social.
ção às concepções puramente técnicas ou instrumentais. 5. A reflexão não é um processo mecânico nem tam-
“O ensino para a transformação social significa educar os pouco um exercício puramente criativo na construção de
estudantes para assumir riscos e para lutar no interior das novas ideias; é uma prática que expressa nosso poder para

148
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

reconstruir a vida social pela forma de participação por a captação e potencialização dos aspectos de sua prática
meio da convivência, da tomada de decisões ou da ação profissional, que conservam uma possibilidade de ação
social (Kemmis, 1985:149). educativamente valiosa, enquanto busca a transformação
ou a recondução daqueles aspectos que não a possuem,
O fundamento habermasiano da reflexão crítica sejam eles pessoais, organizacionais ou sociais.
Todas estas discussões sobre a reflexão crítica encon-
tram seu fundamento na Teoria Crítica e, mais especifica- AUTONOMIA E SEU CONTEXTO
mente, nas ideias de Habermas. O projeto teórico de Ha- A CHAVE DA AUTONOMIA DOS PROFESSORES
bermas está baseado nas ideias da emancipação, no apro-
fundamento de seu significado, na fundamentação de sua Concepção da autonomia profissional
razão de ser e no papel do conhecimento nela contido. Autonomia como status ou como atributo. Autoridade
A partir de sua teoria dos interesses constitutivos do unilateral do especialista. Não ingerência. Autonomia ilu-
conhecimento, Habermas (1982; 1984) defende que as sória: dependência de diretrizes técnicas, insensibilidade
concepções práticas, ou seja, aquelas que supõem uma para os dilemas, incapacidade de resposta criativa diante
ação comunicativa dirigida ao entendimento e ao acordo da incerteza Autonomia como responsabilidade moral in-
(e sobre as quais se sustenta o modelo profissional reflexi- dividual, considerando os diferentes pontos de vista. Equi-
vo), não são possíveis em uma sociedade em que os mo- líbrio entre a independência de juízo e a responsabilidade
dos dominantes de produção, o imperativo da mentalidade social. Capacidade para resolver as situações-problema
tecnológica, aplicada aos sistemas de relações humanas, e para a realização prática das pretensões educativas. Au-
dos interesses dos grupos que detêm o poder, forçaram tonomia como emancipação: liberação profissional e so-
certas relações que estão enraizadas em uma comunica- cial das opressões. Superação das distorções ideológicas.
ção distorcida, ou em sistemas diretamente coercitivos, que Consciência crítica. Autonomia como processo coletivo
dão lugar a consciências deformadas pela ideologia. (configuração discursiva de uma vontade comum), dirigido
Nas relações que Habermas estabelece em todo este à transformação das condições institucionais e sociais de
plano de conhecimento dirigido à ação política, a figura
ensino
do teórico (e de sua teoria) fica esboçada de forma pro-
blemática, já que reconhece por um lado um momento de
As novas políticas educacionais e a autonomia de
privilégio, simultâneo à incapacidade de justificar-se con-
professores.
clusivamente. “A reivindicada superioridade do ilustrador
Não é possível falar da autonomia de professores sem
sobre aquele que ainda deve se ilustrar é teoricamente
fazer referência ao contexto trabalhista, institucional e so-
inevitável, mas é, ao mesmo tempo, fictícia e necessita de
cial em que os professores realizam seu trabalho. As condi-
autocorreção: em um processo de ilustração há somente
ções reais de desenvolvimento de sua tarefa, bem como o
participantes” (Habermas, 1987).
Diversos entendimentos sobre crítica clima ideológico que a envolve, são fatores fundamentais
A importância deste fato para nós é que, quando se que a apoiam ou a entorpecem. E sem condições adequa-
trata de estimular professores a buscarem processos de das, o discurso sobre a autonomia pode cumprir apenas
emancipação guiados pela reflexão crítica, à maneira do duas funções: ou é uma mensagem de resistência, de de-
que propunham Kemmis ou Smyth, não é nem um pou- núncia de carências para um trabalho digno e com possi-
co evidente que estejamos diante de um caso semelhante bilidades de ser realmente educativo, ou é uma armadilha
aos dos grupos organizados por interesses comuns e por para os professores, que só pretende fazê-los crer falsa-
intenção política. Em todo o caso, o que se propunha era mente que possuem condições adequadas de trabalho e
mais o desejo de que a reflexão crítica conduzisse à neces- que, portanto, o problema é só deles.
sidade de uma ação transformadora.
A autonomia necessária: diagnóstico de uma mu-
Autonomia ou emancipação dança de perspectiva sobre os professores
O que o modelo dos professores como intelectuais crí- A comunicação ou disseminação das inovações se
ticos sugere é que tanto a compreensão dos fatores sociais transformam em um fator-chave: como conseguir que
e institucionais que condicionam a prática educativa, como o receptor, os professores, as entenda, aceite e as leve a
a emancipação das formas de dominação que afetam nos- cabo. Como vencer suas resistências. Grande parte da teo-
so pensamento e nossa ação não são processos espontâ- ria e da pesquisa sobre a inovação educativa moveu-se sob
neos que se produzem “naturalmente” pelo mero fato de os pressupostos anteriores, de maneira que se entendeu
participarem de experiências que se pretendem educativas. que a formulação de uma inovação, que emanava dos téc-
Do esforço também para descobrir as formas pelas quais nicos e especialistas, externos às salas de aula e às escolas,
os valores ideológicos dominantes, as práticas culturais e significavam um elemento em si positivo.
as formas pelas quais os valores ideológicos dominantes, Tudo isso não fizeram senão aumentar a perspectiva
as possibilidades de ação do professor, mas também as dominante sobre os professores, os quais não só tinham
próprias perspectivas de análise e compreensão do en- uma imagem de passividade, como de realizadores de
sino, de suas finalidades educativas e de sua função so- atuações que outros planejavam, e que os inovadores e
cial. Igualmente o intelectual crítico está preocupado com reformadores se moveram durante muito tempo no dese-

149
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

jo de que fossem mais obedientes do que autônomos. A A descentralização administrativa das reformas
autonomia, mais do que uma pretensão para os professo- Um fenômeno bastante comum na maioria dos países
res, poderia chegar a ser um estorvo na realização fiel das ocidentais, na década de 1990, foi o surgimento de refor-
reformas esboçadas. As modificações que os professores mas educacionais que estão apresentando três âmbitos
poderiam introduzir nas inovações planejadas significavam fundamentais de preocupação: o currículo, as escolas e os
um fracasso, uma adulteração das mesmas, e era neces- professores. Embora de forma bastante ambígua, quando
não claramente contraditória, a descentralização e a auto-
sário contê-las. Planejar bem uma inovação era reduzir ao
nomia estão sendo utilizadas como princípios nos quais se
máximo a possibilidade de que fosse “deformada” pelos
dizem baseadas as mudanças propostas: a descentraliza-
professores. ção do currículo associada à autonomia de escolas e pro-
As experiências de desenvolvimento do currículo ba- fessores. Em termos de política educativa, poderíamos di-
seadas nos professores. Como alternativas às concepções zer que uma das coisas que o princípio de descentralização
tecnológicas do currículo, nas quais o docente ficava re- supôs foi o reconhecimento, no processo de planejamento
duzido ao papel do técnico aplicador de planos alheios, curricular, deste fato.
surgiram experiências em que os professores eram prota- Razão pela qual se tende a pensar cada vez mais no
gonistas do desenvolvimento curricular. Nesses casos, não currículo oficial como aquele documento que deve ser
se pretendia a fidelidade dos professores ao programa adaptado, desenvolvido ou concretizado nas circunstân-
curricular, mas o contrário, apelava-se para sua capacidade cias particulares de ensino. Este princípio passou a fazer
de experimentação das propostas de ensino, para que eles parte do discurso público e da retórica da administração
mesmos testassem suas possibilidades educativas. Mudan- em relação ao currículo, e que, não sendo tão novo na ex-
ça de perspectiva na compreensão dos professores. Um periência dos professores, não justificou por si só as atuais
tendências de descentralização curricular. Especialistas e
dos fatores fundamentais nesta mudança de mentalidade
administradores insistem na importância de que as esco-
foi a aceitação, por parte da comunidade de pesquisado-
las se considerem unidades de autogestão, sensíveis a seu
res, de que os professores não poderiam ser compreen- contexto, tratando de atender às suas demandas e em con-
didos o suficiente em termos de suas condutas ou como tínuo desenvolvimento profissional e institucional.
simples aplicadores de diretrizes. Os professores tornarão sua a reforma se tomarem o
Com o advento do behaviorismo e o assentamento dos currículo como seu e se comprometerem com sua escola,
modelos cognitivos surgiu uma nova linha de pesquisa que conferindo-lhe um caráter próprio e singular. A qualidade
entendia em uma nova fonte de compreensão dos profes- da educação depende da qualidade das escolas, e estas,
sores como mediadores cognitivos das ideias e propostas por sua vez, dependem de que os professores se compro-
educativas, bem como pensadores dinâmicos de sua pró- metam com elas, de que trabalhem em colaboração com
pria realidade de ensino (Clark e Peterson, 1989). A escola seus colegas para sua permanente melhoria, atendendo às
como unidade de ação e mudança. Após sucessivas expe- necessidades do contexto e respondendo às demandas.
riências de inovação e diversas tentativas de transformação Que cada escola assuma “autonomamente” a responsabili-
dade de seu próprio projeto educacional tem sua tradução
curricular, foi-se descobrindo também que era insuficiente
na prática no assumir tal responsabilidade perante a “so-
pensar no ensino e em sua melhoria com professores iso-
ciedade”, entendendo-se, neste caso, as famílias concretas
lados em suas salas de aula. No entanto, o reconhecimento que buscam as escolas concretas. A sociedade, particulari-
do papel mediador das escolas não se pode realizar sem zada nas famílias singulares com filhos em idade escolar,
levar em conta que são as pessoas concretas que as habi- assume as responsabilidades “devolvidas” pelo Estado, ad-
tam, ou seja, aqueles que vivem, interpretam, transmitem quirindo a obrigação de exigir das escolas uma educação
e transformam os costumes, relações e crenças que cons- de qualidade.
tituem a cultura da escola. A crise das ideias de mudan- A forma pela qual se entende esse princípio de par-
ça como solução definitiva de problemas. Uma das razões ticipação das famílias é, sobretudo, incentivando e facili-
para a perda de fé nos clássicos modelos de inovação en- tando a escolha das escolas. Dessa forma, a devolução de
contra-se no fato de que cada vez mais se desconfia da as- responsabilidades é entendida como entrega, aos atores
piração para encontrar a solução definitiva dos problemas concretos (as escolas específicas e as famílias envolvidas
que afligem a educação ou sua organização institucional. em cada uma delas), da responsabilidade dos efeitos de
Os problemas e suas circunstâncias mudam no tempo e suas decisões isoladas. Efeitos que, entretanto, por vezes só
podem ser entendidos em sua dimensão sociológica, cul-
no espaço, transformando-se e singularizando-se, e as so-
tural e política, e não só na dimensão particular em que se
luções devem ser aceitas como aproximações provisórias
tomam estas decisões.
que se tentam adequar como tentativa de circunstâncias
concretas de casa caso ou escola em particular. A realida- O que há por trás? As mudanças ideológicas de fundo
de é sempre mutante e as organizações educativas devem Até o momento, as razões dessas tendências reformis-
aprender a se adaptar e a encontrar suas próprias estraté- tas, que podem ser observadas tanto na Espanha como
gias de ação. Isto supõe a transformação da própria noção internacionalmente, estão presentes, de um modo ou de
de mudança escolar. outro, nos discursos públicos e na retórica das administra-
ções. Entretanto, devemos compreender o fenômeno da

150
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

descentralização atendendo às motivações profundas que legislativas (onde se pode situar a maior vitória do neolibe-
animam esse tipo de tendência. “O problema com a legi- ralismo como ideologia), poderemos também analisar qual
timidade do Estado parece se basear, ao menos em parte, o tipo de mentalidade que parece estar se estendendo no
em sua natureza supercentralizadora (real ou percebida), mundo educacional. Ou seja, se as escolas forem mais dife-
na distância entre a base e o sistema político, em seu cará- renciadas entre si, isto leva às escolas à competitividade em
ter monopolista, sua incapacidade estrutural para atender que o mercado de oferta e procura deve se ajustar.
as variações importantes dentro da sociedade e na quali- É evidente que essa discussão da competitividade e do
dade amiúde impessoal, coercitiva e desumana de sua bu- ajuste entre a oferta e a demanda tem suas perversões. Em
rocracia administrativa. Se esta avaliação for correta, então primeiro lugar, os recursos econômicos e de influência, para
tudo o que pareça com um Estado menos centralizado e saberem se mover dentro do sistema na busca da melhor
monopolista, mais atento às variações de necessidades in- escolha, devem levar em conta que as escolas são bens es-
ternas, pode ser visto como fonte potencial de ampliação cassos ou justos no mercado; as “boas” escolas, seja elas o
de legitimidade”. (Weiler, 1990:441-2). que forem, serão ainda mais escassas; pode optar por uma
O currículo descentralizado e a autonomia nas escolas “boa” escola depende da capacidade do consumidor para
podem ser, portanto, o lugar em que os conflitos se diluem isso. Em segundo lugar, a competitividade como motivação
ou se reduzem a casos particulares. As diferenças sociais da sociedade não é neutra. O critério a partir do qual se
da sociedade em geral são muito perceptíveis em cada es- compete não é livremente escolhido pela sociedade, pos-
cola em particular. Vistas individualmente, cada uma pode to que venha decidido pela capacidade de rendimento em
ser internamente mais homogênea, podendo concretizar o termos fixados pelo currículo oficial (Hatcher, 1994).
currículo de forma aparentemente menos conflituosa. Ou,
ainda, as escolas em que se produzem conflitos sociais ou Conclusão
ideológicos podem ser menores em quantidade, ficando O que tudo isso reflete é efetivamente um modelo de
isoladas do resto do sistema. É este o modelo que agora ajuste e demanda, mas não um modelo de diálogo social
se afirma estar em crise. Tanto suas dificuldades internas na definição da escolaridade. A escola começa a se movi-
como o ataque ideológico a que foi submetido foram assi- mentar para oferecer o que atrai a clientela. E a clientela se
nalando aspectos controversos do mesmo e ocasionando movimenta em função do que sente como competitivo no
mudanças ideológicas e políticas de longo alcance. Entre mercado social. Assim, enquanto a escola e usuários não se
as múltiplas mudanças que vêm sendo produzidas, vamos sentarem para discutir o que acreditam que deveria ser a
destacar três delas: prática educativa, ambos estarão fazendo movimentos de
A) A crise fiscal do Estado: os Estados se transforma- ajuste a partir de demandas e necessidades que eles pró-
ram em máquinas enormes, intrincadas e complexas, que prios não controlam, porque não atuam enquanto grupo
geram um gasto muito grande, e, com isso, o Estado entrou que toma decisões deliberativas e compartilhadas, senão
em uma crise fiscal cada vez mais difícil de ser sustentada, como agentes isolados guiados por interesses individuais,
o que está gerando uma discussão sobre o papel do Estado não sociais.
na cidadania.
B) A crise de motivação da sociedade: o modelo de Es- Fonte
tado de bem-estar, ao atuar como provedor das necessida- Disponível em:
des sociais, o fez assumindo quais eram elas e como deve- http://educacadoresemluta.blogspot.com.br/2009/12/
riam ser satisfeitas, dando alento ao consumo passivo da contreras-jose-autonomia-dos_14.html
provisão nacional, minando a confiança dos cidadãos em
dirigir suas próprias vidas e aumentando continuamente à
burocracia, a vigilância, a imposição de ordens e o controle
nacional (Keane, 1992)
C) A crise de motivação dos serviços públicos: a mesma DOWBOR, LADISLAU. EDUCAÇÃO E
apatia que se observava na sociedade em geral pode se APROPRIAÇÃO DA REALIDADE LOCAL.
apreciar também nos serviços públicos. Na medida em que ESTUD. AV. [ONLINE]. 2007, VOL.21, N° 60, PP.
estes são organismos planejados de forma centralizadora, 75-90.
burocraticamente complicados, dependentes de diferentes
organismos, ao mesmo tempo centrais, periféricos e locais,
perderam progressivamente coerência e capacidade de EDUCAÇÃO E APROPRIAÇÃO DA REALIDADE LOCAL
adaptação e de mudança.
Ladislau Dowbor
A autonomia aparente
Se relacionarmos hoje as transformações ideológicas NO MUNICÍPIO de Pintadas, na Bahia, pequeno muni-
e políticas que vêm sendo produzidas ao papel do Estado, cípio distante da modernidade do asfalto, todo ano quase
dos serviços públicos, da cidadania e da democracia, com a metade dos homens viajava para o Sudeste para o corte
as mudanças das reformas educacionais, poderemos en- de cana. A parceria de uma prefeita dinâmica, de alguns
tender de forma mais global a direção em que pode estar produtores e de pessoas com visão das necessidades lo-
se encaminhando o sistema escolar. E, além das mudanças cais permitiu que os que buscavam emprego em lugares

151
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

distantes se voltassem para a construção do próprio mu- empresas, em conhecimentos tidos como mais “práticos”.
nicípio. Começaram com uma parceria da Secretaria da Hoje essa tendência se manifesta em grandes instituições
Educação local com uma universidade de Salvador, para privadas, como a Phoenix, nos Estados Unidos, universida-
elaborar um plano de saneamento básico da cidade, o que de de fins lucrativos, cotada em bolsa, que eliminou visões
reduziu os custos de saúde, liberou terras e verbas para a humanistas e ensina o que caracteriza como marketable
produção, e assim por diante. A geração de conhecimentos skills, ou seja, habilidades comercializáveis. É ir contra a
sobre a realidade local e a promoção de uma atitude proa- corrente, na linha da velha dicotomia entre teoria e prática.
tiva para o desenvolvimento fazem parte evidente de uma Essa visão de que podemos ser donos da nossa própria
educação que pode se tornar no instrumento científico e transformação econômica e social, de que o desenvolvi-
pedagógico da transformação local. mento não se espera, mas se faz, constitui uma das mudan-
A iniciativa partiu de uma prefeita eleita por uma rede ças mais profundas que estão ocorrendo no país. Tira-nos
de organizações sociais, portanto diretamente vinculada às da atitude de espectadores críticos de um governo sempre
necessidades das comunidades. Em retribuição, o gover-
insuficiente, ou do pessimismo passivo. Devolve ao cida-
nador mandou fechar a única agência bancária da cidade.
dão a compreensão de que pode tomar o seu destino em
A resposta da comunidade foi reativar uma cooperativa
suas mãos, conquanto haja uma dinâmica social local que
de crédito local, passando a financiar localmente grande
facilite o processo, gerando sinergia entre diversos esfor-
parte das iniciativas. E a educação nisso? Os promotores
dessas iniciativas deram-se conta de que Pintadas fica no ços.
semiárido, e que as crianças nunca tinham tido uma aula A ideia da educação para o desenvolvimento local está
sobre o semiárido, sobre as limitações e potencialidades da diretamente vinculada a essa compreensão e à necessida-
sua própria realidade. Hoje se ensina o semiárido nas esco- de de se formarem pessoas que amanhã possam participar
las de Pintadas. É natural que esse ensino, que permite às de forma ativa das iniciativas capazes de transformar o seu
crianças a compreensão da sua região, das dificuldades dos entorno, de gerar dinâmicas construtivas. Hoje, quando se
seus próprios pais nas diversas esferas profissionais, esti- tenta promover iniciativas desse tipo, constata-se que não
mule as crianças e prepare cidadãos que verão a educação só as crianças, mas mesmo os adultos desconhecem desde
como instrumento de transformação da própria realidade. a origem do nome da sua própria rua até os potenciais do
Em Santa Catarina, sob orientação do falecido Jacó subsolo da região onde se criaram. Para termos cidadania
Anderle, foi desenvolvido o programa “Minha Escola, Meu ativa, temos de ter uma cidadania informada, e isso come-
Lugar”. Trata-se de uma orientação sistemática de inclu- ça cedo. A educação não deve servir apenas como trampo-
são da realidade local nos currículos escolares, envolvendo lim para uma pessoa escapar da sua região: deve dar-lhe
a formação de professores – que, em geral, pela própria os conhecimentos necessários para ajudar a transformá-la.
formação, também desconhecem as suas regiões –, a ela- Numa região da Itália, visitamos uma cidade onde o
boração de material didático, articulação dos currículos de chão da praça central era um grande baixo-relevo da pró-
diversas disciplinas, e assim por diante. pria cidade e das regiões vizinhas, permitindo às pessoas
A região de São Joaquim, no sul do Estado de San- visualizar os prédios, as grandes vias de comunicação, o
ta Catarina, era um local pobre, de pequenos produtores desenho da bacia hidrográfica, e assim por diante. Entre
sem perspectiva, e com os indicadores de desenvolvimen- outros usos, a praça é utilizada pelos professores para dis-
to humano mais baixos do Estado. Como outras regiões cutir com as crianças a distribuição territorial das princi-
do país, São Joaquim e os municípios vizinhos esperavam pais áreas econômicas, mostrar-lhes como a poluição num
que o desenvolvimento “chegasse” de fora, sob forma de ponto se espalha para o conjunto da cidade, e assim por
investimento de uma grande empresa, ou de um projeto diante. Há cidades que elaboraram um Atlas local para que
do governo. Há poucos anos, vários residentes da região
as crianças pudessem entender o seu espaço, outras es-
decidiram que não iriam mais esperar, e optaram por uma
tão dinamizando a produção de indicadores para que os
outra visão de solução dos seus problemas: enfrentá-los
problemas locais se tornem mais compreensíveis, e mais
eles mesmos. Identificaram características diferenciadas do
fáceis de ser incorporados ao currículo escolar. Os meios
clima local, que constataram ser excepcionalmente favorá-
vel à fruticultura. Organizaram-se, e com os meios de que são numerosos e variados, e os detalharemos no presente
dispunham fizeram parcerias com instituições de pesqui- texto, mas o essencial é essa atitude de considerar que as
sa, formaram cooperativas, abriram canais conjuntos de crianças podem e devem se apropriar, por meio de conhe-
comercialização para não depender de atravessadores, e cimento organizado, do território onde são chamadas a vi-
hoje constituem uma das regiões que mais rapidamente ver, e que a educação tem um papel central a desempenhar
se desenvolvem no país. E não estão dependendo de uma nesse plano.
grande corporação que de um dia para outro pode mudar Há uma dimensão pedagógica importante nesse enfo-
de região: dependem de si mesmos. que. Ao estudarem de forma científica e organizada a rea-
É importante pensar a dimensão educativa desses pro- lidade que conhecem por vivência, mas de forma fragmen-
cessos. Há tempos, com a recomendação do Banco Mun- tada, as crianças tendem a assimilar melhor os próprios
dial, promoveu-se o que se chamava na época de “educa- conceitos científicos, pois é a realidade delas que passa a
ção para o desenvolvimento”. A visão restringia os currí- adquirir sentido. Ao estudarem, por exemplo, as dinâmicas
culos, centrando-os na formação de pessoas úteis para as migratórias que constituíram a própria cidade onde vivem,

152
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

as crianças tendem a encontrar cada uma a sua origem, A grande diferença, para municípios que tomaram as
segmentos de sua identidade, e passam a ver a ciência rédeas do próprio desenvolvimento, é que, em vez de se-
como instrumento de compreensão da sua própria vida, da rem objetos passivos do processo de globalização, passa-
vida da sua família. A ciência passa a ser apropriada, e não ram a direcionar a sua inserção segundo os seus interesses.
mais apenas uma obrigação escolar. Promover o desenvolvimento local não significa voltar as
costas para os processos mais amplos, incluindo os pla-
Globalização e desenvolvimento local netários: significa utilizar as diversas dimensões territoriais
segundo os interesses da comunidade.
Quando consultamos a imprensa, ou até revistas téc- Há municípios turísticos, por exemplo, onde um gi-
nicas, parece-nos que tudo está globalizado, só se fala em gante do turismo industrial ocupa uma imensa parte da
globalização, no cassino financeiro mundial, nas corpora- orla marítima, joga a população ribeirinha para o interior
ções transnacionais. A globalização é um fato indiscutí- e obtém lucros a partir da beleza natural da região, na
vel, diretamente ligado a transformações tecnológicas da mesma proporção em que dela priva os seus habitantes.
Outros municípios desenvolveram o turismo sustentável
atualidade e à concentração mundial do poder econômico.
e aproveitam a tendência crescente da busca de lugares
Mas nem tudo foi globalizado. Quando olhamos dinâmicas
mais sossegados, com pousadas simples, mas em ambien-
simples, mas essenciais para a nossa vida, encontramos o
te agradável, ajudando, e não desarticulando, as atividades
espaço local. Assim, a qualidade de vida no nosso bairro é preexistentes, como a pesca artesanal, que aliás se torna
um problema local, envolvendo o asfaltamento, o sistema um atrativo. Tanto o turismo de resorts como o turismo
de drenagem, as infraestruturas do bairro. sustentável participam do processo de globalização, mas
Esse raciocínio pode ser estendido a inúmeras inicia- na segunda opção há um enriquecimento das comunida-
tivas, como a de São Joaquim aqui citada, mas também des, que continuam a ser donas do seu desenvolvimento.
a soluções práticas, como a decisão de Belo Horizonte de Com o peso crescente das iniciativas locais, é natural
tirar os contratos da merenda escolar da mão de grandes que da educação se esperem não só conhecimentos gerais,
intermediários, contratando grupos locais de agricultura mas a compreensão de como os conhecimentos gerais se
familiar para abastecer as escolas, o que dinamizou o em- materializam em possibilidades de ação no plano local.
prego e o fluxo econômico da cidade, além de melhorar
sensivelmente a qualidade da comida – foram incluídas Urbanização e iniciativas sociais
cláusulas sobre agrotóxicos – e de promover a construção
da capital social. Dependem essencialmente da iniciativa Boa parte da atitude passiva de “espera” do desenvol-
local a qualidade da água, da saúde, do transporte coletivo, vimento se deve ao fato de a nossa urbanização ainda ser
bem como a riqueza ou pobreza da vida cultural. Enfim, muito recente. Nos anos 1950, éramos, como ordem de
grande parte do que constitui o que hoje chamamos de grandeza, dois terços de população rural; hoje somos 82%
qualidade de vida não depende muito – ainda que possa de população urbana. A urbanização muda profundamente
sofrer os seus impactos – da globalização: depende da ini- a forma de organização da sociedade em torno às suas ne-
ciativa local. cessidades. Uma família no campo resolve individualmente
A importância crescente do desenvolvimento local en- os seus próprios problemas de abastecimento de água, de
contra-se hoje em inúmeros estudos, do Banco Mundial, lixo, de produção de hortifrutigranjeiros, de transporte.
das Nações Unidas, de pesquisadores universitários. Inicia- Na cidade, não é viável cada um ter o seu poço, mesmo
tivas como a que mencionamos antes vêm sendo estuda- porque o adensamento da população provoca a poluição
das regularmente. O Programa Gestão Pública e Cidadania, dos lençóis freáticos pelas águas negras. O transporte é em
grande parte coletivo, o abastecimento depende de uma
por exemplo, desenvolvido pela Fundação Getúlio Vargas
rua comercial, as casas têm de estar interligadas com redes
de São Paulo, tem cerca de 7.500 experiências desse tipo
de água, esgotos, telefonia, eletricidade, frequentemente
cadastradas e estudadas. O Cepam, que estuda a adminis-
com cabos de fibras ópticas, sem falar da rede de ruas e
tração local no Estado de São Paulo, acompanha centenas calçadas, de serviços coletivos de limpeza pública e de re-
de experiências. O Instituto Brasileiro de Administração moção de lixo, e assim por diante. A cidade é um espaço no
Municipal (Ibam) do Rio de Janeiro acompanha experiên- qual predomina o sistema de consumo coletivo em rede.
cias no Brasil inteiro, como é o caso de Instituto Pólis, da No espaço adensado urbano, as dinâmicas de colabo-
Fundação Banco do Brasil, que promoveu a Rede de Tecno- ração passam a predominar. Não adianta uma residência
logias Sociais, e assim por diante. combater o mosquito da dengue se o vizinho não colabora.
É interessante constatar que quanto mais se desen- A poluição de um córrego vai afetar toda a população que
volve a globalização, mais as pessoas estão resgatando o vive rio abaixo. Assim, enquanto a qualidade de vida da era
espaço local e buscando melhorar as condições de vida no rural dependia em grande parte da iniciativa individual, na
seu entorno imediato. Naisbitt, um pesquisador americano, cidade passa a ser essencial a iniciativa social, que envolve
chegou a chamar esse processo de duas vias, de globaliza- muitas pessoas e a participação informada de todos.
ção e de localização, de “paradoxo global”. Na realidade, O próprio entorno rural passa cada vez mais a se ar-
a nossa cidadania se exerce em diversos níveis, mas é no ticular com a área urbana, tanto por meio do movimento
plano local que a participação pode se expressar de forma de chácaras e lazer rural da população urbana como pe-
mais concreta. las atividades rurais que se complementam com a cidade,

153
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

como é o caso do abastecimento alimentar, das famílias ru- Informação, educação e cidadania
rais que complementam a renda com trabalho urbano, ou
da necessidade de serviços descentralizados de educação A pesquisadora americana Hazel Henderson traz uma
e saúde. Gera-se assim um espaço articulado de comple- imagem interessante. Imaginemos um trânsito atravanca-
mentaridades entre o campo e a cidade. Onde antes havia do numa região da cidade. Uma das soluções é deixar cada
a divisão nítida entre o “rural” e o “urbano” aparece o que um se virar como pode, um tipo de liberalismo exacerba-
tem sido chamado de “urbano”. do. O resultado será, provavelmente, que todos buscarão
No território assim constituído, as pessoas passam a se maximizar as suas vantagens individuais, gerando um en-
identificar como comunidade, a administrar conjuntamente
garrafamento-monstro, pois a tendência é ocupar todos
problemas que são comuns. Esse “aprender a colaborar”
os espaços vazios, e a maioria vai ter um comportamento
se tornou suficientemente importante para ser classificado
semelhante. Outra solução é colocar guardas que irão dire-
como um capital, uma riqueza de cada comunidade, sob
forma de capital social. Em outros termos, se antigamente cionar todo o fluxo de trânsito, de forma imperativa, a fim
o enriquecimento e a qualidade de vida dependiam dire- de desobstruir a região. A solução pode ser mais interes-
tamente, por exemplo, numa propriedade rural, do esforço sante, mas não respeita as diferenças de opção ou mesmo
da família, na cidade a qualidade de vida e o desenvolvi- de destino dos diversos motoristas. Uma terceira saída é
mento vão depender cada vez mais da capacidade inteli- deixar a opção ao cidadão, mas assegurar, por meio de rá-
gente de organização das complementaridades, das siner- dio ou de painéis, ampla informação sobre o local onde
gias no interesse comum. ocorre o engarrafamento, os tempos previstos de demora
É nesse plano que desponta a imensa riqueza da ini- e as opções. Esse tipo de decisão, democrática, mas infor-
ciativa local: como cada localidade é diferenciada, segundo mada, permite o comportamento inteligente de cada indi-
o seu grau de desenvolvimento, a região onde se situa, a víduo, segundo os seus interesses e situação particular, e
cultura herdada, as atividades predominantes na região, ao mesmo tempo o interesse comum.
a disponibilidade de determinados recursos naturais, as Sempre haverá, naturalmente, um pouco de cada op-
soluções terão de ser diferentes para cada uma. E só as ção nas diversas formas de organizar o desenvolvimento,
pessoas que vivem na localidade, que a conhecem efetiva- mas o que nos interessa particularmente é a terceira op-
mente, é que sabem realmente quais são as necessidades ção, pois mostra que além do “vale tudo” individual, ou
mais prementes, os principais recursos subutilizados, e as- da disciplina da “ordem”, pode haver formas organizadas
sim por diante. Se elas não tomarem iniciativas, dificilmente
e inteligentes de ação sem que seja preciso mandar nas
alguém o fará para elas.
pessoas, respeitando a sua liberdade. Em outros termos,
O Brasil possui quase 5.600 municípios. Não é viável o
governo federal, ou mesmo o governo estadual, conhecer um bom conhecimento da realidade, sólidos sistemas de
todos os problemas de tantos lugares diferentes. E tam- informação, transparência na sua divulgação podem per-
pouco está na mão de algumas grandes corporações resol- mitir iniciativas inteligentes por parte de todos.
ver tantos assuntos, ainda que tivessem interesse. De certa Há algum tempo, a cidade de Porto Alegre colocou em
forma, os municípios formam os “blocos” com os quais se mapas digitalizados todas as informações sobre unidades
constrói o país, e cada bloco ou componente tem de se or- econômicas da cidade, que estão registradas na Secretaria
ganizar de forma adequada segundo as suas necessidades, da Fazenda para obter o alvará de funcionamento. Quan-
para que o conjunto – o país – funcione. do, por exemplo, um comerciante quer abrir uma farmá-
Assim passamos de uma visão tradicional dicotômica, cia, mostram-lhe o mapa de distribuição das farmácias na
na qual ficava de um lado a iniciativa individual e de outro cidade. Com isso, o comerciante localiza as áreas onde já
a grande organização, estatal ou privada, para uma visão há várias farmácias, e onde há falta delas. Assim, com boa
de iniciativas colaborativas no território. As inúmeras orga- informação, o comerciante irá localizar a sua farmácia onde
nizações da sociedade civil organizada, as ONG, as organi- há clientela que esteja precisando, servindo melhor os seus
zações comunitárias, os grupos de interesse, fazem parte próprios interesses e prestando um serviço socialmente
dessa construção de uma sociedade que gradualmente mais útil.
aprende a articular interesses que são diferenciados, mas Em outros termos, a coerência sistêmica de numerosas
nem por isso deixam de ter dimensões complementares.
iniciativas de uma cidade, de um território depende forte-
A educação não pode se limitar a constituir para cada
mente de uma cidadania informada. A tendência que te-
aluno um tipo de estoque básico de conhecimentos. As
mos hoje é que só alguns políticos ou chefes econômicos
pessoas que convivem num território têm de passar a co-
nhecer os problemas comuns, as alternativas, os potenciais. locais dispõem da informação, e ditam o seu programa à
A escola passa, assim, a ser uma articuladora entre as ne- cidade. Assim, a democratização do conhecimento do ter-
cessidades do desenvolvimento local e os conhecimentos ritório, das suas dinâmicas mais variadas é uma condição
correspondentes. Não se trata de uma diferenciação dis- central do desenvolvimento. E onde o cidadão vai colher
criminadora, do tipo “escola pobre para pobres”: trata-se conhecimento sobre a sua região se discussões sobre a ci-
de uma educação mais emancipadora na medida em que dade só aparecem uma vez a cada quatro anos nos discur-
assegura à nova geração os instrumentos de intervenção sos eleitorais?
sobre a realidade que é a sua.

154
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Um relatório recente do Instituto de Estudos Só- de atividades, tornar-se-ão de certa maneira mediadores
cio-Econômicos (Inesc), uma ONG que trabalha sobre científicos e pedagógicos de um território, de uma comu-
o controle do dinheiro público, é nesse sentido inte- nidade. A requalificação dos professores que isso implica
ressante: poderá ser muito rica, pois esses serão naturalmente leva-
dos a confrontar o que ensinam com as realidades vividas,
O fato de termos uma sociedade com baixo nível de sendo de certa maneira colocados na mesma situação que
escolaridade, constitui um desafio a mais, não só para me- os alunos, que escutam as aulas e enfrentam a dificuldade
lhorar a escolaridade, mas para educar para a cidadania, em fazer a ponte entre o que é ensinado e a realidade con-
para que os cidadãos saibam suas responsabilidades e sai- creta do seu cotidiano.
bam cobrar dos seus legisladores e do poder público em O impacto em relação à motivação, para uns e outros,
geral, a transparência, a decomposição dos números que poderá ser grande, sobretudo para os alunos a quem sem-
não entendem. Apesar disso, e embora não haja uma cul- pre se explica que “um dia” entenderão por que o que estu-
tura disseminada do controle social na população, muitos dam é importante. O aluno que tiver aprendido em termos
cidadãos exercem o controle social com extrema eficácia históricos e geográficos como se desenvolveu a sua cidade,
porque têm noção de prioridade e fazem comparações, em o seu bairro, terá maior capacidade e interesse em contras-
termos de resultados das políticas, mesmo sem saber ler, e tar esse desenvolvimento com o processo de urbanização
mesmo quando o próprio poder público tenta desqualifi- de outras regiões, de outros países, e compreenderá me-
cá-los, principalmente quando se apontam irregularidades lhor os conceitos teóricos das dinâmicas demográficas em
nos Conselhos. Quanto mais as informações são monopó- geral.
lio, ou herméticas e confusas, menor é a capacidade de a Envolve ainda mudanças dos procedimentos peda-
sociedade participar e de influenciar o Estado, o que aca- gógicos, pois é diferente fazer os alunos anotarem o que
ba enfraquecendo a noção de democracia, que pode ser o professor diz sobre D. Carlota Joaquina, e organizar de
medida pelo fluxo, pela qualidade e quantidade das infor- maneira científica o conhecimento prático, mas fragmen-
mações que circulam na sociedade. O grande desafio é a tado que existe na cabeça dos alunos. Em particular, seria
natural organizar de forma regular e não esporádica dis-
transparência no sentido do empoderamento, que significa
cussões que envolvam alunos, professores e profissionais
encontrar instrumentos para que a população entenda o
de diversas áreas de atividades, desde líderes comunitários
orçamento e fiscalize o poder público.
a gerentes de banco, de sindicalistas a empresários, de pro-
O objetivo da educação não é desenvolver conceitos
fissionais liberais e desempregados, apoiando esses conta-
tradicionais de “educação cívica” com moralismos que
tos sistemáticos com material científico de apoio.
cheiram a mofo, mas permitir que os jovens tenham acesso
Na sociedade do conhecimento para a qual evoluímos
aos dados básicos do contexto que regerá as suas vidas.
rapidamente, todos – e não só as instituições de ensino – se
Entender o que acontece com o dinheiro público, quais são
defrontam com as dificuldades de se lidar com muito mais
os indicadores de mortalidade infantil, quem são os maio- conhecimento e informação. As empresas realizam regu-
res poluidores da sua região, quais são os maiores poten- larmente programas de requalificação dos trabalhadores,
ciais de desenvolvimento – tudo isso é uma questão de e hoje trabalham com o conceito de knowledge organiza-
elementar transparência social. Não se trata de privilegiar o tion, ou de learning organizations, na linha da aprendiza-
“prático” relativamente ao teórico, trata-se de dar um em- gem permanente.
basamento concreto à própria teoria. Acabou o tempo em que as pessoas primeiro estudam,
depois trabalham, e depois se aposentam. A relação com a
Os parceiros do desenvolvimento local informação e o conhecimento acompanha cada vez mais
as pessoas durante toda a sua vida. É um deslocamento
Uma educação que insira nas suas formas de educar profundo entre a cronologia da educação formal e a crono-
uma maior compreensão da realidade local terá de organi- logia da vida profissional.
zar parcerias com os diversos atores sociais que constroem Nesse sentido, todas as organizações, e não só as es-
a dinâmica local. Em particular, as escolas, ou o sistema colas, se tornaram instituições onde se aprende, reconside-
educacional local de forma geral, terão de articular-se com ram-se os dados da realidade. A escola precisa estar articu-
universidades locais ou regionais para elaborar o material lada com esses diversos espaços de aprendizagem para ser
correspondente, organizar parcerias com ONG que traba- uma parceira das transformações necessárias.
lham com dados locais, conhecer as diferentes organiza- Um exemplo interessante nos vem de Jacksonville, nos
ções comunitárias, interagir com diversos setores de ativi- Estados Unidos. A cidade produz anualmente um balanço
dades públicas, buscar o apoio de instituições do sistema S de evolução da sua qualidade de vida, avaliando a saúde,
como Sebrae ou Senac, e assim por diante. a educação, a segurança, o emprego, as atividades econô-
O processo é de duplo sentido, pois, por um lado, leva micas, e assim por diante. Esse relatório anual é produzido
a escola a formar pessoas com maior compreensão das com a participação dos mais variados parceiros e permite
dinâmicas realmente existentes para os futuros profissio- inserir o conhecimento científico da realidade no cotidia-
nais, e, por outro, leva a que essas dinâmicas penetrem o no dos cidadãos. O mundo da educação tem por vocação
próprio sistema educacional, enriquecendo-o. Assim, os ensinar a trabalhar de forma organizada o conhecimento.
professores terão maior contato com as diversas esferas Pode ficar fora de esforços desse tipo?

155
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Aparecem como parceiros necessários as universidades - integrar a imagem fixa ou animada, o som e o tex-
regionais, as empresas, o sistema S, diversos órgãos da pre- to de maneira muito simples, ultrapassando a tradicional
feitura, as ONG ambientais, as organizações comunitárias, divisão entre a mensagem lida no livro, ouvida no rádio
a mídia local, as representações locais do IBGE, da Embrapa ou vista numa tela, envolvendo aliás a possibilidade hoje
e de outros organismos de pesquisa e desenvolvimento. de qualquer escola ter uma rádio comunitária, tornando-se
Enfim, há um mundo de conhecimentos dispersos e subu- um articulador local poderoso no plano do conhecimento;
tilizados, que podem se tornar matéria-prima de um ensino - manejar os sistemas sem ser especialista: acabou-se
diferenciado. o tempo em que o usuário tinha de aprender uma “lin-
O que visamos é uma escola um pouco menos lecio- guagem”, ou simplesmente tinha que parar de pensar no
nadora, e um pouco mais articuladora dos diversos espa- problema do seu interesse científico para pensar no como
ços do conhecimento que existem em cada localidade, em manejar o computador. A geração dos programas user-
cada região; e educar os alunos de forma a que se sintam -friendly, ou seja, “amigos” do usuário, torna o processo
familiarizados e inseridos nessa realidade. pouco mais complicado que o da aprendizagem do uso
da máquina de escrever, mas exige também uma mudança
O impacto das tecnologias de atitudes ante o conhecimento de forma geral, mudança
cultural que, essa sim, é frequentemente complexa.
É impressionante a solidão do professor ante a sua tur- Trata-se aqui de dados muito conhecidos, e o que que-
ma, com os seus cinquenta minutos e uma fatia de conheci- remos notar, ao lembrá-los brevemente, é que estamos
mento predefinida a transmitir. Alguns serão melhores, ou- perante um universo que se descortina com rapidez verti-
tros piores, para enfrentar esse processo, mas no conjunto ginosa, e que será o universo do cotidiano das pessoas que
esse universo fatiado corresponde pouco à motivação dos hoje formamos.
alunos, e tornou-se muito difícil para o professor, indivi-
dualmente, modificar os procedimentos. Isso levou a uma Somente agora, contudo, as pessoas começam a se dar
situação interessante, de um grande número de pessoas conta de que o custo total de um equipamento de primei-
na área educacional querendo introduzir modificações, ao ra linha, com enorme capacidade de estocagem de dados,
mesmo tempo que pouco muda. É um tipo de impotência impressora, modem, escâner para transporte direto de tex-
institucional, em que uma engrenagem tem dificuldade de tos ou imagens do papel para a forma magnética, continua
alterar algo, na medida em que depende de outras engre- caindo regularmente.
nagens. A mudança sistêmica é sempre difícil. E sobretudo, Há um potencial de democratização radical do apoio
as soluções individuais não bastam. aos professores, e de nivelamento por cima do conjunto do
Um dos paradoxos que enfrentamos é o contraste entre mundo educacional no país, que as tecnologias hoje permi-
a profundidade das mudanças das tecnologias do conhe- tem, e a luta por essa democratização tornou-se essencial
cimento e o pouco que mudaram os procedimentos pe- na mudança sistêmica, que ultrapassa o nível de iniciativa
dagógicos. A maleabilidade dos conhecimentos foi e está do educador individual ou da escola isoladamente. Não há
sendo profundamente revolucionada. Pondo de lado os di- dúvida de que o educador frequentemente ainda se deba-
versos tipos de exageros sobre a “inteligência artificial”, ou te com os problemas mais dramáticos e elementares. Mas
as desconfianças naturais dos desinformados, a realidade é a implicação prática que vemos, ante a existência paralela
que a informática, associada às telecomunicações, permite: desse atraso e da modernização, é que temos que trabalhar
- estocar de forma prática, em disquetes, em discos rí- em “dois tempos”, fazendo o melhor possível no universo
gidos e em discos laser, ou simplesmente em algum ende- preterido que constitui a nossa educação, mas criando ra-
reço da rede, gigantescos volumes de informação. Estamos pidamente as condições para uma utilização “nossa” dos
falando de centenas de milhões de unidades de informa- novos potenciais que surgem.
ção que cabem no bolso, e do acesso universal a qualquer No plano da implantação local de tecnologias a serviço
informação digitalizada; da educação, o exemplo de Piraí, pequena cidade do Es-
- trabalhar essa informação de forma inteligente, per- tado do Rio, é importante. O projeto, de iniciativa munici-
mitindo a formação de bancos de dados sociais e indivi- pal, envolveu convênios com as empresas que administram
duais de uso simples e prático, e eliminando as rotinas bu- torres de retransmissão de sinal de TV e de telefonia celu-
rocráticas que tanto paralisam o trabalho científico. Pesqui- lar, para instalação de equipamento de retransmissão de
sar dezenas de obras para saber quem disse o quê sobre sinal de internet por rádio. Assim se assegura a cobertura
um assunto particular, “navegando” entre as mais diversas de todo o território municipal. A partir de alguns pontos de
opiniões, torna-se uma tarefa extremamente simples; recepção, fez-se uma distribuição do sinal banda larga por
- transmitir de forma muito flexível a informação por cabo, dando acesso a todas as escolas, instituições públi-
meio da internet, de forma barata e precisa, inaugurando cas, empresas. Como a gestão do sistema é pública, utili-
uma nova era de comunicação de conhecimentos. Isso im- zou-se a diferenciação de tarifas para que o lucro maior das
plica que, de qualquer sala de aula ou residência, podem empresas cobrisse uma subvenção ao acesso domiciliar, e
ser acessados dados de qualquer biblioteca do mundo, ou hoje qualquer família humilde pode ter acesso banda larga
ainda, que um conjunto de escolas pode transmitir infor- em casa por R$ 35 por mês. Convênios de crédito com ban-
mações científicas de uma para outra, ou de um conjunto cos oficiais permitem a compra de equipamentos particula-
de instituições regionais em redes educacionais articuladas; res com juros baixos. O resultado prático é que o conjunto

156
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

do município “banha” no espaço da internet, gerando uma A palavra-chave é a conectividade. Uma vez feito o in-
produtividade sistêmica maior do esforço de todos, além vestimento inicial de acesso banda larga de uma escola, ou
de mudança de atitudes de jovens, de maior facilidade de de uma família, é a totalidade do conhecimento digitaliza-
trabalho dos professores que têm possibilidade de acesso do do planeta que se torna acessível, representando uma
em casa, e assim por diante. mudança radical, particularmente para pequenos municí-
O que temos hoje é uma rápida penetração das tecno- pios, para regiões isoladas, e na realidade qualquer seg-
logias, e uma lenta assimilação das implicações que essas
mento relativamente pouco equipado, mesmo das metró-
tecnologias trazem para a educação. Convivem, assim, dois
poles. Quando se olha o que existe em geral nas bibliotecas
sistemas pouco articulados, e frequentemente vemos esco-
las que trancam computadores numa sala, o “laboratório”, escolares, e a pobreza das livrarias – centradas em livros de
em vez de inserir o seu uso em dinâmicas pedagógicas re- autoajuda, volumes traduzidos sobre como ganhar dinhei-
pensadas. ro e fazer amigos, além de algumas bobagens mais –, com-
preende-se a que ponto o aproveitamento adequado da
Educação e gestão do conhecimento conectividade pode tornar-se uma forma radical de demo-
cratização do acesso ao conhecimento mais significativo.
Com o risco de dizer o óbvio, mas visando à sistema- Ao mesmo tempo, essa conectividade permite que
tização, podemos considerar que, em relação à gestão do mesmo pequenas organizações comunitárias, ONG, pe-
conhecimento, os novos pontos de referência, ou transfor- quenas empresas, núcleos de pesquisa relativamente isola-
mações mais significativas, seriam os seguintes: dos, podem articular-se em rede. O problema de “ser gran-
de” já está deixando de ser essencial, quando se é bem
- é necessário repensar de forma mais dinâmica e com conectado, quando se pertence a uma rede interativa.
novos enfoques a questão do universo de conhecimentos
Em outros termos, a era do conhecimento exige muito
a trabalhar: ninguém mais pode aprender tudo, mesmo de
uma área especializada; a opção entre “cabeça bem cheia” mais conhecimento atualizado e inserido nos significados
ou “cabeça bem-feita” nos deixa poucas opções; locais e regionais, e ao mesmo tempo as tecnologias da
- nesse universo de conhecimentos, assumem maior informação e comunicação tornam o acesso a esse conhe-
importância relativa as metodologias, o aprender a “nave- cimento muito mais viável. A educação precisa, de certa
gar”, reduzindo-se ainda mais a concepção de “estoque” forma, organizar essa transição, e preparar as crianças para
de conhecimentos a transmitir; o mundo realmente existente.
- torna-se cada vez mais fluida a noção de área espe-
cializada de conhecimentos, ou de “carreira”, quando do O desafio educacional local e os conselhos municipais
engenheiro se exige cada vez mais uma compreensão da
administração, quando qualquer cientista social precisa de Um diretor de escola anda em geral assoberbado por
uma visão dos problemas econômicos, e assim por diante, problemas do cotidiano, com muita visão do imediato, e
devendo-se, aliás, colocar em questão os corporativismos pouco tempo para a visão mais ampla. O professor enfren-
científicos;
ta a gestão da sala de aula, e frequentemente está muito
- aprofunda-se a transformação da cronologia do co-
nhecimento: a visão do homem que primeiro estuda, de- centrado na disciplina que ministra. Nesse sentido, o Con-
pois trabalha, e depois se aposenta torna-se cada vez mais selho Municipal de Educação, reunindo pessoas que ao
anacrônica, e a complexidade das diversas cronologias au- mesmo tempo conhecem o seu município, o seu bairro e
menta; os problemas mais amplos do desenvolvimento local, e a
- modifica-se profundamente a função do educando, rede escolar da região, pode se tornar o núcleo irradiador
em particular do adulto, que deve se tornar sujeito da pró- da construção do enriquecimento científico mais amplo do
pria formação, ante a diferenciação e riqueza dos espaços local e da região.
de conhecimento nos quais deverá participar; Essas visões implicam, sem dúvida, uma atitude criativa
- a luta pelo acesso aos espaços de conhecimento por parte dos conselheiros de educação. Um documento
vincula-se ainda mais profundamente ao resgate da cida- endereçado ao Pró-Conselho ressalta o respaldo formal
dania, em particular para a maioria pobre da população, que essas iniciativas podem encontrar:
como parte integrante das condições de vida e de trabalho; Importa dizer que o Conselho desempenha importante
- finalmente, longe de tentar ignorar as transforma-
papel na busca de uma inovação pedagógica que valorize a
ções, ou de atuar de forma defensiva ante as novas tec-
profissão docente e incentive a criatividade. Por outro lado,
nologias, precisamos penetrar as dinâmicas para entender
sob que forma os seus efeitos podem ser invertidos, le- ele pode ser um pólo de audiências, análises e estudos de
vando a um processo reequilibrador da sociedade, quando políticas educacionais do seu sistema de ensino. Finalmen-
hoje tendem a reforçar as polarizações e a desigualdade. te, importa não se esquecer da fundamentação ética, legal
De forma geral, todas essas transformações tendem a de suas atribuições para se ganhar em legitimidade peran-
nos atropelar, gerando frequentemente resistências fortes, te a sociedade e os poderes públicos... Sob esses aspectos,
sentimentos de impotência, reações pouco articuladas. No o conselheiro será visto como um gestor cuja natureza re-
conjunto, no entanto, há o fato essencial de as novas tec- mete ao verbo gerar e gerar é produzir o novo: um novo
nologias representarem uma oportunidade radical de de- desenho para a educação municipal consoante os mais lí-
mocratização do acesso ao conhecimento. dimos princípios democráticos e republicanos.

157
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Outro documento, de Eliete Santiago, insiste no papel irradiador de conhecimentos para o desenvolvimento lo-
dos Conselhos Municipais de Educação como “forma de cal, formando uma nova geração de pessoas conhecedoras
participação da sociedade no controle social do Estado. dos desafios que terão de enfrentar.
Configura-se como um espaço para a discussão efetiva da Não há “cartilha” para esse tipo de procedimentos.
política educacional e consequentemente seu controle e Em alguns municípios, o problema central é de água; em
avaliação propositiva. Nesse caso, espera-se a afirmação outros, é de infraestruturas; em outros, ainda, é de segu-
do seu caráter deliberativo de modo a avançar cada vez rança ou de desemprego. Alguns podem se apoiar numa
mais em relação à sua função consultiva”. Isso envolve “a empresa de visão aberta, outras se ligarão com universida-
organização do espaço e do tempo escolar e do tempo des regionais. Há cidades com prefeitos dispostos a ajudar
curricular com ênfase na sua distribuição, organização e no desenvolvimento integrado e sustentável; há outras em
uso, e os resultados de aprendizagens com ênfase no co- que a compreensão do valor do conhecimento ainda é in-
nhecimento de experiências inovadoras”. cipiente, e onde as autoridades acham que desenvolver um
No quadro do Ministério do Meio Ambiente, junto com município consiste em inaugurar obras. Cada realidade é
diferente, e não há como escapar ao trabalho criativo que
o Ministério das Cidades, gerou-se o programa “Municípios
cada conselho municipal deverá desenvolver.
Educadores Sustentáveis”, que também permite inserir nas
Isso dito, apresentamos a seguir algumas sugestões,
escolas uma nova visão tanto do estudo da problemática para servir de pontos de referência, baseadas que estão
local como da responsabilização e do protagonismo infan- no conhecimento de coisas que deram certo, e de outras
til e juvenil relativamente ao seu meio. Assim, por exemplo, que deram errado, visando não servir de cartilha, mas de
as escolas podem contribuir para elaborar indicadores re- inspiração. Em termos bem práticos, a sugestão é que um
gionais e sistemas de avaliação para o monitoramento e a Conselho Municipal de Educação organize essas atividades
avaliação da situação ambiental. em quatro linhas:
O Programa Municípios Educadores Sustentáveis pro- - Montar um núcleo de apoio e desenvolvimento da
põe promover o diálogo entre os diversos setores organi- iniciativa de inserção da realidade local nas atividades es-
zados, colegiados, com os projetos e ações desenvolvidos colares.
nos municípios, bacias hidrográficas e regiões administra- - Organizar parcerias com os diversos atores locais
tivas. Ao mesmo tempo, propõe dar-lhes um enfoque edu- passíveis de contribuir com o processo.
cativo, no qual cidadãs e cidadãos passam a ser editores/ - Organizar ou desenvolver o conhecimento da reali-
educadores de conhecimento socioambiental, formando dade local, aproveitando a contribuição dos atores sociais
outros editores/educadores, e multiplicando-se sucessiva- do local e da região.
mente, de modo que o município se transforme em educa- - Organizar a inserção desse conhecimento no currí-
dor para a sustentabilidade. culo e nas diversas atividades da escola e da comunidade.
A responsabilidade escolar nesse processo é essencial, - Montar um núcleo de apoio é essencial, pois, sem
pois precisamos construir uma geração de pessoas que um grupo de pessoas dispostas a assegurar que a iniciativa
entendam efetivamente o meio onde estão inseridas: o chegue aos resultados práticos, dificilmente haverá pro-
mesmo documento ressalta que todos somos responsáveis gresso. O Conselho poderá nomear um grupo de conse-
pela construção de sociedades sustentáveis. Isso significa lheiros mais interessados, traçar uma primeira proposta, ou
promover a valorização do território e dos recursos locais visão, e associar à iniciativa alguns professores ou diretores
(naturais, econômicos, humanos, institucionais e culturais), de escola que queiram colocá-la em prática. É importante
que constituem o potencial local de melhoria da qualidade que haja um coordenador e um cronograma mínimo.
Quanto aos atores locais, a visão a se trabalhar é de
de vida para todos. É preciso conhecer melhor este poten-
uma rede permanente de apoio. Muitas instituições hoje
cial, para chegar à modalidade de desenvolvimento susten-
têm na produção de conhecimento uma dimensão im-
tável adequada à situação local, regional e planetária.
portante das suas atividades. Trata-se, evidentemente, das
No município de Vicência, em Pernambuco, encontra- faculdades ou universidades locais ou regionais, das em-
mos o seguinte relato: “Educação é a principal condição presas, das repartições regionais do IBGE, de instituições
para o desenvolvimento local sustentável. Nessa dimensão, como Embrapa, Emater e outras, de ONG que trabalham
a Secretaria de Educação do Município implantou o projeto com dimensões particulares da realidade, de organizações
‘Escolas rurais, construindo o desenvolvimento local’, com comunitárias.
a perspectiva de melhoria da qualidade do ensino e, con- O objetivo da rede não é de simplesmente recolher in-
sequentemente, a melhoria da qualidade de vida das co- formação, na visão de um grande banco de dados, mas
munidades rurais”. O projeto permitiu “uma metodologia de assegurar que seja disponibilizada, que circule entre os
diferenciada que leva a uma contribuição para uma melhor diversos atores sociais da região, e sobretudo que permeie
compreensão de um verdadeiro exercício de cidadania. O o ambiente escolar. Na cidade de Santos, por exemplo, foi
projeto tem como objetivo tornar a escola o centro de pro- criado um centro de documentação da cidade, com do-
dução de conhecimento, contribuindo para o desenvolvi- tação da prefeitura, mas dirigido por um colegiado que
mento local”.8 envolveu quatro reitores, quatro representantes de or-
São visões que vão se concretizando gradualmente, ganizações da sociedade civil e quatro representantes da
com experiências que buscam de forma diferenciada, se- prefeitura. O objetivo era evitar que as informações sobre
gundo as realidades locais e regionais, caminhos práticos o município fossem “apropriadas” e transformadas em in-
que permitam dar à educação um papel mais amplo de formação “chapa branca”, e garantir acesso e circulação.

158
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

A diversidade de soluções aqui é imensa, pois temos ou mesmo de escolas que podem explicitar como se dão
desde poderosos centros metropolitanos até pequenos na realidade as dificuldades de administrar as áreas sociais,
municípios rurais. O essencial é ter em conta que todos agricultores ou agrônomos que conhecem muito do solo
os atores sociais locais produzem informação de alguma local e das suas potencialidades, e assim por diante, arte-
forma, e que essa informação organizada e disponibilizada sãos que podem até atrair os jovens para a aprendizagem,
torna-se valiosa para todos. E para o sistema educacional e assim por diante.
local, em particular, torna-se fonte de estudo e aprendiza- Uma dimensão importante da proposta é a possibilida-
gem.9 de de mobilizar os alunos e professores nas pesquisas do
Os municípios particularmente desprovidos de infraes- local e da região. Esse tipo de atividade assegura tanto a
truturas adequadas poderão fazer parcerias com institui- assimilação de conceitos como o cruzamento de conheci-
ções científicas regionais e apresentar projetos de apoio mentos entre as diversas áreas, rearticulando informações
a instâncias de nível mais elevado. Há municípios que re- que nas escolas são segmentadas em disciplinas.
Em outros termos, é preciso “redescobrir” o manancial
correm também a articulações intermunicipais, como é o
de conhecimentos que existe em cada região, valorizá-lo e
caso dos consórcios, podendo assim racionalizar os seus
transmiti-lo de forma organizada para as gerações futuras.
esforços.
Conhecimentos técnicos são importantes, mas têm de ser
Organizar o conhecimento local normalmente não en-
ancorados na realidade que as pessoas vivem, de maneira a
volve produzir informações novas. As diversas secretarias serem apreendidos na sua dimensão mais ampla.
produzem informação, bem como as empresas e outras en-
tidades mencionadas. Temos hoje também informação bá- Fonte
sica organizada por municípios no IBGE, no projeto corres- DOWBOR, Ladislau. Educação e apropriação da reali-
pondente do Ipea/Pnud e outras instituições, com diversas dade local. Estud. av. [online].2007, vol.21, nº 60, pp. 75-90.
metodologias, e pouco articuladas, mas que podem servir
de base. Essas informações hoje dispersas e fragmentadas
deverão ser organizadas, e servir de ponto de partida para
uma série de estudos do município ou da região.
FONTANA, ROSELI AP. CAÇÃO.
Há igualmente, mesmo para as regiões pouco estuda-
das, relatórios antigos de consultoria, monografias nas uni-
MEDIAÇÃO PEDAGÓGICA EM SALA DE
versidades da região, relatos de viagem, estudos antropo- AULA. CAMPINAS: EDITORA AUTORES
lógicos e outros documentos acumulados, hoje subapro- ASSOCIADOS, 1996 (PRIMEIRO TÓPICO
veitados, mas que podem se tornar preciosos na visão de DA PARTE I - A GÊNESE SOCIAL DA
se gerar uma compreensão, por parte da nova geração, da CONCEITUALIZAÇÃO).
realidade em que vivem.
Sem recorrer a consultorias caras, é hoje bastante viá-
vel contratar o apoio metodológico para a organização e
sistematização dessas informações, a elaboração de mate- O papel do professor é destacado por Fontana (1996)
rial de ensino, de textos de apoio para leitura, e assim por como aquele responsável em transformar os conhecimen-
diante. tos espontâneos carregados de significados em conheci-
A inserção do conhecimento local no currículo e nas mentos sistematizados. O conhecimento é algo elaborado
atividades escolares implica uma inflexão significativa re- coletivamente nas interações entre os sujeitos e cabe ao
lativamente à rotina escolar, mais afeita a cartilhas gerais profissional da educação transformar o que era espontâ-
neo em algo sistematizado. Para Fontana (1996) conceitos
rodadas no tempo. A dificuldade central é de inserir na es-
são produtos históricos da atividade mental utilizados para
cola um conhecimento local que os professores ainda não
comunicação e conhecimento sendo indispensável à cola-
têm. Nesse sentido, parece razoável, enquanto se organiza
boração do adulto que apresenta graus de generalidade
a produção de material de apoio para os professores e alu-
e operações intelectuais novos para a criança que passa a
nos – as diversas informações e estudos sobre a realidade organizar seu processo de elaboração mental através do
local e regional –, ir gradualmente inserindo o estudo da outro.
realidade local mediante um contato maior com a comuni- Há uma grande diferença na atividade mental coti-
dade profissional local. diana e a elaboração sistematizada na escola, pois interna
e externamente são situações diferentes. No cotidiano, a
Há escolas hoje que realizam “trabalhos de campo” mediação do adulto é espontânea e imediata, sempre cen-
em que alunos de prancheta vão visitar uma cidade ou um trada na situação e ato intelectual envolvido. A intervenção
bairro. São atividades úteis, mas formais e pouco produti- do adulto, no cotidiano, não é deliberada e nem planejada,
vas, quando não são acompanhadas da construção siste- enquanto em uma relação de ensino a finalidade é ime-
mática do conhecimento da realidade regional. Qualquer diata e explícita pela hierarquização dos papéis sociais de
cidade tem hoje líderes comunitários que podem trazer a professor e aluno. Assim sendo, a mediação é deliberada,
história oral do seu bairro ou da sua região de origem, em- instituída e busca a indução para utilização das operações
presários ou técnicos de diversas áreas, gerentes de saúde intelectuais.

159
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Os conceitos cotidianos e científicos: o papel da escola Cotidianamente, a mediação do adulto é espontânea


durante o processo de utilização da linguagem nas situa-
Segundo Fontana (1996) um professor apaixonado que ções imediatas. Fontana (1996) destaca que a atenção dos
se intriga com os modos de ensinar, abandona temporaria- adultos e crianças está centrada na situação, nos seus ele-
mente seu lugar “oficial” e se torna pesquisador participan- mentos e não no ato intelectual envolvido. São raras às ve-
te do cotidiano da escola. zes em que ambos se dão conta da diferença de elabora-
Fontana (1996) através de seus estudos demonstra ção cognitiva entre eles.
que ao internalizarmos as ações, papéis e funções sociais No entanto, nas interações escolarizadas com orienta-
através das interações, o sujeito dirigi o próprio compor- ção deliberada e explícita para aquisição do conhecimento
tamento e a auto regulação redimensiona e reorganiza a sistematizado pela criança, Fontana (1996) diz que os pro-
atividade mental. Fontana (1996, p.13) através dos estudos cessos de elaboração conceitual modificam-se em vários
de Luria (1987) destaca que “a palavra é o meio de gene- aspectos. Fontana ainda coloca que:
ralização criado no processo histórico-social do homem”.
Nesse contexto, a criança é colocada diante de uma
Portanto, para Fontana (1996), os conceitos são pro-
tarefa particular de “entender” as bases dos sistemas de
dutos históricos, significantes da atividade mental mobi-
lizados para comunicação, conhecimento e resolução de concepções científicas, que se diferenciam nas elabora-
problemas. ções conceituais espontâneas. Os conceitos sistematizados
(científicos na expressão de Vygotsky) são parte de siste-
O papel do outro mas explicativos globais, organizados dentro de uma ló-
gica socialmente construída, e reconhecida como legítima
O outro tem grande papel na mediação da formação que procura garantir-lhes coerência interna. (FONTANA,
dos conceitos cotidianos e científicos, Fontana (1996 nos 1996, p.21).
diz que há uma coincidência de conteúdo nas palavras que Fontana (1996) segue considerando que na interação
crianças e adultos utilizam, a coincidência que permite a entre adultos e crianças, a relação de ensino tem finalida-
comunicação. “Essa coincidência ocorre porque a criança de imediata e é explícita aos seus participantes, pois ocu-
partilhando do sistema linguístico da palavra aprende des- pam lugares sociais diferenciados e hierarquizados, sendo
de muito cedo um grande número de palavras que signifi- a mediação do adulto deliberada com sistemas conceituais
cam, aparentemente as mesmas coisas para ambos”. (FON- instituídos e induzindo-a a utilizar operações intelectuais
TANA, 1996, p. 18). dos signos e modos de dizer que são veiculados na escola.
Contudo no que diz respeito à função da palavra de- A imagem que a criança tem do professor é socialmen-
sempenhada na atividade mental da criança e do adulto te estabelecida e Fontana (1996, p.22) diz até mesmo do
não coincidem. Para Fontana (1996) crianças e adultos papel que é esperado da criança nesse contexto: “realizar
usam a palavra com graus de generalidade distintos, uma as atividades propostas, seguindo as indicações e explica-
elaboração mental diferente que possibilita o desenvolvi- ções dadas”. Junto a seus conceitos espontâneos, a criança
mento dos conceitos nas crianças. busca raciocinar com o professor tentando reproduzir ope-
O adulto, ao utilizar a palavra nas interações com a rações lógicas utilizadas por ele.
criança, apresenta graus de generalidade e operações in- Na elaboração interpessoal, Fontana (1996, p. 22) ana-
telectuais novos para a criança. Mesmo que ela não ela- lisa que a criança imita a análise intelectual do adulto mes-
bore ou aprenda o conceito da palavra, a criança passa a mo sem compreendê-la completamente. Ao utilizá-la pas-
organizar seu processo de elaboração mental, assumindo
sa a elaborá-la articulando-se dialeticamente.
ou recusando tais palavras. Portanto, a mediação do outro
Frente a um conhecimento sistematizado desconheci-
possibilita a emergência de funções que faz com que mes-
mo que a criança não domine o conceito, ela realiza uma do, a criança busca significá-lo através de sua aproximação
operação mental de forma compartilhada. com outros signos já conhecidos, já elaborados e internali-
“Dentro desta perspectiva Vygotsky defende a tese zados. Ela busca enraizá-lo nas suas experiências consolida-
de que o ensino precede o desenvolvimento” (FONTANA, das. Do mesmo modo, um conceito espontâneo nebuloso,
1996, p.20), assim como o aprendizado, que está intrinsica- que a criança utiliza sem saber explicar com, aproximando
mente ligado ao desenvolvimento, abre infinitas possibili- a um conceito sistematizado, coloca-se num outro quadro
dades de crescimento intelectual para a criança. das relações de generalização. (FONTANA, 1996, p. 22).
Portanto, a relação entre aprendizado e desenvolvi- Assim, Fontana (1996) vai demonstrando como a
mento é muito mais complexa dependendo de diversos criança internaliza e passa a utilizar os vários conceitos,
elementos que são elaborados e reelaborados o tempo sistematizados ou não, os quais ela adquire nas suas rela-
todo. Para isso, Vygotsky (1998) dá destaque principal à ções interpessoais realizadas na escola ou fora dela. Ambos
zona de desenvolvimento proximal. os conceitos (espontâneo e sistematizado) articulam-se e
O papel da escolarização transformam em uma relação recíproca, pois os conceitos
espontâneos, segundo Vygotsky (2008), criam as estruturas
Fontana (1996) enfatiza que mesmo que a conceitua- necessárias para a evolução dos aspectos primitivos e ele-
lização seja um processo único e integrado, Vygotsky des- mentares dos conceitos.
taca a necessidade de diferenciarmos a atividade mental Assim também são os conhecimentos sistematizados
centrada na vida cotidiana e a elaboração sistematizada na que criam estruturas para os conhecimentos espontâneos
escola, segundo condições externas e internas de elabora- quanto à sistematização, consciência e uso deliberado de
ção em diferentes situações. algo que é tão novo para a criança em idade escolar.

160
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Fontana (1996) descreve que para Vygotsky o apren- Fonte


dizado escolar tem papel decisivo no desenvolvimento da MANOEL, V. K.; CRISTOFOLETI, R. C. O processo de ela-
elaboração conceitual e tomada de consciência pela crian- boração conceitual das palavras nas crianças. Revista Con-
ça de seus processos mentais. teúdo, Capivari, v.10, n.1, jan./jul. 2016 – ISSN 1807-9539
Por essas e muitas outras razões o professor deve sem-
pre estar atualizado, ativo, ser comunicativo e paciente, Referência
pois é ele o interlocutor, mediador da criança com o saber, FONTANA, Roseli Ap. Cação. Mediação Pedagógica em
mais necessariamente o saber no âmbito escolar. sala de aula. Campinas: Editora Autores Associados, 1996

Conclusão

Torna-se relevante retomar e discutir os modos pelos GALVÃO, IZABEL. EXPRESSIVIDADE E


quais o processo de conceitualização tem sido produzido EMOÇÕES SEGUNDO A PERSPECTIVA
no interior das relações de ensino. Não para avaliar e/ou DE WALLON, IN: ARANTES, VALÉRIA A.
prescrever o que/ como se deve fazer (ou não) proceder na AFETIVIDADE NA ESCOLA: ALTERNATIVAS
escola, e sim como um esforço de explicitação das relações TEÓRICAS E PRÁTICAS. SÃO PAULO:
de poder aí implicadas, e que nos ajudam a compreender SUMMUS, 2003.
a elaboração conceitual como parte de uma luta constante
pela constituição da identidade social, num processo que
é dinâmico e passa também pela escola. (FONTANA, 1996, Isabel Galvão, no texto “Expressividade e emoções”, ex-
p.161) plora a teoria psicogenética de Henry Wallon, aborda seus
Fontana (1996) ao discorrer sobre elaboração concei- estudos sobres as expressões emocionais e postula a indis-
tual no campo pedagógico analisa que esta ocorre de duas sociabilidade entre os processos afetivos e os cognitivos,
maneiras: “Numa relação pedagógica tradicional, profes- propondo uma ressignificação das práticas pedagógicas
sor e criança relacionam-se com sistemas ideológicos
constituídos (palavras alheias) como palavras que devem EXPRESSIVIDADE E EMOÇÃO
ser aprendidas independente de sua persuasão anterior”.
Isabel Galvão
(FONTANA, 1996, p.162). É este, ainda, o modo preponde-
rante de ensino; os alunos não são instigados a buscar o
Interação social, aprendizagem e desenvolvimento são
conhecimento, a se relacionar com ele, o professor fornece termos indissociáveis. A aprendizagem de hábitos, valores
respostas rápidas e diretas, isso na maior parte do tempo, e conceitos depende da inserção do sujeito numa deter-
pois é uma forma mais rápida e fácil de ensinar. minada cultura e é, ao mesmo tempo, condição para sua
Em um ensino não tradicional Fontana (1996, p.163) inserção nesta cultura. Por outro lado, sabemos que o de-
diz que “os ‘conceitos científicos’ também são assumidos senvolvimento das funções psíquicas que caracterizam a
como ‘conceitos verdadeiros’, mas o processo através do espécie humana, como a fala, a representação simbólica e a
qual são ‘assimilados’ é outro.” Esse seria um processo memória, dependem da aprendizagem, isto é, da apropria-
de ensino-aprendizagem onde o conhecimento parte da ção que o sujeito faz dos elementos a ele transmitidos num
criança e ela “constrói” com seus próprios recursos os sen- dado ambiente cultural, como bem nos esclarece Vygotsky
tidos das operações mentais e a interação com o adulto, (1989). Assim, a interação social é condição indispensável
escolar ou não, que não interfere diretamente, com con- para a aprendizagem e para o desenvolvimento.
ceitos já elaborados, a autora vai ainda mais longe quando Os casos de crianças selvagens descritas na literatura,
defende que as formas adultas de pensamento são inter- dos quais o relato de Jean Itard é o exemplo mais completo
nalizadas pela criança ao longo de sua vida escolar. (FON- (Banks-Leite & Galvão, 2000), ilustram o efeito impressio-
TANA, 1996). nante que causa, sobre o desenvolvimento, a privação do
O adulto é o mediador do processo de elaboração con- contato com as pessoas e com a cultura, mostrando que,
em situação de isolamento social, o homem não se torna
ceitual da palavra, lembrando que em uma situação ideal
humano. Sendo o homem um ser “geneticamente social”,
isso seria constante, mas a escola como a concebemos tem
segundo expressão cunhada por Wallon, seu desenvolvi-
pouco espaço para isso. Muito presa ao modelo tradicional
mento insere-se numa complexa imbricação entre fatores
e cumpridora de “tarefas” (no caso da escola de Campo se- orgânicos e sociais.
ria a apostila e as datas comemorativas), ainda se encontra O estado de imperícia em que se encontra o ser hu-
muito preso a um ensino tradicional. Não se pode negar mano ao nascer – é a espécie em que o inacabamento or-
que há momentos em que o professor faz seu papel de gânico no nascimento é mais pronunciado – torna o bebê
“mediador”, mas a incidência é muito baixa perante o que totalmente dependente das outras pessoas para a satisfa-
se é esperado para uma garantia plena do desenvolvimen- ção de suas necessidades vitais. Nos primeiros meses de
to do aluno, sujeito e foco da aprendizagem. vida, as pessoas de seu entorno são o instrumento media-
dor de sua ação sobre o ambiente. Por meio de seus gestos

161
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

impulsivos, contorções ou espasmos corporais, bem como Uma definição que se pretenda abrangente não deve,
das mais primitivas expressões emocionais, como o choro tampouco, restringir o conceito de interação social às rela-
ou o sorriso, o bebê humano mobiliza as pessoas numa ções interpessoais, isto é, ao contato direto entre as pes-
espécie de contágio afetivo: quem consegue ficar imune ao soas. Numa definição ampla, devem estar incluídas tam-
choro de um recém-nascido, ou indiferente ao sorriso de bém as relações das pessoas com as produções culturais
um bebê? O adulto interpreta, conforme seus valores, cos- historicamente acumuladas, fruto das relações entre os
tumes e expectativas, o significado das expressões emo- seres humanos e destes com a natureza. Mesmo na au-
cionais do bebê, sendo levado a agir de acordo com seus sência de um parceiro concreto, nessas interações com os
parâmetros culturais e crenças individuais, envolto no clima produtos da cultura, o outro encontra-se presente, mas
de contágio próprio a essas manifestações. mediado pela linguagem, pelas representações e demais
Para Wallon (1934), o ser humano, primeiramente sob manifestações culturais. Mas esta possibilidade de intera-
a dependência exclusiva de seus semelhantes, desenvol- ção à distância é adquirida aos poucos, com o progressivo
ve aptidões de expressão bem antes das de realização, em desenvolvimento das capacidades de representação men-
consequência, a primeira orientação de sua vigilância é tal e com o aprendizado das linguagens produzidas social-
para as pessoas, e não diretamente para o mundo físico, mente e de seus produtos.
como nas espécies animais. Estudos recentes (Stern, 1992; Visando contribuir para a ampliação do olhar sobre as
Trevarthen 1993) convergem com esta idéia ao demonstrar interações sociais este artigo apresenta elementos teóricos
que o bebê mostra preferência pelas pessoas e que seria sobre a expressividade e a emoção, chamando atenção
dotado de precoces capacidades para o reconhecimento para os recursos expressivo-emocionais de que dispõe des-
das capacidades tipicamente humanas e para a compreen- de cedo a criança. Toma a psicogenética de Wallon como
são das emoções. referência principal e a faz dialogar com estudos atuais
Essas evidências colidem com uma visão largamente sobre a emoção e suas expressões, tentando mostrar pro-
aceita no meio educacional, em que se considera as crian- cessos que intervêm na dinâmica emocional, sempre tendo
ças pequenas incapazes de interação social, por serem em vista sua relação com o todo da pessoa e o seu desen-
“egocêntricas”. Nesta visão o que se tem é uma transpo-
volvimento. Além deste objetivo propriamente teórico, o
sição apressada de aspectos das primeiras formulações
artigo pretende, ao sensibilizar o olhar para dimensões da
teóricas de Piaget, quando ele vinculava o “egocentrismo”
conduta e interações infantis normalmente desconsidera-
ao comportamento social e verbal da criança. Uma des-
das, suscitar reflexões sobre situações do cotidiano escolar
centração progressiva, com a possibilidade de considerar o
e inspirar práticas que levem em conta a pessoa em sua
ponto de vista de outros e de coordenar seu ponto de vista
complexidade.
com os dos demais, e a capacidade plena de cooperação só
seria possível a partir dos 7-8 anos.
Com um significado próprio no conjunto da teoria pia- Algumas perspectivas para o estudo da emoção e
getiana, esses conceitos, se transpostos linearmente para suas expressões
situações de educação coletiva, seja como a finalidade de
compreender o que ocorre ou de pautar as intervenções, É a Charles Darwin que se atribui o papel de precursor
impedem que se reconheça os primeiros recursos de inte- do estudo científico das emoções. Seu livro A expressão
ração de que dispõe a criança desde o nascimento e levam das emoções no homem e no animal, publicado em 1872,
ao desperdício de um vasto campo de possibilidades pe- é referência praticamente obrigatória nas pesquisas atuais
dagógicas. no campo da psicologia. Com o objetivo de “fundamentar
Se considerarmos como interação social somente as e determinar até onde as mudanças específicas nos traços
situações em que há encadeamento entre as ações dos e gestos são realmente expressões de certos estados de
parceiros em direção a um objetivo comum, deixaremos espírito”, Darwin recorre a observações (suas próprias e en-
de tratar como tal inclusive formas de interação entre coe- comendadas a colaboradores de diversas partes do mun-
tâneos, como situações muito comuns no primeiro ano de do) de crianças, adultos, doentes mentais, povos de várias
vida, quando, por exemplo, uma criança realiza alguma culturas e animais, bem como aos estudos sobre fisionomia
ação (empurrar um carrinho, balançar um chocalho) e a da face humana. Constatando que um mesmo estado de
outra permanece observando. Se restringirmos o conceito espírito exprime-se nos seres humanos ao redor do mun-
à cooperação, ao olharmos esta cena constataremos au- do com “impressionante uniformidade” e que determina-
sência de interação. Contudo, se nos pautarmos num con- das expressões emocionais são comuns ao ser humano e
ceito mais abrangente e se estivermos sensíveis para os alguns animais, defende que as expressões das emoções
componentes expressivo emocionais das condutas infantis, teriam desempenhado importante papel na sobrevivência
veremos nessas ações aparentemente paralelas e indepen- e na evolução da espécie humana.
dentes, coesão e complementaridade: a criança que em- Inserindo sua pergunta na problemática mais ampla da
purra o carrinho ou mexe o chocalho parece se exibir para evolução das espécies, defende que os principais atos de
o companheiro, como que alimentada pelo seu olhar aten- expressão seriam vestígio de um tempo distante em que
to; o observador, por sua vez, apresenta-se de tal forma teriam tido uma função na sobrevivência propriamente
absorto na atividade do outro, que é como se participasse dita. Formula três princípios para explicar as causas ou ori-
dela, acompanhando-a por meio de seu corpo, mímica fa- gem de expressões emocionais, como a da raiva, da triste-
cial e outras variações posturais. za, da alegria, da surpresa, do nojo, da vergonha. Pelo prin-

162
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

cípio dos hábitos associados úteis explica que ações, de por Ekman & Friesen (1978). A partir de minuciosa análi-
início voluntárias e executadas com uma finalidade precisa, se de uma amostra de 5000 expressões faciais de adultos,
tornaram-se, pela repetição ao longo das gerações, habi- gravadas em vídeo, os autores mediram os movimentos
tuais e hereditárias. Assim, a origem da tosse e do espirro faciais feitos por cada sujeito, chegando a um protótipo
poderia estar no hábito de expelir, das vias aéreas, partícu- morfológico de cada emoção, isto é, das que consideram
las irritantes e a expressão de nojo poderia ter se originado básicas - alegria, tristeza, raiva, nojo, surpresa, medo. Com
no ato de cuspir algo perigoso ou venenoso. A repetição esses protótipos, que indicam o movimento das unidades
desses atos por seguidas gerações teria levado a associar a de ação, ou seja, de músculos isolados ou em combinação
expressão facial ao estado afetivo concomitante, de modo com outros que são envolvidos em cada emoção básica,
que em outras situações em que uma associação ou sen- os autores pretendem uma análise objetiva das expressões
sação semelhante se verificasse o movimento expressivo faciais.
tenderia a se produzir.
A abordagem darwiniana consolida, no estudo das Segundo Ekman, existiria na espécie humana uma pro-
emoções, a questão da funcionalidade dos comporta- gramação, no nível do sistema nervoso, que estabelece
mentos expressivos. Mesmo enfatizando a perspectiva uma conexão entre as emoções específicas e determinados
filogenética ao priorizar a discussão sobre sua função na movimentos musculares, correspondência essa que seria
adaptação da espécie, reconhece o papel das expressões invariável. Dos diversos estudos interculturais desenvolvi-
emocionais na ontogênese, sugerindo por exemplo, que os dos, os pesquisadores da corrente neodarwiniana (Ekman,
movimentos do corpo e do rosto são os primeiros meios 1980) sustentam que o que pode variar de acordo com as
de comunicação entre a mãe e a criança. Embora não se culturas são as regras de expressão das emoções ou as
estenda nesse tópico, sugere a existência de precoces ca- condições de desencadeamento de uma ou outra emoção.
pacidades do bebê para o reconhecimento e compreensão Essa idéia não é, contudo, consensual. Russell (1994)
das expressões faciais das emoções. debate a questão, chamando a atenção para a importân-
Até por volta de 1970, foi pequena a influência deste cia dos fatores linguísticos implicados nos experimentos,
livro na comunidade científica, quando passou a ser en- fatores esses mergulhados nos diferentes modos de cada
faticamente resgatado por pesquisadores interessados no língua nomear estados emocionais. Para este autor, o ele-
problema da emoção e de suas expressões. Em 1973, Paul mento universal estaria no reconhecimento de dimensões
Ekman, da Escola de Palo Alto, na Califórnia, organizou um emocionais expressas facialmente, isto é, no reconheci-
livro em homenagem ao centenário do trabalho do biólogo mento da dimensão prazer/desprazer ou do grau de ati-
inglês – “Darwin and facial expression: a century of research vação, isto é, da intensidade da emoção. Já as categorias
in review”- apresentando um balanço dos trabalhos feitos emocionais, ou seja, os termos específicos corresponden-
neste período de cem anos, numa espécie de manifesto tes, seriam próprios de cada cultura.
neodarwiniano. Valorizando a atualidade das intuições de No que se refere à gênese das competências emocio-
Darwin e as inúmeras frentes de pesquisa abertas por seu nais, existem várias linhas de pesquisa. Os estudos com
estudo pioneiro, Ekman apresenta, como uma das hipóte- recém-nascidos se utilizam de sofisticadas técnicas expe-
ses para explicar o esquecimento em que caíra o livro de rimentais desenvolvidas nas três últimas décadas. Tomam
Darwin, a inconsistência metodológica de sua pesquisa. comportamentos observáveis durante os períodos em que
A depuração metodológica de uma situação experi- o bebê está em estado de alerta - orientação da cabeça, a
mental realizada por Darwin é um dos pontos de partida direção do olhar, o batimento cardíaco e o ritmo de sucção
para os pesquisadores da Escola de Palo Alto e de outros (cujas variações são monitoradas por chupetas com recep-
grupos de neodarwinianos que concentram seus estudos tores) - como indícios de suas capacidades e de suas pre-
na expressão facial das emoções. As pesquisas que se inse- ferências (Baudonnière, 1985; Bloch, 1985; Stern, 1992). Ao
rem nesse enfoque desenvolvem-se segundo dois paradig- lado desses indícios, os experimentos recorrem também à
mas experimentais principais: inserem os sujeitos em situa- habituação, isto é, tendência do bebê a desviar a atenção
ções potencialmente desencadeadoras de emoções pre- de um estímulo que se torna repetitivo e dirigi-la para um
viamente definidas pelo pesquisador, como por exemplo estímulo novo, o que permite inferir sua capacidade de dis-
um filme, e verificam suas expressões faciais - é o estudo criminação dos estímulos.
do modo como as emoções se exteriorizam em expressões Para a investigação das capacidades de discriminação
faciais - confrontam os sujeitos com expressões faciais es- entre expressões emocionais, recorre-se a situações como
pecíficas (em fotografias, filmes ou desenhos) e pedem que mostrar ao bebê a imagem de um rosto com um sorriso
identifiquem as emoções que estão sendo expressas - é o (alegria) até que ele perca interesse pelo mesmo e, quando
estudo do reconhecimento das expressões emocionais. A isso ocorre, essa imagem é trocada pela de um rosto ma-
partir desses paradigmas, inúmeras variações experimen- nifestando outra emoção; se o bebê fixa a atenção na nova
tais são possíveis. imagem tal fato é tomado como indício de que a discrimi-
Em geral, esses estudos se utilizam de uma espécie de nou da primeira, diferenciando-as.
protocolo que estabelece a correspondência entre emo- Com base nesses dispositivos, estudos mostram dados
ções específicas e suas expressões faciais. O mais utilizado interessantes como, por exemplo, que os bebês manifes-
desses protocolos é o FACS - Facial Action Coding System, tam interesse particular pela voz humana e preferência por
sistema de codificação das expressões faciais elaborado esta em relação a outros sons de mesma altura e mesma

163
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

intensidade (Friedlander, 1970) que manifestam preferência centram suas pesquisas nas interações mãe-bebê, contexto
por figuras com simetria vertical, disposição semelhante à “natural” em que se manifestam e se desenvolvem essas
do rosto humano (Sherrod, 1981) e que preferem o rosto competências.
humano a outras composições visuais (Fantz, 1963). Um exemplo são as pesquisas que se inserem no mo-
Uma revisão de literatura dos estudos com crian- delo intitulado “social referencing” (referenciação social)
ças sobre a gênese das competências para reconhecimento que consiste em pôr a criança, antes do final do primeiro
de expressões emocionais, realizados entre 1920 e 1970, ano, em situação de ambiguidade ou de suposto perigo
pode ser encontrada em Charlesworth & Kreutzer (1973), enquanto a mãe, ou outro adulto familiar, realiza determi-
tarefa continuada por Gross & Ballif (1991). Ambos fazem nada expressão facial. No experimento conhecido como
ressalvas a procedimentos metodológicos que, para estu- da falésia visual (Sorce, Emde, Campos & Klinnert, 1985),
dar as competências para reconhecer o conteúdo emocio- um bebê é separado da mãe por uma placa de vidro, sob
nal de expressões faciais se utilizam de expedientes tais a qual se forma um vão com altura ambígua, de modo a
como a apresentação de estímulos estáticos para as crian- dar a impressão para a criança de que ela está diante de
ças (fotos ou desenhos) ou o procedimento demasiada- um precipício (uma falésia). Esse tipo de situação propicia a
mente escolar das tarefas experimentais, pois trazem o ris- procura ativa de informações emocionais para a regulação
co de que se avalie mais a capacidade de leitura de imagem do comportamento, a fim de eliminar a ambiguidade de
do que a de reconhecimento das expressões emocionais. uma situação, o que é um interessante termômetro sobre
Como constatação consensual dos experimentos, os a capacidade de discriminar o conteúdo emocional da ex-
estudos apontam a idéia de que a habilidade para iden- pressão. Ao se aproximar da placa de vidro, a tendência do
tificar respostas emocionais básicas tende a se acurar com bebê é de olhar para a mãe. O que se observa é que o com-
a idade, mas varia conforme a expressão emocional a ser portamento da criança se modifica conforme a expressão
reconhecida. Experiência de Gosselin, Roberge & Lavallée da mãe: se esta expressa alegria, a criança tende a avançar
(1996) ilustra esta idéia ao mostrar que as crianças reco- para a placa, atravessando a falésia, mas se a expressão da
nhecem expressões de alegria e de raiva antes do que as mãe é de medo, a tendência da criança é de se recusar a
de surpresa e nojo - as primeiras já aos cinco/seis anos, as prosseguir.
últimas só a partir dos sete/oito anos. Trevarthen (1993) realiza experiências em que pro-
Nelson (1987) realiza revisão dos estudos que inves- cura demonstrar as capacidades sensoriais e expressivas do
tigam as competências de reconhecimento das expres- bebê de menos de três meses e o efeito delas na interação
sões faciais da emoção nos dois primeiros anos de vida, com a mãe, defendendo a existência de emoções instinti-
que apontam que somente após os quatro meses a crian- vas desde o nascimento, as quais agiriam como regulado-
ça seria capaz de discriminar o conteúdo emocional das ras da intersubjetividade. Mostra que, na protoconversação
expressões, provavelmente com base em categorias bem mãe-bebê, há uma dinâmica de reciprocidade e sincronia,
amplas e gerais, ligadas à dimensão do prazer ou despra- que configura verdadeiros diálogos afetivos, nos quais a
zer. A possibilidade de identificar o conteúdo emocional confluência de afetos que enseja pode ser comparada a
específico de uma expressão facial separada do contexto uma dupla de músicos experientes que tocam de improvi-
em que se produziu (“congelada” numa foto ou num filme) so.
desenvolve se tardiamente. Esta constatação não surpreen- Esse envolvimento recíproco que se estabelece entre
de se pensarmos que o reconhecimento descontextualiza- mãe-bebê é engenhosamente ilustrado no experimento “
do de expressões faciais já equivale a uma conceituação Double-Video”. Trata-se de uma experiência em que mãe e
das emoções, requerendo, portanto, um forte apoio da bebê interagem por meio de um sistema de vídeos. A mãe,
linguagem. sozinha numa sala, vê as imagens de seu filho no monitor
Tendo em vista a função eminentemente social das de TV que tem diante de si.
emoções, vemos com ressalvas os estudos que investi- Paralelamente, o bebê (entre seis e doze semanas),
gam as competências para reconhecimento das expres- acomodado noutra sala, vê a mãe por meio do monitor
sões faciais das emoções destacando-as dos seus con- colocado em frente ao seu bebê-conforto. Entre as duas
textos de ocorrência, sobretudo no caso das crianças. No salas, há um técnico de vídeo que controla a gravação e o
caso das pesquisas com recém-nascidos, o cuidado a se envio das imagens. À mãe, solicita-se que converse com
tomar é que, embora os dispositivos experimentais possam o filho. Numa primeira etapa, a conversa se faz ao vivo,
informar sobre competências não passíveis de se- isto é, os sujeitos acompanham, em tempo real, as reações
rem diagnosticadas em situação natural, não informam so- um do outro. Numa segunda etapa (de 30 segundos a um
bre o modo como essas competências são utilizadas pelos minuto, aproximadamente), passa a ser enviada para o mo-
sujeitos. Concordamos com Gross & Ballif (1991) quanto nitor do bebê a imagem da mãe em videoteipe, gravação
à necessidade de que sejam realizados mais estudos de do período de conversação imediatamente anterior. Numa
observação das interações da vida real. Destacamos que terceira etapa, retomam-se as condições da primeira, isto é,
o cotidiano escolar se constitui num meio especialmente são enviadas ao monitor do bebê imagens ao vivo da mãe.
profícuo a esse tipo de observação. Um primeiro aspecto que chama a atenção é o pou-
Aproximam-se desta preocupação estudos que, para co impacto do vídeo sobre as reações do bebê, que age
melhor compreender o desenvolvimento das competên- como se estivesse com a mãe face a face. O ponto mais im-
cias de expressão e reconhecimento das emoções, con- portante, porém, é o impacto causado pela interrupção do

164
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

envio das imagens ao vivo. Na primeira condição, quando “devolvido” pelo parceiro reflete não o estado exterior do
conversam em tempo real, constata-se uma exata sincro- primeiro comportamento, mas o estado emocional que
nia entre os comportamentos da mãe e do bebê, visível ele exprime, expressões que podem distinguir-se em seu
sobretudo pela quase simultaneidade dos sorrisos e pela modo ou forma, mas são em certa medida intercambiáveis
convergência na direção dos olhares. Na segunda etapa, enquanto manifestações de um mesmo estado interno re-
quando o bebê interage com uma mãe que, embora alegre conhecível (Stern, 1992, p.125).
e conversadeira, está pré-gravada em videoteipe, as dife- Todas essas noções referentes às interações mãe-be-
renças em seu comportamento se fazem ver rapidamente. bê sugerem que tais interações possuem uma regulação
Conforme percebe a falta de correspondência nas reações emocional. Para Sroufe (1996), a qualidade dessas intera-
da mãe, vai parando de sorrir, faz algumas caretas e termi- ções diádicas básicas imprimem sua marca na posterior
na por virar a cabeça. Na terceira etapa, é a mãe quem se autorregulação emocional, possibilidade que depende de
mostrará sensível ao “desânimo” do bebê, tornando -se ela progressos no plano neurológico. Este autor, fundamen-
própria menos exuberante em suas emissões após algu- tado em Vygotsky e Bruner, propõe que ocorreria com a
mas tentativas sem resposta (Murray & Trevarthen, 1985; regulação emocional, mecanismo análogo ao que ocorre
Trevarthen, 1993) com qualquer função psíquica superior, ou seja, aparece
O incômodo expresso pelo bebê ao se ver diante de primeiro no nível interpsíquico e depois passa a ser regula-
uma mãe sorridente cujas reações não encaixam com as da no plano intrapsíquico.
suas evidencia uma complexa e coerente integração entre Na teoria psicogenética de Henri Wallon (1879-1962),
os comportamentos da criança e sua precoce capacidade que tem por objeto a pessoa, o estudo das emoções ocu-
para captar a estrutura do comportamento da mãe (Mur- pa lugar de destaque. Esboçada já em sua tese de medi-
ray & Trevarthen, 1985). Nesse sentido, um encaixe não cina intitulada “L’enfant turbulent”, de 1925, onde propõe
fluente, que pode originar-se tanto da mãe (em depressão as bases do que seria o estágio emocional, sua teoria das
pós-parto, por exemplo) como da criança (autismo, surdez, emoções5 se consolida em “Origens do Caráter na Criança”
etc.), poderia resultar em dificuldades de comunicação de (1934), livro em que Wallon aborda os três primeiros anos
diferentes graus. Essas poderiam trazer consequências di- de vida e o processo de constituição da consciência de si.
versas, por exemplo, sobre o amadurecimento orgânico, já O tema será tratado ainda em obras posteriores, como “A
que as respostas do outro (no caso, a mãe) são chave para evolução Psicológica da Criança” e no tomo da Enciclopé-
a autorregulação do rápido desenvolvimento do sistema dia Francesa dirigida por Wallon, cujo capítulo sobre a vida
nervoso do recém-nascido, ou sobre o desenvolvimento da afetiva é escrito pelo ele mesmo.
linguagem, dado que desse envolvimento recíproco que se Podemos identificar, também em Wallon, inspiração
estabelece entre mãe e bebê dependeria o desenvolvimen-
darwiniana no que diz respeito ao reconhecimento das
to de todos os sistemas de sinalização ulteriores.
expressões emocionais como primeiro indício de sociabi-
Stern (1977), ao estudar as interações entre mãe e re-
lidade. A exuberância expressiva do bebê e suas precoces
cém-nascido, descreve em detalhes os traços expressivos
capacidades de interação emocional são apontadas como
deste diálogo, em que ambos têm papel ativo. O autor
compensação à sua imperícia para agir diretamente sobre
propõe a existência, por parte do adulto, de uma lingua-
o meio físico ou suprir, sem a ajuda do outro, suas neces-
gem intuitiva com características próprias para facilitar a
sidades vitais.
compreensão pelo bebê; uma espécie de “língua bebê” que
Contudo, diferente de Darwin que enfatizou as expres-
seria composta por palavras simples, frases curtas e repeti-
das, faladas com certo espaçamento e entonação melódica, sões faciais, Wallon voltou sua atenção para os efeitos da
bem marcada, constituindo um conjunto de traços comuns expressividade sobre o corpo como um todo. Um segun-
a despeito das variações culturais e linguísticas. É como do aspecto que distingue as abordagens é o modo como
se o recém-nascido despertasse, no adulto, determinados compreendiam a origem da expressividade: preocupado
comportamentos sociais. Além de um jeito específico de com a evolução da espécie, Darwin não reconhece auto-
falar, em que a ênfase está na prosódia, na melodia, há toda nomia da capacidade expressiva do ser humano, explican-
uma mímica facial, posição da cabeça e do corpo que são do-a sempre como vestígio de um gesto ou movimento
intuitivamente adotados pelos adultos que querem comu- dirigido para a adaptação a situações concretas, ligadas ao
nicar-se com o bebê pequeno. mundo físico: “até onde posso perceber, não há subsídios
Essa linguagem tenderia a ir mudando conforme o de- para acreditar que algum músculo tenha sido desenvolvido
senvolvimento do bebê. Ele situa por volta dos nove me- ou mesmo modificado exclusivamente em benefício da ex-
ses o início do que propõe chamar de sintonia de afetos. pressão” (Darwin, 1872, p.330)
Cenas tais como a de uma mãe que acompanha, com a Para Wallon, ao contrário, características do funcio-
voz, os gestos alegres que seu bebê faz com o brinque- namento do tônus musculares definiriam a possibilidade
do, ou daquela que balança a cabeça no mesmo ritmo em de a expressividade se desenvolver independentemente
que o filho agita o chocalho, são utilizadas por Stern para de acompanharem os gestos úteis na relação com o meio
ilustrar essa sintonia de afetos em que há uma correspon- físico. Aliás, uma das originalidades desta abordagem é
dência transmuda entre os canais de expressão. Nos exem- chamar atenção para o fato de que o gesto, estabilizado
plos: voz da mãe /gesto do bebê, movimento da cabeça da em postura, em atitude corporal, desempenha outro papel
mãe/gesto das mãos do bebê, em que o comportamento que não o de executar: ele pode exprimir as disposições

165
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

afetivas do sujeito (Nadel, 1980). Assim, já os primeiros mo- e na cognição, ao servir de apoio à percepção e à reflexão
vimentos do recém-nascido (impulsos, espasmos, reflexos) mental. A serviço da expressão das emoções, as variações
são expressivos, pela coloração afetiva que carregam ao tônico-posturais atuam também como produtoras de esta-
sinalizar disposições individuais. Mesmo que não respon- dos emocionais; entre movimento e emoção a relação é de
dam a algum estado específico (dor, sofrimento, alegria) reciprocidade. Assim, de um lado as alterações na mímica
essas manifestações expressivas tendem a causar impacto facial e na postura corporal expressam variações dos esta-
no meio humano, que vai interpretar essas expressões e dos internos, de outro, elas podem também provocá-las.
reagir de acordo com essa interpretação. Deste jogo entre Trata-se de uma complexa dinâmica de desencadeamento,
o indivíduo e o meio, vão se constituindo significados para em que seus vários componentes podem ser, ao mesmo
as expressões, que vão passando a constituir emoções mais tempo consequência ou fator desencadeador.
definidas e diferenciadas. A relação entre emoções e ex- Mesmo se, conforme propõe Galifret (1979), for ne-
pressão é central nesta concepção, para quem a emoção é cessária uma atualização das bases fisiológicas que Wallon
uma atividade “proprioplástica”, primitivamente a “mode- propõe para o tônus muscular, a hipótese quanto à sua
lagem do organismo por suas disposições próprias” (Wal- influência nos estados emocionais constitui interessante
lon, 1938, p.145). possibilidade para compreender algumas de suas caracte-
rísticas. Este é o caso da labilidade, isto é, a fragilidade da
emoção, sujeita a mudar de natureza e direção no decorrer
Apesar da ênfase dada ao caráter expressivo das emo- de sua manifestação. O exemplo mais comum é o do choro
ções, Wallon leva em conta também sua dimensão subjeti- que vira risada e vice-versa. Para Wallon (1934), a manifes-
va, ligada aos estados afetivos vividos pelo sujeito que ex- tação mais primitiva da labilidade estaria nas cócegas que,
perimenta determinada emoção: “uma modificação visceral até certo limiar podem produzir risadas e uma vivência de
sem reverberação afetiva não tem nada de uma emoção” prazer e, ultrapassando esse limite, podem provocar choro
(Wallon, 1941). Devido à relação imediata entre as con- e dor. A brusca mudança de sentido do fluxo tônico ajuda-
trações tônicas e a sensibilidade delas resultante, seriam ria a explicar as bruscas inversões na tonalidade emocional.
as emoções o fato psíquico mais primitivo. A percepção, Além de responsáveis por sua labilidade, os compo-
nentes tônico-posturais das emoções influenciariam tam-
pelo sujeito, das flutuações tensionais do seu organismo
bém no fato comum de uma reação emocional ter suas
constituiria a forma mais primitiva da consciência, sendo
manifestações prolongadas independentemente de sua
por meio de suas próprias atitudes que a criança começa a
causa primeira, nutrida pelos seus próprios efeitos. Na
tomar consciência das realidades externas.
experiência adulta, esse fenômeno, a que Martinet (1972)
A partir da capacidade de modelar o próprio corpo, a
chamou narcisismo das emoções, pode ser facilmente ilus-
emoção permite a organização de um primeiro modo de
trado, por exemplo, nas situações em que começamos a rir
consciência dos estados mentais e de uma primeira per- por causa de algo engraçado e não paramos mais, embala-
cepção das realidades externas. A passagem desta percep- dos em nossa própria risada.
ção corporal - que se dá sob a forma de atitudes posturais Essa ideia de uma auto-alimentação das emoções, em-
- à capacidade de representação mental se fará median- bora passível de ser constatada na vivência de qualquer
te a intervenção da linguagem à qual a criança pequena pessoa, contraria a difundida concepção de senso comum
tem acesso muito antes de dominá-la, pelo simples fato de que diz que a melhor forma de se livrar de uma emoção é
estar em conexão permanente com o ambiente. Sendo a dar vazão a ela, “descarregar”. Dependendo da forma que
vida emocional a condição primeira das relações interindi- se escolher para dar plena vazão a uma manifestação emo-
viduais, podemos dizer que ela está também na origem da cional, o resultado pode ser, ao contrário, uma intensifica-
atividade representativa, logo, da vida intelectual. ção dos seus efeitos. Este fato é de observação corrente
A atualidade da abordagem walloniana deve-se, a nos- para professores que se surpreendem quando seus alunos
so ver, sobretudo à atitude que adota para o estudo do voltam do recreio, onde pularam, correram, e gritaram à
tema, pela qual procura compreender a imbricação entre vontade, ainda mais agitados do que quando saíram, con-
os fatores de origem orgânica e social, bem como as con- trariando a expectativa de que voltassem mais “tranquilos”,
tradições e complementariedades existentes entre a afeti- dada a oportunidade de descarga.
vidade/emoção e outros campos funcionais que enfoca no Além de poder ter seus efeitos prolongados indepen-
desenvolvimento da pessoa. Esta atitude, ao fugir de es- dentemente de sua causa primeira, uma emoção pode ser
quematizações simplificadoras de um tema tão complexo, desencadeada por fragmentos de situações aparentemente
abre uma matriz abrangente que permite integrar muito fortuitos - como acontece, por exemplo, quando uma pes-
dos estudos atuais sobre as emoções. soa, ao escutar determinada música, mergulha num inten-
so estado emocional, o mesmo que viveu em determinada
Dinâmica e desenvolvimento situação em que ouvira aquela música. Dada a percepção
global e de conjunto que acompanha a vivência emocional,
É grande a importância que Wallon atribui à função tô- existe a tendência de que se associem traços externos da
nico-postural da musculatura, esta dimensão mais propria- situação concomitante com a vivência subjetiva e o conjun-
mente expressiva da motricidade que, além de seu papel to de componentes que constituem a emoção, num amál-
na afetividade, teria importante papel no movimento pro- gama que pode ser restaurado pelo surgimento de um de
priamente dito (equilíbrio e estabilidade do corpo e gestos) seus componentes.

166
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Com o desenvolvimento psíquico, as fontes dos es- pode representar um entrave à evocação ou combinação
tados emocionais se ampliam e se complexificam, a pre- de representações, sobretudo quando essas dependem de
ponderância inicial das reações orgânicas e expressivas vai uma percepção mais objetiva do real.
sendo substituída pelas imagens e impressões subjetivas. Por outro lado, também a reflexão mental terá o po-
A afetividade vai adquirindo relativa (nunca total) indepen- der de reduzir as manifestações da emoção, por exemplo,
dência de fatores corporais, o recurso à fala e à representa- quando o sujeito que a vivencia se põe a pensar sobre suas
ção mental faz com que variações nas disposições afetivas causas ou seus efeitos. “A emoção traz consigo a tendência
possam ser provocadas por situações abstratas e ideias, e para reduzir a eficácia do funcionamento cognitivo; neste
possam ser expressas por palavras. A dimensão expressi- sentido ela é regressiva. Mas a qualidade final do compor-
va tenderia, então, a se reduzir, pois o fortalecimento do tamento do qual ela está na origem dependerá da capaci-
processo ideativo possibilita que a pessoa experimente a dade cortical para retomar o controle da situação. Se ele for
emoção por uma espécie de desdobramento íntimo, isto é, bem-sucedido, soluções inteligentes serão mais facilmente
por imagens mentais. Outra consequência que traz o for- encontradas, e neste caso a emoção, embora sem dúvida
talecimento do pensamento e da linguagem é o aumento não desapareça completamente, se reduzirá” (Dantas,1992,
das possibilidades de controle sobre as próprias manifesta- p.88). Somente quando não consegue transmutar-se em
ções emocionais. É claro que tanto esta tendência de inte- ação motora ou mental, quando permanece emoção pura
riorização como a de progressivo controle da emoção são e intensa, é que produziria efeitos desorganizadores. As-
fortemente balizadas pelos parâmetros culturais próprios sim, embora constitua-se numa etapa necessária ao acesso
a cada contexto, e traduzidas num jeito muito singular de à atividade simbólica, a emoção não se confunde com ela,
expressar e vivenciar as emoções que cada um vai cons- não podendo, pois, ser chamada de linguagem.
truindo ao longo de sua história pessoal. A investigação da imbricação entre processos afetivos
Mesmo que predominante no início da vida, o poten- e cognitivos tem sido alvo de interessantes estudos no
cial desencadeador dos componentes tônico-posturais campo da neurologia. Um bom exemplo são os estudos de
mantém-se presente também em adultos, conforme ilus- António Damásio (1996), feitos com pacientes adultos, que
tra experimento de Bloch (1992). Partindo da suposição de mostram a importância do processo de avaliação mental
que existe, ao longo dos estados emocionais, uma interde- das situações no desencadeamento de uma emoção e, ao
pendência entre os movimentos respiratórios, a expressão mesmo tempo, a da emoção na cognição e no comporta-
corporal e facial e a experiência subjetiva, o experimento mento.
procurou produzir, em adultos, estados emocionais es- Segundo ele, em seguida a um momento inicial de in-
pecíficos a partir da adoção de componentes expressivos dependência (e primazia) da emoção em relação à cogni-
que compõem algumas emoções específicas. ção, a vida emocional e a cognitiva estarão sempre ligadas.
Aos sujeitos experimentais, depois que tivessem atin- Ao nascer, o ser humano dispõe de emoções primárias,
gido um estado emocional neutro, solicitava-se, por meio pré-organizadas e inatas que garantem a regulação bio-
de instruções meramente técnicas, que reproduzissem uma lógica e que são controladas no nível subcortical, sobretu-
determinada configuração respiratória e que adotassem a do pela amígdala e cíngulo. Contudo, logo se constituem
postura e a expressão facial correspondente a uma emoção emoções secundárias, reguladas em nível cortical (córtices
cujo nome não lhes era dado. No final, os sujeitos falam pré-frontal e somatossensorial) nas quais intervêm ima-
sobre a experiência subjetiva que acompanhou a realização gens mentais ligando, de um lado as emoções primárias,
dos comportamentos específicos e os resultados apontam de outro, categorias de objetos e situações.
a coincidência entre a emoção tomada como modelo para Na experiência adulta, a vivência emocional será “uma
as instruções dadas pelo experimentador e as emoções vi- combinação de um processo avaliatório mental, simples ou
vidas pelos sujeitos, ou seja, a reprodução de componentes complexo, com respostas dispositivas a esse processo, em
neurovegetativos e posturais teria desencadeado a expe- sua maioria dirigidas ao corpo propriamente dito, resultan-
riência subjetiva correspondente à emoção tomada como do num estado emocional do corpo, mas também dirigi-
modelo. das ao próprio cérebro, resultando em alterações mentais
Paralelamente ao impacto que as conquistas feitas no adicionais” (Damásio, 1996, p.168). Essa combinação que
plano cognitivo têm sobre a vida afetiva, a dinâmica emo- implica tanto a vida emocional como a intelectual, depen-
cional terá sempre um impacto sobre a vida intelectual. derá do funcionamento integrado das regiões subcortical
Wallon insiste na indissociabilidade desses campos fun- e cortical.
cionais, propondo que é graças à coesão social provocada É por causa desta imbricação que pacientes com lesão
pela emoção que a criança tem acesso à linguagem, instru- cerebral em regiões em princípio responsáveis pela emo-
mento fundamental da atividade intelectual. Deixando bem ção apresentam sérias dificuldades no raciocínio e na capa-
claro o papel da emoção na origem da cognição, o autor cidade de tomar decisões. Para explicar o papel específico
vai insistir também na relação de antagonismo que se es- da emoção na tomada de decisão, conduta supostamente
tabelece entre essas duas dimensões. O poder subjetivador dependente da ‘razão pura’, Damásio formula a hipótese
da emoção, isto é, o fato de quando vivida com intensidade dos marcadores-somáticos. Constituir-se-iam em sinais de
constituir-se numa espécie de tumulto orgânico que res- alerta corporal (não necessariamente visíveis) que fazem
tringe a percepção do sujeito a suas disposições do mo- convergir a atenção do sujeito para o resultado negativo
mento, sobretudo as de natureza intero e proprioceptiva, que uma determinada alternativa em situação de decisão

167
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

pode acarretar. Pacientes com lesões cerebrais em regiões potencial unificador das emoções. Nos comícios, o político
responsáveis pelas emoções secundárias (as mesmas que consegue, por meio do discurso, produzir reações emocio-
controlariam os marcadores-somáticos) ilustram como a nais que, ao mesmo tempo que unem as pessoas em favor
razão pura, que poderia ser traduzida no procedimento de das ideias apresentadas, dissolvem nelas o discernimento
arrolar extensivamente todos os cenários possíveis confor- crítico, podendo levá-las a aderir a ideias que, examina-
me as alternativas, dificulta ou até mesmo impede a boa das a frio não obteriam adesão. Quantos de nós já não
tomada de decisão. Os sinais corporais ativados no mo- se flagraram arrependidos de se ter empolgado com um
mento de decisão ajudam, ao dar destaque a algumas op- discurso cujo conteúdo, examinado posteriormente sem
ções, ou simplesmente ao indicar um mal-estar que sugere o impacto da emoção partilhada no grupo, parecia muito
que a estratégia está inadequada. Damásio pondera que, diferente?
como é comum em biologia (campo em que um mesmo Já a Retórica de Aristóteles apresenta esta questão
fator poder ser negativo ou positivo) esses sinais, conforme (Francisco, 1996). O filósofo define as emoções (“pathé”)
sua intensidade, podem também prejudicar a qualidade do como reações acompanhadas de dor ou prazer que pro-
raciocínio. vocam modificações nas pessoas, fazendo-as mudar o seu
juízo. Ao lado da prova pelo “ethos”, em que a adesão do
Contágio emocional e grupo ouvinte se apoia no caráter de quem fala ou na imagem
que o ouvinte tem dele, a arte retórica deveria então fazer
Para Wallon, o potencial mobilizador das emoções re- uso da prova pelo “pathos”. Isto é, o orador deveria usar
sulta de um traço que lhes é essencial: sua extrema con- deliberadamente emoções para provocar as disposições
tagiosidade de indivíduo a indivíduo. Esse traço estaria na esperadas no ouvinte e assim obter sua adesão, indepen-
base das interações mãe-bebê - na sintonia de afetos e na dentemente da justeza do argumento. Ao partilharem as
espécie de simbiose afetiva em que os parceiros parecem mesmas emoções com o orador, os ouvintes seriam leva-
mergulhados - e também das relações entre os membros dos a dispensar aquele de apresentar dados lógicos sobre
de grupos adultos. E explicaria também a facilidade pela os quais pudessem embasar, com objetividade, a adesão,
qual a atmosfera emocional domina eventos que reúnem podendo então ser levados a falsas opiniões.
grande concentração de pessoas, como comícios, concer- Os movimentos fascistas foram muito hábeis em utili-
tos de música, rituais religiosos, situações que podem levar zar esses fenômenos, aliando-os ao aspecto ritual das ce-
à profunda comunhão e solidariedade entre as pessoas ou rimônias tribais. Além do conteúdo do discurso interferir
à manipulação das pessoas. diretamente sobre o discernimento dos ouvintes, a orga-
Ele faz um paralelo entre o papel desempenhado pelas nização ritual dos atos coletivos a que recorriam com in-
emoções na psicogênese e aquele que teria tido na história sistência certamente fortalecia a adesão dos ouvintes, ao
das civilizações. Tomando por base descrições antropoló- produzir “ pathos”. “O triunfo da Vontade”, uma montagem
gicas de sociedades ditas primitivas destaca o importante de filmes realizados pela cineasta oficial de Hitler, mostra
papel desempenhado por elas nos ritos coletivos, em que imagens das manifestações públicas durante o auge do na-
os elementos rítmico e emocional são constituintes impor- zismo: multidões perfiladas em marcha, fazendo sempre os
tantes. As danças e rituais coletivos em que os diversos mesmos movimentos, no mesmo ritmo, repetindo palavras
elementos do grupo realizam os mesmos movimentos, no de ordem num mesmo tom; como se a fala de cada um se
mesmo ritmo, provocam uma espécie de coesão no gru- fundisse numa única voz, como se os milhares de corpos se
po, de união que independe de acordo verbal e precede o desmanchassem numa massa única.
entendimento intelectual. Dada a relação que as manifes- Na nossa cultura, a ação da torcida em jogos de futebol
tações rítmicas e posturais mantêm com os estados afeti- fornece uma ilustração bem viva das diferentes direções
vos, a realização dos gestos, sons e outros elementos que para onde podem apontar as emoções: união ou conflito
compõem o ritual provoca uma comunhão de sentimentos entre os torcedores, estímulo ou obstáculo para o desem-
e sensibilidade, um estado de participação mútua que seria penho dos jogadores.
a forma mais arcaica de trocas psíquicas. Esse estado de diluição do eu no grupo que atinge os
A propagação “epidérmica” das emoções, ao provocar adultos em circunstâncias gregárias de elevada intensidade
um estado de comunhão e de uníssono, pode levar a esfor- emocional nos remete à díade mãe-bebê, em que termos
ços e intenções em torno de um objetivo comum. Permiti- como simbiose afetiva, sintonia de afeto e diálogo tônico8
ria, assim, relações de solidariedade quando a cooperação são utilizados para descrever o estado de fusão e indiferen-
não fosse possível por deficiência de meios intelectuais ou ciação em que se encontram os envolvidos, bem como a
por falta de consenso conceitual, contribuindo, portanto, natureza predominantemente afetiva da relação.
para a constituição de um grupo e para as realizações co-
letivas. Sociabilidade sincrética
Todavia, desta dinâmica que está na base da solidarie-
dade e união, podem resultar também ações de manipu- Na psicogênese, enquanto as emoções e seus recursos
lação graças a “seus efeitos instantâneos e totalitários que expressivos figurarem como meio privilegiado de interação
desorientam a reflexão” (Wallon, 1938, p.146). Isto fica bem social, o que teremos é um estado de sociabilidade sincré-
patente nos atos públicos com finalidades políticas elei- tica, em que o eu está misturado no outro e nas circunstân-
torais, quando os políticos se servem com maestria desse cias concretas de sua existência. Wallon (1959) destaca o

168
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

estado de dispersão em que se encontra a personalidade; é estabilizar os elementos percebidos sob a forma de signos
frágil a consciência de si e, paralelamente, a consciência do e redes de significados partilhados - fossem estendidas
outro. O estado inicial da consciência pode ser comparado para a relação consigo mesma e com os outros. A l é m
a uma nebulosa, uma massa difusa na qual se confundem do mais, a consolidação da linguagem como recurso de
o próprio sujeito e a realidade exterior. A criança não se vê interação social possibilita o rebaixamento da intensidade
como entidade permanente e coesa; instável, sua persona- emocional das interações, o que tende a reduzir a susce-
lidade pode ver-se fragmentada, dispersa, ou fundida em
tibilidade ao contágio, contribuindo para a diferenciação
elementos das circunstâncias exteriores.
entre as individualidades.
A observação espontânea feita por pessoas que convi-
vem ou trabalham com crianças nessa faixa etária é capaz Embora este processo de diferenciação se faça de for-
de fornecer ilustrativos exemplos do pitoresco deste está- ma gradual, nas e pelas interações, será necessária uma
gio das personalidades permutáveis (Wallon, 1934). Nossos ruptura nos modos de a criança relacionar-se com o meio,
encontros com profissionais de educação têm-se revelado ruptura esta que se constituirá numa das crises funcionais
particularmente fecundos para a obtenção de exemplos que, segundo a perspectiva walloniana, são fundamentais
que ilustram questões teóricas do desenvolvimento infantil. ao desenvolvimento da pessoa.
O primeiro exemplo, relatado por uma professora, é o A crise do personalismo constituir-se-ia numa brusca
de um menino de aproximadamente três anos que se recu- reviravolta nas condutas da criança e nas suas relações com
sa a ir para a escola no dia da festa junina. Em casa, já todo o meio, sendo a oposição um elemento-chave. É somente
paramentado de caipira, chora sem que a mãe possa en- opondo-se ao outro, isto é, negando o não-eu, que vai se
tender o motivo de tanta desolação, até que o próprio me- destacando uma identidade estável, permanente, não mais
nino revela: “ como meus amigos vão saber que sou eu?” fundida nas situações de que participa, ou misturada no
Nessa cena, o que se vê é a instabilidade pessoal refle-
outro. A criança adotaria “um ponto de vista exclusivo e
tida na instabilidade quanto ao reconhecimento da própria
imagem, a reação do menino sugere que, em sua ótica, a unilateral, o seu, aquele de uma personalidade peculiar e
fantasia de caipira ameaçava a permanência de sua identi- constante, tendo sua perspectiva própria e distribuindo os
dade. Estando, ele mesmo, pouco convicto da permanên- outros em relação a si própria” (idem, p.267). A estabiliza-
cia de sua identidade sob a fantasia junina, o menino teme ção da autodesignação pelo pronome na primeira pessoa
que aos outros ocorra a mesma dúvida. Constata-se, pois, e o desaparecimento dos diálogos estabelecidos consigo
um paralelo entre o modo como a criança vê a si e o modo mesma seriam indicadores de que houve avanços na cons-
como acha que é vista pelo outro tituição da consciência de si.
O segundo exemplo é o caso de um garoto com me- Enquanto isso, é possível identificar vários mecanismos
nos de três anos, chamado Daniel, que, assistindo à televi- de interação próprios do período de sociabilidade sincré-
são com a família, mostra-se surpreso quando aparece na tica. Como já foi dito, o contágio emocional seria um me-
tela um personagem também chamado Daniel. Pergunta canismo básico das interações na fase inicial do desenvol-
aos pais, apontando o homônimo, “sou eu?” vimento, do qual resultaria uma atmosfera de participação
Essa pergunta revela que a criança não se constran-
afetiva, isto é, uma espécie de mimetismo que leva os par-
ge em achar que poderia estar em dois lugares ao mes-
mo tempo, parecendo não ver inconvenientes na noção de ceiros a um estado afetivo semelhante. Vale ressaltar que,
ubiquidade. É como se o nome fosse colado à pessoa e, ao se tal atmosfera de participação é resultado da natureza
constatar o seu nome no personagem da televisão, supu- emocional que predomina na interação, ela é, ao mesmo
sesse que ele poderia estar ao mesmo tempo em casa, com tempo, condição para que haja encadeamento entre as
a família, e na televisão, sob a pessoa do outro. ações dos parceiros. Isto é, para que as crianças peque-
Wallon (op. cit., p.262) cita um exemplo em que o nas se relacionem entre si é preciso que haja uma “certa
não-constrangimento face à noção de ubiquidade apare- concordância de interesses, de expressão, de ritmos e de
ce também em relação ao outro. Refere-se a uma menina gestos” (idem, p.234).
de dois anos que já estava há várias semanas no campo, Ao lado do mimetismo afetivo - esse processo de de-
acompanhada de sua mãe, quando repentinamente vê o sencadeamento de reações afetivas por consonância mú-
pai, recém-chegado de Viena. Confusa diante dele, quando tua - Wallon aponta o mecanismo da contemplação-exi-
lhe perguntam se não o está reconhecendo, ela murmura: bição, já descrito nas páginas iniciais deste artigo, como
“meu outro pai está em Viena”. Tendo-lhe o pai afirmado
importante esquema de interação no segundo semestre de
que era ele o papai de Viena, ela então lhe pergunta: “en-
vida. A despeito do alto grau de fusão implicado, esse tipo
tão você veio de trem?”
Para a menina a figura do pai estava de tal modo fundi- de interação já introduz uma diferenciação de papéis - o
da com Viena, que foi difícil reconhecer o pai à sua frente. que se mostra, o que se exibe - distinguindo os polos da
Foi preciso recorrer à lembrança da viagem, a mesma que situação, como se uma estrutura bipolar estivesse subja-
ela própria havia feito, para conseguir admitir que os dois cente. Esta estrutura bipolar, dinâmica e dialética, está pre-
pais eram, na verdade, um só. sente nas brincadeiras, muito comuns no segundo ano de
A superação deste estado de dispersão e fragmenta- vida, chamadas de jogos de alternância, em que há um ro-
ção do eu será em grande parte impulsionada pelas con- dízio entre os atos de um e outro parceiro - dar e receber,
quistas no plano da linguagem. É como se as possibilidades esconder e procurar - de forma que ambos possam viver os
que esta oferece na relação com o real - dentre outras a de dois polos da situação.

169
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Na fala, o exercício dessa diferenciação entre os dois necessário para o encadeamento de ações recíprocas. Di-
polos de uma situação aparece nos diálogos que a criança ferente de outros atos sociais típicos desta fase, a imita-
estabelece consigo mesma, como se fizesse os dois papéis ção simultânea é uma duplicação da atividade e não dos
ao mesmo tempo: abre a porta e diz “obrigado”, como que humores do parceiro (o que ocorre na sintonia de afetos
agradecendo a si mesma; lança-se num ato perigoso e pre- descrita por Stern), refletindo um progresso na diferencia-
vine o risco “ tome cuidado”. ção eu-outro.
Podemos inserir nesta matriz bipolar as relações de Ao mesmo tempo que permite a identidade entre os
transitivismo, apresentado por Wallon como mais uma for- parceiros, a imitação sincrônica permite uma diferenciação
ma assumida pela confusão do sujeito com seu ambiente. das individualidades, já que ela realiza condições objetivas
Ele o descreve como uma simpatia às avessas, em que o su- para que sejam sentidas por si mesmo, ao longo da repe-
jeito atribui a outro o que é exclusivamente seu, tomando a tição dos atos e gestos, as emoções expressas pelo outro.
si mesmo como objeto de compaixão. Um exemplo possí- Assim, o exercício da imitação simultânea ao mesmo tem-
po nutre uma necessidade atual e favorece sua superação.
vel é a corriqueira situação em que a criança repreende seu
Com o fortalecimento da linguagem e dos processos
ursinho ou sua boneca por uma transgressão que ela mes-
simbólicos, os recursos expressivos emocionais deixam de
ma cometeu. Os exemplos que Wallon dá do adulto são
ser predominantes e atinge-se estados de progressiva di-
bem esclarecedores: o doente que identifica no rosto de
ferenciação do eu. Tal como ocorre com os primeiros, que
pessoas saudáveis os traços de sua própria doença; aquele sempre continuarão tendo um papel nas interações sociais,
cujos cabelos encanecem e que se apraz em descobrir, nos pois as emoções continuam a subsistir em estado mais ou
outros, fios de cabelo branco (op. cit., p.264). menos latente como o fundamento necessário das relações
Um potente recurso de interação nesta fase de socia- entre os indivíduos, a diferenciação entre o eu e o outro
bilidade sincrética, mais especificamente durante o terceiro nunca será total, pois “o outro é um parceiro permanente
ano de vida, é a imitação simultânea. Foi o que mostrou do eu na vida psíquica. ” (Wallon, 1959, p. 165)
Nadel (1986) por meio de uma situação experimental que
se baseia no pressuposto da necessária relação entre o Na prática pedagógica: elementos para uma reflexão
grau de diferenciação pessoal atingido e os recursos de in-
teração predominantes. A idéia de que o ser humano se constrói na interação
Apesar do referencial walloniano adotado, a autora social, no confronto com o outro, traz importantes conse-
utiliza-se de um conceito mais abrangente de imitação, re- quências para a compreensão, na escola, dos sujeitos em
cusando a definição que reserva este nome à reprodução formação e de seus processos. Sujeitos concretos e con-
de um comportamento na ausência do modelo, ou seja, à textualizados, os alunos têm na escola e na família, dentre
imitação diferida. Segundo ela, esta restrição deixa a des- outros ambientes concretos ou simbólicos com os quais
coberto toda uma gama de comportamentos que se loca- interagem, meios nos quais se constituem. A consideração
lizam entre o mimetismo afetivo e a imitação diferida. No da complexidade das relações que se estabelecem entre o
primeiro, os efeitos do contágio mímico submergem com- sujeito e os meios nos quais se insere impõe, no mínimo,
pletamente o sujeito, sem que esse tenha optado pela ma- que se tenha prudência nos julgamentos tão peremptórios
nifestação da expressão alvo do contágio. Na imitação di- e automáticos que a escola costuma fazer de seus alunos, o
ferida, a reprodução do modelo depende de a capacidade que se agrava, é claro, nos julgamentos negativos, quando
do sujeito apropriar-se dele, quer sob a forma de imagem facilmente se elege determinantes únicos - por exemplo,
mental, quer sob a forma de atitude postural, esta última a qualidade degradada do ambiente familiar - como res-
uma espécie de protoimagem em que o modelo se impri- ponsáveis por distúrbios de comportamento e de aprendi-
zagem. Além do estigma que explicações simplistas como
me no próprio corpo do imitador. Na imitação imediata e
estas provocam, elas são ineficazes, pois ao atribuir a um
direta dos atos do parceiro, ao contrário da diferida, não
fator único e externo a responsabilidade por comporta-
se fazem obrigatórios recursos de representação (simbólica
mentos que são vistos como problemáticos, eximem o
ou postural) mas, ao contrário do mimetismo, ocorre uma
meio escolar de qualquer participação na construção do
seleção dos atos ou expressões a serem reproduzidos, o dito problema. Essa ausência de participação, além de se
que se faz mediante intenção deliberada do sujeito e não constituir numa avaliação imprecisa, é ineficaz porque afas-
por simples efeito de contágio. ta da escola também a possibilidade de lidar com o proble-
No terceiro ano, a despeito dos sucessivos progressos ma, pois sua solução dependeria sempre da ação do outro.
no processo de diferenciação eu-outro, ainda se mantém Ver a escola como um meio de interação no qual se
a base emocional da comunicação, sendo a criança mui- constituem pessoas não significa, em absoluto, vê-la como
to sensível aos aspectos expressivos do comportamento entidade todo poderosa e isolada de um contexto mais am-
alheio. Isso significa que um uníssono emocional e um plo, mas assumir-se como coparticipante e corresponsável
estado de identificação é necessário para a comunicação. de um processo de formação. A reflexão sobre as possibili-
Permanece a subordinação das atitudes individuais à fór- dades de interação entre as pessoas e destas com a cultura
mula do grupo. Assim, o ato de pegar um mesmo obje- e sobre seus possíveis impactos na formação dos sujeitos
to simultaneamente ao parceiro e fazer com ele a mesma é um exercício a ser feito em permanência, do qual podem
coisa que este (isto é, imitá-lo) garantiria o acordo mínimo resultar valiosas pistas para o ajuste das práticas educativas.

170
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Uma outra implicação interessante dos aspectos teóri- rância da expressividade nos diversos campos da atividade
cos que apresentamos é a possibilidade de, ao vislumbrar a da criança. No plano da motricidade, no qual os sistemas
complexidade da relação que existe entre os vários campos de expressão desenvolvem-se antes dos gestos de realiza-
que compõem a atividade psíquica, romper falsas verda- ção (instrumentais), resulta como característica uma certa
des normalmente aceitas no espaço escolar. Por exemplo, tendência ao transbordamento e à exuberância em que os
aquela que diz que o bom desempenho intelectual depen- gestos nem sempre se ajustam aos aspectos objetivos do
de de um estado afetivo saudável. É claro que, por mais mundo exterior, isto é, ou ao uso que lhes é definido pela
vaga que seja a definição do que é um estado afetivo sau- cultura. Também no plano da inteligência podemos identi-
dável, o estado contrário (de definição igualmente vaga) é ficar essa preponderância expressiva numa fase em que o
facilmente, e comumente, assimilável a distúrbios vividos pensamento se faz acompanhar por gestos, ou em que se
na esfera familiar; de novo aí escolhe-se um fator exterior exerce muito mais em função da expressão do sujeito do
como responsável e a escola fica sem ação. Ora, partindo que do ajuste à realidade exterior. A atenção aos traços
da reflexão anterior, temos que a família não é a única res- expressivos das crianças - olhar, mímica fisionômica, en-
ponsável pela dimensão afetiva do aluno e, juntando a esta tonação da fala, qualidade dos gestos, variações posturais
idéia a de que inteligência e afetividade constroem-se reci- - pode fornecer importantes indícios sobre diversos aspec-
procamente, numa complexa relação de interdependência, tos da atividade cognitiva e dos estados afetivos. Se a rela-
podemos vislumbrar várias perspectivas de atuação. ção é mais direta com crianças na fase da vida que foi pre-
Um exemplo de ação inspirada nesta relação de reci- dominantemente enfocada na apresentação teórica, esses
procidade é o Projeto Letras e Livros, realizado na Escola subsídios não se restringem a uma faixa etária específica.
de Aplicação da Faculdade de Educação da USP (Dantas Pois o que estamos propondo não é a aplicação direta de
& Prado, 1994; Isepi, 1999). Concebido por Heloysa Dan- conteúdos teóricos sobre o contexto educacional: primeiro,
tas junto à equipe de Orientação Educacional da escola, porque a própria seleção de conteúdos teóricos já foi em
destina-se a crianças das duas primeiras séries do Ensino grande parte pautada com base em questões que emer-
Fundamental com dificuldades de alfabetização. Apoia-se gem no cotidiano escolar; em segundo, porque a idéia é
no pressuposto de que, para algumas crianças, a aprendi-
de, ao ampliar o olhar, inspirar reflexões e não apresentar
zagem depende da elevação da temperatura afetiva (isto é,
prescrições.
intensificação do vínculo) possível numa situação de mais
Ao apurarmos o olhar sobre a dimensão expressiva das
intimidade. Diferente de ações que decorrem de uma con-
interações, podemos perceber, por exemplo, que algumas
cepção linear da relação entre inteligência e afetividade e
condutas normalmente vistas no cotidiano escolar como
que, nos casos de dificuldade de aprendizado das crianças
disruptivas, podem ter um significado positivo e necessário
prescrevem encaminhamentos clínicos, o projeto aposta
na interação que se estabelece entre as crianças, e não se
que uma atmosfera afetiva mais adequada pode ser obtida
constituírem em atos deliberados contra a ordem estabe-
na própria escola, com uma intervenção de natureza imi-
nentemente escolar, e não clínica. lecida, como são muitas vezes entendidas, por exemplo, a
As atividades do Projeto consistem em sessões de lei- troca de olhares ou de gestos, ou ainda as consequências
tura individualizadas que ocorrem na biblioteca da própria da exuberância expressiva da criança em sua relação com
escola. Vários são os recursos utilizados para criar uma os objetos do mundo físico, nem sempre utilizados com a
atmosfera propícia à aprendizagem: em primeiro lugar, função ou do modo específico que a cultura adulta define.
garante-se o entendimento (possível num espaço de inti- Ao despojar o olhar da hipótese quase obrigatória
midade) dos gostos e fantasias pessoais do aluno, em se- da indisciplina - que, ao se impor ao educador de modo
gundo, mantém-se permanente atenção aos traços expres- praticamente automático sempre que algo sai do previs-
sivos de seu comportamento, procurando descobrir, por to acaba por cegar-lhe para a diversidade de significados
exemplo, o que há por trás de uma inquietação postural: que podem ter as condutas infantis - uma infinitude de
cansaço mental, cansaço físico, desinteresse. outras hipóteses se abre. Ampliando-se as possibilidades
Por fim, para afugentar o medo tão freqüente nas de compreensão quanto às condutas infantis, escapa-se
crianças ameaçadas (ou já vitimadas) pelo fracasso escolar, da armadilha de sempre atribuir uma conotação moral a
o professor procura escolher tarefas que garantam êxito atos que muitas vezes são simplesmente a expressão de
na leitura – “nada ilustra com tanta nitidez a hipótese wal- peculiaridades próprias a fases do desenvolvimento huma-
loniana de antagonismo entre razão e emoção quanto o no. Livre desta armadilha, o educador pode chegar a mo-
bloqueio cognitivo das crianças assustadas” (op. cit., p. 109) dos de compreensão mais apropriados para cada situação
supondo que o “destravamento” das inteligências depen- específica e então ter mais flexibilidade, até mesmo para
de do “saneamento” da atmosfera emocional. Trata-se um exercer o necessário papel daquele que, ao impor parâme-
uma prática muito simples, factível sem grandes recursos e tros, limita.
que pode mostrar resultados surpreendentes. Componentes indissociáveis da ação humana, as ma-
Os subsídios teóricos apresentados neste artigo pre- nifestações emocionais têm importante impacto nas dinâ-
tendem contribuir para a sensibilização do olhar sobre ca- micas de interação que se criam nas situações escolares. O
racterísticas normalmente não compreendidas ou pouco conhecimento das funções, características e dinâmica das
valorizados das condutas e interações infantis. Devido à emoções pode ser muito útil para que o educador entenda
primazia ontogenética das emoções, há uma preponde- melhor situações comuns ao cotidiano escolar. Tanto no

171
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

sentido de conseguir um melhor envolvimento dos alunos “cegueira emocional”. O educador é frequentemente en-
e com os mesmos, como no de evitar cair em circuitos per- volvido pelas intensas manifestações que partem das crian-
versos em que pode perder o controle da dinâmica do gru- ças. Dada a associação positiva entre emoção e imperícia,
po e da sua própria atuação. a maior suscetibilidade do educador ao contágio corres-
Apropriar-se do papel que têm as manifestações ex- ponderia justamente aos momentos em que lhe faltam re-
pressivas e emocionais na coesão do grupo pode inspirar cursos, ou seja, em situações de dificuldade ou confusão,
interessantes recursos para o professor obter o envolvi- quando ele não sabe como agir. Dantas (1993) chamou es-
mento dos alunos em suas propostas e explicações. Assim, sas situações em que a elevação emocional provocada pela
à preocupação com a clareza e coerência lógica de suas inépcia tende a gerar mais inépcia de circuitos perversos.
explicações e propostas, o professor pode aliar a atenção Podemos associar esse conceito a inúmeras situações vivi-
aos aspectos expressivos de seu comportamento. O entu- das pelo educador no cotidiano escolar, as quais tendem a
siasmo pelo conhecimento que ensina pode, se expresso gerar um clima de tensão e muito desgaste.
em sua postura, na tonalidade e melodia da voz, ser mais
O rompimento desses circuitos dependeria de um ar-
facilmente transmitido, digo, contagiado, aos alunos. Não
refecimento na atmosfera emocional, obtido principalmen-
creio, contudo, que esse entusiasmo possa ser simples-
te pelo distanciamento da situação e pela reflexão analítica
mente forjado por técnicas teatrais de dramatização, prefi-
ro crer que este tem que ser genuíno e verdadeiro. sobre seus condicionantes. O distanciamento necessário
A referência à Snyders (1998), em seu A alegria na es- pode ser mais facilmente obtido se o professor contar com
cola ajuda a discutir essa idéia. Para ele, a alegria na escola, algum instrumento mais sistemático de reflexão, como o
embora não descarte aquela que deriva de jogos, méto- registro escrito das situações vividas - sob a forma, por
dos agradáveis e de relações simpáticas entre professor e exemplo, de um diário de bordo - ou com a interlocução
alunos, advém sobretudo da relação com o conhecimento. de um outro profissional, que pode ajudá-lo a ver a situa-
Snyders refere-se a uma “alegria cultural”, que resultaria, ção por ângulos que ele, por estar imerso nela, não pode
mais especificamente, da aproximação e esforço de com- enxergar.
preensão da cultura elaborada e da obra de arte. A apro- Ao analisar a situação, bem como suas próprias rea-
ximação desta “alegria trágica” (da qual a angústia nunca ções emocionais, o educador tem maiores chances de
está ausente), é fruto de elaborada atividade intelectual e compreendê-la, desde que se veja implicado nela. Ao se
depende fortemente do entusiasmo cultural do professor, permitir assumir suas próprias emoções, por menos nobre
numa dinâmica que pode ser aproximada à do contágio; que sejam, como a raiva que sente de um aluno específico
mas trata-se, neste caso, de emoção mediada pelo conhe- ou o desespero em que se vê em determinadas situações, o
cimento elaborado. educador pode perceber melhor o modo como ele vive as
Ao se apropriar de recursos expressivos para obter situações e como ele as influencia. Vendo as situações com
maior envolvimento dos alunos, o professor pode ainda mais clareza, é menor o risco de cair em circuitos perversos
deparar-se com situações inesperadas. Devido à complexa e maior as chances de ter atitudes mais acertadas.
dinâmica de desencadeamento das emoções, recursos que Com esta atitude de reflexão e de implicação é possí-
até certo momento se mostram bem-sucedidos para obter vel inclusive ter maior discernimento para avaliar até que
a adesão dos alunos podem, de uma hora para outra, se- ponto a turbulência enfrentada é uma decorrência fortuita
rem responsáveis pela instalação de um clima de dispersão da dinâmica emocional, o resultado de processos ligadas
e turbulência. É o que acontece quando, por exemplo, uma à constituição do sujeito (por exemplo, crise de oposição)
proposta feita em tom animado pelo professor, além do ou o indício de resistências dos alunos às propostas esco-
interesse que provoca nos alunos, gera uma animação mui-
lares. O resultado dessa avaliação apontará, em cada caso,
to além daquela desejada pelo ele. Os efeitos da emoção
as melhores formas de atuação, das quais nunca deve ser
são imprevisíveis e podem surpreender, além disso, carac-
excluída a necessidade de possíveis alterações nas práticas.
terísticas como a labilidade, o narcisismo e o contágio têm
A simples disposição para esta reflexão e para even-
seus efeitos potencializados em contextos coletivos, como
é o caso da situação típica de uma aula. Se, por um lado, a tuais ajustamentos nas ações escolares - que visam não só
compreensão da dinâmica de desencadeamento das emo- o bem-estar do aluno, mas também o do professor - re-
ções pode ajudar a controlar seus efeitos sobre a dinâmi- presentam, por si, fator fundamental para uma prática pe-
ca das interações sociais, por outro, não há conhecimento dagógica de qualidade. A compreensão quanto aos tipos
teórico capaz de eliminar as possíveis turbulências provo- mais primitivos de interação e ao impacto da emoção e da
cadas por elas, é preciso, pois, aprender a conviver com expressividade na dinâmica de interações é um ingrediente
esse risco inerente às interações. Contudo, desconfio que importante para a gestão dos conflitos e consequente ob-
querer eliminar esse risco é desejo recôndito de boa parte tenção de um bom clima de sociabilidade. É condição tam-
de nós, professores, que sonha em ter diante de si um gru- bém para que não se construa uma equação de igualdade
po ordenado, nem muito agitado nem muito apático, com entre conflito e violência.
reações previsíveis e controláveis. A questão do clima escolar aparece formulada já por
Uma das hipóteses para explicar porque as dinâmicas Kurt Lewin (1890-1947), que se mostrava preocupado com
de turbulência que, em geral surpreendem o professor, nos os efeitos da atmosfera do grupo sobre a conduta do indi-
são tão insuportáveis, pode ser o fato de, em geral, elas víduo e sua aprendizagem afirmando que o clima social em
tragarem também o adulto e o emergirem num estado de que uma criança vive é, para ela, tão importante quanto o

172
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

ar que respira (Lewin, 1948). Considerando a criação des- (A) cognitivo-emocional.


sa atmosfera como parte do saber-fazer docente, afirma (B) afetivo-compulsivo.
que o êxito de um professor na sala de aula depende, em (C) impulsivo-cognitivo.
grande parte, da atmosfera que cria. De difícil definição, (D) impulsivo-emocional.
a questão do clima escolar tem sido discutida no âmbito (E) afetivo-cognitivo.
dos estudos atuais sobre violência escolar, considerando-
-se que é em geral nas relações e nas práticas do dia-a-dia
que a violência pode se fazer mais presente. Respostas
Para acabar essa discussão que está longe de estar
concluída, vale lembrar que frente à questão das emoções, 01. Resposta: C
a ação pedagógica não deve se restringir à compreensão Wallon propôs três centros que se entrelaçam diferen-
e ao controle, mas deve incluir também a oferta de possi- temente ao longo do desenvolvimento da criança: a afeti-
bilidades de expressão. É preciso que a escola reflita sobre vidade, a motricidade e a cognição. Num período inicial do
as possibilidades que oferece, buscando situações em que desenvolvimento no recém-nascido, predomina a afetivi-
a expressão seja de fato o objetivo da atividade e não um dade (a inteligência ou cognição não se separa da afetivi-
transbordamento indesejado que tenderá a ser contido. A dade). É o período denominado por ele como impulsivo-e-
preocupação com a dimensão estética, num currículo em mocional (até 2 anos). Conforme os movimentos se expan-
que a Arte seja colocada no mesmo patamar que a Ciência dem e desenvolve-se o pegar, o andar e o deslocar-se no
parece-nos um caminho profícuo e necessário. espaço, também aparecem os movimentos simbólicos. Tra-
ta-se do que Wallon denomina primeiros ideomovimentos,
Fonte característicos do período sensório-motor projetivo (entre
GALVÃO, Isabel. Expressividade e Emoção: Ampliando 2 e 4 anos). A cognição, ou a produção de conhecimento,
O Olhar sobre as Interações Sociais. Rev. paul. Educ. Fís., acontece no domínio das interações de todo o sistema au-
São Paulo, supl.4, p.15-31, 2001 topoietico (onde a produção de sujeito e de mundo acon-
tece simultaneamente). Portanto, o conhecimento não é
Questões algo que acontece na mente, mas em todo o corpo.

01. Wallon acreditava que o ser humano é organica- 02. Resposta: D


mente social. Cada sujeito humano constitui sua identidade Wallon afirmava que o ser humano é organicamente
e seu conhecimento nos relacionamentos sociais. Wallon social. Cada sujeito humano se torna o que é, constitui sua
propôs três centros que se entrelaçam diferentemente ao identidade e seu conhecimento, nos relacionamentos so-
longo do desenvolvimento da criança: ciais. Somos sujeitos a partir do outro, pela mediação do
A o biológico, o inato e a organização interna. outro, ou seja, a partir da linguagem, que se coloca entre
B a cultura, a diversidade e a historicidade. nós e o mundo, para organizar a nossa relação com ele
C a afetividade, a motricidade e a cognição.
D a organicidade, a sexualidade e a inteligência. 03. Resposta: D
Período impulsivo emocional – quando o bebê se dife-
02. De acordo com Wallon, informe se é falso (F) ou rencia do mundo que o cerca através do “diálogo tônico”
verdadeiro (V) o que se afirma a seguir e assinale a alterna- (comunicação que se dá pelos gestos, toques, contato cor-
tiva com a sequência correta. poral). Predomina a afetividade.
( ) O homem é um ser geneticamente social pois o
meio social sobrepõe-se ao meio físico e biológico e é res-
ponsável pelo nascimento do psiquismo na criança
( ) Resulta em quatro temas centrais a sua teoria: emo-
ção, movimento, inteligência, afetividade. GARCIA, LENISE APARECIDA
( ) Respeitar a criança significa poupá-la das interven- MARTINS. TRANSVERSALIDADE E
ções externas, visto que seu desenvolvimento se dá por INTERDISCIPLINARIDADE.
fontes exclusivamente endógenas.
A V – V – V.
B V – V – F.
C F – V – V. TRANSVERSALIDADE E INTERDISCIPLINARIDADE.
DV–F–F
A transversalidade e a interdisciplinaridade são modos
03. (VUNESP/2017) Na psicogenética de Henri Wal- de se trabalhar o conhecimento que buscam uma reinte-
lon, a dimensão afetiva ocupa lugar central, tanto do ponto gração de aspectos que ficaram isolados uns dos outros
de vista da construção da pessoa quanto do conhecimento. pelo tratamento disciplinar. Com isso, busca-se conseguir
Ambos se iniciam num período que se estende ao longo do uma visão mais ampla e adequada da realidade, que tantas
primeiro ano de vida e que o autor denomina de vezes aparece fragmentada pelos meios de que dispomos
para conhecê-la e não porque o seja em si mesma.

173
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Vamos exemplificar lançando mão de uma comparação: Como os temas transversais não constituem uma dis-
Quando a luz branca passa por um prisma, divide-se ciplina, seus objetivos e conteúdos devem estar inseridos
em diferentes cores (as cores do arco-íris). Ao estudarmos em diferentes momentos de cada uma das disciplinas. Vão
alguma realidade a fim de conhecê-la muitas vezes torna- sendo trabalhados em uma e em outra, de diferentes mo-
-se necessário fazer um trabalho semelhante. Enfocamos dos.
por diferentes ângulos, com a metodologia e os objetivos Interdisciplinaridade e transversalidade alimentam-se
próprios das Ciências Naturais, da História, da Geografia... mutuamente, pois para trabalhar os temas transversais
Podemos assim aprofundar em diferentes parcelas, fazen- adequadamente não se pode ter uma perspectiva discipli-
do um trabalho de análise. Esse aprofundamento é rico e nar rígida. Um modo particularmente eficiente de se elabo-
muitas vezes necessário, mas é preciso ter consciência de rar os programas de ensino é fazer dos temas transversais
que estamos fazendo um “recorte” do nosso objeto de es- um eixo unificador, em torno do qual organizam-se as dis-
tudo. A visão obtida é necessariamente fragmentada ciplinas. Todas se voltam para eles como para um centro,
Com a interdisciplinaridade questiona-se essa segmen- estruturando os seus próprios conteúdos sob o prisma dos
temas transversais.
tação dos diferentes campos de conhecimento. Buscam-se,
As disciplinas passam, então, a girar sobre esse eixo. De
por isso, os possíveis pontos de convergência entre as vá-
certo modo podemos dizer que temos então um fenôme-
rias áreas e a sua abordagem conjunta, propiciando uma no similar ao observado na Física com o disco de Newton:
relação epistemológica entre as disciplinas. Com ela aproxi- neste, a mistura das cores recupera a luz branca; no nosso
mamo-nos com mais propriedade dos fenômenos naturais caso, a total interação entre as disciplinas faz com que pos-
e sociais, que são normalmente complexos e irredutíveis ao samos recuperar adequadamente a realidade, superando a
conhecimento obtido quando são estudados por meio de fragmentação e tendo a visão do todo.
uma única disciplina. As interconexões que acontecem nas Os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Fun-
disciplinas são causa e efeito da interdisciplinaridade. damental preveem seis Temas Transversais a serem traba-
Existem temas cujo estudo exige uma abordagem par- lhados durante todo o processo de ensino / aprendizagem:
ticularmente ampla e diversificada. Alguns deles foram ética, meio ambiente, saúde, trabalho e consumo, orienta-
inseridos nos parâmetros curriculares nacionais, que os ção sexual e pluralidade cultural. Sejam ou não trabalhados
denomina Temas Transversais e os caracteriza como temas como um eixo unificador, tal como sugerido acima, é im-
que “tratam de processos que estão sendo intensamente portante ressaltar que:
vividos pela sociedade, pelas comunidades, pelas famílias, 1. Os Temas Transversais não constituem uma dis-
pelos alunos e educadores em seu cotidiano. São debati- ciplina à parte.
dos em diferentes espaços sociais, em busca de soluções
e de alternativas, confrontando posicionamentos diversos Isso já foi colocado, mas convém salientá-lo. Como es-
tanto em relação a intervenção no âmbito social mais am- tamos acostumados a trabalhar em uma perspectiva disci-
plo quanto a atuação pessoal. São questões urgentes que plinar, a tendência muitas vezes será ter essa visão também
interrogam sobre a vida humana, sobre a realidade que para os Temas Transversais. Entretanto, o próprio destes
está sendo construída e que demandam transformações temas é exatamente permear toda a prática educativa.
macrossociais e também de atitudes pessoais, exigindo, Usemos novamente um exemplo: se pensarmos que
portanto, ensino e aprendizagem de conteúdos relativos a estamos estudando um bolo, e que cada fatia do bolo cor-
essas duas dimensões”. Estes temas envolvem um aprender responde a uma disciplina, o tema transversal irá aparecer
sobre a realidade, na realidade e da realidade, destinando- como um ingrediente totalmente diluído na massa, e não
como uma fatia a mais.
-se também a um intervir na realidade para transformá-
-la. Outra de suas características é que abrem espaço para
2. Devem ser trabalhados de modo coordenado e
saberes extraescolares. Na verdade, os temas transversais não como um intruso nas aulas.
prestam-se de modo muito especial para levar à prática a
concepção de formação integral da pessoa. O risco de que um tema transversal apareça como um
Considera-se a transversalidade como o modo ade- “intruso” é grande. Não sendo algo diretamente pertinente
quado para o tratamento destes temas. Eles não devem às disciplinas e principalmente não havendo o hábito do
constituir uma disciplina, mas permear toda a prática edu- professor de ocupar-se dele, pode acontecer que seja visto
cativa. Exigem um trabalho sistemático, contínuo, abran- não como um enfoque a ser colocado ao longo de toda
gente e integrado no decorrer de toda a educação. a aprendizagem, mas como algo que aparece esporadica-
Na verdade, estes temas sempre estão presentes, pois mente, interrompendo as demais atividades.
se não o estiverem explicitamente estarão implicitamen- Seguindo no exemplo do bolo, o tema transversal não
te. Tomemos como exemplo a ética. Não falar de aspectos pode ser um caroço que se encontra repentinamente e no
éticos, em muitos casos, é uma omissão que por si só re- qual corremos o risco de quebrar um dente... No máximo,
presenta uma postura. Não apenas por palavras, mas por pode aparecer como uma uva passa ou uma fruta cristali-
ações, a escola sempre fornece aos alunos uma formação zada, algo que percebemos ser diferente, mas que se har-
(quem sabe uma deformação?) ética. Podemos dizer o moniza com o restante do bolo. Entretanto, quanto mais
mesmo com relação ao meio ambiente; o próprio trata- diluído ele estiver na massa, melhor.
mento dado ao ambiente escolar caracteriza a visão das Por exemplo, não faz sentido que um professor de His-
pessoas que ali trabalham e pode ser parte importante na tória, ou de Biologia, de repente interrompa o seu assunto
formação dos alunos sobre essa questão. para dizer: agora vamos tratar de ética. Mas, sempre que

174
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

estiver fazendo uma análise histórica, o professor terá a Tal paradigma pretende opor-se ao modelo do “trans-
preocupação de abordar os aspectos éticos envolvidos; ao mitir-verificar-registrar” e evoluir no sentido de uma ação
dar uma aula sobre problemas ambientais ou sobre biotec- avaliativa reflexiva e desafiadora do educador em termos
nologia, haverá também um enfoque ético. de contribuir, elucidar, favorecer a troca de ideias entre e
com seus alunos, num movimento de superação do saber
3. Não aparecerão “espontaneamente”, com facili- transmitido a uma produção de saber enriquecido, cons-
dade, principalmente no começo. truído a partir da compreensão dos fenômenos estudados.
O modo e o momento em que serão tratados os temas E, de fato, o que se observa na investigação da prática
transversais deve ser cuidadosamente programado em avaliativa dos três graus de ensino é, ao contrário de uma
conjunto pelas diversas disciplinas. É preciso lembrar que evolução, um fortalecimento da prática de julgamento de
cada um deles tem os seus próprios objetivos educacionais resultados alcançados pelo aluno e definidos como ideais
a serem atingidos, ou seja, não se trata apenas de tocar pelo professor.
um determinado tema, mas também de verificar se será Alguns fatores parecem contribuir para a manutenção
totalmente contemplado ao longo do programa de ensino, de tal concepção: a autonomia didática dos professores,
podendo-se prever o cumprimento dos objetivos. decorrente de suas especializações em determinadas dis-
ciplinas e/ou áreas de pesquisa, que dificulta a articulação
4. “O que é de todos não é de ninguém.” necessária entre os docentes, a ponto de suscitar uma re-
flexão conjunta sobre essa questão; a estrutura curricular,
Temos essa experiência, infelizmente, com a maior par- por exemplo, do 39 Grau, com o regimento de matrícula
te das coisas que são “públicas”. Se não se definem encar- por disciplinas que, desobrigando à seriação conjunta dos
regados para uma determinada função, porque todos de- alunos, impede os professores de avaliarem a trajetória do
veriam preocupar-se com aquilo, é muito freqüente que na estudante em seu curso superior, em termos do acompa-
verdade aquela necessidade fique a descoberto. Por isso, nhamento efetivo de seus avanços e de suas dificuldades;
convém salientar novamente que é necessário um estudo além desses, a natureza da formação didática dos profes-
conjunto, por parte da escola, para definir como cada disci-
sores, que se revela, na maioria das vezes, por um quadro
plina irá tratar os temas transversais e verificar se eles estão
de ausência absoluta de aprofundamento teórico em ava-
sendo suficientemente abordados.
liação educacional.
Isso não exclui, naturalmente, certa flexibilidade com o
Tomando ainda mais grave a postura conservadora dos
planejamento. Temas que têm tamanha relação com a vida,
professores, observamos que a avaliação é um fenômeno
com o cotidiano, certamente aparecem nos momentos
com características seriamente reprodutivistas, ou seja, a
mais inesperados e o professor deve estar preparado para
prática que se instala nos cursos de Magistério e Licencia-
não desperdiçar ocasiões que muitas vezes são preciosas.
tura é o modelo que vem a ser seguido no 1° e 2° Graus.
Fonte Muito mais forte do que qualquer influência teórica que o
GARCIA, Lenise Aparecida Martins. Transversalidade e aluno desses cursos possa sofrer, a prática vivida por ele
Interdisciplinaridade. Disponível em: enquanto estudante passa a ser modelo seguido quando
<http://smeduquedecaxias.rj.gov.br/nead/Biblioteca/ professor. O que tal fenômeno provoca é, muitas vazes, a
Forma%C3%A7%C3%A3o%20Continuada/Artigos%20Di- reprodução de práticas avaliativas ora permissivas (a partir
versos/garcia-transversalidadeprint.pdf> de cursos de formação que raramente reprovam os estu-
dantes), ora reprovativas (a partir de cursos, como os de
Matemática, que apresentam abusivos índices de reprova-
ção nas disciplinas).

HOFFMAN, JUSSARA. AVALIAÇÃO Muitos professores nem mesmo são conscientes da


MEDIADORA: UMA RELAÇÃO DIALÓGICA NA reprodução de um modelo, agindo sem questionamento,
CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO. IN: SE/ sem reflexão, a respeito do significado da avaliação na Es-
SP/FDE. REVISTA IDEIAS, N° 22, PÁG. 51 A 59. cola.
Aponto, então, algumas perguntas relacionadas à com-
plexidade dessa questão:
O paradigma de avaliação que se opõe ao paradigma
• Como superar o descrédito de muitos professores
sentencioso, classificatório é o que denomino de “avaliação
relativo a sua perspectiva de avaliação enquanto ação me-
mediadora”. diadora?
“O que pretendo introduzir neste texto é a perspecti- • Quais serão as questões emergências na discussão
va da ação avaliativa como uma das mediações pela qual dessa perspectiva, levando-se em conta a superficialidade
se encorajaria a reorganização do saber. Ação, movimento, da formação dos professores nessa área?
provocação, na tentativa de reciprocidade intelectual entre • Em que medida prevalece uma visão de conhecimen-
os elementos da ação educativa. Professor e aluno buscan- to positivista fortalecedora da concepção classificatória da
do coordenar seus pontos de vista, trocando ideias, reor- avaliação?
ganizando-as. “(HOFFMANN, 1991, p. 67)

175
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

O que se pretende é refletir sobre as origens desse descrédito e sobre o impacto que tal postura pode causar nas
relações que se estabelecem entre professor e aluno e em todas as estruturas do ensino.
“Uma vez estabelecidos os procedimentos de avaliação, os instrumentos e as medidas, a atribuição de conceitos e
sua aplicação, ou seja, as classificações segundo determinados padrões, passam (esses procedimentos) a ser vistos como
atividades técnicas e neutras ao invés de formas interpretativas e expressivas das relações sociais que estão incorporadas
dentro da própria idéia de avaliação.” (BARBOSA et alii, p. 2)

Considero reveladoras de tal postura de resistência dos professores algumas perguntas formuladas por eles em semi-
nários e encontros para discussão do tema Avaliação.
Algumas questões, repetidamente formuladas, serão ponto de partida dessa análise:
• Não estaremos nós, professores, sendo responsabilizados pelo fracasso de alunos desinteressados e desatentos?
• Como é possível alterar nossa prática, considerando o número de alunos com que trabalhamos e o reduzido tempo
em que permanecemos com as turmas?
• Não é necessário, nessa proposta, uma enorme disponibilidade do professor para atendimento aos alunos?
• Em que medida formaremos um profissional competente sem uma prática avaliativa exigente e classificatória (com-
petitiva)?
• Será possível alterar o paradigma da avaliação diante das exigências burocráticas do sistema? Não se deveria começar
por alterá-las?

Pretendo, inicialmente, analisar o conteúdo das perguntas que vêm sendo formuladas pelos professores e refletir so-
bre suas concepções. É preciso dizer que serão apontadas algumas hipóteses sobre concepções implícitas às perguntas
formuladas como tentativa preliminar de análise do seu significado. Outras hipóteses, sem dúvida, poderão ser sugeridas,
ampliando-se essa discussão.

A primeira pergunta e a hipótese apontada poderiam introduzir a análise da relação entre a concepção de avaliação
e a visão de conhecimento do professor. Ou seja: em que medida o repensar sobre a avaliação exigiria investigar como o
professor concebe a relação sujeito-objeto na produção de conhecimento?

176
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Se concebe a aprendizagem do ponto de vista compor- • Não é necessário, nessa proposta, uma enorme dis-
tamentalista, o professor defines como uma modificação ponibilidade do professor para atendimento aos alunos?
de comportamento produzida por alguém que ensina em
alguém que aprende. O conhecimento do aluno vem dos As hipóteses que aponto dizem respeito a uma per-
objetos e cabe ao professor organizar os estímulos com os cepção de que os professores estariam considerando a
quais o aluno entrará em contato para aprender. A prática
perspectiva de avaliação mediadora uma prática impos-
pedagógica consistirá, então, na transmissão clara e explí-
cita dos conteúdos pelo professor, apresentando exemplos sível, ou difícil, porque tal perspectiva exigiria deles uma
preferentemente concretos (organização de estímulos). relação intensa em tempo com seus alunos e direta, a par-
Essa situação, por si só, promoverá a aprendizagem, desde tir de um atendimento que se processaria individualmente
que o aluno entre em contato com tais estímulos, esteja e através de uma comunicação verbal por meio de expli-
atento às situações. Assim, se o professor oferecer expli- cações, orientações e encaminhamentos. Tal prática seria
cações claras, textos explicativos consistentes e organizar dificultada, assim, pelo panorama da Escola atual: número
o ambiente pedagógico, o aluno aprenderá, exceto se não de alunos por turma, carga horária das disciplinas, tempo
estiver presente, ou não estiver atento às explicações, ou disponível do professor para atendimento individual aos
não memorizar os dados transmitidos pelo professor, ou alunos etc.
não cumprir as tarefas de leitura solicitadas.
É preciso investigar, então, a compreensão pelos pro-
A hipótese que anuncio é que uma tal visão de conhe-
cimento positivista vincula-se a uma prática avaliativa de fessores dos termos acompanhamento e diálogo. Entendo
observação e registro de dados. que ambos podem receber definições diferenciadas, con-
Assim como supervaloriza as informações que trans- forme estiverem atrelados a uma ou a outra matriz episte-
mite ao aluno e exige que ele permaneça alerta a tais in- mológica.
formações, o professor também o toma como seu objeto O termo diálogo, por exemplo, pode significar simples-
de conhecimento, ou seja, permanece atento aos “fatos mente conversa, não querendo, contudo, dizer que haja
objetivos”: o aluno passa a ser um objeto de estudo do entendimento entre as pessoas que conversam. Ora, se
professor, que o capta apenas em seus atributos palpáveis, compreendido dessa forma, o princípio do diálogo como
mensuráveis, observáveis. Sua prática avaliativa revela in- linha norteadora de uma avaliação mediadora pode pro-
tenções de coleta de dados em relação ao aluno, dele re- vocar um sentimento de impossibilidade nos professores,
gistrando dados precisos e fidedignos.
Dessa forma, o professor não assume absolutamente principalmente nos de 2o. e 3o. Graus. Isto porque é im-
a responsabilidade em relação ao fracasso do aluno. Em possível haver tempo para conversar com todos os alunos
primeiro lugar, porque representaria assumir sua incom- de todas as turmas, sobre todas as questões que levantam.
petência na organização do trabalho pedagógico, uma Suspeito daí que alguns professores considerariam pos-
apresentação inadequada de estímulos à aprendizagem. sível tal prática apenas no 1° Grau, nas séries iniciais por
Em segundo lugar, porque aquilo que faz geralmente se exemplo, pelo contato permanente dos professores com
traduz em resultados positivos. Ou seja, alguns alunos, ou suas crianças.
a maioria, aprendem. Se a ação produz modificação de Da mesma forma, o significado do termo acompanhar
comportamentos em alguns alunos, então o problema está também pode ser o de estar junto a, caminhar junto de.
nos alunos e não na ação do professor. Sem ultrapassar E isto exigiria igualmente do professor maior tempo com
a visão comportamentalista de conhecimento, nenhuma
outra hipótese é levantada pelo professor sobre as dificul- seus alunos.
dades que os alunos apresentam, senão a sua desatenção Estes dois termos, atrelados a uma visão de conheci-
e desinteresse. Em terceiro lugar, porque, coerente com mento positivista, podem estar sendo utilizados de forma
tal visão de conhecimento, o avaliar reduz-se, para ele, à reducionista. Através do diálogo, entendido como momen-
observação e ao registro dos resultados alcançados pelos to de conversa com os alunos, o professor despertaria o
alunos ao final de um período. Tal visão não absorve uma interesse e a atenção pelo conteúdo a ser transmitido. O
perspectiva reflexiva e mediadora da avaliação. acompanhamento significaria estar junto aos alunos, em
O que pretendo argumentar é que a visão comporta- todos os momentos possíveis, para observar passo a passo
mentalista dos professores parece manifestar-se de forma seus resultados individuais.
radical em sua prática avaliativa, e é muito grave a sua resis- O que significa que tanto o acompanhamento quanto
tência em perceber o autoritarismo inerente a tal concep-
o diálogo, assim concebidos, não conduziriam o professor,
ção. Sem considerarem possíveis outras explicações para o
fracasso dos estudantes que não o comprometimento de- obrigatoriamente, a uma prática avaliativa mediadora.
les (o que também é importante, mas não razão absoluta), Em uma investigação sobre o significado do termo
não podem evoluir no sentido de dois princípios presentes acompanhar, 29 professores de 1o. Grau, dentre 32 res-
a uma avaliação enquanto mediação: o do acompanha- pondentes, disseram que acompanhavam os alunos todos
mento reflexivo e o do diálogo. os dias, continuamente, em todas as situações de sala de
Introduzindo esses princípios, estaríamos, assim, anali- aula. Entretanto, todos os 32 professores definiram avalia-
sando as concepções implícitas às seguintes perguntas dos ção por verificação de resultados alcançados (através de
professores: enunciados diversos). Quero dizer que se os professores
• Como é possível alterar nossa prática, considerando disseram acompanhar os alunos, o sentido do seu acompa-
o número de alunos com que trabalhamos e o reduzido nhar pode ter sido o de observar e registrar todo o tempo
tempo em que permanecemos com as turmas? o que o aluno é capaz de demonstrar.

177
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Meus estudos buscam contrapor-se a essa perceptível resistência de muitos professores, hipoteticamente justificada
por uma compreensão reducionista e positivista de alguns princípios essenciais da avaliação mediadora.
A avaliação, enquanto relação dialógica, vai conceber o conhecimento como apropriação do saber pelo aluno e tam-
bém pelo professor, como ação-reflexão-ação que se passa na sala de aula em direção a um saber aprimorado, enriqueci-
do, carregado de significados, de compreensão. Dessa forma, a avaliação passa a exigir do professor uma relação epistemo-
lógica com o aluno - uma conexão entendida como reflexão aprofundada a respeito das formas como se dá a compreensão
do educando sobre o objeto do conhecimento.
“O confronto que se passa na sala de aula não se passa entre alguém que sabe um conteúdo (o professor) e alguém que
não sabe (o aluno) mas entre pessoas e o próprio conteúdo, na busca de sua apropriação.” (CHAUÍ, 1980, in: WACHOWICZ,
1991, p. 42)
O diálogo, entendido a partir dessa relação epistemológica, não se processa obrigatoriamente através de conversa
enquanto comunicação verbal com o estudante. É mais amplo e complexo e, até mesmo, dispensa a conversa.
“Antes de mais nada, Ire, penso que deveríamos entender o diálogo’ não como uma técnica apenas que podemos usar pare
conseguir bons resultados. Também não podemos, não devemos entender o diálogo como uma tática que usamos pare fazer
dos alunos nossos amigos. Isso faria do diálogo uma técnica pare a manipulação, em vez de iluminação. Ao contrário, o diá-
logo deve ser entendido como algo que faz parte da própria natureza histórica dos seres humanos. É parte de nosso progresso
histórico, do caminho pare nos tomarmos seres humanos. (...) o diálogo é o momento em que os humanos se encontrem pare
refletir sobre sua realidade tal como a fazem e re-fazem”. (SHOR, FREIRE, 1986, p. 122-123)
Em que medida o professor reflete sobre as tarefas dos seus alunos? Como se dá tal reflexão? Percebe-se que as tarefas
produzidas pelos alunos são solicitadas apenas ao final dos períodos letivos. Qual o significado desse procedimento? É
possível encaminhar o aluno a uma reflexão crítica sobre seus posicionamentos, após concluídos os períodos? Justificam-se
trabalhos, provas e relatórios que jamais serão discutidos ou analisados em conjunto pelo educador e educando?
“Como bem o expressa P. Meirieu, a aprendizagem supõe duas exigências complementares: é preciso que o mestre se
adapte ao aluno, se faça epistemólogo de sua inteligência, estando atento ás eventualidades de sua história pessoal, e é
precisamente porque o mestra terá gasto tempo para isso que ele estará à altura de confrontar o aluno com a alteridade, de
ajudá-lo a se superar.” (ASTOLFI, 1990, p. 87-88)
Se o aluno é considerado um receptor passivo dos conteúdos que o docente sistematiza, suas falhas, seus argumentos
incompletos e inconsistentes não são considerados senão algo indesejável e digno de um dado de reprovação. Contraria-
mente, se introduzimos a problemática do erro numa perspectiva dialógica e construtivista, então o erro é fecundo e posi-
tivo, um elemento fundamental à produção de conhecimento pelo ser humano. A opção epistemológica está em corrigir ou
refletir sobre a tarefa do aluno. Corrigir para ver se aprendeu reflete o paradigma positivista da avaliação. Refletir a respeito
da produção de conhecimento do aluno para encaminha-lo à superação, ao enriquecimento do saber significa desenvolver
uma ação avaliativa mediadora.
O termo acompanhamento, conforme o entendermos, complementa ou não esse significado. Acompanhar pode ser
definido por favorecer, e não simplesmente por estar junto a. Ou seja, o acompanhamento do processo de construção de
conhecimento implica favorecer o desenvolvimento do aluno, orientá-lo nas tarefas, oferecer-lhe novas leituras ou expli-
cações, sugerir-lhe investigações, proporcionar-lhe vivências enriquecedoras e favorecedoras à sua ampliação do saber.
Não significa acompanhar todas as suas ações e tarefas para dizer que está ou não apto em determinada matéria. Significa,
sim, responsabilizar-se pelo seu aprimoramento, pelo seu “ir além”. De forma alguma é uma relação puramente afetiva ou
emotiva; significa uma reflexão teórica sobre as possibilidades de abertura do aluno a novas condutas, de elaboração de
esquemas de argumentação, contra-argumentação, para o enfrentamento de novas tarefas.
O esquema a seguir delineie as possíveis relações de investigação entre as diferentes concepções sobre o aprender e o
avaliar, bem como o entendimento dos termos acompanhamento e diálogo a partir dessas concepções.

178
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Complementando a análise das falas dos professores, restam-nos duas últimas perguntas apontadas no início deste
estudo:
• Em que medida formaremos um profissional competente sem uma prática avaliativa exigente e classificatória?
• Será possível alterar a prática avaliativa diante das exigências burocráticas do sistema? Não se deveria começar por
alterá-las?
Parece-me que a concepção positivista de Educação, aliada a uma função capitalista e liberal da sociedade, reforça a
prática avaliativa em sua feição de “competência”, através das armas da classificação e da competição.
Os professores dizem perseguir uma “Escola de qualidade”, sendo exigentes na avaliação; no entanto, contribuem so-
bremaneira para o afastamento de milhares de crianças e jovens da Escola e da Universidade através do fator de reprovação
continuada. Escolas públicas de 1a. Grau iniciam seu ano letivo com dez turmas de 1a. série e, concomitantemente, com
turmas únicas de 8a. série (com poucos alunos). Há uma discrepância enorme entre o número de escolas públicas de 1a.
Grau e a oferta de vagas no 2°- Grau. A reprovação no vestibular, por sua vez, é maciça, além de ocorrer um alto índice de
evasão nos cursos universitários. Esse panorama é representativo de um “ensino de qualidade”? As exigências avaliativas,
desprovidas muitas vezes de significado quanto ao desenvolvimento efetivo das crianças e dos jovens, favorecem a manu-
tenção de uma Escola elitista e autoritária. Os pronunciamentos dos professores formam um todo vinculado e consistente
em torno de um mesmo significado liberal.
No aprofundamento desse fenômeno, proponho a tomada de consciência dós educadores quanto ao sentido da ava-
liação na Escola. Hoje é difícil até mesmo iniciar essa discussão.
Muitos professores nem chegam a participar dessas discussões, porque não se sentem sequer incomodados diante
desse panorama.
As questões e considerações deste estudo pretendem, justamente, delinear uma investigação que julgo necessária. Ou
seja, sobre a força da relação entre concepções do aprender e do avaliar nos três graus de ensino; uma relação que ainda
não percebo em sua total complexidade, mas que se refere essencialmente ao descrédito que se estabelece quanto a uma
perspectiva de avaliação mediadora devido à postura comportamentalista e conservadora dos educadores.
O que busco enunciar é uma necessária investigação no que diz respeito ao significado da avaliação enquanto relação
dialógica na construção do conhecimento, privilegiando a feição de mediação sobre a de informação na avaliação do aluno
e buscando a compreensão da prática avaliativa dos professores.

Fonte
HOFFMAN, Jussara. Avaliação mediadora: uma relação dialógica na construção do conhecimento In: SE/SP/FDE. Revista
IDEIAS nº 22, pág. 51 a 59.

179
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

A postura da pedagogia “dos conteúdos” - Ao admitir


LIBÂNEO, J.C. DEMOCRATIZAÇÃO DA um conhecimento relativamente autônomo - assume o sa-
ESCOLA PÚBLICA - A PEDAGOGIA ber como tendo um conteúdo relativamente objetivo, mas,
CRÍTICO-SOCIAL DOS CONTEÚDOS. SÃO ao mesmo tempo, introduz a possibilidade de uma reava-
liação crítica frente a esse conteúdo. Como, sintetiza Snv-
PAULO: LOYOLA, 1985. (CAPÍTULO 6).
ders, ao mencionar o papel do professor, trata-se, de um
lado, de obter o acesso do aluno aos conteúdos, ligando-
-os com a experiência concreta dele - a continuidade; mas,
TENDÊNCIA PROGRESSISTA “CRÍTICO-SOCIAL DOS de outro, de proporcionar elementos de análise crítica que
CONTEÚDOS” ajudem o aluno a ultrapassar a experiência, os estereótipos,
as pressões difusas da ideologia dominante - é a ruptura.
Papel da escola - A difusão de conteúdos é a tarefa pri- Dessas considerações resulta claro que se pode ir do
mordial. Não conteúdos abstratos, mas vivos, concretos e, saber ao engajamento político, mas não o inverso, sob o
portanto, indissociáveis das realidades sociais. A valoriza- risco de se afetar a própria especificidade do saber e até
ção da escola como instrumento de apropriação do saber é cair-se numa forma de pedagogia ideológica, que é o que
o melhor serviço que se presta aos interesses populares, já se critica na pedagogia tradicional e na pedagogia nova.
que a própria escola pode contribuir para eliminar a seleti- Métodos de ensino - A questão dos métodos se subor-
vidade social e torná-la democrática. Se a escola é parte in- dina à dos conteúdos: se o objetivo é privilegiar a aquisição
tegrante do todo social, agir dentro dela é também agir no do saber, e de um saber vinculado às realidades sociais, é
rumo da transformação da sociedade. Se o que define uma preciso que os métodos favoreçam a correspondência dos
pedagogia crítica é a consciência de seus condicionantes conteúdos com os interesses dos alunos, e que estes pos-
histórico-sociais, a função da pedagogia “dos conteúdos” sam reconhecer nos conteúdos o auxílio ao seu esforço de
é dar um passo à frente no papel transformador da escola, compreensão da realidade (prática social). Assim, nem se
mas a partir das condições existentes. Assim, a condição trata dos métodos dogmáticos de transmissão do saber da
para que a escola sirva aos interesses populares é garantir a pedagogia tradicional, nem da sua substituição pela desco-
todos um bom ensino, isto é, a apropriação dos conteúdos berta, investigação ou livre expressão das opiniões, como
escolares básicos que tenham ressonância na vida” dos áti- se o saber pudesse ser inventado pela criança, na concep-
mos. Entendida nesse sentido, a educação é “uma atividade ção da pedagogia renovada.
mediadora no seio da prática social global”, ou seja, uma Os métodos de uma pedagogia crítico-social dos con-
das mediações pela qual o aluno, pela intervenção do pro- teúdos não partem, então, de um saber artificial, deposi-
fessor e por sua própria participação ativa, passa de uma tado a partir de fora, nem do saber espontâneo, mas de
experiência inicialmente confusa e fragmentada (sincréti- uma relação direta com a experiência do aluno, confron-
ca), a uma visão sintética, mais organizada e unificada. tada com o saber e relaciona a prática vivida pelos alunos
Em síntese, a atuação da escola consiste na preparação com os conteúdos propostos pelo professor, momento em
do aluno para o mundo adulto e suas contradições, forne- que se dará a “ruptura” em relação à experiência pouco
cendo lhe um instrumental, por meio da aquisição de con- elaborada. Tal ruptura apenas é possível com a introdução
teúdos e da socialização, para uma participação organizada explícita, pelo professor dos elementos novos de análise a
e ativa na democratização da sociedade. serem aplicados criticamente à prática do aluno. Em ou-
Conteúdos de ensino - São os conteúdos culturais uni- tras palavras, uma aula começa pela constatação da prática
versais que se constituíram em domínios de conhecimento real, havendo, em seguida, a consciência dessa prática no
relativamente autônomos, incorporados pela humanidade, sentido de referi-la aos termos do conteúdo proposto, na
mas permanentemente reavaliados face às realidades so- forma de um confronto entre a experiência e a explicação
ciais. Embora se aceite que os conteúdos são realidades do professor. Vale dizer: vai-se da ação à compreensão e da
exteriores ao aluno, que devem ser assimilados e não sim- compreensão à ação, até a síntese, o que não é outra coisa
plesmente reinventados, eles não são fechados e refretá- senão a unidade entre a teoria e a prática.
rios às realidades sociais. Não basta que os conteúdos se- Relação professor-aluno – Se, como mostramos ante-
jam apenas ensinados, ainda que bem ensinados; é preciso riormente, o conhecimento resulta de trocas que se esta-
que se liguem, de forma indissociável, à sua significação belecem na interação entre o meio (natural, social, cultural)
humana e social. e o sujeito, sendo o professor o mediador, então a relação
Essa maneira de conceber os conteúdos do saber não pelica consiste no provimento das condições em que pro-
estabelece oposição entre cultura erudita e cultura popu- fessores e alunos possam colaborar para fazer progredir
lar, ou espontânea, mas uma relação de continuidade em essas trocas. O papel do adulto é insubstituível, mas acen-
que, progressivamente, se passa da experiência imedia- tua-se também a participação do aluno no processo. Ou
ta e desorganizada ao conhecimento sistematizado. Não seja, o aluno, com sua experiência imediata num contex-
to cultural, participa na busca da verdade, ao confrontá-
que a primeira apreensão da realidade seja errada, mas é
-la com os conteúdos e modelos expressos pelo professor.
necessária à ascensão a uma forma de elaboração supe-
Mas esse esforço do professor em orientar, em abrir pers-
rior, conseguida pelo próprio aluno, com a intervenção
pectivas a partir dos conteúdos, implica um envolvimento
do professor.
com o estilo de vida dos alunos, tendo consciência inclusive

180
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

dos contrastes entre sua própria cultura e a do aluno. Não contribuição “será tanto mais seja eficaz quanto mais seja
se contentará, entretanto, em satisfazer apenas as necessi- capaz de compreender os vínculos de sua prática com a
dades e carências; buscará despertar outras necessidades, prática social global”, tendo em vista (...) “a democratização
acelerar e disciplinar os métodos de estudo, exigir o esfor- da sociedade brasileira, o atendimento aos interesses das
ço do aluno, propor conteúdos e modelos compatíveis com camadas populares, a transformação estrutural da socieda-
suas experiências vividas, para que o aluno se mobilize para de brasileira”.
uma participação ativa. Dentro das linhas gerais expostas aqui, podemos citar
Evidentemente o papel de mediação exercido em torno a experiência pioneira, mas mais remota, do educador e
da análise dos conteúdos exclui a não-diretividade como escritor russo, Makarenko. Entre os autores atuais citamos
forma de orientação do trabalho escolar, porque o diálo- B. Charlot, Suchodolski, Manacorda e, de maneira especial,
go adulto-aluno é desigual. O adulto tem mais experiência G. Skyders, além dos autores brasileiros que vêm desenvol-
acerca das realidades sociais, dispõe de uma formação (ao vendo investigações relevantes, destacando-se Dermeval
menos deve dispor) para ensinar, possui conhecimentos e Saviani. Representam também as propostas aqui apresen-
a ele cabe fazer a análise dos conteúdos em confronto com tadas os inúmeros professores da rede escolar pública que
as realidades sociais. A não-diretividade abandona os alu- se ocupam, competentemente, de uma pedagogia de con-
nos a seus próprios desejos, como se eles tivessem uma teúdos articulada com a adoção de métodos que garantam
tendência espontânea a alcançar os objetivos esperados da a participação do aluno que, muitas vezes sem saber, avan-
educação. Sabemos que as tendências espontâneas e na- çam na democratização efetiva do ensino para as camadas
turais não são tributárias das condições de vida e do meio. populares.
Não são suficientes o amor, a aceitação, para que os filhos
dos trabalhadores adquiram o desejo de estudar mais, de 4. Em favor da pedagogia crítico-social dos conteú-
progredir; é necessária a intervenção do professor para le- dos
var a aluna a acreditar nas suas possibilidades, a ir mais
longe, a prolongar a experiência vivida. Haverá sempre objeções de que estas considerações
Pressupostos de aprendizagem - Por um esforço pró- levam a posturas antidemocráticas, ao autoritarismo, à cen-
prio, o aluno; se reconhece nos conteúdos e modelos so- tralização no papel do professor e à submissão do aluno.
ciais apresentados pelo professor; assim, pode ampliar sua Mas o que será mais democrático: excluir toda forma
própria experiência. O conhecimento novo se apoia numa de direção, deixar tudo à livre expressão, criar um clima
estrutura cognitiva já existente, ou o professor provê a es- amigável para alimentar boas relações, ou garantir aos
trutura de que o aluno ainda não dispõe. O grau de envol- alunos a aquisição de conteúdos, a análise de modelos
vimento na aprendizagem depende tanto da prontidão e sociais que vão lhes fornecer instrumentos para lutar por
disposição do aluno, quanto do professor e do contexto da seus direitos? Não serão as relações democráticas no estilo
sala de aula. não-diretivo uma forma sutil de adestramento, que levaria
Aprender, dentro da visão da pedagogia dos conteú- a reivindicações sem conteúdo? Representam as relações
dos, é desenvolver a capacidade de processar informações não-diretivas as reais condições do mundo social adulto?
e lidar com os estímulos, do ambiente, organizando os da- Seriam capazes de promover a efetiva libertação do ho-
dos disponíveis da experiência. Em consequência, admite- mem da sua condição de dominado?
-se o princípio da aprendizagem significativa que supõe, Um ponto de vista realista da relação pedagógica não
como passo inicial, verificar aquilo que o aluno já sabe. O recusa a autoridade pedagógica expressa na sua função de
professor precisa saber (compreender) o que os alunos di- ensinar. Mas não se deve confundir autoridade com auto-
zem ou fazem, o aluno precisa compreender o que o pro- ritarismo. Este se manifesta no receio do professor em ver
fessor procura dizer-lhes. A transferência da aprendizagem sua autoridade ameaçada; na falta de consideração para
se má a partir do momento da síntese, isto é, quando o com o aluno ou na imposição do medo como forma de
aluno supera sua visão parcial e confusa e adquire uma vi- tomar mais cômodo e menos estafante o ato de ensinar.
são mais clara e unificadora. Além do mais, são incongruentes as dicotomias, tão di-
Resulta com clareza que o trabalho escolar precisa ser fundidas por muitos educadores, entre “professor-policial”
avaliado, não como julgamento definitivo e dogmático do e “professor-povo”, entre métodos diretivos e não-direti-
professor, mas como uma comprovação para o aluno do vos, entre ensino centrado no professor e ensino centra-
seu progresso em direção a noções mais sistematizadas. do no estudante. Ao adotar tais dicotomias, amortece-se
Manifestações na prática escolar - O esforço de elabo- a presença do professor como mediador pelos conteúdos
ração de uma pedagogia “dos conteúdos” está em propor que explicita, como se eles fossem sempre imposições
modelos de ensino voltados para a interação conteúdos- dogmáticas e que nada trouxessem de novo.
-realidades sociais; portanto, visando avançar em termos Evidentemente que, ao se advogar a intervenção do
de uma articulação do político e do pedagógico, aquele professor, não se está concluindo pela negação da relação
como extensão deste, ou seja, a educação “a serviço da professor-aluno. A relação pedagógica é uma relação com
transformação das relações de produção”. Ainda que a cur- um grupo e o clima do grupo é essencial na pedagogia.
to prazo se espere do professor maior conhecimento dos Nesse sentido, são bem-vindas as considerações formula-
conteúdos de sua matéria e o domínio de formas de trans- das pela “dinâmica de grupo”, que ensinam o professor a
missão, a fim de garantir maior competência técnica, sua relacionar-se com a classe; a perceber os conflitos; a saber

181
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

que está lidando com uma coletividade e não com indi- (A) tecnicista.
víduos isolados, a adquirir-se a confiança dos alunos. En- (B) crítica.
tretanto, mais do que restringir-se ao malfadado “trabalho (C) tradicional.
em grupo”, ou cair na ilusão da igualdade professor-aluno, (D) pós-crítica.
trata-se de encarar o grupo-classe como uma coletividade
onde são trabalhados modelos de interação como a ajuda
mútua, o respeito aos outros, os esforços coletivos, a au- Respostas
tonomia nas decisões, a riqueza da vida em comum, e ir
ampliando progressivamente essa noção (de coletividade) 01. Resposta: Errado
para à escola, a cidade, sociedade toda. O Método Montessoriano é um Método da Tendência
Por fim, situar o ensino centrado no professor e o ensi- Liberal, mas não é Tradicional é Renovador Progressivista.
no centrado no aluno em extremos opostos é quase negar Tendência Liberal Renovadora Progressiva. Tem como
bases a Individualidade, atividade e liberdade do aluno
pedagógica porque não há um aluno, ou grupo de alunos,
com ênfase para o conceito de indivíduo como, simulta-
aprendendo sozinho, nem um professor ensinando para ás
neamente, sujeito e objeto do ensino.
paredes. Há um confronto do aluno entre sua cultura e a
herança cultural da humanidade, entre seu modo de viver e
02. Resposta: Certo
os modelos sociais desejáveis para um projeto novo de so- A Lei nº 5.692, que regulamentava o ensino de primei-
ciedade. E há um professor que intervém, não para se opor ro e segundo graus. Entre outras determinações, ampliou
aos desejos e necessidades ou à liberdade e autonomia do a obrigatoriedade escolar de quatro para oito anos, agluti-
aluno, mas para ajudá-lo a ultrapassar suas necessidades nando o antigo primário com o ginasial, suprimindo o exa-
e criar outras, para ganhar autonomia, para ajudá-lo no me de admissão e criando a escola única profissionalizante.
seu esforço de distinguir a verdade do erro, para ajudado
a compreender as realidades sociais e sua própria expe- 03. Resposta: B
riência. Teorias críticas: argumenta que não existe uma teoria
neutra, já que toda teoria está baseada nas relações de
Fonte poder. Percebe o currículo como um campo que prega a
LIBÂNEO, J.C. Democratização da Escola Pública - a liberdade e um espaço cultural e social de lutas. Crítica:
pedagogia crítico-social dos conteúdos. São Paulo: Loyola, CORRETA.
1985. (Capítulo 6).

Questões LIBÂNEO, J.C.; OLIVEIRA, J. F.; TOSCHI,


M. S. EDUCAÇÃO ESCOLAR: POLÍTICAS,
01. (TJ-DF - Analista Judiciário – Pedagogia – CES-
ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO. SÃO PAULO:
PE/2016) A partir das concepções pedagógicas, julgue os
itens subsequentes.
CORTEZ, 2003, CAPÍTULO III, DA 4A PARTE.
As escolas que utilizam o método montessoriano são
consideradas uma manifestação da concepção liberal tra-
dicional. EDUCAÇÃO ESCOLAR: POLÍTICAS, ESTRUTURAS E
ORGANIZAÇÃO
( ) Certo
( ) Errado
O sistema educativo e as escolas estabelecem relações
entre si e existem duas importantes razões para conhecer e
02. (TJ-DF - Analista Judiciário – Pedagogia – CES-
analisá-las. A primeira faz referência às políticas educacio-
PE/2016) A partir das concepções pedagógicas, julgue os nais e as diretrizes organizacionais e curriculares que são as
itens subsequentes. ideias, valores, atitudes e práticas capazes de influenciar as
A Lei n.º 5.692/1971, que organizou a educação bra- escolas e seus profissionais no que diz respeito às práticas
sileira durante um longo período, é uma manifestação da formativas dos alunos. A segunda está pautada aos profis-
tendência liberal tecnicista nas políticas educacionais sionais das escolas os quais podem aceitar ou rejeitar essas
( ) Certo políticas e diretrizes educacionais, ou até mesmo, dialogar
( ) Errado com elas e então formular, de modo coletivo, práticas for-
mativas e inovadoras.
03. (TSE - Analista Judiciário - Pedagogia - CON- Para tanto, é preciso conhecer e analisar como se inter-
SULPLAN/2017) O currículo tem um papel tanto de con- -relacionam as políticas educacionais, a organização e ges-
servação quanto de transformação e construção dos co- tão das escolas e as práticas pedagógicas na sala de aula.
nhecimentos historicamente acumulados. A perspectiva O professor não pode se contentar apenas em desenvolver
teórica que trata o currículo como um campo de disputa saberes e competências para ter uma boa atuação em sala
e tensões, pois o vê implicado com questões ideológicos e de aula, é preciso tomar consciência do sistema escolar e
de poder, denomina-se enxergar além.

182
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Outra razão torna esses estudos importantes que é o Nesse mesmo âmbito, se deu a elaboração e promul-
fato de que as normas, leis e diretrizes da educação, es- gação da LDB, do PNE, das diretrizes curriculares, normas e
tão sujeitas a decisões políticas. Cabe ao sistema de ensino resoluções do Conselho Nacional de Educação.
e as escolas contribuírem de maneira significativa para a No entanto, essas políticas e diretrizes demonstram ser,
construção de um projeto de nação e, para a formação de salvo raras exceções, intenções declaradas ao invés de me-
sujeitos capazes de participar ativamente desse processo. didas efetivas. Ocorre então um impasse, de um lado, po-
As políticas educacionais e organizacionais que vemos líticas educativas que expressam intenções de se aumentar
hoje estão diretamente relacionadas às transformações a autonomia e a participação das escolas e dos professores,
econômicas, políticas, culturais e geográficas que quali- do outro, há a questão da crise de legitimidade dos esta-
ficam o mundo atual. A exemplo disso nós temos as vá- dos que dificulta a efetivação de investimentos em salários,
rias reformas educativas realizadas nos países da Europa e carreira e formação do professorado, com o pretexto de
América durante os últimos 20 anos. que o Estado requer redução de despesas, transmitindo
Tais reformas se justapõem com a recomposição do uma lógica contábil e economista ao sistema educacional.
sistema capitalista mundial que trouxe consigo a doutri- Desde a estruturação do curso de Pedagogia, em 1939,
na neoliberal, caracterizada por três traços particulares: sempre houve a preocupação com os aspectos legais e
mudanças no processo de produção (avanços científicos administrativos da escola, geralmente vistos na disciplina
e tecnológicos), superioridade do livre funcionamento do Administração Escolar.
mercado e redução do papel do Estado que por sua vez, Está mencionado, no Parecer 292/62 – do Conselho
afetam diretamente a educação tendo em vista que para o Federal de Educação – a disciplina Elementos de Adminis-
neoliberalismo, o desenvolvimento econômico fomentado tração Escolar a qual tinha como finalidade proporcionar o
pelo desenvolvimento técnico-científico garante, por si só, conhecimento, por parte do licenciado, da escola em que
o desenvolvimento social. iria atuar (seus objetivos, estrutura e seus aspectos de seu
Essa falta de consideração com as implicações sociais funcionamento), além de proporcionar uma visão única do
e humanas geram vários problemas sociais como desem- aspecto escola-sociedade.
Em 1968, houve a homologação dos Pareceres 252/69
prego, fome e desigualdade entre países, classes e grupos
e 672/69 como forma de se adequar os currículos de Pe-
sociais. E também, problemas globais como a devastação
dagogia e das licenciaturas à Lei 5.540/68. Esses pareceres
ambiental, o desequilíbrio ecológico, o esgotamento dos
incluíram a disciplina Estrutura e Funcionamento do Ensino
recursos naturais e problemas atmosféricos.
de 2º Grau, substituindo a disciplina Administração Esco-
Progredindo na mesma proporção, mudanças signifi-
lar. O motivo pelo qual se deu essa substituição foi o fato
cativas nos processos de produção e transformações nas
de que com a denominação Administração Escolar, se fazia
condições de vida e de trabalho devido à associação entre
ressaltar o aspecto administrativo, não levando em conta
ciência e técnica, proporcionou uma necessidade de se ter
aspectos referente à estrutura e ao funcionamento do en-
conhecimento e informação a tal ponto que influenciaram
sino.
a economia e seu desenvolvimento. Os países industriali- Já nos anos 80, propostas curriculares alternativas sur-
zados então viram a necessidade de se rever o lugar das giram com conteúdos semelhantes à Administração Esco-
instituições encarregadas de produzir conhecimento e in- lar e à Estrutura e Funcionamento do Ensino do 2º Grau,
formação, tornando-se prioridade, a reforma dos sistemas mas como denominações diferentes: Educação Brasileira,
educacionais os quais giram em quatro pontos: o currícu- Políticas Educacionais, Organização do Trabalho Pedagó-
lo nacional, a profissionalização dos professores, a gestão gico (ou Escolar).
educacional e a avaliação institucional. As Resoluções 2/69 e 9/69 foram as primeiras a apre-
No Brasil, também houve algumas transformações, sentarem a denominação Estrutura e Funcionamento do
no que diz respeito ao sistema educacional. Que ocorreu Ensino. Está fixava os mínimos de conteúdos das discipli-
a partir do ano de 1990, início do governo Collor, e tam- nas e a duração do curso de Pedagogia, aquela, estabelecia
bém ano em que se realizou a Conferência Mundial sobre os mínimos de conteúdos e a duração dos cursos para a
Educação para Todos, ocasião em que se estabeleceram formação pedagógica em nível de licenciatura.
prioridades para a educação, entre elas, a universalização Segundo a Resolução 9/69, os currículos de licenciatu-
do ensino fundamental. Em 1993, no governo de Itamar ra deveriam abranger as seguintes matérias: Psicologia da
Franco, cria-se o Plano Decenal de Educação para Todos e Educação, Didática, Estrutura e Funcionamento do Ensino
em 1995, no governo de Fernando Henrique Cardoso, es- de 2º Grau e Prática de Ensino, sob forma de estágio su-
tabeleceram-se metas pontuais, que são: descentralização pervisionado, mas em conformidade com a Lei 5.692/71,
da administração das verbas federais, elaboração do currí- na qual instituiu o ensino de primeiro e segundo graus, a
culo nacional, educação à distância, avaliação nacional das denominação alterou-se para Estrutura e Funcionamento
escolas, incentivo a formação de professores, parâmetros do Ensino de 1º e 2º graus.
de qualidade para o livro didático, entre outras. Já essas, De acordo com a legislação, há dois elementos bási-
acompanham as tendências internacionais se alinhando à cos na disciplina: a escola e o ensino, onde, primeiramente,
política neoliberal e às orientações dos organismos finan- apresenta-se a organização e o funcionamento da escola e
ceiros como o Banco Mundial e o FMI. em seguida, o ensino.

183
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Contudo, essas abordagens mostram a escola e o ensi- ção formal e informal da escola, financiamento do ensino,
no como elementos prontos e acabados no interior de um etc.), servindo de fundamento para elucidar uma situação/
sistema educacional racionalmente organizado e de uma questão norteadora de investigação, aliando assim, ensino
sociedade organicamente constituída e funcional fazen- e pesquisa, tornando o método de ensino e aprendiza-
do com que se torna evidente a importância da legislação gem mais dinâmico e reflexivo, desenvolvendo também,
como eixo básico da disciplina. Obrigatória em algumas a habilidade de investigação, proporcionando, assim, que
habilitações do curso de Pedagogia, a disciplina Legislação o trabalho acadêmico seja um momento em que o aluno
do Ensino de 1º e 2º Graus tornou-se base da Estrutura e possa procurar, investigar e produzir conhecimento, orien-
Funcionamento do Ensino. Já na organização do ensino es- tado pelo professor.
colar, se tem a descrição dos órgãos e seu funcionamento As abordagens identificadas e os aspectos metodo-
e, a análise de seus componentes administrativos e curricu- lógicos de tratamento dos conteúdos se relacionam ao
lares, através de textos legais. conhecimento do objeto de estudo, tendo em vista que
Os currículos de Pedagogia e das licenciaturas, atual-
refletem a trajetória da disciplina. Contudo, percebe-se
mente, apresentam várias denominações, entre elas, as
que houve uma significativa evolução na abordagem da
mais corriqueiras são: Estrutura e Funcionamento do En-
disciplina, em sua ampliação e diversificação, o mesmo
sino Fundamental e Médio – oferecida no segundo ou no
não ocorreu com objeto de estudo, não com clareza. Qual
terceiro ano do curso de Pedagogia, com carga anual que
varia entre 60 128 horas e ministrada em um ano ou seis é e qual era ele?
meses – e, Didática e Prática de Ensino de Estrutura e Fun- Vemos que houve uma mudança na ênfase da disci-
cionamento do Ensino Fundamental e Médio – disciplina plina, de aspectos estruturais e formais do ensino para as
em forma de estágio supervisionado, geralmente com car- questões de funcionamento onde o foco saiu do ensino
ga anual de 128 horas, no último ano do curso de Peda- de primeiro e segundo graus para a concreta escola de
gogia. Em geral, os conteúdos e objetivos dessa disciplina, primeiro e segundo graus. Proporcionando assim que a
assumem três abordagens distintas: perspectiva legalista, descontextualizada e limitada fosse
Abordagem legalista e formal: Os textos legais e os do- modificada com a finalidade de se privilegiar a discussão
cumentos são apresentados e analisados sistêmica e fun- de alternativas para a reconstrução da escola e do sistema
cionalmente. Essa abordagem acosta-se à letra, linhas e ao educacional brasileiro.
texto legal. O estudo aí acaba por se tornar árido, insípido Houve assim uma transformação democrática de um
e aversivo. ensino genérico para uma abordagem de uma escola e en-
Abordagem político-ideológica: Dá ênfase aos textos sino concretos, todavia, cabe-se questionar se a mudança
críticos, procura-se mostrar o real com base em uma postu- ocorreu somente na abordagem/compreensão do objeto;
ra e visão político-ideológica. Essa abordagem aproxima-se se o objeto de estudo da disciplina continuou a ser a esco-
mais ao contexto, ao espírito e às entrelinhas dos textos la e a organização do ensino e até mesmo se a legislação
legais. O estudo aí acaba por se tornar parcial e partidário. e os documentos constituem o eixo básico da apreensão
Abordagem histórico-crítica: Os textos legais são usa- da escola e do ensino.
dos como referencial para a análise crítica da organização A escola e o ensino ainda continuam como foco da
escolar e como forma de confrontar a situação proclamada disciplina, mas agora contextualizados de maneira concre-
(ideal) com a situação real. O estudo aí acaba por se tornar ta, crítica e histórica. Dá ótica sistêmica/tecnicista para a
mais fértil, dinâmico, investigativo e crítico-reflexivo. ótica histórico-crítica, onde as políticas de educação são
O desenvolvimento dos conteúdos, por uma ótica me- tratadas com maior intensidade, uma vez em que são elas
todológica, deve estar alinhado à articulação de três ele- as responsáveis por definirem, em grande parte, a legisla-
mentos, segundo Monteiro (1995): visão oficial (conheci-
ção educacional, a escola e o ensino.
mento da legislação educacional, programas e planos de
É apropriado adotar então a denominação Estrutura e
governo); visão da realidade (comparação da visão oficial
Organização da Educação Escolar – Políticas Educacionais
com o que realmente acontece no funcionamento do en-
e Funcionamento da Escola, tendo como ideia principal a
sino) e visão crítica (após o conhecimento das anteriores,
pratica-se a leitura fundamentada, para geração de novos possibilidade em aprender as imbricações entre decisões
conhecimentos. centrais e decisões locais, a fim de articular, em torno da
Para Saviani (1987), há três etapas no exame crítico da escola, as abordagens mais gerais de cunho sociológico,
legislação de ensinos: contato com a lei (análise textual, político e econômico e os processos escolares internos de
para captar a estrutura do texto); exame das razões mani- cunho pedagógico, curricular, psicológico e didático.
festas (leitura da exposição de motivos, dos pareceres, dos A partir da leitura da obra, é possível fazer uma refle-
relatórios, etc.) e busca das razões reais (exame do contexto xão a respeito da educação escolar como um todo, bem
– processo histórico socioeconômico e político – exame da como as suas políticas educacionais e educativas. No de-
gênese da lei – processo de elaboração da lei, os autores e correr da leitura do livro os autores trazem informações
seus papéis). importantes relacionadas à história das políticas educa-
Textos legais, documentos e textos críticos, também cionais, como surgiram, porque surgiram e como foram
podem ser usados como auxilio ao estudo de alguns te- transformadas para atenderem as necessidades que se
mas da disciplina (municipalização do ensino, organiza- apresentaram.

184
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Percebe-se a dedicação dos autores em levar ao co- Prática educativa e sociedade


nhecimento do leitor os processos pelos quais ocorre a
formação de professores, as disciplinas que são oferecidas, Os professores são parte integrante do processo edu-
as leis que regulam essa formação e também as mudanças cativo, sendo importantes para a formação das gerações
que essas leis trouxeram ao longo do tempo. e para os padrões de sociedade que buscamos. Neste
Recomenda-se a leitura e a apreciação dessa obra a subtítulo, o autor situa a educação como fenômeno social
estudantes de pedagogia e das licenciaturas, para que pos- universal determinando o caráter existencial e essencial da
sam entender melhor o seu futuro ambiente de trabalho, a mesma. Estuda também os tipos de educação, a não inten-
escola – seus objetivos e estruturas e professores, para que cional, refere-se a influências do contexto social e do meio
possam conhecer ainda mais o seu local de trabalho e as- ambiente sobre os indivíduos. Já a intencional refere-se
sim, se tornar um agente ativo no processo de construção àquelas que têm objetivos e intenções definidos. A educa-
da educação e das políticas educacionais. ção pode ser também, formal ou não-formal, dependen-
do sempre dos objetivos. A educação não-formal é aquela
Fonte realizada fora dos sistemas educacionais convencionais, e a
Disponível em http://simboraestudar.blogspot.com.br/ educação formal é a que acontece nas escolas, agências de
instrução e educação ou outras.

Libâneo também relata o papel social da educação e


LIBÂNEO, J.C. DIDÁTICA. SÃO PAULO: como seus conteúdos objetivos são determinados pelas
CORTEZ, 2013, CAPÍTULOS 2,7 E 9. sociedades, política e ideologia predominantes. Fala desta
relação importante da educação com os processos forma-
dores da sociedade “desde o início da historia da huma-
nidade, os indivíduos e grupos travavam relações recípro-
Apresentação cas diante da necessidade de trabalharem conjuntamente
para garantir sua sobrevivência” (Libâneo, 1994, p.19).O
Na abertura, o autor determina os princípios que nor- autor considera estas influencias como fatores fundamen-
teiam a narrativa durante a obra, da importância da didáti- tais das desigualdades entre os homens, sendo um traço
ca e seu caráter aglutinador dos conteúdos e procedimen- fundamental desta sociedade. Coloca as ideologias como
tos, da sua característica de englobar conhecimentos da valores apresentados pela minoria dominante, politizando
área da psicologia da educação, sociologia da educação, a prática educativa e demonstrando o seu envolvimento
filosofia da educação, entre outras áreas a fim para explicar com o social.
o ato e a forma do aprender. Logo no início, o autor mostra Ele afirma que escola é o campo específico de atuação
o que irá falar: Percepção e compressão reflexiva e crítica política do professor, politizando ainda mais o ambiente
das situações didáticas; compreensão crítica do processo escolar.
de ensino; a unidade objetivos-conteúdos-métodos como
a espinha dorsal das tarefas docentes e o domínio de mé- Educação, instrução e ensino
todos e procedimentos para usar em situações de didáticas
concretas. Neste subtítulo, o autor define as três palavras cha-
Verifica-se a intenção do autor de construir um conteú- ves, suas diferenças e sentidos diversos. A educação que é
do e organizar uma discussão que tenha um caráter prático apresentada com um conceito amplo, que podemos sinte-
no processo educativo. Isto também se demonstra da di- tizar como uma modalidade de influências e inter-relações
visão dos capítulos que contemplam as diversas áreas de que convergem para a formação da personalidade social e
abrangência da didática. o caráter, sendo assim uma instituição social.
Já a instrução está relacionada à formação e ao de-
CAPÍTULO 01 - Prática educativa, Pedagogia e Di- senvolvimento das capacidades cognoscitivas, mediante o
dática domínio de certos conhecimentos. O ensino por sua vez
é conceituado aqui como as ações, meios, condições para
O autor começa o tema situando a didática no con- que aconteça a instrução.
junto dos conhecimentos pedagógicos, demonstrando a Observa-se que a instrução esta subordinada à edu-
fundamental importância do ato de ensinar na formação cação. Estas relações criam uma relação intrincada destes
humana para vivermos em sociedade. Neste capítulo, o au- três conceitos que são responsáveis pelo educar. Destaca
tor aborda a prática educativa em sociedade, a diferença que podemos instruir sem educar ou vice-versa, pois a real
entre a educação, instrução e ensino; a educação, o escolar, educação depende de transformarmos estas informações
pedagogia e didática, e a didática e sua importância na for- em conhecimento, tendo nos objetivos educativos uma
mação dos professores. forma de alcançarmos esta educação. Coloca que a educa-
ção escolar pode ser chamada também de ensino.

185
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Educação escolar, Pedagogia e Didática como resultado um enorme número de analfabetos na fai-
xa de 5 a 14 anos. A transformação da escola depende da
A educação escolar é um sistema de instrução e ensino transformação da sociedade, afirma Libâneo, e continua di-
de objetivos intencionais, sistematizados e com alto grau zendo que a escola é o meio insubstituível de contribuição
de organização, dando a importância da mesma para uma para as lutas democráticas.
democratização maior dos conhecimentos. O autor coloca
que as práticas educativas é que verdadeiramente podem O Fracasso escolar precisa ser derrotado
determinar as ações da escola e seu comprometimento so-
cial com a transformação. Afirma que a pedagogia inves- Nessa parte, o autor fala mais detalhadamente deste
tiga estas finalidades da educação na sociedade e a sua grave problema do nosso sistema escolar, detalha gráficos
inserção na mesma, diz que a Didática é o principal ramo que apontam para um quadro onde a escola não consegue
de estudo da pedagogia para poder estudar melhor os mo- reter o aluno no sistema escolar. Aponta muitos motivos
dos e condições de realizarmos o ensino e instrução. Ainda para isto, mas considera, como principal, a falta de pre-
coloca a importância da sociologia da educação, psicologia paro da organização escolar, metodológica e didática de
da educação nestes processos de relação aluno-professor. procedimentos adequados ao trabalho com as crianças po-
bres. Isto acontece devido aos planejamentos serem feitos
prevendo uma criança imaginada e não a criança concreta,
A Didática e a formação profissional do professor aquela que esta inserida em um contexto único. Somente o
ingresso na escola pode oferecer um ponto de partida no
Determina, o autor, que as duas dimensões da forma- processo de ensino aprendizagem.
ção profissional do professor para o trabalho didático em Levanta, também, neste capítulo, outros fatores como
sala de aula. A primeira destas dimensões é a teórico-cien- dificuldades emocionais, falta de acompanhamento dos
tífica formada de conhecimentos de filosofia, sociologia, pais, imaturidade, entre outros. Cita aqui David Ausubel
história da educação e pedagogia. que afirma que o fator isolado mais importante que in-
fluencia a aprendizagem é aquilo que o aluno já conhece,
A segunda é a técnico–prática, que representa o traba-
complementa dizendo que o professor deve descobri-lo e
lho docente incluindo a didática, metodologias, pesquisa
basear-se nisto em seus ensinamentos.
e outras facetas práticas do trabalho do professor. Neste
subtítulo, Libâneo define a didática como a mediação entre
As tarefas da escola pública democrática
as dimensões teórico-científica e a prática docente.
Todos sabemos da importância do ensino de primei-
CAPÍTULO 02 - Didática e Democratização do Ensino
ro grau para formação do indivíduo, da formação de suas
capacidades, habilidades e atitudes, além do seu preparo
Neste capítulo, continua a discussão colocada no ca-
para as exigências sociais que este indivíduo necessita,
pítulo anterior, sobre a democratização do ensino e a im- dando a ele esta capacidade de poder estudar e aprender o
portância de oferecer este de qualidade e a toda socieda- resto da vida. O autor lista as tarefas principais das escolas
de. Inicia com a colocação que a participação ativa na vida públicas, entre elas, destacam-se:
social é o objetivo da escola pública, o ensino é colocado Proporciono escola gratuita pelos primeiros oito anos
como ações indispensáveis para ocorrer à instrução. Levan- de escolarização;
ta e responde algumas perguntas envolvendo a escolariza- Assegurar a transmissão e assimilação dos conheci-
ção, qualidade do ensino do povo e o fracasso escolar, fala mentos e habilidades;
também da Ética como compromisso profissional e social. Assegurar o desenvolvimento do pensamento crítico e
independente;
A Escolarização e as lutas democráticas Oferecer um processo democrático de gestão escolar
com a participação de todos os elementos envolvidos com
Realmente a escolarização é o processo principal para a vida escolar.
oferecer a um povo sua real possibilidade de ser livre e
buscar nesta mesma medida participar das lutas democrá- O compromisso social e ético dos professores
ticas, o autor endente democracia como um conjunto de
conquistas de condições sociais, políticas e culturais, pela O primeiro compromisso da atividade profissional de
maioria da população para participar da condução de de- ser professor (o trabalho docente) é certamente de pre-
cisões políticas e sociais. Libâneo, (1994, 35) cita Guiomar parar os alunos para se tornarem cidadãos ativos e parti-
Namo de Mello: “A escolarização básica constitui instru- cipantes na família, no trabalho e na vida cultural e políti-
mento indispensável à construção da sociedade democrá- ca. O trabalho docente visa também a mediação entre a
tica”, fala também dos índices de escolarização no Brasil, sociedade e os alunos. Libâneo afirma que, como toda a
mostrando a evasão escolar e a repetência como graves profissão, o magistério é um ato político porque se realiza
problemas advindos da falta de uma política pública, de no contexto das relações sociais.
igualdade nas oportunidades em educação, deixando

186
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

CAPÍTULO 03 - Didática: Teoria da Instrução e do Ensino Ação de aprender.

Neste capítulo, o autor aborda, em especial, os víncu- Desenvolvimento histórico da Didática e tendências
los da didática com os fundamentos educacionais, explicita pedagógicas
seu objetivo de estudar e relacionar os principais temas da O autor afirma que a didática e sua história estão liga-
didática indispensáveis para o exercício profissional. das ao aparecimento do ensino.
A didática como atividade pedagógica escolar Desde a Antigüidade clássica ou no período medieval
Sabedores que a pedagogia investiga a natureza das já temos registro de formas de ação pedagógicas em esco-
finalidades da educação como processo social, a didática las e mosteiros. Entretanto, a didática aparece em obra em
coloca-se para assegurar o fazer pedagógico na escola, na meados do século XVII, com João Amos Comenio, ao es-
sua dimensão político, social e técnica, afirmando daí o ca- crever a primeira obra sobre a didática “A didática Magna”,
ráter essencialmente pedagógico desta disciplina. Define estabelecendo na obra alguns princípios com:
assim a didática como mediação escolar entre objetivos e A finalidade da educação é conduzir a felicidade eterna
conteúdos do ensino. Define, o autor, mais alguns termos com Deus.
fundamentais nesta estruturação escolar, a instrução como O homem deve ser educado de acordo com o seu de-
processo e o resultado da assimilação sólida de conheci- senvolvimento natural, isto é de acordo com suas caracte-
mentos; o currículo como expressão dos conteúdos de ins- rísticas de idade e capacidade.
trução; e a metodologia como conjunto dos procedimen- A assimilação dos conhecimentos não se da de forma
tos de investigação quanto a fundamentos e validade das imediata.
diferentes ciências, sendo as técnicas recursos ou meios de O ensino deve seguir o curso da natureza infantil; por
ensino seus complementos. isto as coisas devem ser ensinadas uma de cada vez.
Sintetizando, os temas fundamentais da didática são: Já mais adiante, Jean Jacques Rousseau (1712-1778)
propôs uma nova concepção de ensino, baseado nas ne-
1. Os objetivos sócio-pedagógicos; cessidades e interesses imediatos da criança. Porém, este
2. Os conteúdos escolares; autor não colocou suas idéias em prática, cabendo mais
3. Os princípios didáticos; adiante a outro pesquisador faze-lo, Henrique Pestalozzi
4. Os métodos de ensino aprendizagem; (1746-1827), que trabalhava com a educação de crianças
As formas organizadas do ensino; pobres. Estes três teóricos influenciaram muito Johann
Aplicação de técnicas e recursos; Friedrich Herbart (1776-1841), que tornou a verdadeira ins-
Controle e avaliação da aprendizagem. piração para pedagogia conservadora, determinando que
Objetivo de estudo: o processo de ensino o fim da educação é a moralidade atingida através da ins-
Sem dúvida, o objetivo do estudo da didática é o pro- trução de ensino. Estes autores e outros tantos formam as
cesso de ensino. Podemos definir, conforme o autor, o bases para o que chamamos modernamente de Pedagogia
processo de ensino como uma seqüência de atividades do Tradicional e Pedagogia Renovada.
professor e dos alunos tendo em vista a assimilação de co-
nhecimentos e habilidades. Destaca a importância da na- Tendências pedagógicas no Brasil e a Didática
tureza do trabalho docente como a mediação da relação
cognoscitiva entre o aluno e as mateiras de ensino. Libâneo Nos últimos anos, no Brasil, vêm sendo realizados
ainda coloca que ensinar e aprender são duas facetas do muitos estudos sobre a história da didática no nosso país
mesmo processo, que se realiza em torno das matérias de e suas lutas, classificando as tendências pedagógicas em
ensino sob a direção do professor. duas grandes correntes: as de cunho liberal e as de cunho
progressivista. Estas duas correntes têm grandes diferenças
Os componentes do processo didático entre si. A tradicional vê a didática como uma disciplina
normativa, com regras e procedimentos padrões, centran-
O ensino, por mais simples que pareça, envolve uma do a atividade de ensinar no professor e usando a palavra
atividade complexa, sendo influenciado por condições in- (transmissão oral) como principal recurso pedagógico. Já a
ternas e externas. Conhecer estas condições é fator fun- didática de cunho progressivista é entendida como direção
damental para o trabalho docente. A situação didática em da aprendizagem, o aluno é o sujeito deste processo e o
sala de aula esta sujeita também a determinantes econômi- professor deve oferecer condições propícias para estimu-
co-sociais e sócio–culturais, afetando assim a ação didática lar o interesse dos alunos por esta razão os adeptos desta
diretamente. tendência dizem que o professor não ensina; antes, ajuda
Assim sendo, o processo didático está centrado na re- o aluno a prender.
lação entre ensino e aprendizagem. Também temos aqui colocado pelo autor as tendências
principais desta evolução e suas principais publicações na
Podemos daí determinar os elementos constitutivos da época. Vimos também que as tendências progressivas só
Didática: tomaram força nos anos 80, com as denominadas “teorias
1. Conteúdos da matérias; críticas da educação”. O autor lista também as várias divi-
2. Ação de ensinar; sões destas duas tendências e explica suas diferenças vitais.

187
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

A Didática e as tarefas do professor CAPÍTULO 04 -O Processo de Ensino na Escola

O modo de fazer docente determina a linha e a qua- O magistério se caracteriza nas atividades de ensino
lidade do ensino, traça-se aqui, pelo autor, os principais das matérias escolares criando uma relação recíproca entre
objetivos da atuação docente: a atividade do professor (ensino) e a atividade de estudo
Assegurar ao aluno domínio duradouro e seguro dos dos alunos (aprendizagem). Criar esta unidade entre o en-
conhecimentos. sino-aprendizagem é o papel fundamental dos processos
Criar condições para o desenvolvimento de capacida- de ensino na escola, pois as relações entre alunos, profes-
sores e matérias são dinâmicas.
des e habilidades visando a autonomia na aprendizagem e
As características do processo de ensino
independência de pensamento dos alunos.
Inicia-se analisando as características do ensino tradi-
Orientar as tarefas do ensino para a formação da per-
cional e suas principais limitações pedagógicas: o professor
sonalidade. só passa a matéria e o aluno recebe e reproduz mecanica-
Estes três itens se integram entre si, pois a aprendiza- mente o que absorve; é dada uma excessiva importância a
gem é um processo. Depois, o autor levanta os principais matéria do livro sem dar a ele um caráter vivo; o ensino é
pontos do planejamento escolar: somente transmitido com dificuldades para detectar o rit-
Compressão da relação entre educação escolar e obje- mo de cada aluno no aprender; o trabalho docente está
tivo sócio-políticos. restrito às paredes da sala de aula.
Domínio do conteúdo e sua relação com a vida prática. O autor propõe que entendamos o processo de ensi-
Capacidade de dividir a matéria em módulos ou no como visando alcançar resultados tendo com ponto de
unidades. partida o nível de conhecimentos dos alunos e determinan-
Conhecer as características sócio-culturais e individuais do algumas características como: o ensino é um processo,
dos alunos. por isto obedece a uma direção, este processo visa alcançar
Domínio de métodos de ensino. determinados resultados como domínio de conhecimen-
Conhecimento dos programas oficias. tos, hábitos, habilidades, atitudes, convicções e desenvol-
Manter-se bem informado sobre livros e artigos liga- vimento das capacidades cognoscitivas, dando ao ensino
dos a sua disciplina e fatos relevantes. este caráter bilateral, combinando as atividades do profes-
Já a direção do ensino e aprendizagem requer outros sor com as do aluno.
Processos didáticos básicos: ensino e aprendizagem
procedimentos do professor:
Conhecimento das funções didáticas
O livro mostra novamente a importância de garantir a
Compatibilizar princípios gerais com conteúdos e mé- unidade didática entre ensino e aprendizagem e propõe
todos da disciplina que analisemos cada parte deste processo separadamente.
Domínio dos métodos e de recursos tauxiares A aprendizagem esta presente em qualquer atividade
Habilidade de expressar idéias com clareza humana em que possamos aprender algo. A aprendizagem
Tornar os conteúdos reais pode ocorrer de duas formas: casual, quando for espontâ-
Saber formular perguntas e problemas nea ou organizada quando for aprender um conhecimento
Conhecimento das habilidades reais dos alunos específico.
Oferecer métodos que valorizem o trabalho intelectual Com isto defini-se a aprendizagem escolar como um
independente processo de assimilação de determinados conhecimentos e
Ter uma linha de conduta de relacionamento com modos de ação física e mental. Isto significa que podemos
os alunos aprender conhecimentos sistematizados, hábitos, atitudes
Estimular o interesse pelo estudo e valores. Neste sentido, temos o processo de assimilação
Para a avaliação os procedimentos são outros por par- ativa que oferece uma percepção, compreensão, reflexão
te do professor: e aplicação que se desenvolve com os meios intelectuais,
Verificação continua dos objetivos alcançados e do motivacionais e atitudes do próprio aluno, sob a direção e
rendimento nas atividades orientação do professor. Podemos ainda dizer que existem
dois níveis de aprendizagem humana: o reflexo e o cogniti-
Dominar os meios de avaliação diagnóstica
vo. Isto determina uma interligação nos momentos da assi-
Conhecer os tipos de provas e de avaliação qualitativa
milação ativa, implicando nas atividades mental e práticas.
Estes requisitos são necessários para o professor poder
O livro coloca a aprendizagem escolar como uma ativi-
exercer sua função docente frente aos alunos e institutos dade planejada, intencional e dirigida, não sendo em hipó-
em que trabalha. Por isto, o professor, no ato profissional, tese alguma casual ou espontânea. Com isto, pode pensar
deve exercitar o pensamento para descobrir constante- que o conhecimento se baseia em dados da realidade.
mente as relações sociais reais que envolvem sua disciplina De início, é importante definir o ensino e o autor co-
e a sua inserção nesta sociedade globalizada, desconfiando loca-o como o meio fundamental do processo intelectual
do normal e olhando sempre por traz das aparências, seja dos alunos, ou seja, o ensino é a combinação entre a con-
do livro didático ou mesmo de ações pré-estabelecidas. dução do processo de ensino pelo professor e a assimila-
ção ativa do aluno. O ensino tem três funções inseparáveis:

188
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Organizar os conteúdos para transmissão, oferecendo CAPÍTULO 05 - O Processo de Ensino e o Estudo Ativo
ao aluno relação subjetiva com os mesmos.
Neste capítulo, entende-se melhor a relação entre o
Ajuda os alunos nas suas possibilidade de aprender. processo de ensino (falado no capítulo anterior) e o estu-
do ativo, este definido aqui como uma atividade cujo fim
Dirigir e controlar atividade do professor para os obje- direto e específico é favorecer a aprendizagem ativa. Nes-
tivos da aprendizagem. ta medida, o capítulo discutirá também como o professor
Mostra-se também a unidade necessária entre ensino pode dirigir, estimular e orientar as condições internas e
e a aprendizagem, afinal o processo de ensino deve es- externas do ensino.
tabelecer apenas exigências e expectativas que os alunos
possam cumprir para poder realmente envolve-los neste O estudo ativo e o ensino
processo e mobilizar as suas energias.
É necessário ter presente que os conteúdos represen-
Estrutura, componentes e dinâmica do processo de ensino
tam o elemento em torno do qual se realiza a atividade de
estudo. O estudo ativo é por conseqüência uma postura do
A estrutura e componentes explica o processo didático
como a ação recíproca entre três componentes; os con- aluno e do professor frente ao conteúdo, pois as atividades
teúdos, o ensino e a aprendizagem. Já o processo de ensi- deste estudo ativo se baseiam nas atividades do aluno de
no realizado no trabalho docente é um sistema articulado, observação e compreensão de fatos ligados a matéria, da
formado pelos objetivos, conteúdos, métodos e condições, atenção na explicação do professor, favorecendo o desen-
sendo, como sempre, o professor o responsável por esta volvimento das capacidades cogniscitivas do aluno. Não
condução. Neste quadro, o autor diz que o processo de existe ensino ativo sem o trabalho docente.
ensino consiste ao mesmo tempo na condução do estudo
e na auto-atividade do aluno, e levanta a contradição deste
fato. Deixa clara a dificuldade de execução da tarefa docen- A atividade de estudo e o desenvolvimento intelectual
te e afirma que a Didática contribui justamente para tentar Neste subtítulo, o autor declara algo muito importante
resolver esta contradição entre ensino e aprendizagem, em e já dito em outros momentos humanos “O objetivo da
outras palavras, esta contradição acontece entre o saber escola e do professor é formar pessoas inteligentes...”
sistematizado e o nível de conhecimento esperado. Existem Neste aspecto, o professor deve se satisfazer se o aluno
algumas condições para que a contradição se transforme compreende a matéria e tem possibilidade de pensar de
em forca motriz: forma independente e criativa sobre ela. Levanta dificulda-
1. Dar ao aluno consciência das dificuldades que apa- des do trabalho docente para estimular aos alunos, princi-
recem no confronto com um conhecimento novo que não palmente porque o professor usa um estilo convencional
conhecem. de aula, igual para todas as matérias, com falta de entusias-
2. O volume de atividades, conhecimento e exercícios mo e sem adequação com o mundo prático e real do aluno.
devem considerar o preparo prévio do aluno. Porém, estas dificuldades podem ser superadas com
3. Estas condições devem constar do planejamento. um domínio maior do conteúdo por parte do professor,
eleger mais do que um livro de referência, estar atualiza-
A estruturação do trabalho docente do com as notícias, conhecer melhor as características dos
seus alunos, dominar técnicas, didáticas e metodologias.
O autor reflete sobre este entendimento errôneo de
Com isto, cada tarefa didática será uma tarefa de pensa-
que o trabalho docente na escola é o de “passar” a matéria
mento para o aluno.
de acordo, geralmente, com o livro didático. E mostra que
a estrutura da aula deve ter um trabalho ativo e conjunto
entre professor e aluno, ligado estreitamente com a meto- Algumas formas de estudo ativo
dologia específica das matérias, porém, não se identifica
com leia. A cinco momentos da metodologia de ensino na O estudo ativo envolve inúmeros procedimentos para
sala de aula: despertar no aluno hábitos, habilidades de caráter perma-
Orientação inicial dos objetivos de ensino aprendizagem; nente. Para isto temos várias tarefas e exercícios específicos
Transmissão /assimilação da matéria nova; para este fim, listados aqui como pelo autor:
Consolidação e aprimoramento dos conhecimentos, Exercícios de reprodução - testes rápidos para verificar
habilidades e hábitos; assimilação e domínio de habilidades.
Aplicação de conhecimentos, habilidades e hábitos; Tarefa de preparação para o estudo - Diálogo estabele-
Verificação e avaliação dos conhecimentos e habilidades. cido entre o professor/aluno, aluno/aluno e observa e revi-
O caráter educativo do processo de ensino e o ensino crítico são de matérias anteriores.
Este caráter educativo do processo de ensino está inti- Tarefas de fases de assimilação de matérias - Ativida-
mamente ligado com o ensino crítico, dando a ele uma ca- des que favoreçam o confronto entre os conhecimentos
racterística mais ampla, determinada social e pedagogica- sistematizados e a realidade dos alunos.
mente. Este ensino é critico por estar engajamento social, Tarefas na fase de consolidação e aplicação – com-
político e pedagogicamente, determinando uma postura põem-se de exercícios e revisão de fixação.
frente às relações sociais vigentes e à prática social real. Fatores que influenciam no estudo ativo

189
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Há vários fatores que influenciam no ato de estudar e destacam-se: a) colocar a educação no conjunto de lutas
aprender, entre estes fatores destacam-se alguns que in- pela democratização da sociedade; b) oferecer a todos as
fluenciam de sobremaneira no estudo ativo. crianças, sem nenhum tipo de discriminação cultural, racial
1. O incentivo ao estudo - conjunto de estímulos que ou política, uma preparação cultural e científica a partir do
estimulam no aluno sua motivação para aprender. ensino das materiais; c) assegurar a estas crianças o desen-
2. As condições de aprendizagem – para oferecermos volvimento máximo de suas potencialidades; d) formar nos
condições mínimas de aprendizagem, temos que conhecer alunos a capacidade crítica e criativa em relação a matérias
muito bem as condições sócio-culturais dos alunos. e sua aplicação; e) formar convicções para a vida futura; f)
3. A influência do professor e do ambiente escolar - institucionalizar os processos de participação envolvendo
certamente o professor e o meio exercem uma influencia todas as partes formadoras da realidade escolar.
muito forte no aluno.
O autor reitera aqui também a necessidade de uma só- Os conteúdos de Ensino
lida assimilação de conhecimentos para ocorrer uma ver-
dadeira aprendizagem. Desde o início do livro, o autor vem reiterando a idéia
que as escolas têm, como tarefa fundamental, a democra-
CAPÍTULO 06 - Os Objetivos e Conteúdos de Ensino tização dos conhecimentos, garantindo uma base cultural
para jovens e crianças. Sob este aspecto, muitos professo-
Neste capítulo, o autor aborda a relação entre s com- res fazem a idéia que os conteúdos são o conhecimento
ponentes do processo de ensino, determina a unidade en- corresponde a cada matéria, ou mesmo, que são a matéria
tre objetivos-conteúdos e destes com os métodos. do livro didático.O autor fala que esta visão não é comple-
Os objetivos determinam de antemão os resultados mente errada, pois há sempre três elementos no ensino:
esperados do processo entre o professor e aluno, deter- matéria, professor e o aluno. Neste aspecto, devemos es-
minam também a gama de habilidades e hábitos a serem tudar o ensino dos conteúdos como uma ação recíproca
adquiridos. Já os conteúdos formam a base da instrução. O entre a matéria, o ensino e o estudo dos alunos. Por isto é
método por sua vez é a forma com que estes objetivos e
muito importante que os conteúdos tenham em si momen-
conteúdos serão ministrados na prática ao aluno.
tos de vivências práticas para dar significado aos mesmos.
A importância dos objetivos educacionais
Definindo os conteúdos, eles são o conjunto de conhe-
A prática educacional baseia-se nos objetivos por meio
cimentos, habilidades, hábitos, modos valorativos e atitu-
de uma ação intencional e sistemática para oferecer apren-
des, organizados pedagógica e didaticamente, buscando
dizagem. Desta forma os objetivos são fundamentais para
a assimilação ativa e aplicação prática na vida dos alunos.
determinação de propósitos definidos e explícitos quanto
Agora uma questão importante, apresentada no livro,
às qualidades humanas que precisam ser adquiridas. Os
é a de quem deve escolher os conteúdos de ensino? Certa-
objetivos têm pelo menos três referências fundamentais
para a sua formulação. mente, deve-se considerar que cabe ao professor, em últi-
Os valores e idéias ditos na legislação educacional. ma instancia, esta tarefa. Nesta tarefa o professor enfrenta
Os conteúdos básicos das ciências, produzidos na his- pelo menos dois questionamentos fundamentais: Que con-
tória da humanidade. teúdos e que métodos?
As necessidades e expectativas da maioria da sociedade. Para responder a primeira pergunta, o autor diz que há
Ë importante destacar que estas três referências não três fontes para o professor selecionar os seus conteúdos
devem ser tomadas separadamente, pois devem se apre- do plano de ensino, a primeira é a programação oficial para
sentar juntos no ambiente escolar. Devemos ter claro que cada disciplina; a segunda, conteúdos básicos das ciências
o trabalho docente é uma atividade que envolve opções transformados em matérias de estudo; a terceira, exigên-
sobre nosso conceito de sociedade, pois isto vai determinar cias teóricas práticas colocadas na vida dos alunos e sua
a relação com os alunos. Isto prova que sempre consciente- inserção social.
mente ou não, temos ou traçamos objetivos. Porém, a escolha do conteúdo vai além destas três
exigências, para entendermos, tem-se que observá-las em
Objetivos gerais e objetivos específicos outros sentidos. Um destes sentidos é a participação na
prática social; outro sentido fundamental é a prática da
Os objetivos são o marco inicial do processo pedagógi- vida cotidiano dos alunos, da família, do trabalho, do meio
co e social, segundo Libâneo. Os objetivos gerais explicam- cultural, fornecendo fatos a serem conectados ao estudo
-se a partir de três níveis de abrangência. O primeiro nível é das matérias. O terceiro destes sentidos refere-se à própria
o sistema escolar que determina as finalidades educativas condição de rendimento escolar dos alunos.
de acordo com a sociedade em que está inserido; o segun- Nesta visão, há uma dimensão crítico-social dos con-
do é determinado pela escola que estabelece as diretrizes e teúdos, e esta se manifesta no tratamento científico dado
princípios do trabalho escolar; o terceiro nível é o professor ao conteúdo, no seu caráter histórico, na intenção de vín-
que concretiza tudo isto em ações práticas na sala de aula. culo dos conteúdos com a realidade da vida dos alunos. Em
Alguns objetivos educacionais podem auxiliar os síntese, esta dimensão crítica-social dos conteúdos nada
professores a determinar seus objetivos específicos e mais é do que uma metodologia de estudo e interpretação
conteúdos de ensino. Entre estes objetivos educacionais dos objetivos do ensino.

190
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Na atual sociedade, apesar do que foi visto anterior- Os princípios básicos do ensino
mente, tem-se conteúdos diferentes para diversas esferas Estes princípios são os aspectos gerais do processo de
e classes sociais, estas diferenças ratificam os privilégios ensino que fundamentam teoricamente a orientação do
existentes na divisão de classes já estabelecida pelo siste- trabalho docente. Estes princípios também e fundamental-
ma capitalista. Neste sentido, os livros didáticos oferecidos mente indicam e orientam a atividade do professor rumo
no ensino das disciplinas, além de sistematizar e difundir aos objetivos gerais e específicos. Estes princípios básicos
conhecimentos, servem também para encobrir estas di- de ensino são:
ferenças, ou mesmo, escamotear fatos da realidade para Ter caráter científico e sistemático - O professor deve
evitar contradições com sua orientação sócio-cultural–po- buscar a explicação científica do conteúdo; orientar o estu-
lítica. Com isto, o professor deve sempre analisar os textos do independente, utilizando métodos científicos; certificar-
e livros que vai usar com os alunos, no sentido de oferecer -se da consolidação da matéria anterior antes de introduzir
um ensino igualitário que possa olhar criticamente estas as matérias novas; organizar a seqüência entre conceitos e
máscaras da sociedade.
habilidades; ter unidade entre objetivos-conteúdos-méto-
Conhecer o conteúdo da matéria e ter uma sensibilida-
dos; organizar a aula integrando seu conteúdo com as de-
de crítica pode facilitar esta tarefa por parte do professor.
mais matérias; favorecer a formação, atitudes e convicções.
Critérios de seleção
Ser compreensível e possível de ser assimilado - Na
Aqui, o autor propõe uma forma mais didática de re-
solver esta difícil tarefa de selecionar os conteúdos a serem prática, para se entender estes conceitos, deve-se: dosar o
ministrados em sala de aula. Abaixo, coloca-se esta forma grau de dificuldade no processo de ensino; fazer um diag-
ordenada de elaborar os conteúdos de ensino: nóstico periódico; analisar a correspondência entre o nível
Correspondência entre os objetivos gerais e os conteúdos. de conhecimento e a capacidade dos alunos; proporcionar
Caráter científico. o aprimoramento e a atualização constante do professor.
Caráter sistemático. Assegurar a relação conhecimento-prática – Para ofere-
Relevância social. cermos isto aos alunos deve-se: estabelecer vínculos entre
Acessibilidade e solidez. os conteúdos e experiências e problemas da vida prática;
pedir para os alunos sempre fundamentarem aquilo que
CAPÍTULO 07 - Os Métodos de Ensino realizam na prática; mostrar a relação dos conhecimentos
com o de outras gerações.
Como já se viu anteriormente, os métodos são deter- Assentar-se na unidade ensino-aprendizagem - ou
minados pela relação objetivo-conteúdo, sendo os meios seja, na prática: esclarecer os alunos sobre os objetivos das
para alcançar objetivos gerais e específicos de ensino. Tem- aulas, a importância dos conhecimentos para a seqüência
-se, assim, que as características dos métodos de ensino: do estudo; provocar a explicitação da contradição entre
estão orientados para os objetivos, implicam numa suces- idéias e experiências; oferecer condições didáticas para o
são planejada de ações, requerem a utilização de meios. aluno aprender independentemente; estimular o aluno a
Conceito de métodos de ensino defender seus pontos de vista e conviver com o diferen-
Um conceito simples de método é ser o caminho para te; propor tarefas que exercitem o pensamento e soluções
atingir um objetivo. São métodos adequados para realizar criativas; criar situações didáticas que ofereçam aplicar
os objetivos. É importante entender que cada ramo do co- conteúdos em situações novas; aplicar os métodos de so-
nhecimento desenvolve seus próprios métodos, observa-se luções de problemas.
então métodos matemáticos, sociológicos, pedagógicos, Garantir a solidez dos conhecimentos
entre outros. Já ao professor em sala de aula cabe estimu- Levantar vínculos para o trabalho coletivo-particula-
lar e dirigir o processo de ensino utilizando um conjunto
ridades individuais, deve-se adotar as seguintes medidas
de ações, passos e procedimentos que chamamos também
para isto acontecer: explicar com clareza os objetivos; de-
de método. Agora não se pode pensar em método como
senvolver um ritmo de trabalho que seja possível da tur-
apenas um conjunto de procedimentos, este é apenas um
ma acompanhar; prevenir a influência de particularidades
detalhe do método. Portanto, o método corresponde à se-
qüência de atividades do professor e do aluno. desfavoráveis ao trabalho do professor; respeitar e saber
A relação objetivo-conteúdo-método diferenciar cada aluno e seus ritmos específicos.
Um entendimento global sobre esta relação é que os Classificação dos métodos de ensino
métodos não têm vida sem os objetivos e conteúdos, dessa Sabe-se que existem vários tipos de classificação de
forma a assimilação dos conteúdos depende dos métodos métodos, seguindo determinados autores, no nosso es-
de ensino e aprendizagem. Com isto, a maior característica tudo, o autor define os métodos de ensino como estando
deste processo é a interdependência, onde o conteúdo de- intimamente ligados com os métodos de aprendizagem,
termina o método por ser a base informativa dos objetivos, sob este ponto de vista o eixo do processo é a relação
porém, o método também pode ser conteúdo quando for cognoscitiva entre o aluno e professor. Pode-se diferen-
objeto da assimilação. ciar estes métodos segundo suas direções, podendo ser
O que realmente importa é que esta relação de unida- externo e interno. A partir disto, o autor lista todos os
de entre objetivo-conteúdo–método constitua a base do métodos mais conhecidos de atividade em sala de aula
processo didático. por parte do professor.

191
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Método de exposição pelo professor - Este método é A estruturação da aula deve ser indicada por etapas,
o mais usado na escola, onde o aluno assume uma posição planejadas e organizadas para favorecer o ensino e apren-
passiva perante a matéria explanada. Ele pode ser de vá- dizagem. Portanto, é importante no planejamento da aula
rios tipos de exposição: verbal, demonstração, ilustração, que este processo seja criativo e flexível por parte do pro-
exemplificação. fessor. Estes passos ou etapas didáticas da aula são os se-
Método de trabalho independente – consiste em ta- guintes:
refas dirigidas e orientadas pelo professor para os alunos Preparação e introdução da matéria - visa criar as con-
resolverem de maneira independente e criativa. Este méto- dições de estudo, motivacionais e de atenção.
do tem, na atitude mental do aluno, seu ponto forte.Tem Tratamento didático da matéria nova - se os passos do
também a possibilidade de apresentar fases com a tarefa ensino não são mais que funções didáticas, este tratamen-
preparatória, tarefa de assimilação de conteúdos, tarefa de to já esta sendo feito. Tem-se que entender que a assimi-
elaborarão pessoal. Uma das formas mais conhecidas de lação da matéria nova é um processo de interligação entre
trabalho independente é o estudo dirigido individual ou percepção ativa, compreensão e reflexão, sendo o proces-
em duplas. so de transmissão-assimilação a base metodológica para o
Método de elaboração conjunta – é um método de in- tratamento didático da matéria nova.
teração entre o professor e o aluno visando obter novos Consolidação e aprimoramento dos conhecimentos e
conhecimentos. habilidades - este é um importante momento de ensino
Método de trabalho de grupo - consiste em distribuir e muitas vezes menosprezado ou diminuído na escola. A
tarefas iguais ou não a grupos de estudantes, o autor cita consolidação pode acontecer em qualquer etapa do pro-
de três a cinco pessoas. Têm-se também formas específicas cesso didático, podendo ser reprodutiva, de generalização
de trabalhos de grupos comuns: debate, Philips 66, tem- e criativa.
pestade mental, grupo de verbalização, grupo de observa- A aplicação – esta fase é a culminância do processo de
ção (GV-GO), seminário. ensino. Seu objetivo é estabelecer vínculos entre os conhe-
Atividades especiais – são aquelas que complementam cimentos e a vida.
os métodos de ensino. Controle e avaliação dos resultados escolares – esta
função percorre todas as etapas de ensino, cumprindo três
funções: a pedagógica, diagnóstica e de controle. A inte-
gração destas funções dá à avaliação um caráter mais geral
Meios de ensino
e não isolado.
São todos os meios e recursos materiais utilizados pelo
Tipos de aulas e métodos de ensino
professor ou alunos para organizar e conduzir o ensino e
Neste estudo, o autor coloca que, na concepção de
a aprendizagem. Os equipamentos usados em sala de aula
ensino, as tarefas docentes visam a organização e assimi-
(do quadro-negro até o computador) são meios de ensino lação ativa. Isto significa que as aulas podem ser prepara-
gerais possíveis de serem usados em todas as matérias. É das em correspondência com os passos do processo de
importante que os professores saibam e dominem estes ensino. Neste sentido, pode-se ter aulas de preparação e
equipamentos para poderem usá-los em sala de aula com introdução, início de uma unidade, aula de tratamento sis-
eficácia. tematizado da matéria nova, consolidação, verificação da
aprendizagem. Conforme o tipo de aula escolhe-se o mé-
CAPÍTULO 08 - A Aula como Forma de Organização todo de ensino.
do Ensino A tarefa de casa
Esta tarefa é um importante complemento das ati-
A aula é a forma predominante de organização do pro- vidades didáticas de sala de aula. O autor considera que
cesso de ensino. Neste capítulo, o professor Libâneo expli- esta tarefa cumpre também uma função social integran-
ca o conjunto de meios e condições necessárias para rea- do a família às atividades escolares, integrando os pais aos
lizarmos um conjunto de aulas, estruturando sua relação professores. Estas tarefas não devem ser apenas exercícios,
entre tipos de aulas e métodos de ensino. devem ser também preparatórias ou de aprofundamento
Características gerais da aula da matéria.
Abaixo, o autor determina algumas exigências a serem
seguidas nas aulas: CAPÍTULO 09 - A Avaliação Escolar
Ampliação do nível cultural e científico dos alunos.
Seleção e organização das atividades para prover um A avaliação escolar é abordada em minúcias neste ca-
ensino criativo e independente. pitulo pelo autor. A avaliação é em última análise uma re-
Empenho na formação dos métodos e hábitos de es- flexão do nível qualitativo do trabalho escolar do professor
tudo. e do aluno. Sabe-se também que ela é complexa e não
Formação de hábitos, atitudes e convicções ligadas à envolve apenas testes e provas para determinar uma nota.
vida prática dos alunos. Uma definição de avaliação escolar
Valorização da sala de aula como meio educativo. Segundo o professor Cipriano C. Luckesi, a avaliação é
Formação do espírito de coletividade, solidariedade e uma análise quantitativa dos dados relevantes do processo
ajuda mútua sem esquecer o individual. de ensino aprendizagem que auxilia o professor na tomada
Estruturação didática da aula de decisões. Os dados relevantes aqui se referem às ações

192
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

didáticas. Com isto, nos diversos momentos de ensino a valorizar todas as formas de avaliação, ou instrumentos, e
avaliação tem como tarefa: a verificação, a qualificação e não apenas a prova no fim do bimestre como grande nota
a apreciação qualitativa. Ela também cumpre pelo menos absoluta, que não valoriza o processo. Propõe uma escala
três funções no processo de ensino: a função pedagógica de pontos ensinando como utilizar médias aritméticas para
didática, a função de diagnóstico e a função de controle. pesos diferentes, por fim, mostra como se deve aproximar
notas decimais.
Avaliação na prática escolar
CAPÍTULO 10 - O Planejamento Escolar
Lamentavelmente a avaliação na escola vem sido re-
sumida a dar e tirar ponto, sendo apenas uma função de O autor começa este capítulo dizendo que o planeja-
controle, dando a ela um caráter quantitativo. Certamente, mento, ensino e a avaliação são atividades que devem su-
com isto, os professores não conseguem efetivamente usar por conhecimento do processo de ensino e aprendizagem.
os procedimentos de avaliar. Com estas ações, quando a
O planejamento escolar propõe uma tarefa ao profes-
avaliação se resume a provas, professores com critérios
sor de previsão e revisão do processo de ensino completa-
onde décimos às vezes reprovam alunos, há a exclusão
mente. Há três modalidades de planejamento: o plano da
do professor do seu papel docente, que é de fornecer os
meios pedagógico-didáticos para os alunos aprenderem escola, o plano de ensino e o plano de aulas.
sem intimidação. Importância do planejamento escolar
Características da avaliação escolar O planejamento do trabalho docente é um processo
Agora, o autor sintetiza as principais características da de racionalização, organização e coordenação da ação do
avaliação escolar. professor, tendo as seguintes funções: explicar princípios,
Reflete a unidade objetivos-conteúdos-métodos. diretrizes e procedimentos do trabalho; expressar os víncu-
Possibilita a revisão do plano de ensino. los entre o posicionamento filosófico, político, pedagógico
Ajuda a desenvolver capacidades e habilidades. e profissional das ações do professor; assegurar a racio-
Volta-se para a atividade dos alunos. nalização, organização e coordenação do trabalho; prever
Ser objetiva. objetivos, conteúdos e métodos; assegurar a unidade e a
Ajuda na autopercepcao do professor. coerência do trabalho docente; atualizar constantemente o
Reflete valores e expectativas do professor em relação conteúdo do plano; facilitar a preparação das aulas.
aos alunos. Tem-se que entender o plano como um guia de orien-
Esta frase marca este subtítulo “A avaliação é um ato tação devendo este possuir uma ordem seqüencial, objeti-
pedagógico”. (Libâneo, 1994, p.203). vidade e coerência entre os objetivos gerais e específicos,
Instrumentos de verificação do rendimento escolar sendo também flexível.
Uma das funções da avaliação é com certeza a de de- Requisitos para o planejamento
terminar em que nível de qualidade está sendo atendido Os principais requisitos para o planejamento são os
os objetivos; para este fim, são necessários instrumentos objetivos e tarefas da escola democrática; as exigências
e procedimentos. Alguns destes procedimentos ou instru- dos planos e programas oficiais; as condições prévias dos
mentos já são conhecidos, mas, neste subtítulo, o autor re- alunos para a aprendizagem; e as condições do processo
visa e cita muitos deles ou os mais usados para verificar o de transmissão e assimilação ativa dos conteúdos.
rendimento escolar: O plano da escola
Prova escrita dissertativa. O plano de escola é um plano pedagógico e adminis-
Prova escrita de questões objetivas.
trativo que serve como guia de orientação para o planeja-
Questões certo-errado (C ou E).
mento e trabalho docente. O autor descreve os passos para
Questões de lacunas (para completar).
Questões de correspondência. a realização de um plano da escola, as principais premissas
Questões de múltipla escolha. e perguntas que devemos formular para sua elaboração
Questões do tipo “teste de respostas curtas” ou de são: posicionamento da educação escolar na sociedade;
evocação simples. bases teórico-metodológicas da organização didática e
Questões de interpretação de texto. administrativa; características econômicas, social, política e
Questões de ordenação. cultural do contexto em que a escola está inserida; carac-
Questões de identificação. terísticas sócio-culturais dos alunos; diretrizes gerais sobre
Procedimentos auxiliares de avaliação sistema de matérias, critério de seleção de objetivos e con-
teúdos; diretrizes metodológicas, sistemáticas de avaliação;
11.1 A Observação; diretrizes de organização e administração.
O plano de ensino
A Entrevista; O autor afirma o plano de ensino como o roteiro de-
Ficha sintética de dados dos alunos. talhado das unidades didáticas. Podemos chamar também
Atribuição de notas ou conceitos de plano de curso ou plano e unidades didáticas.
As notas demonstram de forma abreviada os resulta- Este plano de ensino é formado das seguintes componentes:
dos do processo de avaliação. Esta avaliação tem também Justificativa das disciplinas;
uma função de controle, expressando o resultado em no- Delimitação dos conteúdos;
tas e conceitos. O autor fala também da importância de se Os objetivos gerais;

193
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Os objetivos específicos; Questões


Desenvolvimento metodológico;
Conteúdos; 01. (FUNCAB/2017) Leia as afirmativas sobre o pro-
Tempo provável; cesso de ensino e aprendizagem, de acordo com o que
Desenvolvimento metodológico. Libâneo (2013) aborda no livro Didática, e assinale a sen-
O plano de aula tença INCORRETA.
O plano de aula é certamente um detalhamento do a) Ensino e aprendizagem são duas facetas de um
plano de ensino, é uma especificação do mesmo. O de- mesmo processo. O professor planeja, dirige e controla o
talhamento da aula é fundamental para obtermos uma processo de ensino, tendo em vista estimular e suscitar a
qualidade no ensino, sendo assim o plano de aula torna-se atividade própria dos alunos para a aprendizagem.
indispensável. Em primeiro lugar, deve-se considerar que b) A aprendizagem escolar é um processo de assimi-
a aula é um período de tempo variável, sendo assim, as lação de determinados conhecimentos e modos de ação
física e mental, organizados e orientados no processo de
unidades devem ser distribuídas sabendo-se que às vezes
ensino.
é preciso bem mais do que uma aula para finalizar uma
c) A aprendizagem escolar surge naturalmente da in-
unidade ou fase de ensino. Nesta preparação, o professor
teração entre as pessoas e com o ambiente em que vivem.
deve reler os objetivos gerais das matérias e a seqüência
É uma atividade intencional, dirigida, casual e espontânea.
dos conteúdos; desdobrar as unidades a serem desenvol- d) Na aprendizagem escolar há influência de fatores
vidas; redigir objetivos específicos por cada tópico; desen- afetivos e sociais, tais como os que suscitam a motivação
volver a metodologia por assunto; avaliar sempre a própria para o estudo, os que afetam as relações professor-alunos
aula. e os que interferem nas disposições emocionais dos alunos
para enfrentar as tarefas escolares.
CAPÍTULO 11 - Relações Professor-Aluno na Sala de Aula e) A atividade de ensino não pode se restringir a ati-
vidades práticas. Elas somente fazem sentido quando sus-
Um fator fundamental do trabalho docente trata da re- citam a atividade mental dos alunos, de modo que estes
lação entre o aluno e o professor, da forma de se comuni- lidem com elas através dos conhecimentos sistematizados
car, se relacionar afetivamente, as dinâmicas e observações que vão adquirindo.
são fundamentais para a organização e motivação do tra- 02. (Pref. RJ/2017) José Carlos Libâneo, em seu livro
balho docente. O autor chama isto de “situação didática” Didática, declara:
para alcançarmos com sucesso os objetivos do processo (...) A ação de planejar, portanto, não se reduz ao sim-
de ensino. ples preenchimento de formulários para controle admi-
Aspectos cognoscitivos da interação nistrativo; é, antes, a atividade consciente de previsão das
O autor define como cognoscitivo o processo ou mo- ações docentes (...)
vimentos que transcorre no ato de ensinar e no ato de LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo: Cortez, 1990.
aprender. Sob este ponto de vista, o trabalho do professor Pág.222
é um constante vai e vem entre as tarefas cognoscitivas e o
nível dos alunos. Para se ter um bom resultado de interação Nesse trecho, o autor destaca uma das características
nos aspectos cognoscitivo deve-se: manejar os recursos de do planejamento pedagógico, que é:
linguagem; conhecer o nível dos alunos; ter um bom plano
de aula; objetivos claros; e claro, é indispensável o uso cor- a) a flexibilidade
reto da língua Portuguesa. b) a contextualidade
c) a intencionalidade
d) o rigor administrativo
Aspectos socioemocionais
03. (IDHTECD/2016) e acordo com Libâneo, a didáti-
Estes aspectos são os vínculos afetivos entre o profes-
ca trata dos objetivos, condições e meios de realização do
sor e os alunos. É preciso aprender a combinar a severidade processo de ensino, unindo meios pedagógico-didáticos a
e o respeito. Deve-se entender que neste processo peda- objetivos sócio-políticos. Neste sentido,
gógico a autoridade e a autonomia devem conviver juntas, a) Os conteúdos devem ser trabalhados de forma acrí-
a autoridade do professor e a autonomia do aluno, não de tica e inflexível para não intervir no produto.
forma contraditória comum pode parecer mais de forma b) O ensino deve ser planejado a partir de propósitos
complementar. claros sobre a sua finalidade, tendo em vista que os alunos
estão sendo preparados para viverem em sociedade.
Fonte c) As questões de ordem social sempre prevalecem so-
LIBÂNEO, J.C. Didática. São Paulo: Cortez, 2013 bre as de ordem pedagógica.
d) Os planejamentos indicam a necessidade de serem
neutros e escolarizados.
e) Os estudantes são vistos enquanto seres passivos,
daí porque a facilidade de aprendizagem.

194
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Respostas parte. Essa maneira de agir remete, entre outras formas de


discriminação, à necessidade de se separar alunos com di-
01. Resposta: C ficuldades em escolas e classes especiais, à busca da “pseu-
Segundo Libâneo (1994), a aprendizagem escolar é do” homogeneidade nas salas de aula, para o ensino ser
uma atividade planejada, intencional e dirigida, não sendo bem-sucedido, enfim, à dificuldade que temos de conviver
em hipótese alguma casual ou espontânea. com pessoas que se desviam um pouco mais da média das
diferenças, conduzindo-as ao isolamento, à exclusão, den-
02. Resposta: C tro e fora das escolas.
O planejamento escolar perde seu significado se for As escolas abertas à diversidade são aquelas em que
visto com atitude neutra e sem valor pedagógico, pois pla- todos os alunos se sentem respeitados e reconhecidos nas
nejar requer reflexão, decisão, intencionalidade para origi- suas diferenças, ou melhor, são escolas que não são indi-
nar a integração dos professores e alunos voltados para ferentes às diferenças. Ao nos referirmos a essas escolas,
uma educação que qualificada. estamos tratando de ambientes educacionais que se carac-
terizam por um ensino de qualidade, que não exclui, não
03. Resposta: B categoriza os alunos em grupos arbitrariamente definidos
A didática é o ramo de estudo da Pedagogia partindo por perfis de aproveitamento escolar e por avaliações pa-
de vínculos entre finalidades sociopolíticas e pedagógicas dronizadas e que não admitem a dicotomia entre educação
e as bases teórico-científicas e técnicas da direção do pro- regular e especial. As escolas para todos são escolas inclu-
cesso de ensino e aprendizagem. sivas, em que todos os alunos estudam juntos, em salas de
aulas do ensino regular. Esses ambientes educativos desa-
fiam as possibilidades de aprendizagem de todos os alunos
e as estratégias de trabalho pedagógico são adequadas às
MANTOAN, MARIA TERESA EGLÉR. habilidades e necessidades de todos.
ABRINDO AS ESCOLAS ÀS DIFERENÇAS, Todos os alunos experimentam em momentos de sua
CAPÍTULO 5, IN: MANTOAN, MARIA TERESA trajetória escolar um ou outro problema, obstáculo, dificul-
EGLÉR (ORG.). PENSANDO E FAZENDO dade nas aprendizagens acadêmicas. As razões pelas quais
EDUCAÇÃO DE QUALIDADE. SÃO PAULO: os alunos fracassam em algumas situações escolares são
MODERNA, 2001. complexas e não devem recair única e inteiramente no que
é inerente ao aprendiz. Grande parte dessas dificuldades e
incapacidades são devidas à própria escola. Nesse senti-
Este livro focaliza concepções, ideias e práticas educa- do, podemos afirmar que o número de pessoas com pro-
tivas para analisar o que existe hoje, apontando as ques- blemas de aprendizagem em uma escola está relacionado
tões a serem tratadas com urgência nas escolas, e mostrar com a qualidade da educação nela oferecida.
possibilidades de mudança, adequando-as aos seus novos Da mesma forma, todos os alunos devem se beneficiar
donos - os alunos de nosso tempo. O que se almeja é re- do apoio escolar e de suportes individualizados, quando
formar a escola, ou seja, refazer o seu design, através da estão passando por situações que os impedem de conse-
participação dos educadores. guir sucesso nas atividades escolares.
Nas escolas inclusivas todos se apoiam mutuamente e
ESCOLAS ABERTAS À DIVERSIDADE são atendidos em suas necessidades específicas por seus
pares, sejam colegas de classe, escola ou profissionais de
Pensando e fazendo educação de qualidade áreas afins. A pretensão dessas escolas é a superação de
Maria Teresa Eglér Mantoan todos os obstáculos que as impedem de avançar no sen-
Universidade Estadual de Campinas- Faculdade de Educação tido de garantir um ensino de qualidade, preocupado em
desenvolver os talentos, as tendências naturais, as habili-
As diferenças de classe social, idade, gênero, capacida- dades de cada aluno para esta ou aquela especialidade. Em
de intelectual, raça, interesses entre os alunos como chave cada turma os talentos se misturam às histórias de vida dos
do aprimoramento do ensino e do sucesso na aprendiza- alunos, às suas experiências individuais e coletivas. Nesse
gem acadêmica são ainda parcialmente aceitas e consti- ambiente é que os conteúdos acadêmicos ganham nuan-
tuem um forte impacto no conservadorismo dos sistemas ces de entendimento, versões, confrontos necessários à
educacionais, que insistem na eliminação dessas diferenças elaboração interdisciplinar das ideias, à compreensão do
como meio para melhorar a qualidade do ensino em suas mundo. A intenção é de fazer com que os alunos perce-
escolas. Questionam-se os limites da diversidade, além dos bam a importância de somar esses talentos e reconheçam
quais os alunos são inelegíveis para os programas escola- a complementaridade de suas habilidades e vivências, para
res. A tendência é de se encorajar os alunos a ignorar suas explorar temas de estudo, para compreender melhor as
próprias diferenças e as dos outros. noções acadêmicas.
Não lidar com as diferenças é não perceber a diver- Temos de recusar e de acusar todos os desvios dos
sidade que nos cerca, os muitos aspectos em que somos propósitos da educação para todos de seus verdadeiros
diferentes uns dos outros e transmitir, implícita ou explici- fins. A retórica dos discursos públicos é envolvente e en-
tamente, que as diferenças devem ser ocultadas, tratadas à ganosa e esconde interesses que não são os das práticas

195
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

inclusivas nas escolas. Aumentar o número de matrículas público, nas escolas particulares. Nossa experiência se cir-
das crianças com deficiência no ensino regular não signifi- cunscreve em sistemas municipais de ensino e é o trabalho
ca caminhar em direção da inclusão e muito menos de uma em suas escolas, com seus alunos, pais e professores que
escola de qualidade para todos. O mesmo se pode dizer da iremos mesclar com as considerações que faremos, no de-
diminuição dos percentuais de reprovação e dos casos que senrolar deste texto.
milagrosamente se “reabilitam” nas classes de aceleração
e em programas de reforço da aprendizagem tão comuns Valores, princípios e atitudes
nas nossas escolas.
Os obstáculos ao acesso de todos a uma educação de A identificação de escolas que caminham no sentido
qualidade variam de uma escola para outra, conforme o de eliminar os obstáculos ao acesso de todos à educação
tipo e grau das deficiências escolares; os projetos de re- é possível e observável, desde que não se busque em suas
moção dessas barreiras são sempre pontuais e localizados. características um modelo pré-definido e fechado que pos-
As propostas de ensino de qualidade para todos os sa ser adotado universalmente.
alunos precisam ser explicitadas a partir de um verdadei- Existem, contudo, tendências e princípios básicos des-
ro repasse de conceitos e de posicionamentos teóricos e sas escolas que estão na base de todos os processos pelos
práticos que fundamentam o ensino tradicionalmente mi- quais elas caminham para alcançar seus objetivos.
nistrado nas escolas. Podemos identificar entre esses princípios e tendências
Reconstruir os fundamentos e a estrutura organizacio- aspectos que dizem respeito à organização escolar, aos
nal das escolas, na direção de uma educação de qualidade programas de ensino, processos de ensino e aprendiza-
para todos, remete, igualmente, a questões específicas, re- gem, serviços de suporte, formação inicial e continuada de
lacionadas ao conhecimento do objeto ensinado e ao su- professores, mudança de atitudes, valores, desenvolvimen-
jeito que aprende. Trata-se de mais um desafio que implica to de comunidade.
na consideração da especificidade dos conteúdos acadê- Uma característica marcante dessas escolas é o esforço
micos e da subjetividade do aprendiz, ou seja, em um siste- que despendem no sentido de mudar atitudes com relação
às diferenças entre os alunos. Essas atitudes se circunscre-
ma duplo de interpretação do ato de educar, referendado
vem ao âmbito escolar e fora dele, estendendo-se às famí-
por pressupostos de natureza epistemológica e psicológica
lias e à comunidade.
e na concretização de propostas inovadoras, que revertem
Os obstáculos a serem vencidos nesse sentido são de
o que tradicionalmente se pratica nas salas de aula.
natureza subjetiva e, ao nosso ver, os mais fortes, pois di-
Há ainda a considerar que o ato de educar supõe in-
zem respeito a questões que estão arraigadas à nossa for-
tenções, representações que temos do papel da escola, do
mação e experiências pessoais em uma sociedade que não
professor, das noções , do modo de aprender, do aluno e
está habituada a reconhecer e a valorizar as diferenças.
de sua aprendizagem e essas concepções variam, confor-
A igualdade entre as pessoas é o valor fundamental,
me os paradigmas, as ideologias, os fundamentos cientí- quando tratamos de escolas para todos. Podemos enca-
ficos que as sustentam Toda ação pedagógica ocorre em rá-lo de vários ângulos, mas em todos eles o sentido da
uma época, em um dado ambiente e estes influem sobre igualdade não se esgota no indivíduo, expandindo as con-
o que fazemos e compreendemos, definindo os contornos siderações para aspectos de natureza política, social, eco-
de nossos atos pedagógicos, dos mais elementares, aos nômica,
mais expressivos e complexos. Nem sempre os fins gerais A igualdade não se contradiz com o respeito às di-
da educação e os fins que cada educando estabelece para ferenças entre as pessoas, mas as reforça, na medida em
a sua educação se integram, provocando quebras no mo- que esse valor se desdobra em três princípios particula-
vimento das ações educativas e na condução que os fins res. Esses autores referem-se inicialmente ao respeito pelas
exercem sobre os meios pelos quais o ensino se efetiva. pessoas, no sentido de que “cada ser humano tem direito
A mediação do professor é outro ponto básico, que à dignidade, independentemente de suas capacidades ou
enfeixa os tópicos que ora destacamos neste preâmbulo de de suas realizações”...(p.”13). Apontam também o direi-
discussões. Sabemos que reduzido às suas próprias desco- to à satisfação das necessidades básicas e o princípio da
bertas, ou seja, à mercê de seus recursos individuais, o alu- igualdade de oportunidades e estabelecem uma distinção
no avança pouco, evolui lentamente e não consegue atua- entre oportunidade igual e justa para todos e oportuni-
lizar e explorar todas as suas possibilidades cognoscitivas. dade igual e igualitária para todos. A primeira formulação
Só combateremos a exclusão escolar, na medida em prescreve que os avanços sociais ...”devem se basear uni-
que as escolas se tornarem aptas para incluir, incondicio- camente no talento do indivíduo: assim, nenhuma pessoa
nalmente, todos os seus alunos, em um único sistema de está em desvantagem em razão de seu sexo, de sua raça,
ensino. de sua religião, de seus antecedentes sociais ou de toda
Muitos sistemas têm se tornado inclusivos, por busca- outra consideração”(p.13). A segunda supõe que ...”cada
rem o aprimoramento constante da formação de seus pro- pessoa deve ter uma oportunidade real de desenvolver
fessores e o sucesso na aprendizagem de seus alunos. Essa suas capacidades específicas de modo satisfatório e “uma
busca exige esforços contínuos, como veremos adiante. A medida substancial de realização pessoal deve ser disponí-
luta pela inclusão de todos os alunos nas salas de aulas vel para cada indivíduo, independentemente de suas habi-
regulares está disseminada nos países, nas redes de ensino lidades (idem, p.14). Doré (1996) destaca que este princípio

196
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

é invocado nos meios escolares, quando a discussão recai Para inúmeros outros autores que estão envolvidos em
sobre a escolha de uma sala de aula regular ou especial projetos de inclusão, na concepção de uma educação de
para responder às necessidades particulares dos alunos. qualidade para todos, (Forest, 1984, 1985, 1987; Richler,
Acrescenta aos princípios citados a “discriminação positi- 1993; Stainback e Stainback,1990; Forest e Pearpoint, 1992;
va”, que garante aos alunos e às pessoas em geral os re- Kunc, 1992), o desenvolvimento do espírito comunitário é
cursos humanos e materiais de que necessitam para o seu uma condição para que o valor e os princípios da igualdade
desenvolvimento e adaptação social. No meio escolar este se efetivem. De certo que o alto nível do espírito de coleti-
princípio não desaparece com a inclusão, mas deve estar vidade, cultivado por sociedades diferenciadas, é a base do
disponível a todos os alunos que estiverem vivendo situa- igualitarismo. Pertencer à comunidade é uma necessidade
ções de desvantagem, frente aos demais, no desempenho fundamental de toda pessoa, e um direito que deve ser
de suas atividades. garantido a todos.
Quando se trata de propiciar oportunidades iguais e Nos dois últimos séculos, a educação formal se carac-
justas para todos, temos muito ainda a fazer nas nossas
terizou por ter excluído os alunos com deficiência, mais do
escolas, para corresponder ao princípio pelo qual os se-
que por tê-los incluído nas escolas. No começo do século
res humanos têm direito à dignidade, sejam quais forem as
vinte estendeu-se a educação pública para todas as crian-
suas capacidades ou realizações.
Barreiras atitudinais são predisposições que levam as ças e foi nessa mesma época que, em paralelo, se criaram
pessoas a responderem a situações ou a outras pessoas as estruturas da educação especial. O crescimento desse
de modo desfavorável, tendo em vista um dado valor. No sistema segregado de educação refletiu a centralização, as
caso da igualdade entre as pessoas, as barreiras se mate- especializações de funções, a hierarquia administrativa do
rializam na recusa das pessoas em reconhecer e defender modelo organizacional das corporações industriais. Esse
esse valor, através de comportamentos, reações, emoções momento influiu no incremento do ensino especial, como
e palavras. A existência dessas barreiras comprova a cultura um sistema à parte. Mais e mais pessoas foram matricu-
marcadamente discriminatória, elitista e segregacionista de ladas nas escolas e classes especiais e “incluídas pela de-
nossas escolas, influenciando todos os procedimentos e o ficiência” (Bunch,1994). A educação especial, infelizmente,
discurso de seus membros, chegando mesmo a atingir os não cumpriu com a promessa que muitos tinham deposi-
alunos e seus pais. Em uma palavra, a igualdade entre as tado nela. A sociedade jamais poderia pensar que as clas-
pessoas é um valor esquecido nos padrões e concepções ses especiais falhariam em seus propósitos de superar as
da escola tradicional. classes regulares no atendimento escolar aos deficientes,
Muitos diretores escolares, professores e pais ainda re- a despeito da especialização dos professores e do número
lutam em aceitar que o perfil dos alunos mudou, que as reduzido de alunos (MacMillan and Hendrick, 1993).
crianças e jovens de hoje não são mais os mesmos que Em toda parte, a maioria das crianças que entram nes-
tinham acesso às escolas anteriormente, reclamando da sas classes especiais nunca mais as deixam. A porta de saí-
origem social destes e alegando a influência da origem no da é bem mais estreita do que a da entrada e forma-se
sucesso e no fracasso escolar. O preconceito é constata- o conhecido “buraco da agulha” dos sistemas de ensino
do, quando se trata de alunos que têm dificuldades para especial.
aprender por serem ou por estarem deficientes, do ponto A partir de 1990, o movimento em favor da Educação
de vista intelectual, social, afetivo, emocional, físico, cultu- para Todos, defendido na conferência organizada pelas
ral e outros. Existe também quando se trata de alunos de Nações Unidas em Jomtien, na Tailândia, começou a ser
raça negra, de famílias de religiões populares, os chamados discutido e a influir na transformação das escolas e das
“crentes”, de filhos de famílias desestruturadas, de mães
comunidades mais sensíveis a esta inovação. Em 1993 fo-
solteiras e pais omissos, drogados, marginais.
ram adotadas as Normas Uniformes para as Pessoas com
Nossa experiência em escolas particulares demonstrou
Incapacidade. Elas foram promulgadas pela Assembleia
que é difícil trabalhar com as atitudes de professores, pais,
Geral das Nações Unidas e nos seus princípios funda-
coordenadores, diretores e/ou proprietários e até mesmo
com alguns alunos para fazê-los perceber o quanto ainda mentais estabelecem que o termo “igualdade de oportu-
estão marcados por ideias e sentimentos que lhes impe- nidades” alude ao processo mediante o qual os diversos
dem de admitir que um aluno possa ser diferente daquele sistemas da sociedade, o entorno físico, os serviços, as
que acreditam ser os representativos de uma determinada atividades, a informação e a documentação sejam colo-
classe social, de um dado grupo de pessoas que é bem-do- cadas à disposição de todos, especialmente das pessoas
tada social, cultural e intelectualmente. Os próprios pais de com incapacidades. O mesmo documento especifica que
crianças com deficiência são os primeiros a admitir o pre- as pessoas com deficiência deveriam receber o apoio ne-
conceito e a discriminação, pois não matriculam nas mes- cessário nas estruturas comuns de educação, saúde, em-
mas escolas os seus outros filhos! Eles entendem que as prego e serviços. A educação foi considerada uma área
escolas que acolhem a todas as crianças só o fazem porque crítica e estava vinculada ao princípio de inclusão. Aos
estão menos comprometidas com a qualidade do ensino e países caberia o reconhecimento do princípio de igualda-
a aprendizagem dos alunos e que os alunos sem deficiência de de oportunidades de educação nos níveis fundamen-
serão prejudicados pela presença de colegas com déficits tal, médio e superior para as crianças, jovens e adultos
de compreensão e de desempenho, que comprometem a com deficiência e deveriam cuidar para que constituíssem
expectativa escolar, rebaixando-a para todos. uma parte integrante do sistema de ensino.

197
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Foi a partir do final dos anos 80 que o movimento em questões que não são centrais ao debate da inclusão esco-
favor da inclusão de alunos com deficiência nas salas de lar - as escolas de qualidade para todos. Em outras pala-
aulas regulares começou a se expandir em todo o mundo. vras, o debate se concentra prioritariamente na deficiência
Em 1994 em Salamanca, na Espanha, foi assinada a Decla- nas escolas., quando deveria se centrar na eficiência das
ração que convocou todos os governos a adotar com ur- escolas, para corresponder às necessidades e interesses e
gência, como questão legal ou de política, o princípio da peculiaridades de todos os seus alunos. São bem poucas as
educação inclusiva. No seu item 2, o referido documento vozes que se manifestam, atualmente, no sentido de des-
da Unesco afirma que “as escolas regulares com orientação viar o rumo das discussões e de relacionar o movimento
inclusiva são o meio mais efetivo para combater as atitudes inclusivo com as reformas do ensino regular e com isso a
discriminatórias, criar comunidades abertas, construir uma ideia da inclusão escolar vai se deformando e tomando ru-
sociedade integrada e se obter uma educação para todos”. mos fora de sua rota principal. Sejam quais forem as inten-
Outras manifestações ocorreram a partir da Declara- ções dos representantes da educação especial, na área da
ção de Salamanca; em 1995, em Copenhague, no Encontro pesquisa, da administração e operacionalização de serviços
Mundial sobre o Desenvolvimento Humano, o compromis- educacionais e terapêuticos neste momento, o certo é que
so 6 do documento final dessa reunião reafirmou a neces- a reação dos que estão lutando pela inclusão de todos nas
sidade de serem asseguradas oportunidades educacionais escolas regulares terá de se intensificar.
igualitárias em todos os níveis de educandos, em ambien-
tes integrados. Nesse mesmo ano o Programa de Desen- As comunidades escolares e a sociedade como um
volvimento das Nações Unidas (UNDP) edita um guia sobre todo devem ser esclarecidas, pelo rebate das ideias equi-
a participação de pessoas com deficiência no desenvolvi- vocadas que estão sendo veiculadas, sem o que a questão
mento humano sustentável no qual assegura que “as pes- será diluída no pessimismo, nas incertezas, na descrença de
soas com deficiência não devem ser excluídas(...). São ne- um grupo que, certamente, não se afina com os objetivos
cessários mudanças e esforços consideráveis para que se- dessa inovação, não importam os seus motivos.
jam integradas e com sucesso nos programas regulares...”. Não queremos negar que a inclusão na educação foi
Como se pode perceber, o movimento em favor de deflagrada pelos diretamente interessados na promoção e
uma escola aberta à diversidade partiu da exclusão das garantia dos direitos à participação plena e igualdade de
pessoas com deficiência da sociedade, das escolas, da vida oportunidades para pessoas com deficiência, mas não so-
laboral, dos serviços comunitários. Todos são unânimes em mente essas pessoas têm seus direitos negados ou esque-
destacar a importância da educação no processo global cidos, dentro ou fora das escolas.
que conduz à participação plena das pessoas com deficiên- A inclusão escolar de pessoas com deficiência é com-
cia. No Brasil, essas ideias apontaram a partir do documen- preendida como parte de um contexto mais amplo de
to de Salamanca e desde então muita polêmica e discussão reivindicações sociais, que englobam a exclusão de todos
têm sido criadas em torno do assunto, especialmente entre as minorias. Nas escolas, a educação para todos constitui
os dirigentes de instituições para deficientes, pais, profis- esse contexto, que uma vez apto a oferecer um ensino de
sionais da educação especial e áreas médica e paramédica qualidade para todos os seus alunos englobará também
está fervilhando e bem pouco assimilado pela comunidade os deficientes. A maneira pela qual devemos avaliar as ne-
escolar e pela sociedade em geral. O ensino especial lidera cessidades e buscar respostas educativas para solucionar
a discussão da inclusão nas escolas, o que tem contribuído problemas de desempenho escolar dos alunos e de aper-
decisivamente para restringir e esvaziar o seu sentido lato feiçoamento da formação dos profissionais de educação é
da educação inclusiva de não excluir ninguém das escolas, mais do que uma revisão dos limites que separam as mo-
não apenas os deficientes e de lutar por aperfeiçoar o sis- dalidades regular e especial de ensino escolar. Envolve no-
tema educativo, de modo que possa oferecer educação de vos valores e atitudes pessoais e profissionais, que se cho-
qualidade para todas as crianças, como já nos referimos cam com a cultura tradicional das escolas, inclusive com a
anteriormente. nossa maneira de conceber as pessoas excluídas. Quando
A liderança do ensino especial nessa discussão está, ao um sistema de ensino regular não está em condições de
nosso ver, prejudicando significativamente o movimento atender às necessidades de todos os seus alunos não pode
em favor das escolas abertas à diversidade e ainda é re- se propor, ingenuamente, a incluir os excluídos, pois estes
sistente à inclusão, quando se trata de casos mais graves, são exatamente os alunos que ela não dá ou não deu conta
ou seja, de alunos com maiores prejuízos sendo atendidos de educar !
seja nas classes especiais como nas de ensino regular. O A inclusão na educação é um desafio que não atinge
esclarecimento público a esse respeito está sendo envie- somente as escolas, porque a escola é parte da comuni-
sado por outros interesses, inclusive os de caráter corpora- dade e tem sua vida afetada pelos avanços e limites de
tivista, envolvendo classes de profissionais, que se sentem ordem física, intelectual, cultural, social do meio em que se
ameaçados pelas possíveis interferências do movimento no insere. A garantia do direito da educação em escolas que
trabalho que estão presentemente desenvolvendo nas suas não excluem as pessoas sob nenhum pretexto é um sinal
especialidades. O debate comunitário do tema prima por de desenvolvimento comunitário e de elevação de seus va-
desviar a atenção dos interessados, inclusive a mídia, para lores e atitudes, princípios e ideais.

198
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Disponível em: Antes o professor só se preocupava com o aluno em


http://www.lite.fe.unicamp.br/cursos/ep403/txt2.htm sala de aula.

Referência Agora, continua com o aluno no laboratório (organi-


MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Abrindo as escolas às zando a pesquisa), na Internet (atividades a distância) e no
diferenças, capítulo 5, in: MANTOAN, Maria Teresa Eglér acompanhamento das práticas, dos projetos, das experiên-
(org.) Pensando e Fazendo Educação de Qualidade. São cias que ligam o aluno à realidade, à sua profissão (ponto
Paulo: Moderna, 2001. entre a teoria e a prática).
Antes o professor se restringia ao espaço da sala de
aula. Agora precisa aprender a gerenciar também ativida-
des a distância, visitas técnicas, orientação de projetos e
tudo isso fazendo parte da carga horária da sua disciplina,
MORAN, JOSÉ MANUEL. OS NOVOS estando visível na grade curricular, flexibilizando o tempo
ESPAÇOS DE ATUAÇÃO DO PROFESSOR COM de estada em aula e incrementando outros espaços e tem-
AS TECNOLOGIAS. IN: REVISTA DIÁLOGO pos de aprendizagem.
EDUCACIONAL, CURITIBA, V.4, N.12.P.13-21, Educar com qualidade implica em ter acesso e com-
MAIO/AGO.2004. petência para organizar e gerenciar as atividades didáticas
em, pelo menos, quatro espaços:

Uma nova sala de aula


A ampliação dos espaços de ensino-aprendizagem
A sala de aula será, cada vez mais, um ponto de partida
Colocamos tecnologias na universidade e nas escolas, e de chegada, um espaço importante, mas que se combina
mas, em geral, para continuar fazendo o de sempre – o com outros espaços para ampliar as possibilidades de ati-
vidades de aprendizagem.
professor falando e o aluno ouvindo – com um verniz de
O que deve ter uma sala de aula para uma educação
modernidade. As tecnologias são utilizadas mais para ilus-
de qualidade?
trar o conteúdo do professor do que para criar novos de-
Precisa fundamentalmente de professores bem pre-
safios didáticos.
parados, motivados e bem remunerados e com formação
Uma das reclamações generalizadas de escolas e uni-
pedagógica atualizada. Isso é incontestável.
versidades é de que os alunos não aguentam mais nossa
Precisa também de salas confortáveis, com boa acústi-
forma de dar aula. Os alunos reclamam do tédio de ficar
ca e tecnologias, das simples até as sofisticadas. Uma sala
ouvindo um professor falando na frente por horas, da rigi-
de aula hoje precisa ter acesso fácil ao vídeo, DVD e, no
dez dos horários, da distância entre o conteúdo das aulas
mínimo, um ponto de Internet, para acesso a sites em tem-
e a vida. po real pelo professor ou pelos alunos, quando necessário.
Precisamos repensar todo o processo, reaprender a en-
sinar, a estar com os alunos, a orientar atividades, a definir Um computador em sala com projetor multimídia são
o que vale a pena fazer para aprender, juntos ou separados. recursos necessários, embora ainda caros, para oferecer
Abrem-se novos campos na educação on-line, pela Inter- condições dignas de pesquisa e apresentação de trabalhos
net, principalmente na educação a distância. Mas também a professores e alunos. São poucos os cursos até agora
na educação presencial a chegada da Internet está trazen- bem equipados, mas, se queremos educação de qualidade,
do novos desafios para a sala de aula, tanto tecnológicos uma boa infra-estrutura torna-se cada vez mais necessária.
como pedagógicos. As tecnologias sozinhas não mudam a Um projetor multimídia com acesso à Internet permite
escola, mas trazem mil possibilidades de apoio ao profes- que o professores e alunos mostrem simulações virtuais,
sor e de interação com e entre os alunos (MORAN; MASET- vídeos, jogos, materiais em CD, DVD, páginas WEB ao vivo.
TO; BEHRENS, 2003). Serve como apoio ao professor, mas também para a visua-
O professor, em qualquer curso presencial, precisa lização de trabalhos dos alunos, de pesquisas, de ativida-
hoje aprender a gerenciar vários espaços e a integrá-los de des realizadas no ambiente virtual de aprendizagem (um
forma aberta, equilibrada e inovadora. O primeiro espaço fórum previamente realizado, por exemplo). Podem ser
é o de uma nova sala de aula equipada e com atividades mostrados jornais on-line, com notícias relacionadas com
diferentes, que se integra com a ida ao laboratório para o assunto que está sendo tratado em classe. Os alunos po-
desenvolver atividades de pesquisa e de domínio técnico- dem contribuir com suas próprias pesquisas on-line. Há um
pedagógico. Estas atividades se ampliam e complementam campo de possibilidades didáticas até agora pouco desen-
a distância, nos ambientes virtuais de aprendizagem e se volvidas, mesmo nas salas que detêm esses equipamentos
complementam com espaços e tempos de experimenta- (SILVA, 2000).
ção, de conhecimento da realidade, de inserção em am- Essa infra-estrutura deve estar a serviço de mudanças
bientes profissionais e informais. na postura do professor, passando de ser uma “babá”, de
dar tudo pronto, mastigado, para ajudá-lo, de um lado, na

199
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

organização do caos informativo, na gestão das contradi- O espaço do laboratório conectado


ções dos valores e visões de mundo, enquanto, do outro
lado, o professor provoca o aluno, o “desorganiza”, o de- Um dia todas as salas de aula estarão conectadas às
sinstala, o estimula a mudanças, a não permanecer acomo- redes de comunicação instantânea. Como isso ainda está
dado na primeira síntese. distante, é importante que cada professor programe em
Do ponto de vista metodológico, o professor precisa uma de suas primeiras aulas uma visita com os alunos ao
aprender a equilibrar processos de organização e de “pro- “laboratório de informática”, a uma sala de aula com mi-
vocação” na sala de aula. Uma das dimensões fundamen- cros suficientes conectados à Internet. Nessa aula (uma
tais do educar é ajudar a encontrar uma lógica dentro do ou duas), o professor pode orientá-los a fazer pesquisa na
caos de informações que temos, organizar numa síntese Internet, a encontrar os materiais mais significativos para
coerente (mesmo que momentânea) das informações den- a área de conhecimento que ele vai trabalhar com os alu-
tro de uma área de conhecimento. Compreender é orga- nos; a que aprendam a distinguir informações relevantes
nizar, sistematizar, comparar, avaliar, contextualizar. Uma
de informações sem referência. Ensinar a pesquisar na WEB
segunda dimensão pedagógica procura questionar essa
ajuda muito aos alunos na realização de atividades virtuais,
compreensão, criar uma tensão para superá-la, para modi-
depois a sentir-se seguros na pesquisa individual e grupal.
ficá-la, para avançar para novas sínteses, novos momentos
e formas de compreensão. Para isso o professor precisa Uma outra atividade importante nesse momento é a
questionar, tensionar, provocar o nível da compreensão capacitação para o uso das tecnologias necessárias para
existente. acompanhar o curso em seus momentos virtuais: conhecer
Predomina a organização no planejamento didático a plataforma virtual, as ferramentas, como se coloca ma-
quando o professor trabalha com esquemas, aulas expo- terial, como se enviam atividades, como se participa num
sitivas, apostilas, avaliação tradicional. O professor que dá fórum, num chat, tirar dúvidas técnicas. Esse contato com
tudo mastigado para o aluno, de um lado facilita a com- o laboratório é fundamental porque há alunos pouco fa-
preensão; mas, por outro, transfere para o aluno, como um miliarizados com essas novas tecnologias e para que todos
pacote pronto, o nível de conhecimento de mundo que ele tenham uma informação comum sobre as ferramentas, so-
tem. bre como pesquisar e sobre os materiais virtuais do curso.
Predomina a “desorganização” no planejamento didá- Tudo isto pressupõe que os professores foram capaci-
tico quando o professor trabalha em cima de experiências, tados antes para fazer esse trabalho didático com os alunos
projetos, novos olhares de terceiros: artistas, escritores... no laboratório e nos ambientes virtuais de aprendizagem
Em qualquer área de conhecimento podemos transitar (o que muitas vezes não acontece).
entre a organização da aprendizagem e a busca de novos Quando temos um curso parcialmente presencial, po-
desafios, sínteses. Há atividades que facilitam a organiza- demos organizar os encontros ao vivo como pontuadores
ção e outras a superação. O relato de experiências diferen- de momentos marcantes. Primeiro, encontramo-nos fisica-
tes das do grupo, uma entrevista polêmica pode desenca- mente para facilitar o conhecimento mútuo de professores
dear novas questões, expectativas, desejos. Mas também e alunos. Ao vivo é muito mais fácil que a distância e con-
há relatos de experiências ou entrevistas que servem para fiamos mais rapidamente ao estar ao lado da pessoa como
confirmar nossas ideias, nossas sínteses, para reforçar o um todo, ao vê-la, ouvi-la, senti-la. Depois, é mais fácil ex-
que já conhecemos. plicar e organizar o processo de aprendizagem, esclarecer,
Por exemplo, na utilização do vídeo n a escola, vejo tirar dúvidas, organizar grupos, discutir propostas. É muito
dois momentos ou focos que podem alternar-se e combi- mais fácil também aprender a utilizar os ambientes tecno-
nar-se equilibradamente:
lógicos da educação on-line. Podemos ir a um laboratório
1) Quando o vídeo provoca, sacode, provoca inquie-
e nivelar os alunos, os que sabem se sentam junto com os
tação e serve como abertura para um tema, como uma
sacudida para a nossa inércia. Ele age como tensionador, que sabem menos e todos aprendem juntos. No presencial
na busca de novos posicionamentos, olhares, sentimentos, também é mais fácil motivar os alunos, atender às deman-
ideias e valores. O contato de professores e alunos com das específicas, fazer os ajustes necessários no programa.
bons filmes, poesias, contos, romances, histórias, pinturas O foco do curso deve ser o desenvolvimento de pes-
alimenta o questionamento de pontos de vista formados, quisa, fazer do aluno um parceiro-pesquisador. Pesquisar
abre novas perspectivas de interpretação, de olhar, de per- de todas as formas, utilizando todas as mídias, todas as
ceber, sentir e de avaliar com mais profundidade. fontes, todas as formas de interação. Pesquisar às vezes
2) Quando o vídeo serve para confirmar uma teoria, todos juntos, outras em pequenos grupos, outras indivi-
uma síntese, um olhar específico com o qual já estamos dualmente. Pesquisar às vezes na escola; outras, em outros
trabalhando. É o vídeo que ilustra, amplia, exemplifica. espaços e tempos. Combinar pesquisa presencial e virtual.
O vídeo e as outras tecnologias tanto podem ser uti- Comunicar os resultados da pesquisa para todos e para o
lizados para organizar como para desorganizar o conheci- professor. Relacionar os resultados, compará-los, contex-
mento. Depende de como e quando os utilizamos. tualizá-los, aprofundá-los, sintetizá-los.
Educar um processo dialético, quando bem realizado, Mais tarde, depois de uma primeira etapa de apren-
mas que, em muitas situações concretas, vê-se diluído pelo dizagem on-line, a volta ao presencial adquire uma outra
peso da organização, da massificação, da burocratização, dimensão. É um reencontro tanto intelectual como afeti-
da “rotinização”, que freia o impulso questionador, supe- vo. Já nos conhecemos, mas fortalecemos esses vínculos;
rador, inovador. trocamos experiências, vivências, pesquisas. Aprendemos

200
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

juntos, tiramos dúvidas coletivas, avaliamos o processo vir- Dependendo do número de horas virtuais, a integra-
tual. Fazemos novos ajustes. Explicamos o que acontecerá ção com o presencial é mais fácil. Um tópico discutido no
na próxima etapa e motivamos os alunos para que conti- fórum pode ser aprofundado na volta à sala de aula, tor-
nuem pesquisando, se encontrando virtualmente, contri- nando mais claros os pontos de divergência que havia no
buindo. virtual. O aprofundamento do planejamento e desenvolvi-
Os próximos encontros presenciais já trazem maiores mento de atividades virtuais pode ser encontrado no livro
contribuições dos alunos, dos resultados de pesquisas, de Construindo Comunidades de Aprendizagem no Ciberes-
projetos, de solução de problemas, entre outras formas de paço (PALLOF; PRATT, 2002).
avaliação. Creio que há três campos importantes para as ativi-
dades virtuais: o da pesquisa, o da comunicação e o da
A utilização de ambientes virtuais de aprendizagem produção. Pesquisa individual de temas, experiências, pro-
jetos, textos. Comunicação, realizando debates off e on-line
Os alunos já se conhecem, já tem as informações bá- sobre esses temas e experiências pesquisados. Produção,
sicas de como pesquisar e de como utilizar os ambientes divulgando os resultados no formato multimídia, hipertex-
virtuais de aprendizagem. Agora já podem iniciar a parte a tual, “linkada” e publicando os resultados para os colegas e,
distância do curso, combinando momentos em sala de aula eventualmente, para a comunidade externa ao curso.
com atividades de pesquisa, comunicação e produção a A Internet favorece a construção colaborativa, o tra-
distância, individuais, em pequenos grupos e todos juntos. balho conjunto entre professores e alunos, próximos físi-
O professor precisa hoje adquirir a competência da ca ou virtualmente. Podemos participar de uma pesquisa
gestão dos tempos a distância combinado com o presen- em tempo real, de um projeto entre vários grupos, de uma
cial. Gerenciar o que vale a pena fazer pela Internet, que investigação sobre um problema de atualidade. O impor-
ajuda a melhorar a aprendizagem, que mantém a motiva- tante é combinar o qu e podem os fazer melhor em sala
ção, que traz novas experiências para a classe, que enrique- de aula: conhecer-nos, motivar-nos, reencontrar-nos, com
ce o repertório do grupo. o qu e podem os fazer a distância pela lista, fórum, chat
ou blog – pesquisar, comunicar-nos e divulgar as produ-
Os ambientes virtuais aqui complementam o que fa-
ções dos professores e dos alunos. (SILVA, 2003; AZEVEDO,
zemos em sala de aula. O professor e os alunos são “libe-
2000).
rados” de algumas aulas presenciais e precisam aprender
É fundamental hoje pensar o currículo de cada curso
a gerenciar classes virtuais, a organizar atividades que se
como um todo e planejar o tempo de presença física em
encaixem em cada momento do processo e que dialoguem
sala de aula e o tempo de aprendizagem virtual. A maior
e complementem o que estamos fazendo na sala de aula
parte das disciplinas pode utilizar parcialmente atividades a
e no laboratório. Começamos algumas atividades na sala
distância. Algumas que exigem menos laboratório ou me-
de aula: informações básicas de um tema, organização de
nos presença física podem ter uma carga maior de ativida-
grupos, explicitar os objetivos da pesquisa, tirar as dúvidas des e tempo virtuais. A flexibilização de gestão de tempo,
iniciais. Depois vamos para a Internet e orientamos e acom- espaços e atividades é necessária, principalmente no en-
panhamos as pesquisas que os alunos realizam individual- sino superior ainda tão engessado, burocratizado e confi-
mente ou em pequenos grupos. Pedimos que os alunos nado à monotonia da fala do professor num único espaço
coloquem os resultados em uma página, em um portfólio que é o da sala de aula.
ou que nos as enviem virtualmente, dependendo da orien-
tação dada. Colocamos um tema relevante para discussão Inserção em ambientes experimentais e profissio-
no fórum ou numa lista e procuramos acompanhá-la sem nais (prática/ teoria/prática)
sermos centralizadores nem omissos. Os alunos se posicio-
nam primeiro e, depois, fazemos alguns comentários mais Os cursos de formação, os de longa duração, como os
gerais, incentivamos, reorientamos algum tema que pareça de graduação, precisam ampliar o conceito de integração
prioritário, fazemos sínteses provisórias do andamento das de reflexão e ação, teoria e prática, sem confinar essa inte-
discussões ou pedimos que alguns alunos o façam. gração somente ao estágio, no fim do curso. Todo o currí-
Podemos convidar um colega professor, um pesquisa- culo pode ser pensando em inserir os alunos em ambientes
dor ou um especialista para um debate com os alunos num próximos da realidade que ele estuda, para que possam
chat, realizando uma entrevista a distância, atuando como sentir na prática o que aprendem na teoria e trazer expe-
mediadores. Os alunos gostam de participar deste tipo de riências, cases, projetos do cotidiano para a sala de aula.
atividade. Em algumas áreas, como administração ou engenharia, pa-
Nós mesmos, professores, podemos marcar alguns rece mais fácil e evidente essa relação, mas é importante
tempos de atendimento semanais, se o acharmos con- que aconteça em todos os cursos e em todas as etapas
veniente, para tirar dúvidas on-line, para atender grupos, do processo de aprendizagem, levando em consideração
acompanhar o que está sendo feito pelos alunos. Sempre as peculiaridades de cada um.
que possível incentivaremos os alunos para que criem seu Se os alunos fazem pontes entre o que aprendem in-
portfólio, seu espaço virtual de aprendizagem próprio e telectualmente e as situações reais, experimentais, pro-
que disponibilizem o acesso aos colegas, como forma de fissionais ligadas aos seus estudos, a aprendizagem será
aprender colaborativamente. mais significativa, viva, enriquecedora. As universidades e

201
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

os professores precisam organizar nos seus currículos e (A) Em nada ou muito pouco vêm colaborar para tornar
cursos atividades integradoras da prática com a teoria, do o processo ensino-aprendizagem mais prazeroso, eficiente
compreender com o vivenciar, o fazer e o refletir, de forma e de qualidade.
sistemática, presencial e virtualmente, em todas as áreas e (B) A integração das novas tecnologias à educação de-
ao longo de todo o curso. verá ocorrer de forma aleatória, sem o estabelecimento de
objetivos específicos ou projetos próprios, pois o que im-
Considerações finais porta é oferecer aos alunos o acesso ao computador.
(C) São usadas para substituir as técnicas e metodolo-
A Internet e as novas tecnologias estão trazendo no- gias convencionais, como, por exemplo, o livro, o quadro
vos desafios pedagógicos para as universidades e escolas. de giz e o mimeógrafo.
Os professores, em qualquer curso presencial, precisam (D) A obtenção de resultados qualitativos no processo
aprender a gerenciar vários espaços e a integrá-los de for- educacional escolar com o uso dessas tecnologias depen-
ma aberta, equilibrada e inovadora. O primeiro espaço é o de da forma como elas são introduzidas e utilizadas nesse
de uma nova sala de aula equipada e com atividades dife- processo.
rentes, que se integra com a ida ao laboratório conecta-
do em rede para desenvolver atividades de pesquisa e de 03. (MPE/RO - Analista Judiciário – Pedagogia –
domínio técnicopedagógico. Estas atividades se ampliam a FUNCAB/2018) Uma aprendizagem que aproxima o sujei-
distância, nos ambientes virtuais de aprendizagem conec- to do objeto a conhecer a partir de experiências, interesses
tados à Internet e se complementam com espaços e tem- e conhecimentos prévios, denomina-se uma aprendizagem
pos de experimentação, de conhecimento da realidade, de (A) interativa.
inserção em ambientes profissionais e informais. (B) interpretativa.
É fundamental hoje planejar e flexibilizar, no currículo (C) significativa.
de cada curso, o tempo e as atividades de presença física (D) ativa.
em sala de aula e o tempo e as atividades de aprendizagem
conectadas, a distância. Só assim avançaremos de verda-
de e poderemos falar de qualidade na educação e de uma Respostas
nova didática.
01. Resposta: D
Fonte As Tecnologias da Informação e da Comunicação têm
MORAN, Jose. Os novos espaços de atuação do profes- vindo a provocar uma enorme mudança na Educação, ori-
sor com as tecnologias. Revista Diálogo Educacional, Curiti- ginando novos modos de difusão do conhecimento, de
ba, v.4, n.12.p.13-21, maio/ago.2004. aprendizagem, e, particularmente, novas relações entre
professores e alunos.
Questões
As pesadas enciclopédias foram substituídas pelas en-
01. (UFAL – Pedagogo – COPEVE/2016) A tecnolo- ciclopédias digitais, pela consulta de portais acadêmicos
gia da Informação e da Comunicação se constitui em um e outros locais diversificados. Passamos a utilizar sistemas
conjunto de recursos que, integrados, proporcionam a co- eletrônicos e apresentações coloridas para tornar as aulas
municação dos processos de aprendizagem, ampliando as mais atrativas e, frequentemente, deixamos de lado o tra-
possibilidades de uma sociedade, bem como expandindo dicional quadro negro e o giz e passamos diretamente para
sua utilização. Dessa forma, a utilização das tecnologias as superfícies e projeções interativas. A revolução originada
pressupõe, exceto: pela Internet possibilita que a informação produzida e dis-
(A) a organização do trabalho e aprendizagem cola- ponibilizada em qualquer lugar esteja rapidamente dispo-
borativos. nível em todo o Mundo, originando uma mudança nas prá-
(B) oportunidade para a aprendizagem para o estudo ticas de comunicação e, consequentemente, educacionais,
individualizado. em vários aspectos tais como na leitura, na forma de escre-
(C) compartilhamento entre instituições que se com- ver, na pesquisa e até como instrumento complementar na
pletam independentemente da localização. sala de aula ou como estratégia de divulgar a informação,
(D) oferecimento de múltiplas perspectivas às pessoas permitindo tanto o ensino individualizado como o trabalho
embora dificulte o processo de assimilação. cooperativo e em grupo entre alunos.

02. (MPE/RO - Analista Judiciário – Pedagogia – 02. Resposta: D


FUNCAB/2017) As Novas Tecnologias em Educação, tais Em um mundo tecnológico, integrar novas tecnologias
como o uso da informática, a utilização da internet, da mul- à sala de aula ainda é pouco frequente e um desafio para
timídia e de outros recursos ligados às linguagens digitais docentes. Em muitos casos, a formação não considera essas
de que atualmente se dispõe, estão cada vez mais presen- tecnologias, e se restringe ao teórico, ou seja, o professor
tes nas escolas para qualificar o processo educativo. Sobre precisa buscar esse conhecimento em outros espaços. Isso
elas, é correto afirmar: nem sempre funciona, pois frequentar cursos de poucas

202
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

horas nem sempre garante ao professor segurança e do- problemas, trazendo uma nova perspectiva para entender-
mínio dessas tecnologias. Embora alguns ainda se sintam mos o processo de ensino e aprendizagem e tornando-o
inseguros e despreparados, muitos educadores já percebe- mais democrático. Aprender deixa de ser um simples ato
ram o potencial dessas ferramentas e procuram levar novi- de memorização e ensinar não significa mais repassar sim-
dades para a sala de aula, seja com uma atividade prática plesmente conteúdos prontos. No trabalho por Projetos o
no computador, com videogame, tablets e até mesmo com sujeito educando constrói seu processo de aquisição do
o celular. O fato é que o uso dessas tecnologias pode apro- conhecimento com a mediação do educador, assim, edu-
ximar alunos e professores, além de ser útil na exploração candos e educadores têm a oportunidade de transformar
dos conteúdos de forma mais interativa. O aluno passa de a ação educativa, tornando-a prazerosa e mais significati-
mero receptor, que só observa e nem sempre compreende, va. Essa postura em se trabalhar com Projetos contribui de
para um sujeito mais ativo e participativo. O ideal seria tes- forma efetiva na formação integral do educando, criando
tar as novas tecnologias e identificar quais se enquadram condições de desenvolvimento cognitivo e social.
na realidade da escola e dos alunos. Uma das dificuldades
é a falta de infraestrutura de algumas escolas e a falta de INTRODUÇÃO
formação de qualidade para os professores quanto ao uso
dessas novas tecnologias. O mundo contemporâneo exige cada vez mais que o
indivíduo seja um ser completo para atuar no mundo do
03. Resposta: C trabalho e na sociedade. Este ser necessita, para isso, de
Segundo Bessa (2008), o conceito de aprendizagem conhecimento - visto aqui como as descobertas construí-
significativa consiste em um “[...] processo que envolve das ao longo da história humana - e de incorporar valores
sucessivas ancoragens por meio da ligação do novo co- que irão permear suas atitudes de convivência saudável
nhecimento ao conhecimento subsunçor.”, “conhecimento nas suas relações interpessoais.
subsunçor” significa “conhecimento anterior, prévio”, ou Diante dessas aspirações, anseios e necessidades dos
seja, por meio desse termo é possível perceber que a ques- indivíduos e das exigências do mundo atual, a escola, en-
tão acima trata de “aprendizagem significativa”, conceito
quanto instituição de educação tem um papel importante:
elaborado por David Ausubel, psicólogo cognitivista. Outra
promover uma educação que considere o educando em
palavra-chave da questão é a palavra “interesse”. Ausubel
sua totalidade, vendo-o não só como aluno, mas como
(apud Bessa, 2008) assevera que “[...] um conhecimento
pessoa.
para ser compreendido por um aluno deve ser relacionável
Assim, percebemos que os paradigmas que envolvem a
com outros conhecimentos [...]. Isso significa dizer que o
educação precisam ser repensados e revistos de modo que
conteúdo deve se relacionar com os interesses do aluno,
atendam as expectativas da sociedade atual. Para isso, é
ou seja, fazer sentido, para que o aluno continue estimula-
do para a aprendizagem.”. necessária uma nova abordagem na prática educativa que
contemplem a aquisição não só do conhecimento formali-
zado, mas também, de atitudes favoráveis como o respeito,
a responsabilidade, a autonomia, a cooperação, enfim, va-
MOURA, DANIELA PEREIRA DE. PEDAGOGIA lores éticos tão necessários no mundo de hoje.
DE PROJETOS: CONTRIBUIÇÕES PARA UMA Assim, o presente Artigo discorre sobre a importância
EDUCAÇÃO TRANSFORMADORA. do trabalho por projetos como um instrumento importan-
te para uma construção significativa e compartilhada do
conhecimento, contribuindo para uma educação transfor-
PEDAGOGIA DE PROJETOS: CONTRIBUIÇÕES PARA madora, mostrando-se como um meio capaz de devolver à
UMA EDUCAÇÃO TRANSFORMADORA escola seu papel de espaço educativo e de transformação
social.
Daniela Pereira de Moura Essa postura de se trabalhar por meio de projetos au-
xilia na formação integral dos indivíduos, já que cria diver-
A Educação de hoje precisa atender a uma clientela que sas oportunidades de aprendizagem conceitual, atitudinal,
exige e que também é exigida cada vez mais. Pois, o mun- procedimental para os mesmos.
do está mudando e consequentemente, a educação deve A discussão deste tema tem o objetivo de contribuir
inserir-se nessa mudança a fim de não perder sua finalida- para a reflexão de um novo olhar sobre o trabalho por pro-
de. A Pedagogia de Projetos busca ressignificar a escola jetos no ambiente escolar, onde a incorporação de novas
dentro da realidade contemporânea, transformando-a em atitudes e valores incentive a construção de uma menta-
um espaço significativo de aprendizagem para todos que lidade democrática entre educadores e educandos, bem
dela fazem parte, sem perder de vista a realidade cultural como analisar as contribuições do trabalho por projetos
dos envolvidos no processo. Diz respeito a uma mudança para a formação integral do educando, objetiva ainda,
de postura, o que exige o repensar da prática pedagógica. compreender as novas reflexões e concepções exigidas na
Essa postura em se trabalhar com Projetos contribui de for- contemporaneidade no que se refere à educação/conheci-
ma efetiva na formação integral do educando, criando con- mento/formação do aluno e também de identificar as vi-
dições de desenvolvimento cognitivo e social. Nessa postu- vências sociais dos alunos para que se possa valorizá-las e
ra, aprende-se participando, tomando decisões, discutindo contextualizá-las na prática educativa.

203
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

A abordagem deste tema perpassa por uma extensa É nesse contexto e dentro dessa polêmica que a dis-
pesquisa bibliográfica apoiada por instrumentos bibliográ- cussão sobre Pedagogia de Projetos, hoje, se coloca. Isso
ficos diversos como livros, artigos de revistas especializadas significa que é uma discussão sobre uma postura pedagó-
no campo da educação, fitas em VHS, artigos encontrados gica e não sobre uma técnica de ensino mais atrativa para
em sites especializados em educação. O referencial teóri- os alunos.
co perpassa pelas teorias de Paulo Freire (1983), Fernando Hoje, muito se tem falado na formação de indivíduos
Hernandez (1998), Lúcia Helena Alvarez Leite e Verônica capazes de atuarem na sociedade de maneira participativa,
Mendez (2000), Antoni Zaballa (1998) e tantos outros re- crítica, reflexiva, autônoma, solidária. Pois bem, o trabalho
lacionados na referência bibliográfica, que buscaram em por projetos suscita nos educandos todas essas qualidades
seus estudos sobre o tema, mostrar sua importância e rele- e muitas outras necessárias a formação integral que con-
vância para a contribuição de uma prática transformadora tribua não só para a vida escolar (preparação para a vida
da educação, tão necessária nos tempos atuais. futura) como também para a vida social do educando (que
acontece no momento presente). De acordo com o artigo
Nesse trabalho buscaremos discutir sobre a relevância
1º, parágrafo 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
em se apoiar a ação educativa na prática do trabalho por
Nacional - LDBN (1996), a educação escolar deverá vincu-
Projetos, buscando uma formação globalizada que trans-
lar-se ao mundo do trabalho e à prática social.
forme o processo de construção do conhecimento, permi-
“A educação é um processo de vida e não uma prepa-
tindo-o ser dinâmico, compartilhado, contextualizado, pra- ração para a vida futura e a escola deve representar a vida
zeroso e significativo para educandos e educadores. presente - tão real e vital para o aluno como o que ele vive
em casa, no bairro ou no pátio” (DEWEY, 1897).
PEDAGOGIA DE PROJETOS: PERSPECTIVAS PARA A Com isso, Dewey quis dizer que além das preocupa-
EDUCAÇÃO DOS NOVOS TEMPOS ções em formar o aluno para ser capaz de ler, escrever, in-
terpretar, realizar operações matemáticas, ter conhecimen-
Diante das transformações que vêm ocorrendo na tos sobre as várias áreas do saber como a Física, Biologia,
sociedade moderna, a concepção de escola e sua função Química, por exemplo - preparando-o para se inserir na
social precisa ser revista, repensada, pois a educação au- vida profissional - deve também se preocupar em formar
toritária, compartimentada, com currículo fragmentado e os valores morais e éticos que são inerentes aos humanos,
distanciado das transformações sociais e das vidas dos alu- como a autonomia, a solidariedade, a coletividade, o res-
nos, onde o sujeito educando não tem autonomia e parti- peito ao próximo, a autoestima positiva, para assim se tor-
cipação na construção de seus saberes, está perdendo seu narem indivíduos completos.
significado. Esse modelo de escola vem sendo questiona- O trabalho por projetos contribui de forma significativa
do o que leva a necessidade de mudança de paradigmas para a educação nesse mundo atual, indo de encontro com
voltados para um ensino/aprendizagem que considerem as exigências da sociedade moderna, pois o trabalho por
os objetivos dos indivíduos frente a essa nova sociedade. projetos envolve um processo de construção, participação,
Segundo ROSA (1994), a educação brasileira precisa mudar. cooperação, noções de valor humano, solidariedade, res-
Ninguém discorda desta afirmação. Vivemos, e não é de hoje peito mútuo, tolerância e formação da cidadania tão ne-
o que se costuma denominar de “crise do ensino”. [...] não cessários à sociedade emergente.
estamos diante de uma opção, mas de uma necessidade de
mudança. Mudar é questão, agora, de sobrevivência! Trabalhar com projetos possibilita:
- O resgate do educando para o processo de ensino-
No mundo contemporâneo a escola tem lugar impor- -aprendizagem (conhecimento) através de um processo
significativo;
tante, mas é necessário que mudem o seu paradigma e se
- A recuperação da autoestima positiva do educando;
submetam a uma renovação permanente em termos de
- Que o educando se reconheça como sujeito histórico;
redefinição de sua missão e busca constante de sua iden-
- O desenvolvimento do raciocínio lógico, linguístico e
tidade. Que sejam capazes de fazer a autocrítica de suas
a formação de conceitos;
práticas e deixem de ser escolas congeladas numa postura - O desenvolvimento da capacidade de buscar e inter-
autoritária e, por vezes até terrorista, de provas, reprova- pretar informações;
ção, repetência e submissão. Modelo tirânico de destruição - A condução, pelo aluno, do seu próprio processo de
da autoestima, da curiosidade, da cooperação, do respeito aprendizagem;
mútuo, da responsabilidade, do compromisso, da autono- - O desenvolvimento de atitudes favoráveis a uma vida
mia, do bom caráter e da alegria de aprender. cooperativa;
Em meio a essa crise de identidade e função social da - A realização do ensino baseado na compreensão e na
escola, começam a surgir novas reflexões e concepções de interdisciplinaridade .
educação que devolvam à escola o seu papel de espaço
educativo e de transformação social, visando recuperar os A proposta do trabalho por Projetos deve estar funda-
laços entre educação escolar significativa e a prática so- mentada numa concepção do educando como sujeito de
cial, conciliando aprendizagem escolar com uma formação direitos, ser social e histórico, participante ativo no proces-
mais integral. so de construção de conhecimentos e deve assegurar:

204
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

- Princípios éticos da autonomia, da responsabilidade, representação. Implicam igualmente atividades individuais,


da solidariedade e do respeito ao bem comum; de grupos/equipes e de turma(s), da escola, tendo em vista
- Princípios políticos dos direitos e deveres de cidada- os diferentes conteúdos trabalhados (atitudinais, procedi-
nia, do exercício da criticidade e do respeito à democracia; mentos, conceituais), as necessidades e interesses dos alu-
- Princípios estéticos e culturais da sensibilidade, da nos.
criatividade, da ludicidade e da diversidade das manifesta- Ao estudá-los, as crianças e os jovens realizam contato
ções artísticas e culturais; com o conhecimento não como algo pronto e acabado,
- O respeito à identidade e particularidades pessoais; mas como algo controverso. Um dos aspectos mais impor-
- A integração entre os aspectos físicos, emocionais, tantes, no trabalho como Projetos, é que ele permite que
afetivos, cognitivos e sociais. o aluno desenvolva uma atitude ativa e reflexiva diante de
suas aprendizagens e do conhecimento, na medida em que
Com essas contribuições significativas do trabalho por percebe o sentido e o significado do conhecimento para a
Projetos o educando se insere de forma efetiva e prática na sua vida, para a sua compreensão do mundo.
sociedade contemporânea. A educação e a prática educa- PEDAGOGIA DE PROJETOS:
tiva tornam-se fundamental para que o indivíduo alcance MÉTODO OU POSTURA PEDAGÓGICA?
todas as condições necessárias para se tornar cidadão ati-
vo. Com isso, a escola resgata e sustenta a sua finalidade Não podemos entender a prática por projetos como
que é formar cidadãos educados no real sentido que esta uma atividade meramente funcional, regular, metódica.
palavra implica.
A Pedagogia de Projetos não é um método, pois a ideia
CONCEITUANDO “PEDAGOGIA DE PROJETOS” de método é de trabalhar com objetivos e conteúdos pré-
-fixados, pré-determinados, apresentando uma sequência
A origem da palavra projeto deriva do latim projec- regular, prevista e segura, refere-se à aplicação de fórmulas
tus, que significa algo lançado para frente é sair de onde ou de uma série de regras.
Trabalhar por meio de Projetos é exatamente o opos-
se encontra em busca de novas soluções. O trabalho com
to, pois nele, o ensino-aprendizagem se realiza mediante
projetos constitui uma das posturas metodológicas de en-
um percurso que nunca é fixo, ordenado. O ato de projetar
sino mais dinâmica e eficiente, sobretudo pela sua força
requer abertura para o desconhecido, para o não-determi-
motivadora e aprendizagens em situação real, de atividade
nado e flexibilidade para reformular as metas e os percur-
globalizada e trabalho em cooperação.
sos à medida que as ações projetadas evidenciam novos
O ato de projetar requer abertura para o desconheci-
problemas e dúvidas.
do, para o não-determinado e flexibilidade para reformular
Fernando Hernández (1998) vem discutindo o tema e
as metas à medida que as ações projetadas evidenciam no-
define os projetos de trabalho não como uma metodolo-
vos problemas e dúvidas. gia, mas como uma concepção de ensino, uma maneira
A Pedagogia de Projetos é a construção de uma prática diferente de suscitar a compreensão dos alunos sobre os
pedagógica centrada na formação global dos alunos. conhecimentos que circulam fora da escola e de ajudá-los
Para que os processos de aprendizagem aconteçam a construir sua própria identidade.
nessa perspectiva, porém, é necessário que haja uma al- O trabalho por projetos requer mudanças na concep-
teração profunda na forma de compreensão e organizar o ção de ensino e aprendizagem e, consequentemente, na
conhecimento. Essa alteração supõe uma redefinição não postura do professor. Hernández (1988) enfatiza ainda que
apenas dos conteúdos escolares, mas também dos tem- o trabalho por projeto não deve ser visto como uma op-
pos, espaços e processos educativos, bem como do agru- ção puramente metodológica, mas como uma maneira de
pamento de alunos, ou seja, daquilo que conhecemos por repensar a função da escola. Leite (1996) apresenta os Pro-
classe ou turma, e que se constituiu historicamente como a jetos de Trabalho não como uma nova técnica, mas como
unidade organizativa do trabalho escolar. uma pedagogia que traduz uma concepção do conheci-
Os Projetos de Trabalho traduzem, portanto, uma visão mento escolar.
diferente do que seja conhecimento e currículo e represen- Em se tratando dos conteúdos, a pedagogia de pro-
tam uma outra maneira de organizar o trabalho na escola. jetos é vista pelo seu caráter de potencializar a interdisci-
Caracterizam-se pela forma de abordar um determinado plinaridade. Isto de fato pode ocorrer, pois o trabalho com
tema ou conhecimento, permitindo uma aproximação da projetos permite romper com as fronteiras disciplinares,
identidade e das experiências dos alunos, e um vínculo dos favorecendo o estabelecimento de elos entre as diferentes
conteúdos escolares entre si e com os conhecimentos e sa- áreas de conhecimento numa situação contextualizada da
beres produzidos no contexto social e cultural, assim como aprendizagem.
com problemas que dele emergem. Dessa forma, eles ul- A Pedagogia de Projetos é um meio de trabalho perti-
trapassam os limites das áreas e conteúdos curriculares nente ao processo de ensino-aprendizagem que se insere
tradicionalmente trabalhados pela escola, uma vez que na Educação promovendo-a de maneira significativa e com-
implicam o desenvolvimento de atividades práticas, de es- partilhada, auxiliando na formação integral dos indivíduos
tratégias de pesquisa, de busca e uso de diferentes fontes permeado pelas diversas oportunidades de aprendizagem
de informação, de sua ordenação, análise, interpretação e conceitual, atitudinal, procedimental para os mesmos. Os

205
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

projetos de trabalho não se inserem apenas numa propos- conhecimento é construído a cada instante com a media-
ta de renovação de atividades, tornando-as criativas, e sim ção do educador, respeitando o nível de desenvolvimento
numa mudança de postura que exige o repensar da prática mental de cada educando.
pedagógica, quebrando paradigmas já estabelecidos. “O diálogo do aluno é com o pensamento, com a cultura
Possibilita que os alunos, ao decidirem, opinarem, de- corporificada nas obras e nas práticas sociais e transmitidas
baterem, construam sua autonomia e seu compromisso pela linguagem e pelos gestos do professor, simples media-
com o social, formando-se como sujeitos culturais e cida- dor.” (CHAUÍ,1980).
dãos. Então, tanto no Construtivismo como na Pedagogia de
Projetos, o educando é o próprio agente de seu desen-
Será necessário oportunizar situações em que os alu-
volvimento, o conhecimento é assimilado de maneira pró-
nos participem cada vez mais intensamente na resolução
pria, mas sempre com o auxílio da mediação do educador.
das atividades e no processo de elaboração pessoal, em Aprender deixa de ser um simples ato de memorização e
vez de se limitar a copiar e reproduzir automaticamente as ensinar não significa mais repassar conteúdos prontos. O
instruções ou explicações dos professores. Por isso, hoje o aluno deixa de ser um sujeito passivo, sempre a mercê das
aluno é convidado a buscar, descobrir, construir, criticar, ordens do professor, lidando com um conteúdo completa-
comparar, dialogar, analisar, vivenciar o próprio processo mente alienado de sua realidade e em situações artificiais
de construção do conhecimento. (ZABALLA, 1998) de ensino-aprendizagem. Aprender passa então a ser um
O fato de a pedagogia de projetos não ser um método processo global e complexo, onde conhecer e intervir na
para ser aplicado no contexto da escola dá ao professor realidade não se dissocia. O aluno é visto como sujeito ati-
uma liberdade de ação que habitualmente não acontece vo que usa sua experiência e conhecimento para resolver
no seu cotidiano escolar. O compromisso educacional do problemas.
professor é justamente saber O QUÊ, COMO, QUANDO e Aprende-se participando, vivenciando sentimentos, to-
POR QUE desenvolver determinadas ações pedagógicas. E mando atitudes diante dos fatos, escolhendo procedimen-
para isto é fundamental conhecer o processo de aprendi- tos para atingir determinados objetivos. Ensina-se não só
zagem do aluno e ter clareza da sua intencionalidade pe- pelas respostas dadas, mas principalmente pelas experiên-
dagógica. cias proporcionadas, pelos problemas criados, pela ação
Mais do que uma técnica atraente para transmissão desencadeada. (LEITE, 2000).
Suas concepções e conhecimentos prévios são levan-
dos conteúdos, como muitos pensam, a proposta da Pe-
tados e analisados para que o educador possa problemati-
dagogia de Projetos é promover uma mudança na maneira
zá-los e oferecer-lhes desafios que os façam avançar, atin-
de pensar e repensar a escola e o currículo na prática peda- gindo o processo de equilibração/desequilibração que é a
gógica. Com a reinterpretação atual da metodologia, esse base do Construtivismo e ao mesmo tempo da Pedagogia
movimento tem fornecido subsídios para uma pedagogia de Projetos.
dinâmica, centrada na criatividade e na atividade discentes, Então podemos dizer que a aprendizagem é o resul-
numa perspectiva de construção do conhecimento pelos tado do esforço de atribuir e encontrar significados para
alunos, mais do que na transmissão dos conhecimentos o mundo, o que implica a construção e revisão de hipó-
pelo professor. teses sobre o objeto do conhecimento, ela é resultado
da atividade do sujeito, e o meio social tem fundamental
ANALOGIA ENTRE CONSTRUTIVISMO E PEDAGO- importância para que ela ocorra, pois necessitamos de
GIA DE PROJETOS orientação para alcançá-la e aí surge a teoria do pensador
russo Vygotsky sobre a Zona de Desenvolvimento Proxi-
O Construtivismo e a Pedagogia de Projetos têm em mal que é a distância entre o nível de desenvolvimento real
comum a insatisfação com um sistema educacional que (conhecimento prévio, o que o indivíduo já sabe) e o nível
teima em continuar essa forma particular de transmissão de desenvolvimento potencial (onde ele pode chegar com
que consiste em fazer repetir, recitar, aprender, ensinar o a ajuda do outro), isto é, a possibilidade que o indivíduo
que já está pronto, em vez de fazer agir, operar, criar, cons- (educando) tem de resolver problemas sob a orientação de
outrem (educador).
truir a partir da realidade vivida por alunos e professores,
isto é, pela sociedade.
A METODOLOGIA DO TRABALHO POR PROJETOS
Na Pedagogia de Projetos a relação ensino/aprendi-
zagem é voltada para a construção do conhecimento de A Pedagogia de Projetos surge da necessidade de de-
maneira dinâmica, contextualizada, compartilhada, que en- senvolver uma metodologia de trabalho pedagógico que
volva efetivamente a participação dos educandos e educa- valorize a participação do educando e do educador no
dores num processo mútuo de troca de experiências. Nessa processo ensino/aprendizagem, tornando-os responsáveis
postura a aprendizagem se torna prazerosa, pois ocorre a pela elaboração e desenvolvimento de cada projeto de tra-
partir dos interesses dos envolvidos no processo, da reali- balho.
dade em que estes estão inseridos, o que ocasiona motiva- O trabalho por meio dos projetos vem contribuir para
ção, satisfação em aprender. essa valorização do educando e tem-se mostrado um dos
O Construtivismo leva o educando a pensar, expan- caminhos mais promissores para a organização do conhe-
dindo seu intelecto através de uma aprendizagem signi- cimento escolar a partir de problemas que emergem das
ficativa, ou seja, que tenha sentido, e contextualizada. O reais necessidades dos alunos.

206
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Mas como se dá essa participação? Durante o processo de levantamento e análise dos da-
Inicialmente, para se propor um projeto este deve ser dos, a mediação do professor é essencial no sentido de
subsidiado por um tema. A escolha deste tema e dos con- construir entre os alunos uma atitude de curiosidade e de
teúdos a serem trabalhados é de responsabilidade de to- cooperação, de trabalho com fontes diversificadas, de esta-
dos e deve ser pensada de forma a contemplar a realidade belecimento de conexões entre as informações, de escuta e
do educando. respeito às diferentes opiniões e formas de aprender e ela-
O trabalho por Projetos pode ser dividido em 4 etapas: borar o conhecimento, de fazê-los perceber a importância
problematização, desenvolvimento, aplicação e avaliação. do registro e as diversas formas de realizá-lo.
a) problematização: é o início do projeto. Nessa etapa, Se os projetos de trabalho possibilitam um repensar do
os alunos irão expressar suas ideias e conhecimentos sobre significado de aprender e ensinar e do papel dos conteú-
o problema em questão. Essa expressão pode emergir es- dos curriculares, isto repercute também no sentido que se
pontaneamente, pelo interesse despertado por um acon- dá à avaliação e nos instrumentos usados para acompanhar
tecimento significativo dentro ou fora da escola ou mesmo o processo de formação ocorrido durante todo o percurso.
pela estimulação do professor. É fundamental detectar o Tradicionalmente, a avaliação do processo ensino-
que os alunos já sabem o que querem saber e como pode- -aprendizagem tem sido feita no sentido de medir a quan-
rão saber. Cabe ao educador incentivar a manifestação dos tidade de conhecimentos aprendidos pelos educandos. A
alunos e saber interpretá-las para perceber em que ponto avaliação na Pedagogia de Projetos é global, ou seja, con-
estão, para aprender suas concepções, seus valores, con- sidera o educando e sua aprendizagem de forma integral,
tradições, hipóteses de interpretação e explicação de fatos concilia o resultado da verificação do processo com a veri-
da realidade. ficação do desempenho. Esse tipo de avaliação considera,
b) desenvolvimento: é o momento em que se criam as portanto, não só aspectos conceituais: de assimilação dos
estratégias para buscar respostas às questões e hipóteses conteúdos utilizados para a problematização do tema, mas
levantadas na problematização. Os alunos e o professor também aspectos atitudinais: comportamento, atitudes,
definem juntos essas estratégias. Para isso, é preciso que capacidade de trabalhar em grupo, espírito de liderança,
criem propostas de trabalho que exijam a saída do espa- iniciativa; atributos que se referem ao modo de interação
ço escolar, a organização em pequenos ou grandes grupos com os demais.
para as pesquisas, a socialização do conhecimento através Essa metodologia de avaliação potencializa as diferen-
de trocas de informações, vivências, debates, leituras, ses- ças, dá lugar a diversidade de opiniões, de singularidade de
sões de vídeos, entrevistas, visitas a espaços ora da escola e cada sujeito, faz da heterogeneidade um elemento signifi-
convites a especialistas no tema em questão. Os alunos de- cativo para o processo de ampliação dos conhecimentos.
vem ser colocados em situações que os levem a contrapor A diferença nos ajuda a compreender que somos su-
pontos de vista, a defrontação com conflitos, inquietações jeitos com particularidades, com experiências próprias,
que as levarão ao desequilíbrio de suas hipóteses iniciais, constituídas nos processos coletivos de que participamos
problematizando, refletindo e reelaborando explicações. dentro e fora da escola; posta em diálogo, enriquece a ação
c) aplicação: estimular a circulação das ideias e a atua- pedagógica. (ESTEBAN, 2002).
ção no ambiente da escola ou da comunidade ligada à es- Assim, a avaliação não trabalha a partir de uma respos-
cola dá ao educando a oportunidade de se colocar como ta esperada, mas indaga as muitas respostas encontradas
sujeito ativo e transformador do seu espaço de vivência com o sentido de ampliação permanente dos conhecimen-
e convivência, por meio da aplicação dos conhecimentos tos existentes. Nesse caso, o erro deixa de representar a
obtidos na execução do projeto na sua realidade. ausência de conhecimento, sendo apreendido como pista
d) avaliação: numa concepção dinâmica e participativa, que indica como os educandos estão articulando os co-
a avaliação tem, para o educador, uma dimensão diagnós- nhecimentos que já possuem com os novos conhecimen-
tica, investigativa e processual. Avaliamos para investigar o tos que vão sendo elaborados.
desenvolvimento dos alunos, para decidir como podemos Deste modo, a avaliação nos projetos de trabalho
ajudá-los a avançar na construção de conhecimentos, ati- passa a fazer parte de todo o processo, sendo entendida
tudes e valores e para verificar em que medida o processo como a possibilidade do aluno tomar consciência do seu
está coerente com as finalidades e os resultados obtidos. processo de aprendizagem, descobrindo o que sabe, o que
Para o aluno, a avaliação é instrumento indispensável ao aprendeu, o que ainda não domina. Para isto, é preciso que
desenvolvimento da capacidade de aprender a aprender ao longo de todo o percurso do trabalho, haja um trabalho
por meio do reconhecimento das suas possibilidades e li- constante de avaliação.
mites. Dentro da perspectiva dos projetos, o acompanhamen-
to e a avaliação do trabalho têm sido feitos, principalmen-
O registro (a escrita, o desenho, os gráficos, mapas, re- te, a partir dos registros, sejam eles coletivos ou individuais.
latórios, a reunião de materiais etc.) é uma prática funda- Estes registros fazem parte do cotidiano da sala de aula e
mental no trabalho com Projetos e deve ser desenvolvida servem para organizar o trabalho, socializar as descobertas,
ao longo de todo o processo. localizar dúvidas e inquietações, enfim, explicitar o proces-
so vivido.

207
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

O Portifólio é o instrumento mais apropriado para a necessário que os professores que assumem essa postura,
avaliação de um Projeto de Trabalho, na medida em que ele enfrentem o desafio de superar uma cultura escolar frag-
representa a reconstrução do processo vivido e a reflexão mentada na qual foram formados, como alunos e como
do aluno sobre a sua aprendizagem. professores, passando a ser exigido um novo modelo de
Hernandéz (1998), ao falar da importância do portfólio formação, onde não haja uma dicotomia entre formação e
como instrumento de avaliação, afirma que: ação, entre discurso e prática.
A avaliação do portfólio como recurso de avaliação Assim, alcançando os objetivos propostos neste tra-
é baseada na ideia da natureza evolutiva do processo de balho, possibilitamos uma nova visão de prática educativa,
aprendizagem. O portfólio oferece aos alunos e professo- de formação integral do indivíduo, de mentalidade demo-
res uma oportunidade de refletir sobre o progresso dos crática, de respeito às diferenças culturais e cognitivas do
educandos em sua compreensão da realidade, ao mesmo educando. A Pedagogia de Projetos, portanto, contribui de
tempo em que possibilita a introdução de mudanças du- maneira significativa para uma prática globalizadora diante
rante o desenvolvimento do programa de ensino. Além desse mundo globalizado, pois, fornece subsídios para o
disso, permite aos professores aproximar-se do trabalho desenvolvimento cognitivo e também social do educando.
dos alunos não de uma maneira pontual e isolada, como
acontece com as provas e exames, mas sim, no contexto do Fonte
ensino e como uma atividade complexa baseada em ele- Disponível em:
mentos e momentos da aprendizagem que se encontram http://www.pedagogia.com.br/artigos/pedegogiade-
relacionados. Por sua vez, a realização do portfólio permite projetos/index.php?pagina=0
ao alunado sentir a aprendizagem institucional como algo
próprio, pois cada um decide que trabalhos e momentos
são representativos de sua trajetória, estabelece relações
entre esses exemplos, numa tentativa de dotar de coerên-
cia as atividades de ensino, com as finalidades de aprendi- PIAGET, JEAN. DESENVOLVIMENTO E
zagem que cada um e o grupo se tenham proposto. APRENDIZAGEM. TRAD. PAULO FRANCISCO
É interessante destacar que a criação do portfólio, por SLOMP. UFRGS- PEAD 2009/1.
si só, não garante um processo de avaliação significativo. É
preciso que se discutam seus usos e funções.
Primeiramente gostaria de tornar claro a diferença en-
CONSIDERAÇÕES FINAIS tre dois problemas: o problema do desenvolvimento em
geral, e o problema da aprendizagem. Penso que estes
O discurso dos educadores sobre a função da escola e problemas são muito diferentes, ainda que algumas pes-
sobre o seu papel é o de formar cidadãos ativos, críticos, soas não façam esta distinção.
reflexivos, autônomos, etc. O desenvolvimento do conhecimento é um processo
Mas o que vemos na maioria das situações de apren- espontâneo, ligado ao processo global da embriogênese.
dizagem não é essa postura, a teoria que dialogam não A embriogênese diz respeito ao desenvolvimento do cor-
é a prática que assumem na efetivação de seu trabalho, po, mas também ao desenvolvimento do sistema nervoso
pois muitos continuam insistindo em ser um profissional e ao desenvolvimento das funções mentais. No caso do
preso às práticas autoritárias, num modelo tradicional de desenvolvimento do conhecimento nas crianças, a embrio-
educação onde o professor é o dono do saber e a voz do gênese só termina na vida adulta. É um processo de desen-
processo de ensino/aprendizagem. volvimento total que devemos re-situar no contexto geral
Muitas posturas como o Construtivismo rebatem essa biológico e psicológico. Em outras palavras, o desenvolvi-
metodologia. Temos a consciência de que a educação, para mento é um processo que se relaciona com a totalidade de
atender as exigências dessa sociedade que se apresenta estruturas do conhecimento.
hoje, deve assumir uma nova postura, uma postura que A aprendizagem apresenta o caso oposto. Em geral, a
eleve o educando da simples condição de submissão para aprendizagem é provocada por situações -- provocada por
uma condição de opinar, questionar, construir com a me- um experimentador psicológico; ou por um professor, com
diação necessária, a sua aprendizagem. referência a algum ponto didático; ou por uma situação
A democracia hoje é um discurso presente em todas as externa. Ela é provocada, em geral, como oposta ao que
áreas. E se a escola é o lugar representativo da sociedade, é espontâneo. Além disso, é um processo limitado a um
especialmente nesta instituição a democracia deve estar problema simples ou uma estrutura simples.
presente. Assim, considero que o desenvolvimento explica a
Hoje, mais do que nunca devemos assumir essa postu- aprendizagem, e esta opinião é contrária a opinião ampla-
ra democrática na prática educativa e repensar as metodo- mente sustentada de que o desenvolvimento é uma soma
logias que usamos a fim de (re) orientar as ações, condu- de unidades de experiências de aprendizagem. Para alguns
zindo-as na direção da participação coletiva. psicólogos o desenvolvimento é reduzido a uma série de
A Pedagogia de Projeto se insere nessa postura, exigi- itens específicos aprendidos, e então o desenvolvimento
do dos sujeitos que a assume uma nova forma de conce- seria a soma, a acumulação dessa série de itens específi-
ber a educação escolar: mais flexível e aberta. Para isso, é cos. Penso que essa é uma visão atomísta que deforma o

208
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

estado real das coisas. Na realidade, o desenvolvimento é intelectuais não podem ser explicados por meio de des-
o processo essencial e cada elemento da aprendizagem crições dos elementos da consciência nem tampouco pe-
ocorre como uma função do desenvolvimento total, em las analises comportamentais baseadas na associação de
lugar de ser um elemento que explica o desenvolvimento. estímulo/ resposta. Piaget encontra ainda uma psicologia
Começarei, então, com uma primeira parte tratando com o fortemente influenciada pelas ideias de Freud que questio-
desenvolvimento e falarei sobre aprendizagem na segunda na a ênfase dada aos processos conscientes, afirmando o
parte. papel fundamental do inconsciente para a compreensão do
Para compreender o desenvolvimento do conhecimen- desenvolvimento da personalidade humana.
to, devemos começar com uma ideia que parece central Piaget realiza duas primeiras pesquisas em psicologia,
para mim -- a ideia de uma operação. O conhecimento não a ciência psicológica mantém como objeto de estudo um
é uma cópia da realidade. Para conhecer um objeto, para sujeito cindido em matéria e espiritual, o que, consequen-
conhecer um acontecimento não é simplesmente olhar e temente, determina uma divisão na comunidade científica.
fazer uma cópia mental, ou imagem, do mesmo. Para co- Sem perder de ponto de vista o propósito de estudar
nhecer um objeto é necessário agir sobre ele. Conhecer é a gênese do conhecimento humano, Piaget, no início de
modificar, transformar o objeto, e compreender o processo seu trabalho, vai elaborando, ao mesmo tempo, teoria e
dessa transformação e, consequentemente, compreender métodos próprios. Ambos mantêm entre si uma relação
o modo como o objeto é construído. Uma operação é, as- de reciprocidade garantida pela duplicidade funcional que
sim, a essência do conhecimento. É uma ação interiorizada caracteriza esse procedimento metodológico: o método
que modifica o objeto do conhecimento. Por exemplo, uma clínico-experimental funciona ao mesmo tempo como um
operação consistiria na reunião de objetos em uma classe, instrumento de diagnóstico e de descoberta.
para construir uma classificação. Ou uma operação consis- Piaget introduz o método clinico – até então usado nas
tiria na ordenação ou colocação de coisas em uma série. clinicas psiquiátricas – na pesquisa psicológica com o obje-
Ou uma operação consistiria em contagem ou mensura- tivo de obter informações mais precisas sobre o raciocínio
ção. Em outras palavras, é um grupo de ações modificando na criança ou, em outras palavras, visando estudar como se
o objeto, e possibilitando ao sujeito do conhecimento al- estrutura o conhecimento humano. Uma das peculiarida-
cançar as estruturas da transformação. (...) des desde método é o diálogo não padronizado, mantido
entre o pesquisador e a criança, que permite obter qua-
CONCEPÇÃO DE JEAN PIAGET dros mais reais do pensamento infantil bem como fugir ao
modo tradicional de entrevistas compostas de perguntas
Proposta teórica elaboradas previamente.
Jean Piaget nasceu em Neuchâtel, Suécia, 1896 – 1980. Apesar de, em seus últimos trabalhos, Piaget ter mi-
Sempre mostrou interesse pelas ciências naturais. nimizado o papel da linguagem na estrutura do pensa-
Seus estudos epistemológicos demonstravam que tan- mento, ela permanece como fator de extrema importância
to as ações externas como os processos de pensamento enquanto via de acesso à reflexão infantil. É por meio da
implicam na organização lógica. Ele buscava conjugar duas linguagem que a criança justifica suas ações, afirmações e
variáveis - o lógico e o biológico – numa única teoria e, negociações e, ainda, é através dela que se pode verificar
com isso, apresentar uma solução ao problema do conhe- a existência ou não de reciprocidade entre ação e pensa-
cimento humano. mento e, consequentemente, o estágio de desenvolvimen-
Piaget logo percebeu que a lógica não é inata; ao con- to cognitivo da criança.
trário, trata-se de um fenômeno que se desenvolve grada- A postura teórico-metodológica de Jean Piaget e suas
tivamente. Assim, acreditar no procedimento experimental explicações acerta do desenvolvimento mental podem ser
como um meio capaz de permitir a descoberta de uma es- melhor compreendidas quando se considera a influência
pécie de embriologia ou gênese do conhecimento. A obra de sua formação (em biologia) na elaboração dos princí-
piagitiana, comprometida fundamentalmente com a expli- pios básico que orientam sua teoria. Dentre os aspectos
cação do processo de desenvolvimento do pensamento, que a Piaget transfere da biologia para a concepção psico-
compreende dois momentos: os trabalhos iniciais atribuem genética, podem ser destacados: o ajustamento de antigas
uma importância capital, na estrutura do pensamento, à estruturas a novas funções e o desenvolvimento de novas
linguagem e à interação entre as pessoas, revelando, dessa estruturas para preencher funções antigas, o que pressu-
forma, um modelo mais comprometido com o social. pões, no desenvolvimento, uma corrente contínua onde
O modelo psicogenético mais difundido hoje é a obra cada função se liga a uma base pré-existente e, ao mesmo
de Piaget que se concentra na ação e manipulação de ob- tempo, se transforma para ajustar-se a novas exigências do
jetos que passam a construir, juntamente com a maturação meio, ocorrendo, então, o que Piaget denomina de adap-
biológica, os fatores essenciais na estrutura do pensamen- tação. Dos dois princípios básicos e universais da biologia
to. – estrutura e adaptação – encontram-se também presentes
Uma segunda frente teórica, em psicologia, com a qual na atividade mental, já que para ele a inteligência é uma
Piaget se depara e que vinha ocupando cada vez mais es- característica biológica do ser humano.
paço nas pesquisas desta área no início do século, é re- De acordo com Chiarottino, as observações piagetia-
presentada pelos psicólogos da Gestalt. A teoria da forma nas sobre o comportamento infantil trazem implícitas as
ou procurar mostrar que alguns fenômenos perceptivos e hipóteses que, assim como existem estruturas específicas

209
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

para cada função no organismo, da mesma forma existirão O primeiro estágio denomina-se sensório-motor por-
estruturas específicas para o ato de conhecer, capazes de que “... à falta de função simbólica, o bebê ainda não apre-
produzir o conhecimento necessário e universal tão perse- senta pensamento nem afetividade ligados a representa-
guido pela filosofia. Piaget acredita, ainda, que essas estru- ções, que permitam evocar pessoas ou objetos na ausência
turas não aparecem prontas no organismo, antes sim, pos- deles”. (Piaget e Inhleder, 1986, p. 11).
suem uma gênese que justificaria o contraste entre lógica Piaget define o segundo estágio de desenvolvimento
infantil e a lógica adulta. A partir do exercício dos reflexos cognitivo como pré-operatório, e o principal progresso
biológicos, que se transformam em esquemas motores e desse período em relação ao seu antecedente é o desen-
através da ação a criança constrói, gradativamente, suas volvimento da capacidade simbólica instalada em suas di-
estruturas cognitivas que se manifestam numa organização ferentes formas: a linguagem, o jogo simbólico, a imitação
sequencial chamado por Piaget de estágio de desenvolvi- postergada, etc. a criança não depende mais unicamente
mento cognitivo. das sensações e de seus movimentos. Ela dispõe de esque-
O conjunto de comportamentos reflexos de recém- mas de ação interiorizados, também chamados de esque-
-nascido, por exemplo, transforma-se através de seu exer- mas representativos, podendo desta forma, distinguir um
cício nos primeiros esquemas de ação ou estruturas cog- significante (imagem, palavra ou símbolo) daquilo que ele
nitivas identificáveis. Piaget afirma que o importante para significa (o objeto ausente), o significado. Mas, mesmo a
o desenvolvimento cognitivo não é a sequência de ação criança dispondo de esquemas internalizados, nessa fase
empreendidas pelas crianças, consideradas isoladamente, ela ainda não dispõe de um fator essencial ao desenvolvi-
mas sim o esquema dessas ações, isto é, que nelas em geral mento cognitivo, que é a reversibilidade no pensamento:
e pode ser transposto de uma situação para outra. não consegue assim, desfazer o raciocínio, no sentido de
A compreensão do conceito de esquema na teoria pia- retornar do resultado ao ponto inicial.
getiana implica em se considerar os aspectos endógenos e As principais tarefas a serem cumpridas no pré-opera-
exógenos envolvidos na constituição deste mecanismo. A cional é a descentração, o que significa sair da perspectiva
troca permanente que o organismo estabelece com o meio do “eu” como único sistema e referência. Ela fixa apenas
possibilita tanto as transformações observáveis, que ocor- em um aspecto particular da realidade, o que determina,
rem no nível exógeno (as quais identificam a formação do dentre outras limitações, um desequilíbrio em seu pensa-
sistema de esquemas), como as transformações internas ou mento conceitual. Por exemplo, num jogo simbólico quan-
endógenas (por meio das quais se constituem as estruturas do a criança assimila o modelo ao seu “eu”, predomina a
mentais). É somente na troca do organismo com o meio assimilação, enquanto na imitação, onde a criança ajusta
que se dá a construção orgânica das referidas estruturas. sua ação a modelos externos, predomina a acomodação.
A função adaptativa compreende dois processos dis- Existem ainda outras estruturas típicas dessa fase que po-
tintos e complementares: assimilação e acomodação. O dem ser citadas, tais como: o raciocínio transdutivo ou in-
primeiro refere-se à incorporação a novas experiências ou tuitivo, de caráter pré-lógico, que se fundamenta exclusiva-
informações a estrutura mental, sem, contudo, alterá-la. mente na percepção.
Para Piaget, “... em seu início, a assimilação é, essencial- No estágio das operações concretas, Piaget observa
mente a utilização do meio externo, pelo sujeito, tendo em que as operações, ao contrário das ações, sempre impli-
vista alimentar seus esquemas hereditários ou adquiridos”. cam em relação de troca. A tendência para a socialização
(1975, p. 326). Por outro lado, a acomodação se define pelo da forma de pensar o mundo acentua-se ainda mais neste
processo de reorganização dessas estruturas, de tal for- período, evoluindo de uma configuração individualizada
ma que elas possam incorporar os novos conhecimentos, (egocêntrica), para outra mais socializada, onde as regras
transformando-os para se ajustarem as novas exigências ou leis de raciocínios (quais sejam, as ditadas pela lógica)
meio. são usadas, em comum por todas as pessoas.
De acordo com a concepção piagetiana, o desenvolvi- O último estágio de desenvolvimento mental é o ope-
mento cognitivo compreende quatro estágios ou períodos: ratório-formal e apresenta como principal característica a
o sensório-motor (do nascimento aos 2 anos); o pré-ope- distinção entre o real e o possível. O adolescente é capaz
racional (2 a 7 anos); o estágio das operações concretas (7 de pensar em termos abstratos, de formular hipóteses e
a 12 anos) e, por último, o estágio das operações formais, testá-las sistematicamente, independente da verdade.
que corresponde período da adolescência (dos 12 anos em Nesse período, os esquemas de raciocínio, antes indutivos,
diante). Cada período define um momento do desenvolvi- sofrem importante evolução manifestada na incorporação
mento como um todo, ao longo do qual a criança constrói do modelo hipotético-dedutivo.
determinadas estruturas cognitivas. Um novo estágio se
diferencia dos precedentes pelas evidencias, no compor- Pressupostos Filosóficos e Epistemológicos
tamento, o de que a criança dispõe de novos esquemas, A filosofia kantiana, bem como algumas epistemoló-
contendo propriedades funcionais diferentes daquelas ob- gicas contemporâneas, especialmente a Fenomologia, o
servadas nos esquemas anteriormente. O aparecimento de Evolucionismo bergsoniano e o Estruturalismo, exerceram
determinadas mudanças qualitativas indica o início de um uma influência decisiva na elaboração dos princípios que
outro estágio ou período de desenvolvimento intelectual. compõem a teoria psicogenética.

210
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Com a preocupação de selecionar dentre os mode- O objeto equivalente ao esquema intuído só se encon-
los epistemológicos aqueles de maior peso na teoria de tra na experiência: aos sentidos compete intuir e ao enten-
Piaget, optou-se por deter-se nas ligações que o mesmo dimento representar, entendendo por representações sen-
mantém com o pensamento de Kant, Husserl, Bergson e, síveis numa consciência. Para Kant, a natureza em geral (no
fundamentalmente, com o Estruturalismo. sentido material) é acessível ao homem pela sua própria
condição enquanto ser sensível, e a natureza no sentido
A influência Kantiana formal (como complexo de regras) lhe é possível pela ca-
Kant desenvolveu seu pensamento no contexto do ilu- pacidade de entendimento; pela sua razão, através da qual
minismo (séculos XVIII e XIX), objetivando resgatar, criticar as representações sensíveis devem, necessariamente, ser
e superar duas vertentes que o precederam: o racionalismo relacionadas em uma consciência.
idealista (Descartes) e o empirismo (Hume). O confronto No processo de conhecimento há um ponto que deve
entre Kant e essas duas tendências epistemológicas se ex- ser destacado: a filosofia kantiana traz implícita uma nova
pressa, basicamente, na discussão de como se constrói o compreensão da relação entre o sujeito e o objeto. Os ra-
conhecimento, buscando explicar como se dá a relação en- cionalistas acreditam na existência de um acordo entre a
tre os elementos do universo. ordem das ideias e as coisas, sendo Deus o princípio desta
É, pois, a atividade do “eu”, do sujeito formal a priori, harmonia.
somada às intuições empíricas, que possibilita a constru- O entendimento que Piaget tem dessa mesma ques-
ção do fenômeno. A conjunção de ambas as perspectivas tão guarda estreitas semelhanças com o raciocínio de Kant,
– razão e experiência – é a grande síntese que Kant faz, onde o próprio Piaget admite estar envolvido em questões
validando a ciência e negando a metafisica. originárias da filosofia kantiana. Assim como Kant, ele tam-
Segundo Kant, o homem não chega a conhecer a es- bém se preocupa com as condições prévias as quais o ser
sência das coisas. A construção do fenômeno é o limite humano deve dispor para construir seu conhecimento.
máximo ao qual o sujeito pode ascender. Admitindo a hi- Há muito de Kant em Piaget quando se trata da ques-
pótese de que a conexão entre causa e efeito surge a re- tão da linguagem (o conceito de Kant sobre a faculdade de
petição da experiência, ele concluiu que a razão se engana julgar). No pensamento de Kant, a modalidade do juízo não
ao considerar estas ligações como criação sua. Se a razão diz respeito ao conteúdo do mesmo, mas sim à estrutura-
tivesse a faculdade de conceber tais conexões, estas não ção do nosso conhecimento. Logo, ele está pressupondo a
passariam de simples ficções, assim como seus pretensos existência e a validade dessa estrutura a toda inteligência
conhecimentos a priori não passariam de experiências mal humana.
rotuladas. Com o intuito de determinar as condições de todo co-
Kant se opõe também aos pensadores racionalistas nhecimento possível, Piaget retoma a problemática kantia-
que atribuem a causa dos fenômenos a uma inteligência na buscando explicar as relações entre lógica, linguagem e
divina. Para ele, o processo de conhecimento implica, de pensamento à luz da biologia e da concepção do ser hu-
um lado a existência de um objeto a ser conhecido, que mano como um animal simbólico.
suscita a ação do pensamento humano e, de outro, a par-
ticipação de um sujeito ativo capaz de pensar, de estabe- A Contribuição da Fenomenologia Husserliana
lecer relações entre conteúdos captado e pelas impressões A influência de Husserl sobre as ideias de Jean Piaget
sensíveis, a partir das suas próprias condições para conhe- não é, absolutamente, determinante como foi o pensa-
cer, ou seja, a partir da razão. mento de Kant. A fenomenologia, originárias dos postu-
Nessa perspectiva kantiana, o processo de conhe- lados de Edmund Husserl, nasce no século passado como
cimento tem início na experiência. E através dela que os uma contestação ao método experimental, especialmente
objetivos tocam os sentidos humanos produzindo repre- enquanto instrumento a serviço das ciências do homem e,
sentações que põem em movimento a faculdade ou ativi- entre estas, em particular a psicologia.
dade do entendimento. Entretanto, isso não significa que A fenomenologia ocupa-se, fundamentalmente, com a
o conhecimento se origina da experiência. A atividade do descrição pura da realidade, ou seja, do fenômeno enten-
entendimento é, apenas, provocada por impressões sen- dido como sendo aquilo que se oferece ao olhar intelec-
síveis, pois a verdadeira fonte do conhecimento consiste tual, em outras palavras, significa estudar a constituição do
nos juízos a priori que se encontram na própria faculda- mundo na consciência. Daí que, se a análise fenomenológi-
de do conhecimento, na razão. Kant identifica e propõe ca consiste em desvelar o ser absoluto das coisas, isto é, a
a conjugação de duas formas para se conhecer o real: a essência, ela deve ocupar-se da realidade pura (fenomêni-
empírica, proveniente da experiência pratica, e a intuição ca), dos significados intuídos pela razão.
logica, pensada pela razão pura. Kant acredita ainda que o Para Husserl, a relação entre sujeito e objeto, entre o
conhecimento sensível não representa as coisas como elas pensamento e o ser, se estabelece pela intencionalidade,
são, mas somente o modo como afetam o sentido. As in- sendo, portanto, uma ligação indissociável da qual todo
tuições sensíveis fornecem ao entendimento, para reflexão, pesquisador deve partir quando pretende atingir o real. Em
representações de fenômenos (ou da realidade) e não as outras palavras, o mundo se apresenta à consciência e esta,
próprias coisas. por sua vez, lhe dá sentido.

211
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Em última análise Piaget e Husserl, os dois epistemólo- Como Bergson, Piaget também acredita que a essên-
gos em questão, empenharam-se em construir um conhe- cia do fenômeno (no caso, o pensamento, a consciência)
cimento cuja validade fosse considerada universal. Salvo as não é algo estalico. Ao contrário, trata-se de uma estrutura
especificidades de cada teoria, pode-se observar que, as- dinâmica, cujo movimento se caracteriza justamente por
sim como Husserl empreende esforços no sentido de des- uma construção sucessiva e continua de fases que, mesmo
vendar as essências nos fenômenos (por acreditar serem tendo duas origens calcadas na experiência empírica, na
estas expressões de um conhecimento “puro” e atemporal, ação, encaminham-se no sentido de atingir formas de pen-
portanto válido impendentemente da época e contexto), samento cada vez mais independentes desde referencial
Piaget também pretende, com sua teoria psicogenética, prático. Assim, fica claro que Piaget, à semelhança de Berg-
oferecer uma explicação universal para o processo por son, pretende conjugar introspecção e experimentação na
meio do qual o homem constrói seu conhecimento. tentativa de explicar como se produz o conhecimento.
De maneira geral, é possível inferir que Piaget, não po-
A Contribuição do Evolucionismo Bergsoniano dendo fugir a sua sólida formação de biólogo e, ao mesmo
Essa metodologia tem três princípios fundamentais: o tempo, não querendo curvar-se diante das teses o empiris-
primeiro pauta-se na ideia de que sociedade e natureza mo determinista, encontra em Bergson o apoio e o espaço
põem ser, epistemologicamente, tratadas da mesma forma. dos quais necessitava para validar o conhecimento objeti-
Em seguida, admite-se que na vida social, assim como na vo, sem destituí-lo de sua subjetividade.
natureza, reina uma harmonia natural, sem ambiguidades. A Influência Estruturalista
Consequentemente, toda ruptura desse estado de harmo- A maior influência exercida sobre o grande teórico da
nia é visto como sinônimo de desequilíbrio e desadapta- psicologia cognitiva deve-se à corrente estruturalista, cuja
ção. O terceiro princípio caracteriza-se pela crença de que a ideia fundamental de que o conhecimento se organiza em
sociedade é regida por leis naturais, invariáveis, e, portanto, estruturas cognitivas hierarquicamente construídas. O es-
independentes da vontade e da ação humana. truturalismo não é representado por uma única linha de
Esse sistema teórico coloca-se como uma continuidade pensamento. Ao contrário, ele se caracteriza justamente
pela diversificação. O que une e dá convergência às dife-
ao “positivismo espiritualista”, que insiste na impossibilida-
rentes formas de pensamento estruturalista é a noção pri-
de de se fazer da psicologia uma ciência da natureza, uma
mordial de estrutura.
vez que para atingir a essência do objeto ao qual se volta
Contudo, a ideia de que uma estrutura consiste em um
não pode abrir mão da introspecção, da análise da expe-
conjunto de elementos relacionados, onde toda modifica-
riência interna.
ção ocorrida num elemento ou relação, modifica os outros
Bergson acredita que a experiência interna, uma vez
elementos ou relações, não garante ao estruturalismo uma
desvencilhada dos conceitos e construções por meio dos
escola única. Inúmeros teóricos têm invocado o método
quais se exprime, mostra-se em sua autenticidade como estruturalista para fins e em campos científicos diferen-
aquilo que verdadeiramente é, ou seja, como pura qualida- tes. No campo específico desta epistemologia é a área das
de e não como quantidade. Bergson prega ainda o retorno ciências humanas, onde as pesquisas estão voltadas para
à ação cociente, ao “imediato”. Para ele, a dificuldade em o estudo do indivíduo em sociedade e para sua cultura.
apreender consciência, no seu momento atual, enquanto Dentro deste enfoque, a linguagem adquire fundamental
fenômeno qualitativo em constante transformação, se deve importância por ser ela veículo de comunicação e de liga-
à própria natureza da inteligência. A psicologia positivista, ção entre o homem e o mundo.
eliminando este aspecto qualitativo dos processos psico- O estruturalismo morou nas ciências contemporâneas,
lógicos, concebe uma inteligência composta, de unidades pode-se destacar: na área da linguística, o pensamento de
homogêneas e comparáveis, pois só assim a igualdade, a Saussure que, pretendendo estabelecer leis gerais de fun-
adição e a medida desses fenômenos tornam-se possíveis. damento de uma língua e terminou transferido para campo
Para Bergson a intuição (valendo-se da introspecção) das ciências humanas. Na antropologia, o estruturalismo
coloca-se como o único método através do qual se pode etnológico nasce com Claude Lévi-Strauss, que tinha por
conhecer e explicar, de forma satisfatória, os processos psi- objetivo atingir leis gerais de funcionamento de certas es-
cológicos. O modelo filosófico sistematizado por Bergson truturas culturais, mais especificamente aquelas que regem
é marcado por uma forte tendência metafísica: é através da os sistemas de parentesco e a produção dos mitos culturas
intuição que o homem conhece a realidade. Defendendo primitivas. Michel Foucault, tomando como ponto de parti-
uma nova concepção de metafísica, ele consegue conjugar da as teses estruturalistas defendidas por Lévi-Strauss, ocu-
– no método introspectivo – intuição e ação, destacando pou-se com o estudo da mentalidade (das representações
esta última no plano da consciência. Assim, o “eu” profun- humanas, da “episterme”), construindo sistemas que lhe
do, que consegue captar a essência do objeto, não é um a permitissem explicar as relações, isto é a estrutura dessas
priori transcendental, configurado de forma única, pron- representações nas áreas de linguística, biologia, história
ta e acabada desde o início. O “eu” metafísico, tal como e, sobretudo, na área de economia política. A psicanalise
ele o descreve, refere-se exclusivamente à consciência do tem em Lacan seu principal representante do pensamento
sujeito. Ocorre que a consciência imediata (aquela que o estruturalista. Ele se utiliza da estrutura da linguagem para
sujeito tem ao agir sobre o ambiente) não é a mesma para decifrar o inconsciente, por acreditar que a parte conscien-
todos os objetos ou fenômenos. Cada fenômeno suscita te da personalidade humana é largamente comandada
uma percepção e uma construção particular. pelo inconsciente.

212
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Nesta perspectiva, o sujeito do conhecimento adqui- que todo conhecimento implica, necessariamente, uma
re primazia sobre o objeto de estudo, pois ele é o que relação entre dois polos, isto é, entre o sujeito que busca
pensa, e ele que elabora o sistema ou modelo teórico por conhecer e o objeto de ser conhecido desenvolvimento da
meio do qual irá explicar a realidade. Três são os principais aprendizagem privilegia o sujeito, o endógeno, a organiza-
elementos que constituem essa capacidade: os ritmos, as ção interna, diminuindo o papel do objeto, do meio físico e
regulações, ambos próprios de mecanismos estruturais, social, do exógeno, da experiência. Esta situação se inverte
presentes em toas as escalas biológicas e as operações quando o polo passa a ser a aprendizagem.
que, em outras palavras, referem-se às leis que orientam Inicialmente, Piaget se propôs a estudar o processo
a totalidade. Em sendo o organismo a fonte do sujeito, ele de desenvolvimento do pensamento e não a aprendiza-
é também fonte das totalidades e auto regulações. O con- gem em si. Na perspectiva piagitiana, o outro polo desta
ceito de transformação implica o de formação e o de auto relação, ou seja, o objeto do conhecimento refere-se a um
regulação sugere capacidade de autoconstrução. meio genérico, que engloba tanto os aspectos físicos como
O processo de constituição das estruturas (que perma-
os sociais. As estruturas mentais funcionam classificando e
nece constante até que sejam elaborados os esquemas do
ordenando a experiência, este funcionamento é condição
pensamento lógico-formal, quando então, já adolescente,
de extrema importância para o ato de conhecer, aprender
o sujeito terá completado o desenvolvimento dos meca-
nismos cognitivos ou formas de operar) ocorre da seguin- ou atribuir significados. A construção do conhecimento (do
te maneira: uma estrutura é composta de um conjunto de real) é uma conquista do homem que se realiza através da
elementos que se relacionam entre si. Toda vez que estas ação.
relações produzem novas combinações (dadas as novas Quando a criança descobre que a soma de um con-
condições maturacionais do organismo e os diferentes junto é independente da ordem espacial dos elementos,
estímulos provenientes do meio ambiente), a estrutura se ela está abstraindo o conhecimento de sua própria ação e
reequilibra, se reorganizando internamente, ultrapassando não dos objetos. De um sistema de ações ou operações de
a estrutura precedente. nível inferior o sujeito abstrai certas características (formas)
A teoria da forma, ou Gestalt, teve origem na Alema- que permitem a reflexão sobre ações ou operações de nível
nha, durante a primeira metade do século XX, e desen- superior. O conhecimento provém das ações que o sujeito
volveu-se nos EUA, em oposição à psicologia positivista. exerce sobre os objetos.
Essa teoria exerceu forte influência sobre o conhecimento Para Piaget, o conhecimento compreende duas gran-
produzido em psicologia, aliados à formação de físico que des fases da constatação, da abstração empírica, da com-
Köhler havia recebido, ele acreditava que determinados preensão, das explicações, da abstração reflexiva. As estru-
fenômenos psíquicos (como o desenvolvimento da inteli- turas do conhecimento precedem todas as ações, estrutu-
gência) poderiam ser explicados transpondo-se conceitos ras que se encaminham para formas de pensamento cada
da física para a psicologia. Nas teorias de campo, trata-se vez mais ricas. O processo de construção do conhecimento
de uma totalidade previamente estruturada, desprovida de obedece, pois, uma linha evolutiva que parte da ação cons-
sua função estruturante. ciente e conduz ao pensamento formal, ou seja, ao conhe-
Piaget adota outra conduta. Ele acredita que num su- cimento lógico-matemático.
jeito ativo, que constrói e regula suas estruturas cognitivas Na concepção de Piaget, o problema está estreitamen-
na proporção de seus desenvolvimentos, através de um te vinculado ao problema da aprendizagem: aprender é
processo contínuo de abstrações reflexivas e equilibrações saber, fazer (realizar) e conhecer é compreender a situa-
no sentido de auto regulação, tendo em vista suas neces- ção distinguindo as relações necessárias das contingentes.
sidades e os estímulos do meio. Para ele, conhecimento é
É atribuir significado às coisas, considerando não apenas
consequência da ação como um todo, onde a percepção
os aspectos explícitos do fenômeno, mas principalmente o
constitui apenas, função de sinalização onde o sujeito só
implícito, o possível.
conhece um objeto na medida em que age sobre ele, trans-
Piaget distingue aprendizagem de maturação que é
formando-o.
Piaget não acredita que o estruturalismo consista em baseada em processos fisiológicos e distingue aprendiza-
uma crença ou filosofia e justifica: se assim o fosse, já teria gem de conhecimento, pois o conhecimento é a soma de
sido ultrapassado. Segundo ele, trata-se de um método, coordenações. Já o conceito de aprendizagem são as con-
e a tarefa que se apresenta ao pesquisador é recuar para tribuições provenientes do meio externo. Desta forma, Pia-
então poder analisar, à luz do estruturalismo “autentico”, get diferencia a aprendizagem do processo de equilibração
“metódico” (estruturalismo psicogenético), tudo o que foi que regula o desenvolvimento dos esquemas operativos de
produzido até agora, sob a orientação desta matriz episte- acordo com as contribuições internas ao organismo. Toda
mológica. aprendizagem pressupõe a utilização de um sistema lógico
(ou pré-lógico) capaz de organizar as novas informações.
A Relação entre Desenvolvimento e Aprendizagem O sistema de equilibração coloca-se como elo de li-
gação entre o desenvolvimento e a aprendizagem, com-
A relação entre desenvolvimento e aprendizagem está binando os fatores de ação externa com os fatores de or-
presente, ainda que de forma implícita, nas diferentes teo- ganização interna, inerente à estrutura cognitiva. Piaget
rias psicológicas que se ocupam em estudar o comporta- identifica dois tipos de aprendizagem: num sentido estrito
mento, o pensamento ou o psiquismo humano. É sabido e num sentido amplo. No sentido estrito, aprendizagem re-

213
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

fere-se aos conteúdos adquiridos em função da experiên-


cia. Já a aprendizagem em sentido amplo compreende as PIMENTA, SELMA, G.A. A CONSTRUÇÃO DO
aquisições que não são devidas diretamente à experiência, PROJETO PEDAGÓGICO NA ESCOLA DE 1°
mas construídas por processos dedutivos. GRAU. IDEIAS, N° 8, 1.990, P 17-24.
Na verdade, aprendizagem propriamente dita equivale
tão somente à aquisição de novos conteúdos. Como todo
conteúdo só pode ser atingido pela mediação de uma for- A CONSTRUÇÃO DO PROJETO PEDAGÓGICO NA ES-
ma, não é difícil perceber que, na concepção de Piaget, o COLA DE 1 ° GRAU
processo de aprendizagem é subjugado ao processo de
desenvolvimento, sendo por este condicionado. A construção do projeto pedagógico na escola, a meu
Segundo Piaget, quanto mais uma teoria de aprendi- ver, é um trabalho coletivo de professores e pedagogos
zagem se distancia das necessidades do sujeito, mais ela empenhados em colocar sua profissão a serviço da demo-
terá de apelar para fatores motivacionais (externo), a fim cratização do ensino em nosso país. Organizei esta expo-
de explicar o desencadeamento do processo de aprendi- sição em três eixos, iniciando por explicitar o que entendo
zagem. Ele lembra que a grande maioria das situações de por democratização do ensino e o que entendo por Pe-
aprendizagem (especialmente com as crianças que já de- dagogia, na tentativa de chegarmos a uma síntese sobre
senvolveram o pensamento operatório) repousam numa o trabalho pedagógico coletivo enquanto caminho para a
estrutura logico matemática e, por isso, comporta uma ra- efetiva democratização.
zão necessária. Democratização do Ensino - Conceito superado?
Ao proferir uma conferência no Centro Internacional de Quando iniciamos um tema com o nome “Democrati-
Epistemologia Genética sobre desenvolvimento e aprendi- zação do Ensino”, corremos o risco de provocar observa-
zagem, Piaget faz uma distinção entre esses dois fenôme- ções do tipo: “este é um conceito superado”, ‘Já ouvimos
nos. A aprendizagem é provocada por situações externas, falar dele tantas vezes”, como se democracia fosse uma
moda passageira. Entendo que não. A democracia é ab-
enquanto o desenvolvimento é um processo espontâneo,
solutamente necessária para que possamos ter condições
ligado à embriogênese e que se refere à totalidade das
sociais justas. Falo, pois, da necessidade de batalharmos
estruturas de conhecimento é comparável ao crescimento
por uma democracia política e social. Como entender aí a
orgânico: como este, o desenvolvimento do pensamento
democratização do ensino? Existem muitas formas.
orienta-se sempre para um estado de equilíbrio. Da mesma
Sem entrar em detalhes, abordarei a concepção liberal
maneira que um corpo evolui até alcançar um nível relati- de democratização do ensino, uma vez que a evolução e os
vamente estável (onde a maturidade e o crescimento dos ecos que nos chegam hoje sobre o tema vêm no bojo da
órgãos se encontram concluídos), também a vida mental ideologia do liberalismo, para a qual democratização deve
pode ser concebida como uma dinâmica que evolui rumo ser entendida como ampliação da escola para todos. (A es-
a uma forma de equilíbrio final, representada pelo pensa- cola para todos foi desenvolvida em alguns países, adjeti-
mento adulto. Assim sendo, o desenvolvimento pode ser vada como pública - o que não ocorreu em outros, como
entendido como um processo de equilibração progressiva; o nosso, onde a escola que se expandiu até a metade do
uma passagem continua de um estado de menor equilíbrio século XX foi a particular.)
para um estado de equilíbrio superior. Quanto mais desen- Esta concepção liberal tem sua formulação no bojo das
volvidas forem as formas de pensamento, maior será sua conquistas da humanidade – em consequência da Revo-
estabilidade e plasticidade. lução Francesa, da Revolução Industrial -, bem como no
início da constituição do capitalismo.
Fonte Este reclamo de expansão da escolaridade afirma
Andreia STONA, S. A. como pressuposto que a escola é um direito de todos os
cidadãos, e que o Estado deveria oferecê-la e colocá-la ã
Referência disposição de todos. No Brasil, a relatividade da democra-
PIAGET, Jean. Desenvolvimento e aprendizagem. Trad. cia está exatamente na maneira de se compreender este
Paulo Francisco Slomp. UFRGS- PEAD 2009/1 todo e na forma como a evolução da escolaridade se deu
no bojo desta concepção liberal. Se é fato que a escola está
ã disposição de todos, isto não significa que efetivamente
é de direito de todos. A escola que se oferece para todas
não está desenraizada das condições sociais. Muito ao con-
trário, é uma escola que está imbricada na própria forma
como a sociedade está organizada.
Na medida em que a sociedade capitalista baseia-se na
divisão de classes sociais, em que as diferenças são justifi-
cadas por uma pseudodesigualdade natural, temos aí uma
forma ideológica de explicar a desigualdade social.

214
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Então, desta forma, a escola “está” oferecida para todos. O que deixa isto saltar aos nossos olhos é um exemplo
No entanto, se as pessoas não têm condições de ter acesso bastante simples. O avanço que podemos identificar hoje
a ela e de nela permanecer, isto é interpretado como um na Medicina é um avanço de conhecimento gigantesco,
problema delas. Ou seja, por esta ótica liberal, as pessoas fabuloso, a ponto de realizar um transplante de órgãos,
não conseguem galgar os degraus que a escola oferece, por exemplo. Isto requer um conhecimento altamente so-
porque nasceram com incapacidade para tal. fisticado e elaborado. No entanto, ao lado deste avanço
Em verdade, esta é uma falsa justificativa da desigual- do conhecimento científico na área da Medicina, temos a
dade social. A democratização do ensino na ideologia libe- maioria das crianças e da população brasileira morrendo
ral vai trazer como consequência a organização do apare- de doenças para as quais essa Ciência já encontrou remé-
lho escolar e da estrutura do ensino, subdividida conforme dio há muito tempo. Este exemplo mostra claramente o
a divisão das classes sociais: a escola profissionalizante uso do conhecimento em favor de interesses dominantes.
para os filhos das trabalhadores e a escola regular para os Entendo que a democratização do ensino é a reivindi-
da elite, instituindo-se um sistema dual de ensino. A finali-
cação pela expansão da educação escolar pública. Portan-
dade explícita do ensino profissionalizante é a preparação
to, não admitindo a privatização nem a diferenciação de
da mão-de-obra para o mercado de trabalho, ou seja, para
escola conforme interesses dominantes, e julgando que a
a manutenção do método de produção capitalista.
finalidade precípua da escola é desenvolver formação ge-
Podemos concluir daí que a democracia liberal expan-
de efetivamente a escolaridade; no entanto, não lhe inte- ral nos alunos, colocando-os em condições de compreen-
ressa equacionar o problema da impossibilidade do acesso der este mundo no qual se situam e de perceber, pelos
e da permanência, na medida em que sustenta um modelo conhecimentos científicos, os mecanismos de dominação
de escola incapaz disto e expande um sistema dual de en- existentes no mundo, estando, com isto, de posse de um
sino, calcado na desigualdade social, portanto incapaz de instrumento que lhes dê meios de interferir na sociedade.
ultrapassar essa mesma desigualdade. Entendida a democratização do ensino nesta perspec-
Neste ponto, indagamos: como entender a questão da tiva crítica, é importante que situemos, ainda que em bre-
reivindicação da escola para todos, isto é, como entendera ves pinceladas, como esta questão tem-se apresentado na
democratização do ensino? escolarização brasileira.
A reivindicação da escola para todos permanece como Inquestionavelmente, o sistema de escolas no Brasil
princípio necessário, como princípio válido. No entanto, foi ampliado de algumas décadas para cá. Todavia, esta
precisamos ter o cuidado de, no momento que defender- ampliação, sobretudo da escola de 1° Grau, foi calcada
mos esta tese, qualificar o que significa este para todos, no conceito liberal de democracia, o que nos permite en-
porque se permanecermos numa leitura liberal teremos contrar uma explicação para o que ocorre hoje nas nossas
esta deturpação, que explica de alguma forma a degenera- escolas. De um lado esta ampliação não foi ainda genera-
ção da escola no Brasil, hoje. lizada na sua totalidade. Mais do que isto, de outro lado a
Numa perspectiva crítica, a escola para todos requer generalização que ocorreu provocou ou foi trabalhada na
que a definamos como pública, gratuita, de boa qualidade perspectiva de manter a escola no limite da sobrevivência,
e única - ou seja, uma escola mantida pelo Estado enquan- em precárias condições.
to equalizador das contribuições dos cidadãos, portanto A escola brasileira é uma escola que até existe. Contu-
gratuita, organizada e funcionando de forma a assegurar do, está muito distante de responder aos anseios da po-
que todos tenham acesso a ela, que nela permaneçam, pulação que a frequenta, muito distante de responder às
aprendam; por fim uma escola de formação geral, sem a mínimas condições de trabalho dos profissionais que nela
dualidade de classes. exercem a sua profissão, muito distante de ser considerada,
Há que se repensar, portanto, a própria organização,
efetivamente, um serviço público.
expansão e funcionamento da Escola Pública. Uma escola
Neste ponto, abrimos espaço para entender como,
que trabalhe o conhecimento de forma a superar a divi-
nesta reflexão, é possível e necessário imbricamos na ques-
são da sociedade em classes, bem como a dualidade esco-
tão pedagógica.
la acadêmica para a elite/escola profissionalizante para o
pobre. Entretanto, deve ser uma escola de 1o. e 2o. Graus
com a finalidade precípua de trabalhar o conhecimento, na A Pedagogia é Necessária?
perspectiva de socializá-lo, ou seja, de que todos os alunos
tenham acesso e possibilidade efetiva de ter o domínio do Para situarmos a importância da construção do projeto
conhecimento - o conhecimento que dê condições de en- pedagógico na democratização do ensino, é necessário ex-
tender, compreender, fazer a leitura das condições de do- plicitarmos o entendimento que temos da Pedagogia.
minação existentes no mundo historicamente situado, na O que é Pedagogia no Brasil? O que tem sido? Para
sociedade brasileira historicamente situada, de tal maneira que serve?
que os alunos consigam compreender o quanto e cano a Com a ampliação desregrada dos cursos de Pedagogia
apropriação do conhecimento científico tem-se dado con- no Brasil, na década de 70, bem como com a implanta-
tra os interesses da humanidade como um todo e o quanto ção da Lei n° 5.692/71, grande parte das Escolas Públicas
o conhecimento tem sido apropriado como condição dos passou a contar com o pedagogo -supervisor de ensino e
privilégios dominantes. orientador educacional - nos seus quadros.

215
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Naquela época, uma reforma nos cursos de Pedago- locais do Brasil profissionais que se debruçam sobre os fa-
gia incorporou a visão tecnicista da Educação, enfatizan- tos e a prática, e que estão fazendo teoria, publicando as
do o fazer pedagógico fragmentado e destituído de uma conclusões dos últimos anos. Esta produção acadêmica é
compreensão teórica dos problemas da Educação e, em resultante da relação entre as universidades, as secretarias
especial, da educação escolar brasileira, uma vez que es- da Educação e os sistemas públicos, e está-nos possibili-
tava calcada em modelos estrangeiros e numa formação tando enxergar com mais clareza os fatos educacionais.
aligeirada. Nesta diretriz, um caminho que tem sido apontado é
Assim, os pedagogos, incorporando as mazelas de sua o de examinarmos o que ocorreu e ocorre na escola de 1°
formação, via de regra, passaram a atuar como burocratas Grau e no sistema de ensino como um todo.
do sistema, vigilantes da ordem estabelecida. Se lembrar- Particularmente, tenho-me debruçado sobre o fazer
mos que a ordem vigente era o autoritarismo do regime pedagógico intrínseco à educação escolar de 1° e 2° Graus,
militar, que no avanço do capitalismo brasileiro manteve entendendo-o como campo de estudos dos especialistas.
e acentuou a escola nos limites da precária sobrevivência, Nestes estudos temos destacado a complexidade dos fe-
então concluiremos que a reformulação dos cursos de Pe- nômenos da aprendizagem, dos sistemas de organização
dagogia, bem como das licenciaturas que formam profes- administrativa do complexo chamado escola e das diferen-
sores, associada ao descaso dos governos pela Educação, tes e múltiplas formas de organização que apontam para a
veio consolidar o empobrecimento da Escola Pública. direção de uma escola na democratização do ensino. Nesta
Por isso é que fomos tentados a imputar “a culpa” pelo perspectiva, entendo que a teoria da Educação, como refle-
fracasso da escola aos pedagogos, colocando-os como tra- xão sobre a prática, aponta para a importância de os profis-
dutores do modelo fabril e fragmentadores do processo sionais denominados pedagogos atuarem neste complexo
educativo escolar, responsabilizando-os como expropria- chamado escola. Assim, a formação destes profissionais
dores dos conhecimentos dos professores. Em que pese a precisa estar voltada na direção de responder aos reclamos
importância da denúncia contida nestas afirmações, pare- da realidade escolar.
ce-me que tais teses estão a merecer análises aprofunda- Neste sentido, o trabalho dos pedagogos circunda a
das, que examinem a Pedagogia na totalidade da educação atividade mais importante da escola - que é a sala de aula.
escolar brasileira. Mas o trabalho que determina o fazer pedagógico não se
A Pedagogia entre nós é recente. O primeiro curso foi limita à sala de aula; ele a extrapola
instituído legalmente em 1939. Nestes 50 anos ocorreram Assim, todas as questões ligadas à administração da
muitas idas e vindas. Tivemos uma Pedagogia importada, organização escolar, todas as questões ligadas à interdis-
mal-importada, modelada ora na França, ora nos Estados ciplinaridade, todas as questões relacionadas ao trabalho
Unidos, ora na Espanha, e acabamos incorporando-a, sem coletivo, às formas de organização escolar que melhor pro-
nos perguntarmos sobre sua validade. O que é uma Peda- piciam o trabalho coletivo, todas as questões vinculadas à
gogia brasileira? O que deve ser’? Em que a Pedagogia, na articulação da escola com a sua realidade imediata, ligadas,
sua história, na sua vasta história, pode contribuir para a portanto, a horário, grade, organização do funcionamento
criação de um pensamento pedagógico brasileiro? didático-pedagógico, todas as questões ligadas à discus-
Estamos engatinhando nestas questões, podendo, no são do que é necessário na perspectiva de democratização,
entanto, constatar avanços. O primeiro refere-se à concei- à insuficiência existente na formação dos professores, à
tuação de Pedagogia; o segundo, à já significativa produ- questão salarial, à administração da educação mais ampla,
ção pedagógica brasileira. enfim, são questões pedagógicas; são questões que se tra-
Hoje podemos dizer que temos alguma compreensão duzem no fazer pedagógico e que requerem profissionais
do que possa vir a ser a Pedagogia. É possível afirmá-la competentes para isto.
como uma teoria, uma teoria da Educação. Entendemos É evidente que, ao acentuar esta competência, penso
por teoria a constituição de um pensamento refletido so- que tenha ficado bem claro que esta é necessariamente
bre uma prática que se volta para a prática. Podemos, por- uma competência política, uma competência que aponta
tanto, assumir com Francisco LARROYO (1944) que o fato para a formação e o exercício da profissão em determina-
pedagógico é anterior à teoria, como o é, aliás, em toda das condições histórico-sociais da educação escolar. Por
ciência. E ainda assumir com KOWARZICK (1974) que, para isso é que me parece extremamente importante que se te-
ultrapassarmos a constatação do fato, a teoria pedagógi- nha muita clareza quando falamos em democratização do
ca deve ser dialética, isto é, ela deve encarar a sua tarefa ensino.
conscientemente como a de ser ciência prática - ciência
prática da e para a práxis educacional, ou seja, temos aqui Construção do Projeto Pedagógico - Um fazer coletivo
um movimento da teoria à prática e desta à teoria. Nesta
perspectiva, e assumindo o quanto de riqueza isto traz para Admitir um projeto significa ter consciência do que se
o avanço do conhecimento da teoria pedagógica entre nós, quer, ou seja, se falo em projeto pedagógico tenho de ter,
podemos identificar um segundo aspecto positivo na Edu- previamente, clareza de que me estou pautando em deter-
cação brasileira. É o fato de que desde 1980 temos tido minadas concepções de Educação e de ensino. Acredito que
possibilidade de nos debruçar sobre os fatos da Educação o ponto de partida para o projeto real é a explicitação de
brasileira, orientados por visões teóricas, refletindo sobre que queremos uma Escola Pública democrática - daí a im-
eles e construindo novas teorias. Podemos situar em vários portância de firmarmos o que entendemos por democracia.

216
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

A escola que se quer democrática precisa definir, a sociedade e os modelos sociais vigentes nessa sociedade
priori, uma nova qualidade, que passa, dentre outras, pelas - o que se faz pelo ensino crítico dos conteúdos. As rela-
questões de organização escolar - uma organização esco- ções democráticas de trabalho na escola favorecem a con-
lar que modifique a realidade que aí está, a partir dessa secução deste núcleo. A participação dos professores na
realidade encontrada. organização da escola, nos conteúdos a serem ensinados,
Um dos requisitos de uma nova qualidade pode ser de- nas suas formas de administração, será tão mais efetiva-
finido por professores capacitados, com formação especí- mente democrática na medida em que estes dominarem
fica e experiência, selecionados por critérios de competên- os conteúdos e as metodologias dos seus campos espe-
cia, conforme um quadro de carreira que impeça influên- cíficos, bem como o seu significado social, pois só quem
cias clientelísticas. A organização administrativa da escola domina as suas especificidades numa perspectiva de to-
precisa colocar-se a serviço do pedagógico, o que significa: talidade (significado social da prática de cada um) é capaz
• compor turmas, turnos e horários adequados a crité- de exercer a autonomia na reorganização da escola, a fim
rios pedagógicos que favoreçam a aprendizagem; de melhor propiciar a sua finalidade: democratização da
• prever capacitação em serviço e assistência didático- sociedade pela democratização do saber.
-pedagógica constante aos professores, de forma a asse- Que organização escolar favorece a consecução do
gurar o retomo dos benefícios para a escola; objetivo de torná-la um instrumento de emancipação das
• definir equipes didático-pedagógicas (orientação pe- camadas populares?
dagógica e educacional) de assessoria à atividade docente A esta indagação a resposta imediata é que certamen-
na escola; te não é a escola que aí está, pois esta há anos cumpre
• assegurar horários para reuniões pedagógicas, abrin- a função de expulsar os alunos provenientes das camadas
do espaço para a discussão sobre questões do ensino, para médias e baixas que têm tido acesso a ela, pela ampliação
a troca de experiências, para o estudo sobre temas de Edu- quantitativa de vagas. Tal escola está organizada a partir do
cação que favoreçam a melhoria da qualidade do trabalho aluno “ideal”. Calcada no modelo da classe dominante, ela
docente; se estrutura segundo o princípio da homogeneidade, que,
• articular as disciplinas do currículo de modo a asse- partindo de uma suposta uniformidade das características
gurar conteúdos orgânicos; de ingresso da população, tem de se conformar com um
• acompanhar o rendimento dos alunos e prever for- critério de prioridade estatística, com base na qual se defi-
mas de suprir possíveis requisitos, sem rebaixar o nível do niu o aluno médio, isto é, dotado suficientemente das qua-
ensino. lidades necessárias para aprender e só ter de reproduzir na
A organização escolar que se faz necessária é uma or- salda a mesma variabilidade real das condições de entrada.
ganização competente pedagogicamente, de forma a alte- Este aluno sempre teve o acesso e a permanência na esco-
rar o atual quadro da escola que aí está. la garantidos. Assim, do ponto de vista dos conteúdos de
A organização escolar é, por assim dizer, o conteúdo ensino, dosagem, ritmo etc.; das metodologias de ensino;
do trabalho coletivo de professores e pedagogos na cons- do tipo de relação entre professor e aluno, aluno e escola,
trução do projeto pedagógico - projeto este com clareza escola e pais, professores e técnicos, professores entre si;
de seus fins, que se efetive no cotidiano; por isso é constru- da grade horária, distribuição das aulas na semana, horá-
ção, não está pronto, acabado, mas se faz com profissionais rios; da sistemática de avaliação, aprovação, reforço etc., a
competentes/comprometidos. Escola Pública que aí está tem cumprido a função seletiva e
A construção do projeto pedagógico pelo coletivo dos de evasão que privilegia os já privilegiados.
educadores escolares objetiva a democratização do ensino, No entanto, à indagação feita - que organização es-
cujo núcleo é a democratização do saber, que passa agora colar favorece a consecução do objetivo de torná-la um
a se diferenciar da democratização das relações internas, instrumento de emancipação das camadas populares? - é
sem, no entanto, se desvincular delas. preciso responder que é a partir da escola que está aí que
A democratização das relações internas da escola se deve construir a “nova”. Ou seja, a organização escolar
constitui mediação para a democratização da Educação, o que possibilitará a consecução do objetivo de emancipa-
que não significa diminuir sua importância; pelo contrário, ção das camadas populares será engendrada a partir das
admitir a democratização das relações internas como me- condições existentes, porque, dentre outras razões, é na
diação para a democratização da educação significa consi- escola que aí está que encontramos elementos válidos que
derá-la condição sine qua non desta, porém não a única. As mostram possibilidades para o que deve ser a nova organi-
relações democráticas na escola, a participação nas deci- zação escolar. Em outras palavras, não se trata de conceber
sões, o envolvimento da equipe de professores no trabalho previamente um tipo de organização escolar ideal, mas de
são mediações básicas do objetivo do trabalho docente - garimpar no já existente os elementos que, fortalecidos,
ensinar de modo a que os alunos aprendam -, mas não são apontam para novas práticas, o que requer pesquisas, aná-
suficientes nem exclusivas. lises, observações e experimentação, conduzidas a partir
Portanto, opor a democratização do saber à democra- da finalidade de colocar a escola como instância socializa-
tização das relações internas, como se fossem polos ex- dora do saber para as camadas populares.
cludentes, é um falso problema. Cumpre reafirmar que o A organização da escola é competência tanto dos pro-
núcleo de trabalho docente é o ensino-aprendizagem, en- fissionais docentes como dos não-docentes. Seria ingênuo
quanto mediação entre os indivíduos que compõem uma advogar que o professor de sala de aula deve suprir todas

217
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

as funções que estão fora da sala de aula, mas que nela Enfim, trata-se de os educadores propiciarem, no inte-
interferem, quer dizer, interferem no trabalho docente, o rior da escola, condições as mais favoráveis possíveis para a
que não significa que este só atue na sala de aula. Assim, democratização do ensino, lembrando com B. CHARLOT (A
as tarefas que são objeto do trabalho social coletivo dos mistificação pedagógica p. 293) que: “Elaborar um sistema
profissionais da escola podem ser listadas como segue: pedagógico é definir um projeto de sociedade e tirar dele
• Seleção, distribuição e organização dos conteúdos a as consequências pedagógicas”.
serem ensinados, considerados relevantes na prática social.
Os conteúdos têm objetivos sociopolíticos- por isso devem Fonte
ser selecionados a partir da prática social existente, a qual PIMENTA, Selma, G.A. A Construção do Projeto Peda-
deve passar pelo crivo da crítica, a fim de que se construa gógico na Escola de 1º Grau. Ideias nº 8. 1.990, p 17-24.
uma prática social transformadora. Desta forma, as fontes
para a seleção dos conteúdos são a natureza primária en-
quanto objeto de conhecimentos; a natureza transformada
pela ação dos homens (natureza secundária); as relações QUEIROZ, CECÍLIA T. A. P. DE; MOITA,
sociais; o conhecimento em si. Impõe-se como tarefa ne-
FILOMENA M. G. DA S.C.. FUNDAMENTOS
cessária, pois, a revisão dos conteúdos, cujos princípios
norteadores devem ser a visão política da educação escolar SÓCIO- FILOSÓFICOS DA EDUCAÇÃO.
como prática social situada numa sociedade de classes; o CAMPINA GRANDE; NATAL: UEPB/UFRN,
domínio dos conteúdos específicos pelos diferentes pro- 2007. (MEC/SEB/SEED).
fessores; o conhecimento e a constante identificação das
possibilidades socioculturais individuais dos alunos; a arti-
culação das matérias (conteúdos) do ensino. A revisão dos A tendência liberal tradicional
conteúdos se dá a partir do que é historicamente necessá-
rio (a transformação da situação de desigualdades sociais), A tendência tradicional está no Brasil, desde os jesuítas.
articulado com o que é historicamente possível (a situação O principal objetivo da escola era preparar os alunos para
de desigualdades sociais). assumir papéis na sociedade, já que quem tinha acesso às
O trabalho de revisão dos conteúdos requer o concur- escolas eram os filhos dos burgueses e a escola tomava
so de todos os profissionais da escola. Para cada princípio como seu papel principal, fazer o repasse do conhecimento
de seleção e organização dos conteúdos ora expostos é moral e intelectual porque através deste estaria garantida
preciso que os profissionais da educação escolar, partindo a ascensão dos burgueses e, consequentemente, a manu-
das condições existentes, tomem decisões e estabeleçam tenção do modelo social e político vigente. Para tanto, a
formas de suprir aquilo que inexiste: as condições de traba- proposta de educação era absolutamente centrada no pro-
lho para a consecução do núcleo do trabalho docente que fessor, figura incontestável, único detentor do saber que
é o ensino-aprendizagem. deveria ser repassado para os alunos. O papel do professor
• A complexidade da organização escolar requer o estava focado em vigiar os alunos, aconselhar, ensinar a
concurso de profissionais não-docentes que, tendo deter- matéria ou conteúdo, que passivos. Nessa concepção de
minadas competências, devem cuidar de tarefas relativas ã ensino o processo de avaliação carregava em seu bojo o
articulação dos conteúdos; à composição de turmas homo- caráter de punição, muitas vezes, de redução de notas em
gêneas, heterogêneas, bem como ao que fazer com cada função do comportamento do aluno em sala de aula. Essa
uma delas; ao acompanhamento didático-pedagógico aos tendência pedagógica foi/é muito forte em nosso modelo
professores, em virtude de novos tipos de organização de educação, ainda hoje, tanto no ensino fundamental e
curricular - por exemplo, a do Ciclo Básico -, em face das médio como no ensino superior, que vive uma salada de
questões metodológicas e de articulação de conteúdos- concepções pedagógicas. Sabemos que os professores são
-métodos, em virtude da avaliação que deve ser constante- fruto da sua formação escolar, social e política, que esta se
mente diagnosticada, requerendo conhecimentos técnicos reflete na sua prática pedagógica, quando esta não é pen-
específicos, bem como das dificuldades de aprendizagem sada/refletida cotidianamente, nesse caso, temos um ciclo
que os alunos apresentam. É importante ressaltar, ainda, vicioso: formado sem reflexão –formo alunos sem reflexão,
que as decisões quanto a horários adequados às possibili- também.
dades dos alunos, dos períodos escolares - quantos, como
organizá-los, número de alunos em sala, distribuição das A tendência liberal renovada (subtítulo)
matérias na semana, combinação dos horários de estudo e
de trabalho em aula e os horários de merenda e recreação Novos ventos mudaram o mundo, no que diz respeito
de tal forma a possibilitar o aproveitamento máximo dos às concepções filosóficas e sociológicas da educação. Por
trabalhos escolares; os dias letivos -, sua utilização favo- volta dos anos 20 e 30, o pensamento liberal democrático
rável para ampliar as possibilidades de estudo e trabalho chega ao Brasil e à Escola Nova
escolar, a atribuição de aulas e distribuição dos professores , chega defendendo a escola pública para todas as ca-
nas turmas de forma a propiciar a melhoria qualitativa do madas da sociedade.
trabalho em aulas são questões administrativas que reque- Para Saviani, apud Gasparin (2005), a Escola Nova aca-
rem a competência, não exclusiva, do pedagogo, especia- ba por aprimorar o ensino das elites, rebaixando o das
lista da Educação. classes populares. Mas, mesmo recebendo esse tipo de

218
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

crítica, podemos considerá-la como o mais forte movimen- O tecnicismo defendia, além do princípio da neutralidade,
to “renovador” da educação brasileira. A tendência liberal já citada, à racionalidade, a eficiência e a produtividade.
renovada manifesta-se por várias versões: a renovada pro- A educação, a escola passa a ter seu trabalho fragmenta-
gressista ou pragmática, que tem em Jonh Dewey e Anísio do com o objetivo de produzir os “produtos” sonhados e
Teixeira seus representantes mais significativos; a renovada demandados pela sociedade capitalista e industrial. Tais
não-diretiva, fortemente inspirada em Carl Rogers, o qual como: o microensino, o tele-ensino, a instrução programa-
enfatiza também a igualdade e o sentimento de cultura da, entre outras. Subordina a educação à sociedade capi-
como desenvolvimento de aptidões individuais; a cultu- talista, tendo como tarefa principal à produção de mão
ralistas; a piagetiana; a montessoriana; todos relacionadas de obra qualificada para atender ao mercado, trazendo
com os fundamentos da Escola Nova ou Escola Ativa. Por para os alunos e para as escolas consequências perversas,
educação nova entendemos a corrente que trata de mudar a saber:
o rumo da educação tradicional, intelectualista e livresca, 1. A sociedade passou a atribuir a escola e a sua tec-
dando-lhe sentido vivo e ativo. Por isso se deu também nologia toda a responsabilidade do processo de aprendi-
a esse movimento o nome de `escola ativa´” (LUZURIAGA, zagem, negando os saberes trazidos pelos alunos e pelos
1980, p. 227). professores;
Enfim, considerando suas especificidades e propostas 2. Incutiu a ideia errada de que aprender não é algo
de práticas pedagógicas diferentes, as versões da pedago- inerente ao ser humano e sim um processo que ocorre
gia liberal renovada têm em comum a defesa da forma- apenas a partir de técnicas específicas e pré-definidas por
ção do indivíduo como ser livre, ativo e social. “Do ponto especialistas;
de vista da Escola Nova, os conhecimentos já obtidos pela 3. O professor passou a ser refém da técnica, repassa-
ciência e acumulados pela humanidade não precisariam ser da pelos manuais e o aluno a ser um mero reprodutor de
transmitidos aos alunos, pois acreditava-se que, passando respostas pré-estabelecidas pela escola. Assim, se o aluno
por esses métodos, eles seriam naturalmente encontrados quisesse lograr sucesso na vida e na escola, precisava ape-
e organizados” (FUSARI e FERRAZ, 1992, p. 28). Essa ten- nas responder ao que lhe foi ensinado e reproduzir, sem
dência retira o professor e os conteúdos disciplinares do
questionar e/ou criar algo novo;
centro do processo pedagógico e coloca o aluno como
4. O bom professor deveria observar o desempenho
fundamental, que deve ter sua curiosidade, criatividade,
do aluno, apenas com o intuito de ajustar seu processo de
inventividade, estimulados pelo professor, que deve ter o
aprendizagem ao programa vivenciado;
papel de facilitador do ensino. Defende uma escola que
5. Cada atividade didática passou a ter momento e lo-
possibilite a aprendizagem pela descoberta, focada no in-
cal próprios para ser realizada, dentre outras. Naturalmente
teresse do aluno, garantindo momentos para a experimen-
que este modelo, que defende a fragmentação do conhe-
tação e a construção do conhecimento, que devem partir
cimento, calcado na crescente especialização da ciência
do interesse do aluno. Essa concepção pedagógica sofreu
e sofre distorções fortes por parte de alguns educadores. compromete a construção de uma visão global por parte
Muitos defendiam essa tendência, mas na prática, abriam dos educadores, impossibilitando ou dificultando, muitíssi-
mão de um trabalho planejado, deixando de organizar o mo, o desenvolvimento de um ser humano mais integrado
que deveria ser ensinado e aprendido com a falsa desculpa interiormente e participante socialmente. Vele salientar,
de que o aluno é o condutor do processo. Nova parada que essa tendência pedagógica marcou fortemente as dé-
para relembrar e resumir o que foi estudado: cadas de 70 e 80 e tem influência ainda hoje.

A tendência liberal tecnicista As Tendências Progressistas surgem, também, na Fran-


ça a partir de 1968, e no Brasil coincide com o início da
A Tendência Liberal Tecnicista começa a se destacar abertura política e com a efervescência cultural. Nesta
no final dos anos 60, quando do desprestígio da Escola concepção a escola passa a ser vista não mais como re-
Renovada, momento em que mais uma vez, sob a força do dentora, mas como reprodutora da classe dominante. Em
regime militar no país, as elites dão destaque a um outro nível mundial, três teorias em especial deram a base para o
tipo de educação direcionada às grandes massas, a fim de desvelamento da concepção ingênua e acrítica da escola:
se manterem na posição de dominação. Tendo como prin- Bourdieu e Passeron (1970) com a teoria do Sistema en-
cipal objetivo atender aos interesses da sociedade capita- quanto Violência Simbólica; Louis Althusser (1968) com a
lista, inspirada especialmente na teoria behaviorista, cor- teoria da escola enquanto Aparelho Ideológico do Estado;
rente comportamentalista organizada por Skinner que traz e Baudelot e Establet (1971) com a teoria da Escola Dualis-
como verdade inquestionável a neutralidade científica e a ta. Todas elas classificadas como “crítico-reprodutivistas”,
transposição dos acontecimentos naturais à sociedade. O mas nenhuma delas apresenta uma proposta pedagógica
chamado “tecnicismo educacional”, inspirado nas teorias explicita, buscam apenas, a explicar as razões do fracasso
da aprendizagem e da abordagem do ensino de forma sis- escolar e da marginalização da classe trabalhadora. Defen-
têmica, constituiu-se numa prática pedagógica fortemente dem a necessidade de superação, tanto da “ilusão da es-
controladora das ações dos alunos e, até, dos professores, cola como redentora, como da impotência e o imobilismo
direcionadas por atividades repetitivas, sem reflexão e da escola reprodutora” (Saviani, 2003). Nessa perspectiva,
absolutamente programadas, com riqueza de detalhes. Libâneo (1994), divide a Pedagogia Progressista em três

219
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

tendências: A Pedagogia Progressista Libertadora, A Pe- qualidade e garantida a todos os cidadãos. Essa tendência
dagogia Progressista Libertária, A Pedagogia Progressista defende, apoia e estimula a participação em grupos e mo-
Crítico-Social dos Conteúdos, que vamos ver mais detalha- vimentos sociais: sindicatos, grupos de mães, comunitários,
damente. associações de moradores etc.., para além dos muros esco-
lares e, ao mesmo tempo, trazendo para dentro dela essa
A tendência progressista libertadora realidade pulsante da sociedade. A necessidade premente
era concretizar a democracia, recém-criada, através de elei-
No final dos anos 70 e início dos 80, a abertura política ções para conselhos, direção da escola, grêmios estudantis
decorrente do final do regime militar coincidiu com a in- e outras formas de gestão participativa.
tensa mobilização dos educadores para buscar uma educa- No Brasil, os educadores chamados de libertários têm
ção crítica, tendo em vista a superação das desigualdades inspiração no pensamento de Celestin Freinet. Buscam a
existentes no interior da sociedade. Surge, então a “peda- aplicação concreta de suas técnicas, na qual os próprios
gogia libertadora” que é oriunda dos movimentos de edu- alunos organizavam seu trabalho escolar. A metodologia
cação popular que se confrontavam com o autoritarismo vivenciada é a própria autogestão, tornando o interesse pe-
e a dominação social e política. Nesta tendência pedagó- dagógico intrínseco às necessidades e interesses do grupo.
gica, a atividade escolar deveria centrar-se em discussões A tendência progressista crítico social dos conteú-
de temas sociais e políticos e em ações concretas sobre a dos ou histórico-crítica Essa tendência se constitui no fi-
realidade social imediata. nal da década de 70 e início dos 80 com o propósito de
O professor deveria agir como um coordenador de ati- ser contrária à “pedagogia libertadora”, por entender que
vidades, aquele que organiza e atua conjuntamente com os essa tendência não dá o verdadeiro e merecido valor ao
alunos. Seus defensores, dentre eles o educador pernam- aprendizado do chamado “saber científico”, historicamente
bucano Paulo Freire, lutavam por uma escola conscientiza- acumulado, e que constitui nosso identidade e acervo cul-
dora, que problematizasse a realidade e trabalhasse pela tural, A “pedagogia crítico-social dos conteúdos” defende
transformação radical da sociedade capitalista. Os segui- que a função social e política da escola deve ser assegurar,
dores da tendência progressista libertadora não tiveram a através do trabalho com conhecimentos sistematizado, a
preocupação de consolidar uma proposta pedagógica ex- inserção nas escolas, com qualidade, das classes populares
plícita, havia opção didática já aplicada nos chamados “cír- garantindo as condições para uma efetiva participação nas
culos de cultura”. Devido às suas características de movi- lutas sociais. Esta tendência prioriza, na sua concepção pe-
mento popular, essa tendência esteve muito mais presente dagógica, o domínio dos conteúdos científicos, a prática de
em escolas públicas de vários níveis e em universidades, do métodos de estudo, a construção de habilidades e raciocí-
que em escolas privadas. Pierre Bourdieu Filósofo e soció- nio científico, como modo de formar a consciência crítica
logo francês escreveu em parceria com Passeron, a obra La para fazer frete à realidade social injusta e desigual. Busca
Reproduction (A Reprodução), publicada em 1970. instrumentalizar os sujeitos históricos, aptos a transformar
Desenvolveram trabalhos abordando a questão da do- a sociedade e a si próprio. Sua metodologia defende que
minação, discutindo em sua obra temas como educação, o ponto de partida no processo formativo do aluno seja a
cultura, literatura, arte, mídia, linguística e política. Sua dis- reflexão da prática social, ponto de partida e de chegada,
cussão sociológica centralizou-se, ao longo de sua obra, na porém, embasada teoricamente. Entende que não basta
tarefa de desvendar os mecanismos da reprodução social repassar conteúdo escolar que aborde às questões sociais.
que legitimam as diversas formas de dominação. O mundo Complementa que se faz necessário, que os alunos tenham
social, para Bourdieu, deve ser compreendido à luz de três o domínio dos conhecimentos, das habilidades e capacida-
conceitos fundamentais: campo, habitus e capital. des para interpretar suas experiências de vida e defender
seus interesses de classe. Agora você verá um quadro resu-
A tendência progressista libertária mo, construído pela professora Terezinha Machado, que irá
lhe ajudar a visualizar as diferentes tendências pedagógicas
Essa tendência teve como fundamento principal rea- que estudamos até aqui. É importante que você saiba que
lizar modificações institucionais, acreditando que a partir estas tendências predominaram em determinado período
dos níveis menores (subalternos), irão modificando “con- histórico, o que não significa que deixaram de coexistir no
taminando” todo o sistema, sem definir modelos a priori e momento em que outra tendência começava a ser difun-
negando-se a respeitar qualquer forma autoridade ou po- dida; pensar assim seria simplificar demais as complexida-
der. Suas ideias surgem como fruto da abertura democrá- des da educação, também estas caracterizações estão num
tica, que vai se consolidando lentamente a partir do início plano geral e não aprofundado; pois, como já foi dito, a
dos anos 80, com o retorno ao Brasil dos exilados políticos intenção é discutir as tendências, situá-las a fim de relacio-
e com a conquista paulatina da liberdade de expressão, nar com a prática pedagógica dos professores no intuito
através dos veículos de comunicação de massa, dos meios de trazer rotas, mapas para a sua prática como professor
acadêmicos, políticos e culturais do país. Cresce o interesse de Geografia, nesse momento, em formação. Temos cons-
por escolas verdadeiramente democráticas e inclusivas e ciência que na prática mesmo, no dia a dia de sala de aula
solidifica- se o projeto de escola que corresponda aos an- e de vida profissional, o que vai definir sua atuação é a sua
seios da classe trabalhadora, respeitando as diferenças e os opção teórica, sua opção de classe, sua cidadania, que você
interesses locais e regionais, objetivando uma educação de irá articular a sua ação docente.

220
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Fonte
QUEIROZ, Cecília T. A. P. de; MOITA, Filomena M. G. da S.C. Fundamentos sócio-filosóficos da educação. Campina Gran-
de; Natal: UEPB/UFRN, 2007

RESENDE, L. M. G. DE. A PERSPECTIVA


MULTICULTURAL NO PROJETO POLÍTICO-
PEDAGÓGICO. IN: VEIGA, ILMA PASSOS
ALENCASTRO. ESCOLA: ESPAÇO DO PROJETO
POLÍTICO-PEDAGÓGICO. CAMPINAS:
PAPIRUS, 1998.

PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO: UM CONVITE À REFLEXÃO

O projeto pedagógico exige profunda reflexão sobre as finalidades da escola, assim como a explicitação de seu papel social e
a clara definição de caminhos, formas operacionais e ações a serem empreendidas por todos os envolvidos com o processo edu-
cativo. Seu processo de construção aglutinará crenças, convicções, conhecimentos da comunidade escolar, do contexto social e
científico, constituindo-se em compromisso político e pedagógico coletivo Ele precisa ser concebido com base nas diferenças exis-
tentes entre seus autores, sejam eles professores, equipe técnico- administrativa, pais, alunos e representantes da comunidade local.

221
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

É, portanto, fruto de reflexão e investigação. Nesse No que se refere ao princípio de liberdade da escola ou
sentido, e mediante observação e análise que se carac- na escola, segundo Veiga (2006), pode ser visualizado em
terizam por um contato direto do professor-pesquisador dois aspectos: enquanto autonomia da escola ou enquanto
com a situação pesquisada e que vão ocorrendo ao lon- liberdade na relação entre os diversos sujeitos na escola,
go de um tempo, no dia-a-dia da escola, os profissionais, diretor, professor, aluno e funcionário. Como um dos gran-
do seu cotidiano, observam o que ocorre, ouvem o que é des eixos que deveriam nortear a construção dos PPP está
dito, lêem o que é escrito, levantam questões, observam centralizada na liberdade, Medel (2013) define que, “[...] o
e registram tudo. Documentam o não-documentado, pro- eixo da liberdade que se expressa no âmbito do pluralis-
curando entender como ocorrem no interior da escola e mo de ideias e concepções pedagógicas e da proposta de
das salas de aula as relações pedagógicas, como é conce- gestão democrática do ensino, que será definida em cada
bido, executado e avaliado o currículo escolar, quais ati- sistema de ensino”. A condição para valorização dos pro-
tudes, valores e crenças são perseguidos, quais as formas fissionais da educação na escola, por sua vez, está ligada a
de organização do trabalho pedagógico. Tais dados servem formação acadêmica e continuada e a condição de traba-
para clarificar ás questões prioritárias e propor alternativas lho do professor.
de solução. André (1995, p. 111) afirma: Conhecer a escola Apesar de estarem também como preocupação nos
mais de perto significa colocar uma lente de aumento na PPPs, o campo de ação da escola é limitado, pois em geral,
dinâmica das relações e interações que constituem seu dia- a formação continuada é uma preocupação que vai além
-a-dia, apreendendo as forças que a impulsionam ou que a dos muros da escola. No Paraná, por exemplo, esta for-
retêm, identificando as estruturas de poder e os modos de mação é ofertada pela Secretaria de Educação; sindicatos;
organização do trabalho escolar, analisando a dinâmica de universidades; entre outros. Nesse cenário, as escolas com-
cada sujeito nesse complexo interacional. petem: a) proceder ao levantamento de necessidades de
Esse imprescindível esforço coletivo implica a seleção formação continuada de seus profissionais; b) elaborar seu
de valores a serem consolidados, a busca de pressupostos programa de formação, contando com a participação e o
teóricos e metodológicos postulados por todos, a identifi- apoio dos órgãos centrais, no sentido de fortalecer seu pa-
cação das aspirações maiores das famílias, em relação ao
pel na concepção, na execução e na avaliação do referido
papel da escola na educação da população e na contribui-
programa (VEIGA, 2006, p. 20).
ção específica que irá oferecer para “o pleno desenvolvi-
Restam-nos agora, os princípios de igualdade e quali-
mento do educando, seu preparo para o exercício da cida-
dade. Igualdade segundo Veiga (2006), na concepção que
dania e sua qualificação para o trabalho”(art. 2° da Lei n°
estamos utilizando, é igualdade de condição de acesso e
9.394/96).A análise do contexto externo consiste no estudo
permanência na escola. Já qualidade, nesta mesma con-
do meio no qual a escola está inserida e das suas intera-
ções,, Para fazer a análise do contexto externo, é necessário cepção, representa qualidade de educação para todos, o
identificar os principais participantes que interagem com a que implica não apenas uma qualidade formal técnica, mas
escola e analisar ás influências das dimensões geográficas, política. Sendo que a qualidade formal está ligada as ques-
políticas, econômicas e culturais. No decorrer do processo tões dos instrumentos, métodos e técnicas e a qualidade
de construção do projeto pedagógico, consideram-se dois política é vinculado à questão da participação.
momentos interligados e permeados pela avaliação: o da Poderíamos dizer que essa qualidade política é o que
concepção é o da execução. Para que possam construir esse permitiria a participação atuante e consciente da criança,
projeto, é necessário que as escolas, reconhecendo sua his- do educando na escola, na sociedade, pois partiria de um
tória e a relevância de sua contribuição, façam autocrítica projeto de educação plural, heterogêneo e multicultural
e busquem uma nova forma de organização do trabalho que reconhece a diversidade dos sujeitos na escola. E aqui
pedagógico; que “reduza os efeitos da divisão do trabalho, reside um problema que tem posta em xeque a qualidade
da fragmentação e do controle hierárquico” (Veiga 1996, p. política da escola, pois o que vem acontecendo na esco-
22). Quanto a concepção, um projeto pedagógico de quali- la em geral é o contrário, pois percebemos ao longo da
dade deve apresentar as seguintes características: história no sistema de educação, que privilegia um padrão
a) ser um processo participativo de decisões monocultural e homogêneo, que é considerado padrão de
b) preocupar-se em instaurar uma forma de organiza- normalidade e ignorando a composição multicultural e a
ção do trabalho pedagógico que desvele. heterogeneidade considerada anormal: [...]. o que parece
imperar é uma cultura da “objetividade ”, entendida como
Neste contexto, Resende (1998) nos lembra que a ges- uniformismo, como ataque à diversidade, com finalidade
tão democrática está em processo de construção devido à de favorecer a articulação de sociedade “mono”: monocul-
pouca experiência que temos com o exercício democrático. turais, mono linguísticas, monoétnicas, monoideológicas
Além disso, no cotidiano escolar segundo a mesma autora, etc. Pretende-se negar a diversidade para impor uma úni-
“Antes mesmo de se buscar sistematizar o projeto políti- ca cultura que se anuncia e se faz pública como “comum”,
co-pedagógico é indispensável analisar e atuar em espa- “consensual”, “valiosa” e “histórica (a de sempre) ”.
ços onde formas veladas de autoritarismo se transvertem Esta homogeneização cultural na escola para estudio-
criando verdadeiras barreiras contra criatividade, criticida- sos do tema tenderia a comprometer está qualidade da
de e a expressão das experiências vividas. [...]”. Consequen- educação para todos, pois é considerada uma das princi-
temente, a chamada Gestão Democrática na escola é ainda pais causas da repetência e evasão. Todavia, é oportuno es-
objeto de analises e reflexão (RESENDE, 1998, p 40). clarecer que: a escola de qualidade tem obrigação de evitar

222
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

de todas as maneiras possíveis a repetência e a evasão. Tem para que as diferenças culturais possam coexistir democra-
que garantir a meta qualitativa do desempenho satisfatório ticamente, mas principalmente, que se mantenha um olhar
a todos. Qualidade para todos, portanto vai além da meta constante acerca da tensão universal e particular no âmbito
quantitativa de acesso global, no sentindo que as crianças, da gestão escolar (MEDEL, 2013, p. 20).
em idade escolar, entrem na escola. É preciso garantir a
permanência dos que nela ingressarem[...]. Fonte
Um dos primeiros passos para a desconstrução desta DUARTE, A.; SILVA, R. T. C. Análise dos projetos políti-
homogeneizadora e monocultural seria a construção cole- co-pedagógico
tiva, de fato, do PPP, envolvendo professores, funcionários,
diretores, pais e/ou responsáveis, alunos e comunidade. Tal Referência
conduta seria por si só, um passo importante na constru- RESENDE, L. M. G. de. A perspectiva multicultural no
ção de uma escola que respeite e reconheça as diferenças projeto político-pedagógico. In: VEIGA, Ilma Passos Alen-
castro. Escola: espaço do projeto político-pedagógico.
e a pluralidades, haja vista a diversidade cultural, religiosa,
Campinas: Papirus, 1998.
de gênero, de classe, de etnia que estes agentes trazem em
si. Como lembra Medel (2013.), “Numa visão multicultural,
ao representar a identidade 9706 institucional da escola, o
PPP representa um esforço coletivo de conferir unidade a
partir da pluralidade. Essa unidade deve comportar espaços RIOS, TERESINHA AZEREDO. COMPREENDER
de pluralidade na sua definição e na sua implementação”. E ENSINAR: POR UMA DOCÊNCIA DE
Outro caminho que tem se apresentado é pensar que MELHOR QUALIDADE. SÃO PAULO: CORTEZ,
a educação nas relações étnico raciais vem a partir de uma 2001 (CAPÍTULOS 2 E 3).
perspectiva teórica-filosófica multicultural ou do multicul-
turalismo. Pensando que a abordagem multicultural permi-
te demonstrar o conservadorismo e as práticas discrimina-
tórias que tem se perpetuado na sociedade e na escola ao A autora apresenta neste texto, sua tese de doutorado
resgatar a diversidade cultural e as relações de poder que defendida em agosto de 2000 na Faculdade de Educação
estão implícitas nas interrelações destes diferentes grupos da Universidade de São Paulo apreciada por Selma Garri-
étnicos, culturais religiosos, etc: nas reflexões que desen- do Pimenta, (sua orientadora), Mário Sergio Cortella e José
volvo neste artigo, tomarei o multiculturalismo na imbrica- Carlos Libâneo. Ensinar é o enfoque do livro, que a auto-
ção dos dois significados, quais sejam, no reconhecimento ra faz com muita propriedade, uma vez que “fazer aulas “
da diversidade e no caráter intervencionista das ações des- e “ensinar” é a sua alegria. Fala de seus limites, o “largar
velando o cotidiano das pessoas, que é identificado como tudo”, mas retorna com esperança refletindo sua prática
natural e comum a todos, embora não o seja, permeado numa mistura de razão e paixão, é uma reflexão que em-
que é pelas disputas de relações de poder construídas so- preende uma busca de compreensão da realidade através
cialmente de forma desigual. (RESENDE, 2003, p. 33). da Filosofia e da Didática, chamada de ciência do ensino.
O multiculturalismo pode ser definido, a partir de Gon-
çalves e Silva (1998, p 13), como uma estratégia política ou COMPREENDER E ENSINAR NO MUNDO CONTEM-
ainda como um corpo teórico, que deve auxiliar ou orientar PORÂNEO
a produção do conhecimento. Já Peter Mclaren (2000), em
seu livro intitulado como “Multiculturalismo crítico”, indica É a articulação entre Filosofia e Didática - saberes que
contribuem para a construção contínua da competência
que há quatro tipos distintos de multiculturalismo, sendo
do professor. Filosofia - é a reflexão e a compreensão da
eles: o conservador ou empresarial; o humanista liberal; o
atuação dos seres humanos no mundo. Didática - é a preo-
multiculturalismo liberal de esquerda e o multiculturalismo
cupação com o ensino, a socialização, criação e recriação.
crítico. O autor ainda ressalta, no entanto que, não é uma
Tanto a Filosofia como a Didática são saberes humanos his-
divisão fechada, mas há diálogos entre elas. Assim, pensar toricamente situados e é preciso verificar as caraterísticas
a educação a partir do multiculturalismo, especificamente do contexto, nos quais eles desempenham suas funções e
o multiculturalismo crítico, seria uma maneira de romper quais as alternativas para que estes sujeitos possam «fazer
com a visão homogeneizadora e monocultural, pois traria acontecer». A responsabilidade pelo ensino está disper-
no seu bojo as vozes de sujeitos que até então foram rele- sa, mas há uma grande preocupação com ele e pode-se
gados a segundo plano, no currículo e na sociedade. Medel constatar que as demandas colocadas à Filosofia ainda são
(2013) destaca ainda que, é de suma importância pensar o muito grandes. Assim sendo, encontra-se no campo da
multiculturalismo para se pensar as tensões e conflitos que educação a perspectiva de uma ressignificação da ciência
permeiam a escola, no qual afirma que: o multiculturalismo do ensinar.
expõe como reflexão obrigatória voltar-se ás tensões que Nosso mundo, nosso tempo - precariedade e urgências
envolvem a escola e a cultura e a cultura da escola e sua – É necessário refletir sobre os possíveis caminhos através
inclusão em políticas curriculares e avaliativas estaduais e da Filosofia e da Didática. Na passagem do novo milênio,
nacionais, de modo que não apenas busque estratégias do novo século, o que se afirma é que se enfrenta uma

223
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

crise de significados da vida humana, das relações entre as Ensinar o mundo - Etimologicamente; didática em
pessoas, instituições e comunidades. A crise aponta para grego didaktika, derivado do verbo didasko - significado
duas perspectivas - perigo e oportunidades. Quando con- “relativo ao ensino”. Para Coménio - “a arte de ensinar”. A
sideramos o perigo, estamos envolvidos por uma atitude definição de Didática engloba duas perspectivas: uma ciên-
negativa, ignorando as alternativas de superação, e quan- cia que tem um objeto próprio, como um saber, um ramo
do considera-se a perspectiva de oportunidade, estamos à do conhecimento, e uma disciplina que compõe a grade
mercê da crítica, da reflexão e a da reorientação da prática. curricular dos cursos de formação de professores.
Este mundo, definido como pós- moderno, tem a re- O ensino como objeto da Didática, é considerado como
ferência de uma modernidade antecedente. A moderni- uma prática social que se dá no interior de um processo de
dade caracterizou-se como um período em que a razão é educação e que ocorre informalmente, seja espontânea, ou
como um elemento explicador e transformador do mundo. formalmente, de maneira sistemática, intencional e organi-
Ser moderno implicava em lançar-se à aventura da razão zada. De maneira organizada, se desenvolve na instituição
instrumental, tecnológica. Do ponto de vista político-e- escolar realizado a partir da definição de objetivos, conteú-
conômico instalou-se o modelo liberal, a defesa do livre dos a serem explorados no processo educacional. A rela-
mercado, o incentivo à especialização, a discussão sobre os ção professor-aluno, por intermédio do gesto de ensinar,
ideais de liberdade e igualdade. Globalização - fenômeno propicia um exercício de meditação, é o encontro com a
da expansão de inter-relações, principalmente de natureza realidade, considerando o saber já existente, e procura arti-
econômica, em uma escala mundial, entre países e socie- cular a novos saberes. Este processo possibilita aos alunos
dades de todo o mundo, reflete o progresso tecnológico a formação e o desenvolvimento de capacidades, habili-
e o crescimento da pobreza em todas as regiões do mun- dades cognitivas e operativas. Logo, o ensino através da
do. É a convivência com a exclusão social. É um mundo ação específica do docente caracteriza-se como uma ação
desencantado que despreza alguns valores fundamentais que se articula à aprendizagem. Diante desta apresenta-
na construção do mundo e do ser humano. Neste mundo ção, a autora faz um alerta reflexivo na seguinte frase: “O
complexo, também se tornam mais complexas as tarefas professor afirma que ensinou e que infelizmente os alunos
dos educadores. E neste contexto, qual será a atitude a se
não aprenderam”. A Didática é um elemento fundamental
tomar no campo do trabalho docente, na perspectiva da
para o desenvolvimento do trabalho docente. “Um bom
educação e da filosofia? A autora ressalta algumas deman-
professor é reconhecido pela sua didática”. Esse conceito
das que se configuram como desafios:
é identificado como um “saber fazer”. A Didática deve ser
- um mundo fragmentado exige para a superação da
entendida em seu caráter prático de contribuição ao de-
fragmentação, uma visão de totalidade, um olhar abran-
senvolvimento do trabalho de ensino, realizado no dia- a-
gente e, no que diz respeito ao ensino, a articulação estrei-
ta dos saberes e capacidades; dia da escola. (Oliveira, M.R.S., 1993:133-134).
- um mundo globalizado requer, para evitar a massifi- Didática e Filosofia da Educação: uma interlocução - Na
cação e a homogeneidade redutora, o esforço de distinguir, música de Gilberto Gil “Hoje o mundo é muito grande, por-
para unir a percepção clara de diferenças e desigualdades e, que a Terra é pequena” e no Vasto mundo de Drumond de
no que diz respeito ao ensino, o reconhecimento de que é ne- Andrade. O mundo cuja extensão se torna maior em função
cessário um trabalho interdisciplinar que só ganhará sentido da intervenção contínua dos seres humanos, construindo
se partir de uma efetiva disciplinaridade; - num mundo em e modificando a cultura e a história. Como ser professor
que se defronta a afirmação de uma razão instrumental e a neste mundo? O que é ensinar? Como e de que modo os
de um irracionalismo é preciso encontrar o equilíbrio, fa- alunos aprendem?
zendo a recuperação do significado da razão articulada ao A fragmentação do conhecimento, da comunicação e
sentimento e, no que diz respeito ao ensino, à reapropria- das relações comprometem a prática educativa. Portanto, é
ção do afeto no espaço pedagógico. preciso um novo olhar e uma articulação estreita de sabe-
res e capacidades para que a Filosofia da Educação abranja
Compreender o mundo - Através da Filosofia faz-se o processo educativo em todos os aspectos. A Didática ne-
uma reflexão e objetiva-se um saber inteiro com clareza, cessita dialogar com a diversidade dos saberes da docên-
abrangência e profundidade, orienta-se num esforço de cia, enfrentar os desafios e buscar alternativas para pensar
compreensão que é o desvelamento da significação, o va- e repensar o ensino. Este contexto implica a revisão de con-
lor dos objetos sobre os quais se volta. Conceito de com- teúdos, de métodos, do processo de avaliação, novas pro-
preensão - uma referência a uma dimensão intelectual e postas e novas organizações curriculares. Ensinar - Muitas
a uma dimensão afetiva. Faz-se necessária também uma questões se apropriam da prática docente, com o objetivo
atitude de admiração diante do conhecido. Aristóteles de estabelecer vínculos entre o conhecimento e a formação
afirmava que a admiração é o primeiro estímulo que o ser cultural, o desenvolvimento de hábitos, atitudes e valores.
humano tem para filosofar. Na prática, o que fascina e in- A autora ressalta com base em Selma G. Pimenta em
triga? A resposta está na vivência das situações-limite, ou “O estágio na formação de professores”- 1994, que são ne-
situações problemáticas. Quando se faz uma reflexão sobre cessárias novas questões para um novo cenário educacio-
o próprio trabalho, questiona-se a sua validade, o seu sig- nal e para o novo milênio. O fenômeno da globalização é
nificado. As respostas são encontradas em dois espaços: na uma percepção clara das diferenças e especificidades dos
prática - na experiência cotidiana; na reflexão crítica - sobre saberes, e das práticas para realizar um trabalho coletivo
os problemas que esta prática faz surgir como desafios. e interdisciplinar. Interdisciplina - ressalta “mistura de tra-

224
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

balhos” que é a maneira equivocada em que ocorre a in- referências no que diz respeito à noção de qualidade, e po-
terdisciplinaridade, em torno de um tema. Na verdade, a de-se trabalhar no campo da educação. A educação é um
interdisciplinaridade é algo mais complexo, que só ocorre processo de socialização da cultura, no qual se constroem,
quando trata verdadeiramente de um diálogo ou de uma se mantêm e se transformam os conhecimentos e os valo-
parceria, que é constituída exatamente na diferença, na es- res. A esta definição chama-se categoria da “substância”.
pecificidade da ação de grupos ou indivíduos que querem Se este processo de socialização se faz com a imposição de
alcançar objetivos comuns. É preciso ter muita clareza do conhecimentos e valores, ignorando as características dos
tipo de contribuição que cada grupo pode trazer, na espe- educandos, diremos que é uma má educação. Toda educa-
cificidade desta contribuição, que é a disciplinaridade. ção tem qualidades. A boa educação pela qual desejamos
e lutamos, é uma educação cujas qualidades carregam um
valor positivo.
Competência e Qualidade na Docência
Competência ou competências? - Como se abriga qua-
É uma reflexão sobre a articulação dos conceitos de
lidade no conceito de competência? O termo é recente e
competência e de qualidade no espaço da profissão do-
passa a ser uma referência constante. Perrenoud reconhece
cente. Estes termos são empregados com múltiplas sig-
que “a noção de competência tem múltiplos sentidos” e
nificações, gerando equívocos e contradições. A ideia de
segundo sua afirmação: (...) uma competência como uma
ensino competente é um ensino de boa qualidade. É fazer a
conexão estreita entre as dimensões: técnica, política, ética capacidade de agir eficazmente em um tipo definido de
e estética da atividade docente. Trata-se de refletir sobre os situação, capacidade que se apoia em conhecimentos, mas
saberes que se encontram em relação à formação e à práti- não se reduz a eles. Para enfrentar da melhor maneira pos-
ca dos professores. O conceito de qualidade é abrangente, sível uma situação, devemos em geral colocar em jogo e
é multidimensional. Na análise crítica da qualidade, devem em sinergia vários recursos cognitivos complementares,
ser considerados os aspectos que possam articular a ordem entre os quais os conhecimentos. As competências utili-
técnica e pedagógica aos de caráter político - ideológico. zam, integram, mobilizam conhecimentos para enfrentar
A reflexão sobre os conceitos de competência e qualidade um conjunto de situações complexas. “Como guia, um
têm o propósito de ir a busca de uma significação que se referencial de competências adotado em Genebra - 1996
alterou exatamente em virtude de certas imposições ideo- para a formação contínua”, (lista das 10 competências):
lógicas.
Em busca da significação dos conceitos: o recurso à 1 - Organizar e dirigir situações de aprendizagem;
lógica - A lógica formal permite analisar os conceitos em 2 - Administrar a progressão das aprendizagens;
sua própria constituição. Para Aristóteles, a lógica foi cha- 3 - Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferen-
mada de organon, necessária em todos os campos do ciação;
conhecimento. A compreensão dos termos tem sofrido 4 - Envolver os alunos em suas aprendizagens e em
modificações em virtude das características dos contextos seu trabalho;
em que são utilizados. Assim, o termo Competência, fre- 5 - Trabalhar em equipe;
quentemente é usado para designar múltiplos conceitos 6 - Participar da administração da escola;
como: capacidade, saber, habilidade, conjunto de habilida- 7 - Informar e envolver os pais;
des, especificidade. Portanto, no que se refere à Qualidade 8 - Utilizar novas tecnologias;
observa-se: programa de computadores, qualidade de um 9 - Enfrentar os deveres e dilemas éticos da profissão;
atleta, o controle de qualidade de produtos industriais. O 10- Administrar sua própria formação contínua.
que realmente é importante não são as palavras, os termos,
e sim os objetos da realidade que eles designam. No que
Com referência às 10 competências de Perrenoud, a
diz respeito à educação de qualidade refere-se à história
autora ressalta: “competências são as capacidades que se
da educação brasileira. Recentemente, menciona-se com
apoiam em conhecimentos”, é usado como sinônimo de
frequência a necessidade de competência no trabalho do
outros termos como: capacidade, conhecimento, saber.
educador.
Qualidade ou qualidades? - Há uma multiplicidade de Apresenta também, quatro tipos diferentes de competên-
significados: educação de qualidade, está se referindo a cias: (1998:14-16):
uma série de atributos que teria essa educação, ou seja, 1. competência intuitiva;
um conjunto de atributos que caracteriza a boa educação. 2 - competência intelectiva;
Usando a palavra Qualidade com a maiúscula, é na verdade 3 - competência prática;
um conjunto de “qualidades”. 4 - competência emocional.
Conforme a citação da autora, para Aristóteles, “a qua-
lidade é uma das categorias que se encontram em todos Completando este capítulo, é preciso trabalhar com a
os seres e indicam o que eles são ou como estão. As ca- perspectiva coletiva presente nas noções de qualidade e
tegorias são: substância, quantidade, qualidade, relação, competência que são ampliadas na construção coletiva.
tempo, lugar, ação, paixão, posição e estado”. São breves

225
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Dimensões de Competência comportamentos e atitudes. A melhor qualidade se revela


na definição dos caminhos para se fazer a mediação entre
Uma definição de competência apresenta uma totali- o aluno e o conhecimento. O critério que orienta a escolha
dade, ou seja, uma pluralidade de propriedades (conjunto do melhor conteúdo é o que aponta para a possibilidade
de qualidades de caráter positivo) mostrando suas dimen- dos exercícios da cidadania e da inserção criativa na socie-
sões: Técnica, Política, Ética, Estética e a estreita relação dade. A melhor metodologia é a que tem como referência
entre elas. A docência da melhor qualidade tem que se as características do contexto em que se vive, no desejo de
buscar, continuamente, e se afirmar na explicitação desta criar, superar limites e ampliar possibilidades.
qualidade no que se refere a: o quê, por que, para que,
para quem. Essa explicitação se dará em cada dimensão da
docência:
- dimensão técnica - a capacidade de lidar com os con- A melhor qualidade revela-se na sensibilidade do ges-
teúdos, conceitos, comportamentos e atitudes, e a habili- to docente na orientação de sua ação, para trazer o prazer
dade de construí-los e reconstruí-los com os alunos; e a alegria ao contexto de seu trabalho e da relação com
- dimensão estética - diz respeito à presença da sensi- os alunos. Alegria no melhor sentido, resultante do contato
bilidade e sua orientação numa perspectiva criadora; com o mundo e da ampliação do conhecimento sobre ele.
- dimensão política - diz respeito à participação na O ensino da melhor qualidade é aquele que cria condições
construção coletiva da sociedade e ao exercício de direitos para a formação de alguém que sabe ler, escrever e contar.
e deveres; Ler não apenas as cartilhas, mas os sinais do mundo, a cul-
- dimensão ética - diz respeito à orientação da ação tura de seu tempo. Escrever não apenas nos cadernos, mas
fundada no princípio do respeito e da solidariedade, na di- no contexto de que participa, deixando seus sinais, seus
reção da realização de um bem coletivo. símbolos. Contar não apenas números, mas sua história,
espalhar sua palavra, falar de si e dos outros. Contar e can-
Felicidadania tar nas expressões artísticas, nas manifestações religiosas,
nas múltiplas e diversificadas investigações científicas.
Apresenta a re-significação da cidadania, como reali-
zação individual e coletiva. Cidadania - Identifica-se com Fonte
a participação eficiente e criativa no contexto social. De- http://pt.slideshare.net/marcaocampos/rios-terezinha-
mocracia - A participação através do voto - “as decisões -azeredo-compreender-e-ensinar
políticas”. É necessário criar espaço para que se possa cons-
truir conjuntamente as regras e estabelecer os caminhos.
Felicidade - Na articulação entre cidadania e democracia Questões
retoma-se a articulação entre a ética e política. Alteridade e
autonomia - É no convívio que se estabelece a identidade 01. (FUNIVERSA/2016) De acordo com Terezinha
de cada pessoa na sociedade. Rios, são três as competências da profissão docente: téc-
A ação docente e a construção da felicidadania: nica, política e ética. A propósito desse assunto, assinale a
1. Construir a felicidadania na ação docente - é reco- alternativa correta.
nhecer o outro; a) A competência política aparece no espaço da obje-
2. Construir a felicidadania na ação docente - é tomar tividade e da escolha dos conteúdos a serem ministrados.
como referência o bem coletivo; b) A competência ética é estabelecida no posiciona-
3. Construir a felicidadania na ação docente - é envol- mento em relação aos valores que são professados, por
ver-se na elaboração e desenvolvimento de um projeto co- isso interfere nas competências técnica e política.
letivo de trabalho; c) A competência técnica fica explícita na escola em que
4. Construir a felicidadania na ação docente - é instalar cada um faz seus posicionamentos em relação à realidade.
na escola e na aula uma instância de comunicação criativa; d) Cada tipo de competência é independente das de-
5. Construir a felicidadania na ação docente - é criar mais, não existindo relação entre elas.
espaço no cotidiano da relação pedagógica para a afetivi- e) A competência ética é a mais importante das três
dade e a alegria; pelo fato de nela se congregarem os valores morais essen-
6. Construir a felicidadania na ação docente - é lutar ciais para a vida em comunidade.
pela criação e pelo aperfeiçoamento constante de condi-
ções viabilizadoras do trabalho de boa qualidade. 02. (VUNESP/2016) Em seu tempo livre, a professora
Edna costuma se inteirar dos problemas sociais da comuni-
Certezas Provisórias dade na qual reside a maioria de seus alunos. E, em sala de
aula, discute com seus alunos questões que dizem respeito
Uma reflexão sobre a formação e a prática docente. à construção coletiva da sociedade e ao exercício de direi-
Articular os conceitos de competência e de qualidade que tos e deveres.
visam à possibilidade de uma intervenção significativa no Segundo Rios (2005), essa preocupação da professora
contexto social. A melhor qualidade se revela na esco- Edna caracteriza-se como um trabalho na dimensão
lha do melhor conteúdo, para poder reverter conceitos,

226
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

(A) ética.
(B) política. ROPOLI, EDILENE APARECIDA. A EDUCAÇÃO
(C) estética. ESPECIAL NA PERSPECTIVA DA INCLUSÃO
(D) técnica. ESCOLAR: A ESCOLA COMUM INCLUSIVA.
(E) epistemológica.
BRASÍLIA: MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO.
SEESP. UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ,
03. (VUNESP/2016) Para Rios (2005), a “tarefa funda-
mental da educação, da escola, ao construir, reconstruir e 2010.
socializar o conhecimento, é

(A) formar cidadãos, portanto contribuir para que as A EDUCAÇÃO ESPECIAL NA PERSPECTIVA DA IN-
pessoas possam atuar criativamente no contexto social de CLUSÃO ESCOLAR
que fazem parte...”
(B) capacitar os educandos para o acesso aos níveis A ESCOLA COMUM INCLUSIVA
mais elevados da pesquisa e da ciência...”
(C) instrumentalizar o indivíduo com as ferramentas PARTE I
necessárias para a superação dos desafios que se lhe im-
põem em um mundo globalizado.” 1. SOBRE IDENTIDADE E DIFERENÇAS NA ESCOLA
(D) desenvolver a autonomia em seus educandos, de
modo que se tornem capazes de ‘aprender a aprender’ ao A inclusão rompe com os paradigmas que sustentam
concluírem seus estudos.” o conservadorismo das escolas, contestando os sistemas
(E) suprir as necessidades concretas do mercado de educacionais em seus fundamentos. Ela questiona a fixação
trabalho, garantindo recursos humanos indispensáveis ao de modelos ideais, a normalização de perfis específicos de
crescimento das indústrias.” alunos e a seleção dos eleitos para frequentar as escolas,
produzindo, com isso, identidades e diferenças, inserção e/
ou exclusão.
Respostas O poder institucional que preside a produção das iden-
tidades e das diferenças define como normais e especiais
01. Resposta: B não apenas os alunos, como também as suas escolas. Os
Dimensão ética, diz respeito à orientação da ação fun- alunos das escolas comuns são normais e positivamente
dada no princípio do respeito e da solidariedade, na dire- valorados. Os alunos das escolas especiais são os negativa-
ção da realização de um bem coletivo. mente concebidos e diferenciados.
Os sistemas educacionais constituídos a partir da opo-
02. Resposta: B sição - alunos normais e alunos especiais - sentem-se aba-
Dimensão política - diz respeito à participação na cons- lados com a proposta inclusiva de educação, pois não só
trução coletiva da sociedade e ao exercício de direitos e criaram espaços educacionais distintos para seus alunos, a
deveres. partir de uma identidade específica, como também esses
espaços estão organizados pedagogicamente para manter
03. Resposta: A tal separação, definindo as atribuições de seus professores,
Rios desenvolve o conceito de cidadania e trabalho do- currículos, programas, avaliações e promoções dos que fa-
cente. O “trabalho docente competente é um trabalho que zem parte de cada um desses espaços.
faz bem” (RIOS, 2008, p. 107) O docente acionado pelo de- Os que têm o poder de dividir são os que classificam,
sejo de ‘fazer bem’ algo para seus alunos e para sociedade, formam conjuntos, escolhem os atributos que definem os
coloca à disposição deste ‘fazer bem’, todos os recursos alunos e demarcam os espaços, decidem quem fica e quem
que são naturalmente seus e os recursos que estão ao seu sai destes, quem é incluído ou excluído dos agrupamentos
redor, em seu contexto para essa realização. É tarefa fun- escolares.
damental da educação e da escola formar o cidadão ao
Ambientes escolares inclusivos são fundamentados
construir, reconstruir e socializar o conhecimento.
em uma concepção de identidade e diferenças, em que as
relações entre ambas não se ordenam em torno de oposi-
ções binárias (normal/especial, branco/negro, masculino/
feminino, pobre/rico). Neles não se elege uma identidade
como norma privilegiada em relação às demais.
Em ambientes escolares excludentes, a identidade nor-
mal é tida sempre como natural, generalizada e positiva
em relação às demais, e sua definição provém do processo
pelo qual o poder se manifesta na escola, elegendo uma
identidade específica através da qual as outras identidades
são avaliadas e hierarquizadas.

227
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Esse poder que define a identidade normal, detido por 2. ESCOLA DOS DIFERENTES OU ESCOLA DAS
professores e gestores mais próximos ou mais distantes DIFERENÇAS?
das escolas, perde a sua força diante dos princípios educa-
cionais inclusivos, nos quais a identidade não é entendida A educação inclusiva concebe a escola como um es-
como natural, estável, permanente, acabada, homogênea, paço de todos, no qual os alunos constroem o conheci-
generalizada, universal. Na perspectiva da inclusão esco- mento segundo suas capacidades, expressam suas ideias
livremente, participam ativamente das tarefas de ensino e
lar, as identidades são transitórias, instáveis, inacabadas e,
se desenvolvem como cidadãos, nas suas diferenças.
portanto, os alunos não são categorizáveis, não podem ser
Nas escolas inclusivas, ninguém se conforma a padrões
reunidos e fixados em categorias, grupos, conjuntos, que que identificam os alunos como especiais e normais, co-
se definem por certas características arbitrariamente esco- muns. Todos se igualam pelas suas diferenças!
lhidas. A inclusão escolar impõe uma escola em que todos
É incorreto, portanto, atribuir a certos alunos identida- os alunos estão inseridos sem quaisquer condições pelas
des que os mantêm nos grupos de excluídos, ou seja, nos quais possam ser limitados em seu direito de participar ati-
grupos dos alunos especiais, com necessidades educacio- vamente do processo escolar, segundo suas capacidades, e
nais especiais, portadores de deficiências, com problemas sem que nenhuma delas possa ser motivo para uma dife-
de aprendizagem e outros tais. É incabível fixar no outro renciação que os excluirá das suas turmas.
uma identidade normal, que não só justifica a exclusão dos Como garantir o direito à diferença nas escolas que
demais, como igualmente determina alguns privilegiados. ainda entendem que as diferenças estão apenas em alguns
A educação inclusiva questiona a artificialidade das alunos, naqueles que são negativamente compreendidos e
identidades normais e entende as diferenças como re- diagnosticados como problemas, doentes, indesejáveis e a
maioria sem volta?
sultantes da multiplicidade, e não da diversidade, como
O questionamento constante dos processos de dife-
comumente se proclama. Trata-se de uma educação que
renciação entre escolas e alunos, que decorre da oposição
garante o direito à diferença e não à diversidade, pois as- entre a identidade normal de alguns e especial de outros,
segurar o direito à diversidade é continuar na mesma, ou é uma das garantias permanentes do direito à diferença.
seja, é seguir reafirmando o idêntico. Os alvos desse questionamento devem recair diretamente
A diferença (vem) do múltiplo e não do diverso. Tal sobre as práticas de ensino que as escolas adotam e que
como ocorre na aritmética, o múltiplo é sempre um pro- servem para excluir.
cesso, uma operação, uma ação. A diversidade é estática, Os encaminhamentos dos alunos às classes e escolas
é um estado, é estéril. A multiplicidade é ativa, é fluxo, é especiais, os currículos adaptados, o ensino diferenciado,
produtiva. A multiplicidade é uma máquina de produzir di- a terminalidade específica dos níveis de ensino e outras
ferenças - diferenças que são irredutíveis à identidade. A soluções precisam ser indagados em suas razões de ado-
diversidade limita-se ao existente. A multiplicidade estende ção, interrogados em seus benefícios, discutidos em seus
e multiplica, prolifera, dissemina. A diversidade é um dado fins, e eliminados por completo e com urgência. São essas
medidas excludentes que criam a necessidade de existirem
- da natureza ou da cultura. A multiplicidade é um movi-
escolas para atender aos alunos que se igualam por uma
mento. A diversidade reafirma o idêntico. A multiplicidade
falsa normalidade - as escolas comuns - e que instituem
estimula a diferença que se recusa a se fundir com o idên- as escolas para os alunos que não cabem nesse grupo - as
tico (SILVA, 2000, p.100-101). escolas especiais. Ambas são escolas dos diferentes, que
De fato, a diversidade na escola comporta a criação de não se alinham aos propósitos de uma escola para todos.
grupos de idênticos, formados por alunos que têm uma Quando entendemos esses processos de diferenciação
mesma característica, selecionada para reuni-los e separá- pela deficiência ou por outras características que elegemos
-los. Ao nos referirmos a uma escola inclusiva como aberta para excluir, percebemos as discrepâncias que nos faziam
à diversidade, ratificamos o que queremos extinguir com defender as escolas dos diferentes como solução privile-
a inclusão escolar, ou seja, eliminamos a possibilidade de giada para atender às necessidades dos alunos. Acorda-
agrupar alunos e de identificá-los por uma de suas carac- mos, então, para o sentido includente das escolas das
terísticas (por exemplo, a deficiência), valorizando alguns diferenças. Essas escolas reúnem, em seus espaços edu-
em detrimento de outros e mantendo escolas comuns e cacionais, os alunos tais quais eles são: únicos, singulares,
especiais. mutantes, compreendendo-os como pessoas que diferem
umas das outras, que não conseguimos conter em conjun-
Atenção, pois ao denominarmos as propostas, progra-
tos definidos por um único atributo, o qual elegemos para
mas e iniciativas de toda ordem direcionadas à inclusão,
diferenciá-las.
insistimos nesse aspecto, dado que somos nós mesmos
quem atribuímos significado, pela escolha das palavras que 3. A ESCOLA COMUM NA PERSPECTIVA INCLUSIVA
utilizamos para expressá-lo. É por meio da representação
que a diferença e a identidade passam a existir e temos, A escola das diferenças é a escola na perspectiva inclu-
dessa forma, ao representar o poder de definir identidades, siva, e sua pedagogia tem como mote questionar, colocar
currículos e práticas escolares. em dúvida, contrapor-se, discutir e reconstruir as práticas
que, até então, têm mantido a exclusão por instituírem uma

228
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

organização dos processos de ensino e de aprendizagem A organização de uma sala de aula é atravessada por
incontestáveis, impostos e firmados sobre a possibilidade decisões da escola que afetam os processos de ensino e de
de exclusão dos diferentes, à medida que estes são direcio- aprendizagem. Os horários e rotinas escolares não depen-
nados para ambientes educacionais à parte. dem apenas de uma única sala de aula; o uso dos espaços
A escola comum se torna inclusiva quando reconhece da escola para atividades a serem realizadas fora da classe
as diferenças dos alunos diante do processo educativo e precisa ser combinado e sistematizado para o bom apro-
busca a participação e o progresso de todos, adotando no- veitamento de todos; as horas de estudo dos professores
vas práticas pedagógicas. Não é fácil e imediata a adoção devem coincidir para que a formação continuada seja uma
dessas novas práticas, pois ela depende de mudanças que aprendizagem colaborativa; a organização do Atendimen-
vão além da escola e da sala de aula. Para que essa escola to Educacional Especializado - AEE não pode ser um mero
possa se concretizar, é patente a necessidade de atualiza- apêndice na vida escolar ou da competência do professor
ção e desenvolvimento de novos conceitos, assim como a que nele atua.
redefinição e a aplicação de alternativas e práticas pedagó- Um conjunto de normas, regras, atividades, rituais,
gicas e educacionais compatíveis com a inclusão. funções, diretrizes, orientações curriculares e metodológi-
Um ensino para todos os alunos há que se distinguir cas, oriundo das diversas instâncias burocrático-legais do
pela sua qualidade. O desafio de fazê-lo acontecer nas sa- sistema educacional, constitui o arcabouço pedagógico e
las de aulas é uma tarefa a ser assumida por todos os que administrativo das escolas de uma rede de ensino. Trata-se
compõem um sistema educacional. Um ensino de qualida- do que está INSTITUÍDO e do que Libâneo e outros autores
de provém de iniciativas que envolvem professores, gesto- (2003) analisaram pormenorizadamente.
res, especialistas, pais e alunos e outros profissionais que Nesse INSTITUÍDO, estão os parâmetros e diretrizes
compõem uma rede educacional em torno de uma pro- curriculares, as leis, os documentos das políticas, os regi-
posta que é comum a todas as escolas e que, ao mesmo mentos e demais normas do sistema.
tempo, é construída por cada uma delas, segundo as suas Em contrapartida, existe um espaço e um tempo a se-
peculiaridades. rem construídos por todas as pessoas que fazem parte de
O Projeto Político Pedagógico é o instrumento por uma instituição escolar, porque a escola não é uma estru-
excelência para melhor desenvolver o plano de trabalho tura pronta e acabada a ser perpetuada e reproduzida de
eleito e definido por um coletivo escolar; ele reflete a sin- geração em geração. Trata-se do INSTITUINTE.
gularidade do grupo que o produziu, suas escolhas e es- A escola cria, nas possibilidades abertas pelo INSTI-
pecificidades. TUINTE, um espaço de realização pessoal e profissional que
Nas escolas inclusivas, a qualidade do ensino não se confere à equipe escolar a possibilidade de definir o seu
confunde com o que é ministrado nas escolas-padrão, horário escolar, organizar projetos, módulos de estudo e
consideradas como as que melhor conseguem expressar outros, conforme decisão colegiada. Assim, confere auto-
um ideal pedagógico inquestionável, medido e definido nomia a toda equipe escolar, acreditando no poder criativo
objetivamente e que se apresentam como modelo a ser e inovador dos que fazem e pensam a educação.
seguido e aplicado em qualquer contexto escolar. As esco-
las-padrão cabem na mesma lógica que define as escolas 3.2. O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO, AUTONO-
dos diferentes, em que as iniciativas para melhorar o ensino MIA E GESTÃO DEMOCRÁTICA
continuam elegendo algumas escolas e valorando-as posi-
tivamente, em detrimento de outras. Cada escola é única e Autora
precisa ser, como os seus alunos, reconhecida e valorizada Maria Terezinha da Consolação Teixeira dos Santos
nas suas diferenças.
A constatação de que a realidade escolar é dinâmica e
3.1. MUDANÇAS NA ESCOLA depende de todos dá força e sentido à elaboração do PPP,
entendido não apenas como um mero documento exigido
Para atender a todos e atender melhor, a escola atual pela burocracia e administração escolar, mas como registro
tem de mudar, e a tarefa de mudar a escola exige trabalho de significados a serem outorgados ao processo de ensino
em muitas frentes. Cada escola, ao abraçar esse trabalho, e de aprendizagem, que demanda tomada de decisões e
terá de encontrar soluções próprias para os seus proble- acompanhamento de ações consequentes.
mas. As mudanças necessárias não acontecem por acaso O PPP não pode ser um documento paralelo que não
e nem por Decreto, mas fazem parte da vontade política diz respeito, que não atravessa o cotidiano escolar e fica
do coletivo da escola, explicitadas no seu Projeto Político restrito à categoria de um arquivo ou de uma alegoria, de
Pedagógico - PPP e vividas a partir de uma gestão escolar caráter residual. Ele altera a estrutura escolar e escrevê-lo e
democrática. arquivá-lo nos registros da escola só serve para acomodar
É ingenuidade pensar que situações isoladas são su- a consciência dos que não têm um verdadeiro compromis-
ficientes para definir a inclusão como opção de todos os so com uma escola de todos, por todos e para todos.
membros da escola e configurar o perfil da instituição. Não Nossa legislação educacional é clara no que toca à exigên-
se desconsideram aqui os esforços de pessoas bem-intencio- cia de a escola ter o seu PPP; ela não pode se furtar ao com-
nadas, mas é preciso ficar claro que os desafios das mudan- promisso assumido com a sociedade de formação e de desen-
ças devem ser assumidos e decididos pelo coletivo escolar. volvimento do processo de educação, devidamente planejado.

229
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

A exigência legal do PPP está expressa na LDBEN - Lei [...] Os sistemas de ensino definirão as normas da ges-
Nº. 9.394/96 que, em seu artigo 12, define, entre as atri- tão democrática do ensino público na educação básica, de
buições de uma escola, a tarefa de “[...] elaborar e executar acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguin-
sua proposta pedagógica”, deixando claro que ela precisa tes princípios: participação dos profissionais da educação
fundamentalmente saber o que quer e colocar em execu- na elaboração do projeto pedagógico da escola; participa-
ção esse querer, não ficando apenas nas promessas ou nas ção das comunidades escolar e local em conselhos escola-
intenções expostas no papel. res ou equivalentes.
Ao sistematizar estas escolhas e decisões, o PPP, a par-
tir de um estudo da demanda da realidade escolar cria as Nos textos legais, fica clara a ênfase dada ao Projeto
condições necessárias para a elaboração do planejamento Político Pedagógico de cada escola, bem como a reiteração
e o desenvolvimento do trabalho da sua equipe e da ava- de que a proposta seja construída e administrada à luz de
liação processual das etapas e metas propostas. uma gestão democrática.
Para Gadotti e Romão (1997), o Projeto Político Peda- Outra legislação que vem corroborar nesse sentido
gógico deve ser entendido como um horizonte de possibi- é o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (Lei Nº.
lidades para a escola. O Projeto imprime uma direção nos 8.069/90), que, no seu artigo 53, enfatiza os objetivos da
caminhos a serem percorridos pela escola. Ele se propõe educação nacional, repetindo os princípios constitucionais
a responder a um feixe de indagações de seus membros, e os da LDBEN, mas deixando claro em seu parágrafo único
tais como: qual educação se quer e qual tipo de cidadão que “[...] é direito dos pais ou responsáveis ter ciência do
se deseja, para qual projeto de sociedade? O PPP propõe processo pedagógico, bem como participar da definição
uma organização que se funda no entendimento compar- das propostas educacionais”. Evidencia-se na legislação
tilhado dos professores, alunos e demais interessados em o caráter da comunidade escolar participativa e ampliada
educação. para além dos muros escolares, com compromisso conjun-
Todas as intenções da escola, reunidas no Projeto Polí- to nos rumos da educação dos cidadãos. A gestão demo-
tico Pedagógico, conferem-lhe o caráter POLÍTICO, porque crática ampliada nos contornos da comunidade ganha, por
ele representa a escolha de prioridades de cidadania em meio do texto legal, condições de ser exercida com auto-
função das demandas sociais. O PPP ganha status PEDA- nomia.
GÓGICO ao organizar e sistematizar essas intenções em Embora a escola não seja independente de seu sistema
ações educativas alinhadas com as prioridades estabele- de ensino, ela pode se articular e interagir com autonomia
cidas. como parte desse sistema que a sustenta, tomando deci-
O caráter coletivo e a necessidade de participação de sões próprias relativas às particularidades de seu estabele-
todos é inerente ao PPP, pois ele não se resume a um mero cimento de ensino e da sua comunidade. Entretanto, mes-
plano ou projeto burocrático, que cumpre as exigências mo outorgada por lei, a autonomia escolar é construída aos
da lei ou do sistema de ensino. Trata-se de um documen- poucos e cotidianamente. Do ponto de vista cultural e edu-
to norteador das ações da escola que, ao mesmo tempo, cacional, encontram-se poucas experiências de construção
oportuniza um exercício reflexivo do processo para tomada da autonomia e do cultivo de hábitos democráticos.
de decisões no seu âmbito. A democracia, frequentemente proclamada, mas nem
O professor, portanto, ao contribuir para a elabora- sempre vivenciada nas redes de ensino, tem no PPP a opor-
ção do PPP, bem como ao participar de sua execução no tunidade de ser exercida, e essa oportunidade não pode
cotidiano da escola, tem a oportunidade de exercitar um ser perdida, para que consiga espalhar-se por toda a insti-
ensino democrático, necessário para garantir acesso e per- tuição. Gadotti e Romão (1997) manifestam suas posições
manência dos alunos nas escolas e para assegurar a inclu- sobre a construção da democracia na escola e afirmam que
são, o ensino de qualidade e a consideração das diferenças esse tipo de gestão constitui um passo relevante no apren-
dos alunos nas salas de aula. Exercer esse papel como um dizado da democracia.
dos mentores do PPP não é uma obrigação formal, mas o Os professores constroem a democracia no cotidiano
resultado de um envolvimento pessoal do professor. Nesse escolar por meio de pequenos detalhes da organização da
sentido, vem antes a sua disposição de participar, porque prática pedagógica. Nesse sentido, fazem a diferença: o
contribuir é reconhecer a importância de sua colaboração modo de trabalhar os conteúdos com os alunos; a forma de
para que o projeto se execute. sugerir a realização de atividades na sala de aula; o controle
A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 206, ex- disciplinar; a interação dos alunos nas tarefas escolares; a
plicita, como um dos princípios para a educação no Brasil, sistematização do AEE no contraturno; a divisão do horário;
“[...] a gestão democrática do ensino público”. Essa preo- a forma de planejar com os alunos; a avaliação da execução
cupação é reiterada na LDBEN (Lei nº 9394/96), no artigo das atividades de forma interativa.
3º, ao assinalar que a gestão democrática, além de estar Embora já tenhamos uma Constituição, estatutos, le-
em conformidade com a Lei, deve estar consoante à legis- gislação, políticas educacionais e decretos que propõem e
lação dos sistemas de ensino, pois como Lei que detalha viabilizam novas alternativas para a melhoria do ensino nas
a educação nacional, acrescenta a característica das varia- escolas, ainda atendemos a alunos em espaços escolares
ções dos sistemas nas esferas federal, estadual e municipal. semi ou totalmente segregados, tais como as classes espe-
Ainda nesse detalhamento, a LDBEN avança, no seu artigo ciais, as turmas de aceleração, as escolas especiais, as aulas
14, afirmando que: de reforço, entre outros.

230
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

O salto da escola dos diferentes para a escola das di- O reconhecimento de que os alunos aprendem segun-
ferenças demanda conhecimento, determinação, decisão. do suas capacidades não surge de uma hora para a outra,
As propostas de mudança variam e dependerão de dispo- só porque as teorias assim afirmam. Acolher as diferenças
sição, discussões, estudos, levantamento de dados e inicia- terá sentido para o professor e fará com que ele rompa
tivas a serem compartilhadas pelos seus membros, enfim, com seus posicionamentos sobre o desempenho escolar
de gestões democráticas das escolas, que favoreçam essa padronizado e homogêneo dos alunos, se ele tiver perce-
mudança. bido e compreendido por si mesmo essas variações, ao se
Muitas decisões precisam ser tomadas pelas escolas submeter a uma experiência que lhe perpassa a existência.
ao elaborarem seus Projetos Político Pedagógicos, entre as O professor, então, desempenhará o seu papel formador,
quais destacamos algumas, que estão diretamente relacio- que não se restringe a ensinar somente a uma parcela dos
nadas com as mudanças que se alinham aos propósitos da alunos que conseguem atingir o desempenho exemplar
inclusão: fazer da aprendizagem o eixo das escolas, garan- esperado pela escola. Ele ensina a todos, indistintamente.
tindo o tempo necessário para que todos possam apren- O caráter de imprevisibilidade da aprendizagem é
der; reprovar a repetência; abrir espaço para que a coope- constatado por professores que aproveitam as ocasiões
ração, o diálogo, a solidariedade, a criatividade e o espírito para observar, abertamente e sem ideias pré-concebidas, a
crítico sejam praticados por seus professores, gestores, curiosidade do aluno que vai atrás do que quer conhecer,
funcionários e alunos, pois essas são habilidades mínimas que questiona, duvida, que se detém diante do que leu, do
para o exercício da verdadeira cidadania; valorizar e formar que lhe respondemos, procurando resolver e encontrar a
continuamente o professor, para que ele possa atualizar-se solução para o que lhe perturba e desafia com avidez, pos-
e ministrar um ensino de qualidade. suído pelo desejo de chegar ao que pretende.
É freqüente a escola seguir outros caminhos, adotando Ao se deixar levar por uma experiência de ensinar des-
práticas excludentes e paliativas, que as impedem de dar o sa natureza, querendo entender o que ela revela e compar-
salto qualitativo que a inclusão demanda. Elas se apropriam tilhando-a com seus colegas, o professor poderá deduzir
de soluções utilitárias, prontas para o uso, alheias à realida- que certas práticas e aparatos pedagógicos, como os mé-
de de cada instituição educacional. Essas práticas admitem: todos especiais e o ensino adaptado para alguns alunos,
ensino individualizado para os alunos com deficiência e/ou não correspondem ao que se espera deles. Ambos provêm
problemas de aprendizagem; currículos adaptados; termi- do controle externo da aprendizagem, de opiniões que cir-
nalidade específica; métodos especiais para ensino de pes- culam e se firmam entre os professores, que são creditadas
soas com deficiência; avaliação diferenciada; categorização pelo conhecimento livresco e generalizado e pelas infor-
e diferenciação dos alunos; formação de turmas escolares mações equivocadas que se naturalizam nas escolas e fora
buscando a homogeneização dos alunos. delas.
No nível da sala de aula e das práticas de ensino, a Opor-se a inovações educacionais, resguardando-se
mobilização do professor e/ou de uma equipe escolar em no despreparo para adotá-las, resistir e refutá-las simples-
torno de uma mudança educacional como a inclusão não mente, distancia o professor da possibilidade de se formar
acontece de modo semelhante em todas as escolas. Mes- e de se transformar pela experiência. Oposições e contra-
mo havendo um Projeto Político Pedagógico que oriente posições à inclusão incondicional são freqüentes entre os
as ações educativas da escola, há que existir uma entrega, professores e adiam projetos do ensino comum e especial
uma disposição individual ou grupal de sua equipe de se focados na inserção das diferenças nas escolas.
expor a uma experiência educacional diferente das que es- É nos bancos escolares que se aprende a viver entre os
tão habituados a viver. Para que, qualquer transformação nossos pares, a dividir as responsabilidades, a repartir tare-
ou mudança seja, verdadeira, as pessoas têm de ser toca- fas. Nesses ambientes, desenvolvem-se a cooperação e a
das pela experiência. Precisam ser receptivas, disponíveis e produção em grupo com base nas diferenças e talentos de
abertas a vivê-la, baixando suas guardas, submetendo-se, cada um e na valorização da contribuição individual para
entregando-se à experiência [...] sem resistências, sem se- a consecução de objetivos comuns de um mesmo grupo.
gurança, poder, firmeza, garantias (BONDÍA, 2002). A interação entre colegas de turma, a aprendizagem
As mudanças não ocorrem pela mera adoção de prá- colaborativa, a solidariedade entre alunos e entre estes e o
ticas diferentes de ensinar. Elas dependem da elaboração professor devem ser estimuladas. Os professores, quando
dos professores sobre o que lhes acontece no decorrer da buscam obter o apoio dos alunos e propõem trabalhos di-
experiência educacional inclusiva que eles se propuseram versificados e em grupo, desenvolvem formas de compar-
a viver. O que vem dos livros e o que é transmitido aos tilhamento e difusão dos conhecimentos nas salas de aula.
professores nem sempre penetram em suas práticas. A ex- A formação de turmas tidas como homogêneas é um
periência a que nos referimos não está relacionada com o dos argumentos de defesa dos professores, gestores e es-
tempo dedicado ao magistério, ao saber acumulado pela pecialistas em favor da qualidade do ensino, que precisa
repetição de uma mesma atividade utilitária, instrumen- ser refutado, porque se trata de uma ilusão que compro-
tal. Estamos nos referindo ao saber da experiência, que é mete o ensino e exclui alunos.
subjetivo, pessoal, relativo, adquirido nas ocasiões em que A avaliação de caráter classificatório, por meio de no-
entendemos e atribuímos sentidos ao que nos acontece, tas, provas e outros instrumentos similares, mantém a re-
ao que nos passa, ao que nos sucede ao viver a experiência petência e a exclusão nas escolas. A avaliação contínua e
(BONDÍA, 2002). qualitativa da aprendizagem, com a participação do aluno,

231
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

tendo, inclusive, a intenção de avaliar o ensino oferecido e escolares, integrando-os e construindo pontes entre eles,
torná-lo cada vez mais adequado à aprendizagem de to- que podem parecer caóticas, mas que refletem o modo
dos os alunos conduz a outros resultados. A adoção desse como aprendemos e damos sentido ao novo.
modo de avaliar com base na qualidade do ensino e da As propostas curriculares, quando contextualizadas,
aprendizagem já diminuiria substancialmente o número de reconhecem e valorizam os alunos em suas peculiaridades
alunos que são indevidamente avaliados e categorizados de etnia, de gênero, de cultura. Elas partem das vidas e
como deficientes nas escolas comuns. experiências dos alunos e vão sendo tramadas em redes
Os professores em geral concordam com novas alter- de conhecimento, que superam a tão decantada sistema-
nativas de se avaliar os processos de ensino e de aprendi- tização do saber. O questionamento dessas peculiaridades
zagem e admitem que as turmas são naturalmente hete- e a visão crítica do multiculturalismo trazem uma perspec-
rogêneas. Sentem-se, contudo, inseguros diante da possi- tiva para o entendimento das diferenças, a qual foge da
bilidade de fazer uso dessas alternativas em sala de aula e tolerância e da aceitação, atitudes estas tão carregadas de
inovar as rotinas de trabalho, rompendo com a organiza- preconceito e desigualdade.
ção pedagógica pré-estabelecida. O multiculturalismo crítico, segundo Hall (2003), um
Ao contrário do que se pensa e se faz, as práticas es- estudioso das questões da pós-modernidade e das dife-
colares inclusivas não implicam um ensino adaptado para renças na atualidade, é uma das concepções do multicultu-
alguns alunos, mas sim um ensino diferente para todos, ralismo. Essa concepção questiona a exclusão social e de-
em que os alunos tenham condições de aprender, segundo mais formas de privilégios e de hierarquias das sociedades
suas próprias capacidades, sem discriminações e adapta- contemporâneas, indagando sobre as diferenças e apoian-
ções. do movimentos de resistência dos dominados.
A idéia do currículo adaptado está associada à exclusão O multiculturalismo crítico toma como referência a li-
na inclusão dos alunos que não conseguem acompanhar o berdade e a emancipação e defende que a justiça, a de-
progresso dos demais colegas na aprendizagem. Currícu- mocracia e a equidade não são dadas, mas conquistadas.
los adaptados e ensino adaptado negam a aprendizagem Difere do multiculturalismo conservador, em que os domi-
diferenciada e individualizada. O ensino escolar é coleti- nantes buscam assimilar as minorias aos costumes e tradi-
vo e deve ser o mesmo para todos, a partir de um único ções da maioria.
currículo. É o aluno que se adapta ao currículo, quando se Outras práticas educacionais inclusivas que derivam
admitem e se valorizam as diversas formas e os diferentes dos propósitos de se ensinar à turma toda, sem discrimi-
níveis de conhecimento de cada um. nações, por vezes são refutadas pelos professores ou acei-
A aprovação e a certificação por terminalidade especí- tas com parcimônia, desconfiança e sob condições. Moti-
fica, como propõe a LDBEN/1996, não faz sentido, quando vos não faltam para que eles se comportem desse modo.
se entende que a aprendizagem é diferenciada de aluno Muitos receberam sua própria formação dentro do modelo
para aluno, constituindo-se em um processo que não pode conservador, que foi sendo reforçado dentro das escolas.
obedecer a uma terminalidade prefixada com base na con-
dição intelectual de alguns. PARTE II
Outra prática usual nas escolas é o ensino dos con-
teúdos das áreas disciplinares (Matemática, Língua Portu- 1. O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZA-
guesa, Geografia, Ciências, etc.) como fins em si mesmos e DO - AEE
tratados de modo fragmentado nas salas de aulas.
A afirmação da interdisciplinaridade é a afirmação, em Uma das inovações trazidas pela Política Nacional de
última instância, da disciplinarização: só poderemos de- Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva
senvolver um trabalho interdisciplinar se fizermos uso de (2008) é o Atendimento Educacional Especializado - AEE,
várias disciplinas. [...] A interdisciplinaridade contribui para um serviço da educação especial que “[...] identifica, ela-
minimizar os efeitos perniciosos da compartimentalização, bora e organiza recursos pedagógicos e de acessibilida-
mas não significaria, de forma alguma, o avanço para um de, que eliminem as barreiras para a plena participação
currículo não disciplinar (GALLO, 2002, p. 28-29). dos alunos, considerando suas necessidades específicas”
Um currículo não disciplinar implica um ensino sem as (SEESP/MEC, 2008).
gavetas das disciplinas, em que se reconhece a multiplici- O AEE complementa e/ou suplementa a formação do
dade das áreas do conhecimento e o trânsito livre entre aluno, visando a sua autonomia na escola e fora dela, cons-
elas. O ensino não disciplinar não deve ser confundido com tituindo oferta obrigatória pelos sistemas de ensino. É rea-
os Temas Transversais dos Parâmetros Curriculares Nacio- lizado, de preferência, nas escolas comuns, em um espaço
nais, os quais não superam a disciplinarização, continuando físico denominado Sala de Recursos Multifuncionais. Por-
a organizar o currículo em disciplinas, pelas quais perpas- tanto, é parte integrante do projeto político pedagógico
sam assuntos de interesse social, como o meio ambiente, da escola.
sexualidade, ética e outros. São atendidos, nas Salas de Recursos Multifuncionais,
Segundo Gallo (2002), transversalidade em educação e alunos público-alvo da educação especial, conforme esta-
currículo não disciplinar tem a ver com processos de ensino belecido na Política Nacional de Educação Especial na Pers-
e de aprendizagem em que o aluno transita pelos saberes pectiva da Educação Inclusiva e no Decreto N.6.571/2008.

232
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

- Alunos com deficiência: aqueles [...] que têm impe- 2. ARTICULAÇÃO ENTRE ESCOLA COMUM E EDU-
dimentos de longo prazo de natureza física, mental, inte- CAÇÃO ESPECIAL: AÇÕES E RESPONSABILIDADES
lectual ou sensorial, os quais em interação com diversas COMPARTILHADAS
barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva
na sociedade em igualdade de condições com as demais Ao se articular com a escola comum, na perspectiva da
pessoas (ONU, 2006). inclusão, a Educação Especial muda seu rumo, refazendo
- Alunos com transtornos globais do desenvolvimen- caminhos que foram abertos tempos atrás, quando se pro-
to: aqueles que apresentam alterações qualitativas das punha a substituir a escola comum para alguns alunos que
interações sociais recíprocas e na comunicação, um re- não correspondiam às exigências do ensino regular.
pertório de interesses e atividades restrito, estereotipado A mudança de rumos implica uma articulação de pro-
e repetitivo. Incluem-se nesse grupo alunos com autis- pósitos entre a escola comum e a Educação Especial, ao
mo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil. contrário do que acontece quando tanto a escola comum
(MEC/SEESP, 2008). como a especial constituem escolas dos diferentes, divi-
- Alunos com altas habilidades/superdotação: aque- dindo os alunos em normais e especiais e estabelecendo
les que demonstram potencial elevado em qualquer uma uma cisão entre esses grupos, que se isolam em ambientes
das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, educacionais excludentes.
acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, além de A escola das diferenças aproxima a escola comum da
apresentar grande criatividade, envolvimento na apren- Educação Especial, porque, na concepção inclusiva, os alu-
dizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse nos estão juntos, em uma mesma sala de aula. A articulação
(MEC/SEESP, 2008). entre Educação Especial e escola comum, na perspectiva da
A matrícula no AEE é condicionada à matrícula no inclusão, ocorre em todos os níveis e etapas do ensino bá-
ensino regular. Esse atendimento pode ser oferecido em sico e do superior. Sem substituir nenhum desses níveis, a
Centros de Atendimento Educacional Especializado da integração entre ambas não deverá descaracterizar o que
rede pública ou privada, sem fins lucrativos. Tais centros, é próprio de cada uma delas, estabelecendo um espaço de
intersecção de competências resguardado pelos limites de
contudo, devem estar de acordo com as orientações da
atuação que as especificam.
Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Para oferecer as melhores condições possíveis de in-
Educação Inclusiva (2008) e com as Diretrizes Operacio-
serção no processo educativo formal, o AEE é ofertado pre-
nais da Educação Especial para o Atendimento Educacio-
ferencialmente na mesma escola comum em que o aluno
nal Especializado na Educação Básica (MEC/SEESP, 2009).
estuda. Uma aproximação do ensino comum com a educa-
Na perspectiva da educação inclusiva, o processo de
ção especial vai se constituindo à medida que as necessi-
reorientação de escolas especiais e centros especializa-
dades de alguns alunos provocam o encontro, a troca de
dos requer a construção de uma proposta pedagógica
experiências e a busca de condições favoráveis ao desem-
que institua nestes espaços, principalmente, serviços de
penho escolar desses alunos.
apoio às escolas para a organização das salas de recursos
Os professores comuns e os da Educação Especial
multifuncionais e para a formação continuada dos pro- precisam se envolver para que seus objetivos específicos
fessores do AEE. de ensino sejam alcançados, compartilhando um trabalho
Os conselhos de educação têm atuação primordial interdisciplinar e colaborativo. As frentes de trabalho de
no credenciamento, autorização de funcionamento e cada professor são distintas. Ao professor da sala de aula
organização destes centros de AEE, zelando para que comum é atribuído o ensino das áreas do conhecimento,
atuem dentro do que a legislação, a Política e as Dire- e ao professor do AEE cabe complementar/suplementar a
trizes orientam. No entanto, a preferência pela escola formação do aluno com conhecimentos e recursos especí-
comum como o local do serviço de AEE, já definida no ficos que eliminam as barreiras as quais impedem ou limi-
texto constitucional de 1988, foi reafirmada pela Política, tam sua participação com autonomia e independência nas
e existem razões para que esse atendimento ocorra na turmas comuns do ensino regular.
escola comum.
O motivo principal de o AEE ser realizado na própria As funções do professor de Educação Especial são
escola do aluno está na possibilidade de que suas neces- abertas à articulação com as atividades desenvolvidas por
sidades educacionais específicas possam ser atendidas e professores, coordenadores pedagógicos, supervisores e
discutidas no dia a dia escolar e com todos os que atuam gestores das escolas comuns, tendo em vista o benefício
no ensino regular e/ou na educação especial, aproximan- dos alunos e a melhoria da qualidade de ensino.
do esses alunos dos ambientes de formação comum a São eixos privilegiados de articulação:
todos. Para os pais, quando o AEE ocorre nessas circuns- - a elaboração conjunta de planos de trabalho durante
tâncias, propicia-lhes viver uma experiência inclusiva de a construção do Projeto Pedagógico, em que a Educação
desenvolvimento e de escolarização de seus filhos, sem Especial não é um tópico à parte da programação escolar;
ter de recorrer a atendimentos exteriores à escola. - o estudo e a identificação do problema pelo qual um
aluno é encaminhado à Educação Especial;

233
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

- a discussão dos planos de AEE com todos os mem- 2.1. O PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO E O AEE
bros da equipe escolar; l o desenvolvimento em parceria de
recursos e materiais didáticos para o atendimento do aluno De acordo com as Diretrizes Operacionais da Educação
em sala de aula e o acompanhamento conjunto da utiliza- Especial para o Atendimento Educacional Especializado na
ção dos recursos e do progresso do aluno no processo de Educação Básica, publicada pela Secretaria de Educação
aprendizagem; Especial SEESP/MEC, em abril de 2009, o Projeto Político
- a formação continuada dos professores e demais Pedagógico da Escola deve contemplar o AEE como uma
membros da equipe escolar, entremeando tópicos do das dimensões da escola das diferenças. Nesse sentido, é
ensino especial e comum, como condição da melhoria preciso planejar, organizar, executar e acompanhar os ob-
do atendimento aos alunos em geral e do conhecimento jetivos, metas e ações traçadas, em articulação com as de-
mais detalhado de alguns alunos em especial, por meio do mais propostas da escola comum.
questionamento das diferenças e do que pode promover a A democracia se exercita e toma forma nas decisões
exclusão escolar. conjuntas do coletivo da escola e se reflete nas iniciativas
No caso do atendimento educacional especializado - da equipe escolar. Nessa perspectiva, o AEE integra a ges-
AEE, por exemplo, as dimensões do INSTITUÍDO podem tão democrática da escola. No PPP, devem ser previstos a
ser identificadas na existência de leis, políticas, decretos, organização e recursos para o AEE: sala de recursos multi-
diretrizes curriculares que chegam à escola definidas nos funcionais; matrícula do aluno no AEE; aquisição de equi-
documentos oficiais, dando contornos à sistematização da pamentos; indicação de professor para o AEE; articulação
oferta desse serviço na escola comum. Na dimensão do entre professores do AEE e os do ensino comum e redes de
INSTITUINTE, muito pode ser criado nesse sentido: parce- apoio internos e externos à escola.
rias com setores da comunidade para a implementação de No caso da inexistência de uma sala de recursos mul-
Planos de AEE; organização dos horários de oferta do AEE tifuncionais na escola, os alunos não podem ficar sem este
no horário oposto ao período escolar do aluno; projetos serviço, e o PPP deve prever o atendimento dos alunos
escolares interdisciplinares que incluam a necessidade da em outra escola mais próxima ou centro de atendimento
tecnologia assistiva - TA; planejamento para alterações na
educacional especializado, no contraturno do horário es-
acessibilidade física da escola e assim por diante.
colar. O AEE, quando realizado em outra instituição, deve
Do ponto de vista intraescolar, essas articulações mos-
ser acordado com a família do aluno, e o transporte, se
tram o impacto, os efeitos, a pertinência, os limites e mes-
necessário, providenciado. Em tal situação, destaca-se, a
mo as distorções dos atendimentos que estão sendo ofe-
articulação com os professores e especialistas de ambas as
recidos aos alunos nas turmas comuns de ensino regular e
escolas, para assegurar uma efetiva parceria no processo
nos serviços de Educação Especial, entre os quais o atendi-
de desenvolvimento dos alunos.
mento educacional especializado - AEE.
O PPP prevê ações de acompanhamento e articulação
No plano extra-escolar, quando a escola se articula a
outros serviços da comunidade, os efeitos dessas articula- entre o trabalho do professor do AEE e os professores das
ções se irradiam e se fazem sentir junto às famílias e demais salas comuns, ações de monitoramento da produção de
profissionais que atendem aos alunos, dando destaque à materiais didáticos especializados, bem como recursos ne-
escola no seu entorno e na rede de ensino, pois fortalece a cessários para a confecção destes. Além das condições para
sua posição e representatividade no conjunto das demais manter, melhorar e ampliar o espaço das salas de recursos
unidades e instituições filiadas à educação. multifuncionais, inclui-se no PPP a previsão de outros tipos
Há ainda certa dificuldade de se articular serviços den- de recursos, equipamentos e suportes que forem indicados
tro da escola. O que se entende equivocadamente por ar- pelo professor do AEE ao aluno.
ticulação entre a Educação Especial e a escola comum tem O PPP de uma escola considera, no conjunto dos seus
descaracterizado a interlocução entre ambas. Na perspec- alunos, professores, especialistas, funcionários e gestores,
tiva da educação inclusiva, os professores itinerantes, o re- as necessidades existentes, buscando meios para o aten-
forço escolar e outras ações não constituem formas de ar- dimento dessa demanda, a partir dos objetivos e metas a
ticulação, mas uma justaposição de serviços, que continua serem atingidas. Ao delimitar os tempos escolares, o PPP
incidindo sobre a fragmentação entre a Educação Especial insere os calendários, os horários de turnos e contraturnos
e o ensino comum. na organização pedagógica escolar, atendendo às diferen-
A efetivação dessa articulação é ensejada pela inserção tes demandas, de acordo com os espaços e os recursos
do AEE no Projeto Político Pedagógico das escolas. Uma físicos, humanos e financeiros de que a escola dispõe.
vez considerado esse serviço da Educação Especial como
parte constituinte do Projeto, os demais eixos de articu- No caso do AEE, por fazer parte desta organização, o
lação entre ensino comum e especial serão envolvidos e PPP estipulará o horário dos alunos, oposto ao que fre-
contemplados, e o ensino comum e especial terão seus quentam a escola comum e proporcional às necessidades
propósitos fundidos em uma visão inclusiva de educação. indicadas no plano de AEE; e o horário do professor, pre-
O PPP já contém em si as premissas dessa articulação, que visto para que possa realizar o atendimento dos alunos,
podemos apreciar no que ocorre quando o AEE se torna preparar material didático, receber as famílias dos alunos,
um de seus tópicos. os professores da sala comum e os demais profissionais
que estejam envolvidos.

234
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Enquanto serviço oferecido pela escola ou em parceria planejar o Atendimento não é saber as causas, diagnósti-
com outra escola ou centro de atendimento especializado, cos, prognóstico da suposta deficiência do aluno. Antes da
o PPP estabelece formas de avaliar o AEE, de alterar prá- deficiência, vem a pessoa, o aluno, com sua história de vida,
ticas, de inserir novos objetivos e de definir novas metas sua individualidade, seus desejos e diferenças.
visando ao aprimoramento desse serviço. Na operacio- Há alunos que frequentarão o AEE mais vezes na sema-
nalização do processo de avaliação institucional, caberá à na e outros, menos. Não existe um roteiro, um guia, uma
gestão zelar para que o AEE não seja descaracterizado das fórmula de atendimento previamente indicada e, assim
suas funções e para que os alunos não sejam categoriza- sendo, cada aluno terá um tipo de recurso a ser utiliza-
dos, discriminados e excluídos do processo avaliativo utili- do, uma duração de atendimento, um plano de ação que
zado pela escola. garanta sua participação e aprendizagem nas atividades
O PPP define os fundamentos da estrutura escolar e escolares.
deve ser coerente com os propósitos de uma educação que Na organização do AEE, é possível atender aos alunos
acolhe as diferenças e, sendo assim, não poderá manter em pequenos grupos, se suas necessidades forem comuns
seu caráter excludente e próprio das escolas dos diferentes. a todos. É possível, por exemplo, atender a um grupo de
alunos com surdez para ensinar-lhes LIBRAS ou para o en-
2.1.1. A ORGANIZAÇÃO E A OFERTA DO AEE sino da Língua Portuguesa escrita.

O Decreto Nº. 6.571, de 17 de setembro de 2008, que


dispõe sobre o Atendimento Educacional Especializado,
destina recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento
da Educação Básica - FUNDEB ao AEE de alunos com de-
ficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação, matriculados na rede pública de
ensino regular, admitindo o cômputo duplo da matrícula
desses alunos em classes comuns de ensino regular pú-
blico e no AEE, concomitantemente, conforme registro no
Censo Escolar.
Esse Decreto possibilita às redes de ensino o investi-
mento na formação continuada de professores, na aces-
sibilidade do espaço físico e do mobiliário escolar, na
aquisição de novos recursos de tecnologia assistiva, entre
Foto 1 - Mostra uma sala de recursos multifuncional e a
outras ações previstas na manutenção e desenvolvimento
professora ensinando Língua Portuguesa escrita para crian-
do ensino para a organização e oferta do AEE, nas salas de
ças com surdez. Esse ambiente apresenta recursos visuais
recursos multifuncionais.
As Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educa- fixados na parede.
cional Especializado (2009) reiteram que, no caso de a ofer-
ta do AEE ser realizada fora da escola comum, em centro de Os planos de AEE resultam das escolhas do professor
atendimento educacional especializado público ou privado quanto aos recursos, equipamentos, apoios mais adequa-
sem fins lucrativos, conveniado para essa finalidade, a ofer- dos para que possam eliminar as barreiras que impedem o
ta conste também do PPP do referido centro. Eles devem aluno de ter acesso ao que lhe é ensinado na sua turma da
seguir as normativas estabelecidas pelo Conselho de Edu- escola comum, garantindo-lhe a participação no processo
cação do respectivo sistema de ensino para autorização de escolar e na vida social em geral, segundo suas capacida-
funcionamento e seguir as orientações preconizadas nes- des. Esse atendimento tem funções próprias do ensino es-
tas Diretrizes, como ocorre com o AEE nas escolas comuns. pecial, as quais não se destinam a substituir o ensino co-
Conforme as Diretrizes, para o financiamento do AEE mum e nem mesmo a fazer adaptações aos currículos, às
são exigidas as seguintes condições: avaliações de desempenho e a outros. É importante salien-
a) matrícula na classe comum e na sala de recursos tar que o AEE não se confunde com reforço escolar. O pro-
multifuncional da mesma escola pública; fessor de AEE acompanha a trajetória acadêmica de seus
b) matrícula na classe comum e na sala de recursos alunos, no ensino regular, para atuar com autonomia na
multifuncional de outra escola pública; escola e em outros espaços de sua vida social. Para tanto, é
c) matrícula na classe comum e em centro de atendi- imprescindível uma articulação entre o professor de AEE e
mento educacional especializado público; os do ensino comum.
d) matrícula na classe comum e no centro de atendi- Na perspectiva da inclusão escolar, o professor da Edu-
mento educacional especializado privado sem fins lucrativos. cação Especial não é mais um especialista em uma área
A organização do Atendimento Educacional Especia- específica, suas atividades desenvolvem-se, preferencial-
lizado considera as peculiaridades de cada aluno. Alunos mente, nas escolas comuns, cabendo-lhes, no atendimento
com a mesma deficiência podem necessitar de atendi- educacional especializado aos alunos, público-alvo da edu-
mentos diferenciados. Por isso, o primeiro passo para se cação especial, as seguintes atribuições:

235
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

a) identificar, elaborar, produzir e organizar serviços,


recursos pedagógicos, de acessibilidade e estratégias, con-
siderando as necessidades específicas dos alunos de forma
a construir um plano de atuação para eliminá-las (MEC/
SEESP, 2009).

Foto 4 - Mostra uma aluna com paralisia cerebral em


sala de aula comum, fazendo uso da prancha de comuni-
cação alternativa.

Foto 2 - Mostra equipamentos e materiais pedagógi-


cos para alunos com deficiência visual.
b) Reconhecer as necessidades e habilidades do aluno.
Ao identificar certas necessidades do aluno, o professor de
AEE reconhece também as suas habilidades e, a partir de
ambas, traça o seu plano de atendimento. Se ele identifica
necessidade de comunicação alternativa para o aluno, in-
dica recursos como a prancha de comunicação, por exem-
plo; se observa que o aluno movimenta a cabeça, consegue
apontar com o dedo, pisca, essas habilidades são consi-
deradas por ele para a seleção e organização de recursos
educacionais e de acessibilidade. Foto 5 - Exibe materiais produzidos com papel cartão
Com base nesses dados, o professor elaborará o pla- para o ensino de LIBRAS. Cada imagem é acompanhada do
no de AEE, definindo o tipo de atendimento para o aluno, sinal de Libras e da palavra em Língua Portuguesa.
os materiais que deverão ser produzidos, a frequência do
aluno ao atendimento, entre outros elementos constituin- d) Elaborar e executar o plano de AEE, avaliando a
tes desse plano. Outros dados poderão ser coletados pelo funcionalidade e a aplicabilidade dos recursos educacio-
professor em articulação com o professor da sala de aula e nais e de acessibilidade (MEC/SEESP, 2009). Na execução
demais colegas da escola. do plano de AEE, o professor terá condições de saber se o
recurso de acessibilidade proposto promove participação
do aluno nas atividades escolares. O plano, portanto, deve-
rá ser constantemente revisado e atualizado, buscando-se
sempre o melhor para o aluno e considerando que cada
um deve ser atendido em suas particularidades.
e) Organizar o tipo e o número de atendimentos (MEC/
SEESP, 2009). O professor seleciona o tipo do atendimento,
organizando, quando necessários, materiais e recursos de
modo que o aluno possa aprender a utilizá-los segundo
suas habilidades e funcionalidades. O número de atendi-
mentos semanais/mensais varia de caso para caso. O pro-
fessor vai prolongar o tempo ou antecipar o desligamento
Foto 3 - Mostra um aluno com deficiência visual, utili- do aluno do AEE, conforme a evolução do aluno.
zando os recursos da informática acessível. f) Acompanhar a funcionalidade e a aplicabilidade dos
recursos pedagógicos e de acessibilidade na sala de aula
c) Produzir materiais tais como textos transcritos, ma- comum do ensino regular, bem como em outros ambientes
teriais didático-pedagógicos adequados, textos ampliados, da escola (MEC/SEESP, 2009). O professor do AEE observa
gravados, como, também, poderá indicar a utilização de a funcionalidade e aplicabilidade dos recursos na sala de
softwares e outros recursos tecnológicos disponíveis. aula, as distorções, a pertinência, os limites desses recursos

236
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

nesse e em outros ambientes escolares, orientando, tam- acionadores, teclados com colmeias, sintetizadores de voz,
bém, as famílias e os colegas de turma quanto ao uso dos linha Braille, entre outros); e Recursos ópticos; pranchas de
recursos. CAA, engrossadores de lápis, ponteira de cabeça, plano in-
O professor de sala de aula informa e avalia juntamen- clinado, tesouras acessíveis, quadro magnético com letras
te com o professor do AEE se os serviços e recursos do imantadas, entre outros.
Atendimento estão garantindo participação do aluno nas O desenvolvimento dos processos de ensino e de
atividades escolares. Com base nessas informações, são aprendizagem é favorecido pela participação da família
reformuladas as ações e estabelecidas novas estratégias e dos alunos. Para elaborar e realizar os Planos de AEE, o
recursos, bem como refeito o plano de AEE para o aluno. professor necessita dessa parceria em todos os momentos.
Reuniões, visitas e entrevistas fazem parte das etapas pelas
quais os professores de AEE estabelecem contatos com as
famílias de seus alunos, colhendo informações, repassando
outras e estabelecendo laços de cooperação e de compro-
missos.
As parcerias intersetoriais e com a comunidade onde a
escola está inserida estão entre as prioridades do Projeto
Político Pedagógico, pois a educação não é apenas uma
área restrita aos órgãos do sistema educacional. Elas apa-
recem nas ações integradas da escola com todos os seg-
mentos da sociedade civil e da sociedade política dos Mu-
nicípios e Estados com as escolas.
Indicadores importantes das parcerias intersetoriais
são as ações desenvolvidas entre as escolas e as Secretarias
Foto 6 - Mostra aluno no AEE aprendendo o uso do de Educação, de Saúde, Poder Executivo, Poder Legislativo,
leitor de tela. Poder Judiciário, Ministério Público, instituições, empresas
e demais segmentos sociais. O PPP, ao propor essas parce-
g) Ensinar e usar recursos de Tecnologia Assistiva, tais
rias, está consubstanciado em uma visão de complemen-
como: as tecnologias da informação e comunicação, a co-
tação e de alinhamento da educação escolar com outras
municação alternativa e aumentativa, a informática acessí-
instituições sociais.
vel, o soroban, os recursos ópticos e não ópticos, os soft-
No caso do AEE, faz parte do seu Plano a previsão, de-
wares específicos, os códigos e linguagens, as atividades de
senvolvimento e avaliação de ações sincronizadas com a
orientação e mobilidade (MEC/SEESP, 2009).
Saúde, Assistência Social, Esporte, Cultura e demais seg-
h) Promover atividades e espaços de participação da
mentos. As parcerias fortalecem esse Plano, sem correr o
família e a interface com os serviços de saúde, assistência
risco de perder o foco no AEE, na medida em que a parti-
social e outros (MEC/SEESP, 2009). O papel do professor do
AEE não deve ser confundido com o papel dos profissionais cipação de outros atores amplia o caráter interdisciplinar
do atendimento clínico, embora suas atribuições possam do serviço.
ter articulações com profissionais das áreas da Medicina,
Psicologia, Fisioterapia, Fonoaudiologia e outras afins. 2.1.2. A FORMAÇÃO DE PROFESSORES PARA O AEE
Também estabelece interlocuções com os profissionais da
arquitetura, engenharia, informática. Para atuar no AEE, os professores devem ter formação
específica para este exercício, que atenda aos objetivos da
No decorrer da elaboração e desenvolvimento dos pla- educação especial na perspectiva da educação inclusiva.
nos de atendimento para cada aluno, o professor de AEE se Nos cursos de formação continuada, de aperfeiçoamen-
apropria de novos conteúdos e recursos que ampliam seu to ou de especialização, indicados para essa formação, os
conhecimento para a atuação na Sala de Recursos Multi- professores atualizarão e ampliarão seus conhecimentos
funcional. em conteúdos específicos do AEE, para melhor atender a
São conteúdos do AEE: Língua Brasileira de Sinais - LI- seus alunos.
BRAS e LIBRAS tátil; Alfabeto digital; Tadoma; Língua Portu- A formação de professores consiste em um dos objeti-
guesa na modalidade escrita; Sistema Braille; Orientação e vos do PPP. Um dos seus aspectos fundamentais é a preo-
mobilidade; Informática acessível; Sorobã (ábaco); Estimu- cupação com a aprendizagem permanente de professores,
lação visual; Comunicação alternativa e aumentativa - CAA; demais profissionais que atuam na escola e também dos
Desenvolvimento de processos educativos que favoreçam pais e da comunidade onde a escola se insere. Neste do-
a atividade cognitiva. cumento, apresentam-se as ações de formação, incluindo
São recursos do AEE: Materiais didáticos e pedagógicos os aspectos ligados ao estudo das necessidades específicas
acessíveis (livros, desenhos, mapas, gráficos e jogos táteis, dos alunos com deficiência, transtornos globais de desen-
em LIBRAS, em Braille, em caracter ampliado, com contras- volvimento e altas habilidades/superdotação. Este estudo
te visual, imagéticos, digitais, entre outros); Tecnologias de perpassa o cotidiano da escola e não é exclusivo dos pro-
informação e de comunicação (TICS) acessíveis (mouses e fessores que atuam no AEE.

237
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

À gestão escolar compete implementar ações que ga- obtidas sobre determinado assunto e demonstra respeito
rantam a formação das pessoas envolvidas, direta ou in- às diferentes formas e procedimentos de organização do
diretamente, nas unidades de ensino. Ela pode se dar por conhecimento.
meio de palestras informativas e formações em nível de Essas propostas colocam o aprendiz como protagonis-
aperfeiçoamento e especialização para os professores que ta do processo de ensino e aprendizagem e agrega valor
atuam ou atuarão no AEE. educativo aos conteúdos da formação. Os conteúdos não
As palestras informativas devem envolver o maior nú- se tornam à finalidade, mas os meios de ensino. As me-
mero de pessoas possível: professores do ensino comum todologias ativas de aprendizagem têm como característi-
e do AEE, pais, autoridades educacionais. De caráter mais ca o fato de se desenvolverem em pequenos grupos e de
amplo, essas palestras têm por objetivo esclarecer o que é apresentarem problemas contextualizados. Trata-se de um
o AEE, como ele está sendo realizado e qual a política que processo ativo, cooperativo, integrado e interdisciplinar.
o fundamenta, além de tirar dúvidas sobre este serviço e Estimula o aprendiz a desenvolver os trabalhos em equipe,
promover ações conjuntas para fazer encaminhamentos, ouvir outras opiniões, a considerar o contexto ao elaborar
quando necessários. as propostas das soluções, tornando-o consciente do que
Para a formação em nível de aperfeiçoamento e es- ele sabe e do que precisa aprender. Motiva-o a buscar as
pecialização, a proposta é que sejam realizadas ações informações relevantes, considerando que cada problema
de formação fundamentadas em metodologias ativas de é um problema e que não existem receitas para solucio-
aprendizagem, tais como Estudos de Casos, Aprendizagem ná-los.
Baseada em Problemas (ABP) ou Problem Based Learning Entre as diversas metodologias, a Aprendizagem Co-
(PBL), Aprendizagem Baseada em Casos (ABC), Trabalhos laborativa em Redes - ACR, construída a partir da meto-
com Projetos, Aprendizagem Colaborativa em Rede (ACR), dologia de Aprendizagem Baseada em Problemas, foi de-
entre outras. senvolvida para um programa de formação continuada a
Essas metodologias trazem novas formas de produção distância de professores de AEE. Seu foco é a aprendiza-
e organização do conhecimento e colocam o aprendiz no gem colaborativa, o trabalho em equipe, contextualizado
centro do processo educativo, dando-lhe autonomia e res- na realidade do aprendiz.
ponsabilidade pela sua aprendizagem por meio da iden- A ACR é composta de etapas que incluem trabalhos
tificação e análise dos problemas e da capacidade para individuais e coletivos. As etapas compreendem a apresen-
formular questões e buscar informações para responder a tação, a descrição e a discussão do problema; pesquisas
estas questões, ampliando conhecimentos. em fontes bibliográficas para favorecer a compreensão do
Tradicionalmente os cursos de formação continuada problema; apresentação de propostas de soluções para o
são centrados nos conteúdos, classificados de acordo com problema em foco; elaboração do plano de atendimento;
o critério de pertencimento a uma especificidade, tendo socialização; reelaboração da solução do problema e do
sua organização curricular pautada num perfil “ideal” de plano de atendimento; avaliação.
aluno que se deseja formar. Estes modelos de formação A proposta de formação ACR prepara o professor para
estão sendo cada vez mais questionados no contexto edu- perceber a singularidade de cada caso e atuar frente a eles.
cacional e algumas metodologias começam a surgir com Nesse sentido, a formação não termina com o curso, visto
a finalidade de romper com esta organização e determi- que a atuação do professor requer estudo e reflexões dian-
nismo. Tais metodologias rompem com o modelo deter- te de cada novo desafio. Finalizada a formação, é impor-
minista de formação, considerando as diferenças entre os tante que os professores constituam redes sociais para dar
estudantes e apresentando uma nova perspectiva de orga- continuidade aos estudos, estudar casos, dirimir dúvidas e
nização curricular. socializar os conhecimentos adquiridos a partir da prática
Zabala (1995) defende uma perspectiva de organização cotidiana. Para contribuir com estas ações, a internet dis-
curricular globalizadora, na qual os conteúdos de aprendi- ponibiliza várias ferramentas de livre acesso que podem ser
zagem e as unidades temáticas do currículo são relevantes utilizadas pelos professores.
em função de sua capacidade de compreender uma reali- As tecnologias de informação e comunicação - TICs,
dade global. Para Hernandez (1998), o conceito de conhe- em especial as tecnologias Web 2.0, possibilitam aos usuá-
cimento global e relacional permite superar o sentido da rios o acesso às informações de forma rápida e constan-
mera acumulação de saberes em torno de um tema. Ele te. Elas permitem a participação ativa do usuário na gran-
propõe estabelecer um processo no qual o tema ou pro- de rede de computadores e invertem o papel de usuário
blema abordado seja o ponto de referência para onde con- consumidor para usuário produtor de conhecimento, de
fluem os conhecimentos. agente passivo para agente ativo, o que pode ampliar as
É neste contexto que surgem as metodologias ativas possibilidades dos programas de formação pautados em
de aprendizagem. Elas requerem uma mudança de atitude metodologias ativas de aprendizagem.
do docente. Uma delas refere-se à flexibilidade diante das Estas e outras ferramentas possibilitam viabilizar a
questões que surgirão e dos conhecimentos que se cons- construção coletiva do conhecimento em torno das práti-
truirão durante o desenvolvimento dos trabalhos. Este pro- cas de inclusão e, o mais importante, socializar estas práti-
cesso permite aos professores e aos alunos aprenderem a cas e fazer delas um objeto de pesquisa.
explicar as relações estabelecidas a partir de informações

238
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

PARTE III

1. SALAS DE RECURSOS MULTIFUNCIONAIS

As Salas de Recursos Multifuncionais são espaços lo-


calizados nas escolas de educação básica, onde se realiza
o Atendimento Educacional Especializado - AEE. Essas sa-
las são organizadas com mobiliários, materiais didáticos e
pedagógicos, recursos de acessibilidade e equipamentos
específicos para o atendimento aos alunos público alvo da
educação especial, em turno contrário à escolarização.
O Ministério da Educação, com o objetivo de apoiar
as redes públicas de ensino na organização e na oferta do
AEE e contribuir com o fortalecimento do processo de in-
clusão educacional nas classes comuns de ensino, instituiu
Foto 8 - Mostra materiais didático-pedagógicos inte-
o Programa de Implantação de Salas de Recursos Multi-
grantes das salas de recursos multifuncionais.
funcionais, por meio da Portaria Nº. 13, de 24 de abril de
1.1. CONHECENDO ALGUNS RECURSOS ACESSÍVEIS
2007. Nesse processo, o Programa atende a demanda das
escolas públicas que possuem matrículas de alunos com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento ou a) Jogo Cara a Cara: O objetivo do jogo é encontrar a
superdotados/altas habilidades, disponibilizando as salas outra cara igual a que o outro participante tem em mãos.
de recursos multifuncionais, Tipo I e Tipo II. Para tanto, Crianças com cegueira têm a possibilidade de encontrar os
é necessário que o gestor do município, do estado ou do pares em função das texturas, e crianças com baixa visão,
Distrito Federal garanta professor para o AEE, bem como em função das cores contrastantes. O jogo foi feito em bor-
o espaço para a sua implantação. As Salas de Recursos racha e com retângulos em tamanho grande para permitir
Multifuncionais Tipo I são constituídas de microcomputa- que crianças com dificuldades motoras possam jogar. Des-
dores, monitores, fones de ouvido e microfones, scanner, sa forma, o jogo permite a participação de todos.
impressora laser, teclado e colmeia, mouse e acionador de
pressão, laptop, materiais e jogos pedagógicos acessíveis,
software para comunicação alternativa, lupas manuais e
lupa eletrônica, plano inclinado, mesas, cadeiras, armário,
quadro melanínico.

Foto 9 - Mostra o jogo acessível cara a cara, feito de


borracha recortada em retângulos.

b) Maquete da planta baixa: Uma maquete de plan-


Foto 7 - Mostra um aluno com deficiência física utili-
ta baixa pode ser confeccionada com diferentes materiais,
zando vocalizador em sala de aula comum.
como o papel cartão, o papel camurça e outros. Esse ma-
As Salas de Recursos Multifuncionais Tipo II são cons- terial proporciona a percepção do ambiente, a orientação
tituídas dos recursos da sala Tipo I, acrescidos de outros espacial e a mobilidade.
recursos específicos para o atendimento de alunos com
cegueira, tais como impressora Braille, máquina de dati-
lografia Braille, reglete de mesa, punção, soroban, guia de
assinatura, globo terrestre acessível, kit de desenho geo-
métrico acessível, calculadora sonora, software para produ-
ção de desenhos gráficos e táteis.

239
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

e) Teclado com colmeia: A colmeia é um recurso da tec-


nologia assistiva feita em acrílico transparente com furos
coincidentes às teclas do teclado comum. A colmeia facilita
a digitação do aluno com dificuldade motora.

Foto 10 - Mostra maquete da planta baixa de uma es-


cola da rede pública de ensino. A maquete foi feita com
material simples, como o papel cartão e o papel camurça.
Ela está sobre uma mesa. Três pessoas estão sentadas e
uma delas tateia a maquete.
Foto 13 - Mostra um teclado com colmeia para uso do
c) Máquina Braille aluno com dificuldades motoras.

f) Mouse e acionador de pressão: O acionador de pres-


são, conectado ao mouse, é utilizado por alunos com de-
ficiência física. Por exemplo, em casos em que os alunos
apresentam amputação de braços, o acionador poderá ser
ativado com o queixo ou, se o aluno apresenta dificuldades
motoras nas mãos, o acionador poderá ser ativado com o
movimento do cotovelo.

Foto 11 - Mostra a professora do AEE ensinando o alu-


no com cegueira a usar a máquina de datilografia Braille.

d) Jogo da velha e dominó: Estes jogos são constituí-


dos de peças e tabuleiro em diferentes materiais, texturas,
cores e formas geométricas que permitem acessibilidade
para alunos com cegueira ou com baixa visão.

Foto 14 - Mostra um mouse com o acionador de pres-


são conectado.

g) Aranha-mola: O recurso da tecnologia assistiva de-


nominado Aranha-mola é produzido com um arame reves-
tido, onde os dedos e a caneta são encaixados. O objetivo
deste recurso é estabilizar ou auxiliar nos movimentos de
pessoas com deficiência física nas atividades em que utili-
zam lápis, caneta ou pincel.

Foto 12 - Mostra o jogo da velha e de dominó feito de


madeira, em cores contrastantes.

240
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

VEIGA, I. P. A. (ORG.). PROJETO POLÍTICO-


PEDAGÓGICO DA ESCOLA - UMA
CONSTRUÇÃO POSSÍVEL. 2.A ED. CAMPINAS:
PAPIRUS, 1996.

O projeto político-pedagógico, segundo Veiga, tem


sido objeto de estudos para professores, pesquisadores e
instituições educacionais em nível nacional, estadual e mu-
nicipal, em busca da melhoria da qualidade do ensino.
Foto 15 - Mostra um aluno escrevendo com caneta en- O presente estudo tem a intenção de refletir acerca
caixada na aranha-mola. da construção do projeto político-pedagógico, entendido
como a própria organização do trabalho pedagógico da
Considerações Finais escola como um todo.
A escola é o lugar de concepção, realização e avalia-
A garantia de acesso, participação e aprendizagem de ção de seu projeto educativo, uma vez que necessita orga-
todos os alunos nas escolas contribui para a construção de nizar seu trabalho pedagógico com base em seus alunos.
uma nova cultura de valorização das diferenças. Este fascí- Nessa perspectiva, é fundamental que ela assume suas
culo destacou em seus tópicos a importância de se rever a responsabilidades, sem esperar que as esferas administra-
organização pedagógica e administrativa das escolas para tivas superiores tomem essa iniciativa, mas que lhe deem
que estas possam tornar-se espaços inclusivos. as condições necessárias para levá-la adiante. Para tanto,
Do ponto de vista da escola comum, ressaltou-se o é importante que se fortaleçam as relações entre escola e
papel do Projeto Político Pedagógico como instrumento sistema de ensino.
orientador desses espaços e a participação e comprome- Para isso, começaremos, na primeira parte, conceituan-
timento dos professores na elaboração e execução desse do projeto político-pedagógico. Em seguida, na segunda
Projeto. Quanto à Educação Especial, reiteramos a neces- parte, trataremos de trazer nossas reflexões para a análi-
sidade de esta modalidade de ensino ser parte integrante se dos princípios norteadores. Finalizaremos discutindo os
do PPP, para que seus serviços possam ser implementados elementos básicos, da organização do trabalho pedagógi-
na perspectiva da educação inclusiva, como prevê a Política co, necessários à construção do projeto político-pedagó-
Nacional da Educação Especial. gico.
O entrelaçamento dos serviços de Educação Especial, CONCEITUANDO O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGI-
entre os quais o Atendimento Educacional Especializado, CO
conjuga igualdade e diferenças como valores indissociáveis
e como condição de acolher a todos nas escolas. As ações O que é projeto político-pedagógico
para consolidação do AEE exigem firmeza e envolvimento
de todos os que estão se empenhando para que as escolas No sentido etimológico, o termo projeto v e m
se tornem ambientes educacionais plenamente inclusivos. do latim projectu, particípio passado do verbo projicere,
Nessa caminhada em favor de uma escola para todos, que significa lançar para diante. Plano, intento, desígnio.
a educação especial brasileira tem tomado decisões e ini- Empresa, empreendimento. Redação provisória de lei. Pla-
ciativas que surpreendem pela ousadia de suas propostas e no geral de edificação.
coerência de seus posicionamentos com o que nossa Cons- Ao construirmos os projetos de nossas escolas, plane-
tituição de 1988 prescreve como direito à educação. jamos o que temos intenção de fazer, de realizar. Lança-
A possibilidade de inventar o cotidiano (CERTEAU, mo-nos para diante, com base no que temos, buscando o
1994) tem sido a saída adotada pelos que colocam sua possível. É antever um futuro diferente do presente. Nas
capacidade criadora para inovar, romper velhos acordos, palavras de Gadotti:
resistências e lugares eternizados na educação. É a deter-
minação e um forte compromisso com a melhoria da qua- Todo projeto supõe rupturas com o presente e promessas
lidade da educação brasileira que está subjacente a todas para o futuro. Projetar significa tentar quebrar um estado
essas mudanças que estão propostas pela Política atual da confortável p ara arriscar-se, atravessar um período de ins-
Educação Especial. tabilidade e buscar uma nova estabilidade em função
da promessa que cada projeto contém de estado melhor do
que o presente. Um projeto educativo pode ser tomado com
o promessa frente a determinadas rupturas. As promessas
tornam visíveis o s campos de ação possível, comprometen-
do seu s atores e autores.

241
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Nessa perspectiva, o projeto político-pedagógico vai escola dará indicações necessárias à organização do tra-
além de um simples agrupamento de planos de ensino e balho pedagógico, que inclui o trabalho do professor na
de atividades diversas. O projeto não é algo que é construí- dinâmica interna da sala de aula, ressaltado anteriormente.
do e em seguida arquivado ou encaminhado às autorida- Buscar uma nova organização para a escola constitui
des educacionais como prova do cumprimento de tarefas uma ousadia para os educadores, pais, alunos e funcioná-
burocráticas. Ele é construído e vivenciado em todos os rios. E para enfrentarmos essa ousadia, necessitamos de
momentos, por todos os envolvidos com o processo edu- um referencial que fundamente a construção do projeto
cativo da escola. político-pedagógico. A questão é, pois, saber a qual refe-
O projeto busca um rumo, uma direção. É uma ação rencial temos que recorrer para a compreensão de nossa
intencional, com um sentido explícito, com um compromis- prática pedagógica. Nesse sentido, temos que nos alicerçar
so definido coletivamente. Por isso, todo projeto pedagó- nos pressupostos de uma teoria pedagógica crítica viável,
gico da escola é, também, um projeto político por estar que parta da prática social e esteja compromissada em so-
intimamente articulado ao compromisso sociopolítico com lucionar os problemas da educação e do ensino de nossa
os interesses reais e coletivos da população majoritária. É escola. Uma teoria que subsidie o projeto político-peda-
político no sentido de compromisso com a formação do gógico e, por sua vez, a prática pedagógica que ali se pro-
cidadão para um tipo de sociedade. “A dimensão política cessa deve estar ligada aos interesses da maioria da po-
se cumpre na medida em que ela se realiza enquanto práti- pulação. Faz-se necessário, também, o domínio das bases
ca especificamente pedagógica”. Na dimensão pedagógica teórico-metodológicas indispensáveis à concretização das
reside a possibilidade da efetivação da intencionalidade da concepções assumidas coletivamente. Mais do que isso,
escola, que é a formação do cidadão participativo, respon- afirma Freitas que:
sável, compromissado, crítico e criativo. Pedagógico, no
sentido de definir as ações educativas e as características A s novas forma s têm q u e ser pensadas em um con-
necessárias às escolas de cumprirem seus propósitos e sua texto de luta, de correlações de força – às vezes favoráveis,
intencionalidade. às vezes desfavoráveis. Terão que nascer no próprio “ chã
Político e pedagógico têm assim uma significação in- o da escola “, com apoio dos professores e pesquisadores.
Não poderão ser inventadas por alguém, longe da escola e
dissociável. Neste sentido é que se deve considerar o pro-
da luta da escola.
jeto político-pedagógico como um processo permanente
Isso significa uma enorme mudança na concepção do
de reflexão e discussão dos problemas da escola, na busca
projeto político-pedagógico e na própria postura da admi-
de alternativas viáveis a efetivação de sua intencionalidade,
nistração central. Se a escola nutre-se da vivência cotidiana
que “não é descritiva ou constatativa, mas é constitutiva”.
de cada um de seus membros, coparticipantes de sua or-
Por outro lado, propicia a vivência democrática necessária
ganização do trabalho pedagógico à administração central,
para a participação de todos os membros da comunidade seja o Ministério da Educação, a Secretaria de Educação Es-
escolar e o exercício da cidadania. Pode parecer complica- tadual ou Municipal, não compete a eles definir um modelo
do, mas trata-se de uma relação recíproca entre a dimen- pronto e acabado, mas sim estimular inovações e coorde-
são política e a dimensão pedagógica da escola. nar as ações pedagógicas planejadas e organizadas pela
própria escola. Em outras palavras, as escolas necessitam
O projeto político-pedagógico, ao se constituir em receber assistência técnica e financeira decidida em con-
processo democrático de decisões, preocupa-se em ins- junto com as instâncias superiores do sistema de ensino.
taurar uma forma de organização do trabalho pedagógi- Isso pode exigir, também, mudanças na própria lógica
co que supere os conflitos, buscando eliminar as relações de organização das instâncias superiores, implicando uma
competitivas, corporativas e autoritárias, rompendo com a mudança substancial na sua prática. Para que a construção
rotina do mando impessoal e racionalizado da burocracia do projeto político-pedagógico seja possível não é neces-
que permeia as relações no interior da escola, diminuindo sário convencer os professores, a equipe escolar e os fun-
os efeitos fragmentários da divisão do trabalho que reforça cionários a trabalhar mais, ou mobilizá-los de forma espon-
as diferenças e hierarquiza os poderes de decisão. tânea, mas propiciar situações que lhes permitam aprender
Desse modo, o projeto político-pedagógico tem a ver a pensar e a realizar o fazer pedagógico de forma coerente.
com a organização do trabalho pedagógico em dois ní- O ponto que nos interessa reforçar é que a escola não
veis: como organização da escola como um todo e como tem mais possibilidade de ser dirigida de cima para bai-
organização da sala de aula, incluindo sua relação com o xo e na ótica do poder centralizador que dita as normas
contexto social imediato, procurando preservar a visão de e exerce o controle técnico burocrático. A luta da escola
totalidade. Nesta caminhada será importante ressaltar que é para a descentralização em busca de sua autonomia e
o projeto político-pedagógico busca a organização do tra- qualidade. Do exposto, o projeto político-pedagógica não
balho pedagógico da escola na sua globalidade. visa simplesmente a um rearranjo formal da escola, mas a
A principal possibilidade de construção do projeto po- uma qualidade em todo o processo vivido. Vale acrescen-
lítico-pedagógico passa pela relativa autonomia da escola, tar, ainda, que a organização do trabalho pedagógico da
de sua capacidade de delinear sua própria identidade. Isto escola tem a ver com a organização da sociedade. A escola
significa resgatar a escola como espaço público, lugar de nessa perspectiva é vista como uma instituição social, inse-
debate, do diálogo, fundado na reflexão coletiva. Portanto, rida na sociedade capitalista, que reflete no seu interior as
é preciso entender que o projeto político-pedagógico da determinações e contradições dessa sociedade.

242
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

na prática administrativa da escola, com o enfrentamento


Princípios norteadores do projeto político-pedagógico das questões de exclusão e reprovação e da não-perma-
nência do aluno na sala de aula, o que vem provocando
A abordagem do projeto político-pedagógico, como a marginalização das classes populares. Esse compromisso
organização do trabalho da escola como um todo, está implica a construção coletiva de um projeto político-peda-
fundada nos princípios que deverão nortear a escola de- gógico ligado à educação das classes populares. A gestão
mocrática, pública e gratuita: democrática exige a compreensão em profundidade dos
problemas postos pela prática pedagógica. Ela visa romper
a) Igualdade de condições para acesso e permanência com a separação entre concepção e execução, entre o pen-
na escola. Saviani alerta-nos para o fato de que há uma de- sar e o fazer, entre teoria e prática. Busca resgatar o contro-
sigualdade no ponto de partida, mas a igualdade no ponto le do processo e do produto do trabalho pelos educadores.
de chegada deve ser garantida pela mediação da escola. O A gestão democrática implica principalmente o repen-
autor destaca: Portanto, só é possível considerar o processo sar da estrutura de poder da escola, tendo em vista sua
educativo em seu conjunto sob a condição de se distinguir a socialização. A socialização do poder propicia a prática da
democracia com o possibilidade no ponto de partida e de- participação coletiva, que atenua o individualismo; da reci-
mocracia como realidade no ponto de chegada. Igualdade procidade, que elimina a exploração; da solidariedade, que
de oportunidades requer, portanto, mais que a expansão supera a opressão; da autonomia, que anula a dependência
quantitativa de ofertas; requer ampliação do atendimento de órgãos intermediários que elaboram políticas educacio-
com simultânea manutenção de qualidade. nais das quais a escola é mera executora.
b) Qualidade que não pode ser privilégio de minorias A busca da gestão democrática inclui, necessariamen-
econômicas e sociais. O desafio que se coloca ao projeto te, a ampla participação dos representantes dos diferentes
político-pedagógico da escola é o de propiciar uma qua- segmentos da escola nas decisões/ações administrativo-
lidade para todos. A qualidade que se busca implica duas -pedagógicas ali desenvolvidas. Nas palavras de Marques:
dimensões indissociáveis: a formal ou técnica e a política. A participação ampla assegura a transparência das deci-
Uma não está subordinada a outra; cada uma delas tem sões, fortalece as pressões para que sejam elas legítimas,
perspectivas próprias. A primeira enfatiza os instrumentos
garante o controle sobre os acordos estabelecidos e, so-
e os métodos, a técnica. A qualidade formal não está afeita,
bretudo, contribui para que sejam contempladas questões
necessariamente, a conteúdos determinados. Demo afirma
que de outra forma não entraria m em cogitação.
que a qualidade formal: “(...) significa a habilidade de ma-
Neste sentido, fica claro entender que a gestão demo-
nejar meios, instrumentos, formas, técnicas, procedimentos
crática, no interior da escola, não é um princípio fácil de ser
diante dos desafios do desenvolvimento”. A qualidade políti-
consolidado, pois trata-se da participação crítica na cons-
ca é condição imprescindível da participação. Está voltada
trução do projeto político-pedagógico e na sua gestão.
para os fins, valores e conteúdos. Quer dizer “a competên-
d) Liberdade é outro princípio constitucional. O princí-
cia humana do sujeito em termos de se fazer e de fazer
história, diante dos fins históricos da sociedade humana”. pio da liberdade está sempre associado à ideia de autono-
Nesta perspectiva, o autor chama atenção para o fato mia. O que é necessário, portanto, como ponto de partida,
de que a qualidade centra-se no desafio de manejar os é o resgate do sentido dos conceitos de autonomia e liber-
instrumentos adequados para fazer a história humana. A dade. A autonomia e a liberdade fazem parte da própria
qualidade formal está relacionada com a qualidade política natureza do ato pedagógico. O significado de autonomia
e esta depende da competência dos meios. A escola de remete-nos para regras e orientações criadas pelos pró-
qualidade tem obrigação de evitar de todas as maneiras prios sujeitos da ação educativa, sem imposições externas.
possíveis a repetência e a evasão. Tem que garantir a meta Para Rios, a escola tem uma autonomia relati-
qualitativa do desempenho satisfatório de todos. Qualida- va e a liberdade é algo que se experimenta em situação
de para todos, portanto, vai além da meta quantitativa de e esta é uma articulação de limites e possibilidades. Para
acesso global, no sentido de que as crianças, em idade es- a autora, a liberdade é uma experiência de educadores e
colar, entrem na escola. É preciso garantir a permanência constrói-se na vivência coletiva, interpessoal. Portanto,
dos que nela ingressarem. Em síntese, qualidade “implica “somos livres com os outros, não, apesar dos outros”. Se
consciência crítica e capacidade de ação, saber e mudar”. pensamos na liberdade na escola, devemos pensá-la na
O projeto político-pedagógico, ao mesmo tempo em relação entre administradores, professores, funcionários e
que exige dos educadores, funcionários, alunos e pais a alunos que aí assumem sua parte de responsabilidade na
definição clara do tipo de escola que intentam, requer a construção do projeto político-pedagógico e na relação
definição de fins. Assim, todos deverão definir o tipo de destes com o contexto social mais amplo.
sociedade e o tipo de cidadão que pretendem formar. As Heller afirma que:
ações especificas para a obtenção desses fins são meios. A liberdade é sempre liberdade para algo e não a pe-
Essa distinção clara entre fins e meios é essencial para a nas liberdade de algo. Se interpretarmos a liberdade apenas
construção do projeto político-pedagógico. como o fato d e sermos livres de alguma coisa, encontramo-
c) Gestão democrática é um princípio consagrado pela -nos no estado de arbítrio, definimo-nos de modo negativo.
Constituição vigente e abrange as dimensões pedagógica, A liberdade é u m a relação e, com o tal, deve ser continua-
administrativa e financeira. Ela exige uma ruptura histórica mente ampliada. O próprio conceito de liberdade contém o

243
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

conceito d e regra, d e reconhecimento, d e intervenção recí- Inicialmente, convém alertar para o fato de que
proca. C o m efeito, ninguém pode ser livre se, em volta dele, essa tomada de consciência, dos princípios norteadores
há outros que não o são! do projeto político-pedagógico, não pode ter o sentido
Por isso, a liberdade deve ser considerada, também, espontaneísta de se cruzar os braços diante da atual orga-
como liberdade para aprender, ensinar, pesquisar e divul- nização da escola, que inibe a participação de educadores,
gar a arte e o saber direcionados para uma intencionalida- funcionários e alunos no processo de gestão.
de definida coletivamente. É preciso ter consciência de que a dominação no in-
e) Valorização do magistério é um princípio central na terior da escola efetiva-se por meio das relações de poder
discussão do projeto político-pedagógico. A qualidade do que se expressam nas práticas autoritárias e conservadoras
ensino ministrado na escola e seu sucesso na tarefa de for- dos diferentes profissionais, distribuídos hierarquicamen-
mar cidadãos capazes de participar da vida socioeconômi- te, bem como por meio das formas de controle existentes
ca, política e cultural do país relacionam-se estreitamente no interior da organização escolar. Como resultante des-
a formação (inicial e continuada), condições de trabalho sa organização, a escola pode ser descaracterizada como
(recursos didáticos, recursos físicos e materiais, dedicação instituição histórica e socialmente determinada, instância
integral à escola, redução do número de alunos na sala de privilegiada da produção e da apropriação do saber. As
aula etc.), remuneração, elementos esses indispensáveis à instituições escolares representam «armas de contestação
profissionalização do magistério. e luta entre grupos culturais e econômicos que têm dife-
A melhoria da qualidade da formação profissional e a rentes graus de poder». Por outro lado, a escola é local de
valorização do trabalho pedagógico requerem a articu- desenvolvimento da consciência crítica da realidade.
lação entre instituições formadoras, no caso as instituições Acreditamos que os princípios analisados e o apro-
de ensino superior e a Escola Normal, e as agências em- fundamento dos estudos sobre a organização do trabalho
pregadoras, ou seja, a própria rede de ensino. A formação pedagógico trarão contribuições relevantes para a com-
profissional implica, também, a indissociabilidade entre a preensão dos limites e das possibilidades dos projetos po-
formação inicial e a formação continuada. lítico-pedagógicos voltados para os interesses das cama-
O reforço à valorização dos profissionais da educação,
das menos favorecidas.
garantindo-lhes o direito ao aperfeiçoamento profissional
Veiga acrescenta, ainda que: A importância desses prin-
permanente, significa “valorizar a experiência e o conheci-
cípios está em garantir sua operacionalização nas estruturas
mento que os professores tem a partir de sua prática peda-
escolares, pois uma coisa é estar no papel, na legislação, na
gógica”.
proposta, no currículo e outra é estar ocorrendo na dinâmica
A formação continuada é um direito de todos os pro-
interna da escola, no real, no concreto.
fissionais que trabalham na escola, uma vez que não só ela
possibilita a progressão funcional baseada na titulação, na
Construindo o projeto político-pedagógico
qualificação e na competência dos profissionais, mas tam-
bém propicia, fundamentalmente, o desenvolvimento pro-
fissional dos professores articulado com as escolas e seus O projeto político-pedagógico é entendido, neste es-
projetos. tudo, como a própria organização do trabalho pedagógico
A formação continuada deve estar centrada na esco- da escola. A construção do projeto político-pedagógico
la e fazer parte do projeto político-pedagógico. As- parte dos princípios de igualdade, qualidade, liberdade,
sim, compete à escola: gestão democrática e valorização do magistério. A escola
a) proceder ao levantamento de necessidades de for- é concebida como espaço social marcado pela manifesta-
mação continuada de seus profissionais; ção de práticas contraditórias, que apontam para a luta e/
b) elaborar seu programa de formação, contando com ou acomodação de todos os envolvidos na organização do
a participação e o apoio dos órgãos centrais, no sentido trabalho pedagógico.
de fortalecer seu papel na concepção, na execução e na O que pretendemos enfatizar é que devemos analisar
avaliação do referido programa. e compreender a organização do trabalho pedagógico, no
Assim, a formação continuada dos profissionais, da es- sentido de se gestar uma nova organização que reduza os
cola compromissada com a construção do projeto político- efeitos de sua divisão do trabalho, de sua fragmentação e
-pedagógico, não deve limitar-se aos conteúdos curricula- do controle hierárquico. Nessa perspectiva, a construção
res, mas se estender à discussão da escola como um todo e do projeto político-pedagógico é um instrumento de luta,
suas relações com a sociedade. é uma forma de contrapor-se à fragmentação do trabalho
Daí, passarem a fazer parte dos programas de forma- pedagógico e sua rotinização, à dependência e aos efeitos
ção continuada, questões como cidadania, gestão demo- negativos do poder autoritário e centralizador dos órgãos
crática, avaliação, metodologia de pesquisa e ensino, novas da administração central.
tecnologias de ensino, entre outras. A construção do projeto político-pedagógico, para
Veiga e Carvalho afirmam que: O grande desafio da es- gestar uma nova organização do trabalho pedagógico,
cola ao construir sua autonomia, deixando de lado seu papel passa pela reflexão anteriormente feita sobre os princípios.
de mera “repetidora” de programas de treinamento é ousar Acreditamos que a análise dos elementos constitutivos da
assumir o papel predominante na formação dos profissio- organização trará contribuições relevantes para a constru-
nais. ção do projeto político-pedagógico.

244
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Pelo menos sete elementos básicos podem ser aponta- concebe seu projeto político-pedagógico e tem autonomia
dos: as finalidades da escola, a estrutura organizacional, o para executá-lo e avaliá-lo ao assumir um nova atitude de
currículo, o tempo escolar, o processo de decisão, as rela- liderança, no sentido de refletir sobre as finalidades socio-
ções de trabalho, a avaliação. políticas e culturais da escola.

Finalidades Estrutura organizacional

A escola persegue finalidades. É importante ressaltar A escola, de forma geral, dispõe de dois tipos
que os educadores precisam ter clareza das finalidades de básicos de estruturas: administrativas e pedagógicas.
sua escola. Para tanto há necessidade de se refletir sobre As primeiras asseguram praticamente, a locação e a gestão
a ação educativa que a escola desenvolve com base nas de recursos humanos, físicos e financeiros. Fazem parte,
finalidades e nos objetivos que ela define. As finalidades ainda, das estruturas administrativas todos os elementos
da escola referem-se aos efeitos intencionalmente preten-
que têm uma forma material como, por exemplo, a arquite-
didos e almejados.
tura do edifício escolar e a maneira como ele se apresenta
- Das finalidades estabelecidas na legislação em vigor,
do ponto de vista de sua imagem: equipamentos e ma-
o que a escola persegue, com maior ou menor ênfase?
teriais didáticos, mobiliário, distribuição das dependências
- Como é perseguida sua finalidade cultural, ou seja, a
de preparar culturalmente os indivíduos para uma melhor escolares e espaços livres, cores, limpeza e saneamento bá-
compreensão da sociedade em que vivem? sico (água, esgoto, lixo e energia elétrica).
- Como a escola procura atingir sua finalidade política As pedagógicas, que, teoricamente, determinam a
e social; ao formar o indivíduo para a participação política ação das administrativas, “organizam as funções educati-
que implica direitos e deveres da cidadania? vas para que a escola atinja de forma eficiente e eficaz as
- Como a escola atinge sua finalidade de formação pro- suas finalidades”. As estruturas pedagógicas referem-se,
fissional, ou melhor, como ela possibilita a compreensão do fundamentalmente, às interações políticas, às questões
papel do trabalho na formação profissional do aluno? de ensino-aprendizagem e às de currículo. Nas estruturas
- Como a escola analisa sua finalidade humanística, ao pedagógicas incluem-se todos os setores necessários ao
procurar promover o desenvolvimento integral da pessoa? desenvolvimento do trabalho pedagógico.
As questões levantadas geram respostas e no- A análise da estrutura organizacional da escola visa
vas indagações por parte da direção, de professores, identificar quais estruturas são valorizadas e por quem, ve-
funcionários, alunos e pais. O esforço analítico de todos rificando as relações funcionais entre elas. É preciso ficar
possibilitará a identificação de quais finalidades precisam claro que a escola é uma organização orientada por fina-
ser reforçadas, quais as que estão relegadas e como elas lidades, controlada e permeada pelas questões do poder.
poderão ser detalhadas em nível das áreas, das diferentes A análise e a compreensão da estrutura organizacional da
disciplinas curriculares, do conteúdo programático. escola significam indagar sobre suas características, seus
É necessário decidir, coletivamente, o que se quer re- polos de poder, seus conflitos.
forçar dentro da escola e como detalhar as finalidades para O que sabemos da estrutura pedagógica?
se atingir a almejada cidadania. Que tipo de gestão está sendo praticada?
Alves afirma que há necessidade de saber se a escola O que queremos e precisamos mudar na nossa escola?
dispõe de alguma autonomia na determinação das finali- Qual é o organograma previsto?
dades e, consequentemente, seu desdobramento em obje- Quem o constitui e qual é a lógica interna?
tivos específicos. O autor enfatiza que: Quais as funções educativas predominantes?
Interessará reter se as finalidades são impostas por en-
Como são vistas a constituição e a distribuição do po-
tidades exteriores ou se são definidas no interior do terri-
der?
tório social e se são definidas por consenso ou por conflito
Quais os fundamentos regimentais?
ou até se é matéria ambígua, imprecisa ou marginal.
Essa colocação está sustentada na ideia de que a es-
cola deve assumir, como uma de suas principais tarefas, o Enfim, caracterizar do modo mais preciso possível a
trabalho de refletir sobre sua intencionalidade educativa. estrutura organizacional da escola e os problemas que afe-
Nesse sentido, ela procura alicerçar o conceito de autono- tam o processo ensino-aprendizagem, de modo a favore-
mia, enfatizando a responsabilidade de todos, sem deixar cer a tomada de decisões realistas e exequíveis.
de lado os outros níveis da esfera administrativa educacio- Avaliar a estrutura organizacional significa questionar
nal. Nóvoa nos diz que a autonomia é importante para: “a os pressupostos que embasam a estrutura burocrática da
criação de uma identidade da escola, de um ethos científi- escola que inviabiliza a formação de cidadãos aptos a criar
co e diferenciador, que facilite a adesão dos diversos atores ou a modificar a realidade social. Para realizar um ensino
e a elaboração de um projeto próprio”. de qualidade e cumprir suas finalidades, as escolas têm
A ideia de autonomia está ligada à concepção eman- que romper com a atual forma de organização burocrática
cipadora da educação. Para ser autônoma, a escola não que regula o trabalho pedagógico – pela conformidade às
pode depender dos órgãos centrais e intermediários que regras fixadas, pela obediência a leis e diretrizes emana-
definem a política da qual ela não passa de executora. Ela das do poder central e pela cisão entre os que pensam e

245
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

executam –, que conduz a fragmentação e ao consequente que o conhecimento escolar (conteúdo) estabeleça um re-
controle hierárquico que enfatiza três aspectos inter-rela- lação aberta e inter-relacione-se em torno de uma ideia
cionados: o tempo, a ordem e a disciplina. integradora. A esse tipo de organização curricular, o autor
Nessa trajetória, ao analisar a estrutura organizacional, denomina de currículo integração. O currículo integração,
ao avaliar os pressupostos teóricos, ao situar os obstáculos portanto, visa reduzir o isolamento entre as diferentes dis-
e vislumbrar as possibilidades, os educadores vão desve- ciplinas curriculares, procurando agrupá-las num todo mais
lando a realidade escolar, estabelecendo relações, definin- amplo.
do finalidades comuns e configurando novas formas de Como alertou Domingos “cada conteúdo deixa de ter
organizar as estruturas administrativas e pedagógicas para significado por si só, para assumir uma importância relati-
a melhoria do trabalho de toda a escola na direção do que va e passar a ter uma função bem determinada e explícita
se pretende. Assim, considerando o contexto, os limites, os dentro do todo de que faz parte”.
recursos disponíveis (humanos, materiais e financeiros) e O quarto ponto refere-se a questão do controle
a realidade escolar, cada instituição educativa assume sua
social, já que o currículo formal (conteúdos curriculares,
marca, tecendo, no coletivo, seu projeto político-pedagó-
metodologia e recursos de ensino, avaliação e relação
gico, propiciando consequentemente a construção de uma
pedagógica) implica controle. Por outro lado, o controle
nova forma de organização.
social é instrumentalizado pelo currículo oculto, entendido
Currículo este como as “mensagens transmitidas pela sala de aula
e pelo ambiente escolar”. Assim, toda a gama de visões
Currículo é um importante elemento constitutivo do mundo, as normas e os valores dominantes são passa-
da organização escolar. Currículo implica, necessariamente, dos aos alunos no ambiente escolar, no material didático e
a interação entre sujeitos que têm um mesmo objetivo e a mais especificamente por intermédio dos livros didáticos,
opção por um referencial teórico que o sustente. Currículo na relação pedagógica, nas rotinas escolares. Os resultados
é uma construção social do conhecimento, pressupondo a do currículo oculto “estimulam a conformidade a ideais na-
sistematização dos meios para que esta construção se efe- cionais e convenções sociais ao mesmo tempo que man-
tive; a transmissão dos conhecimentos historicamente pro- têm desigualdades socioeconômicas e culturais”.
duzidos e as formas de assimilá-los, portanto, produção, Moreira, ao examinar as teorias de controle social
transmissão e assimilação são processos que compõem que têm permeado as principais tendências do pensa-
uma metodologia de construção coletiva do conhecimento mento curricular, procurou defender o ponto de vista de
escolar, ou seja, o currículo propriamente dito. Neste sen- que controle social não envolve, necessariamente, orien-
tido, o currículo refere-se à organização do conhecimento tações conservadoras, coercitivas e de conformidade com-
escolar. portamental. De acordo com o autor, subjacente ao dis-
O conhecimento escolar é dinâmico e não uma mera curso curricular crítico encontra-se uma noção de controle
simplificação do conhecimento científico, que se adequaria social orientada para a emancipação. Faz sentido, então,
à faixa etária e aos interesses dos alunos. Daí, a necessida- falar em controle social comprometido com fins de liber-
de de se promover, na escola, uma reflexão aprofundada dade que deem ao estudante uma voz ativa e crítica.
sobre o processo de produção do conhecimento escolar,
uma vez que ele é, ao mesmo tempo, processo e produto. Com base em Aronowitz e Giroux, o autor chama a
A análise e a compreensão do processo de produção do atenção para o fato de que a noção crítica de controle so-
conhecimento escolar ampliam a compreensão sobre as cial não pode deixar de discutir:
questões curriculares. O contexto apropriado ao desenvolvimento de práticas
Na organização curricular é preciso considerar alguns
curriculares que favoreçam o bom rendimento e a autono-
pontos básicos. O primeiro é o de que o currículo não é
mia dos seus estudantes e, em particular, que reduzem os
um instrumento neutro. O currículo passa ideologia, e a
elevados índices de evasão e repetência de nossa escola de
escola precisa identificar e desvelar os componentes ideo-
primeiro grau.
lógicos do conhecimento escolar que a classe dominante
utiliza para a manutenção de privilégios. A determinação A noção de controle social na teoria curricular crítica é
do conhecimento escolar, portanto, implica uma análise in- mais um instrumento de contestação e resistência à ideo-
terpretativa e crítica, tanto da cultura dominante, quanto logia veiculada por intermédio dos currículos, tanto do for-
da cultura popular. O currículo expressa uma cultura. mal quanto do oculto.
O segundo ponto é o de que o currículo não pode ser Orientar a organização curricular para fins emancipa-
separado do contexto social, uma vez que ele é historica- tórios implica, inicialmente desvelar as visões simplificadas
mente situado e culturalmente determinado. de sociedade, concebida como um todo homogêneo, e de
O terceiro ponto diz respeito ao tipo de organização ser humano como alguém que tende a aceitar papéis ne-
curricular que a escola deve adotar. Em geral, nossas insti- cessários à sua adaptação ao contexto em que vive. Con-
tuições têm sido orientadas para a organização hierárqui- trole social na visão crítica, é uma contribuição e uma ajuda
ca e fragmentada do conhecimento escolar. Com base em para a contestação e a resistência à ideologia veiculada por
Bernstein, chamo a atenção para o fato de que a escola intermédio dos currículos escolares.
deve buscar novas formas de organização curricular, em

246
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

O tempo escolar O processo de decisão

O tempo é um dos elementos constitutivos da organi- Na organização formal de nossa escola, o fluxo das
zação do trabalho pedagógico. O calendário escolar orde- tarefas das ações e principalmente das decisões é orien-
na o tempo: determina o início e o fim do ano, prevendo tado por procedimentos formalizados, prevalecendo as
os dias letivos, as férias, os períodos escolares em que o relações hierárquicas de mando e submissão, de poder
ano se divide, os feriados cívicos e religiosos, as datas re- autoritário e centralizador.
servadas à avaliação, os períodos para reuniões técnicas, Uma estrutura administrativa da escola adequada à
cursos etc. realização de objetivos educacionais, de acordo com
O horário escolar, que fixa o número de horas por se- os interesses da população, deve prever mecanismos
mana e que varia em razão das disciplinas constantes na que estimulem a participação de todos no processo de
grade curricular, estipula também o número de aulas por decisão.
professor. Tal como afirma Enguita. Isto requer uma revisão das atribuições especificas
(...) As matérias tornam-se equivalentes porque ocupam e gerais, bem como da distribuição do poder e da des-
o mesmo número de horas por semana e, são vistas como centralização do processo de decisão. Para que isso seja
tendo menor prestígio se ocupam menos tempo que as de- possível há necessidade de se instalarem mecanismos
mais. institucionais visando à participação política de todos os
A organização do tempo do conhecimento escolar é envolvidos com o processo educativo da escola. Paro,
marcada pela segmentação do dia letivo, e o currículo é, sugere a instalação de processos eletivos de escolha de
consequentemente, organizado em períodos fixos de tem- dirigentes, colegiados com representação de alunos,
po para disciplinas supostamente separadas. O controle pais, associação de pais e professores, grêmio estudantil,
hierárquico utiliza o tempo que muitas vezes é desperdiça- processos coletivos de avaliação continuada dos servi-
do e controlado pela administração e pelo professor. ços escolares etc.
Em resumo, quanto mais compartimentado for o tem-
po, mais hierarquizadas e ritualizadas serão as relações As relações de trabalho
sociais, reduzindo, também, as possibilidades de se institu-
cionalizar o currículo integração que conduz a um ensino É importante reiterar que, quando se busca uma nova
em extensão. organização do trabalho pedagógico, está se conside-
Enguita ao discutir a questão de como a escola contri- rando que as relações de trabalho, no interior da escola
bui para a inculcação da precisão temporal nas atividades deverão estar calcadas nas atitudes de solidariedade, de
escolares, assim se expressa: reciprocidade e de participação coletiva, em contraposi-
ção à organização regida pelos princípios da divisão do
A sucessão de períodos muito breves – sempre de me- trabalho da fragmentação e do controle hierárquico. É
nos de uma hora- dedicados a matérias muito diferente nesse movimento que se verifica o confronto de interes-
entre si, sem necessidade de consequência lógica entre ses no interior da escola. Por isso todo esforço de se ges-
elas, sem atender à melhor ou à pior adequação do seu tar uma nova organização deve levar em conta as condi-
conteúdo a períodos mais longos ou mais curtos sem pres- ções concretas presentes na escola. Há uma correlação
tar nenhuma atenção à cadencia do interesse e do trabalho de forças e é nesse embate que se originam os conflitos,
dos estudantes; em suma, a organização habitual do horá- as tensões, as rupturas, propiciando a construção de no-
rio escolar ensina ao estudante que o importante não é a vas formas de relações de trabalho, com espaços abertos
qualidade precisa de seu trabalho a que o dedica, mas sua à reflexão coletiva que favoreçam o diálogo, a comunica-
duração. A escola é o primeiro cenário em que a criança e ção horizontal entre os diferentes segmentos envolvidos
o jovem presenciam, aceitam e sofrem a redução de seu com o processo educativo, a descentralização do poder.
trabalho a trabalho abstrato. A esse respeito, Machado assume a seguinte posição: “O
Para alterar a qualidade do trabalho pedagógico torna- processo de luta é visto como uma forma de contrapor-se
-se necessário que a escola reformule seu tempo, estabe- à dominação, o que pode contribuir para a articulação de
lecendo períodos de estudo e reflexão de equipes de edu- práticas emancipatórias”.
cadores fortalecendo a escola como instância de educação A partir disso novas relações de poder poderão ser
continuada. construídas na dinâmica interna da sala de aula e da
É preciso tempo para que os educadores aprofundem escola.
seu conhecimento sobre os alunos e sobre o que estão
aprendendo. É preciso tempo para acompanhar e avaliar
o projeto político-pedagógico em ação. É preciso tempo
para os estudantes se organizarem e criarem seus espaços
para além da sala de aula.

247
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

A avaliação 02. (Prefeitura de Palhoça – SC/2016) O PPP (Projeto


político pedagógico) tem como princípios, segundo Sacris-
Acompanhar as atividades e avaliá-las levam-nos a re- tan (2001) e Veiga (2000):
flexão com base em dados concretos sobre como a esco- a) Multiplicação de gestores educacionais com partici-
la organiza-se para colocar em ação seu projeto político- pação controlada no planejamento; integração pais e pro-
-pedagógico. A avaliação do projeto político-pedagógico, fessores; treinamento de educadores em outras culturas.
numa visão crítica, parte da necessidade de se conhecer b) A divulgação da cultura como princípio político pe-
a realidade escolar, busca explicar e compreender cetica- dagógico essencial, privilegiando a história estrangeira em
mente as causas da existência de problemas bem como detrimento da nacional; treinamento de professores e pa-
suas relações, suas mudanças e se esforça para propor gamento de índice de produtividade; valorização do corpo
ações alternativas (criação coletiva). Esse caráter criador é funcional da escola.
conferido pela autocrítica. c) A difusão e o incremento do conhecimento e da cul-
Avaliadores que conjugam as ideias de uma visão glo- tura em geral; a inserção dos sujeitos no mundo; a custódia
bal, analisam o projeto político-pedagógico, não como dos mais jovens, suprindo nessa missão a família; igualdade
algo estanque desvinculado dos aspectos políticos e so- de condições para acesso e permanência; qualidade para
ciais. Não rejeitam as contradições e os conflitos. A ava- todos; gestão democrática e valorização do magistério.
liação tem um compromisso mais amplo do que a mera d) Isonomia para o acesso e permanência; qualidade
eficiência e eficácia das propostas conservadoras. Portan- para todos; gestão democrática de professores e adminis-
to, acompanhar e avaliar o projeto político-pedagógico é tradores escolares; incremento salarial para o magistério
avaliar os resultados da própria organização do trabalho evidenciando a produtividade de cada um; valorização de
pedagógico. funcionários.
Considerando a avaliação dessa forma é possível sa-
lientar dois pontos importantes. Primeiro, a avaliação é um 03. (IF-TO/2016) Veiga (2010) menciona alguns princí-
ato dinâmico que qualifica e oferece subsídios ao projeto pios norteadores do Projeto Político-pedagógico. Marque
político-pedagógico. Segundo, ela imprime uma direção às
a alternativa que não contempla a proposição da referida
ações dos educadores e dos educandos.
autora:
O processo de avaliação envolve três momentos: a
a) Gestão democrática.
descrição e a problematização da realidade escolar, a com-
b) Igualdade.
preensão crítica da realidade descrita e problematizada e
c) Qualidade.
a proposição de alternativas de ação, momento de criação
d) Valorização do estudante.
coletiva.
e) Liberdade.
A avaliação, do ponto de vista crítico, não pode ser ins-
trumento de exclusão dos alunos provenientes das classes
trabalhadoras. Portanto, deve ser democrática, deve favo-
recer o desenvolvimento da capacidade do aluno de apro- Respostas
priar-se de conhecimentos científicos, sociais e tecnológi-
cos produzidos historicamente e deve ser resultante de um 01. Resposta: D
processo coletivo de avaliação diagnóstica. “É necessário decidir, coletivamente, o que se quer re-
forçar dentro da escola e como detalhar as finalidades para
Fonte se atingir a almejada cidadania”(VEIGA, 2000, p. 23).
VEIGA, O projeto político pedagógico da escola.
02. Resposta: C
Princípios orientadores na construção do Projeto Polí-
Questões tico-Pedagógico:
A construção do PPP na perspectiva da gestão demo-
01. (COSEAC/2016) Para Ilma Passos Veiga, quanto à crática fundamenta-se nos mesmos princípios que nor-
execução, um projeto político-pedagógico é de qualidade teiam a escola pública e democrática. Gimeno Sacristan
quando: (2001), ao discutir a escola pública como um projeto da
a) é um documento que se reduz à dimensão curricular. modernidade, destaca seus objetivos e suas finalidades em
b) prescinde de um estudo do meio em que a escola quatro grandes grupos:
está inserida. a) a fundamentação da democracia
c) desconhece a identidade da instituição e privilegia b) o estímulo ao desenvolvimento da personalidade do
as idiossincrasias individuais. sujeito.
d) implica ação articulada de todos os envolvidos com c) a difusão e o incremento do conhecimento e da cul-
a realidade da escola. tura em geral.
e) é construído como produto acabado, não passível d) a inserção dos sujeitos no mundo
de modificações. e) a custódia dos mais jovens, suprindo nessa missão
a família.

248
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

03. Resposta: D no que eu quero formar. Que ser humano vocês querem
A abordagem do projeto político-pedagógico, como formar? Autônomo, crítico, criativo, humano, responsável,
organização do trabalho da escola como um todo, está que saiba conviver com o outro, cidadão, feliz, inteligente.
fundada nos princípios que deverão nortear a escola de- Humano, no sentido de pessoa humanizada, merece
mocrática, pública e gratuita: reflexão. Será que os nossos procedimentos pedagógicos,
a) Igualdade de condições para acesso e permanência aqueles que utilizamos em sala de aula, são coerentes com
na escola. esse homem que queremos construir?
b) Qualidade que não pode ser privilégio de minorias Na escola tradicional, o professor também tem esses
econômicas e sociais. objetivos belos e nobres, e realmente gostaria de estar tra-
c) Gestão democrática é um princípio consagrado pela balhando para formar esse homem. Só que, na sala de aula,
Constituição vigente e abrange as dimensões pedagógica, uma carteira está atrás da outra e as crianças não podem se
administrativa e financeira. comunicar, conversar. Cada um tem que ter o seu próprio
material, não pode emprestar para o amigo. A professora é
d) Liberdade é outro princípio constitucional.
quem diz o que fazer, quando fazer, como começar, quan-
e) Valorização do magistério é um princípio central na
do começar, a que horas terminar. Ela é quem determina,
discussão do projeto político-pedagógico.
inclusive, a ida ao banheiro. É a própria professora que diz
Assim, em nenhum momento a autora menciona a al-
para as crianças quando está certo e quando está errado.
ternativa “d” Valorização do estudante.
Como é que queremos formar pessoas cooperativas,
se um não pode ajudar o outro, porque isso é visto como
‘cola’, como uma coisa negativa? Quando escrevem, eles
colocam o braço sobre o trabalho para o outro não ver.
Como é que eu posso formar pessoas solidárias, se cada
VINHA, TELMA PILEGGI. O EDUCADOR um tem que ter o seu, se eu não posso compartilhar os
E A MORALIDADE INFANTIL NUMA meus materiais, se eu não posso compartilhar minhas ati-
PERSPECTIVA CONSTRUTIVISTA. REVISTA vidades com o meu colega? Como é que eu quero formar
DO COGEIME, N° 14, JULHO/99, PÁG. 15-38. pessoas que saibam decidir, se o professor decide até a
hora das crianças irem ao banheiro, decide que ativida-
de vai ser dada, como vai ser feita? Como é que eu quero
O que me levou a pesquisar a área da moralidade, a crianças que saibam viver em uma democracia, conviver
questão da autonomia, foi a minha experiência como coor- com os iguais, se eles não podem conversar?
denadora pedagógica. Quando eu trabalhava em Itatiba,
cidade próxima a Campinas, como coordenadora, os pro- Há muita incoerência entre o objetivo e os instrumen-
fessores costumavam me perguntar: “O que eu faço com tos utilizados para atingir esse objetivo. Se o objetivo é for-
aquele aluno que bate nos outros? O que eu faço com mar um ser humano autônomo, criativo etc, a sala tem que
aquele que fala palavrão o tempo inteiro? E com aquele ter um ambiente em que tudo isso seja possível de aconte-
que não pára um minuto quieto, que fica correndo pela cer. Essa é apenas uma reflexão inicial. O tema central é a
classe? Eu ponho para pensar e não adianta.” construção da autonomia, o desenvolvimento moral.
Eu também não sabia o que fazer. Sabíamos que não O que se entende por moralidade? Qual é a ideia de
podia gritar, não podia estrangular, mesmo sendo nossa moralidade? O que é certo? O que é íntegro, integrida-
vontade, não podia colocar de castigo, não podia bater. de, respeito, o bem, o caráter? Como isso é construído na
Nós sabíamos o que não fazer, mas não sabíamos quais criança, como a criança aprende isso no dia-a-dia? Ela se-
gue exemplos, modelos?
procedimentos eram adequados para lidar com essa ques-
Primeiramente, o desenvolvimento moral refere-se ao
tão do desenvolvimento da moralidade, da autonomia, da
desenvolvimento das crenças, dos valores, das ideias dos
disciplina.
sujeitos sobre a noção do certo, do errado, dos juízos.
Estudamos um pouco de psicologia, lemos textos, le-
Quando me sinto culpado por uma atitude, estou emitin-
mos artigos e não queremos educar como educávamos al-
do um juízo. Esse julgamento reflete as minhas crenças, os
gumas décadas atrás. Não queremos repetir um modelo meus valores, a noção do que é certo e do que é errado. Da
de educação autoritária, como a que nós tivemos. Mas, ao mesma forma quando julgo a ação do outro e a maneira
mesmo tempo, nos sentimos inseguros de como agir dian- como eu acredito que o outro me vê.
te de um mal comportamento de uma criança. Por vezes, Esse é o desenvolvimento moral. A moral se refere
os professores sentiam-se muito permissivos. Diziam: “Eu ao que eu devo ser, como eu devo agir perante o outro.
converso, converso, converso e não adianta. Não acontece Como eu devo e não como eu ajo. O estudo da moral, da
nada. Ele continua da mesma maneira.” ética, é como eu devo agir. O mais importante, para Piaget,
Em outros momentos, o professor não se continha e não são os valores pessoais. O que mais importa para ele é
acabava estourando e sentia-se autoritário demais. A nossa por que eu sigo esses valores. Por exemplo, por que eu te-
preocupação era encontrar o limite da intervenção, de qual nho que ser honesto numa relação com outra pessoa? Por
o procedimento que está mais coerente com o ser huma- que a sociedade me ensinou e todos cobram esse padrão

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CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

social? Se eu viver em uma sociedade que me ensine que O pai ensina a não mentir, mas quando, por exemplo,
a mentira, às vezes, é o melhor caminho, então eu posso encontra uma morena na padaria, diz para o filho: “não fala
mentir e tudo bem? Eu tenho que ser verdadeiro sempre? para tua mãe que eu encontrei com a fulana”. Ou a mãe
Por que isso é importante? bate o carro e diz: “não conta para o teu pai que fui eu!”. Ou
Piaget mostra o que vai fazer diferença entre uma mo- ainda quando a criança fala a verdade, é punida, mais pelo
ral autônoma – quando uma pessoa governa a si mesma, que ela contou do que por ter falado a verdade. No entan-
é responsável pelos seus atos, leva em conta o outro antes to, para a criança, o sentimento é de que falou a verdade e
de tomar uma decisão – e uma moral heterônoma – quan- foi castigada. O que ela está aprendendo?
do a pessoa é governada pelos outros. É uma pessoa que A criança vai percebendo que, às vezes, ela mente e
justifica o que ela faz, justifica o que ela sente em nome do não é descoberta e que a mentira é necessária para escapar
outro, do terceiro. “Eu penso assim porque a vida inteira me de um castigo. Essas são as experiências que ela está tendo
ensinaram a agir assim.” com as pessoas, mostrando que nem sempre ser honesto
O que faz diferença entre uma moral heterônoma, em
é um bom negócio.
que a moral é externa, e a autônoma, em que o centro, a
Para falar da moralidade infantil é preciso considerar
ética, os meus valores, são interiorizados, são internos é
que a criança tem uma concepção do que é certo, do que
justamente a razão de eu seguir os meus valores. Por que
é errado, do valor de verdade, do valor de mentira, com-
os professores querem que as crianças cumpram as regras
da classe? Porque as regras são necessárias para organizar pletamente diferente do adulto. Para uma criança pequena,
os trabalhos, para formar os cidadãos do futuro e não por uma mentira que é considerada grave é uma mentira em
medo da criança de ficar sem recreio ou receber uma puni- que você não pode acreditar. É, por exemplo, você dizer
ção ou uma recompensa do professor depois. que encontrou um homem do tamanho de um prédio. Para
O fundamental para Piaget é que as pessoas autôno- ela, essa é uma mentira muito grave, porque não existe um
mas seguem determinadas normas porque elas acreditam homem do tamanho de um prédio. Assim, o exagero para
que isso é o melhor para elas. Elas não seguem essas nor- a criança é mentira. Por outro lado, ela falar que tirou uma
mas para receber uma recompensa, por medo do olhar nota alta na prova, sendo que não tirou, não é uma men-
externo, por medo de uma punição, de uma censura. O tira assim tão séria, porque ela poderia ter tirado mesmo!
importante não é ser leal ou não, mas por que eu estou Como ela poderia ter tirado, é uma mentirinha boba.
sendo leal. Um adulto que disser que trocou de carro e não trocou
É preciso saber que numa relação entre pessoas, se cometeu uma mentira séria, porque está querendo apare-
uma começar a falar mentiras, o elo de confiança é rom- cer, teve a intenção de mentir e enganar. Mas se alguém
pido, desestabilizando a relação. O importante é refletir a disser: “eu vi um caminhão que parecia um navio de tão
respeito de por que seguimos as normas, os nossos valores. grande”, as pessoas vão perceber que é um exagero, não é
É por medo ou para agradar os pais, o diretor, as crianças? uma mentira tão séria. Para a criança é o contrário.
Para serem coerentes com isso, os educadores devem
estar pensando por que estão transformando a sala de A criança também considera o engano e a mentira a
aula, aderindo ao construtivismo. Se é porque eu sigo os mesma coisa. A partir daí, como podemos lidar com a men-
meus valores e estou me transformando ou se é por uma tira na criança? Constance Camille deixa claro que, primei-
recompensa ou uma punição. É isso que vai fazer diferença ramente, devemos perceber que a própria inteligência da
entre uma moral autônoma e uma moral heterônoma. criança – de educação infantil, com dois a sete anos – é
Para a criança, a construção da inteligência se dá a par- pré-operatória, é intuitiva.
tir da interação com o meio. O mesmo vale para a moralida- Muitas vezes acontece que o adulto é capaz, a partir
de. A construção dos valores, o desenvolvimento moral, se
de indícios, deduzir que a criança comeu biscoitos – a lata
dá a partir da interação da criança com pessoas e situações.
de biscoito está diminuindo, a boquinha da criança está
Não existe moral sem o outro. A moral, necessariamente,
suja. Em vez de afirmar: “você comeu biscoito”, diz: “o seu
envolve o outro, porque se refere a regras, a normas, como
coração está me dizendo que você comeu biscoito.” Ou:
as pessoas devem agir perante o outro. A construção dos
valores se dá a partir das experiências com o outro. “deixa eu olhar nos seus olhos. Você comeu biscoito e está
Será que a moralidade é ensinada diretamente? É muito mentindo” Isso é um abuso da autoridade do adulto que
comum usarmos histórias infantis – contar que o Pinocchio trata a criança como se fosse transparente. Isso só é possí-
mentiu e o nariz dele cresceu. Quando as crianças brigam, vel porque essa criança ainda é pré-operatória, incapaz de
contamos uma história de briga entre os personagens, que tirar a conclusão como o adulto.
tiveram um final trágico. Com a história da cigarra e da Eles realmente acreditam que são transparentes e que
formiga, ensinamos a questão da solidariedade, da coo- os adultos são mágicos, têm o poder de, olhando dentro
peração, e assim por diante, sempre utilizando a moral da dos olhos, ouvindo o coração, adivinhar. É diferente se o
história. adulto falar “eu não posso acreditar no que você está me
Na realidade, a moralidade não se aprende assim. A dizendo por causa disso”.
moralidade não é ensinada por sermões. A moralidade vai A primeira atitude do adulto é não abusar da autori-
se dando a partir das pequenas experiências diárias que a dade de adulto, porque a criança constrói a privacidade
criança tem ao se relacionar com o outro. com muito custo. É preciso dizer para a criança o porquê

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CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

de você não acreditar no que ela está dizendo e mostrar dando a partir daquelas situações do cotidiano do profes-
onde está a mentira no que ela falou. Explicar quais são as sor, do pai, das crianças com as crianças. Nesses momentos
consequências da mentira na relação entre duas pessoas. é que estão sendo trabalhadas a ética e a moralidade.
Quando queremos crianças e pessoas sinceras, deve- Cada ato do relacionamento com o aluno serve para
mos estar preparados para ouvir verdades agradáveis e algo e faz parte da construção da personalidade que a
desagradáveis. Valorizar o fato de a criança ter contado a criança está formando. Em cada ato, o educador tem que
verdade, mas não deixar de conversar sobre o que ela fez. perceber que está trabalhando a moralidade, por isso que
Deixar claro que contar a verdade é algo saudável, e refletir é um tema transversal. Vamos supor que duas crianças
sobre o ato em si. estejam brigando por causa de um balanço. O professor
Moralidade envolve uma série de regras e essas regras pode fingir que não está vendo. Ou pode ir lá e dizer: “Cada
só existem porque na convivência entre as pessoas são ne- um balança dois minutos e eu vou ficar marcando.” Ou ele
cessárias. Com o tempo, a criança vai percebendo as con- pode chegar e falar: “Temos um balanço e duas crianças
sequências do não cumprimento da regra ou da necessida-
querendo balançar. Como vamos resolver isso? Como va-
de dessa regra existir. Na educação, é isso que tem de ser
mos fazer para que todos usem o balanço?”
mostrado para as crianças.
É muito comum as regras serem associadas ao medo
Nos três casos, o professor está passando uma mensa-
da criança ser punida, ao medo dela ser castigada por
Deus, ou por um anjinho que está vendo tudo. Ou ainda a gem. Podem se pagar porque o problema é de vocês. Ou o
uma recompensa. Se ela for boazinha, vai ganhar um sor- adulto resolve o problema. Ou vamos resolver o problema
vete. Na realidade, se a criança só deixa de mentir porque sem agressão.
tem medo de o nariz crescer, ou deixa de mentir porque a Quando as crianças começam a resolver os problemas,
mamãe não gosta que mente, ou porque a mamãe acha as soluções não são as mais adequadas. Mas elas só vão
feio, ela cresce com medo de descobrirem. O que fazia essa chegar a resolver os problemas de forma adequada, quan-
criança legitimar a norma de falar a verdade eram coisas do começarem a resolvê-los, percebendo as consequên-
que, provavelmente, quando ela crescer já não vai acreditar cias.
mais. Haverá situações em que ela vai mentir e ninguém Em nenhum momento afirma-se que o professor não
vai descobrir, o nariz não vai crescer. Ela vai experimentar deve intervir. Mas a intervenção deve ser adequada, cons-
situações em que a opinião da mãe dela não pesa tanto trutiva. Atuar como interlocutor ou mediador do problema,
quanto a dos amigos. da discussão para que as crianças possam chegar a uma
O que fazia a criança legitimar a norma já não existe conclusão.
mais. Ela não tem mais porque cumprir. Por isso é impor- O que as crianças podem fazer na sala, com relação
tante associar uma regra a um bem-estar e às consequên- aos limites, às normas, é justamente elaborar as regras.
cias do não cumprimento dessa regra. Tem de haver sen- Há normas que são necessárias, não são negociadas. Por
tido na existência da regra, para um bom convívio social. exemplo, não é permitido bater. É uma regra que não pode
ser flexível – bater só de vez em quando ou de leve. Outro
Temas transversais exemplo é escovar os dentes, também é uma regra que
não tem negociação.
Atualmente, é comum os professores alegarem que, Nas salas de aula existem dois tipos de regras. As re-
nas classes em que trabalham em grupos, as crianças têm gras necessárias são as regras de boa saúde, de boa edu-
mais conflitos. É claro, elas convivem mais, antes elas con- cação. São regras que não se negocia. A criança não pode
viviam menos, então os conflitos não apareciam. A mora- escolher se ela quer ir na escola ou não. Este tipo de esco-
lidade é justamente um tema transversal à ética por causa
lha não tem negociação.
disso.
Existem outras normas que são as que organizam o
As crianças estão convivendo e, de repente acontece
trabalho da sala e garantem a justiça. Da formulação dessas
uma briga. Se o professor finge que não vê, ele está pas-
regras as crianças podem participar. Por exemplo, combi-
sando uma mensagem de que, nessa escola, a agressão
é permitida. Ao contrário, se a briga é encerrada por um nar algum sinal para avisar quando o barulho estiver muito
adulto e os dois são colocados de castigo, a mensagem é alto. Há salas em que a criança incomodada com o barulho
de que os adultos têm mais autoridade, e quando vocês ti- apaga a luz para avisar os colegas que abaixem o tom de
verem um problema têm de procurar um adulto. O melhor voz. Diminuiu, ela acende a luz. Assim, até a cobrança da
seria interferir para revalidar a regra e deixar claro: “aqui regra não fica só com o professor, mas também com quem
nesta escola, as pessoas não devem se agredir. Vamos ver o estiver incomodado.
que está acontecendo e uma maneira de resolver isso sem É muito comum acontecer uma visão reducionista da
agressão.” teoria de Piaget, quando as escolas acham que a crian-
Diante do mesmo conflito, o adulto pode ter respos- ça pequena pode escolher qual a sanção ou castigo que
tas diferentes e, de qualquer maneira, ele está ensinando a vai ser dado à criança que está aprontando alguma coi-
moralidade nesse dia-a-dia. Com cada resposta que ele dá, sa. Crianças de seis anos são egocêntricas e incapazes de
ou com as que ele não dá, a moralidade e a ética são abor- coordenar pontos de vista diferentes, de se colocar no lu-
dadas. Por isso é um tema transversal. A moralidade vai se gar do outro. Elas escolhem os castigos da maneira mais

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CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

severa, que é a ideia que elas têm de justiça. Para elas, é do professor. Assim, o que os alunos têm de fazer, mesmo
justo pagar o preço sofrendo, para ser perdoado e aceito que eles não entendam, é obedecer, é aceitar a autoridade,
no grupo, restabelecendo o elo que foi rompido. que hoje é o professor e amanhã pode ser o diretor, o che-
Nesses casos, não se pode passar a autoridade da es- fe, o marido, o político.
colha de sanção para a criança, mas sim elaborar a regra As crianças vão aprendendo a engolir sem entender.
com eles. Um problema é colocado, discutido e decidido Vão engolindo e achando que é assim mesmo e quando
pelo grupo, resultando numa regra. Mas não se combina crescem, continuam acreditando que as verdades vêm de
com as crianças o que fazer com quem não segue a regra, determinadas pessoas e não questionam essas verdades.
porque isso é um problema do professor, que tem que ser
bem preparado para saber qual é a sanção mais justa, com Avaliação
o aluno.
A forma de avaliação das crianças é outro aspecto. Por
A criança tem uma interpretação de regra rígida, ao
exemplo, perder ponto quando conversar e ganhar ponto
pé da letra. Ela não percebe que cada caso é um caso. Ela
quando entregar trabalho. A maneira de usar o instrumento
não tem essa noção de justiça. É um erro acharmos que as
de avaliação, ameaçando com frases como: “vocês vão ver
crianças podem escolher qual é a sanção mais justa. Quan-
na hora da prova, vou dar uma prova surpresa”. Portanto,
do pregamos a intervenção e a não intervenção, trata-se
de uma intervenção adequada, porque o professor desem- na avaliação, e se é avaliado o desenvolvimento da criança
penha uma autoridade na classe. Até saber, inclusive, até pequena, também está sendo trabalhada a moralidade.
onde as crianças podem ir.
A moralidade é um tema transversal porque, quer o A relação professor-aluno e a relação entre as próprias
professor queira, quer não queira, está trabalhando a mo- crianças são indicativas de valores, normas e regras. Se é
ral. O problema é que a maioria das escolas trabalham a permitida a discriminação e o desrespeito no relaciona-
moralidade não em direção à autonomia e sim à manuten- mento entre os alunos, isso é legitimado pela escola, que
ção da heteronomia. Toda escola – de Educação Infantil, não tem esse direito e o professor não pode permitir esse
Ensino fundamental, Ensino médio, professor de química, tipo de atitude no ambiente escolar.
de física – trabalha a moral. Mas muito poucos professores Nós precisamos, como educadores, ter uma postura
a trabalham em direção a autonomia. extremamente exemplar. Somos modelos e sabemos que,
Os Parâmetros Curriculares Nacionais colocam temas nesse período pré-operatório, a criança aprende muito por
transversais como orientação sexual, educação para a saú- imitação, que é inconsciente. O modelo tem que ser exem-
de, ética, pluralidade cultural, meio ambiente. Quando o plar porque a criança não vai aprender o que é falado, mas
professor pede para as crianças escovarem os dentes e a com os atos de quem fala. Por isso, é fundamental que haja
torneira fica aberta, ele está trabalhando o tema transversal coerência no modo de agir e coerência no discurso.
meio ambiente, mas com o desperdício. Para a criança aprender o respeito, tem que viver em
Em outra situação, ele vê duas crianças brincando de um ambiente de respeito. Para aprender a falar baixo, é
faz-de-conta de namorar ou se beijando e fica roxo de preciso que se fale baixo com ela. Se as crianças utilizam
vergonha ou repreende. Ele também está trabalhando a uniforme, os professores têm de usar também. Se o profes-
orientação sexual. Nós precisamos conhecer muito bem os sor quer que as crianças, por exemplo, respeitem uma fila,
temas transversais porque, independentemente da nossa tem que respeitar também e, na hora da merenda, entrar
vontade, eles estão sendo trabalhados. na fila, e se quer que eles falem a verdade, tem que ser
A moralidade é ensinada a todo momento. O profes- sincero.
sor passa mensagens e valores constantemente. Qualquer
O modelo tem que ser exemplar e isso é fundamental.
professor transmite valores e regras nos livros didáticos, na
A criança não vai seguir as mensagens passadas verbal-
organização institucional. Para cada regra da escola, temos
mente, oralmente. Ela vai seguir o comportamento. Por isso
de pensar se ela é realmente necessária, se está prejudican-
a postura tem que ser muito exemplar.
do a aprendizagem e o desenvolvimento da criança. Tudo
tem que ter um sentido de existir.
Outro aspecto refere-se a como o conteúdo é traba- Ambiente cooperativo
lhado. Se queremos “pessoas críticas”, não ensinamos his-
tória com uma visão única, dando a crítica pronta. É preci- É muito comum na educação em geral, na Educação
so que eles comparem diferentes autores sobre história e Infantil e no Ensino Fundamental, que se estudem técnicas
discutam. Para ensinar o lógico-matemático, é preciso dar e procedimentos de educação moral, mas o professor não
oportunidade para a criança reinventar, assim como no co- faz o essencial que é construir um ambiente cooperativo.
nhecimento físico, com as propriedades dos objetos, cor, Não adianta pensar em trabalhar direitos e respeito com
sabor, odor. discurso e técnicas em cima de dilemas, e não construir na
Ensinar sem permitir que eles descubram, passando os classe um ambiente em que tudo isso está presente.
conceitos como se fossem verdades prontas, ensinando a A preocupação deve ser construir esse ambiente, em
técnica para resolver sem deixá-los resolver por si mesmos, que as crianças interajam, pautado pelo respeito, sem coer-
assim o educador deixa claro que a verdade vem da cabeça ção ou pressão. Favorecer que a criança tome pequenas

252
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

decisões e assuma responsabilidades. Ela estará construin- A criança pequena não pode tomar grandes decisões.
do esse conhecimento e o professor também estará traba- Por exemplo, não cabe à criança escolher em que esco-
lhando com temas específicos, como os direitos. la quer estudar, nem se ela quer sair numa noite fria com
Na verdade, a construção da personalidade moral vai casaco ou não. Isso ela não pode decidir. Mas ela pode
se dar a partir da interação com os diversos ambientes: fa- decidir com qual casaco ela quer sair, se ela quer com o
mília, escola, amigos, meios de comunicação, etc. Cada um vermelho, com o roxo ou com o amarelo. Ela pode decidir,
tem um peso. Na primeira infância, até os quatro anos, a por exemplo na escola, se ela quer entrar com a mãe ou
família tem um peso muito grande. A interação com esses se prefere entrar sozinha. Ela não vai escolher se ela vai
vários ambientes é que vai formando o desenvolvimento trabalhar ou não no dia, mas ela pode escolher quais ativi-
moral da criança. dades. A criança pequena, em um ambiente democrático,
Na realidade, o que faz uma criança desenvolver mais não toma qualquer decisão, mas está tomando pequenas
ou menos a sua moralidade e a sua autonomia, é justamen- decisões o tempo inteiro.
te o convívio, se ela está interagindo num ambiente autori- Em virtude da educação autoritária que nós tivemos,
tário ou democrático. Mas a concepção de autoritário não hoje em dia, diante de desafios, morremos de medo de er-
é apenas o “não”. Em um ambiente em que tudo é não, rar. Quando alguém pede para a pessoa falar em público,
é natural que a criança tenha mais dificuldades de tomar ela treme na base. Para tomar decisões, justificamos o nos-
decisões para assumir responsabilidades e ficar com medo so agir em nome do outro: “Ah, mas fulano falou que era
de punições. Mas no construtivismo, o autoritário não é só para eu fazer assim”, ou: “eu reagi assim porque o porteiro
esse ambiente. foi mal-educado comigo”, mas você poderia ter reagido de
outra maneira.
Autoritário é o que o adulto faz pela criança que ela Justamente pelo fruto dessa educação é que nós so-
pode fazer por si mesma. Autoritário é quando o profes- mos assim hoje. O mercado de trabalho, inclusive, exige
sor está ensinando ou instruindo algo que a criança pode mais do que apenas cumprir ordens. Exige pessoas que
descobrir ou reinventar a partir de situações que ele vai pensem por si mesmas, que tomem decisões, criativas, que
colocando, para que ela reinvente, para que ela descubra. estejam sempre se atualizando. A escola está formando
Autoritário, é aquele professor que coloca as normas, que pessoas que não estão atendendo às necessidades do pró-
diz o que é melhor para a criança. É o professor que não prio mercado profissional.
permite que as crianças interajam, que elas troquem ideias. O Piaget diz que as pessoas verdadeiramente autôno-
Autoritário é o professor que entrega o trabalho na mão, mas são raras. É claro, a vida inteira vivemos em um am-
recolhe o trabalho, resolve os problemas, entrega o mate- biente autoritário, quando não era a escola, era mãe, o
rial, diz o horário de começar, de ir ao banheiro etc. pai que diziam que tinha que obedecer, que é o pai quem
Eu brinco que “atire a primeira pedra quem nunca ti- manda.
ver pecado”, porque no dia-a-dia do educador, acabamos Cito o depoimento de um pai no livro “Liberdade sem
amarrando o sapato, pondo comida no prato, ajudando a medo”: “meus pais foram autoritários, minha escola usava
criança. E, muitas vezes, os pais que podem ter babá, po- castigo e, se não fosse por isso, eu não seria a pessoa que
dem estar prejudicando ainda mais as crianças, porque eu sou hoje.” E o Hill responde assim para ele: “olha, eu não
muitas vezes a babá tira a roupa, dá o banho, escolhe a rou- conheço o senhor, mas quem disse que o senhor não po-
pa, põe a roupa, abotoa, amarra o sapato, penteia o cabelo, deria ser uma pessoa melhor do que é hoje?!”. Temos que
põe a comida no prato, dá a comida na boca, põe na frente argumentar isso com os pais, mostrando que o mundo está
da televisão, coisas que a criança poderia fazer sozinha. mudando. Nós somos frutos de uma educação autoritária,
mas queremos formar pessoas cada vez melhores.
Assim, um ambiente autoritário é um ambiente em que Os limites vão situar a criança no espaço social e é pre-
não é permitido que a criança faça as coisas por ela mesma. ciso determinar os espaços da mãe, do colega, da profes-
O democrático é o contrário, é aquele ambiente em que sora. No desenvolvimento moral, para Piaget, os limites são
a criança planeja junto com o professor quais atividades necessários e eles precisam existir. A criança necessita disso
vão ter naquele dia. Ela vai tomar decisões, escolher, dentre para se sentir amada, protegida. Para chegar à autonomia,
as opções oferecidas pelo professor, quais quer fazer. É o ela precisa primeiro dos limites colocados pelo adulto. De-
ambiente em que as crianças montam os cantinhos, pegam pois ela irá construindo os seus próprios limites.
os materiais e estes são compartilhados. A criança é quem
decide e o ritmo dela é respeitado. Amor, temor e respeito
Então, por exemplo, se uma criança demora mais para
fazer um desenho e outra menos, a que terminou muda de Ao mesmo tempo que eu amo, eu também temo. Esse
canto. Não tem aquela comparação entre as pessoas: “olha, sentimento é o respeito. Para Piaget, todo o respeito é uma
tá vendo, está todo o mundo te esperando, só falta você.” mistura de amor e de temor.
Nesse ambiente democrático, diante de um conflito, as Piaget percebeu que as crianças pequenas têm um
crianças vão pensar outra maneira de resolvê-lo, sem usar sentimento que ele chama de sentimento de obrigação, de
as mãos, os dentes, cotovelo, joelho, pé. O professor evita aceitação interior a uma norma, a uma recomendação dos
fazer pela criança tudo aquilo que ela pode fazer por si adultos. Por exemplo, se a criança vai colocar a mão na to-
mesma. Em casa é a mesma coisa. mada, a mãe diz assim: “não pode! ”. Ela sabe que lá não é

253
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

para mexer, tanto que mexe escondido ou mexe e olha para Moral heterônoma
a mãe. Isso porque essa criança aceita interiormente aquela
recomendação. Ela sabe que não é para mexer e se ela for O respeito unilateral, que a criança tem medo de per-
flagrada mexendo, fica constrangida, perturbada, porque der o amor, medo de ser punida, de ser censurada, leva a
sabe que fez algo errado. uma moral que é chamada de moral heterônoma. É a moral
O Piaget perguntou: “por que as crianças, em uma ida- da criança que é governada pelos adultos. O exemplo de
de tão pequena, em que tudo é brincadeira, tudo é espon- moral heterônoma é que a criança justifica uma regra, uma
taneidade, por que essas crianças aceitam o que os adultos norma, em cima da autoridade de um adulto.
falam? Por que elas simplesmente não ignoram? As crianças têm uma ideia do adulto como se este fos-
Ele descobriu que para a criança ter esse sentimento se mágico, como se quando eles crescerem saberão tudo.
de aceitação interior a uma norma, a uma regra, é preciso O adulto desenvolveu determinadas estruturas que permi-
que haja duas condições simultâneas. Primeiro essa criança tem raciocinar de uma maneira diferente da criança, e para
precisa estar acostumada a receber normas e recomenda- ela, o adulto sabe muita coisa.
Isso é moral heterônoma e as relações dessa moral são
ções que são comuns, como não mexer na tomada, não
justamente consequência de respeito unilateral. A criança
atravessar a rua sozinha, não brincar com faca. Estar acos-
pequena só estabelece com o adulto relações de respeito
tumada primeiro a receber limites, receber normas. unilateral. Ela não consegue estabelecer uma relação de
O segundo fator que faz com que essa criança apre- igual para igual, que são as relações de respeito mútuo,
sente esse sentimento de obrigação é que ela só vai ter relações de mão dupla. Eu te respeito e você me respeita.
aceitação interior a uma regra quando essa norma parta de A criança pequena tem aceitação interior do que o adulto
uma pessoa que ela respeita. Ela só tem aceitação interior fala.
a uma norma se essa norma vem de uma pessoa que ao Mas, e o adulto tem aceitação interior ao que a criança
mesmo tempo ela ame e tema. fala? Não. Muitas vezes nem aceitamos o que a criança fala.
Será que só o amor é suficiente para causar sentimen- No respeito mútuo, não existe mais a presença da autori-
to de obrigação? Não. Por exemplo, ela ama o irmão mais dade. A legalidade, quer dizer, o que é legal, o que é justo,
velho e não tem essa aceitação interior de uma regra posta predomina. Nas relações de respeito mútuo, o respeito não
por um irmão ou uma irmã. é amor e temor? Nas relações de respeito mútuo também
A criança tem medo de uma pessoa estranha, tanto existem amor e temor. Mas o temor nesse caso é o medo
que se esconde atrás da perna da mãe. Mas a recomen- de eu decair aos olhos dos outros, não é mais o medo de
dação de um estranho, a ordem de um estranho, não faz ser censurado, de ser castigado, de ser punido, de perder
com que uma criança se sinta obrigada a isso. O medo de o amor.
uma pessoa só coage, a criança não faz enquanto ela sente As relações de respeito mútuo, entre pessoas que se
medo. Depois que a pessoa que causa o medo sai, ela está consideram iguais, levam à uma moral autônoma. Autôno-
livre para agir. Então o medo não causa aceitação interior à ma é a pessoa que governa a si mesma, mas considerando
norma nenhuma. sempre o outro por vontade própria. Não é simplesmente
Esse primeiro respeito, Piaget chama de respeito uni- eu fazer o que eu quero. É eu considerar o que é melhor
lateral. É o respeito de um lado só, que a criança tem pelo para nós, ao tomar uma decisão.
adulto. A criança vê o adulto como o mais forte, como Moral autônoma é dizer assim: “eu estou trabalhando
aquele que sabe mais. Então esse respeito é uma relação com Piaget porque eu estudei e concordo com as ideias.
assimétrica entre o adulto e a criança. A criança por exem- Não porque ele falou e eu falo amém. Eu estou estudando
e vejo que isso é coerente. ” Autonomia é decorrente de
plo, nunca vê o professor como uma pessoa igual a ela.
relações de igual para igual.
A criança vê o professor como aquele que sabe mais.
A criança pequena não consegue ver o adulto como
Entre os colegas, elas discutem, mas se o professor falar: “é
igual, mas quem ela consegue tratar como igual? Os co-
isso, tá errado”, elas não vão questionar. legas. Para a criança chegar à autonomia, ela precisa ter
Com o pai se dá o mesmo. É uma relação desigual. A relações de respeito mútuo. Para isso, ela precisa conviver
criança nunca vê o adulto como igual. Se respeito é uma com crianças da mesma idade que ela.
mistura de amor e temor, o temor do respeito unilateral é Na escola, a criança vai poder conviver com crianças da
o seguinte: a criança tem medo de ser punida, tem medo mesma idade. No entanto, a escola põe uma carteira atrás
de ser censurada e principalmente tem medo de perder o da outra e não permite que as crianças troquem ideias.
amor dos pais. Se elas não tiverem essas relações em que vão discutir e
Inclusive, jamais devemos utilizar com a criança a reti- resolver os conflitos, trocando ideias, percebendo que os
rada do amor como sanção. Por exemplo, falar assim: “eu pontos de vista são diferentes, dificilmente vão chegar à
não gosto mais de você, você é feio. A mamãe está tris- autonomia.
te, não quer mais falar com você.” Não se usa a retirada Na escola tradicional, só durante o recreio é permitido
de amor porque a criança só se atreve, só se arrisca, em que as crianças troquem ideias. Assim, as crianças vão con-
relações frágeis. Aquelas relações em que se ela aprontar tinuar heterônomas e se tornarão adultos heterônomos.
alguma coisa, o colega não vai querer mais brincar com ela. Um princípio básico da teoria Piagetiana é a interação
Isso porque existe uma segurança de ser amada, de estar social. Para chegar à autonomia moral e intelectual, tem
em casa, de que nunca vai perder o amor dos pais, uma que haver duas coisas: a ação do objeto sobre o conheci-
relação estável. mento e a interação social.

254
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

É preciso colocar situações em que as crianças vão porque essa criança decaiu mais ainda aos olhos do pai e
interagir socialmente. Mesmo quando cada criança faz o a relação entre eles piora. Só devemos levar o problema
próprio desenho, o professor vai olhar para ela e conver- para o pai quando ele tem condições de auxiliar de manei-
sar com ela. Quatro crianças em cada cantinho porque é ra adequada.
um número que favorece essa interação social. Grupos de Em vez de o professor decair a criança aos olhos do pai,
seis ou sete propiciam a formação de “panelinhas”, não ha- muitas vezes o remédio mais saudável é levantar a criança,
vendo interação com todos. Tem de haver um motivo para mudar a maneira como o pai enxerga essa criança. Isso dá
o que está acontecendo. As decisões pedagógicas têm de resultados.
ser fundamentadas numa teoria científica. É fundamental
saber porque fazer dessa maneira e não de outra, porque Aprendendo a sentir
dessa maneira eu desenvolvo melhor a autonomia, daque-
la maneira não. As decisões têm de sair do senso comum Quando nós estudamos ética, o limite da moral são os
entre os profissionais da educação. atos e não os sentimentos. Todo sentimento é permitido,
é aceito, não existe sentimento bom ou ruim. Faz parte da
Os limites natureza humana sentir raiva, sentir inveja, sentir amor,
sentir ódio, sentir carinho. Mas o problema é que os atos
Está acontecendo que os limites estão se ampliando são limitados. Eu posso desejar muito um homem, mas eu
muito. Nenhuma criança gosta de limites, nenhum ser hu- não posso agarrar o homem na rua. Eu posso ter vontade
mano gosta. É natural e é saudável que a criança teste os de te matar, mas eu não vou te matar.
limites, porque quando ela testa os limites, ela está testan- Para lidar com a criança, nós devemos deixar claro que
do a validade dos mesmos, se são necessários. Mas quando o problema está no ato de raiva e não no sentimento de
a mãe ameaça e chega na hora e não cumpre, a criança vai raiva. O respeito mútuo é uma mistura de amor e temor
perdendo o temor que ela tem naturalmente pelo adulto. de decair aos olhos do outro. Assim, o primeiro passo para
Ela sabe que não vai acontecer nada com a mãe, que a mãe mudar um comportamento de uma pessoa é criar um vín-
não vai fazer nada, e os limites vão se ampliando.
culo de afeto. Se não for criado um vínculo de afeto com
Os limites situam a criança no espaço social: “até aqui
a criança, não vai existir o amor do respeito mútuo, e só o
eu posso ir. Aqui eu estou invadindo o espaço do outro”. É
temor não vai causar na criança o sentimento de aceitação
fundamental que o adulto vá mostrando o limite: “até aqui
interior. É preciso, para modificar uma criança, para traba-
você pode ir, aqui o espaço é meu.”
lhar com ela, para auxiliá-la, que ela goste do adulto. Se
Na escola ocorre o mesmo. Se uma criança vem de um
isso não ocorrer, nada do que for falado ou tentado com
ambiente sem limites, é terrível para o professor. Mas para
essa criança vai ter efeito, a não ser recompensa e punição.
a criança, talvez seja a única oportunidade que ela tem de
A criança pequena, ou mesmo maior, se não gostar de
estar interagindo em ambiente que coloca limites para ela
de maneira adequada. É normal uma criança fazer com os alguém, por que vai modificar o comportamento em fun-
professores o que ela faz em casa. Se em casa ela se joga ção da censura dessa pessoa? Até um adulto reagiria assim.
no chão para conseguir uma coisa, é natural que no come- Eu me lembro de uma professora que foi muito inte-
ço, quando ela for frustrada na escola, ela se jogue no chão ligente. Ela tinha um aluno de seis anos que falava muito
para conseguir a mesma coisa do professor. palavrão. A professora foi conversar com a mãe, que ar-
Mas a resposta que os educadores vão dar será dife- gumentou: “ele fala a mesma coisa para mim?! Eu não sei
rente diante do mesmo ato, e isso é saudável. Se a criança o que fazer com esse moleque! Ele é uma boca suja!” E aí
não tem esses limites, o fato de o professor dar uma res- começou a desfiar os palavrões. A professora entendeu a
posta adequada vai faze-la perceber algo e, talvez, seja o origem do problema e a conversa ficou por isso mesmo.
único ambiente em que ela interage que está auxiliando no Tudo o que a professora tentou trabalhar com a crian-
desenvolvimento do respeito ao outro. ça não teve efeito. Então ela começou a se aproximar da
Se o ambiente oferecido na escola é pautado no res- criança. Sentava com ele, jogava com ele. Quando ele fazia
peito mútuo, é um ambiente em que as crianças decidem o coisa legal, ela mostrava que tinha notado a atitude.
que fazer, tomam decisões, elaboram as normas, sorte des- Fazia atividades individuais, como contar uma história
sas crianças, que têm a possibilidade de estar interagindo e falava: “olha, eu li essa história e lembrei de você.” Foi
em um ambiente saudável. se aproximando da criança. Um dia, depois de um ou dois
Também é fundamental saber por que e quando acio- meses desse trabalho, ele falou um palavrão para ela. Ela
nar os pais. Geralmente, quando há algum problema, pri- simplesmente disse: “eu não gosto quando você me trata
meiro coloca-se para a criança, antes de levar para os pais. com palavrões. Eu não te trato com palavrões”. Ele respon-
Tem problemas que quem tem que trabalhar é a própria deu: “mas eu falo assim com a minha mãe.” E ela: “Mas eu
escola. Por exemplo, o problema de indisciplina de criança não sou sua mãe” e saiu de perto, não falou mais nada.
que corre demais na sala, ou que está falando muito, estão Essa criança nunca mais falou palavrão com a professo-
fora da alçada dos pais. ra. A diferença é que agora ele gostava dela, ele não queria
Temos que tomar muito cuidado em separar o que é decair aos olhos dela. É muito comum que, quando eu re-
problema de casa, o que é problema da escola. Muitas ve- cebo uma criança, vem com a “ficha criminal” e já se espera
zes, quando se leva o problema para o pai, a situação piora, o pior dela.

255
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Nós brincamos que sempre quem fica com a pior é o Os demais alunos exclamaram: “ô Felipão, você hein?!”. Na
bonzinho, porque, em função do “terrível”, paramos a roda verdade, ela fez um trabalho de levantar a autoestima da
diversas vezes, no recreio estamos atrás dele e até durante criança, para a própria criança e aos olhos de todo o grupo.
a noite pensamos nele. Ele acaba recebendo mais atenções Esse é o caminho de uma educação construtiva.
pelo comportamento negativo.
Se você espera o pior dele, você envia mensagens que Linguagem de educador
é isso que você espera. Quando você olha e diz assim: “só
podia ser você, estava demorando”, ou mesmo: “quantas Isso envolve muito a linguagem do educador, as san-
vezes eu vou ter que te falar a mesma coisa. Será que você ções que ele utiliza. Essa linguagem deve ser construtiva,
nunca vai aprender”, você passa mensagens como se espe- nunca destrutiva. O educador nunca deve julgar, mas sim-
rasse isso dele. É natural que essa criança não modifique o plesmente descrever as coisas. É fundamental, em uma
comportamento, porque ele já decaiu aos seus olhos, en- educação, o vínculo de afeto, o cuidado em não decair a
tão, por que mudar? criança. Ao contrário, mudar a maneira de como eu vejo a
O Yves De La Taille tem um trabalho muito interessante criança.
em que ele contou para crianças, desde cinco, seis anos As relações de respeito lateral não ocorrem só com a
até 14, 15 anos, duas histórias. Na primeira história ele di- criança pequena em relação ao adulto. No nosso dia-a-dia,
zia que em uma classe, um livro que pertencia a todos foi mantemos com os adultos, com as pessoas, relações de
furtado e que a professora descobriu quem foi. Quando respeito lateral. Por exemplo, cada vez que a criança está
ela descobriu, ela tinha duas opções: deixar quem roubou crescendo e começa a questionar o adulto e este a re-
o livro sem recreio, ou contar para todo mundo que havia preende, porque “não se fala assim com a mamãe, porque
sido ele quem roubou o livro. O Yves perguntava às crian- o papai não quer que faça assim”, justifica-se uma norma,
ças o que elas achavam que era melhor a professora fazer uma conduta, com base no que a autoridade acha. Cada
e por que. vez que você está associando o que a criança faz ao casti-
Metade das crianças de cinco anos, por causa do ego- go, você está mantendo com essa criança relações de res-
peito lateral.
centrismo, afirmou que era para deixar sem recreio. A outra
Isso pode ocorrer no casamento e até na relação que o
metade disse que podia contar para todo mundo. A partir
professor mantém com o coordenador. Se o professor obe-
dos sete anos de idade, a maioria das crianças afirmou que
dece e diz: “eu estou trabalhando assim porque ele quer”, é
não era para contar para todo mundo, que era melhor dei-
hora de começar a questionar a sua própria moralidade, a
xar sem recreio, porque elas ficavam com vergonha do que
sua concepção de autonomia.
os outros iam pensar.
É diferente ele estar mudando a proposta de trabalho
Depois de um tempo, o Yves contou outra história.
porque está convencido, está estudando que é por aí, de
Ele disse que numa classe a professora decidiu deixar esse
estar fazendo porque uma autoridade quer que ele faça. É
aluno sem recreio e numa outra classe, onde aconteceu a preciso refletir e rever isso.
mesma coisa, ela decidiu que ia contar para todo o mundo Se queremos educar as crianças para a autonomia,
e contou para todos quem foi o menino que roubou o livro. como podemos manter no dia-a-dia relações de respeito
Em uma das duas classes, um livro voltou a sumir. Em qual lateral com as pessoas? Consequentemente, as crianças se-
classe eles achavam que a criança tinha roubado – a que fi- rão tratadas assim. O professor deve estar sempre no mes-
cou sem recreio ou a que contou para todo o mundo? Uma mo nível das crianças. Se as crianças sentam no chão, ele
criança de 12 anos, muito sabiamente, disse assim: “voltou também senta no chão, ele se abaixa para conversar com
a roubar naquela que contou para todo o mundo, porque elas, ele procura usar um tom de voz que não seja elevado.
ela já estava danada mesmo!” O professor quer que as regras valham para todos, inclusive
Isso significa o que? Se eu já vejo essa criança como para ele.
agressiva, como terrível, como difícil, como preguiçosa e eu Tratar uma criança com respeito mútuo, mesmo que
passo mensagens, ela não vai mudar porque ela já decaiu ela ainda não consiga tratar o professor com respeito mú-
aos meus olhos. Eu mudo quando não quero decepcionar tuo, vai muito mais longe. Por exemplo, é comum, quando
o outro, quando não quero decair, quando eu gosto do as crianças brigam, o professor dizer: “vai lá, pede descul-
outro. Se eu já estou danada aos olhos do outro, para que pas para o seu amigo, dá o dedinho para o seu amigo.”
eu vou mudar? Se ele já não me acha grande coisa, por que Mas se a própria professora brigou com o namorado, está
eu vou ser grande coisa? chateada com ele, qual o adulto que vai dizer: “vai lá, pede
O caminho da educação nunca é o da humilhação, do desculpas e dá um abraço no seu namorado”?
ataque à dignidade, do grito, do castigo. É o contrário. Se É preciso ter com a criança o mesmo respeito com que
eu quero modificar o comportamento de uma pessoa, eu se trata um adulto. Quem falaria para um adulto, a respeito
tenho que mostrar que eu confio, que ela é capaz etc. de uma terceira pessoa presente: “não liga não, ela está
Uma professora chegou para uma criança que dese- querendo aparecer mesmo”? Mas falamos isso da criança
nhava muito bem e pediu alguns desenhos para ela. Em para uma visita.
alguns trabalhos ela colocou como ilustração o desenho Quanto ao pedido de desculpas, só é válido quando
que essa criança fez, acrescentando uma observação em- é sincero, quando a criança está realmente arrependida
baixo: “agradeço ao Felipe pela ilustração dos trabalhos”. do que fez. Esse desejo de desculpa tem que ser um de-

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CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

sejo interno dela, não por solicitação externa. O que pode- No caso de um adolescente não vale a pena brigar por-
mos fazer é deixar claro para a criança, porque as crianças que está frio lá fora e ele quer sair de camiseta, se ele co-
aprendem a pedir desculpas para se livrar do problema. meu ou não comeu. Ele já sabe tudo isso. Mas vale a pena
Elas batem no colega e depois falam: “mas eu já pedi des- brigar pela chave do carro, se a regra for que antes dos
culpas”. dezoito anos não se dirige, e não abrir mão disso, deixando
Nós temos culpa nisso, porque quando elas brigam, muito clara essa postura.
dizemos: “pede desculpas para o seu amigo.” A criança O adolescente tem que perceber que há aspectos
vai aprendendo que pode ficar livre dos problemas dessa como situações de respeito, de dignidade, de preconceito,
maneira. Ao invés de fazer isso, quando uma criança pede de organização de determinado espaço. Pode ser que no
desculpas, temos que sentar com ela e falar: “o pedido de quarto dele fique bagunçado, mas na sala o espaço é cole-
desculpas quer dizer que você está realmente sentido, ar- tivo. Se brigarmos por tudo, esse jovem não saberá aquilo
rependido do que você fez. É isso que você está sentindo? que é realmente importante, que é valorizado ou não.
Na escola é idêntico. É preciso separar na classe quais
Pedido de desculpas significa modificar, significa que você
são as regras necessárias, que não são combinadas – como
não está querendo mais fazer o que fez. É isso que você
não bater, não falar palavrão, lavar as mãos, escovar dentes.
quer dizer?”
Essas regras são só comunicadas. Por exemplo, se bateu,
Também é necessário ensinar à criança as consequên-
o professor revalida a regra: “não se bate em ninguém”;
cias dos seus atos. Nós temos que tratar a criança com o puxou o cabelo de alguém: “não se puxa o cabelo das pes-
mesmo respeito que dedicamos aos adultos. Não xinga- soas”; “aqui nessa escola nós não falamos palavrões”.
mos um adulto, não humilhamos, não colocamos de cas- Quando se quer mostrar autoridade, deixar claro que
tigo um adulto. O que fazemos, com os adultos, é permitir se está falando sério, mostrar que é para valer, tem que
que sintam as consequências dos atos, repararem o erro. É falar pouco. Quanto menos falar, mais será ouvido. A An-
assim que devemos trabalhar com as crianças. gie Noil diz isso: para passar autoridade tem que ser breve
Em um ambiente de respeito mútuo, as regras e os li- e objetivo. Em várias palavras a mensagem se perde. Isso
mites são necessários. Piaget mostra que a criança é hete- vale para qualquer relacionamento, não é só com criança.
rônoma. Ela é naturalmente governada pelos adultos e vai Não adianta desenterrar o passado ou antecipar o fu-
precisar de limites. Mas quando as crianças são pequenini- turo. O incidente tem que ser lidado no momento especí-
nhas, elas precisam de limites necessários. Conforme vão fico. Por exemplo, aconteceu numa escola a criança subir
crescendo, os limites podem ir se ampliando. Os limites são na mesa da merenda e sair correndo. A professora disse:
negociáveis, são combinados com ela. “Felipe, para que servem as mesas?! Quantas vezes eu vou
Por exemplo, o pequeno não vai decidir se vai pôr ca- ter que falar com você? Felipe, como é que vai ser?”
saco no dia frio. Mas com o adolescente, não há porque De repente, ela trabalhou a linguagem e resolveu mu-
brigar se ele quiser sair de camiseta num dia frio. Ele já sabe dar. Mas é preciso usar uma linguagem descritiva e só se
que lá fora está frio. descreve o que se está vendo. Aí ela falou: “Felipe, as me-
Brigamos com os adolescentes por tudo. Por causa sas não foram feitas para as pessoas subirem nelas, desça.”
do cabelo, pela bagunça do quarto, pela chave do carro, Em nenhum momento ela agrediu o Felipe, porque em ne-
porque não come direito, porque sai sem casaco, porque nhum momento admite-se qualquer ataque à dignidade
a calça dele é rasgada. Como brigamos por tudo, coisas de uma criança. É terminantemente proibido qualquer tipo
passam, coisas não passam. Na realidade, quando vocês de humilhação à criança. Ela conseguiu passar autoridade
forem elaborar as normas na classe de vocês, ou na família e o Felipe desceu.
é preciso pensar: isso é realmente importante, vale a pena
Essa mesma criança, num outro dia, colocou a vassoura
eu brigar por isso? Se não valer a pena vocês brigarem por
no ventilador. Aí a professora segurou a mão dela, conten-
isso, esqueçam.
do o ato, sem apertar, e disse: “Felipe, não se coloca nem
A característica de uma regra é justamente a regula-
se joga nada, absolutamente nada, no ventilador, enten-
ridade. Isso significa que ela tem que servir para diversas deu?” É assim: tem que ser breve. Brincamos que o educa-
situações. Se ora ela é cumprida, ora não é cumprida, não dor de Educação Infantil tem que falar menos e ouvir mais
tem porque existir essa norma. A regra existe, é o contrato as crianças. Nós falamos demais, o tempo inteiro, com as
entre as partes que vai beneficiar a todos. A característica crianças. Às vezes é preciso ouvir mais do que falar.
dessa regra é que ela tem que ser cumprida sempre, ela Quando se coloca uma limitação, por exemplo, não se
tem que estar presente sempre. joga pedra na janela, não há que explicar que não se pode
jogar pedra na janela, porque a criança sabe isso. É sim-
Da necessidade das regras plesmente falar: “as janelas não foram feitas para serem
quebradas”. É preciso usar uma linguagem que descreve,
Ao combinar uma série de coisas bobas, muitas vão mas seja breve. Com discursos, em qualquer situação, não
ser deixadas passar, e o adulto acaba caindo em descrédito se é ouvido.
aos olhos da criança. Quando fazemos uma regra com a Resumindo: para mostrar autoridade, ser breve; com
criança, temos que ter autoridade para que se cumpra a as regras necessárias, também usar linguagem breve. Por
regra. É preciso sempre questionar se vale a pena brigar exemplo, tem que lavar a mão na hora da merenda, não
por algo, a fim de definir-se uma regra é necessária ou não. interessa se a mão está muito ou pouco suja.

257
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

As regras combinadas são muito mais importantes que mesmo. A criança chegava, ela levantava o vermelho e fala-
as regras necessárias. Mas elas têm só dois objetivos: ga- va: “é urgente? Então daqui a pouco eu vou lá”. No começo,
rantir a justiça na classe e organizar os trabalhos. Geral- ela confessou que fazia com dor no coração, mas depois de
mente, logo no início do ano, combinamos as regras. Isso um mês ela não tinha mais problema.
não é adequado, porque a criança precisa ter a necessidade Com a ida ao banheiro também é assim. Há classes que
dessa regra existir. Ela precisa sentir a necessidade dessa têm dois colares, um verde e um vermelho, para menina
regra, e se a colocamos no começo do ano, antecipamos e para menino. Uma menina coloca o colar verde e vai ao
o processo. banheiro. No começo, é claro, eles formam uma fila para ir
Há regras que nós sabemos que são sempre necessá- ao banheiro. Depois isso vai ficando normal. É comum eles
rias – não bater, não falar alto etc –, mas as crianças não irem juntos em três, quatro, no banheiro. Se o professor ora
sabem. Elas precisam, num primeiro momento na roda, cobra, ora não cobra, deixa passar, vai ser assim o ano in-
falarem todas ao mesmo tempo. Quando ninguém estiver teiro. Se na hora de ir ao cantinho, começar a ir em grupos
ouvindo, pára para ver o que está acontecendo. “O que é de cinco, seis, e o professor finge que não vê, ora ele cobra,
preciso fazer para ouvir o que o fulano está falando?” Dian- vai ser assim o ano inteiro.
te de um problema sentido pela criança, comentar e propor Trabalhamos com 30, 32 crianças. Uma média tranquila
soluções. na sala. É claro que o ideal é ter menos alunos. Acontece
que o ideal é termos materiais adequados, espaço físico
Mas a solução não é assim: “quem falar alto, acontece adequado, um grupo de alunos pequenos, por exemplo 20.
tal coisa”. Não se combina regra sanção. Combina-se: “falar Se esperarmos as condições ideais para trabalhar bem, não
um de cada vez.” No começo, nós entrevistamos as crianças iremos trabalhar nunca. O importante é, apesar das dificul-
para perguntar o que elas achavam das regras. Era comum dades, adaptar-se bem à situação.
as crianças falarem assim: “regra é tudo o que não se pode Observei o trabalho de uma professora que dava aula
fazer”. “Tem regras que podem fazer?” e elas falavam: “não, para crianças de seis anos numa classe em que, em outro
se pode ser feito, para que fazer regra”. Então colocou-se a período, funcionava o ensino técnico de Segundo Grau. As
regra: não gritar. “Ah, então não pode gritar, tem que ficar carteiras eram enormes, para adolescentes. Muito mate-
rial, desenhos em que eles colocavam genitálias, xingavam
todo o mundo quieto?”. “Não, tem que falar. Então como
crianças, destruíam.
tem que falar? Pode falar baixo”. E aí vai se combinando.
Essa professora me ensinou muito. Ela e a turma de
Mas tem regras que não dá. Então vamos dar uma mistu-
seis anos montavam e desmontavam a classe todos os dias.
rada, coisas que podem, coisas que não podem ser feitas.
Cada aluno, durante 15 dias, era responsável por um peda-
As regras têm de ser em pequeno número para que
ço da classe. Os cartazes e o varal do planejamento, mais o
os professores façam com que se cumpram. Se forem em
material da sucata e o canto da pintura eram por conta da
quantidade, muitas coisas serão deixadas passar. Para fazer professora. O restante era dividido entre as crianças.
com que se cumpram, pode ser de uma maneira muito na-
tural, muito espontânea. Por exemplo, uma criança saiu da Elas chegavam na escola e iam na sala do almoxarifa-
classe e deixou o cantinho desarrumado. O professor deve do, pegavam o material, levavam para a classe e cada uma
ir até ela e, tranquilamente, dizer: “olha, você esqueceu de fazia a sua parte. Pegavam as carteiras, que ficavam uma
arrumar o cantinho, vamos lá, num minutinho a gente arru- atrás da outra, empurravam, para fazerem a roda. Depois,
ma.” E fazer junto com ele. O que é importante é as crianças na hora dos cantinhos, eles juntavam duas carteiras, quatro
perceberem que não vai passar. cadeiras, as outras eles empurravam. No final do dia, na
hora da limpeza, eles levavam todo o material de volta para
Quando a criança percebe que ora a regra é cumprida o almoxarifado, punham uma carteira atrás da outra, deixa-
e ora não é cumprida, ela vai continuar tentando. vam do jeito que eles tinham encontrado a classe.
No filme apresentado, uma professora está trabalhan- Se crianças de seis anos fazem isso, como é que os
do individualmente com uma criança. Existia uma regra de mais velhos, de sete, oito, dez ou doze, não podem fazer?
quando ela estivesse trabalhando individualmente com Há o exemplo de uma classe em que a professora chegou
uma criança ela não seria interrompida. Ela combinou de tarde e as crianças trabalharam sozinhos. Isso mostra que o
fazer um sinal vermelho ou verde. Quando estivesse ver- centro pedagógico está justamente no grupo, na classe, e
de, as crianças poderiam vir e conversar com ela. Quando não na mão do professor. É possível perceber claramente,
estivesse vermelho, significava que ela estava conversando em uma classe construtivista, que o centro pedagógico não
com uma criança e era para esperar um pouquinho que está na mão do professor.
depois ela atenderia. Numa classe construtivista, quando as crianças estão
Mas essas atividades individuais são rápidas, cinco ou acostumadas a resolver os problemas, a tomar decisões, a
dez minutos no máximo. O que acontecia é que a crian- montar e a organizar, o professor pode sair da sala. Pode
ça vinha falar alguma coisa, perguntar alguma coisa e ela trabalhar individualmente, pois o centro pedagógico não
dava atenção. Depois que ela resolvia o problema ela fala- está mais na sua mão. O andamento, a disciplina, a apren-
va: “mas a gente não combinou de que quando estivesse dizagem não dependem mais do professor.
vermelho não poderia interromper?!” Por seis vezes foi as- Se conseguirmos transformar essas relações que te-
sim, ela não conseguia trabalhar individualmente, as outras mos com as crianças, nós estamos caminhando em direção
crianças interrompiam. Então, ela resolveu cobrar a regra à autonomia dessas crianças. Vocês imaginem os futuros

258
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

adultos se isso for trabalhado nas séries iniciais, nos primei- simbólico, de faz-de-conta, ou mesmo uma caixa de minia-
ros ciclos, se isso tiver continuidade. Nós percebemos que turas em que ela possa brincar, para ter um espaço para
não há involução, que eles não regridem em um ambiente simbolizar. É perceptível que as crianças, quando estão
autoritário. passando por determinados problemas, escolhem muito
Por isso é fundamental que não se façam regras bo- mais o local do jogo simbólico, porque é uma maneira de
bas, nem regras que reforcem relações de respeito lateral. eles lidarem com tudo isso.
Por exemplo: “tem que obedecer a professora.” Ou “ficar É importante que haja esse espaço para a criança brin-
quietos enquanto a professora estiver falando”. Espera lá, car de faz-de-conta com a boneca. É preciso dar esse espa-
tem que obedecer as regras da classe. Tem que ficar quieto ço para que ela lide com esses conflitos. É importante tam-
quando alguém estiver falando. Quando um fala, os outros bém falar sobre o episódio: “o que você sentiu quando isso
escutam. aconteceu?” A criança ter oportunidade de colocar o que
Também existem regras que vão contra o desenvolvi- sentiu. O professor não deve fingir que não está aconte-
mento da criança, por exemplo: “devem emprestar o brin- cendo nada, mas até colocar histórias com conflitos e como
quedo ao amigo, não falar mentira”. São regras feitas para podemos lidar com eles. Buscar também conversar com os
não serem cumpridas. As regras têm que ser muito elabo- pais. Mas é fundamental que a criança fale a respeito do
radas, discutidas com as crianças, em cima de problemas que está sentindo, que ela verbalize isso, que ela converse
reais. com o professor e que ela perceba que os sentimentos dela
são reconhecidos. Na sala de aula, precisamos abordar cer-
Escola para os pais tos problemas diretamente.
Quando uma criança está presenciando uma situação
Não tem escola para pais. Nós somos profissionais, de violência, é preciso lidar com ela – o que ela está sen-
estamos estudando e nos esforçando para quê? Para nos tindo –, e com os pais também. Precisamos lidar com essas
aperfeiçoarmos cada vez mais. E os pais acabam educando realidades distintas.
no bom senso. Às vezes, sentem-se culpados por traba- A nossa atuação na família é até mais limitada. Por mais
que conversemos com a criança, há determinadas famílias
lhar fora, por não dar atenção, e nos momentos que pas-
que não vamos conseguir mudar, por melhor que seja o
sam com o filho, confundem o “não” com o desamor. Falar
nosso trabalho. Mas, apesar disso, o professor tem que tra-
“não” significa que eu não amo o meu filho. Ou mesmo
balhar com a criança sobre o que ela sente nessa situação,
para compensar, nessas poucas horas que passam com o
o que ela pensa, como ela está lidando com essa situação.
filho, não querem frustá-lo de maneira alguma. Sabemos
É o problema do cotidiano, muito mais importante que o
que pequenas frustrações não traumatizam. É importante
ensino da matemática, do português, da religião, porque
que a criança saiba lidar com a tristeza, com a alegria, com
isso não é religião, é a vivência da religião.
o “não”, porque na vida dela isso vai acontecer.
Por isso deve existir o canto do desabafo, o local em
É comum, em palestras, às vezes o próprio professor que a criança pode desenhar o que a está entristecendo,
perguntar: “como lidar com uma classe em que a gente não o que a está preocupando, pode escrever sobre o que ela
impõe limites porque ama muito as crianças?” As pessoas está sentindo, pode pintar tudo aquilo de preto, rasgar em
confundem amor com superproteção. Isso não é amar. mil pedacinhos e jogar no lixo, pode enviar a carta, enfim,
Amar é justamente esse respeito que eu dou à criança, o pode expor o que ela está sentindo naquele dia.
respeito ao desenvolvimento, atender às necessidades Isso é chamado de “desvios simbólicos”. São desvios
dela. As necessidades que a criança tem, não é sufocá-la que nós utilizamos para que a criança expresse a raiva,
com atenções, não colocar limitações, superprotegendo. a tristeza, de uma maneira adequada, sem causar danos
Nós podemos trabalhar com esses pais e eles têm maiores. Por exemplo, eu posso estar com raiva de alguém,
nos buscado, porque também estão perdidos a respeito mas não posso socá-lo, mas eu posso socar uma almofada,
de como educar. Se tiver espaço na escola, que seja uma um saco de serragem sem causar danos.
palestra mensal, que os próprios professores estudem, por Não adianta tentar controlar a raiva de uma criança, ou
exemplo os limites, e montem uma palestra para quem mesmo de um adulto. Para lidar com a raiva, é preciso que
esteja interessado em trabalhar os limites. Se for possível na classe tenha o jogo simbólico, uma caixa de areia com
convidar profissionais para dar palestras, ótimo, porque miniaturas onde as crianças podem organizar, montar ce-
ajudando a família, consequentemente, a criança está sen- nários, em que vão lidar com os sentimentos. Se uma crian-
do ajudada e o trabalho da escola também. ça não quiser falar com o grupo, ou falar individualmente
Mas pode ser com os próprios professores, a cada mês com você, que ela possa desenhar como está se sentindo,
um fica responsável por um tema, escreve um resumo, que possa pintar sobre isso. Isso é estar lidando com esses
manda para os pais, indica livros. Acredito que também é sentimentos.
função da escola orientar os pais, porque a consequência é Quanto menor for a criança, mais ela vai resolver os
direta na formação das crianças. problemas na ação, mais ela vai socar, morder. Quando ela
Vocês já viram crianças brincando com boneca, ou com fala “eu te amo”, ela beija, abraça, sobe no colo, não fala
o colega, de relação sexual. É porque ela já viu isso. Do apenas. O mesmo ocorre quando ela está com raiva. Ela
mesmo jeito que viu o pai batendo na mãe ou o pai sendo não só fala que está com muita raiva, mas também chuta,
preso. É importante que exista na sala, esse canto do jogo morde, bate.

259
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Nós precisamos ensinar essas crianças a outra maneira Castigo e recompensa funcionam. Quem falar que não
delas se expressarem, sem ser com as mãos, com os pés, funcionam, está mentindo. O problema é que deixam con-
com os dentes. Não basta, para a criança pequena, o pro- sequências na criança a longo prazo, como cálculo de risco.
fessor falar: “eu gosto muito de você.” Ele tem que abra- A criança fica calculando qual a chance de ela ser flagrada,
çar e beijar a criança, o toque é importante. O mesmo vale mentir para escapar de punição.
quando eles estão lidando com briga. Piaget diz que quando for necessário tomar uma atitu-
Havia uma criança de quatro anos que mordia os ami- de, o educador deve se valer de sanções por reciprocida-
gos. A professora falou: “você sabia que nessa escola não se de. São aquelas sanções que têm relação direta com aquilo
morde as pessoas?!” A criança respondeu: “não, não sabia”. que a criança fez. Por exemplo, as crianças estão brincando
A professora disse: “mas agora você fica sabendo”. Mas ela com um jogo e uma rouba. O que elas fazem? Não vão
teve uma intervenção inadequada quando afirmou: “olha, mais querer jogar com aquele menino.
você pode se morder, mas não se morde os amigos.” Essa Havia uma criança que, no meio do jogo, quando ele
criança começou a morder a si mesma, aparecia com mor- via que ia perder, dizia que não queria mais jogar. Foi assim
didas no braço. Ficou clara a necessidade que essa criança na primeira vez, na segunda os meninos falaram que não
tinha de morder, porque senão ela não estaria mordendo queriam mais jogar com ele. É uma decorrência natural do
a si mesma. ato.
O que o Piaget diz é que nós protegemos muito as
Em um caso como esse, é preciso deixar determinados crianças. Não permitimos que elas sintam a consequência
objetos para que ela possa morder. Da mesma maneira que do ato.
deixamos um canto onde ela possa socar, que ela possa Quando brigam, vamos lá imediatamente e pedimos
bater: “Olha, quando você estiver com muita raiva, você vai para se desculparem. É importante que o adulto permita
ali e morde a boneca. Eu sei que você está bravo, está com que as crianças sintam as consequências dos atos. “Por que
raiva, mas no seu amigo não se bate.” Não podemos per- será que o grupo não quer mais jogar com você? O que
mitir que a criança cause dano aos outros ou a si mesma. você vai fazer para deixar claro que você está disposto a
mudar.”
Tem uma fase em que a mordida é normal, por volta
Outros tipos de sanções por reciprocidade são: privar
dos dois anos, depois desaparece, dependendo muito do
temporariamente a criança de algo que ela está estragan-
ambiente. Foi engraçado que depois que objetos grandes
do; reparar o dano causado, se ela quebrou algo; sujou,
para morder foram colocados, a menina parou de morder.
limpou.
É preciso deixar também desvios simbólicos para as crian-
A criança sabe exatamente o que pode fazer e em que
ças, para que eles possam se extravasar de alguma forma.
ambiente. A criança sabe o que pedir para o pai, o que
Agimos de maneira semelhante quando apertamos a
pedir para a mãe, o que um professor deixa, o que o outro
bochecha da criança. Conheci uma criança de dois anos
não deixa. A coerência seria o ideal, mas nem sempre é
que, quando gostava de alguém, externava esses sentimen- possível, por isso investe-se em formação de professores.
tos apertando as duas bochechas. Com um bebê pequeno, Sempre que possível, nas reuniões pedagógicas, todos
essa atitude acabava em choro, é claro. A nossa função é os profissionais devem participar, desde os zeladores ao
mostrar para essa criança outras maneiras de extravasar o professor de química, por exemplo, mesmo que ele ache
afeto dela. que não tem nada a ver com o tema. Isso é fundamental
Uma solução muito criativa foi relatada por uma pro- para adquirirem uma linguagem única.
fessora simples, que nem tinha magistério, lá do Norte. Ela
tinha um aluno que chutava muito e ela não sabia o que Fonte
fazer. O chão da classe era de barro e ela falou para as VINHA, Telma Pileggi. O educador e a moralidade in-
crianças ficarem descalças, trabalharem descalças. Quando fantil numa perspectiva construtivista. Revista do Cogeime,
o menino chutava, doía o pé dele. Ele chutou duas vezes e nº 14, julho/99, pág. 15-38.
nunca mais, porque doía o pé. A criatividade da professo-
ra permitiu à criança sentir as consequências do chute. Às Questões
vezes, ao sentir as consequências dos atos, as crianças vão
modificando as ações. 01. (COPEVE-UFAL/016) O estudo da justiça, bem
familiar à teoria piagetiana, é apresentado e discutido no
Recompensas e punições encerramento de seu ensaio sobre a moralidade infantil.
Ele considera a justiça a mais racional de todas as noções
Não usamos recompensas ou punições com as crianças morais. Qual opção abaixo está correta?
de forma alguma. Quando o adulto usa uma recompensa, a) A justiça se cumpre enquanto que um dever se faz.
quando dá alguma coisa em troca, quando fala que quem b) Os deveres são ideais enquanto que a justiça é um
for bonzinho vai ficar no recreio, ele está manipulando para imperativo a ser obedecido.
que a criança aja como ele quer. O mesmo ocorre quando c) A justiça deve, a cada momento, decidir como alcan-
usa do castigo para que a criança não tenha alguns com- çar seu intento.
portamentos. Nessas circunstâncias, a criança permanece d) A justiça, para a criança pequena, não se confunde
heterônoma. com a lei e com a autoridade.

260
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

e) Piaget encontrou evidências de autonomia que an- 01. Resposta: D


tecede a heteronomia. O enunciado da questão já propõe que a mesma seja
analisada a partir da teoria de Jean Piaget, assim, é possí-
02. (TCE-PI - Pedagogo – FCC/2016) Com base na vel observar que as opções A, B, C e E apresentam termos
concepção piagetiana de aprendizagem, conclui-se que que as afastam das conclusões a que o teórico em questão
cabe ao professor chegou através de suas pesquisas. A opção correta é a D,
(A) planejar as atividades intelectivas em conformidade pois refere conceitos essenciais da teoria de Piaget a fim de
com o ano escolar dos alunos. explicar o aprender das crianças diante da ideia que tinham
(B) criar situações que estimulem o aluno a pensar, sobre a baleia e os mamíferos, pois há um desequilíbrio ao
pesquisar, estudar e analisar a questão a ele apresentada. serem confrontados com uma nova informação que provo-
(C) escolher os conteúdos e organizar materiais didáti- ca um conflito cognitivo em relação a uma aprendizagem
cos de acordo com os diversos interesses dos alunos. anterior. No entanto, ao serem levadas a ter um contato
(D) elaborar uma rotina de estudo para que o aluno com o novo conhecimento, no caso, através do filme, as
conquiste sua autonomia de pensamento. crianças puderam acrescentar informações e melhorar o
(E) ensinar primeiramente os conteúdos mais simples que já sabiam. Dessa forma, a generalização anterior sobre
para gradativamente chegar aos mais complexos. os mamíferos teve que passar por uma ressignificação, en-
03. (ENADE – Pedagogia) A professora afirmou que a riquecida por novos conhecimentos, assim houve uma mu-
baleia é um mamífero. Inconformado, Pedro argumentou: dança qualitativa. Nesse sentido, não houve uma simples
“Mamífero é vaca, gato, cachorro, cujos filhotes mamam. anulação do conhecimento anterior e substituição deste
A baleia vive dentro d’água, tem nadadeiras, é um peixe”. por novos, como afirma a opção A; tampouco foi um pro-
A maioria dos colegas concordou com Pedro, mas todos cesso meramente associativo, como infere a opção B, pois
começaram a mudar de idéia ao assistir a um filme em que as crianças tiveram a oportunidade de refletir sobre seu
apareciam baleias pequenas sendo amamentadas. Pedro conflito e tirar conclusões através do que estavam obser-
começou a perceber que morar fora d’água não é algo que vando. Da mesma forma, não é possível afirmar que houve
defina os mamíferos, e que ter rabo de peixe, nadadeiras e
qualquer tipo de reforço, pois o caminho percorrido para
morar na água não são características apenas dos peixes.
chegar à nova conclusão foi proporcionado pela vivência
A aprendizagem de Pedro foi gerada, segundo a teoria
do conflito cognitivo, pela oportunidade de expressão des-
piagetiana, pelo processo de:
se conflito, pelo ensejo da argumentação, pela possibilida-
(A) anulação do conhecimento anterior e substituição
de de contato com a nova informação mostrada às crianças
deste por conteúdos novos e diferentes.
através do filme, ou seja, dinâmica que se opõe ao simples
(B) associação de novos conteúdos àqueles que já fa-
ato de reforçar verdades já construídas por outros; confor-
ziam parte da sua estrutura cognitiva.
me opções C e E.
(C) comparação entre informações contrastantes e o
reforço do conhecimento anterior.
(D) desequilíbrio, por conflito cognitivo, e acomodação
do novo conhecimento ao anterior.
(E) reforço positivo por parte da professora, dos cole-
WEIZ, T. O DIÁLOGO ENTRE O ENSINO E A
gas e da família.
APRENDIZAGEM. 2A ED. SÃO PAULO: ÁTICA,
Respostas 2000, (CAPÍTULOS 4 E 8).

01. Resposta: C
O fato é que enquanto um dever se cumpre, a justiça Weisz cursou o Normal no Instituto de Educação, no
se faz. Os deveres costumam vir sob uma forma pronta e Rio de Janeiro, possivelmente influenciada pela professora
acabada, como imperativos a serem obedecidos. A justiça de seu curso primário de quem gostava muito. Ao longo do
representa mais um ideal, uma meta, portanto algo a ser curso, estando envolvida com outros interesses (artes plás-
conquistado, um bem a ser realizado. A cada momento, ticas) quis sair, mas seus pais a convenceram a continuar.
deve-se decidir como fazer a justiça e, às vezes, não exis- Fez, então, o Instituto de Belas Artes (atual escola de Artes
tem procedimentos precisos para que se alcance o intuito. Visuais do Parque Lage). Em 1962, quando cursava o seu
Portanto, deve-se justamente avaliar, pesar, interpretar as último ano do Curso Normal, constatou que a repetência
diversas situações e então decidir o que fazer. fabricada pelas escolas tinha ultrapassado os limites, pelo
fato de não haver, em consequência, vagas para alunos
02. Resposta: B novos na 1ª série. O governador, então, tomou três provi-
De acordo com Jean Piaget a escola deve criar situa- dencias: aprovou as crianças por decreto - tendo ido todo
ções que estimulem o aluno a pensar, pesquisar, estudar, mundo para a 2a. série, sabendo ou não ler; montou esco-
e analisar a questão apresentada. Visando desta maneira a las de madeira, com telhado de zinco, e convocou todas as
construção do conhecimento. normalistas do último ano do curso para dar aulas. A partir
daí ela foi dar aula, para um grupo de crianças que tinham

261
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

entre 11 e 12 anos e, que depois de terem repetido várias quem já sabe) define, a priori, o que é mais fácil e o que
vezes a 1a. série, tinham passado para a 2ª em função do é mais difícil para os alunos e quais os caminhos que eles
decreto do governador. devem percorrer para realizar as atividades desejadas. Tal
Eram 45 alunos, sendo que apenas 3 não eram negros. concepção, por parte do professor, gera um tipo de proce-
Não eram todos analfabetos, porém não se podia consi- dimento pedagógico que dificulta o processo de aprendi-
derá-los alfabetizados. Apesar de empregar as técnicas de zagem para uma parte das crianças, principalmente, aque-
ensino, sentia-se como preenchendo o tempo de aula. Não las que mais necessitam da ajuda da escola, por ter menos
conseguia avaliar os resultados do trabalho, nem o que de- conhecimento construído sobre os conteúdos escolares.
veria esperar das propostas que colocava em prática, sen- Assim, a adoção de uma postura adultocêntrica não é uma
tindo-se confusa e impotente. Situações da sala revelavam decisão voluntária dos professores, uma vez que, o conhe-
o abismo existente entre o desempenho de seus alunos na cimento científico que trazem consigo, não lhes permite
escola e o que a vida fora da escola exigia deles. Nesse enxergar e acolher uma outra concepção de aprendizagem
sentido, tinha a sensação de que a escola parecia uma ar- relacionada à perspectiva do aprendiz.
madilha montada para que esses meninos não pudessem A metodologia embutida nas cartilhas de alfabetização
se sair bem, e também, a convicção de que esse tipo de si-
contribui para o fracasso escolar.
tuação tinha um papel político muito importante que devia
A chamada Psicogênese da Língua Escrita, resultado
ser enfrentado durante toda a sua vida profissional. Ficava
das pesquisas realizadas por Emília Ferreiro e Ana Tebe-
impressionada quando conversava com algumas mães e
rosky (1970), sobre o que pensam as crianças quanto ao
essas achavam natural que seus filhos não tivessem suces-
so na escola. Diziam que ela poderia ‘bater neles’ para ver sistema alfabético de escrita, evidencia os problemas que
se estudavam. a metodologia embutida nas cartilhas (que faz uso do mé-
Esse foi seu batismo de fogo que fez com que se afas- todo da análise-síntese ou da palavra geradora) traz para
tasse por 12 anos da educação. A sensação mais profunda as crianças. Por meio das pesquisas das autoras acima
que ficou dessa experiência foi a de ignorância. Ficou claro, mencionadas, em uma sociedade letrada, as crianças cons-
para ela, que as informações e ideias que circulavam na troem conhecimentos sobre a escrita desde muito cedo, a
educação não davam conta do problema do ensino. O pro- partir do que observam na interação com o seu meio físico
fessor era um cego. Para ela, o professor continua chegan- e social e das reflexões que fazem a esse respeito. As pes-
do hoje à escola com as mesmas insuficiências com a qual quisas evidenciaram que quando as crianças ainda não se
ela chegou em 1962, sendo que a diferença, hoje, está na alfabetizaram, buscam uma lógica que explique o que não
possibilidade que o professor tem de, se quiser, tentar re- compreendem, elaborando hipóteses muito interessantes
solver essa situação. Hoje, os professores têm à sua dispo- sobre o funcionamento da escrita.
sição um corpo de conhecimentos que, se não dá conta de Esses estudos permitiram compreender que a meto-
tudo, pelo menos ilumina os processos através dos quais as dologia das cartilhas pode fazer sentido para crianças con-
crianças conseguem ou não aprender certos conteúdos. O vencidas de que para escrever uma determinada palavra,
entendimento que se tem do professor hoje é o de alguém bastar uma letra para cada sílaba oral emitida (hipótese
com condições de ser sujeito de sua ação profissional. silábica), mas para aquelas que ainda cultivam ideias muito
Ao final de 1962, e durante os 12 anos seguintes traba- mais simples a respeito da escrita, ou seja, que ainda não
lhou em áreas completamente diferentes, e como nenhuma estabeleceram relação entre a escrita e a fala (pré-silábica),
outra atividade dava sentido à sua vida profissional, acabou o esforço de demonstrar que uma sílaba, geralmente, se
voltando para a educação. Seu compromisso é com essas escreve com mais de uma letra não faz nenhum sentido.
crianças - que são maioria nas escolas públicas - para que São essas as crianças que não conseguem aprender com a
superem o fracasso e tenham sucesso na escola. Apesar de cartilha e que ficam repetindo a 1ª série várias vezes, che-
ser considerada especialista em alfabetização, sua questão gando a desistir da escola.
é a aprendizagem, em especial, a aprendizagem escolar.
As crianças constroem hipóteses sobre a escrita e seus
usos a partir da participação em situações nas quais os
Capítulo 2 - Um novo olhar sobre a aprendizagem.
textos têm uma função social de fato. Frequentemente as
crianças mais pobres são as que têm hipóteses mais sim-
Apesar de ter iniciado sua docência em 1962, e de ter
na época um certo conhecimento significativo quanto ao ples, pois vivem poucas situações desse tipo. Para elas a
fato da criança conseguir escrever, mesmo que não orto- oportunidade de pensar e construir ideias sobre a escrita
graficamente, ela não tinha um conhecimento científico é menor do que para as crianças que vivem em famílias
acumulado que lhe permitisse superar um ponto de vis- típicas de classe média ou alta, nas quais ouvem a leitura
ta “adultocêntrico”, ou seja, a forma como se concebe a de bons textos, ganham livros e gibis, observam os adul-
aprendizagem das crianças a partir da própria perspecti- tos manusearem jornais para buscar informações, recebem
va do adulto que já domina o conteúdo que quer ensinar. correspondências, fazem anotações, etc. Isso não quer di-
A partir dessa perspectiva, não é possível compreender o zer, que as crianças pobres não tenham acesso à escrita
ponto de vista do aprendiz, pois não se ‘enxerga’ o objeto ou não façam reflexões sobre seu funcionamento fora da
de seu conhecimento com os olhos de quem ainda não escola, mas habitualmente tais práticas não fazem parte do
sabe. A partir dessa perspectiva, o professor (do lugar de cotidiano do seu grupo social de origem e isso faz com que

262
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

o início de sua escolarização se dê em condições menos Do ponto de vista do referencial construtivista, ne-
favoráveis do que para aquelas crianças que participam de nhum conceito nasce com o sujeito ou é incorporado de
práticas sociais letradas desde pequenas. fora, mas precisa ser construído através da interação do su-
Assim, independente do fato de que as crianças venham jeito com o meio (físico, social, cultural); nesse processo de
de uma família pobre ou não, o que importe realmente é construção, as expressões do aprendiz não têm a lógica do
a ação pedagógica do professor, e esta dependerá da sua conhecimento final, concebido pelo adulto. As pesquisas
concepção de aprendizagem (todo o ensino se apoia numa realizadas pelo psicólogo Jean Piaget quanto à conserva-
concepção de aprendizagem). É possível enxergar o que o ção de quantidades (massa/ fichas), demonstram que para
aluno já sabe a partir do que ele produz e pensar no que crianças com idade de 5/7 anos, o fato de oito fichas apre-
fazer para que aprenda mais. Nas últimas décadas muitas sentarem-se juntas e oito fichas apresentarem-se espalha-
pesquisas pontuam uma concepção de aprendizagem que das apresentam quantidades diferentes, simplesmente pela
é resultado da ação do aprendiz. Dessa forma, a função do disposição / configuração dessas fichas (pensamento pré-
-operatório/perceptivo/ irreversível). Começa com Piaget, a
professor é criar condições para que o aluno possa exer-
construção de um novo olhar sobre a aprendizagem.
cer a sua ação de aprender participando de situações que
Piaget desenvolveu uma teoria do conhecimento
favoreçam a atividade mental, ou seja, o exercício intelec-
(Epistemologia e Psicologia Genética) que explica como
tual. Quando o professor entende que o aprendiz sempre
se avança de um conhecimento menos elaborado para um
sabe alguma coisa e pode usar esse conhecimento para conhecimento mais elaborado, ressaltando que o conheci-
continuar aprendendo ele pode identificar que informação mento é resultado da interação do sujeito com o meio ex-
é necessária para que o conhecimento do aluno avance. terno, que é um processo no qual o sujeito participa ativa-
Essa percepção permite ao professor compreender que a mente, modificando o meio no qual está inserido e sendo,
intuição não é mais suficiente para guiar a sua prática e também, modificado por esse mesmo meio.
que ele precisa de um conhecimento que é produzido no Foram os estudos de Piaget que abriram a possibili-
território da ciência. É preciso considerar o conhecimento dade de se estudar a construção de conhecimentos es-
prévio do aprendiz e as contradições que ele enfrenta no pecíficos, como o fez Emília Ferreiro que mostrou que era
processo. Em uma concepção de aprendizagem constru- possível pensar o construtivismo - o modelo geral de cons-
tivista, o conhecimento é visto como produto da ação e trução do conhecimento, tal como formulado por Piaget e
reflexão do aprendiz. Esse aprendiz é compreendido como colaboradores da Escola de Genebra - como a moldura de
alguém que sabe algumas coisas e que, diante de novas uma investigação sobre a aquisição de um conhecimento
informações que têm para ele sentido, realiza um esforço particular, no caso de Emília Ferreiro, o da leitura e escrita.
para assimilá-la, assim frente a um problema (conflito cog- A Psicogênese da Língua Escrita é um modelo psicológico
nitivo) o aprendiz tem a necessidade de superá-lo. de aprendizagem específico da escrita que serve de infor-
O novo conhecimento aparece como aprofundamento mação ao educador, porém a maneira como essas informa-
do conhecimento anterior que ele já detém. É inerente à ções são usadas na ação educativa pode variar muito por-
própria concepção de aprendizagem que o aprendiz bus- que nenhuma pedagogia responde apenas a um modelo
que o conhecimento prévio que ele possui sobre qualquer psicológico. O modelo geral no qual se apoia a Psicogêne-
conteúdo. Através dos estudos de Emília Ferreiro e Ana Te- se da Língua Escrita é de que há um processo de aquisição
berosky e demais colaboradores, sabemos que a criança no qual a criança vai construindo hipóteses sobre a escri-
representa a escrita de diferentes modos, como a expres- ta, testando-as, descartando umas e reconstruindo outras.
são de um conhecimento sobre a escrita que precede a Durante a alfabetização, aprende-se mais do que escrever
compreensão real do funcionamento do sistema alfabético. alfabeticamente. Aprendem-se, pelo uso, as funções da
escrita, as características discursivas dos textos escritos, os
No caso da aprendizagem da escrita, o meio social coloca
gêneros utilizados para escrever e muito outros conteúdos.
para as crianças uma série de contradições e de conflitos
O modelo de ensino atualmente relacionado ao cons-
que a forçam a buscar soluções, superar as hipóteses ina-
trutivismo chama-se aprendizagem pela resolução de pro-
dequadas quanto ao sistema de escrita, através da cons-
blemas (situações-problema). Aprender a aprender é algo
trução de novas teorias explicativas. Nesses momentos, a possível apenas a quem já aprendeu muita coisa. Para
atuação do professor é fundamental, pois a conquista de aprender a aprender, o aprendiz precisa dominar conheci-
novos patamares de compreensão pelo aluno é algo que mentos de diferentes naturezas, como as linguagens, por
depende também das propostas didáticas e da intervenção exemplo. Nesse processo, a flexibilidade e a capacidade
que ele fizer. de se lançar com autonomia nos desafios da construção
Essas teorias explicativas são formas de interpretação do conhecimento são extremamente importantes, pois há
não necessariamente conscientes, mas que orientam a todo um saber necessário para poder aprender a aprender;
ação de quem está aprendendo. Tais teorias são modifi- e isso só é possível para quem aprendeu muito sobre muita
cadas no embate com a realidade com a qual o aluno se coisa. Deste modo, é desejável que o aprendiz saiba buscar
depara a todo instante e especialmente quando o profes- informações através do computador, porém é fundamental
sor cria contextos adequados para que isso aconteça. Para desenvolver a capacidade de estabelecer relações inteli-
aprender, a criança passa por um processo que não tem a gentes entre os dados, as informações e os conhecimentos
lógica do conhecimento final, como é visto pelos adultos. já construídos.

263
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Nesse sentido, para ser capaz de aprender permanen- para acreditar que atrás das coisas que ela tem de apren-
temente, a bagagem básica necessária atualmente é aca- der existe uma lógica. Se o professor não sabe nada sobre
dêmico-cultural, em que se articulam conhecimentos de o que o aluno pensa ou conhece a respeito do conteúdo
origem tradicionalmente escolar e aqueles relacionados que quer que ele aprenda, o ensino que ele oferece não
aos movimentos culturais da sociedade (formação geral). tem com quem dialogar. Conhecimentos prévios dos alu-
Assim, a escola tem uma tripla função: nos não deve ser confundido com conteúdo já ensinado
1. levar o aluno a aprender a aprender; pelo professor.
2. dar-lhe os fundamentos acadêmicos e; Na perspectiva construtivista - de resolução de proble-
3. equalizar as enormes diferenças no repertório de co- mas - o professor não pode considerar como sinônimos o
nhecimentos dos aprendizes. que o aluno já sabe e o que lhe foi ensinado, pois não são
necessariamente a mesma coisa. Para que isso não aconte-
É praticamente impossível a escola realizar sozinha ça, é preciso que o professor desenvolva uma sensibilidade
essa terceira função, mas sua contribuição é essencial, pois e uma escuta atenta para a reflexão que as crianças fazem,
é preciso pensar como agir para democratizar o acesso à supondo que o que elas pensam tem sentido e não é fruto
informação e às possibilidades e construção de conheci- de sua ignorância. O professor precisa criar um ambiente
mento. socioafetivo para que as crianças possam manifestar livre-
mente/espontaneamente o que pensam; somente assim,
Capítulo 3 - O que sabe uma criança que parece não poderá favorecer situações de aprendizagem significativas.
saber nada Tal ambiente deve possibilitar que as crianças pensem sobre
suas ideias. Do mesmo modo, cabe ao professor oferecer
Saber o que o aluno sabe e o que ele não sabe para conflitos/situações problemas que possibilitem às crianças
poder atuar é uma questão complexa. Esse saber não está exercitarem o pensamento, na busca de soluções possíveis.
relacionado ao conteúdo a ser ensinado (perspectiva adul- Isso requer do professor estudo e uma postura reflexiva e
ta) e sim ao ponto de vista do aprendiz porque é esse o co- investigativa. A psicogênese da língua escrita abriu a pos-
nhecimento necessário para fazer o aluno avançar do que sibilidade de o professor olhar para a criança e acreditar
ele já sabe para o que não sabe. O que realmente impor- que para aprender ela pensa, que aquilo que ela faz tem
ta são as construções e ideias que o aprendiz elaborou e lógica e o que o professor não enxerga é porque não tem
que não foram ensinadas pelo professor e, sim, construídas instrumentos suficientes para perceber o sentido que está
pelo aprendiz. Quando uma criança escreve fazendo uso sendo manifestado pela criança. Um casamento entre a
de uma concepção silábica de escrita, por exemplo, essa disponibilidade da informação externa e a possibilidade
‘escrita’ não é reconhecida como um saber, pois do ponto da construção interna. Quando o professor não entende a
de vista de como se escreve em português, essa escrita não produção da criança deve-se perguntar à criança, mesmo
existe. Mas, para chegar a escrever em português (escrita que não consiga entender suas explicações, uma atividade
alfabética), o aprendiz precisa passar por uma concepção indicada para isso é o trabalho em dupla, pois trabalhando
de escrita desse tipo (silábica), imaginando que quando se juntas as crianças dão explicações umas às outras e, então,
escreve representa-se as emissões sonoras que ele conse- o professor poderá compreender as hipóteses das crianças.
gue reconhecer (a sílaba), isolando-as pela via da audição. Assim, é importante observar os procedimentos dos
Tal conhecimento é importante e o professor deve alunos diante de uma atividade, para que o professor pos-
reconhecê-lo na aprendizagem da escrita. Caso contrário sa reconhecer esses procedimentos dos alunos, de modo,
contribuirá muito pouco com os avanços do aluno em rela- a saber quais são os menos e os mais avançados e que ra-
ção à escrita e, se a criança aprender a ler, provavelmente, ciocínio os alunos mais avançados então realizando. O tra-
será por conta própria. balho em grupo permite que as crianças observem os pro-
Um olhar cuidadoso sobre o que a criança errou pode cedimentos de atuação de seus colegas, inclusive daqueles
ajudar o professor a descobrir o que ela tentou fazer. So- que utilizam procedimentos de resolução de problemas
mente um olhar cuidadoso e despojado do professor sobre mais avançados. Ao perceberem a possibilidade de dife-
a produção do aprendiz (quanto ao saber não reconhe- rentes formas de execução, reconhecem o procedimento
cido), permitir-lhe-á descobrir o que pensa esse aprendiz, do colega como mais produtivo e econômico, construindo,
possibilitando-lhe levantar questões e perguntas sobre tal assim, a lógica necessária para poder aprender (a criança
produção. Ao desconsiderar o esforço do seu aluno, dizen- aprendeu com outra que sabe mais).
do-lhe que sua produção não está correta, acaba desva- Tem-se, assim, de um delicado casamento entre a dis-
lorizando sua tentativa e esforço e, consequentemente, o ponibilidade da informação externa e a possibilidade da
aluno vai pensar duas vezes antes de produzir de novo. O construção interna - construtivismo: um modelo explicati-
conhecimento se constrói por caminhos diferentes daque- vo da aprendizagem que considera, ao mesmo tempo, as
les que o ensino supõe. Isso acontece no processo de aqui- possibilidades do sujeito e as condições do meio. Cabe ao
sição da escrita, na construção dos conceitos matemáticos professor tomar decisões importantes, seja na formação
e na aprendizagem de qualquer outro conteúdo e mesmo das parcerias entre alunos, seja nas questões que ele mes-
quando os alunos estão submetidos a um tipo de ensino mo propõe no desenrolar da atividade. Todas as crianças
convencional, pois o que impulsiona a criança é o esforço sabem muitas coisas, só que umas sabem coisas diferentes

264
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

das outras. As crianças são provenientes de culturas dife- aprendiam, pois, seguindo os passos programados chega-
rentes e isso contribui para que saibam coisas diferentes, riam todos, de alguma forma, ao final. O papel do profes-
por isso é importante que o professor tenha claro que as sor dentro de uma proposta construtivista é bem diferente
crianças provenientes de um nível cultural valorizado pela deste proposto pelo modelo tecnicista. Cabe ao professor
escola apresentam enormes vantagens em relação às ou- construir conhecimentos de diferentes naturezas, que lhe
tras crianças. Para tais crianças a escola será muito mais permitam ter claros os seus objetivos, assim como sele-
fácil, porque está em consonância com a cultura da família cionar conteúdos adequados, enxergando na produção de
e do seu ambiente. Por outro lado, as crianças provenientes seus alunos o que eles já sabem e construindo estratégias
de ambientes onde as pessoas possuem menor grau de que os levem a conquistar novos patamares de conheci-
escolaridade e distantes dos usos cotidianos dos conteú- mento. Não há receitas prontas a serem aplicadas a grupos
dos que a escola valoriza encontrarão dificuldades. Assim, de alunos, uma vez que, a prática pedagógica é complexa
a equalização das oportunidades de aprendizagem dessas e contextualizada. O professor precisa ser alguém com au-
crianças deve ser uma tarefa da escola que deve repensar tonomia intelectual.
sua própria prática, de modo a não prejudicar o sucesso
escolar desses alunos. (...) “É preciso, pois, educar o olhar Capítulo 4 - As ideias, concepções e teorias que sus-
para enxergar o que sabem as crianças que aparentemente tentam a prática de qualquer professor, mesmo quando
não sabem nada”. (p, 49) ele não tem consciência delas.
A equalização de oportunidades de aprendizagem não
significa uma pedagogia compensatória. É preciso sociali- A prática pedagógica do professor é sempre orientada
zar os conteúdos pertencentes ao mundo da cultura: lite- por um conjunto de ideias, concepções e teorias, mesmo
ratura, ciência, arte, informação tecnológica, etc., pois isso que nem sempre tenha consciência disso. Para que possa-
é uma questão de inserção social e, portanto, direito de mos compreender a ação do professor, é preciso verificar
todas as crianças. A escola não pode ser instrumento de de que forma seus atos expressam sua concepção sobre:
exclusão social. Todo professor deve levar todos os seus - o conteúdo que ele espera que o aluno aprenda;
alunos a participarem da cultura. O termo cultura é utiliza-
- o processo de aprendizagem (os caminhos pelo quais
do não em seu sentido antropológico e sim no do senso
a aprendizagem acontece);
comum: a cultura erudita e a de larga difusão, mas produ-
- como deve ser o ensino.
zida para e pela elite.
Todos os professores, principalmente, aqueles das
Historicamente, a teoria empirista é a teoria que mais
classes iniciais que quiserem contribuir para que todos
vem impregnando as representações sobre o que é ensi-
os alunos de sua classe tenham a mesma oportunidade
nar, quem é o aluno, como ele aprende e o que e como se
de aprender, devem estimulá-los a participar da cultura. É
deve ensinar (modelo de ensino e aprendizagem conhe-
papel do professor ler diferentes tipos de assuntos/textos
cido como estímulo-resposta). Essa teoria define a apren-
(usar o jornal e outras fontes de informação e de pesquisa)
em classe e levar as crianças para exposições de artistas dizagem como ‘a substituição de respostas erradas por
importantes. É preciso oferecer às crianças a oportunidade respostas certas’, partindo da concepção de que o aluno
de navegar na cultura, na Internet, na arte, em todas as precisa memorizar e fixar informações, as mais simples e
áreas do conhecimento, em todas as linguagens, em todas parciais possíveis e ir acumulando com o tempo. A cartilha
as possibilidades. está fundamentada nesse modelo (palavras-chaves, famí-
Um exemplo de alguém que sabia como tratar as lias silábicas usadas exaustivamente, frases desconectadas,
crianças era Monteiro Lobato que escrevia livros contando textos com mínimo de coerência e coesão). Como a meto-
coisas da Antiguidade, falando de astronomia, da história dologia de ensino expressa nas cartilhas concebe os cami-
do mundo. Porém, o que normalmente se oferece para as nhos pelas quais a aprendizagem acontece. Na concepção
crianças lerem são histórias empobrecidas, versões resu- empirista, o conhecimento está ‘fora’ do sujeito (a fonte do
midas e textos com supressões. Não é possível formular conhecimento é externa ao sujeito - é o meio físico e social)
receitas prontas para serem aplicadas a qualquer grupo de e, é interiorizado através dos sentidos, ativado pela ação
alunos. Nos anos 1970, uma visão de escola como linha física e perceptual.
de montagem, denominada de tecnicista, voltada para criar O sujeito é concebido como uma tábula rasa – ‘vazio’
máquinas de ensinar, métodos de ensino, sequências de na sua origem, sendo ‘preenchido’ pelas experiências que
passos programados, dominava a concepção de ensino e tem com o mundo (conceito de ‘educação bancária’ critica-
aprendizagem. No Brasil, esse modelo chamava-se ensino da por Paulo Freire). O aprendiz é alguém que vai juntando
programado. A função do professor, nesse modelo, era informações. O processo de ensino fundamentado nes-
simplesmente, a de administrar o ensino programado e foi, sa teoria caracteriza-se pela: cópia, ditado, memorização
justamente, esse modelo o responsável por uma exigência pura e simples, utilização da memória de curto prazo para
cada vez mais baixa de qualificação dos professores. reconhecimentos das famílias silábicas, leitura mecânica
O ensino programado permitia o que se chamava de para posterior leitura compreensiva. Para mudar é preciso
‘ensino na medida do estudante’, que embora conside- reconstruir toda a prática a partir de um novo paradigma
rasse os vários ritmos de aprendizagem da criança, todos teórico. Em uma concepção construtivista, o conhecimento

265
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

não é concebido como cópia do real, incorporado direta- Capítulo 5 - Como fazer o conhecimento do aluno
mente pelo sujeito. A teoria construtivista pressupõe uma avançar.
atividade, por parte do aprendiz, que organiza e integra os
novos conhecimentos aos já existentes. Isso acontece com O processo de ensino deve dialogar com o de aprendi-
alunos e professores em processo de transformação. zagem. Isso mostra que não é o processo de aprendizagem
Uma preocupação, bastante pertinente, diz respeito ao (aluno) que deve se adaptar ao processo de ensino (pro-
fato do professor querer inovar a sua prática, adotando um fessor), mas, sim, o processo de ensino que deve se adap-
modelo de construção de conhecimento sem compreen- tar ao processo de aprendizagem. Para tanto, o professor
der, suficientemente, as questões que lhe dão sustentação, precisa compreender o caminho de aprendizagem que o
correndo o risco de se deslocar de um modelo que lhe é aluno está percorrendo naquele momento e, a partir disso,
familiar para o outro meio conhecido, mesclando teorias, identificar as informações e atividades que permitirão ao
como se costuma afirmar. Outra preocupação diz respei- aluno avançar do patamar de conhecimento que conquis-
tou para outro que é mais avançado. Para isso, é preciso
to ao entendimento destorcido por parte de professores,
que o professor organize situações de aprendizagem: ativi-
que acreditando ser o sujeito sozinho quem constrói o co-
dades planejadas (propostas e dirigidas) com a intenção de
nhecimento, veem a intervenção pedagógica como desne-
favorecer a ação do aprendiz sobre um determinado objeto
cessária. Tais concepções não fazem nenhum sentido num
de conhecimento, sendo que essa ação está na origem de
modelo construtivista. Conteúdos escolares são objetos de toda e qualquer aprendizagem.
conhecimento complexos, que devem ser dados a conhe-
cer, aos alunos, por inteiro.
Para o referencial construtivista, a aprendizagem da lei- Tais atividades devem reunir algumas condições e res-
tura e da escrita é complexa e, portanto, deve ser apresen- peitar alguns princípios:
tada / oferecida por inteiro ao aprendiz e de forma funcio- - os alunos devem por em jogo tudo que sabem e pen-
nal. Para os construtivistas, o aprendiz é um sujeito, prota- sam sobre o conteúdo que se quer ensinar;
gonista do seu próprio processo de aprendizagem, alguém - devem ter problemas a resolver e decisões a tomar
que vai produzir a transformação, convertendo informação em função do que se propõe produzir;
em conhecimento próprio. Essa construção pelo aprendiz - a organização da tarefa pelo professor deve garantir
não se dá por si mesma e no vazio, mas a partir de situa- a máxima circulação de informação possível;
ções nas quais age sobre o que é o objeto do seu conheci- - o conteúdo trabalhado deve manter suas caracterís-
mento, pensa sobre ele, recebendo ajuda, sendo desafiado ticas de objeto sociocultural real, sem se transformar em
a refletir, interagindo com outras pessoas. A diferença en- objeto escolar vazio de significado social.
tre o modelo empirista e o modelo construtivista é que no
primeiro a informação é introjetada ou não; enquanto que Alunos põem em jogo tudo que sabem, têm problemas
no segundo, o aprendiz tem de transformar a informação a resolver e decisões a tomar:
para poder assimilá-la. Isso resulta em práticas pedagógi- O aprendiz precisa testar suas hipóteses e enfrentar
cas muito diferentes. Afirmar que o conhecimento prévio contradições, seja entre as próprias hipóteses, seja entre o
é a base da aprendizagem não é defender pré-requisitos. que consegue produzir sozinho e a produção de seus pa-
No modelo construtivista, o conhecimento não é gera- res ou entre o que pode produzir e o resultado tido como
do do nada, é uma permanente transformação a partir do convencionalmente correto. Partindo-se de uma proposta
conhecimento que já existe. Essa afirmação de que conhe- construtivista, o conhecimento só avança quando o aluno
cimentos prévios constituem a base de novas aprendiza- tem bons problemas sobre os quais pensar. Para isso, o
professor deve criar boas situações de aprendizagem para
gens não significa a crença ou a defesa de pré-requisitos
os alunos, atividades que representem possibilidades difí-
e muito menos significa matéria ensinada anteriormente
ceis, porém dificuldades possíveis de serem resolvidas.
pelo professor.
A escola precisa autorizar e incentivar o aluno a acio-
Não informar nem corrigir significa abandonar o alu-
nar seus conhecimentos de experiências anteriores, fazen-
no à própria sorte. A crença espontaneísta de que o aluno do uso deles nas atividades escolares; é preciso criar ati-
constrói o conhecimento, não sendo necessário ensinar- vidades para que isso seja de fato requisitado, sendo útil
-lhe, faz com que o professor passe a não informar, a não para qualquer área de conhecimento. A organização da
corrigir e a se satisfazer com que o aluno faz ‘ do seu jeito’; tarefa garante a máxima circulação de informação possí-
isso significa abandonar o aluno à sua própria sorte. Cabe vel. Os livros e demais materiais escritos, a intervenção do
ao professor organizar a situação de aprendizagem de for- professor, a observação de um colega na resolução de um
ma a oferecer informação adequada. A função do profes- problema, as dúvidas, as dificuldades, o próprio objeto de
sor é observar a ação da criança, acolher ou problematizar conhecimento que o aluno se esforça para aprender são
/ desestabilizar suas produções, intervindo sempre que situações que informam.
achar que pode contribuir para que a concepção da criança Por isso, é importante que se garanta a máxima circu-
sobre o objeto de conhecimento avance. É papel do pro- lação de informação possível na classe e o ambiente esco-
fessor apoiar a construção do conhecimento pelo aprendiz. lar deve permitir que as perguntas e as respostas circulem.
Nesse processo, as informações que chegam até o aprendiz

266
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

precisam ser trabalhadas ou interpretadas por ele de acor- o aluno e ser feita dentro da situação de aprendizagem
do com que lhe é possível naquele momento. O professor (concepção de erro construtivo - que faz parte do processo
precisa estar ciente de que o conhecimento avança quando de aprendizagem de qualquer pessoa).
o aprendiz se defronta com situações-problema nas quais Os erros devem ser corrigidos no momento certo. Que
não havia pensado anteriormente. Situações significativas nem sempre é o momento em que foram corrigidos. A
de aprendizagem em sala de aula acontecem quando o ideia do erro construtivo fascinou muitos educadores, que
professor abre mão de ser o único informante e quando o começaram a ver de outra forma os textos escritos dentro
clima sócio afetivo se baseia no respeito mútuo e não no de um sistema silábico e mesmo os de escrita alfabética.
autoritarismo. É preciso incentivar a cooperação, a solida- Porém, depois que a criança compreendeu o sistema alfa-
riedade, o respeito e o tutoramento (um aluno ajudando o bético de escrita é necessário que o professor intervenha na
outro) em sala de aula. questão ortográfica, considerando a melhor forma de fazer
A interação entre os alunos é necessária não somente isso. O que deve ser repensado é a concepção tradicional
porque o intercâmbio é condição para o convívio social na
de correção. Os alunos sabem o que achamos importantes
escola, mas, também, porque informa a todos os envolvi-
que eles aprendam, mesmo que não falemos nada. Muitos
dos e potencializa quase infinitamente a aprendizagem. O
professores, por não quererem bloquear a criatividade do
conteúdo trabalhado deve manter suas características de
aluno, acabam deixando que ele escreva de qualquer jeito.
objeto sociocultural real. O ensino da língua portuguesa
está cheio de criações escolares que em nada coincidem Tal procedimento acaba consolidando um contrato didáti-
com as práticas sociais de uso da língua, objeto de ensino co implícito, pois de alguma forma o aluno percebe que o
na escola, baseadas no senso comum. Isso não acontece professor não valoriza esse tipo de conhecimento e acaba
somente no ensino da língua portuguesa, mas em todas as por desvalorizá-lo investindo nessas aprendizagens. É im-
outras áreas. Na escola, por exemplo, aprende-se a lingua- portante que o professor tenha claro que depois de um
gem matemática escrita, que é pouco usada na rua. Porém, tempo de escolaridade, são inaceitáveis.
não se pode deixar de lado esta competência que o aluno
já traz desenvolvida (devido a sua vivência de ‘rua’) e so- Capítulo 7 – A necessidade e os bons usos da avaliação.
brepor a escolarização a ela.
Quando se trata de ciência ou prática social convertida No que diz respeito à avaliação, é preciso ter claro o
em objeto de ensino, estas acabam por sofrer modifica- que o aluno já sabe no momento em que lhe é apresen-
ções. A arte é diferente na Educação Artística, o esporte tado um conteúdo novo. O conhecimento prévio é o con-
é diferente da Educação Física, a linguagem é diferente junto de ideias, representações e informações que servem
do ensino de Língua Portuguesa, a ciência é diferente do de sustentação para a nova aprendizagem, ainda que não
ensino de Ciências. Porém, não se pode criar invenções tenham, necessariamente, uma relação direta com o con-
pretensamente facilitadoras que acabem tendo existência teúdo que se quer ensinar. É importante investigar e explo-
própria. É papel da escola garantir a aproximação máxima rar essas ideias e representações prévias porque permite
entre o use social do conhecimento e a forma de tratá-lo saber de onde vai partir a aprendizagem que se quer que
didaticamente. aconteça. Conhecer essas ideias e representações prévias
ajuda muito na hora de construir uma situação na qual o
Capítulo 6 - Quando corrigir, quando não corrigir. aluno terá de usar o que já sabe para aprender o que ainda
não sabe.
O professor desenvolve dois tipos de ação pedagógica: Após esta avaliação inicial, relacionada aos conheci-
planejamento e intervenção, uma intervenção clássica é a mentos prévios, é preciso que o professor utilize um ou
correção que não é a única intervenção possível, nem a
outro instrumento para verificar como os alunos estão
mais importante, porém é a que mais tem preocupado os
progredindo, pois, o conhecimento não é construído igual-
professores. Numa concepção construtivista de aprendiza-
mente, ao mesmo tempo e da mesma forma por todos.
gem, a função da intervenção é atuar de modo que os alu-
Esse instrumento é a avaliação de percurso - formativa ou
nos transformem seus esquemas interpretativos em outros
que deem conta de questões mais complexas que as ante- processual - feita durante o processo de aprendizagem.
riores. A correção é algo relacionado a qualquer situação Esse procedimento permitirá ao professor avaliar se o tra-
de aprendizagem, o que varia é como ela é compreendida balho que está desenvolvendo com os alunos está sendo
pelo professor. produtivo e se os alunos estão aprendendo com as situa-
A tradição escolar normalmente vê a correção realiza- ções didáticas propostas.
da longe dos alunos na qual os erros são assinalados para A avaliação da aprendizagem é também a avaliação do
que os alunos corrijam, como a mais importante (concep- trabalho do professor.
ção empirista - exigente com a transmissão). Quando se Quando se avalia a aprendizagem do aluno, também
trata de uma redação, o texto tem que ser passado a limpo, se avalia a intervenção do professor, pois o ensino deve
corrigido - o erro poderá ficar fixado na memória do aluno ser planejado e replanejado em função das aprendizagens
(concepção que supõe a percepção e a memória como nú- conquistadas ou não. Assim, é importante a organização de
cleos na aprendizagem). Outra visão de correção é a infor- espaços coletivos de discussão do trabalho pedagógico na
mativa que carrega a ideia de que a correção deve informar escola, valorizando-se a prática de observação de aula pelo

267
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

coordenador ou orientador pedagógico - ou mesmo por (D) precisa apoiar-se na vocação para a profissão e,
um colega que ajude a olhar de fora. O professor está sem- ainda na formação inicial, municiar o estudante dos con-
pre tão envolvido que, às vezes, não lhe é possível enxergar teúdos teóricos e práticos que farão dele um bom profes-
o que salta aos olhos de um observador externo. sor em diferentes contextos, tratando também de atualizá-
Se a maioria da classe vai bem e alguns não, estes de- -lo de quando em quando.
vem receber ajuda pedagógica. Quando, numa verificação (E) exige, legalmente e pela sua própria natureza de
de aprendizagem, grande parte dos alunos apresenta difi- tarefa intelectual, curso de nível universitário, não sendo
culdades, é certo que o professor precisa rever o seu en- suficiente apenas a graduação, mas havendo necessidade
caminhamento. Porém, quando a verificação aponta que de especialização em pós-graduação, prevista e valorizada
alguns alunos não estão bem, estes devem ser atendidos na carreira do magistério.
imediatamente através de outras atividades que possibi-
litem a superação das dificuldades. A escola deve estar 02. (VUNESP/2016) Weisz (2002), em O diálogo entre
comprometida com a aprendizagem de todos e, dessa for- ensino e aprendizagem, afirma que o conhecimento avan-
ma, criar um sistema de apoio para que os alunos não se ça quando o aprendiz enfrenta questões sobre as quais
percam no caminho. As dificuldades precisam ser detec- ainda não havia parado para pensar. A consequência didá-
tadas rapidamente para que sejam sanadas e continuem tica dessa afirmativa é que o professor deve
progredindo, não desenvolvendo bloqueios. Tais crianças (A) garantir a máxima circulação de informações em
precisam ser atendidas por meio de realização de ativida- sala de aula, apresentando situações e materiais diversos,
des diferenciadas durante a aula, trabalho conjunto com promovendo interação entre os alunos e situações que fa-
colegas que possam ajudá-los e intervenções. voreçam a ação do aprendiz sobre aquilo que é seu objeto
de conhecimento.
Fonte (B) propor questionários individuais nos quais os alu-
WEIZ, T. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. 2ª nos possam mostrar aquilo que já sabem, situando os con-
ed. São Paulo: Ática, 2000 teúdos que ainda não aprenderam, para posteriormente
perguntar ao professor, sem atrapalhar o aprendizado dos
demais colegas.
Questões
(C) manter um clima de ordem e silêncio na sala de
aula, com pouca interação entre os alunos, para que não
01. (VUNESP/2017) WEISZ faz um depoimento sobre
haja interferência de ideias e cada um possa pensar sobre
as primeiras experiências como professora dos anos ini-
temas novos, a partir dos saberes que tem e da ajuda do
ciais que a marcaram profundamente, fazendo com que,
professor.
depois de “fugir” da educação por doze anos, voltasse a ela
(D) impedir que os alunos misturem as experiências
e buscasse entender o porquê do fracasso escolar na esco-
que possuem fora da escola com os conteúdos organiza-
la pública. Nessa busca, estudou o trabalho da dra. Emilia
ferreiro, “que abriu uma perspectiva extraordinária nessa dos didaticamente em sala de aula, para assim poderem
área e teve uma importância enorme na mudança da com- pensar de uma forma diferente da que aprenderam na vida
preensão do papel do professor”. em sociedade.
Odete, que prestou concurso para PEB I em um municí- (E) preparar-­se bem quanto ao conteúdo a ser ensi-
pio do interior paulista, acertou a questão que perguntava nado, antes de propor novas questões para a reflexão do
qual concepção de formação do professor é coerente com aluno, de modo a não ficar vulnerável frente a dúvidas dos
o entendimento de aprendizagem que resultou de pesqui- estudantes, já que se espera dele a orientação sobre a for-
sas das últimas décadas do século XX. Apoiando-se na lei- ma correta de pensar.
tura de WEISZ (2000), Odete escolheu a afirmação de que
a formação docente 03. (VUNESP/2016) Todas as ações e relações que
(A) deve privilegiar a formação em serviço, pois ela tor- compõem o processo educativo escolar correspondem a
na possível aos professores formadores prover aos docen- objetivos gerais e específicos. São eles que guiam o pla-
tes o que se constatou faltar a eles, em conteúdos e em nejamento dessas ações e relações. Eles dependem delas
métodos, para bem ensinar todo tipo de aluno. para serem alcançados, parcial ou plenamente. Isso acon-
(B) é uma habilitação profissional e, como tal, deve tece em diversos níveis: o nacional, o regional/local, o da
acompanhar as demandas da clientela que lhe é específica, unidade escolar e o do professor. No caso do nível de
no caso crianças e jovens, preponderantemente, o que exi- planejamento, que corresponde ao trabalho de cada pro-
ge atualização tecnológica das estratégias de ensino para fessor com seus alunos, no cotidiano da sala de aula e da
fazer os alunos aprenderem. escola, pela natureza dialogal da relação entre o ensino e a
(C) deve anteceder e acompanhar o exercício do ma- aprendizagem, entre sujeitos que constroem conhecimen-
gistério, por meio do estudo, da problematização da prá- to, podemos concordar com Weisz (2002) que é impossível
tica de sala de aula, da reflexão e do diálogo com os pares ensinar algo a alguém sem saber o que essa pessoa já sabe
sobre essa prática, organizando situações de aprendiza- sobre determinado objeto de estudo, ou seja, é impossível
gem adequadas a seus alunos. ensinar sem

268
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

(A) livro didático. 03. Resposta: D


(B) poder reprovar. No que diz respeito à avaliação, é preciso ter claro o
(C) vocação. que o aluno já sabe no momento em que lhe é apresen-
(D) avaliar. tado um conteúdo novo. O conhecimento prévio é o con-
(E) internet. junto de ideias, representações e informações que servem
de sustentação para a nova aprendizagem, ainda que não
Respostas tenham, necessariamente, uma relação direta com o con-
teúdo que se quer ensinar. É importante investigar e explo-
rar essas ideias e representações prévias porque permite
01. Resposta: C
saber de onde vai partir a aprendizagem que se quer que
Na perspectiva construtivista - de resolução de proble-
aconteça. Conhecer essas ideias e representações prévias
mas - o professor não pode considerar como sinônimos o
ajuda muito na hora de construir uma situação na qual o
que o aluno já sabe e o que lhe foi ensinado, pois não são aluno terá de usar o que já sabe para aprender o que ainda
necessariamente a mesma coisa. Para que isso não aconte- não sabe.
ça, é preciso que o professor desenvolva uma sensibilidade
e uma escuta atenta para a reflexão que as crianças fazem,
supondo que o que elas pensam tem sentido e não é fruto
de sua ignorância. O professor precisa criar um ambiente
socioafetivo para que as crianças possam manifestar livre- ZABALA, ANTONI. A PRÁTICA EDUCATIVA:
mente/espontaneamente o que pensam; somente assim, COMO ENSINAR. PORTO ALEGRE: ARTMED,
poderá favorecer situações de aprendizagem significativas. 1998, (CAPÍTULO 2)
Tal ambiente deve possibilitar que as crianças pensem sobre
suas ideias. Do mesmo modo, cabe ao professor oferecer
conflitos/situações problemas que possibilitem às crianças O conteúdo abaixo, será estudado conforme as ideias
exercitarem o pensamento, na busca de soluções possíveis. de Zabala, propostas no livro “A prática educativa: como
Isso requer do professor estudo e uma postura reflexiva e ensinar”5.
investigativa. A psicogênese da língua escrita abriu a pos-
sibilidade de o professor olhar para a criança e acreditar 1. A prática educativa: unidades de análise
que para aprender ela pensa, que aquilo que ela faz tem
Buscar a competência em seu ofício é característica
lógica e o que o professor não enxerga é porque não tem
de qualquer bom profissional. Zabala elabora um modelo
instrumentos suficientes para perceber o sentido que está que seria capaz de trazer subsídios para a análise da prá-
sendo manifestado pela criança. Um casamento entre a tica profissional. Como opção, utiliza-se do modelo de in-
disponibilidade da informação externa e a possibilidade terpretação, que se contrapõe àquele em que o professor
da construção interna. Quando o professor não entende a é um aplicador de fórmulas herdadas da tradição, funda-
produção da criança deve-se perguntar à criança, mesmo mentando-se no pensamento prático e na capacidade re-
que não consiga entender suas explicações, uma atividade flexiva do docente.
indicada para isso é o trabalho em dupla, pois trabalhando A finalidade da escola é promover a formação integral
juntas as crianças dão explicações umas às outras e, então, dos alunos, segundo Zabala, que critica as ênfases atribuí-
o professor poderá compreender as hipóteses das crianças. das ao aspecto cognitivo. Para ele, é na instituição escolar,
através das relações construídas a partir de experiências
02. Resposta: A vividas, que se estabelecem os vínculos e as condições
A interação entre os alunos é necessária não somente que definem as concepções pessoais sobre si e os demais.
porque o intercâmbio é condição para o convívio social na A partir dessa posição ideológica acerca da finalidade da
escola, mas, também, porque informa a todos os envolvi- educação escolarizada, é conclamada a necessidade de
dos e potencializa quase infinitamente a aprendizagem. O uma reflexão profunda e permanente da condição de cida-
conteúdo trabalhado deve manter suas características de dania dos alunos, e da sociedade em que vivem.
Segundo, o autor, na nossa vida particular e profissio-
objeto sociocultural real. O ensino da língua portuguesa
nal, vivemos questionando sobre o que e como fazemos, e
está cheio de criações escolares que em nada coincidem
os resultados daí decorrentes. Concluímos então que algu-
com as práticas sociais de uso da língua, objeto de ensino
mas coisas fazemos muito bem, outras mais ou menos e,
na escola, baseadas no senso comum. Isso não acontece por último, algumas que somos incapazes de realizar.
somente no ensino da língua portuguesa, mas em todas as As variáveis que condicionam a prática educativa são
outras áreas. Na escola, por exemplo, aprende-se a lingua- difíceis de definir, dada a complexidade como se manifesta,
gem matemática escrita, que é pouco usada na rua. Porém, pois nelas se expressam múltiplos fatores, ideias, valores,
não se pode deixar de lado esta competência que o aluno hábitos, pedagógicos, etc.
já traz desenvolvida (devido a sua vivência de ‘rua’) e so-
brepor a escolarização a ela. 5 Material consultado em: http://apeoespbebedouro.blogs-
pot.com.br/2011/07/pratica-educativacomo-ensinar-antoni.html

269
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

2. A função social do ensino e a concepção sobre diversas coisas; para os educadores, uma diversidade de
os processos de aprendizagem: instrumentos de análise meios para captar os processos de construção que eles edi-
ficam, neles incidir e avaliar; nem tudo se aprende do mes-
Sobre os conteúdos da aprendizagem, seus significa- mo modo, no mesmo tempo, nem com o mesmo trabalho;
dos são ampliados para além da questão do que ensinar, por que nosso desejo de que sejam tolerantes e respeito-
encontrando sentido na indagação sobre por que ensinar. sos se vê frustrado justamente naquelas ocasiões em que é
Deste modo, acabam por envolver os objetivos educacio- mais necessário exercer a tolerância e respeito?; refletir so-
nais, definindo suas ações no âmbito concreto do ambien- bre o que aprender o que propomos pode nos conduzir a
te de aula. Esses conteúdos assumem o papel de envolver estabelecer propostas suscetíveis de ajudar mais os alunos
todas as dimensões da pessoa, caracterizando as seguintes e ajudar a nós mesmos.
tipologias de aprendizagem: factual e conceitual (o que se
deve aprender?); procedimental (o que se deve fazer?); e 5. As relações interativas em sala de aula: O papel
atitudinal (como se deve ser?). dos professores e dos alunos
Para o autor, o papel do objetivo educacional é a for-
mação integral para a autonomia, equilíbrio pessoal, rela- O autor expõe o valor das relações que se estabelecem
ções interpessoais, etc. entre os professores, os alunos e os conteúdos no processo
A primeira conclusão que o autor chega quanto ao co- ensino e aprendizagem. Comenta que essas se sobrepõem
nhecimento dos processos de aprendizagem é a atenção à às sequências didáticas, visto que o professor e os alunos
diversidade. possuem certo grau de participação nesse processo, dife-
Para o autor a diversidade deve fazer parte do trabalho rente do ensino tradicional, caracterizado pela transmissão/
do professor, pois alunos e alunas são diferentes em mui- recepção e reprodução de conhecimentos. Examina, dentro
tos aspectos (físico, emocional, cognitivo, etc.) da concepção construtivista, a natureza dos diferentes con-
teúdos, o papel dos professores e dos alunos, bem como a
3. Construtivismo: concepção sobre como se produ- relação entre eles no processo, colocando que o professor
zem os processos de aprendizagem necessita diversificar as estratégias, propor desafios, com-
parar, dirigir e estar atento à diversidade dos alunos, o que
O ensino tradicional está relacionado às diferentes dis- significa estabelecer uma interação direta com eles.
ciplinas. Por conteúdos factuais se entende o conhecimen- Das relações interativas para facilitar a aprendizagem
to de fatos, acontecimentos, situações, dados e fenômenos se deduz uma série de funções dos professores, que pode-
concretos e singulares: a idade de uma pessoa, a conquista mos caracterizá-las da seguinte maneira:
de um território. São conteúdoss em que as respostas são - planejamento E plasticidade na aplicação: A comple-
inequívocas. xidade dos processos educativos faz com que não se pos-
Um conteúdo procedimental é um conjunto de ações sa prever o que acontecerá na aula. Este inconveniente é
ordenadas e com um fim, para a realização de um objeti- o que aconselha que os professores contem com o maior
vo. São conteúdos procedimentais: ler, desenhar, observar, número de meios e estratégias para poder atender às di-
calcular, classificar, traduzir, recortar, saltar, inferir, espetar, ferentes demandas que aparecerão no processo ensino/
etc. aprendizagem;
Os conteúdos atitudinais englobam conteúdos agru- - Levar em conta as contribuições dos alunos tanto no
pados em valores, atitudes e normas cada um destes com início das atividades como durante o transcurso das mes-
natureza diferenciada. mas;
- Ajudá-los a encontrar sentido no que fazem;
4. As sequências didáticas e as sequências de con- - Estabelecer metas alcançáveis;
teúdo - Oferecer ajuda contingente (a elaboração do conhe-
cimento exige ajuda especializada, estímulo e afeto por
Certos questionamentos pareceram-nos relevantes: na parte dos professores e dos demais colegas);
sequência há atividades que nos permitam determinar os - Promover canais de comunicação;
conhecimentos prévios? Atividades cujos conteúdos sejam
propostos de forma significativa e funcional? Atividades 6. A organização social da classe
em que possamos inferir sua adequação ao nível de de-
senvolvimento de cada aluno? Atividades que representam Antoni Zabala procurou analisar as diferentes formas
um desafio alcançável? Provoquem um conflito cognitivo de organização social dos alunos vivenciadas na escola e
e promovam a atividade mental? Sejam motivadoras em sua relação com o processo de aprendizagem. Percebeu
relação à aprendizagem de novos conteúdos? Estimulem que todo tipo de organização grupal dos alunos, assim
a autoestima e o autoconceito? Ajudem o aluno a adquirir como todas as atividades a serem programadas/desen-
habilidades relacionadas com o aprender, sendo cada vez volvidas pela escola e a própria forma de gestão que esta
mais autônomo em suas aprendizagens? emprega, devem levar em consideração os tipos de apren-
A partir de nossas propostas de trabalho, aparecem dizagens que estão proporcionando a seus alunos e os ob-
para os alunos, diferentes oportunidades de aprender jetivos expressos pela própria escola. Desse modo, alertou

270
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

para o fato de que inconscientemente a instituição escolar, 9. Os centros de interesse de Decroly: Sequência de
ao não refletir sobre esses aspectos, pode acabar por de- ensino/aprendizagem nas seguintes fases:
senvolver uma aprendizagem inversa àquilo que apregoa.
A escola como grande grupo: - Observação-Conjunto de atividades que tem por fi-
- Atividades gerais da escola (durante o ano, a maioria nalidade pôr os alunos em contato direto com as coisas, os
das escolas organiza uma série de atividades que em geral seres, os fatos e os acontecimentos.
são de caráter social, cultural, lúdico ou esportivo); - Associação – através de exercícios os alunos relacio-
- Tipos de gestão da escola: pragmática (efetuada com nam o que observaram com outras ideias ou realidades e
critérios relativos às necessidades de dinamização, orga- expressão.
nização e desenvolvimento das diferentes tarefas de uma - Expressão- pode ser concreta, quando utiliza os tra-
instituição com funções complexas); colegiada (define de- balhos manuais, ou abstrata, quando traduz o pensamento
terminadas relações interpessoais, uma maneira de conce- com a ajuda de simples convencionais.
ber as relações de trabalho que podem ser de ajuda, de - Justificativa: - a criança é o ponto de partida do mé-
colaboração ou de confiança, ou exatamente o contrário). todo; o respeito à personalidade do aluno; a eficácia da
aprendizagem é o interesse; a vida como educadora. A efi-
7. A organização dos conteúdos cácia do meio é decisiva; os meninos (as) são seres sociais; a
atividade mental está presidida pela função globalizadora e
Ele defende a organização dos conteúdos pelo méto- é influenciada pelas tendências preponderantes do sujeito.
do de ensino global, pois os conteúdos de aprendizagem
só podem ser considerados relevantes na medida em que O método de projetos de Kilpatrick: Sequência de ensi-
desenvolvam nos alunos a capacidade para compreender no/aprendizagem compreende quatro fases:
uma realidade que se manifesta globalmente. No tocante -Intenção (os alunos escolhem o objeto ou a monta-
aos métodos globalizadores, o autor descreve as possibili- gem que querem realizar e a maneira de se organizar);
dades dos centros de interesse de Decroly, os métodos de -Preparação (consiste em fazer o projeto do objeto ou
projetos de Kilpatrick, o estudo do meio, e os projetos de montagem);
trabalhos globais. - Execução (os meios e os processos a serem seguidos);
Podemos estabelecer três graus de relações disciplinares: - Avaliação (momento de comprovar a eficiência e a
- A multidisciplinaridade = é a organização de conteú- validade do produto realizado);
do mais tradicional Os projetos de trabalhos globais (nasce de uma evo-
- A interdisciplinaridade = é a interação entre duas ou lução dos Project Works de língua e é uma resposta à ne-
mais disciplinas cessidade de organizar os conteúdos na perspectiva da
- Elaboração do dossiê ou síntese= nesta fase se con- globalização)
cretiza o produto do projeto que conduziu e justificou todo
o trabalho 10. A avaliação
- Avaliação=avalia-se todo o processo em dois níveis:
um de caráter interno onde cada aluno recapitula o que Realiza-se uma severa crítica à forma como habitual-
aprendeu, e outro, de caráter externo, com a ajuda do pro- mente é compreendida a avaliação. A pergunta inicial “por
fessor, os alunos tem que se aprofundar no processo de que temos que avaliar”, necessária para que se entenda
descontextualização. qual deve ser o objeto e o sujeito da avaliação, demora um
pouco a ser respondida. A proposta elimina a ideia da ava-
8. Os materiais curriculares e outros recursos didáticos liação apenas do aluno como sujeito que aprende e propõe
também uma avaliação de como o professor ensina. Elabo-
Materiais curriculares são os instrumentos que propor- ra a ideia de que devemos realizar uma avaliação que seja
cionam referências e critérios para tomar decisões: no pla- inicial, reguladora capaz de acompanhar o progresso do
nejamento, na intervenção direta no processo de ensino/ ensino, final e integradora. Esta divisão é empregada como
aprendizagem e em sua avaliação. São meios que ajudam necessária para se continuar fazendo o que se faz, ou o que
os professores a responder aos problemas concretos que se deve fazer de novo, o que é mais uma justificativa para a
as diferentes fases dos processos de planejamento, execu- avaliação, o por quê avaliar.
ção e avaliação lhes apresentam.
As críticas referentes aos conteúdos dos livros didáti- Avaliação inicial, planejamento, adequação do plano
cos giram em torno das seguintes considerações: (avaliação reguladora), avaliação final, avaliação integra-
- A maioria dos livros trata os conteúdos de forma uni- dora.
direcional e se alimentam de estereótipos culturais;
- É fácil encontrar os livros com dose consideráveis de A partir de uma opção que contempla como finalidade
elitismo, sexismo, centralismo, classicismos, etc.; fundamental do ensino a formação integral da pessoa, e
- Apesar da grande quantidade de informação não po- conforme uma concepção construtivista, a avaliação sem-
dem oferecer toda a informação necessária para garantir a pre tem que ser formativa, de maneira que o processo ava-
comparação; liador, independentemente de seu objetivo de estudo, tem
que observar as diferentes fases de uma intervenção que

271
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

deverá ser estratégica. Quer dizer, que permita conhecer 02. (COSEAC/2016)Zabala (1998) defende a concep-
qual é a situação de partida, em função de determinados ção construtivista como aquela que permite compreender
objetivos gerais bem definidos (avaliação inicial); um pla- a complexidade dos processos de ensino-aprendizagem.
nejamento da intervenção; uma atuação e, ao mesmo tem- São preceitos da concepção construtivista, EXCETO:
po, flexível , entendido como uma hipótese de intervenção; a) O ensino tem que ajudar a estabelecer tantos víncu-
uma atuação na aula, em que as atividades , as tarefas e os los essenciais e não arbitrários entre os novos conteúdos e
próprios conteúdos de trabalho se adequarão constante- os conhecimentos prévios quanto permita a situação.
mente (avaliação reguladora) às necessidade que vão se b) O papel ativo e protagonista do aluno não se con-
apresentando para chegar sobre o processo seguido, que trapõe à necessidade de um papel também ativo do edu-
permita estabelecer novas propostas de intervenção (ava- cador.
liação integradora). c) A natureza da intervenção pedagógica estabelece os
Nós, professores (as), temos que dispor de todos os parâmetros em que pode se mover a atividade mental do
dados que nos permitam reconhecer em todo momento aluno, passando por momentos sucessivos de equilíbrio,
que atividades cada aluno necessita para sua formação; desequilíbrio e reequilíbrio.
O aluno necessita de incentivos e estímulos. Sem in- d) No processo de aprendizagem, intervêm, junto à ca-
centivos, sem estímulo e sem entusiasmo dificilmente po- pacidade cognitiva, fatores vinculados às capacidades de
derá enfrentar o trabalho que lhe é proposto; equilíbrio pessoal, de relação interpessoal e de inserção
A escola, as equipes docentes têm que dispor de todos social.
os dados necessários para a continuidade e a coerência no e) A sequência de ensino-aprendizagem deve ser a
percurso do aluno; aula magistral, que corresponde aos objetivos de caráter
A administração educacional é gerida por educadores, cognitivo, aos conteúdos conceituais e à concepção da
portanto, seria lógico que a informação fosse o mais profis- aprendizagem como um processo acumulativo através de
sional possível, com critérios que permitissem a interpreta- propostas didáticas transmissoras e uniformizadoras.
ção do caminho seguido pelos alunos, conforme modelos
tão complexos como é complexa a tarefa educativa; 03. (COSEAC/2016) Segundo Zabala, para aprender é
Por último, devemos ter presente que na sala de aula e indispensável que haja um clima e um ambiente adequa-
na escola, avaliamos muito mais do que se pensa, inclusive dos, já que a aprendizagem é potencializada quando con-
mais do que temos consciência. vergem as condições que estimulam o trabalho e o esforço.
Para tal, é necessário criar um ambiente seguro e ordenado
Referência: que ofereça aos alunos:
ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. a) desafios cognitivos que estejam além das capacida-
Editora: Artmed. 1998. des e competências dos alunos.
b) exclusividade para trabalhos individuais voltados ao
desenvolvimento da competitividade.
Questões c) oportunidade de participação, em situações com
multiplicidade de interações que promovam a cooperação
01. (COSEAC/2016) Segundo Zabala (1998), a corren- e a coesão do grupo.
te construtivista considera o ensino como “um processo de d) situações de rígida disciplina e controle, sendo a fala
construção compartilhada de significados, orientados para privilégio do professor.
a autonomia dos alunos.” Para que esse processo ocorra de e) situações que impeçam as modificações nos esque-
modo eficaz, o professor deve buscar metodologias que: mas de conhecimento.
a) utilizem o apoio lúdico, a formação de equipes fixas
de alunos, as aulas de recuperação e a ênfase na memori-
zação de conteúdos Respostas
b) promovam a atividade mental autoestruturante, que
possibilite estabelecer relações, generalizações, descontex- 01. Resposta: B
tualização e atuação autônoma O professor deve trabalhar no sentido de desenvolver
c) proponham ensino uniformizador, exercitação mas- a atividade mental autoestruturante do aluno a qual possi-
siva, ambiente pedagógico imutável e papéis idênticos bilita estabelecer relações, generalizações, descontextuali-
para alunos e professores zação e a atuação autônoma, supõe que o aluno entende
d) enfatizem atividades voltadas para a tecnologia, o o que faz e por que o faz e tem consciência, em qualquer
domínio da norma culta na aquisição da língua escrita e a nível, do processo que está seguindo. Mas alerta, que para
organização da turma em grande grupo o estudante atingir este nível o professor deve dar signi-
ficado ao ensino, ajudando-o a compreender este signi-
ficado, motivando-o, na medida em o faz sentir que sua
contribuição será necessária para aprender.

272
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

02. Reposta: E § 1º É facultado às universidades admitir professores,


A concepção construtivista apresenta uma proposta de técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei. (Incluído
compreensividade e de formação integral, impulsionando pela Emenda Constitucional nº 11, de 1996)
a observar todas as capacidades e os diferentes tipos de § 2º O disposto neste artigo aplica-se às instituições
conteúdo. de pesquisa científica e tecnológica. (Incluído pela Emenda
Constitucional nº 11, de 1996)
03. Resposta: C Art. 208. O dever do Estado com a educação será efeti-
A resposta correta compreende oportunidade de par- vado mediante a garantia de:
ticipação, em situações com multiplicidade de interações I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (qua-
que promovam a cooperação e a coesão do grupo. tro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclu-
sive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tive-
ram acesso na idade própria; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 59, de 2009) (Vide Emenda Constitucional
LEGISLAÇÃO: BRASIL. CONSTITUIÇÃO nº 59, de 2009)
FEDERAL/88 - ARTIGOS 205 A 214. II - progressiva universalização do ensino médio gra-
tuito; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 14, de
1996)
III - atendimento educacional especializado aos por-
CAPÍTULO III tadores de deficiência, preferencialmente na rede regular
DA EDUCAÇÃO, DA CULTURA E DO DESPORTO de ensino;
Seção I IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crian-
DA EDUCAÇÃO ças até 5 (cinco) anos de idade; (Redação dada pela Emen-
da Constitucional nº 53, de 2006)
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Esta- V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pes-
do e da família, será promovida e incentivada com a cola- quisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada
boração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento um;
da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às
qualificação para o trabalho. condições do educando;
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos se- VII - atendimento ao educando, em todas as etapas
guintes princípios: da educação básica, por meio de programas suplementa-
I - igualdade de condições para o acesso e permanên- res de material didáticoescolar, transporte, alimentação e
cia na escola; assistência à saúde. (Redação dada pela Emenda Constitu-
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar cional nº 59, de 2009)
o pensamento, a arte e o saber;
§ 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas,
público subjetivo.
e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
§ 2º O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimen-
Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabi-
tos oficiais;
lidade da autoridade competente.
V - valorização dos profissionais da educação escolar,
§ 3º Compete ao Poder Público recensear os educan-
garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingres-
dos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar,
so exclusivamente por concurso público de provas e títulos,
junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.
aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda Cons-
titucional nº 53, de 2006) Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas
VI - gestão democrática do ensino público, na forma as seguintes condições:
da lei; I - cumprimento das normas gerais da educação na-
VII - garantia de padrão de qualidade. cional;
VIII - piso salarial profissional nacional para os profis- II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder
sionais da educação escolar pública, nos termos de lei fe- Público.
deral. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o en-
Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de sino fundamental, de maneira a assegurar formação básica
trabalhadores considerados profissionais da educação bá- comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacio-
sica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou ade- nais e regionais.
quação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos § 1º O ensino religioso, de matrícula facultativa, cons-
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. (Incluído pela tituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas
Emenda Constitucional nº 53, de 2006) de ensino fundamental.
Art. 207. As universidades gozam de autonomia didá- § 2º O ensino fundamental regular será ministrado em
tico-científica, administrativa e de gestão financeira e pa- língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas
trimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade também a utilização de suas línguas maternas e processos
entre ensino, pesquisa e extensão. próprios de aprendizagem.

273
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às es-
Municípios organizarão em regime de colaboração seus colas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitá-
sistemas de ensino. rias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que:
§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e I - comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus
o dos Territórios, financiará as instituições de ensino pú- excedentes financeiros em educação;
blicas federais e exercerá, em matéria educacional, função II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra
redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Po-
de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qua- der Público, no caso de encerramento de suas atividades.
lidade do ensino mediante assistência técnica e financeira § 1º - Os recursos de que trata este artigo poderão ser
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios; (Redação destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental
dada pela Emenda Constitucional nº 14, de 1996) e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insu-
§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino ficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cur-
fundamental e na educação infantil. (Redação dada pela sos regulares da rede pública na localidade da residência
Emenda Constitucional nº 14, de 1996) do educando, ficando o Poder Público obrigado a investir
§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão priorita- prioritariamente na expansão de sua rede na localidade.
riamente no ensino fundamental e médio. (Incluído pela § 2º As atividades de pesquisa, de extensão e de estí-
Emenda Constitucional nº 14, de 1996) mulo e fomento à inovação realizadas por universidades
§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, a e/ou por instituições de educação profissional e tecno-
União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios defini- lógica poderão receber apoio financeiro do Poder Públi-
rão formas de colaboração, de modo a assegurar a univer- co.   (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 85, de
salização do ensino obrigatório. (Redação dada pela Emen- 2015)
da Constitucional nº 59, de 2009) Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de edu-
§ 5º A educação básica pública atenderá prioritaria- cação, de duração decenal, com o objetivo de articular
mente ao ensino regular. (Incluído pela Emenda Constitu- o sistema nacional de educação em regime de colabo-
ração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias
cional nº 53, de 2006)
de implementação para assegurar a manutenção e desen-
Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos
volvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e
de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
modalidades por meio de ações integradas dos poderes
vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de
públicos das diferentes esferas federativas que conduzam
impostos, compreendida a proveniente de transferências,
a:  (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de
na manutenção e desenvolvimento do ensino.
2009)
§ 1º A parcela da arrecadação de impostos transferida
I - erradicação do analfabetismo;
pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municí-
II - universalização do atendimento escolar;
pios, ou pelos Estados aos respectivos Municípios, não é III - melhoria da qualidade do ensino;
considerada, para efeito do cálculo previsto neste artigo, IV - formação para o trabalho;
receita do governo que a transferir. V - promoção humanística, científica e tecnológica do
§ 2º Para efeito do cumprimento do disposto no País.
«caput» deste artigo, serão considerados os sistemas de VI - estabelecimento de meta de aplicação de recur-
ensino federal, estadual e municipal e os recursos aplicados sos públicos em educação como proporção do produto
na forma do art. 213. interno bruto. (Incluído pela Emenda Constitucional nº
§ 3º A distribuição dos recursos públicos assegurará 59, de 2009)
prioridade ao atendimento das necessidades do ensino
obrigatório, no que se refere a universalização, garantia de
padrão de qualidade e equidade, nos termos do plano na-
cional de educação. (Redação dada pela Emenda Constitu- BRASIL. LEI FEDERAL N° 8.069/1990 -
cional nº 59, de 2009) ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE
§ 4º Os programas suplementares de alimentação e as- (ATUALIZADA): ARTIGOS 1° AO 6°; 15 AO 18-
sistência à saúde previstos no art. 208, VII, serão financia- B; 53 A 59, 131 A 138 E 147.
dos com recursos provenientes de contribuições sociais e
outros recursos orçamentários.
§ 5º A educação básica pública terá como fonte adicio- Título I
nal de financiamento a contribuição social do salário-edu- Das Disposições Preliminares
cação, recolhida pelas empresas na forma da lei. (Redação
dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à
§ 6º As cotas estaduais e municipais da arrecadação da criança e ao adolescente.
contribuição social do salário-educação serão distribuídas O princípio da proteção integral se associa ao princí-
proporcionalmente ao número de alunos matriculados na pio da prioridade absoluta, colacionado no artigo 4º do
educação básica nas respectivas redes públicas de ensi- ECA e no artigo 227, CF. “Com a positivação desse princípio
no. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) tem-se também a positivação da proteção integral, que se

274
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

opõe à antiga e superada doutrina da situação irregular, brasileiro preocupou-se em elaborar uma legislação cujo
que era prevista no antigo Código de Menores e espe- objetivo é concretizar estes direitos da criança e do adoles-
cificava que sua incidência se restringia aos menores em cente. Entretanto, a lei é apenas uma carta de intenções. É
situação irregular, apresentando um conjunto de normas necessário colocar seu conteúdo em prática, porque sozi-
destinadas ao tratamento e prevenção dessas situações”6. nha ela nada faz.
Basicamente, tinha-se na doutrina da situação irregu- A implementação na prática dos direitos da criança e
lar que era necessário disciplinar um estatuto jurídico da do adolescente depende da adoção de posturas por parte
criança e do adolescente que apenas abordasse situações de todos aqueles colocados como responsáveis para tanto:
em que ele estivesse irregular, seja por uma desproteção, Estado, sociedade, comunidade e família. Especificamente
como no caso de abandono, ou pela violação da lei, como no que se refere ao Estado, mostra-se essencial que ele
nos casos de atos infracionais. desenvolve políticas públicas adequadas em respeito à pe-
Entretanto, o direito evoluiu e passou a contemplar culiar condição do infante.
uma noção de proteção mais ampla da criança e do ado- “O Direito da Criança e do Adolescente deve ter condi-
lescente, que não apenas abordasse situações de irregula- ções suficientemente próprias de promoção e concretização
ridade (embora ainda o fizesse), mas que abrangesse todo de direitos. Para isso deve-se desvencilhar do dogmatismo e
o arcabouço jurídico protetivo da criança e do adolescente. do mero positivismo jurídico acrítico. O Direito da Criança e
do Adolescente enquanto ramo autônomo do direito é res-
Art. 2º Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a ponsável por ressignificar a atuação estatal, principalmente
pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente no campo das políticas públicas e impõe corresponsabilida-
aquela entre doze e dezoito anos de idade. des compartilhadas”7.
Parágrafo único. Nos casos expressos em lei, aplica-se Vale ressaltar que às crianças e aos adolescentes são ga-
excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre dezoito e rantidos os mesmos direitos fundamentais que aos adultos,
vinte e um anos de idade. entretanto, o ECA aprofunda alguns direitos fundamentais
O Estatuto da Criança e do Adolescente opta por cate- em espécie, abordando-os na vertente da condição especial
gorizar separadamente estas duas categorias de menores. dos que pertencem a este grupo.
Criança é aquele que tem até 12 anos de idade (na data As crianças e adolescentes gozam de igualdade de di-
de aniversário de 12 anos, passa a ser adolescente), ado- reitos em relação às demais pessoas, podendo usufruir de
lescente é aquele que tem entre 12 e 18 anos (na data de todos eles. O próprio estatuto contempla em seu título II
aniversário de 18 anos, passa a ser maior). Em situações os direitos fundamentais da criança e do adolescente, entre
excepcionais o ECA se aplica ao maior de 18 anos, até os eles incluindo-se: vida, saúde, liberdade, respeito, dignidade,
21 anos de idade, por exemplo, no caso do menor infrator convivência familiar e comunitária, educação, cultura, espor-
sujeito a internação em fundação CASA que tenha 17 anos te, lazer, profissionalização e proteção no trabalho. Não se
e 11 meses na data do ato infracional poderá ficar detido trata de rol taxativo de direitos fundamentais garantidos à
até o limite de seus 20 anos e 11 meses (eis que 3 anos é o criança e ao adolescente, eis que ele possui todos os direitos
tempo máximo de internação). humanos e fundamentais que as demais pessoas. O título II
do ECA tem por objetivo aprofundar especificidades acerca
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os di- de algumas das categorias de direitos fundamentais assegu-
rados à criança e ao adolescente.
reitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem
Deste artigo 3º do ECA é possível, ainda, extrair o destaque
prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegu-
ao princípio da igualdade, no sentido de que há plena igualda-
rando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as opor-
de na garantia de direitos entre todas as crianças e adolescen-
tunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desen-
tes, não sendo permitido qualquer tipo de discriminação.
volvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em
condições de liberdade e de dignidade. A leitura dos artigos 4º e 5º, em conjunto com outros
Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei apli- dispositivos do ECA, por sua vez, permite detectar a presen-
cam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discrimi- ça de um tríplice sistema de garantias.
nação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, Assim, o Estatuto da Criança e do Adolescente adota
etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal uma estrutura que contempla três sistemas de garantia –
de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, primário, secundário e terciário.
ambiente social, região e local de moradia ou outra condição a) Sistema primário – artigos 4º e 87, ECA – aborda po-
que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em líticas públicas de atendimento de crianças e adolescentes.
que vivem.
O artigo 3º volta-se à concretização dos direitos da Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade
criança e do adolescente. Concretização significa viabiliza- em geral e do poder público assegurar, com absoluta prio-
ção prática, consecução real dos fins que a lei descreve. ridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde,
Como se percebe pela leitura até o momento, o legislador à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissio-
6 DEZEM, Guilherme Madeira; AGUIRRE, João Ri- nalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
cardo Brandão; FULLER, Paulo Henrique Aranda. Estatu- convivência familiar e comunitária.
to da Criança e do Adolescente. São Paulo: Revista dos 7 http://t.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.
Tribunais, 2009. (Coleção Elementos do Direito) asp?id=2236

275
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: VII - campanhas de estímulo ao acolhimento sob
a) primazia de receber proteção e socorro em quais- forma de guarda de crianças e adolescentes afastados do
quer circunstâncias; convívio familiar e à adoção, especificamente inter-racial, de
b) precedência de atendimento nos serviços públicos crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades espe-
ou de relevância pública; cíficas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos. 
c) preferência na formulação e na execução das po- O artigo 87 descreve linhas de ação na política de aten-
líticas sociais públicas; dimento, que compõem a delimitação do princípio da prio-
d) destinação privilegiada de recursos públicos nas ridade absoluta na vertente da priorização na adoção de
áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. políticas públicas e na delimitação de recursos financeiros
O artigo 4º do ECA colaciona em seu caput teor idênti- para execução de tais políticas.
co ao do caput do artigo 227, CF, onde se encontra uma das
principais diretrizes do direito da criança e do adolescente b) Sistema secundário – artigos 98 e 101, ECA – abor-
que é o princípio da prioridade absoluta. Significa que cada da as medidas de proteção destinadas à criança e ao ado-
criança e adolescente deve receber tratamento especial do lescente em situação de risco pessoal ou social.
Estado e ser priorizado em suas políticas públicas, pois são Obs.: as medidas de proteção são estudadas adiante
o futuro do país e as bases de construção da sociedade. neste material.
Explica Liberati8: “Por absoluta prioridade, devemos c) Sistema terciário – artigo 112, ECA – aborda as me-
entender que a criança e o adolescente deverão estar em didas socioeducativas, destinadas à responsabilização penal
primeiro lugar na escala de preocupação dos governantes; do adolescente infrator, isto é, àquele entre 12 e 18 anos
devemos entender que, primeiro, devem ser atendidas to- que comete atos infracionais.
das as necessidades das crianças e adolescentes [...]. Por Obs.: as medidas socioeducativas são estudadas adian-
absoluta prioridade, entende-se que, na área administra- te neste material.
tiva, enquanto não existirem creches, escolas, postos de O sistema tríplice deve operar de forma harmônica,
saúde, atendimento preventivo e emergencial às gestantes com o acionamento gradual de cada um deles. Nas situa-
dignas moradias e trabalho, não se deveria asfaltar ruas, ções em que a criança ou adolescente escape ao sistema
primário de prevenção, ou seja, nos casos de ineficácia das
construir praças, sambódromos monumentos artísticos
políticas públicas específicas, deve ser acionado o sistema
etc., porque a vida, a saúde, o lar, a prevenção de doenças
secundário, operado predominantemente pelo Conselho
são importantes que as obras de concreto que ficam par a
Tutelas. Por sua vez, em casos extremos, é necessário partir
demonstrar o poder do governante”.
para a adoção de medidas socioeducativas, operadas pre-
O parágrafo único do artigo 4º especifica a abrangência
dominantemente pelo Ministério Público e pelo Judiciário.
da absoluta prioridade, esclarecendo que é necessário con-
ferir atendimento prioritário às crianças e aos adolescentes
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de
diante de situações de perigo e risco (como no salvamento qualquer forma de negligência, discriminação, explora-
em incêndios e enchentes, etc.), bem como nos serviços ção, violência, crueldade e opressão, punido na forma da
públicos em geral (chegada aos hospitais, por exemplo). lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos
Além disso, devem ser priorizadas políticas públicas que fundamentais.
favoreçam a criança e o adolescente e também devem ser O artigo 5º ressalta o verdadeiro objetivo geral do ECA:
reservados recursos próprios prioritariamente a eles. proteger a criança de qualquer forma de negligência, discri-
minação, exploração, violência, crueldade e opressão. Neste
Art. 87. São linhas de ação da política de atendi- sentido, coloca-se a possibilidade de responsabilização de
mento: todos que atentarem contra esse propósito. A responsabili-
I - políticas sociais básicas; zação poderá se dar em qualquer uma das três esferas, iso-
II - serviços, programas, projetos e benefícios de as- lada ou cumulativamente: penal, respondendo por crimes
sistência social de garantia de proteção social e de preven- e contravenções penais todo aquele que praticá-lo contra
ção e redução de violações de direitos, seus agravamentos criança e adolescente, bem como respondendo por atos
ou reincidências; infracionais as crianças e adolescentes que atentarem um
III - serviços especiais de prevenção e atendimento contra o outro; civil, estabelecendo-se o dever de indeni-
médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tra- zar por danos causados a crianças e a adolescentes, que
tos, exploração, abuso, crueldade e opressão; se estende a toda e qualquer pessoa física ou jurídica que
IV - serviço de identificação e localização de pais, o faça, inclusive o próprio Estado; e administrativa, impon-
responsável, crianças e adolescentes desaparecidos; do-se penas disciplinares a funcionários sujeitos a regime
V - proteção jurídico-social por entidades de defesa jurídico administrativo em trabalhos privados ou em cargos,
dos direitos da criança e do adolescente. empregos e funções públicos.
VI - políticas e programas destinados a prevenir ou
abreviar o período de afastamento do convívio familiar Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta
e a garantir o efetivo exercício do direito à convivência os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem
familiar de crianças e adolescentes; comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a
8 LIBERATI, Wilson Donizeti. O Estatuto da Crian- condição peculiar da criança e do adolescente como pes-
ça e do Adolescente: Comentários. São Paulo: IBPS. soas em desenvolvimento.

276
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

É pacífico que o processo de interpretação hoje faz Entre os direitos fundamentais garantidos à criança e
parte do Direito, principalmente se considerada a constan- ao adolescente que são especificados e aprofundados no
te evolução da sociedade, demandando diariamente por ECA estão os direitos à liberdade, ao respeito e à dignidade.
novos modos de aplicação das normas. Como a sociedade
é dinâmica e o Direito existe para servi-la, cabe a ele ade- Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes
quar-se às novas exigências sociais, aplicando-se da ma- aspectos:
neira mais justa à vasta gama de casos concretos. Sobre a I - ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços
interpretação, explica Gonçalves9: “Quando o fato é típico comunitários, ressalvadas as restrições legais;
e se enquadra perfeitamente no conceito abstrato da nor- II - opinião e expressão;
ma, dá-se o fenômeno da subsunção. Há casos, no entanto, III - crença e culto religioso;
em que tal enquadramento não ocorre, não encontrando o IV - brincar, praticar esportes e divertir-se;
juiz nenhuma norma aplicável à hipótese sub judice. Deve, V - participar da vida familiar e comunitária, sem
então, proceder à integração normativa, mediante o em- discriminação;
prego da analogia, dos costumes e dos princípios gerais do VI - participar da vida política, na forma da lei;
direito. [...] Para verificar se a norma é aplicável ao caso em VII - buscar refúgio, auxílio e orientação.
julgamento (subsunção) ou se deve proceder à integração O artigo 16 aborda diversas facetas do direito de liber-
normativa, o juiz procura descobrir o sentido da norma, in- dade: locomoção, opinião e expressão, religiosa e política.
terpretando-a. Interpretar é descobrir o sentido e o alcance
Cria, ainda, duas facetes específicas deste direito: liberda-
da norma jurídica”.
de para brincar e divertir-se e liberdade para buscar refú-
A hermenêutica possui 3 categorias de métodos.
gio, auxílio e orientação, processos estes essenciais para o
Quanto às fontes ou origem, a interpretação pode ser au-
desenvolvimento do infante.
têntica ou legislativa, jurisprudencial ou judicial e doutri-
nária. Quanto aos meios, pode ser gramatical ou literal,
examinando o texto normativo linguísticamente; lógica ou Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilida-
racional, apurando o sentido e a finalidade da norma; sis- de da integridade física, psíquica e moral da criança e
temática, analisando a lei de maneira comparativa com ou- do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da
tras leis pertencentes à mesma província do Direito (livro, identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos
título, capítulo, seção, parágrafo); histórica, baseando-se espaços e objetos pessoais.
na verificação dos antecedentes do processo legislativo;
sociológica, adaptando o sentido ou finalidade da nor- Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da
ma às novas exigências sociais (artigo 5°, LINDB). Quanto criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer
aos resultados pode ser declarativa, quando o texto legal tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexató-
corresponde ao pensamento do legislador; extensiva ou rio ou constrangedor.
ampliativa, quando o alcance da lei é mais amplo que o Os direitos ao respeito e à dignidade abrangem a pro-
indicado pelo seu texto; e restritiva, na qual se limita o cam- teção da criança e do adolescente em todas facetas de sua
po de aplicação da lei. Nenhum destes métodos se opera integridade: física, psíquica e moral.
isoladamente10.
O artigo 6º do ECA, tal como o artigo 5º da LINDB, ex- Art. 18-A. A criança e o adolescente têm o direito de ser
pressa o método de interpretação sociológico, chamando educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de
atenção à interpretação da lei levando em conta os seus tratamento cruel ou degradante, como formas de cor-
fins sociais, as exigências do bem comum, os direitos e de- reção, disciplina, educação ou qualquer outro pretex-
veres individuais e coletivos, e vai além: exige que se leve to, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos
em conta a condição peculiar da criança e do adolescente. responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas
Logo, ao se interpretar o ECA não se pode nunca perder de socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de
vista que o seu objeto material, a criança e o adolescente, é cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los.
extremamente peculiar, dotado de especificidades as quais Parágrafo único.  Para os fins desta Lei, considera-se:
sempre se deve atentar.
I - castigo físico: ação de natureza disciplinar ou
punitiva aplicada com o uso da força física sobre a crian-
Capítulo II
ça ou o adolescente que resulte em: 
Do Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade
a) sofrimento físico; ou
Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liber- b) lesão;
dade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas II - tratamento cruel ou degradante: conduta ou for-
em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos ma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adoles-
civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas cente que:
leis. a) humilhe; ou
9 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Bra- b) ameace gravemente; ou
sileiro. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, v. 1. c) ridicularize.
10 Ibid.

277
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Art. 18-B. Os pais, os integrantes da família ampliada, I - igualdade de condições para o acesso e perma-
os responsáveis, os agentes públicos executores de medidas nência na escola;
socioeducativas ou qualquer pessoa encarregada de cui- II - direito de ser respeitado por seus educadores;
dar de crianças e de adolescentes, tratá-los, educá-los ou III - direito de contestar critérios avaliativos, podendo
protegê-los que utilizarem castigo físico ou tratamento cruel recorrer às instâncias escolares superiores;
ou degradante como formas de correção, disciplina, educa- IV - direito de organização e participação em entida-
ção ou qualquer outro pretexto estarão sujeitos, sem prejuí- des estudantis;
zo de outras sanções cabíveis, às seguintes medidas, que V - acesso à escola pública e gratuita próxima de sua
serão aplicadas de acordo com a gravidade do caso: residência.
I - encaminhamento a programa oficial ou comunitá- Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter
rio de proteção à família; ciência do processo pedagógico, bem como participar da de-
II - encaminhamento a tratamento psicológico ou finição das propostas educacionais.
psiquiátrico;
III - encaminhamento a cursos ou programas de Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao ado-
orientação; lescente:
IV - obrigação de encaminhar a criança a tratamento I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclu-
especializado; sive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
V - advertência. II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratui-
Parágrafo único.  As medidas previstas neste artigo se- dade ao ensino médio;
rão aplicadas pelo Conselho Tutelar, sem prejuízo de outras III - atendimento educacional especializado aos porta-
providências legais.  dores de deficiência, preferencialmente na rede regular de
ensino;
Os artigos 18-A e 18-B foram incluídos no ECA pela Lei IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de
nº 13.010, de 26 de junho de 2014, que estabelece o direito zero a cinco anos de idade;
da criança e do adolescente de serem educados e cuidados V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesqui-
sem o uso de castigos físicos ou de tratamento cruel ou de- sa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
gradante. Também ficou conhecida como “Lei do Menino VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às
Bernardo”11 e “Lei da Palmada”. condições do adolescente trabalhador;
Em que pesem as aparentes boas intenções da lei no VII - atendimento no ensino fundamental, através de
sentido de evitar situações extremas como a do menino programas suplementares de material didático-escolar,
Bernardo, assassinado após incontáveis ameaças e agres- transporte, alimentação e assistência à saúde.
sões físicas por parte de seus responsáveis, seu conteúdo § 1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é di-
é bastante criticado. Afinal, é claro que a lei coloca todo e reito público subjetivo.
qualquer tipo de agressão física no mesmo patamar. Con- § 2º O não oferecimento do ensino obrigatório pelo po-
siderado o teor da lei, mesmo uma palmada numa criança der público ou sua oferta irregular importa responsabilida-
é proibida. de da autoridade competente.
Os críticos da “Lei da Palmada” apontam que ela adota § 3º Compete ao poder público recensear os educandos
uma posição extrema e impõe uma indevida intervenção no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto
do Estado nos ambientes familiares, retirando o poder dis- aos pais ou responsável, pela frequência à escola.
ciplinar garantido aos pais na educação de seus filhos.
Os defensores da “Lei da Palmada” utilizam estudos de Art. 55. Os pais ou responsável têm a obrigação de ma-
psicólogos e educadores para argumentar que não é ne- tricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino.
cessário utilizar qualquer tipo de agressão física, mesmo a
mais leve, para educar uma criança. Art. 56. Os dirigentes de estabelecimentos de ensino
fundamental comunicarão ao Conselho Tutelar os casos de:
Capítulo IV I - maus-tratos envolvendo seus alunos;
Do Direito à Educação, à Cultura, ao Esporte e ao II - reiteração de faltas injustificadas e de evasão es-
Lazer colar, esgotados os recursos escolares;
III - elevados níveis de repetência.
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educa-
ção, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, pre- Art. 57. O poder público estimulará pesquisas, experiên-
paro para o exercício da cidadania e qualificação para o tra- cias e novas propostas relativas a calendário, seriação, cur-
balho, assegurando-se-lhes: rículo, metodologia, didática e avaliação, com vistas à
inserção de crianças e adolescentes excluídos do ensino fun-
11 O nome da lei é uma homenagem ao menino damental obrigatório.
Bernardo Boldrini, morto em abril de 2014, aos 11 anos,
em Três Passos (RS). Os acusados são o pai e a ma- Art. 58. No processo educacional respeitar-se-ão os valo-
drasta do menino, com ajuda de uma amiga e do irmão res culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social
dela. Segundo as investigações, Bernardo procurou da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a liber-
ajuda para denunciar as ameaças que sofria. dade da criação e o acesso às fontes de cultura.

278
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Art. 59. Os municípios, com apoio dos estados e da IV - encaminhar ao Ministério Público notícia de fato
União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos que constitua infração administrativa ou penal contra os di-
e espaços para programações culturais, esportivas e de reitos da criança ou adolescente;
lazer voltadas para a infância e a juventude. V - encaminhar à autoridade judiciária os casos de sua
competência;
Capítulo I VI - providenciar a medida estabelecida pela autoridade
Disposições Gerais judiciária, dentre as previstas no art. 101, de I a VI, para o
adolescente autor de ato infracional;
Art. 131. O Conselho Tutelar é órgão permanente e au- VII - expedir notificações;
tônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de VIII - requisitar certidões de nascimento e de óbito de
zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adoles- criança ou adolescente quando necessário;
cente, definidos nesta Lei. IX - assessorar o Poder Executivo local na elaboração da
proposta orçamentária para planos e programas de atendi-
Art. 132.  Em cada Município e em cada Região Adminis- mento dos direitos da criança e do adolescente;
trativa do Distrito Federal haverá, no mínimo, 1 (um) Conse- X - representar, em nome da pessoa e da família, contra
lho Tutelar como órgão integrante da administração pública a violação dos direitos previstos no art. 220, § 3º, inciso II, da
local, composto de 5 (cinco) membros, escolhidos pela po- Constituição Federal;
pulação local para mandato de 4 (quatro) anos, permitida XI - representar ao Ministério Público para efeito das
1 (uma) recondução, mediante novo processo de escolha.  ações de perda ou suspensão do poder familiar, após esgota-
das as possibilidades de manutenção da criança ou do ado-
Art. 133. Para a candidatura a membro do Conselho lescente junto à família natural;
Tutelar, serão exigidos os seguintes requisitos: XII - promover e incentivar, na comunidade e nos gru-
I - reconhecida idoneidade moral; pos profissionais, ações de divulgação e treinamento para o
II - idade superior a vinte e um anos; reconhecimento de sintomas de maus-tratos em crianças e
III - residir no município.
adolescentes.
Parágrafo único.  Se, no exercício de suas atribuições, o
Art. 134.  Lei municipal ou distrital disporá sobre o
Conselho Tutelar entender necessário o afastamento do con-
local, dia e horário de funcionamento do Conselho Tu-
vívio familiar, comunicará incontinenti o fato ao Ministério
telar, inclusive quanto à remuneração dos respectivos mem-
Público, prestando-lhe informações sobre os motivos de tal
bros, aos quais é assegurado o direito a:
entendimento e as providências tomadas para a orientação,
I - cobertura previdenciária; 
o apoio e a promoção social da família. 
II - gozo de férias anuais remuneradas, acrescidas de 1/3
(um terço) do valor da remuneração mensal;
III - licença-maternidade; Art. 137. As decisões do Conselho Tutelar somente po-
IV - licença-paternidade;  derão ser revistas pela autoridade judiciária a pedido de
V - gratificação natalina.  quem tenha legítimo interesse.
Parágrafo único.  Constará da lei orçamentária munici-
pal e da do Distrito Federal previsão dos recursos necessários Capítulo III
ao funcionamento do Conselho Tutelar e à remuneração e Da Competência
formação continuada dos conselheiros tutelares.
Art. 138. Aplica-se ao Conselho Tutelar a regra de com-
Art. 135.  O exercício efetivo da função de conselheiro petência constante do art. 147.
constituirá serviço público relevante e estabelecerá presun-
ção de idoneidade moral.  Art. 147. A competência será determinada:
I - pelo domicílio dos pais ou responsável;
Capítulo II II - pelo lugar onde se encontre a criança ou adolescente,
Das Atribuições do Conselho à falta dos pais ou responsável.
§ 1º. Nos casos de ato infracional, será competente a
Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar: autoridade do lugar da ação ou omissão, observadas as
I - atender as crianças e adolescentes nas hipóteses pre- regras de conexão, continência e prevenção.
vistas nos arts. 98 e 105, aplicando as medidas previstas no § 2º A execução das medidas poderá ser delegada à
art. 101, I a VII; autoridade competente da residência dos pais ou respon-
II - atender e aconselhar os pais ou responsável, aplican- sável, ou do local onde sediar-se a entidade que abrigar a
do as medidas previstas no art. 129, I a VII; criança ou adolescente.
III - promover a execução de suas decisões, podendo para § 3º Em caso de infração cometida através de trans-
tanto: missão simultânea de rádio ou televisão, que atinja mais
a) requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educa- de uma comarca, será competente, para aplicação da pe-
ção, serviço social, previdência, trabalho e segurança; nalidade, a autoridade judiciária do local da sede estadual
b) representar junto à autoridade judiciária nos casos de da emissora ou rede, tendo a sentença eficácia para todas
descumprimento injustificado de suas deliberações. as transmissoras ou retransmissoras do respectivo estado.

279
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes


BRASIL. LEI FEDERAL N° 9.394, DE 20/12/96 princípios:
- ESTABELECE AS DIRETRIZES E BASES DA I - igualdade de condições para o acesso e permanência
EDUCAÇÃO NACIONAL (ATUALIZADA). na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a
cultura, o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
A lei estudada neste tópico, provavelmente a mais IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;
relevante deste edital, tanto que é repetida em dois ou- V - coexistência de instituições públicas e privadas de
tros tópicos, “estabelece as diretrizes e bases da educa- ensino;
ção nacional”. Data de 20 de dezembro de 2016, tendo VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos
sido promulgada pelo ex-presidente Fernando Henrique oficiais;
Cardoso, mas já passou por inúmeras alterações desde VII - valorização do profissional da educação escolar;
então. Partamos para o comentário em bloco de seus dis- VIII - gestão democrática do ensino público, na forma
positivos: desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino;
IX - garantia de padrão de qualidade;
X - valorização da experiência extraescolar;
TÍTULO I
XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as
Da Educação
práticas sociais.
XII - consideração com a diversidade étnico-racial.
Art. 1º A educação abrange os processos formativos
XIII - garantia do direito à educação e à aprendizagem
que se desenvolvem na vida familiar, na convivência hu- ao longo da vida.
mana, no trabalho, nas instituições de ensino e pes-
quisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade A educação escolar deve permitir a formação do cida-
civil e nas manifestações culturais. dão e do trabalhador: uma pessoa que consiga se inserir no
§ 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se de- mercado de trabalho e ter noções adequadas de cidada-
senvolve, predominantemente, por meio do ensino, em ins- nia e solidariedade no convívio social. Entre os princípios,
tituições próprias. trabalha-se com o direito de acesso à educação de quali-
§ 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo dade (gratuita nos estabelecimentos públicos), a liberdade
do trabalho e à prática social. nas atividades de ensino em geral (tanto para o educador
quanto para o educado), a valorização do professor, o in-
O primeiro artigo da LDB estabelece que a educação centivo à educação informal e o respeito às diversidades de
é um processo que não se dá exclusivamente nas escolas. ideias, gêneros, raça e cor.
Trata-se da clássica distinção entre educação formal e não
formal ou informal: “A educação formal é aquela desenvol- TÍTULO III
vida nas escolas, com conteúdos previamente demarca- Do Direito à Educação e do Dever de Educar
dos; a informal como aquela que os indivíduos aprendem
durante seu processo de socialização - na família, bairro, Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública
clube, amigos, etc., carregada de valores e cultura própria, será efetivado mediante a garantia de:
de pertencimento e sentimentos herdados; e a educação I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4
não formal é aquela que se aprende ‘no mundo da vida’, (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, organizada da
via os processos de compartilhamento de experiências, seguinte forma:
principalmente em espaços e ações coletivas cotidianas”12. a) pré-escola;
A LDB disciplina apenas a educação escolar, ou seja, a edu- b) ensino fundamental;
cação formal, que não exclui o papel das famílias e das c) ensino médio;
II - educação infantil gratuita às crianças de até 5
comunidades na educação informal.
(cinco) anos de idade;
III - atendimento educacional especializado gratuito
TÍTULO II
aos educandos com deficiência, transtornos globais do
Dos Princípios e Fins da Educação Nacional desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, trans-
versal a todos os níveis, etapas e modalidades, preferencial-
Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, mente na rede regular de ensino;
inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de so- IV - acesso público e gratuito aos ensinos fundamen-
lidariedade humana, tem por finalidade o pleno desen- tal e médio para todos os que não os concluíram na idade
volvimento do educando, seu preparo para o exercício da própria;
cidadania e sua qualificação para o trabalho. V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da
pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de
12 GOHN, Maria da Glória. Educação não-formal, participação
cada um;
da sociedade civil e estruturas colegiadas nas escolas. Ensaio: aval. VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às
pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, v. 14, n. 50, p. 27-38, jan./mar. 2006. condições do educando;

280
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

VII - oferta de educação escolar regular para jovens e adul- Conforme se percebe pelo artigo 4º, divide-se em eta-
tos, com características e modalidades adequadas às suas ne- pas a formação escolar, nos seguintes termos:
cessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem tra- - A educação básica é obrigatória e gratuita. Envolve a
balhadores as condições de acesso e permanência na escola; pré-escola, o ensino fundamental e o ensino médio. A edu-
VIII - atendimento ao educando, em todas as etapas da cação infantil deve ser garantida próxima à residência. Com
educação básica, por meio de programas suplementares efeito, existe a garantia do direito à creche gratuita. No
de material didático-escolar, transporte, alimentação e mais, pessoas fora da idade escolar que queiram completar
assistência à saúde; seus estudos têm direito ao ensino fundamental e médio.
IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, defini- - A educação superior envolve os níveis mais elevados
dos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de do ensino, da pesquisa e da criação artística, devendo ser
insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de acessível conforme a capacidade de cada um.
ensino-aprendizagem. - Neste contexto, devem ser assegurados programas
X - vaga na escola pública de educação infantil ou de suplementares de material didático-escolar, transporte, ali-
ensino fundamental mais próxima de sua residência a mentação e assistência à saúde.
toda criança a partir do dia em que completar 4 (quatro) O artigo 5º reitera a gratuidade e obrigatoriedade do
anos de idade. ensino básico e assegura a possibilidade de se buscar judi-
cialmente a garantia deste direito em caso de negativa pelo
Art. 5º O acesso à educação básica obrigatória é direi- poder público. Será possível fazê-lo por meio de mandado
to público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de de segurança ou ação civil pública. Além da judicialização
cidadãos, associação comunitária, organização sindical, en- para fazer valer o direito na esfera cível, cabe em caso de
tidade de classe ou outra legalmente constituída e, ainda, o negligência o acionamento na esfera penal, buscando-se a
Ministério Público, acionar o poder público para exigi-lo. punição por crime de responsabilidade.
§ 1º O poder público, na esfera de sua competência Adiante, coloca-se o dever dos pais ou responsáveis
federativa, deverá: efetuar a matrícula da criança.
I - recensear anualmente as crianças e adolescentes em Por fim, o artigo 7º estabelece a possibilidade do en-
idade escolar, bem como os jovens e adultos que não con- sino particular, desde que sejam respeitadas as normas da
cluíram a educação básica; educação nacional, autorizado o funcionamento pelo po-
II - fazer-lhes a chamada pública; der público e que tenha possibilidade de se manter inde-
III - zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência pendentemente de auxílio estatal, embora exista previsão
à escola. de tais auxílios em circunstâncias determinadas descritas
§ 2º Em todas as esferas administrativas, o Poder Públi- no artigo 213, CF.
co assegurará em primeiro lugar o acesso ao ensino obri-
gatório, nos termos deste artigo, contemplando em segui- TÍTULO IV
da os demais níveis e modalidades de ensino, conforme as Da Organização da Educação Nacional
prioridades constitucionais e legais.
§ 3º Qualquer das partes mencionadas no caput deste Art. 8º A União, os Estados, o Distrito Federal e os
artigo tem legitimidade para peticionar no Poder Judiciário, Municípios organizarão, em regime de colaboração, os
na hipótese do § 2º do art. 208 da Constituição Federal, respectivos sistemas de ensino.
sendo gratuita e de rito sumário a ação judicial correspon- § 1º Caberá à União a coordenação da política nacional
dente. de educação, articulando os diferentes níveis e sistemas e
§ 4º Comprovada a negligência da autoridade compe- exercendo função normativa, redistributiva e supletiva
tente para garantir o oferecimento do ensino obrigatório, em relação às demais instâncias educacionais.
poderá ela ser imputada por crime de responsabilidade. § 2º Os sistemas de ensino terão liberdade de organi-
§ 5º Para garantir o cumprimento da obrigatoriedade zação nos termos desta Lei.
de ensino, o Poder Público criará formas alternativas de
acesso aos diferentes níveis de ensino, independentemente Art. 9º A União incumbir-se-á de:
da escolarização anterior. I - elaborar o Plano Nacional de Educação, em cola-
boração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;
Art. 6º É dever dos pais ou responsáveis efetuar a II - organizar, manter e desenvolver os órgãos e institui-
matrícula das crianças na educação básica a partir dos 4 ções oficiais do sistema federal de ensino e o dos Territórios;
(quatro) anos de idade. III - prestar assistência técnica e financeira aos Es-
tados, ao Distrito Federal e aos Municípios para o desen-
Art. 7º O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas volvimento de seus sistemas de ensino e o atendimento
as seguintes condições: prioritário à escolaridade obrigatória, exercendo sua função
I - cumprimento das normas gerais da educação nacio- redistributiva e supletiva;
nal e do respectivo sistema de ensino; IV - estabelecer, em colaboração com os Estados, o Dis-
II - autorização de funcionamento e avaliação de quali- trito Federal e os Municípios, competências e diretrizes
dade pelo Poder Público; para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino
III - capacidade de autofinanciamento, ressalvado o pre- médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos míni-
visto no art. 213 da Constituição Federal. mos, de modo a assegurar formação básica comum;

281
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

IV-A - estabelecer, em colaboração com os Estados, o Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de:
Distrito Federal e os Municípios, diretrizes e procedimen- I - organizar, manter e desenvolver os órgãos e insti-
tos para identificação, cadastramento e atendimento, na tuições oficiais dos seus sistemas de ensino, integrando-os
educação básica e na educação superior, de alunos com al- às políticas e planos educacionais da União e dos Estados;
tas habilidades ou superdotação; II - exercer ação redistributiva em relação às suas es-
V - coletar, analisar e disseminar informações sobre a colas;
educação; III - baixar normas complementares para o seu siste-
 VI - assegurar processo nacional de avaliação do ma de ensino;
rendimento escolar no ensino fundamental, médio e supe- IV - autorizar, credenciar e supervisionar os estabele-
rior, em colaboração com os sistemas de ensino, objetivan- cimentos do seu sistema de ensino;
do a definição de prioridades e a melhoria da qualidade do V - oferecer a educação infantil em creches e pré-
ensino; -escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, per-
VII - baixar normas gerais sobre cursos de graduação mitida a atuação em outros níveis de ensino somente quan-
e pós-graduação; do estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua
 VIII - assegurar processo nacional de avaliação das área de competência e com recursos acima dos percentuais
instituições de educação superior, com a cooperação dos mínimos vinculados pela Constituição Federal à manuten-
sistemas que tiverem responsabilidade sobre este nível de ção e desenvolvimento do ensino.
ensino; VI - assumir o transporte escolar dos alunos da rede
IX - autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar municipal.
e avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de Parágrafo único. Os Municípios poderão optar, ainda,
educação superior e os estabelecimentos do seu sistema de por se integrar ao sistema estadual de ensino ou compor
ensino. com ele um sistema único de educação básica.
§ 1º Na estrutura educacional, haverá um Conselho Na-
cional de Educação, com funções normativas e de supervi- Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as
são e atividade permanente, criado por lei. normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a in-
§ 2° Para o cumprimento do disposto nos incisos V a cumbência de:
I - elaborar e executar sua proposta pedagógica;
IX, a União terá acesso a todos os dados e informações
II - administrar seu pessoal e seus recursos materiais e
necessários de todos os estabelecimentos e órgãos edu-
financeiros;
cacionais.
III - assegurar o cumprimento dos dias letivos e horas-
§ 3º As atribuições constantes do inciso IX poderão
-aula estabelecidas;
ser delegadas aos Estados e ao Distrito Federal, desde que
IV - velar pelo cumprimento do plano de trabalho de
mantenham instituições de educação superior.
cada docente;
V - prover meios para a recuperação dos alunos de
Art. 10. Os Estados incumbir-se-ão de: menor rendimento;
I - organizar, manter e desenvolver os órgãos e institui- VI - articular-se com as famílias e a comunidade,
ções oficiais dos seus sistemas de ensino; criando processos de integração da sociedade com a escola;
II - definir, com os Municípios, formas de colaboração VII - informar pai e mãe, conviventes ou não com seus
na oferta do ensino fundamental, as quais devem assegurar filhos, e, se for o caso, os responsáveis legais, sobre a fre-
a distribuição proporcional das responsabilidades, de acordo quência e rendimento dos alunos, bem como sobre a exe-
com a população a ser atendida e os recursos financeiros cução da proposta pedagógica da escola;
disponíveis em cada uma dessas esferas do Poder Público; VIII - notificar ao Conselho Tutelar do Município, ao juiz
III - elaborar e executar políticas e planos educacio- competente da Comarca e ao respectivo representante do
nais, em consonância com as diretrizes e planos nacionais Ministério Público a relação dos alunos que apresentem
de educação, integrando e coordenando as suas ações e as quantidade de faltas acima de cinquenta por cento do
dos seus Municípios; percentual permitido em lei.
IV - autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e IX - promover medidas de conscientização, de prevenção
avaliar, respectivamente, os cursos das instituições de edu- e de combate a todos os tipos de violência, especialmente a
cação superior e os estabelecimentos do seu sistema de en- intimidação sistemática (bullying), no âmbito das escolas;
sino; X - estabelecer ações destinadas a promover a cultura
V - baixar normas complementares para o seu sistema de paz nas escolas.     
de ensino;
VI - assegurar o ensino fundamental e oferecer, com Art. 13. Os docentes incumbir-se-ão de:
prioridade, o ensino médio a todos que o demandarem, I - participar da elaboração da proposta pedagógica do
respeitado o disposto no art. 38 desta Lei;  estabelecimento de ensino;
VII - assumir o transporte escolar dos alunos da rede II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a
estadual. proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;
Parágrafo único. Ao Distrito Federal aplicar-se-ão as III - zelar pela aprendizagem dos alunos;
competências referentes aos Estados e aos Municípios. IV - estabelecer estratégias de recuperação para os
alunos de menor rendimento;

282
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

V - ministrar os dias letivos e horas-aula estabeleci- Art. 20. As instituições privadas de ensino se enqua-
dos, além de participar integralmente dos períodos dedi- drarão nas seguintes categorias:
cados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento I - particulares em sentido estrito, assim entendidas as
profissional; que são instituídas e mantidas por uma ou mais pessoas fí-
VI - colaborar com as atividades de articulação da es- sicas ou jurídicas de direito privado que não apresentem as
cola com as famílias e a comunidade. características dos incisos abaixo;
II - comunitárias, assim entendidas as que são insti-
Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da tuídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais
gestão democrática do ensino público na educação bá- pessoas jurídicas, inclusive cooperativas educacionais, sem
sica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os fins lucrativos, que incluam na sua entidade mantenedora
seguintes princípios: representantes da comunidade;
I - participação dos profissionais da educação na elabo- III - confessionais, assim entendidas as que são insti-
ração do projeto pedagógico da escola; tuídas por grupos de pessoas físicas ou por uma ou mais
II - participação das comunidades escolar e local em pessoas jurídicas que atendem a orientação confessional e
ideologia específicas e ao disposto no inciso anterior;
conselhos escolares ou equivalentes.
IV - filantrópicas, na forma da lei.
Art. 15. Os sistemas de ensino assegurarão às unidades
A LDB estabelece um regime de colaboração entre as
escolares públicas de educação básica que os integram pro-
entidades de ensino nas esferas federativas diversas, no en-
gressivos graus de autonomia pedagógica e administra- tanto, coloca competência à União de encabeçar e coorde-
tiva e de gestão financeira, observadas as normas gerais nar os sistemas de ensino. Tal papel de liderança, descrito
de direito financeiro público. no artigo 9º, envolve poderes de regulação e de controle,
autorizando funcionamento ou suspendendo-o, realizando
Art. 16. O sistema federal de ensino compreende:  avaliação constante de desempenho, entre outros deveres.
I - as instituições de ensino mantidas pela União; Uma nota interessante é reparar que o artigo 10 esta-
II - as instituições de educação superior criadas e manti- belece o dever dos Estados de garantir a educação no en-
das pela iniciativa privada; sino fundamental e priorizar a educação no ensino médio,
III - os órgãos federais de educação. ao passo que o artigo 11 coloca o dever dos municípios
de garantir a educação infantil e priorizar a educação fun-
Art. 17. Os sistemas de ensino dos Estados e do Dis- damental. É possível, ainda, integrar educação municipal e
trito Federal compreendem: estadual em um sistema único.
I - as instituições de ensino mantidas, respectivamente, Quanto às questões pedagógicas e de gestão dos es-
pelo Poder Público estadual e pelo Distrito Federal; tabelecimentos de ensino, incumbe a eles próprios, em in-
II - as instituições de educação superior mantidas pelo tegração com seus docentes. Este processo de interação
Poder Público municipal; entre instituição e docente, bem como destes com a co-
III - as instituições de ensino fundamental e médio cria- munidade local, é conhecido como gestão democrática.
das e mantidas pela iniciativa privada;
IV - os órgãos de educação estaduais e do Distrito Fede- TÍTULO V
ral, respectivamente. Dos Níveis e das Modalidades de Educação e Ensi-
Parágrafo único. No Distrito Federal, as instituições de no
educação infantil, criadas e mantidas pela iniciativa privada,
integram seu sistema de ensino. CAPÍTULO I
Da Composição dos Níveis Escolares
Art. 18. Os sistemas municipais de ensino compreen-
Art. 21. A educação escolar compõe-se de:
dem:
I - educação básica, formada pela educação infantil,
I - as instituições do ensino fundamental, médio e de
ensino fundamental e ensino médio;
educação infantil mantidas pelo Poder Público municipal;
II - educação superior.
II - as instituições de educação infantil criadas e manti-
das pela iniciativa privada; CAPÍTULO II
III - os órgãos municipais de educação. DA EDUCAÇÃO BÁSICA

Art. 19. As instituições de ensino dos diferentes ní- Seção I


veis classificam-se nas seguintes categorias administrativas: Das Disposições Gerais
I - públicas, assim entendidas as criadas ou incorpora-
das, mantidas e administradas pelo Poder Público; Art. 22. A educação básica tem por finalidades desen-
II - privadas, assim entendidas as mantidas e adminis- volver o educando, assegurar-lhe a formação comum in-
tradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado. dispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe
meios para progredir no trabalho e em estudos posteriores.

283
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Art. 23. A educação básica poderá organizar-se em sé- VI - o controle de frequência fica a cargo da escola,
ries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância re- conforme o disposto no seu regimento e nas normas do res-
gular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com pectivo sistema de ensino, exigida a frequência mínima de
base na idade, na competência e em outros critérios, ou por setenta e cinco por cento do total de horas letivas para
forma diversa de organização, sempre que o interesse do aprovação;
processo de aprendizagem assim o recomendar. VII - cabe a cada instituição de ensino expedir histó-
§ 1º A escola poderá reclassificar os alunos, inclusive ricos escolares, declarações de conclusão de série e di-
quando se tratar de transferências entre estabelecimentos plomas ou certificados de conclusão de cursos, com as
situados no País e no exterior, tendo como base as normas especificações cabíveis.
curriculares gerais. § 1º A carga horária mínima anual de que trata o in-
§ 2º O calendário escolar deverá adequar-se às pecu- ciso I do caput deverá ser ampliada de forma progressiva,
liaridades locais, inclusive climáticas e econômicas, a cri- no ensino médio, para mil e quatrocentas horas, devendo
tério do respectivo sistema de ensino, sem com isso reduzir o os sistemas de ensino oferecer, no prazo máximo de cinco
número de horas letivas previsto nesta Lei. anos, pelo menos mil horas anuais de carga horária, a partir
de 2 de março de 2017.
Art. 24. A educação básica, nos níveis fundamental e § 2º Os sistemas de ensino disporão sobre a oferta de
médio, será organizada de acordo com as seguintes regras educação de jovens e adultos e de ensino noturno regular,
comuns: adequado às condições do educando, conforme o inciso
I - a carga horária mínima anual será de oitocentas VI do art. 4º.
horas para o ensino fundamental e para o ensino médio, Art. 25. Será objetivo permanente das autoridades res-
distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo tra- ponsáveis alcançar relação adequada entre o número de
balho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais, alunos e o professor, a carga horária e as condições ma-
quando houver; ; teriais do estabelecimento.
II - a classificação em qualquer série ou etapa, exceto a Parágrafo único. Cabe ao respectivo sistema de ensino,
primeira do ensino fundamental, pode ser feita: à vista das condições disponíveis e das características regio-
a) por promoção, para alunos que cursaram, com apro- nais e locais, estabelecer parâmetro para atendimento do
veitamento, a série ou fase anterior, na própria escola; disposto neste artigo.
b) por transferência, para candidatos procedentes de
outras escolas; Art. 26. Os currículos da educação infantil, do ensino
c) independentemente de escolarização anterior, me- fundamental e do ensino médio devem ter base nacional
diante avaliação feita pela escola, que defina o grau de comum, a ser complementada, em cada sistema de ensino e
desenvolvimento e experiência do candidato e permita sua em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversifica-
inscrição na série ou etapa adequada, conforme regulamen- da, exigida pelas características regionais e locais da socie-
tação do respectivo sistema de ensino; dade, da cultura, da economia e dos educandos.
III - nos estabelecimentos que adotam a progressão re- § 1º Os currículos a que se refere o caput devem abran-
gular por série, o regimento escolar pode admitir formas de ger, obrigatoriamente, o estudo da língua portuguesa e
progressão parcial, desde que preservada a sequência do da matemática, o conhecimento do mundo físico e na-
currículo, observadas as normas do respectivo sistema de tural e da realidade social e política, especialmente da
ensino; República Federativa do Brasil, observado, na educação in-
IV - poderão organizar-se classes, ou turmas, com alu- fantil, o disposto no art. 31, no ensino fundamental, o dis-
nos de séries distintas, com níveis equivalentes de adianta- posto no art. 32, e no ensino médio, o disposto no art. 36.
mento na matéria, para o ensino de línguas estrangeiras, § 2º O ensino da arte, especialmente em suas expres-
artes, ou outros componentes curriculares; sões regionais, constituirá componente curricular obrigató-
V - a verificação do rendimento escolar observará os se- rio da educação básica.
guintes critérios: § 3º A educação física, integrada à proposta pedagó-
a) avaliação contínua e cumulativa do desempenho gica da escola, é componente curricular obrigatório da edu-
do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os cação infantil e do ensino fundamental, sendo sua prática
quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os facultativa ao aluno:
de eventuais provas finais; I - que cumpra jornada de trabalho igual ou superior a
b) possibilidade de aceleração de estudos para alunos seis horas;
com atraso escolar; II - maior de trinta anos de idade;
c) possibilidade de avanço nos cursos e nas séries me- III - que estiver prestando serviço militar inicial ou que,
diante verificação do aprendizado; em situação similar, estiver obrigado à prática da educação
d) aproveitamento de estudos concluídos com êxito; física;
e) obrigatoriedade de estudos de recuperação, de pre- IV - amparado pelo Decreto-Lei no 1.044, de 21 de ou-
ferência paralelos ao período letivo, para os casos de baixo tubro de 1969;
rendimento escolar, a serem disciplinados pelas instituições V - (VETADO);
de ensino em seus regimentos; VI - que tenha prole.

284
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

§ 4º O ensino da História do Brasil levará em conta as Art. 28. Na oferta de educação básica para a popula-
contribuições das diferentes culturas e etnias para a forma- ção rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações
ção do povo brasileiro, especialmente das matrizes indí- necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural
gena, africana e europeia. e de cada região, especialmente:
§ 5o No currículo do ensino fundamental, a partir do I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas
sexto ano, será ofertada a língua inglesa. às reais necessidades e interesses dos alunos da zona rural;
§ 6o As artes visuais, a dança, a música e o teatro II - organização escolar própria, incluindo adequação do
são as linguagens que constituirão o componente curricu- calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições
lar de que trata o § 2o deste artigo. climáticas;
§ 7º A integralização curricular poderá incluir, a crité- III - adequação à natureza do trabalho na zona rural.
rio dos sistemas de ensino, projetos e pesquisas envolven- Parágrafo único.   O fechamento de escolas do campo,
do os temas transversais de que trata o caput. indígenas e quilombolas será precedido de manifestação do
§ 8º A exibição de filmes de produção nacional cons-
órgão normativo do respectivo sistema de ensino, que consi-
tituirá componente curricular complementar integrado à
derará a justificativa apresentada pela Secretaria de Educa-
proposta pedagógica da escola, sendo a sua exibição obri-
ção, a análise do diagnóstico do impacto da ação e a mani-
gatória por, no mínimo, 2 (duas) horas mensais. 
festação da comunidade escolar.
§ 9o  Conteúdos relativos aos direitos humanos e
à prevenção de todas as formas de violência contra
a criança e o adolescente serão incluídos, como te- A educação básica tem por papel a formação da base
mas transversais, nos currículos escolares de que trata do educado.
o  caput deste artigo, tendo como diretriz a Lei no 8.069, Os critérios para mudança de série podem ser promo-
de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adoles- ção (aprovação em etapa anterior), transferência (candida-
cente), observada a produção e distribuição de material tos de outras escolas) e avaliação (análise da experiência e
didático adequado.  desenvolvimento do candidato). O ensino poderá ser ace-
§ 10. A inclusão de novos componentes curriculares lerado caso necessário. Nas situações de alunos que não
de caráter obrigatório na Base Nacional Comum Curri- acompanhem seu ritmo, deverá ser garantida recuperação.
cular dependerá de aprovação do Conselho Nacional de Exige-se, além do desempenho, a frequência de 75%,
Educação e de homologação pelo Ministro de Estado da no mínimo, para aprovação.
Educação. O currículo da educação básica segue uma base na-
cional comum. Devem abranger língua portuguesa e da
Art. 26-A.  Nos estabelecimentos de ensino fundamen- matemática, o conhecimento do mundo físico e natural e
tal e de ensino médio, públicos e privados, torna-se obri- da realidade social e política. A educação física deve ser
gatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e oferecida obrigatoriamente, mas é facultativa ao aluno em
indígena. certas situações, como de trabalho, serviço militar, idade
§ 1o  O conteúdo programático a que se refere este ar- superior a 30 anos. Em respeito ao pluralismo, deve consi-
tigo incluirá diversos aspectos da história e da cultura que derar as matrizes indígena, africana e europeia como temas
caracterizam a formação da população brasileira, a partir transversais. Ainda em tal condição, cabe o aprendizado de
desses dois grupos étnicos, tais como o estudo da história Conteúdos relativos aos direitos humanos e à prevenção
da África e dos africanos, a luta dos negros e dos povos de todas as formas de violência contra a criança e o ado-
indígenas no Brasil, a cultura negra e indígena brasileira e lescente. É obrigatório o estudo da história e cultura afro-
o negro e o índio na formação da sociedade nacional, res- -brasileira e indígena. Ainda, a educação deve considerar
gatando as suas contribuições nas áreas social, econômica
as peculiaridades da zona rural quando nela for ministrada.
e política, pertinentes à história do Brasil. 
§ 2o Os conteúdos referentes à história e cultura afro-
Seção II
-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão minis-
Da Educação Infantil
trados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial
nas áreas de educação artística e de literatura e história
brasileiras. Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educa-
ção básica, tem como finalidade o desenvolvimento inte-
Art. 27. Os conteúdos curriculares da educação básica gral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos
observarão, ainda, as seguintes diretrizes: físico, psicológico, intelectual e social, complementando a
I - a difusão de valores fundamentais ao interesse so- ação da família e da comunidade.
cial, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao bem
comum e à ordem democrática; Art. 30. A educação infantil será oferecida em:
II - consideração das condições de escolaridade dos I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças de
alunos em cada estabelecimento; até três anos de idade;
III - orientação para o trabalho; II - pré-escolas, para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cin-
IV - promoção do desporto educacional e apoio às prá- co) anos de idade.
ticas desportivas não-formais.

285
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Art. 31. A educação infantil será organizada de acordo Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa,
com as seguintes regras comuns: é parte integrante da formação básica do cidadão e cons-
I - avaliação mediante acompanhamento e registro do titui disciplina dos horários normais das escolas públicas
desenvolvimento das crianças, sem o objetivo de promoção, de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversida-
mesmo para o acesso ao ensino fundamental; de cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de
II - carga horária mínima anual de 800 (oitocentas) ho- proselitismo.
ras, distribuída por um mínimo de 200 (duzentos) dias de tra- § 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedi-
balho educacional; mentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso
III - atendimento à criança de, no mínimo, 4 (quatro) ho- e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão
ras diárias para o turno parcial e de 7 (sete) horas para a dos professores.
jornada integral; § 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, cons-
IV - controle de frequência pela instituição de educação tituída pelas diferentes denominações religiosas, para a de-
pré-escolar, exigida a frequência mínima de 60% (sessenta finição dos conteúdos do ensino religioso.
por cento) do total de horas;
V - expedição de documentação que permita atestar os Art. 34. A jornada escolar no ensino fundamental inclui-
processos de desenvolvimento e aprendizagem da criança. rá pelo menos quatro horas de trabalho efetivo em sala
de aula, sendo progressivamente ampliado o período de
A educação infantil é ministrada em creches até os 3 permanência na escola.
anos de idade e em pré-escolas dos 3 aos 5 anos de idade.
§ 1º São ressalvados os casos do ensino noturno e das
formas alternativas de organização autorizadas nesta Lei.
Seção III
§ 2º O ensino fundamental será ministrado progres-
Do Ensino Fundamental
sivamente em tempo integral, a critério dos sistemas de
Art. 32. O ensino fundamental obrigatório, com dura- ensino.
ção de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, iniciando-
-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação O ensino fundamental inicia-se aos 6 anos de idade e
básica do cidadão, mediante: tem duração de 9 anos. Além de objetivar a alfabetização,
I - o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo também incentiva a formação do cidadão, da pessoa em
como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e contato com o mundo que o cerca estabelecendo vínculos
do cálculo; de solidariedade e amizade. O ensino fundamental deve
II - a compreensão do ambiente natural e social, do siste- ser presencial, em regra. O ensino religioso é facultativo. A
ma político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se carga horária diária é de no mínimo 4 horas.
fundamenta a sociedade;
III - o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, Seção IV
tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e Do Ensino Médio
a formação de atitudes e valores;
IV - o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços Art. 35. O ensino médio, etapa final da educação bá-
de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se sica, com duração mínima de três anos, terá como finali-
assenta a vida social. dades:
§ 1º É facultado aos sistemas de ensino desdobrar o I - a consolidação e o aprofundamento dos conhecimen-
ensino fundamental em ciclos. tos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o pros-
§ 2º Os estabelecimentos que utilizam progressão regu- seguimento de estudos;
lar por série podem adotar no ensino fundamental o regi- II - a preparação básica para o trabalho e a cidadania do
me de progressão continuada, sem prejuízo da avaliação do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz
processo de ensino-aprendizagem, observadas as normas de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupa-
do respectivo sistema de ensino.
ção ou aperfeiçoamento posteriores;
§ 3º O ensino fundamental regular será ministrado em
III - o aprimoramento do educando como pessoa hu-
língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas a
mana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da
utilização de suas línguas maternas e processos próprios de
aprendizagem. autonomia intelectual e do pensamento crítico;
§ 4º O ensino fundamental será presencial, sendo o en- IV - a compreensão dos fundamentos científico-tecnoló-
sino a distância utilizado como complementação da aprendi- gicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a
zagem ou em situações emergenciais. prática, no ensino de cada disciplina.
§ 5º O currículo do ensino fundamental incluirá, obri-
gatoriamente, conteúdo que trate dos direitos das crianças Art. 35-A. A Base Nacional Comum Curricular defi-
e dos adolescentes, tendo como diretriz a Lei nº 8.069, de nirá direitos e objetivos de aprendizagem do ensino médio,
13 de julho de 1990, que institui o Estatuto da Criança e conforme diretrizes do Conselho Nacional de Educação, nas
do Adolescente, observada a produção e distribuição de seguintes áreas do conhecimento:
material didático adequado. I - linguagens e suas tecnologias;
§ 6º O estudo sobre os símbolos nacionais será incluído II - matemática e suas tecnologias;
como tema transversal nos currículos do ensino fundamental. III - ciências da natureza e suas tecnologias;
IV - ciências humanas e sociais aplicadas.

286
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

§ 1º A parte diversificada dos currículos de que trata § 4º (Revogado)


o caput do art. 26, definida em cada sistema de ensino, de- § 5º Os sistemas de ensino, mediante disponibilidade de
verá estar harmonizada à Base Nacional Comum Curricu- vagas na rede, possibilitarão ao aluno concluinte do ensino
lar e ser articulada a partir do contexto histórico, econômico, médio cursar mais um itinerário formativo de que trata o
social, ambiental e cultural. caput.
§ 2º A Base Nacional Comum Curricular referente ao § 6º A critério dos sistemas de ensino, a oferta de forma-
ensino médio incluirá obrigatoriamente estudos e práti- ção com ênfase técnica e profissional considerará:
cas de educação física, arte, sociologia e filosofia. I - a inclusão de vivências práticas de trabalho no setor
§ 3º O ensino da língua portuguesa e da matemática produtivo ou em ambientes de simulação, estabelecendo par-
será obrigatório nos três anos do ensino médio, assegurada cerias e fazendo uso, quando aplicável, de instrumentos esta-
às comunidades indígenas, também, a utilização das respec- belecidos pela legislação sobre aprendizagem profissional;
tivas línguas maternas. II - a possibilidade de concessão de certificados interme-
§ 4º Os currículos do ensino médio incluirão, obriga- diários de qualificação para o trabalho, quando a formação for
toriamente, o estudo da língua inglesa e poderão ofertar estruturada e organizada em etapas com terminalidade.
outras línguas estrangeiras, em caráter optativo, preferen- § 7º A oferta de formações experimentais relacionadas
cialmente o espanhol, de acordo com a disponibilidade de ao inciso V do caput, em áreas que não constem do Catálogo
oferta, locais e horários definidos pelos sistemas de ensino. Nacional dos Cursos Técnicos, dependerá, para sua continui-
§ 5º A carga horária destinada ao cumprimento da Base dade, do reconhecimento pelo respectivo Conselho Estadual
Nacional Comum Curricular não poderá ser superior a mil de Educação, no prazo de três anos, e da inserção no Catá-
e oitocentas horas do total da carga horária do ensino logo Nacional dos Cursos Técnicos, no prazo de cinco anos,
médio, de acordo com a definição dos sistemas de ensino. contados da data de oferta inicial da formação.
§ 6º A União estabelecerá os padrões de desempenho § 8º A oferta de formação técnica e profissional a que se
esperados para o ensino médio, que serão referência nos refere o inciso V do caput, realizada na própria instituição ou
processos nacionais de avaliação, a partir da Base Nacional em parceria com outras instituições, deverá ser aprovada pre-
Comum Curricular. viamente pelo Conselho Estadual de Educação, homologada
§ 7º Os currículos do ensino médio deverão considerar a pelo Secretário Estadual de Educação e certificada pelos sis-
formação integral do aluno, de maneira a adotar um traba- temas de ensino.
lho voltado para a construção de seu projeto de vida e para sua § 9º As instituições de ensino emitirão certificado com
formação nos aspectos físicos, cognitivos e socioemocionais. validade nacional, que habilitará o concluinte do ensino mé-
§ 8º Os conteúdos, as metodologias e as formas de
dio ao prosseguimento dos estudos em nível superior ou em
avaliação processual e formativa serão organizados nas re-
outros cursos ou formações para os quais a conclusão do
des de ensino por meio de atividades teóricas e práticas,
ensino médio seja etapa obrigatória.
provas orais e escritas, seminários, projetos e atividades
§ 10. Além das formas de organização previstas no art.
on-line, de tal forma que ao final do ensino médio o edu-
23, o ensino médio poderá ser organizado em módulos e
cando demonstre:
adotar o sistema de créditos com terminalidade específica.
I - domínio dos princípios científicos e tecnológicos que
§ 11. Para efeito de cumprimento das exigências curricu-
presidem a produção moderna;
II - conhecimento das formas contemporâneas de lin- lares do ensino médio, os sistemas de ensino poderão reco-
guagem. nhecer competências e firmar convênios com instituições de
educação a distância com notório reconhecimento, mediante
Art. 36. O currículo do ensino médio será composto as seguintes formas de comprovação:
pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários I - demonstração prática;
formativos, que deverão ser organizados por meio da ofer- II - experiência de trabalho supervisionado ou outra expe-
ta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância riência adquirida fora do ambiente escolar;
para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de en- III - atividades de educação técnica oferecidas em outras
sino, a saber: instituições de ensino credenciadas;
I - linguagens e suas tecnologias; IV - cursos oferecidos por centros ou programas ocupa-
II - matemática e suas tecnologias; cionais;
III - ciências da natureza e suas tecnologias; V - estudos realizados em instituições de ensino nacionais
IV - ciências humanas e sociais aplicadas; ou estrangeiras;
V - formação técnica e profissional. VI - cursos realizados por meio de educação a distância ou
§ 1º A organização das áreas de que trata o caput e das educação presencial mediada por tecnologias.
respectivas competências e habilidades será feita de acor- § 12. As escolas deverão orientar os alunos no processo
do com critérios estabelecidos em cada sistema de ensino. de escolha das áreas de conhecimento ou de atuação profis-
§ 2º (Revogado) sional previstas no caput.
§ 3º A critério dos sistemas de ensino, poderá ser
composto itinerário formativo integrado, que se traduz na A etapa final do ensino médio tem a duração de três anos
composição de componentes curriculares da Base Nacio- e busca fornecer a consolidação e o aprofundamento dos
nal Comum Curricular - BNCC e dos itinerários formativos, conhecimentos transmitidos no ensino fundamental, com a
considerando os incisos I a V do caput. devida atenção a conhecimentos que permitam o ingresso

287
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

do aluno no ensino universitário e na carreira de trabalho. I - integrada, oferecida somente a quem já tenha con-
Neste ponto, a LDB sofreu alterações recentes pela Medi- cluído o ensino fundamental, sendo o curso planejado de
da Provisória nº 746/2016, convertida na Lei nº 13.415, de modo a conduzir o aluno à habilitação profissional técnica
2017, que foi alvo de inúmeras críticas, notadamente por de nível médio, na mesma instituição de ensino, efetuando-
estabelecer como facultativos conhecimentos que antes -se matrícula única para cada aluno;
eram tidos como obrigatórios. Para entender melhor esta II - concomitante, oferecida a quem ingresse no ensino
questão, percebe-se que na verdade a proposta é a especi- médio ou já o esteja cursando, efetuando-se matrículas dis-
ficação de matrizes ainda durante o ensino médio: o aluno tintas para cada curso, e podendo ocorrer:
poderá escolher em quais áreas de conhecimento pretende a) na mesma instituição de ensino, aproveitando-se as
se concentrar. Por exemplo, um aluno que não queira se oportunidades educacionais disponíveis;
especializar em ciências humanas, não teria a obrigação de b) em instituições de ensino distintas, aproveitando-se
cursar matérias como história e geografia. Um aluno que as oportunidades educacionais disponíveis;
não tenha interesse em ir para a universidade e já queira c) em instituições de ensino distintas, mediante convê-
ingressar no mercado de trabalho, terá aulas concentradas nios de intercomplementaridade, visando ao planejamento e
em formação técnica e profissional, aprendendo marce- ao desenvolvimento de projeto pedagógico unificado.
naria, mecânica, administração, entre outras questões. As
áreas que podem ser optadas são as seguintes: linguagens Art. 36-D. Os diplomas de cursos de educação profis-
e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias; ciências sional técnica de nível médio, quando registrados, terão
da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e sociais validade nacional e habilitarão ao prosseguimento de
aplicadas; formação técnica e profissional. As únicas maté- estudos na educação superior.
rias estabelecidas como obrigatórias são: português, mate- Parágrafo único. Os cursos de educação profissional
mática, artes, educação física, filosofia e sociologia – estas técnica de nível médio, nas formas articulada concomitante
quatro últimas inicialmente seriam facultativas, mas devido e subsequente, quando estruturados e organizados em eta-
a pressões sociais foram colocadas como obrigatórias. Ain- pas com terminalidade, possibilitarão a obtenção de certifi-
da é cedo para dizer se realmente este será o rumo conferi- cados de qualificação para o trabalho após a conclusão, com
do pela reforma, eis que a Base Nacional Comum Curricular aproveitamento, de cada etapa que caracterize uma qualifi-
que detalhará estas questões ainda está em discussão. cação para o trabalho.

Seção IV-A A educação profissional e técnica pode se dar durante


Da Educação Profissional Técnica de Nível Médio o Ensino Médio, notadamente se o estudante fizer a op-
ção por esta categoria de ensino (o ensino médio pode
Art. 36-A. Sem prejuízo do disposto na Seção IV deste ser voltado à formação técnico-profissional, preparando o
Capítulo, o ensino médio, atendida a formação geral do edu- jovem para o ingresso no mercado de trabalho indepen-
cando, poderá prepará-lo para o exercício de profissões dentemente de ensino universitário), quanto após o Ensino
técnicas. Médio, em instituições próprias de ensino técnico-profis-
Parágrafo único. A preparação geral para o trabalho sionalizante (neste sentido, há cursos técnicos-profissionais
e, facultativamente, a habilitação profissional poderão ser com menor duração que os cursos de ensino superior e
desenvolvidas nos próprios estabelecimentos de ensino mé- que são equiparados a este).
dio ou em cooperação com instituições especializadas em
educação profissional. Seção V
Da Educação de Jovens e Adultos
Art. 36-B. A educação profissional técnica de nível mé-
dio será desenvolvida nas seguintes formas: Art. 37. A educação de jovens e adultos será desti-
I - articulada com o ensino médio; nada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade
II - subsequente, em cursos destinados a quem já tenha de estudos nos ensinos fundamental e médio na idade
concluído o ensino médio. própria e constituirá instrumento para a educação e a
Parágrafo único. A educação profissional técnica de ní- aprendizagem ao longo da vida.
vel médio deverá observar: § 1º Os sistemas de ensino assegurarão gratuitamente
I - os objetivos e definições contidos nas diretrizes cur- aos jovens e aos adultos, que não puderam efetuar os es-
riculares nacionais estabelecidas pelo Conselho Nacional de tudos na idade regular, oportunidades educacionais apro-
Educação; priadas, consideradas as características do alunado, seus
II - as normas complementares dos respectivos sistemas interesses, condições de vida e de trabalho, mediante cur-
de ensino; sos e exames.
III - as exigências de cada instituição de ensino, nos ter- § 2º O Poder Público viabilizará e estimulará o acesso
mos de seu projeto pedagógico. e a permanência do trabalhador na escola, mediante ações
integradas e complementares entre si.
Art. 36-C. A educação profissional técnica de nível mé- § 3º A educação de jovens e adultos deverá articular-se,
dio articulada, prevista no inciso I do caput do art. 36-B preferencialmente, com a educação profissional, na forma
desta Lei, será desenvolvida de forma: do regulamento.

288
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Art. 38. Os sistemas de ensino manterão cursos e exames A educação profissional e tecnológica pode se dar não
supletivos, que compreenderão a base nacional comum do apenas no ensino médio, mas também em instituições pró-
currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em ca- prias, que podem conferir inclusive diploma de formação
ráter regular. em nível superior. Exemplos: FATEC, SENAI, entre outros. O
§ 1º Os exames a que se refere este artigo realizar- acesso a este tipo de ensino não necessariamente exige
-se-ão: conclusão dos níveis prévios de educação, eis que seu prin-
I - no nível de conclusão do ensino fundamental, para os cipal objetivo não é o ensino de conteúdos típicos, mas sim
maiores de quinze anos; a capacitação profissional.
II - no nível de conclusão do ensino médio, para os
maiores de dezoito anos. CAPÍTULO IV
§ 2º Os conhecimentos e habilidades adquiridos pelos DA EDUCAÇÃO SUPERIOR
educandos por meios informais serão aferidos e reconheci-
dos mediante exames. Art. 43. A educação superior tem por finalidade:
I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento
A educação de jovens e adultos objetiva permitir a con- do espírito científico e do pensamento reflexivo;
clusão do ensino fundamental e médio para aqueles que II - formar diplomados nas diferentes áreas de co-
já ultrapassaram a idade regular em que isso deveria ter nhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais
acontecido. e para a participação no desenvolvimento da sociedade bra-
sileira, e colaborar na sua formação contínua;
CAPÍTULO III III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação
Da Educação Profissional e Tecnológica científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tec-
nologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, de-
Art. 39. A educação profissional e tecnológica, no senvolver o entendimento do homem e do meio em que vive;
cumprimento dos objetivos da educação nacional, integra-se IV - promover a divulgação de conhecimentos cultu-
aos diferentes níveis e modalidades de educação e às dimen- rais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da
sões do trabalho, da ciência e da tecnologia. humanidade e comunicar o saber através do ensino, de pu-
§ 1º Os cursos de educação profissional e tecnológica blicações ou de outras formas de comunicação;
poderão ser organizados por eixos tecnológicos, possibili- V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento
cultural e profissional e possibilitar a correspondente concre-
tando a construção de diferentes itinerários formativos, ob-
tização, integrando os conhecimentos que vão sendo adqui-
servadas as normas do respectivo sistema e nível de ensino.
ridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhe-
§ 2º A educação profissional e tecnológica abrangerá
cimento de cada geração;
os seguintes cursos:
VI - estimular o conhecimento dos problemas do
I – de formação inicial e continuada ou qualificação
mundo presente, em particular os nacionais e regionais,
profissional;
prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer
II – de educação profissional técnica de nível médio;
com esta uma relação de reciprocidade;
III – de educação profissional tecnológica de gra- VII - promover a extensão, aberta à participação da
duação e pós-graduação. população, visando à difusão das conquistas e benefícios re-
§ 3º Os cursos de educação profissional tecnológica de sultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecno-
graduação e pós-graduação organizar-se-ão, no que con- lógica geradas na instituição.
cerne a objetivos, características e duração, de acordo com VIII - atuar em favor da universalização e do aprimo-
as diretrizes curriculares nacionais estabelecidas pelo Con- ramento da educação básica, mediante a formação e a
selho Nacional de Educação. capacitação de profissionais, a realização de pesquisas pe-
dagógicas e o desenvolvimento de atividades de extensão
Art. 40. A educação profissional será desenvolvida que aproximem os dois níveis escolares.
em articulação com o ensino regular ou por diferentes
estratégias de educação continuada, em instituições es- Art. 44. A educação superior abrangerá os seguintes
pecializadas ou no ambiente de trabalho. cursos e programas:
I - cursos sequenciais por campo de saber, de diferentes
Art. 41. O conhecimento adquirido na educação profis- níveis de abrangência, abertos a candidatos que atendam
sional e tecnológica, inclusive no trabalho, poderá ser objeto aos requisitos estabelecidos pelas instituições de ensino, des-
de avaliação, reconhecimento e certificação para prossegui- de que tenham concluído o ensino médio ou equivalente;
mento ou conclusão de estudos. II - de graduação, abertos a candidatos que tenham
concluído o ensino médio ou equivalente e tenham sido clas-
Art. 42. As instituições de educação profissional e tec- sificados em processo seletivo;
nológica, além dos seus cursos regulares, oferecerão cursos III - de pós-graduação, compreendendo programas de
especiais, abertos à comunidade, condicionada a matrícula mestrado e doutorado, cursos de especialização, aperfeiçoa-
à capacidade de aproveitamento e não necessariamente mento e outros, abertos a candidatos diplomados em cursos
ao nível de escolaridade. de graduação e que atendam às exigências das instituições
de ensino;

289
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

IV - de extensão, abertos a candidatos que atendam c) caso a instituição de ensino superior não possua sítio
aos requisitos estabelecidos em cada caso pelas instituições eletrônico, deve criar página específica para divulgação das
de ensino. informações de que trata esta Lei;
§ 1º. Os resultados do processo seletivo referido no d) a página específica deve conter a data completa de
inciso II do caput deste artigo serão tornados públicos sua última atualização;
pelas instituições de ensino superior, sendo obrigatória a II - em toda propaganda eletrônica da instituição de ensino
divulgação da relação nominal dos classificados, a respec- superior, por meio de ligação para a página referida no inciso I;
tiva ordem de classificação, bem como do cronograma das III - em local visível da instituição de ensino superior e de
chamadas para matrícula, de acordo com os critérios para fácil acesso ao público;
preenchimento das vagas constantes do respectivo edital. IV - deve ser atualizada semestralmente ou anualmente,
§ 2º No caso de empate no processo seletivo, as ins- de acordo com a duração das disciplinas de cada curso ofe-
tituições públicas de ensino superior darão prioridade de recido, observando o seguinte:
matrícula ao candidato que comprove ter renda familiar in- a) caso o curso mantenha disciplinas com duração dife-
ferior a dez salários mínimos, ou ao de menor renda familiar, renciada, a publicação deve ser semestral;
quando mais de um candidato preencher o critério inicial. b) a publicação deve ser feita até 1 (um) mês antes do
§ 3º O processo seletivo referido no inciso II considerará início das aulas;
as competências e as habilidades definidas na Base Nacio- c) caso haja mudança na grade do curso ou no corpo
docente até o início das aulas, os alunos devem ser comuni-
nal Comum Curricular.
cados sobre as alterações;
V - deve conter as seguintes informações:
Art. 45. A educação superior será ministrada em ins-
a) a lista de todos os cursos oferecidos pela instituição
tituições de ensino superior, públicas ou privadas, com
de ensino superior;
variados graus de abrangência ou especialização. b) a lista das disciplinas que compõem a grade curricular
de cada curso e as respectivas cargas horárias;
Art. 46. A autorização e o reconhecimento de cursos, c) a identificação dos docentes que ministrarão as aulas
bem como o credenciamento de instituições de educação em cada curso, as disciplinas que efetivamente ministrará
superior, terão prazos limitados, sendo renovados, pe- naquele curso ou cursos, sua titulação, abrangendo a qualifi-
riodicamente, após processo regular de avaliação. cação profissional do docente e o tempo de casa do docente,
§ 1º Após um prazo para saneamento de deficiências de forma total, contínua ou intermitente.
eventualmente identificadas pela avaliação a que se refere § 2º Os alunos que tenham extraordinário aproveita-
este artigo, haverá reavaliação, que poderá resultar, confor- mento nos estudos, demonstrado por meio de provas e
me o caso, em desativação de cursos e habilitações, em in- outros instrumentos de avaliação específicos, aplicados
tervenção na instituição, em suspensão temporária de prer- por banca examinadora especial, poderão ter abreviada a
rogativas da autonomia, ou em descredenciamento. duração dos seus cursos, de acordo com as normas dos
§ 2º No caso de instituição pública, o Poder Executivo sistemas de ensino.
responsável por sua manutenção acompanhará o processo § 3º É obrigatória a frequência de alunos e professores,
de saneamento e fornecerá recursos adicionais, se necessá- salvo nos programas de educação a distância.
rios, para a superação das deficiências. § 4º As instituições de educação superior oferecerão,
no período noturno, cursos de graduação nos mesmos
Art. 47. Na educação superior, o ano letivo regular, in- padrões de qualidade mantidos no período diurno, sendo
dependente do ano civil, tem, no mínimo, duzentos dias de obrigatória a oferta noturna nas instituições públicas, ga-
trabalho acadêmico efetivo, excluído o tempo reservado rantida a necessária previsão orçamentária.
aos exames finais, quando houver.
§ 1º As instituições informarão aos interessados, antes Art. 48. Os diplomas de cursos superiores reconheci-
de cada período letivo, os programas dos cursos e demais dos, quando registrados, terão validade nacional como
prova da formação recebida por seu titular.
componentes curriculares, sua duração, requisitos, qualifi-
§ 1º Os diplomas expedidos pelas universidades serão
cação dos professores, recursos disponíveis e critérios de
por elas próprias registrados, e aqueles conferidos por ins-
avaliação, obrigando-se a cumprir as respectivas condições,
tituições não-universitárias serão registrados em universi-
e a publicação deve ser feita, sendo as 3 (três) primeiras
dades indicadas pelo Conselho Nacional de Educação.
formas concomitantemente: § 2º Os diplomas de graduação expedidos por univer-
I - em página específica na internet no sítio eletrônico sidades estrangeiras serão revalidados por universidades
oficial da instituição de ensino superior, obedecido o seguinte: públicas que tenham curso do mesmo nível e área ou equi-
a) toda publicação a que se refere esta Lei deve ter como valente, respeitando-se os acordos internacionais de reci-
título “Grade e Corpo Docente”; procidade ou equiparação.
b) a página principal da instituição de ensino superior, § 3º Os diplomas de Mestrado e de Doutorado expe-
bem como a página da oferta de seus cursos aos ingressantes didos por universidades estrangeiras só poderão ser reco-
sob a forma de vestibulares, processo seletivo e outras com a nhecidos por universidades que possuam cursos de pós-
mesma finalidade, deve conter a ligação desta com a página -graduação reconhecidos e avaliados, na mesma área de
específica prevista neste inciso; conhecimento e em nível equivalente ou superior.

290
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Art. 49. As instituições de educação superior aceitarão X - receber subvenções, doações, heranças, legados e
a transferência de alunos regulares, para cursos afins, cooperação financeira resultante de convênios com entida-
na hipótese de existência de vagas, e mediante processo des públicas e privadas.
seletivo. Parágrafo único. Para garantir a autonomia didático-
Parágrafo único. As transferências ex officio dar-se-ão -científica das universidades, caberá aos seus colegiados de
na forma da lei. ensino e pesquisa decidir, dentro dos recursos orçamentários
disponíveis, sobre:
Art. 50. As instituições de educação superior, quando I - criação, expansão, modificação e extinção de cursos;
da ocorrência de vagas, abrirão matrícula nas disciplinas II - ampliação e diminuição de vagas;
de seus cursos a alunos não regulares que demonstrarem III - elaboração da programação dos cursos;
capacidade de cursá-las com proveito, mediante processo IV - programação das pesquisas e das atividades de ex-
seletivo prévio. tensão;
V - contratação e dispensa de professores;
Art. 51. As instituições de educação superior credencia- VI - planos de carreira docente.
das como universidades, ao deliberar sobre critérios e nor-
mas de seleção e admissão de estudantes, levarão em conta Art. 54. As universidades mantidas pelo Poder Público go-
os efeitos desses critérios sobre a orientação do ensino mé- zarão, na forma da lei, de estatuto jurídico especial para
dio, articulando-se com os órgãos normativos dos sistemas atender às peculiaridades de sua estrutura, organização e fi-
de ensino. nanciamento pelo Poder Público, assim como dos seus planos
de carreira e do regime jurídico do seu pessoal.
Art. 52. As universidades são instituições pluridiscipli- § 1º No exercício da sua autonomia, além das atribui-
nares de formação dos quadros profissionais de nível supe- ções asseguradas pelo artigo anterior, as universidades pú-
rior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do blicas poderão:
saber humano, que se caracterizam por: I - propor o seu quadro de pessoal docente, técnico e ad-
I - produção intelectual institucionalizada mediante ministrativo, assim como um plano de cargos e salários, aten-
o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, didas as normas gerais pertinentes e os recursos disponíveis;
II - elaborar o regulamento de seu pessoal em conformi-
tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional
dade com as normas gerais concernentes;
e nacional;
III - aprovar e executar planos, programas e projetos de
II - um terço do corpo docente, pelo menos, com titu-
investimentos referentes a obras, serviços e aquisições em ge-
lação acadêmica de mestrado ou doutorado;
ral, de acordo com os recursos alocados pelo respectivo Poder
III - um terço do corpo docente em regime de tempo
mantenedor;
integral.
IV - elaborar seus orçamentos anuais e plurianuais;
Parágrafo único. É facultada a criação de universidades
V - adotar regime financeiro e contábil que atenda às
especializadas por campo do saber. suas peculiaridades de organização e funcionamento;
VI - realizar operações de crédito ou de financiamento,
Art. 53. No exercício de sua autonomia, são assegura- com aprovação do Poder competente, para aquisição de bens
das às universidades, sem prejuízo de outras, as seguintes imóveis, instalações e equipamentos;
atribuições: VII - efetuar transferências, quitações e tomar outras pro-
I - criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e vidências de ordem orçamentária, financeira e patrimonial
programas de educação superior previstos nesta Lei, obede- necessárias ao seu bom desempenho.
cendo às normas gerais da União e, quando for o caso, do § 2º Atribuições de autonomia universitária poderão ser
respectivo sistema de ensino; estendidas a instituições que comprovem alta qualificação
II - fixar os currículos dos seus cursos e programas, ob- para o ensino ou para a pesquisa, com base em avaliação
servadas as diretrizes gerais pertinentes; realizada pelo Poder Público.
III - estabelecer planos, programas e projetos de pesqui-
sa científica, produção artística e atividades de extensão; Art. 55. Caberá à União assegurar, anualmente, em seu
IV - fixar o número de vagas de acordo com a capacida- Orçamento Geral, recursos suficientes para manutenção e
de institucional e as exigências do seu meio; desenvolvimento das instituições de educação superior por
V - elaborar e reformar os seus estatutos e regimentos ela mantidas.
em consonância com as normas gerais atinentes;
VI - conferir graus, diplomas e outros títulos; Art. 56. As instituições públicas de educação superior obe-
VII - firmar contratos, acordos e convênios; decerão ao princípio da gestão democrática, assegurada a
VIII - aprovar e executar planos, programas e projetos existência de órgãos colegiados deliberativos, de que partici-
de investimentos referentes a obras, serviços e aquisições em parão os segmentos da comunidade institucional, local e regional.
geral, bem como administrar rendimentos conforme dispo- Parágrafo único. Em qualquer caso, os docentes ocuparão
sitivos institucionais; setenta por cento dos assentos em cada órgão colegiado e
IX - administrar os rendimentos e deles dispor na forma comissão, inclusive nos que tratarem da elaboração e mo-
prevista no ato de constituição, nas leis e nos respectivos es- dificações estatutárias e regimentais, bem como da escolha
tatutos; de dirigentes.

291
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Art. 57. Nas instituições públicas de educação superior, § 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio es-
o professor ficará obrigado ao mínimo de oito horas sema- pecializado, na escola regular, para atender às peculiarida-
nais de aulas. des da clientela de educação especial.
§ 2º O atendimento educacional será feito em classes,
A educação superior se funda no tripé: ensino, pesqui- escolas ou serviços especializados, sempre que, em função
sa e extensão. No viés do ensino, objetiva-se propiciar o das condições específicas dos alunos, não for possível a sua
acesso ao conhecimento técnico e científico, tanto dentro integração nas classes comuns de ensino regular.
do ambiente acadêmico quanto fora dele; no aspecto pes- § 3º   A oferta de educação especial, nos termos
quisa, busca-se desenvolver os conhecimentos já existen- do caput deste artigo, tem início na educação infantil e es-
tes; no aspecto extensão, pretende-se atingir a comunida- tende-se ao longo da vida, observados o inciso III do art. 4º
de por meio de atividades que possam ir além dos ambien- e o parágrafo único do art. 60 desta Lei. 
tes acadêmicos, inserindo-se no cotidiano da vida social. Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educan-
Classicamente, a educação superior se dá nos níveis de dos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento
graduação, cujo acesso se dá por meio dos vestibulares, e e altas habilidades ou superdotação:
pós-graduação, cujo acesso também se dá por processos I - currículos, métodos, técnicas, recursos educativos
seletivos próprios, funcionando como complementação e organização específicos, para atender às suas necessidades;
ao ensino superior. Entretanto, o ensino superior também II - terminalidade específica para aqueles que não
pode se dar em cursos sequenciais e em cursos de exten- puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino
são, de menor duração e complexidade. fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração
O ensino superior pode ser ministrado em instituições para concluir em menor tempo o programa escolar para os
públicas ou privadas. Independentemente da natureza da superdotados;
instituição, é necessário respeitar as regras mínimas sobre III - professores com especialização adequada em ní-
duração do ano letivo, programas de curso, componentes vel médio ou superior, para atendimento especializado, bem
curriculares, etc. como professores do ensino regular capacitados para a inte-
O diploma faz prova da formação. gração desses educandos nas classes comuns;
É possível a transferência entre instituições. A transfe- IV - educação especial para o trabalho, visando a sua
efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições
rência a pedido está condicionada a número de vagas e a
adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção
processo seletivo. As transferências de ofício se sujeitam a
no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos
critérios próprios. Um exemplo de transferência de ofício
oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma
se dá no caso de remoção de servidor público de ofício no
habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psico-
interesse da Administração (caso o servidor ou seu depen-
motora;
dente estude em instituição pública na cidade onde estava
V - acesso igualitário aos benefícios dos programas
lotado, tem o direito de ser transferido para a instituição
sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do
pública da nova lotação). ensino regular.
É possível que uma pessoa assista aulas nas instituições
públicas independentemente de vínculo com o curso, des- Art. 59-A. O poder público deverá instituir cadastro na-
de que haja vagas disponíveis. cional de alunos com altas habilidades ou superdotação
Para propiciar o desenvolvimento institucional, exige- matriculados na educação básica e na educação superior, a
-se que pelo menos 1/3 do corpo docente da instituição fim de fomentar a execução de políticas públicas destinadas
possua mestrado ou doutorado, bem como que 1/3 do ao desenvolvimento pleno das potencialidades desse alunado.
corpo docente se dedique exclusivamente à docência. Parágrafo único. A identificação precoce de alunos com
Em que pesem as regras mínimas acerca do ensino su- altas habilidades ou superdotação, os critérios e procedimen-
perior, as instituições de ensino superior são dotadas de tos para inclusão no cadastro referido no caput deste artigo,
autonomia para se organizarem. as entidades responsáveis pelo cadastramento, os mecanis-
As universidades públicas gozam de estatuto jurídico mos de acesso aos dados do cadastro e as políticas de de-
especial. senvolvimento das potencialidades do alunado de que trata o
As instituições públicas devem obedecer ao princípio caput serão definidos em regulamento.
da gestão democrática, assegurado pela existência de ór-
gãos colegiados deliberativos que mesclem membros da Art. 60. Os órgãos normativos dos sistemas de ensino
comunidade, do corpo docente e do corpo discente. estabelecerão critérios de caracterização das instituições
privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação
CAPÍTULO V exclusiva em educação especial, para fins de apoio técnico e
DA EDUCAÇÃO ESPECIAL financeiro pelo Poder Público.
Parágrafo único. O poder público adotará, como alterna-
Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efei- tiva preferencial, a ampliação do atendimento aos educandos
tos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e al-
preferencialmente na rede regular de ensino, para educan- tas habilidades ou superdotação na própria rede pública re-
dos com deficiência, transtornos globais do desenvolvi- gular de ensino, independentemente do apoio às instituições
mento e altas habilidades ou superdotação. previstas neste artigo.

292
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

A educação especial volta-se a educandos com de- § 2º A formação continuada e a capacitação dos pro-
ficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas fissionais de magistério poderão utilizar recursos e tecno-
habilidades ou superdotação. Para que ela seja efetivada, logias de educação a distância.
exige-se a especialização das instituições de ensino e de § 3º A formação inicial de profissionais de magistério
seus profissionais. dará preferência ao ensino presencial, subsidiariamente
fazendo uso de recursos e tecnologias de educação a dis-
TÍTULO VI tância.
Dos Profissionais da Educação § 4º A União, o Distrito Federal, os Estados e os Muni-
cípios adotarão mecanismos facilitadores de acesso e per-
Art. 61. Consideram-se profissionais da educação manência em cursos de formação de docentes em nível
escolar básica os que, nela estando em efetivo exercício e superior para atuar na educação básica pública.
tendo sido formados em cursos reconhecidos, são: § 5º A União, o Distrito Federal, os Estados e os Mu-
I – professores habilitados em nível médio ou supe- nicípios incentivarão a formação de profissionais do ma-
rior para a docência na educação infantil e nos ensinos gistério para atuar na educação básica pública mediante
fundamental e médio; programa institucional de bolsa de iniciação à docência
II – trabalhadores em educação portadores de di- a estudantes matriculados em cursos de licenciatura, de
ploma de pedagogia, com habilitação em administração,
graduação plena, nas instituições de educação superior.
planejamento, supervisão, inspeção e orientação educacio-
§ 6º O Ministério da Educação poderá estabelecer
nal, bem como com títulos de mestrado ou doutorado nas
nota mínima em exame nacional aplicado aos concluintes
mesmas áreas;
III - trabalhadores em educação, portadores de diplo- do ensino médio como pré-requisito para o ingresso em
ma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou cursos de graduação para formação de docentes, ouvido o
afim; e Conselho Nacional de Educação - CNE.
IV - profissionais com notório saber reconhecido pelos § 7º (VETADO).
respectivos sistemas de ensino para ministrar conteú- § 8º Os currículos dos cursos de formação de docentes
dos de áreas afins à sua formação para atender o dispos- terão por referência a Base Nacional Comum Curricular.
to no inciso V do caput do art. 36.
Parágrafo único. A formação dos profissionais da edu- Art. 62-A. A formação dos profissionais a que se refere
cação, de modo a atender às especificidades do exercício o inciso III do art. 61 far-se-á por meio de cursos de con-
de suas atividades, bem como aos objetivos das diferentes teúdo técnico-pedagógico, em nível médio ou superior,
etapas e modalidades da educação básica, terá como fun- incluindo habilitações tecnológicas.
damentos: Parágrafo único. Garantir-se-á formação continuada
I – a presença de sólida formação básica, que propi- para os profissionais a que se refere o caput, no local de
cie o conhecimento dos fundamentos científicos e sociais de trabalho ou em instituições de educação básica e superior,
suas competências de trabalho; incluindo cursos de educação profissional, cursos superiores
II – a associação entre teorias e práticas, mediante de graduação plena ou tecnológicos e de pós-graduação.
estágios supervisionados e capacitação em serviço;
III – o aproveitamento da formação e experiências Art. 63. Os institutos superiores de educação manterão:
anteriores, em instituições de ensino e em outras atividades. I - cursos formadores de profissionais para a edu-
IV - profissionais com notório saber reconhecido pe- cação básica, inclusive o curso normal superior, destinado
los respectivos sistemas de ensino, para ministrar conteúdos à formação de docentes para a educação infantil e para as
de áreas afins à sua formação ou experiência profissional, primeiras séries do ensino fundamental;
atestados por titulação específica ou prática de ensino em II - programas de formação pedagógica para porta-
unidades educacionais da rede pública ou privada ou das dores de diplomas de educação superior que queiram se de-
corporações privadas em que tenham atuado, exclusivamen-
dicar à educação básica;
te para atender ao inciso V do caput do art. 36;
III - programas de educação continuada para os pro-
V - profissionais graduados que tenham feito com-
fissionais de educação dos diversos níveis.
plementação pedagógica, conforme disposto pelo Conse-
lho Nacional de Educação.
Art. 64. A formação de profissionais de educação para
Art. 62. A formação de docentes para atuar na educa- administração, planejamento, inspeção, supervisão e orien-
ção básica far-se-á em nível superior, em curso de licencia- tação educacional para a educação básica, será feita em
tura plena, admitida, como formação mínima para o exercí- cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-gra-
cio do magistério na educação infantil e nos cinco primeiros duação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta
anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na formação, a base comum nacional.
modalidade normal.
§ 1º A União, o Distrito Federal, os Estados e os Mu- Art. 65. A formação docente, exceto para a educação
nicípios, em regime de colaboração, deverão promover a superior, incluirá prática de ensino de, no mínimo, trezentas
formação inicial, a continuada e a capacitação dos profis- horas.
sionais de magistério.

293
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Art. 66. A preparação para o exercício do magistério III - receita do salário-educação e de outras contribui-
superior far-se-á em nível de pós-graduação, prioritaria- ções sociais;
mente em programas de mestrado e doutorado. IV - receita de incentivos fiscais;
Parágrafo único. O notório saber, reconhecido por uni- V - outros recursos previstos em lei.
versidade com curso de doutorado em área afim, poderá su-
prir a exigência de título acadêmico. Art. 69. A União aplicará, anualmente, nunca menos
de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valori- vinte e cinco por cento, ou o que consta nas respectivas
zação dos profissionais da educação, assegurando-lhes, Constituições ou Leis Orgânicas, da receita resultante de
inclusive nos termos dos estatutos e dos planos de carreira impostos, compreendidas as transferências constitucionais,
do magistério público: na manutenção e desenvolvimento do ensino público.
I - ingresso exclusivamente por concurso público de pro- § 1º A parcela da arrecadação de impostos transferida
vas e títulos; pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municí-
II - aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive
pios, ou pelos Estados aos respectivos Municípios, não será
com licenciamento periódico remunerado para esse fim;
considerada, para efeito do cálculo previsto neste artigo,
III - piso salarial profissional;
receita do governo que a transferir.
IV - progressão funcional baseada na titulação ou habili-
tação, e na avaliação do desempenho; § 2º Serão consideradas excluídas das receitas de im-
V - período reservado a estudos, planejamento e avalia- postos mencionadas neste artigo as operações de crédito
ção, incluído na carga de trabalho; por antecipação de receita orçamentária de impostos.
VI - condições adequadas de trabalho. § 3º Para fixação inicial dos valores correspondentes
§ 1º A experiência docente é pré-requisito para o exercí- aos mínimos estatuídos neste artigo, será considerada a re-
cio profissional de quaisquer outras funções de magistério, ceita estimada na lei do orçamento anual, ajustada, quan-
nos termos das normas de cada sistema de ensino. do for o caso, por lei que autorizar a abertura de créditos
§ 2º Para os efeitos do disposto no § 5º do art. 40 e no adicionais, com base no eventual excesso de arrecadação.
§ 8º do art. 201 da Constituição Federal, são consideradas § 4º As diferenças entre a receita e a despesa previstas
funções de magistério as exercidas por professores e espe- e as efetivamente realizadas, que resultem no não atendi-
cialistas em educação no desempenho de atividades edu- mento dos percentuais mínimos obrigatórios, serão apu-
cativas, quando exercidas em estabelecimento de educação radas e corrigidas a cada trimestre do exercício financeiro.
básica em seus diversos níveis e modalidades, incluídas, § 5º O repasse dos valores referidos neste artigo do
além do exercício da docência, as de direção de unidade caixa da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Mu-
escolar e as de coordenação e assessoramento pedagógico. nicípios ocorrerá imediatamente ao órgão responsável pela
§ 3º A União prestará assistência técnica aos Estados, educação, observados os seguintes prazos:
ao Distrito Federal e aos Municípios na elaboração de con- I - recursos arrecadados do primeiro ao décimo dia de
cursos públicos para provimento de cargos dos profissio- cada mês, até o vigésimo dia;
nais da educação. II - recursos arrecadados do décimo primeiro ao vigési-
mo dia de cada mês, até o trigésimo dia;
Os profissionais da educação devem possuir formação III - recursos arrecadados do vigésimo primeiro dia ao
específica, notadamente possuir habilitação para a docên- final de cada mês, até o décimo dia do mês subsequente.
cia, que pode se dar pelas licenciaturas e magistérios em § 6º O atraso da liberação sujeitará os recursos a cor-
geral, bem como pela pedagogia, ou ainda por formação e reção monetária e à responsabilização civil e criminal das
área afim que habilite para o ensino de matérias específicas
autoridades competentes.
(ex.: profissional do Direito pode lecionar português, filoso-
fia e sociologia). Além disso, devem possuir experiência em
Art. 70. Considerar-se-ão como de manutenção e
atividades de ensino. Quanto ao ensino superior, exige-se
pós-graduação, que pode ser uma simples especialização, desenvolvimento do ensino as despesas realizadas com
embora deva preferencialmente se possuir mestrado ou vistas à consecução dos objetivos básicos das instituições
doutorado. No âmbito do ensino público, exige-se valoriza- educacionais de todos os níveis, compreendendo as que se
ção do profissional, criando-se plano de carreira e aperfei- destinam a:
çoando-se as condições de trabalho. I - remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e
demais profissionais da educação;
TÍTULO VII II - aquisição, manutenção, construção e conservação de
Dos Recursos financeiros instalações e equipamentos necessários ao ensino;
III – uso e manutenção de bens e serviços vinculados ao
Art. 68. Serão recursos públicos destinados à educa- ensino;
ção os originários de: IV - levantamentos estatísticos, estudos e pesquisas vi-
I - receita de impostos próprios da União, dos Estados, do sando precipuamente ao aprimoramento da qualidade e à
Distrito Federal e dos Municípios; expansão do ensino;
II - receita de transferências constitucionais e outras V - realização de atividades-meio necessárias ao funcio-
transferências; namento dos sistemas de ensino;

294
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

VI - concessão de bolsas de estudo a alunos de escolas § 2º A capacidade de atendimento de cada governo


públicas e privadas; será definida pela razão entre os recursos de uso constitu-
VII - amortização e custeio de operações de crédito des- cionalmente obrigatório na manutenção e desenvolvimento
tinadas a atender ao disposto nos incisos deste artigo; do ensino e o custo anual do aluno, relativo ao padrão míni-
VIII - aquisição de material didático-escolar e manuten- mo de qualidade.
ção de programas de transporte escolar. § 3º Com base nos critérios estabelecidos nos §§ 1º e 2º,
a União poderá fazer a transferência direta de recursos a cada
Art. 71. Não constituirão despesas de manutenção e estabelecimento de ensino, considerado o número de alunos
desenvolvimento do ensino aquelas realizadas com: que efetivamente frequentam a escola.
I - pesquisa, quando não vinculada às instituições de § 4º A ação supletiva e redistributiva não poderá ser exer-
ensino, ou, quando efetivada fora dos sistemas de ensino, cida em favor do Distrito Federal, dos Estados e dos Muni-
que não vise, precipuamente, ao aprimoramento de sua cípios se estes oferecerem vagas, na área de ensino de sua
responsabilidade, conforme o inciso VI do art. 10 e o inciso
qualidade ou à sua expansão;
V do art. 11 desta Lei, em número inferior à sua capacidade
II - subvenção a instituições públicas ou privadas de ca-
de atendimento.
ráter assistencial, desportivo ou cultural;
III - formação de quadros especiais para a administra- Art. 76. A ação supletiva e redistributiva prevista no ar-
ção pública, sejam militares ou civis, inclusive diplomáticos; tigo anterior ficará condicionada ao efetivo cumprimento pe-
IV - programas suplementares de alimentação, assis- los Estados, Distrito Federal e Municípios do disposto nesta Lei,
tência médico-odontológica, farmacêutica e psicológica, e sem prejuízo de outras prescrições legais.
outras formas de assistência social;
V - obras de infraestrutura, ainda que realizadas para Art. 77. Os recursos públicos serão destinados às escolas
beneficiar direta ou indiretamente a rede escolar; públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, con-
VI - pessoal docente e demais trabalhadores da educa- fessionais ou filantrópicas que:
ção, quando em desvio de função ou em atividade alheia à I - comprovem finalidade não-lucrativa e não distribuam
manutenção e desenvolvimento do ensino. resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcela
de seu patrimônio sob nenhuma forma ou pretexto;
Art. 72. As receitas e despesas com manutenção e de- II - apliquem seus excedentes financeiros em educação;
senvolvimento do ensino serão apuradas e publicadas nos III - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra
balanços do Poder Público, assim como nos relatórios a que escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder
se refere o § 3º do art. 165 da Constituição Federal. Público, no caso de encerramento de suas atividades;
IV - prestem contas ao Poder Público dos recursos recebidos.
§ 1º Os recursos de que trata este artigo poderão ser des-
Art. 73. Os órgãos fiscalizadores examinarão, priorita-
tinados a bolsas de estudo para a educação básica, na forma
riamente, na prestação de contas de recursos públicos, o da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos,
cumprimento do disposto no art. 212 da Constituição Fede- quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pú-
ral, no art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Tran- blica de domicílio do educando, ficando o Poder Público obri-
sitórias e na legislação concernente. gado a investir prioritariamente na expansão da sua rede local.
§ 2º As atividades universitárias de pesquisa e extensão
Art. 74. A União, em colaboração com os Estados, o Dis- poderão receber apoio financeiro do Poder Público, inclusive
trito Federal e os Municípios, estabelecerá padrão mínimo mediante bolsas de estudo.
de oportunidades educacionais para o ensino fundamen-
tal, baseado no cálculo do custo mínimo por aluno, capaz No aspecto orçamentário, merece destaque a exigên-
de assegurar ensino de qualidade. cia de dedicação de parcela mínima dos impostos da União
Parágrafo único. O custo mínimo de que trata este ar- (18%) e dos Estados e Distrito Federal (25%) voltada à edu-
tigo será calculado pela União ao final de cada ano, com cação. Ainda, coloca-se o papel de suplementação e redistri-
validade para o ano subsequente, considerando variações buição da União em relação aos Estados e Municípios e dos
regionais no custo dos insumos e as diversas modalidades Estados com relação aos Municípios, repassando-se verbas
de ensino. para permitir que estas unidades federativas consigam lograr
êxito em oferecer parâmetro mínimo de qualidade no ensino
que é de sua incumbência.
Art. 75. A ação supletiva e redistributiva da União
e dos Estados será exercida de modo a corrigir, progressi-
TÍTULO VIII
vamente, as disparidades de acesso e garantir o padrão Das Disposições Gerais
mínimo de qualidade de ensino.
§ 1º A ação a que se refere este artigo obedecerá a Art. 78. O Sistema de Ensino da União, com a colaboração
fórmula de domínio público que inclua a capacidade de das agências federais de fomento à cultura e de assistência
atendimento e a medida do esforço fiscal do respectivo aos índios, desenvolverá programas integrados de ensino e
Estado, do Distrito Federal ou do Município em favor da pesquisa, para oferta de educação escolar bilíngue e inter-
manutenção e do desenvolvimento do ensino. cultural aos povos indígenas, com os seguintes objetivos:

295
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

I - proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, II - concessão de canais com finalidades exclusivamente
a recuperação de suas memórias históricas; a reafirmação educativas;
de suas identidades étnicas; a valorização de suas línguas e III - reserva de tempo mínimo, sem ônus para o Poder
ciências; Público, pelos concessionários de canais comerciais.
II - garantir aos índios, suas comunidades e povos, o aces-
so às informações, conhecimentos técnicos e científicos da so- Art. 81. É permitida a organização de cursos ou insti-
ciedade nacional e demais sociedades indígenas e não-índias. tuições de ensino experimentais, desde que obedecidas as
disposições desta Lei.
Art. 79. A União apoiará técnica e financeiramente os sis-
temas de ensino no provimento da educação intercultural às Art. 82. Os sistemas de ensino estabelecerão as normas
comunidades indígenas, desenvolvendo programas integra-
de realização de estágio em sua jurisdição, observada a lei
dos de ensino e pesquisa.
federal sobre a matéria.
§ 1º Os programas serão planejados com audiência das
comunidades indígenas.
§ 2º Os programas a que se refere este artigo, incluídos Art. 83. O ensino militar é regulado em lei específica,
nos Planos Nacionais de Educação, terão os seguintes ob- admitida a equivalência de estudos, de acordo com as nor-
jetivos: mas fixadas pelos sistemas de ensino.
I - fortalecer as práticas socioculturais e a língua materna
de cada comunidade indígena; Art. 84. Os discentes da educação superior poderão ser
II - manter programas de formação de pessoal especia- aproveitados em tarefas de ensino e pesquisa pelas respecti-
lizado, destinado à educação escolar nas comunidades indí- vas instituições, exercendo funções de monitoria, de acordo
genas; com seu rendimento e seu plano de estudos.
III - desenvolver currículos e programas específicos, neles
incluindo os conteúdos culturais correspondentes às respecti- Art. 85. Qualquer cidadão habilitado com a titula-
vas comunidades; ção própria poderá exigir a abertura de concurso públi-
IV - elaborar e publicar sistematicamente material didáti- co de provas e títulos para cargo de docente de instituição
co específico e diferenciado. pública de ensino que estiver sendo ocupado por professor
§ 3º No que se refere à educação superior, sem prejuízo não concursado, por mais de seis anos, ressalvados os direi-
de outras ações, o atendimento aos povos indígenas efeti- tos assegurados pelos arts. 41 da Constituição Federal e 19
var-se-á, nas universidades públicas e privadas, mediante a
do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
oferta de ensino e de assistência estudantil, assim como de
estímulo à pesquisa e desenvolvimento de programas es-
peciais. Art. 86. As instituições de educação superior constituídas
como universidades integrar-se-ão, também, na sua condi-
Art. 79-A. (VETADO). ção de instituições de pesquisa, ao Sistema Nacional de
Ciência e Tecnologia, nos termos da legislação específica.
Art. 79-B. O calendário escolar incluirá o dia 20 de no-
vembro como ‘Dia Nacional da Consciência Negra’. TÍTULO IX
Das Disposições Transitórias
Art. 80. O Poder Público incentivará o desenvolvimen-
to e a veiculação de programas de ensino a distância, em Art. 87. É instituída a Década da Educação, a iniciar-se
todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação um ano a partir da publicação desta Lei.
continuada. § 1º A União, no prazo de um ano a partir da publica-
§ 1º A educação a distância, organizada com abertura ção desta Lei, encaminhará, ao Congresso Nacional, o Pla-
e regime especiais, será oferecida por instituições especifica- no Nacional de Educação, com diretrizes e metas para os
mente credenciadas pela União. dez anos seguintes, em sintonia com a Declaração Mundial
§ 2º A União regulamentará os requisitos para a realiza- sobre Educação para Todos.
ção de exames e registro de diploma relativos a cursos de § 2º (Revogado).
educação a distância.
§ 3º O Distrito Federal, cada Estado e Município, e, su-
§ 3º As normas para produção, controle e avaliação de
pletivamente, a União, devem:
programas de educação a distância e a autorização para sua
implementação, caberão aos respectivos sistemas de ensino, I - (Revogado).
podendo haver cooperação e integração entre os diferentes II - prover cursos presenciais ou a distância aos jovens e
sistemas. adultos insuficientemente escolarizados;
§ 4º A educação a distância gozará de tratamento di- III - realizar programas de capacitação para todos os
ferenciado, que incluirá: professores em exercício, utilizando também, para isto, os
I - custos de transmissão reduzidos em canais comerciais recursos da educação a distância;
de radiodifusão sonora e de sons e imagens e em outros meios IV - integrar todos os estabelecimentos de ensino funda-
de comunicação que sejam explorados mediante autoriza- mental do seu território ao sistema nacional de avaliação do
ção, concessão ou permissão do poder público; rendimento escolar.

296
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

§ 4º (Revogado).
§ 5º Serão conjugados todos os esforços objetivando a
progressão das redes escolares públicas urbanas de ensino BRASIL. RESOLUÇÃO CNE/CEB 04/2010 -
fundamental para o regime de escolas de tempo integral. DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS
§ 6º A assistência financeira da União aos Estados, ao GERAIS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA.
Distrito Federal e aos Municípios, bem como a dos Estados BRASÍLIA: CNE, 2010.
aos seus Municípios, ficam condicionadas ao cumprimen-
to do art. 212 da Constituição Federal e dispositivos legais
pertinentes pelos governos beneficiados. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
Art. 87-A. (VETADO). CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA

Art. 88. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Mu- RESOLUÇÃO Nº 4, DE 13 DE JULHO DE 2010
nicípios adaptarão sua legislação educacional e de ensino às
disposições desta Lei no prazo máximo de um ano, a partir Define Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a
da data de sua publicação. Educação Básica.
§ 1º As instituições educacionais adaptarão seus esta-
tutos e regimentos aos dispositivos desta Lei e às normas O Presidente da Câmara de Educação Básica do Con-
dos respectivos sistemas de ensino, nos prazos por estes selho Nacional de Educação, no uso de suas atribuições
estabelecidos. legais, e de conformidade com o disposto na alínea “c” do
§ 2º O prazo para que as universidades cumpram o dis- § 1º do artigo 9º da Lei nº 4.024/1961, com a redação dada
posto nos incisos II e III do art. 52 é de oito anos. pela Lei nº 9.131/1995, nos artigos 36, 36A, 36-B, 36-C, 36-
D, 37, 39, 40, 41 e 42 da Lei nº 9.394/1996, com a redação
Art. 89. As creches e pré-escolas existentes ou que ve- dada pela Lei nº 11.741/2008, bem como no Decreto nº
nham a ser criadas deverão, no prazo de três anos, a contar 5.154/2004, e com fundamento no Parecer CNE/CEB nº
da publicação desta Lei, integrar-se ao respectivo sistema de 7/2010, homologado por Despacho do Senhor Ministro de
ensino. Estado da Educação, publicado no DOU de 9 de julho de
2010.
Art. 90. As questões suscitadas na transição entre o re-
gime anterior e o que se institui nesta Lei serão resolvidas RESOLVE:
pelo Conselho Nacional de Educação ou, mediante delega-
ção deste, pelos órgãos normativos dos sistemas de ensino, Art. 1º A presente Resolução define Diretrizes Curricu-
preservada a autonomia universitária. lares Nacionais Gerais para o conjunto orgânico, sequencial
e articulado das etapas e modalidades da Educação Básica,
Art. 91. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. baseando-se no direito de toda pessoa ao seu pleno de-
senvolvimento, à preparação para o exercício da cidadania
Art. 92. Revogam-se as disposições das Leis nºs 4.024, e à qualificação para o trabalho, na vivência e convivên-
de 20 de dezembro de 1961, e 5.540, de 28 de novembro de cia em ambiente educativo, e tendo como fundamento
1968, não alteradas pelas Leis nºs 9.131, de 24 de novembro a responsabilidade que o Estado brasileiro, a família e a
de 1995 e 9.192, de 21 de dezembro de 1995 e, ainda, as Leis sociedade têm de garantir a democratização do acesso, a
nºs 5.692, de 11 de agosto de 1971 e 7.044, de 18 de outubro inclusão, a permanência e a conclusão com sucesso das
de 1982, e as demais leis e decretos-lei que as modificaram e crianças, dos jovens e adultos na instituição educacional, a
quaisquer outras disposições em contrário. aprendizagem para continuidade dos estudos e a extensão
da obrigatoriedade e da gratuidade da Educação Básica.

TÍTULO I
OBJETIVOS

Art. 2º Estas Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais


para a Educação Básica têm por objetivos:
I - sistematizar os princípios e as diretrizes gerais da
Educação Básica contidos na Constituição, na Lei de Diretri-
zes e Bases da Educação Nacional (LDB) e demais disposi-
tivos legais, traduzindo-os em orientações que contribuam
para assegurar a formação básica comum nacional, tendo
como foco os sujeitos que dão vida ao currículo e à escola;
II - estimular a reflexão crítica e propositiva que deve
subsidiar a formulação, a execução e a avaliação do projeto
políticopedagógico da escola de Educação Básica;

297
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

III - orientar os cursos de formação inicial e continua- TÍTULO III


da de docentes e demais profissionais da Educação Bási- SISTEMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO
ca, os sistemas educativos dos diferentes entes federados
e as escolas que os integram, indistintamente da rede a Art. 7º A concepção de educação deve orientar a ins-
que pertençam. titucionalização do regime de colaboração entre União,
Estados, Distrito Federal e Municípios, no contexto da es-
Art. 3º As Diretrizes Curriculares Nacionais específicas trutura federativa brasileira, em que convivem sistemas
para as etapas e modalidades da Educação Básica devem educacionais autônomos, para assegurar efetividade ao
evidenciar o seu papel de indicador de opções políticas, projeto da educação nacional, vencer a fragmentação das
sociais, culturais, educacionais, e a função da educação, políticas públicas e superar a desarticulação institucional.
na sua relação com um projeto de Nação, tendo como re- § 1º Essa institucionalização é possibilitada por um Sis-
ferência os objetivos constitucionais, fundamentando-se tema Nacional de Educação, no qual cada ente federativo,
na cidadania e na dignidade da pessoa, o que pressupõe com suas peculiares competências, é chamado a colaborar
igualdade, liberdade, pluralidade, diversidade, respeito, para transformar a Educação Básica em um sistema orgâni-
justiça social, solidariedade e sustentabilidade. co, sequencial e articulado.
§ 2º O que caracteriza um sistema é a atividade inten-
TÍTULO II cional e organicamente concebida, que se justifica pela
REFERÊNCIAS CONCEITUAIS realização de atividades voltadas para as mesmas finalida-
des ou para a concretização dos mesmos objetivos.
Art. 4º As bases que dão sustentação ao projeto na- § 3º O regime de colaboração entre os entes federados
cional de educação responsabilizam o poder público, a pressupõe o estabelecimento de regras de equivalência
família, a sociedade e a escola pela garantia a todos os entre as funções distributiva, supletiva, normativa, de su-
educandos de um ensino ministrado de acordo com os pervisão e avaliação da educação nacional, respeitada a au-
princípios de: tonomia dos sistemas e valorizadas as diferenças regionais.
I - igualdade de condições para o acesso, inclusão,
permanência e sucesso na escola; TÍTULO IV
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divul- ACESSO E PERMANÊNCIA PARA A CONQUISTA DA
gar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; QUALIDADE SOCIAL
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógi-
cas; Art. 8º A garantia de padrão de qualidade, com pleno
IV - respeito à liberdade e aos direitos; acesso, inclusão e permanência dos sujeitos das aprendiza-
V - coexistência de instituições públicas e privadas de gens na escola e seu sucesso, com redução da evasão, da
ensino; retenção e da distorção de idade/ano/série, resulta na qua-
VI - gratuidade do ensino público em estabelecimen- lidade social da educação, que é uma conquista coletiva de
tos oficiais; todos os sujeitos do processo educativo.
VII - valorização do profissional da educação escolar;
VIII - gestão democrática do ensino público, na forma Art. 9º A escola de qualidade social adota como cen-
da legislação e das normas dos respectivos sistemas de tralidade o estudante e a aprendizagem, o que pressupõe
ensino; atendimento aos seguintes requisitos:
IX - garantia de padrão de qualidade; I - revisão das referências conceituais quanto aos dife-
X - valorização da experiência extraescolar; rentes espaços e tempos educativos, abrangendo espaços
XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e sociais na escola e fora dela;
as práticas sociais. II - consideração sobre a inclusão, a valorização das
diferenças e o atendimento à pluralidade e à diversidade
Art. 5º A Educação Básica é direito universal e alicerce cultural, resgatando e respeitando as várias manifestações
indispensável para o exercício da cidadania em plenitu- de cada comunidade;
de, da qual depende a possibilidade de conquistar todos III - foco no projeto políticopedagógico, no gosto pela
os demais direitos, definidos na Constituição Federal, no aprendizagem e na avaliação das aprendizagens como ins-
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na legisla- trumento de contínua progressão dos estudantes;
ção ordinária e nas demais disposições que consagram as IV - inter-relação entre organização do currículo, do
prerrogativas do cidadão. trabalho pedagógico e da jornada de trabalho do profes-
sor, tendo como objetivo a aprendizagem do estudante;
Art. 6º Na Educação Básica, é necessário considerar V - preparação dos profissionais da educação, gesto-
as dimensões do educar e do cuidar, em sua insepara- res, professores, especialistas, técnicos, monitores e outros;
bilidade, buscando recuperar, para a função social desse VI - compatibilidade entre a proposta curricular e a in-
nível da educação, a sua centralidade, que é o educando, fraestrutura entendida como espaço formativo dotado de
pessoa em formação na sua essência humana. efetiva disponibilidade de tempos para a sua utilização e
acessibilidade;

298
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

VII - integração dos profissionais da educação, dos es- Parágrafo único. Essa concepção de escola exige a su-
tudantes, das famílias, dos agentes da comunidade interes- peração do rito escolar, desde a construção do currículo até
sados na educação; os critérios que orientam a organização do trabalho esco-
VIII - valorização dos profissionais da educação, com lar em sua multidimensionalidade, privilegia trocas, acolhi-
programa de formação continuada, critérios de acesso, mento e aconchego, para garantir o bem-estar de crianças,
permanência, remuneração compatível com a jornada de adolescentes, jovens e adultos, no relacionamento entre
trabalho definida no projeto políticopedagógico; todas as pessoas.
IX - realização de parceria com órgãos, tais como os de
assistência social e desenvolvimento humano, cidadania, Art. 12. Cabe aos sistemas educacionais, em geral, defi-
ciência e tecnologia, esporte, turismo, cultura e arte, saúde, nir o programa de escolas de tempo parcial diurno (matuti-
meio ambiente. no ou vespertino), tempo parcial noturno, e tempo integral
(turno e contra turno ou turno único com jornada escolar
Art. 10. A exigência legal de definição de padrões mí- de 7 horas, no mínimo, durante todo o período letivo), ten-
nimos de qualidade da educação traduz a necessidade de do em vista a amplitude do papel socioeducativo atribuído
reconhecer que a sua avaliação associa-se à ação planeja- ao conjunto orgânico da Educação Básica, o que requer ou-
da, coletivamente, pelos sujeitos da escola. tra organização e gestão do trabalho pedagógico.
§ 1º O planejamento das ações coletivas exercidas pela § 1º Deve-se ampliar a jornada escolar, em único ou
escola supõe que os sujeitos tenham clareza quanto: diferentes espaços educativos, nos quais a permanência
I - aos princípios e às finalidades da educação, além do estudante vincula-se tanto à quantidade e qualidade
do reconhecimento e da análise dos dados indicados pelo do tempo diário de escolarização quanto à diversidade de
Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e/ou atividades de aprendizagens.
outros indicadores, que o complementem ou substituam; § 2º A jornada em tempo integral com qualidade im-
II - à relevância de um projeto políticopedagógico plica a necessidade da incorporação efetiva e orgânica, no
concebido e assumido colegiadamente pela comunidade currículo, de atividades e estudos pedagogicamente plane-
educacional, respeitadas as múltiplas diversidades e a plu- jados e acompanhados.
ralidade cultural; § 3º Os cursos em tempo parcial noturno devem esta-
III - à riqueza da valorização das diferenças manifesta- belecer metodologia adequada às idades, à maturidade e à
das pelos sujeitos do processo educativo, em seus diversos experiência de aprendizagens, para atenderem aos jovens
segmentos, respeitados o tempo e o contexto sociocultu- e adultos em escolarização no tempo regular ou na moda-
ral; lidade de Educação de Jovens e Adultos.
IV - aos padrões mínimos de qualidade (Custo Alu-
no-Qualidade Inicial – CAQi); CAPÍTULO I
§ 2º Para que se concretize a educação escolar, exige- FORMAS PARA A ORGANIZAÇÃO CURRICULAR
-se um padrão mínimo de insumos, que tem como base um
investimento com valor calculado a partir das despesas es- Art. 13. O currículo, assumindo como referência os
senciais ao desenvolvimento dos processos e procedimen- princípios educacionais garantidos à educação, assegu-
tos formativos, que levem, gradualmente, a uma educação rados no artigo 4º desta Resolução, configura-se como o
integral, dotada de qualidade social: conjunto de valores e práticas que proporcionam a produ-
I - creches e escolas que possuam condições de in- ção, a socialização de significados no espaço social e con-
fraestrutura e adequados equipamentos; tribuem intensamente para a construção de identidades
II - professores qualificados com remuneração adequa- socioculturais dos educandos.
da e compatível com a de outros profissionais com igual § 1º O currículo deve difundir os valores fundamentais
nível de formação, em regime de trabalho de 40 (quarenta) do interesse social, dos direitos e deveres dos cidadãos, do
horas em tempo integral em uma mesma escola; respeito ao bem comum e à ordem democrática, conside-
III - definição de uma relação adequada entre o nú- rando as condições de escolaridade dos estudantes em
mero de alunos por turma e por professor, que assegure cada estabelecimento, a orientação para o trabalho, a pro-
aprendizagens relevantes; moção de práticas educativas formais e não-formais.
IV - pessoal de apoio técnico e administrativo que res- § 2º Na organização da proposta curricular, deve-se
ponda às exigências do que se estabelece no projeto polí- assegurar o entendimento de currículo como experiências
ticopedagógico. escolares que se desdobram em torno do conhecimento,
permeadas pelas relações sociais, articulando vivências e
TÍTULO V saberes dos estudantes com os conhecimentos historica-
ORGANIZAÇÃO CURRICULAR: CONCEITO, LIMITES, mente acumulados e contribuindo para construir as identi-
POSSIBILIDADES dades dos educandos.
§ 3º A organização do percurso formativo, aberto e
Art. 11. A escola de Educação Básica é o espaço em que contextualizado, deve ser construída em função das pecu-
se ressignifica e se recria a cultura herdada, reconstruindo- liaridades do meio e das características, interesses e neces-
-se as identidades culturais, em que se aprende a valorizar sidades dos estudantes, incluindo não só os componentes
as raízes próprias das diferentes regiões do País. curriculares centrais obrigatórios, previstos na legislação e

299
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

nas normas educacionais, mas outros, também, de modo cação, sendo que esta opção requer planejamento siste-
flexível e variável, conforme cada projeto escolar, e asse- mático integrado estabelecido entre sistemas educativos
gurando: ou conjunto de unidades escolares;
I - concepção e organização do espaço curricular e fí- § 4º A transversalidade é entendida como uma forma
sico que se imbriquem e alarguem, incluindo espaços, am- de organizar o trabalho didáticopedagógica em que temas
bientes e equipamentos que não apenas as salas de aula e eixos temáticos são integrados às disciplinas e às áreas
da escola, mas, igualmente, os espaços de outras escolas ditas convencionais, de forma a estarem presentes em to-
e os socioculturais e esportivo recreativos do entorno, da das elas.
cidade e mesmo da região; § 5º A transversalidade difere da interdisciplinaridade e
II - ampliação e diversificação dos tempos e espaços ambas complementam-se, rejeitando a concepção de co-
curriculares que pressuponham profissionais da educação nhecimento que toma a realidade como algo estável, pron-
dispostos a inventar e construir a escola de qualidade so- to e acabado.
cial, com responsabilidade compartilhada com as demais § 6º A transversalidade refere-se à dimensão didático-
autoridades que respondem pela gestão dos órgãos do pedagógica, e a interdisciplinaridade, à abordagem episte-
poder público, na busca de parcerias possíveis e necessá- mológica dos objetos de conhecimento.
rias, até porque educar é responsabilidade da família, do
Estado e da sociedade; CAPÍTULO II
III - escolha da abordagem didáticopedagógica disci- FORMAÇÃO BÁSICA COMUM E PARTE DIVERSIFI-
plinar, pluridisciplinar, interdisciplinar ou transdisciplinar CADA
pela escola, que oriente o projeto políticopedagógico e re-
sulte de pacto estabelecido entre os profissionais da escola, Art. 14. A base nacional comum na Educação Básica
conselhos escolares e comunidade, subsidiando a organi- constitui-se de conhecimentos, saberes e valores produzi-
zação da matriz curricular, a definição de eixos temáticos e dos culturalmente, expressos nas políticas públicas e gera-
a constituição de redes de aprendizagem; dos nas instituições produtoras do conhecimento científico
IV - compreensão da matriz curricular entendida como e tecnológico; no mundo do trabalho; no desenvolvimento
das linguagens; nas atividades desportivas e corporais; na
propulsora de movimento, dinamismo curricular e educa-
produção artística; nas formas diversas de exercício da ci-
cional, de tal modo que os diferentes campos do conheci-
dadania; e nos movimentos sociais.
mento possam se coadunar com o conjunto de atividades
§ 1º Integram a base nacional comum nacional: a) a
educativas;
Língua Portuguesa;
V - organização da matriz curricular entendida como
b) a Matemática;
alternativa operacional que embase a gestão do currículo
c) o conhecimento do mundo físico, natural, da realida-
escolar e represente subsídio para a gestão da escola (na de social e política, especialmente do Brasil, incluindo-se o
organização do tempo e do espaço curricular, distribuição estudo da História e das Culturas Afro-Brasileira e Indígena,
e controle do tempo dos trabalhos docentes), passo para d) a Arte, em suas diferentes formas de expressão, in-
uma gestão centrada na abordagem interdisciplinar, orga- cluindo-se a música;
nizada por eixos temáticos, mediante interlocução entre os e) a Educação Física;
diferentes campos do conhecimento; f) o Ensino Religioso.
VI - entendimento de que eixos temáticos são uma for- § 2º Tais componentes curriculares são organizados
ma de organizar o trabalho pedagógico, limitando a dis- pelos sistemas educativos, em forma de áreas de conhe-
persão do conhecimento, fornecendo o cenário no qual se cimento, disciplinas, eixos temáticos, preservando-se a es-
constroem objetos de estudo, propiciando a concretização pecificidade dos diferentes campos do conhecimento, por
da proposta pedagógica centrada na visão interdisciplinar, meio dos quais se desenvolvem as habilidades indispensá-
superando o isolamento das pessoas e a compartimentali- veis ao exercício da cidadania, em ritmo compatível com as
zação de conteúdos rígidos; etapas do desenvolvimento integral do cidadão.
VII - estímulo à criação de métodos didático-pedagó- § 3º A base nacional comum e a parte diversificada não
gicos utilizando-se recursos tecnológicos de informação podem se constituir em dois blocos distintos, com disciplinas
e comunicação, a serem inseridos no cotidiano escolar, a específicas para cada uma dessas partes, mas devem ser orga-
fim de superar a distância entre estudantes que aprendem nicamente planejadas e geridas de tal modo que as tecnologias
a receber informação com rapidez utilizando a linguagem de informação e comunicação perpassem transversalmente a
digital e professores que dela ainda não se apropriaram; proposta curricular, desde a Educação Infantil até o Ensino Mé-
VIII - constituição de rede de aprendizagem, entendi- dio, imprimindo direção aos projetos políticopedagógico.
da como um conjunto de ações didáticopedagógica, com
foco na aprendizagem e no gosto de aprender, subsidiada Art. 15. A parte diversificada enriquece e complemen-
pela consciência de que o processo de comunicação entre ta a base nacional comum, prevendo o estudo das carac-
estudantes e professores é efetivado por meio de práticas terísticas regionais e locais da sociedade, da cultura, da
e recursos diversos; economia e da comunidade escolar, perpassando todos os
IX - adoção de rede de aprendizagem, também, como tempos e espaços curriculares constituintes do Ensino Fun-
ferramenta didáticopedagógica relevante nos programas damental e do Ensino Médio, independentemente do ciclo
de formação inicial e continuada de profissionais da edu- da vida no qual os sujeitos tenham acesso à escola.

300
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

§ 1º A parte diversificada pode ser organizada em te- III - a articulação das dimensões orgânica e sequencial
mas gerais, na forma de eixos temáticos, selecionados co- das etapas e das modalidades da Educação Básica, e des-
legiadamente pelos sistemas educativos ou pela unidade tas com a Educação Superior, implica ação coordenada e
escolar. integradora do seu conjunto.
§ 2º A LDB inclui o estudo de, pelo menos, uma língua § 2º A transição entre as etapas da Educação Básica
estrangeira moderna na parte diversificada, cabendo sua e suas fases requer formas de articulação das dimensões
escolha à comunidade escolar, dentro das possibilidades orgânica e sequencial que assegurem aos educandos, sem
da escola, que deve considerar o atendimento das caracte- tensões e rupturas, a continuidade de seus processos pe-
rísticas locais, regionais, nacionais e transnacionais, tendo culiares de aprendizagem e desenvolvimento.
em vista as demandas do mundo do trabalho e da interna-
cionalização de toda ordem de relações. Art. 19. Cada etapa é delimitada por sua finalidade,
§ 3º A língua espanhola, por força da Lei nº 11.161/2005, seus princípios, objetivos e diretrizes educacionais, funda-
é obrigatoriamente ofertada no Ensino Médio, embora fa-
mentando-se na inseparabilidade dos conceitos referen-
cultativa para o estudante, bem como possibilitada no En-
ciais: cuidar e educar, pois esta é uma concepção nortea-
sino Fundamental, do 6º ao 9º ano.
dora do projeto políticopedagógico elaborado e executa-
Art. 16. Leis específicas, que complementam a LDB, de- do pela comunidade educacional.
terminam que sejam incluídos componentes não discipli-
nares, como temas relativos ao trânsito, ao meio ambiente Art. 20. O respeito aos educandos e a seus tempos
e à condição e direitos do idoso. mentais, socioemocionais, culturais e identitários é um
princípio orientador de toda a ação educativa, sendo res-
Art. 17. No Ensino Fundamental e no Ensino Médio, ponsabilidade dos sistemas a criação de condições para
destinar-se-ão, pelo menos, 20% do total da carga horá- que crianças, adolescentes, jovens e adultos, com sua di-
ria anual ao conjunto de programas e projetos interdisci- versidade, tenham a oportunidade de receber a formação
plinares eletivos criados pela escola, previsto no projeto que corresponda à idade própria de percurso escolar.
pedagógico, de modo que os estudantes do Ensino Fun-
damental e do Médio possam escolher aquele programa CAPÍTULO I
ou projeto com que se identifiquem e que lhes permitam ETAPAS DA EDUCAÇÃO BÁSICA
melhor lidar com o conhecimento e a experiência.
§ 1º Tais programas e projetos devem ser desenvolvi- Art. 21. São etapas correspondentes a diferentes mo-
dos de modo dinâmico, criativo e flexível, em articulação mentos constitutivos do desenvolvimento educacional:
com a comunidade em que a escola esteja inserida. I - a Educação Infantil, que compreende: a Creche,
§ 2º A interdisciplinaridade e a contextualização devem englobando as diferentes etapas do desenvolvimento da
assegurar a transversalidade do conhecimento de diferen- criança até 3 (três) anos e 11 (onze) meses; e a Pré-Escola,
tes disciplinas e eixos temáticos, perpassando todo o cur- com duração de 2 (dois) anos;
rículo e propiciando a interlocução entre os saberes e os II - o Ensino Fundamental, obrigatório e gratuito, com
diferentes campos do conhecimento. duração de 9 (nove) anos, é organizado e tratado em
duas fases: a dos 5 (cinco) anos iniciais e a dos 4 (quatro)
TÍTULO VI anos finais; III - o Ensino Médio, com duração mínima de
ORGANIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA 3 (três) anos.
Parágrafo único. Essas etapas e fases têm previsão de
Art. 18. Na organização da Educação Básica, devem-se ob-
idades próprias, as quais, no entanto, são diversas quando
servar as Diretrizes Curriculares Nacionais comuns a todas as
se atenta para sujeitos com características que fogem à
suas etapas, modalidades e orientações temáticas, respeitadas
norma, como é o caso, entre outros:
as suas especificidades e as dos sujeitos a que se destinam.
§ 1º As etapas e as modalidades do processo de es- I - de atraso na matrícula e/ou no percurso escolar;
colarização estruturam-se de modo orgânico, sequencial e II - de retenção, repetência e retorno de quem havia
articulado, de maneira complexa, embora permanecendo abandonado os estudos;
individualizadas ao logo do percurso do estudante, apesar III - de portadores de deficiência limitadora;
das mudanças por que passam: IV - de jovens e adultos sem escolarização ou com
I - a dimensão orgânica é atendida quando são obser- esta incompleta;
vadas as especificidades e as diferenças de cada sistema V - de habitantes de zonas rurais;
educativo, sem perder o que lhes é comum: as semelhan- VI - de indígenas e quilombolas;
ças e as identidades que lhe são inerentes; VII - de adolescentes em regime de acolhimento ou
II - a dimensão sequencial compreende os processos internação, jovens e adultos em situação de privação de
educativos que acompanham as exigências de aprendiza- liberdade nos estabelecimentos penais.
gens definidas em cada etapa do percurso formativo, con-
tínuo e progressivo, da Educação Básica até a Educação
Superior, constituindo-se em diferentes e insubstituíveis
momentos da vida dos educandos;

301
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Seção I ses bens.


Educação Infantil Art. 24. Os objetivos da formação básica das crianças,
definidos para a Educação Infantil, prolongam-se duran-
Art. 22. A Educação Infantil tem por objetivo o desen- te os anos iniciais do Ensino Fundamental, especialmente
volvimento integral da criança, em seus aspectos físico, no primeiro, e completam-se nos anos finais, ampliando e
afetivo, psicológico, intelectual, social, complementando a intensificando, gradativamente, o processo educativo, me-
ação da família e da comunidade. diante:
§ 1º As crianças provêm de diferentes e singulares con- I - desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo
textos socioculturais, socioeconômicos e étnicos, por isso como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita
devem ter a oportunidade de ser acolhidas e respeitadas e do cálculo;
pela escola e pelos profissionais da educação, com base II - foco central na alfabetização, ao longo dos 3 (três)
nos princípios da individualidade, igualdade, liberdade, di- primeiros anos;
versidade e pluralidade. III - compreensão do ambiente natural e social, do sis-
§ 2º Para as crianças, independentemente das diferen- tema político, da economia, da tecnologia, das artes, da
tes condições físicas, sensoriais, intelectuais, linguísticas, cultura e dos valores em que se fundamenta a sociedade;
etnicorraciais, socioeconômicas, de origem, de religião, en- IV - o desenvolvimento da capacidade de aprendiza-
tre outras, as relações sociais e intersubjetivas no espaço gem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habi-
escolar requerem a atenção intensiva dos profissionais da lidades e a formação de atitudes e valores;
educação, durante o tempo de desenvolvimento das ativi- V - fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de
dades que lhes são peculiares, pois este é o momento em solidariedade humana e de respeito recíproco em que se
que a curiosidade deve ser estimulada, a partir da brinca- assenta a vida social.
deira orientada pelos profissionais da educação.
§ 3º Os vínculos de família, dos laços de solidariedade Art. 25. Os sistemas estaduais e municipais devem es-
humana e do respeito mútuo em que se assenta a vida so- tabelecer especial forma de colaboração visando à oferta
cial devem iniciar-se na Educação Infantil e sua intensifica- do Ensino Fundamental e à articulação sequente entre a
ção deve ocorrer ao longo da Educação Básica. primeira fase, no geral assumida pelo Município, e a segun-
§ 4º Os sistemas educativos devem envidar esforços da, pelo Estado, para evitar obstáculos ao acesso de estudan-
promovendo ações a partir das quais as unidades de Edu- tes que se transfiram de uma rede para outra para completar
cação Infantil sejam dotadas de condições para acolher as esta escolaridade obrigatória, garantindo a organicidade e a
crianças, em estreita relação com a família, com agentes totalidade do processo formativo do escolar.
sociais e com a sociedade, prevendo programas e projetos
em parceria, formalmente estabelecidos. Seção III
§ 5º A gestão da convivência e as situações em que se Ensino Médio
torna necessária a solução de problemas individuais e cole-
tivos pelas crianças devem ser previamente programadas, Art. 26. O Ensino Médio, etapa final do processo for-
com foco nas motivações estimuladas e orientadas pelos mativo da Educação Básica, é orientado por princípios e
professores e demais profissionais da educação e outros finalidades que preveem:
de áreas pertinentes, respeitados os limites e as potenciali- I - a consolidação e o aprofundamento dos conheci-
dades de cada criança e os vínculos desta com a família ou mentos adquiridos no Ensino
com o seu responsável direto. Fundamental, possibilitando o prosseguimento de es-
tudos;
Seção II II - a preparação básica para a cidadania e o trabalho,
Ensino Fundamental tomado este como princípio educativo, para continuar
aprendendo, de modo a ser capaz de enfrentar novas con-
Art. 23. O Ensino Fundamental com 9 (nove) anos de dições de ocupação e aperfeiçoamento posteriores;
duração, de matrícula obrigatória para as crianças a partir III - o desenvolvimento do educando como pessoa hu-
dos 6 (seis) anos de idade, tem duas fases sequentes com mana, incluindo a formação ética e estética, o desenvolvi-
características próprias, chamadas de anos iniciais, com 5 mento da autonomia intelectual e do pensamento crítico;
(cinco) anos de duração, em regra para estudantes de 6 IV - a compreensão dos fundamentos científicos e tec-
(seis) a 10 (dez) anos de idade; e anos finais, com 4 (quatro) nológicos presentes na sociedade contemporânea, relacio-
anos de duração, para os de 11 (onze) a 14 (quatorze) anos. nando a teoria com a prática.
Parágrafo único. No Ensino Fundamental, acolher sig- § 1º O Ensino Médio deve ter uma base unitária so-
nifica também cuidar e educar, como forma de garantir bre a qual podem se assentar possibilidades diversas como
a aprendizagem dos conteúdos curriculares, para que o preparação geral para o trabalho ou, facultativamente, para
estudante desenvolva interesses e sensibilidades que lhe profissões técnicas; na ciência e na tecnologia, como inicia-
permitam usufruir dos bens culturais disponíveis na comu- ção científica e tecnológica; na cultura, como ampliação da
nidade, na sua cidade ou na sociedade em geral, e que lhe formação cultural.
possibilitem ainda sentir-se como produtor valorizado des- § 2º A definição e a gestão do currículo inscrevem-se
em uma lógica que se dirige aos jovens, considerando suas

302
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

singularidades, que se situam em um tempo determinado. no projeto políticopedagógico da unidade escolar.


§ 3º Os sistemas educativos devem prever currículos § 1º Os sistemas de ensino devem matricular os es-
flexíveis, com diferentes alternativas, para que os jovens tudantes com deficiência, transtornos globais do desen-
tenham a oportunidade de escolher o percurso formativo volvimento e altas habilidades/superdotação nas classes
que atenda seus interesses, necessidades e aspirações, para comuns do ensino regular e no Atendimento Educacional
que se assegure a permanência dos jovens na escola, com Especializado (AEE), complementar ou suplementar à es-
proveito, até a conclusão da Educação Básica. colarização, ofertado em salas de recursos multifuncionais
ou em centros de AEE da rede pública ou de instituições
CAPÍTULO II comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucra-
MODALIDADES DA EDUCAÇÃO BÁSICA tivos.
§ 2º Os sistemas e as escolas devem criar condições
Art. 27. A cada etapa da Educação Básica pode cor- para que o professor da classe comum possa explorar as
responder uma ou mais das modalidades de ensino: Edu- potencialidades de todos os estudantes, adotando uma
cação de Jovens e Adultos, Educação Especial, Educação pedagogia dialógica, interativa, interdisciplinar e inclusiva
Profissional e Tecnológica, Educação do Campo, Educação e, na interface, o professor do AEE deve identificar habili-
Escolar Indígena e Educação a Distância. dades e necessidades dos estudantes, organizar e orientar
sobre os serviços e recursos pedagógicos e de acessibili-
Seção I dade para a participação e aprendizagem dos estudantes.
Educação de Jovens e Adultos § 3º Na organização desta modalidade, os sistemas de
ensino devem observar as seguintes orientações funda-
Art. 28. A Educação de Jovens e Adultos (EJA) destina- mentais:
-se aos que se situam na faixa etária superior à considerada I - o pleno acesso e a efetiva participação dos estudan-
própria, no nível de conclusão do Ensino Fundamental e do tes no ensino regular;
Ensino Médio. II - a oferta do atendimento educacional especializado;
§ 1º Cabe aos sistemas educativos viabilizar a oferta de III - a formação de professores para o AEE e para o de-
cursos gratuitos aos jovens e aos adultos, proporcionan- senvolvimento de práticas educacionais inclusivas;
do-lhes oportunidades educacionais apropriadas, conside- IV - a participação da comunidade escolar;
radas as características do alunado, seus interesses, condi- V - a acessibilidade arquitetônica, nas comunicações e
ções de vida e de trabalho, mediante cursos, exames, ações informações, nos mobiliários e equipamentos e nos trans-
integradas e complementares entre si, estruturados em um portes;
projeto pedagógico próprio. VI - a articulação das políticas públicas intersetoriais.
§ 2º Os cursos de EJA, preferencialmente tendo a Edu-
cação Profissional articulada com a Educação Básica, de- Seção III
vem pautar-se pela flexibilidade, tanto de currículo quanto Educação Profissional e Tecnológica
de tempo e espaço, para que seja(m):
I - rompida a simetria com o ensino regular para crianças Art. 30. A Educação Profissional e Tecnológica, no cum-
e adolescentes, de modo a permitir percursos individualiza- primento dos objetivos da educação nacional, integra-se
dos e conteúdos significativos para os jovens e adultos; aos diferentes níveis e modalidades de educação e às di-
II - providos o suporte e a atenção individuais às dife- mensões do trabalho, da ciência e da tecnologia, e articu-
rentes necessidades dos estudantes no processo de apren- la-se com o ensino regular e com outras modalidades edu-
dizagem, mediante atividades diversificadas; cacionais: Educação de Jovens e Adultos, Educação Especial
III - valorizada a realização de atividades e vivências e Educação a Distância.
socializadoras, culturais, recreativas e esportivas, geradoras
de enriquecimento do percurso formativo dos estudantes; Art. 31. Como modalidade da Educação Básica, a Edu-
IV - desenvolvida a agregação de competências para cação Profissional e Tecnológica ocorre na oferta de cursos
o trabalho; de formação inicial e continuada ou qualificação profissio-
V - promovida a motivação e a orientação permanente nal e nos de Educação Profissional Técnica de nível médio.
dos estudantes, visando maior participação nas aulas e seu
melhor aproveitamento e desempenho; Art. 32. A Educação Profissional Técnica de nível médio
VI - realizada, sistematicamente, a formação continua- é desenvolvida nas seguintes formas:
da, destinada, especificamente, aos educadores de jovens I - articulada com o Ensino Médio, sob duas formas: a)
e adultos. integrada, na mesma instituição; ou
b) concomitante, na mesma ou em distintas instituições;
Seção II II - subsequente, em cursos destinados a quem já te-
Educação Especial nha concluído o Ensino Médio.
§ 1º Os cursos articulados com o Ensino Médio, orga-
Art. 29. A Educação Especial, como modalidade trans- nizados na forma integrada, são cursos de matrícula única,
versal a todos os níveis, etapas e modalidades de ensino, é que conduzem os educandos à habilitação profissional téc-
parte integrante da educação regular, devendo ser prevista nica de nível médio ao mesmo tempo em que concluem a

303
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

última etapa da Educação Básica. futuras gerações, e a pedagogia da alternância, na qual o


§ 2º Os cursos técnicos articulados com o Ensino Mé- estudante participa, concomitante e alternadamente, de
dio, ofertados na forma concomitante, com dupla matrícu- dois ambientes/situações de aprendizagem: o escolar e
la e dupla certificação, podem ocorrer: o laboral, supondo parceria educativa, em que ambas as
I - na mesma instituição de ensino, aproveitando-se as partes são corresponsáveis pelo aprendizado e pela for-
oportunidades educacionais disponíveis; mação do estudante.
II - em instituições de ensino distintas, aproveitando-se
as oportunidades educacionais disponíveis; Seção V
III - em instituições de ensino distintas, mediante con- Educação Escolar Indígena
vênios de intercomplementaridade, com planejamento e
desenvolvimento de projeto pedagógico unificado. Art. 37. A Educação Escolar Indígena ocorre em uni-
§ 3º São admitidas, nos cursos de Educação Profissio- dades educacionais inscritas em suas terras e culturas, as
nal Técnica de nível médio, a organização e a estruturação
quais têm uma realidade singular, requerendo pedagogia
em etapas que possibilitem qualificação profissional inter-
própria em respeito à especificidade étnico-cultural de
mediária.
cada povo ou comunidade e formação específica de seu
§ 4º A Educação Profissional e Tecnológica pode ser
quadro docente, observados os princípios constitucionais,
desenvolvida por diferentes estratégias de educação con-
tinuada, em instituições especializadas ou no ambiente de a base nacional comum e os princípios que orientam a
trabalho, incluindo os programas e cursos de aprendiza- Educação Básica brasileira.
gem, previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Parágrafo único. Na estruturação e no funcionamento
das escolas indígenas, é reconhecida a sua condição de
Art. 33. A organização curricular da Educação Profissio- possuidores de normas e ordenamento jurídico próprios,
nal e Tecnológica por eixo tecnológico fundamenta-se na com ensino intercultural e bilíngue, visando à valorização
identificação das tecnologias que se encontram na base de plena das culturas dos povos indígenas e à afirmação e
uma dada formação profissional e dos arranjos lógicos por manutenção de sua diversidade étnica.
elas constituídos.
Art. 38. Na organização de escola indígena, deve ser
Art. 34. Os conhecimentos e as habilidades adquiridos considerada a participação da comunidade, na definição
tanto nos cursos de Educação Profissional e Tecnológica, do modelo de organização e gestão, bem como:
como os adquiridos na prática laboral pelos trabalhadores, I - suas estruturas sociais;
podem ser objeto de avaliação, reconhecimento e certifica- II - suas práticas socioculturais e religiosas;
ção para prosseguimento ou conclusão de estudos. III - suas formas de produção de conhecimento, pro-
cessos próprios e métodos de ensino-aprendizagem;
Seção IV IV - suas atividades econômicas;
Educação Básica do Campo V - edificação de escolas que atendam aos interesses
das comunidades indígenas;
Art. 35. Na modalidade de Educação Básica do Campo, VI - uso de materiais didático-pedagógicos produzi-
a educação para a população rural está prevista com ade- dos de acordo com o contexto sociocultural de cada povo
quações necessárias às peculiaridades da vida no campo e indígena.
de cada região, definindo-se orientações para três aspectos
essenciais à organização da ação pedagógica: Seção VI
I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas
Educação a Distância
às reais necessidades e interesses dos estudantes da zona
rural;
Art. 39. A modalidade Educação a Distância caracte-
II - organização escolar própria, incluindo adequação
riza-se pela mediação didáticopedagógica nos processos
do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condi-
ções climáticas; de ensino e aprendizagem que ocorre com a utilização de
III - adequação à natureza do trabalho na zona rural. meios e tecnologias de informação e comunicação, com
estudantes e professores desenvolvendo atividades edu-
Art. 36. A identidade da escola do campo é definida cativas em lugares ou tempos diversos.
pela vinculação com as questões inerentes à sua realidade,
com propostas pedagógicas que contemplam sua diver- Art. 40. O credenciamento para a oferta de cursos e
sidade em todos os aspectos, tais como sociais, culturais, programas de Educação de Jovens e Adultos, de Educação
políticos, econômicos, de gênero, geração e etnia. Especial e de Educação Profissional Técnica de nível médio
Parágrafo único. Formas de organização e metodolo- e Tecnológica, na modalidade a distância, compete aos
gias pertinentes à realidade do campo devem ter acolhi- sistemas estaduais de ensino, atendidas a regulamenta-
das, como a pedagogia da terra, pela qual se busca um ção federal e as normas complementares desses sistemas.
trabalho pedagógico fundamentado no princípio da sus-
tentabilidade, para assegurar a preservação da vida das

304
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Seção VII I - o diagnóstico da realidade concreta dos sujeitos do


Educação Escolar Quilombola processo educativo, contextualizados no espaço e no tem-
po;
Art. 41. A Educação Escolar Quilombola é desenvolvida II - a concepção sobre educação, conhecimento, avalia-
em unidades educacionais inscritas em suas terras e cul- ção da aprendizagem e mobilidade escolar;
tura, requerendo pedagogia própria em respeito à espe- III - o perfil real dos sujeitos – crianças, jovens e adul-
cificidade étnico-cultural de cada comunidade e formação tos – que justificam e instituem a vida da e na escola, do
específica de seu quadro docente, observados os princípios ponto de vista intelectual, cultural, emocional, afetivo, so-
constitucionais, a base nacional comum e os princípios que cioeconômico, como base da reflexão sobre as relações vi-
orientam a Educação Básica brasileira. da-conhecimento-cultura professor-estudante e instituição
Parágrafo único. Na estruturação e no funcionamento escolar;
das escolas quilombolas, bem com nas demais, deve ser IV - as bases norteadoras da organização do trabalho
reconhecida e valorizada a diversidade cultural. pedagógico;
V - a definição de qualidade das aprendizagens e, por
TÍTULO VII consequência, da escola, no contexto das desigualdades
ELEMENTOS CONSTITUTIVOS PARA A ORGANI- que se refletem na escola;
ZAÇÃO DAS DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS VI - os fundamentos da gestão democrática, comparti-
GERAIS PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA lhada e participativa (órgãos colegiados e de representação
estudantil);
Art. 42. São elementos constitutivos para a operaciona- VII - o programa de acompanhamento de acesso, de
lização destas Diretrizes o projeto políticopedagógico e o permanência dos estudantes e de superação da retenção
regimento escolar; o sistema de avaliação; a gestão demo- escolar;
crática e a organização da escola; o professor e o programa VIII - o programa de formação inicial e continuada dos
de formação docente. profissionais da educação, regentes e não regentes;
IX - as ações de acompanhamento sistemático dos re-
CAPÍTULO I
sultados do processo de avaliação interna e externa (Siste-
O PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO E O REGIMEN-
ma de Avaliação da Educação Básica – SAEB, Prova Brasil,
TO ESCOLAR
dados estatísticos, pesquisas sobre os sujeitos da Educação
Básica), incluindo dados referentes ao IDEB e/ou que com-
Art. 43. O projeto políticopedagógico, interdependen-
plementem ou substituam os desenvolvidos pelas unida-
temente da autonomia pedagógica, administrativa e de
gestão financeira da instituição educacional, representa des da federação e outros;
mais do que um documento, sendo um dos meios de viabi- X - a concepção da organização do espaço físico da
lizar a escola democrática para todos e de qualidade social. instituição escolar de tal modo que este seja compatível
§ 1º A autonomia da instituição educacional baseia-se com as características de seus sujeitos, que atenda as nor-
na busca de sua identidade, que se expressa na constru- mas de acessibilidade, além da natureza e das finalidades
ção de seu projeto pedagógico e do seu regimento escolar, da educação, deliberadas e assumidas pela comunidade
enquanto manifestação de seu ideal de educação e que educacional.
permite uma nova e democrática ordenação pedagógica
das relações escolares. Art. 45. O regimento escolar, discutido e aprovado pela
§ 2º Cabe à escola, considerada a sua identidade e a de comunidade escolar e conhecido por todos, constitui-se
seus sujeitos, articular a formulação do projeto políticope- em um dos instrumentos de execução do projeto político-
dagógico com os planos de educação – nacional, estadual, pedagógico, com transparência e responsabilidade.
municipal –, o contexto em que a escola se situa e as neces- Parágrafo único. O regimento escolar trata da natureza
sidades locais e de seus estudantes. e da finalidade da instituição, da relação da gestão demo-
§ 3º A missão da unidade escolar, o papel socioeduca- crática com os órgãos colegiados, das atribuições de seus
tivo, artístico, cultural, ambiental, as questões de gênero, órgãos e sujeitos, das suas normas pedagógicas, incluindo
etnia e diversidade cultural que compõem as ações educa- os critérios de acesso, promoção, mobilidade do estudante,
tivas, a organização e a gestão curricular são componentes dos direitos e deveres dos seus sujeitos: estudantes, profes-
integrantes do projeto políticopedagógico, devendo ser sores, técnicos e funcionários, gestores, famílias, represen-
previstas as prioridades institucionais que a identificam, tação estudantil e função das suas instâncias colegiadas.
definindo o conjunto das ações educativas próprias das
etapas da Educação Básica assumidas, de acordo com as CAPÍTULO II
especificidades que lhes correspondam, preservando a sua AVALIAÇÃO
articulação sistêmica.
Art. 46. A avaliação no ambiente educacional com-
Art. 44. O projeto políticopedagógico, instância de preende 3 (três) dimensões básicas:
construção coletiva que respeita os sujeitos das aprendiza- I - avaliação da aprendizagem;
gens, entendidos como cidadãos com direitos à proteção e II - avaliação institucional interna e externa;
à participação social, deve contemplar: III - avaliação de redes de Educação Básica.

305
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Seção I Art. 49. A aceleração de estudos destina-se a estudan-


Avaliação da aprendizagem tes com atraso escolar, àqueles que, por algum motivo, en-
contram-se em descompasso de idade, por razões como
Art. 47. A avaliação da aprendizagem baseia-se na con- ingresso tardio, retenção, dificuldades no processo de en-
cepção de educação que norteia a relação professor-estu- sino-aprendizagem ou outras.
dante-conhecimento-vida em movimento, devendo ser um
ato reflexo de reconstrução da prática pedagógica avalia- Art. 50. A progressão pode ser regular ou parcial, sendo
tiva, premissa básica e fundamental para se questionar o que esta deve preservar a sequência do currículo e obser-
educar, transformando a mudança em ato, acima de tudo, var as normas do respectivo sistema de ensino, requerendo
político. o redesenho da organização das ações pedagógicas, com
§ 1º A validade da avaliação, na sua função diagnóstica, previsão de horário de trabalho e espaço de atuação para
liga-se à aprendizagem, possibilitando o aprendiz a recriar, professor e estudante, com conjunto próprio de recursos
refazer o que aprendeu, criar, propor e, nesse contexto, didáticopedagógica.
aponta para uma avaliação global, que vai além do aspecto
quantitativo, porque identifica o desenvolvimento da auto- Art. 51. As escolas que utilizam organização por série
nomia do estudante, que é indissociavelmente ético, social, podem adotar, no Ensino Fundamental, sem prejuízo da ava-
intelectual. liação do processo ensino-aprendizagem, diversas formas
§ 2º Em nível operacional, a avaliação da aprendiza- de progressão, inclusive a de progressão continuada, jamais
gem tem, como referência, o conjunto de conhecimentos, entendida como promoção automática, o que supõe tratar o
habilidades, atitudes, valores e emoções que os sujeitos do conhecimento como processo e vivência que não se harmo-
processo educativo projetam para si de modo integrado e niza com a ideia de interrupção, mas sim de construção, em
articulado com aqueles princípios definidos para a Educa- que o estudante, enquanto sujeito da ação, está em processo
ção Básica, redimensionados para cada uma de suas eta- contínuo de formação, construindo significados.
pas, bem assim no projeto políticopedagógico da escola.
§ 3º A avaliação na Educação Infantil é realizada me- Seção III
diante acompanhamento e registro do desenvolvimento da Avaliação institucional
criança, sem o objetivo de promoção, mesmo em se tratan-
do de acesso ao Ensino Fundamental. Art. 52. A avaliação institucional interna deve ser pre-
§ 4º A avaliação da aprendizagem no Ensino Funda- vista no projeto políticopedagógico e detalhada no plano
mental e no Ensino Médio, de caráter formativo predo- de gestão, realizada anualmente, levando em consideração
minando sobre o quantitativo e classificatório, adota uma as orientações contidas na regulamentação vigente, para
estratégia de progresso individual e contínuo que favorece rever o conjunto de objetivos e metas a serem concreti-
o crescimento do educando, preservando a qualidade ne- zados, mediante ação dos diversos segmentos da comu-
cessária para a sua formação escolar, sendo organizada de nidade educativa, o que pressupõe delimitação de indica-
acordo com regras comuns a essas duas etapas. dores compatíveis com a missão da escola, além de clareza
quanto ao que seja qualidade social da aprendizagem e da
Seção II escola.
Promoção, aceleração de estudos e classificação
Seção IV
Art. 48. A promoção e a classificação no Ensino Funda- Avaliação de redes de Educação Básica
mental e no Ensino Médio podem ser utilizadas em qual-
quer ano, série, ciclo, módulo ou outra unidade de percurso Art. 53. A avaliação de redes de Educação Básica ocorre
adotada, exceto na primeira do Ensino Fundamental, alicer- periodicamente, é realizada por órgãos externos à escola e
çando-se na orientação de que a avaliação do rendimento engloba os resultados da avaliação institucional, sendo que
escolar observará os seguintes critérios: os resultados dessa avaliação sinalizam para a sociedade
I - avaliação contínua e cumulativa do desempenho do se a escola apresenta qualidade suficiente para continuar
estudante, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre funcionando como está.
os quantitativos e dos resultados ao longo do período so-
bre os de eventuais provas finais; CAPÍTULO III
II - possibilidade de aceleração de estudos para estu- GESTÃO DEMOCRÁTICA E ORGANIZAÇÃO DA ES-
dantes com atraso escolar; COLA
III - possibilidade de avanço nos cursos e nas séries
mediante verificação do aprendizado; Art. 54. É pressuposto da organização do trabalho pe-
IV - aproveitamento de estudos concluídos com êxito; dagógico e da gestão da escola conceber a organização
V - oferta obrigatória de apoio pedagógico destinado e a gestão das pessoas, do espaço, dos processos e pro-
à recuperação contínua e concomitante de aprendizagem cedimentos que viabilizam o trabalho expresso no projeto
de estudantes com déficit de rendimento escolar, a ser pre- políticopedagógico e em planos da escola, em que se con-
visto no regimento escolar. formam as condições de trabalho definidas pelas instâncias
colegiadas.

306
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

§ 1º As instituições, respeitadas as normas legais e as CAPÍTULO IV


do seu sistema de ensino, têm incumbências complexas e O PROFESSOR E A FORMAÇÃO INICIAL E CONTI-
abrangentes, que exigem outra concepção de organização NUADA
do trabalho pedagógico, como distribuição da carga ho-
rária, remuneração, estratégias claramente definidas para Art. 56. A tarefa de cuidar e educar, que a fundamenta-
a ação didáticopedagógica coletiva que inclua a pesquisa, ção da ação docente e os programas de formação inicial e
a criação de novas abordagens e práticas metodológicas, continuada dos profissionais da educação instauram, refle-
incluindo a produção de recursos didáticos adequados às te-se na eleição de um ou outro método de aprendizagem,
condições da escola e da comunidade em que esteja ela a partir do qual é determinado o perfil de docente para a
inserida. Educação Básica, em atendimento às dimensões técnicas,
§ 2º É obrigatória a gestão democrática no ensino pú- políticas, éticas e estéticas.
blico e prevista, em geral, para todas as instituições de en- § 1º Para a formação inicial e continuada, as escolas de
sino, o que implica decisões coletivas que pressupõem a formação dos profissionais da educação, sejam gestores,
participação da comunidade escolar na gestão da escola professores ou especialistas, deverão incluir em seus currí-
e a observância dos princípios e finalidades da educação. culos e programas:
§ 3º No exercício da gestão democrática, a escola deve a) o conhecimento da escola como organização com-
se empenhar para constituir-se em espaço das diferenças e plexa que tem a função de promover a educação para e na
da pluralidade, inscrita na diversidade do processo tornado cidadania;
possível por meio de relações intersubjetivas, cuja meta é b) a pesquisa, a análise e a aplicação dos resultados de
a de se fundamentar em princípio educativo emancipador, investigações de interesse da área educacional;
expresso na liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e di- c) a participação na gestão de processos educativos e
vulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber. na organização e funcionamento de sistemas e instituições
de ensino;
Art. 55. A gestão democrática constitui-se em instru- d) a temática da gestão democrática, dando ênfase à
mento de horizontalização das relações, de vivência e con- construção do projeto políticopedagógico, mediante tra-
vivência colegiada, superando o autoritarismo no planeja- balho coletivo de que todos os que compõem a comunida-
mento e na concepção e organização curricular, educando de escolar são responsáveis.
para a conquista da cidadania plena e fortalecendo a ação
conjunta que busca criar e recriar o trabalho da e na escola Art. 57. Entre os princípios definidos para a educação
mediante: nacional está a valorização do profissional da educação,
I - a compreensão da globalidade da pessoa, enquanto com a compreensão de que valorizá-lo é valorizar a escola,
ser que aprende, que sonha e ousa, em busca de uma con- com qualidade gestorial, educativa, social, cultural, ética,
vivência social libertadora fundamentada na ética cidadã; estética, ambiental.
II - a superação dos processos e procedimentos buro- § 1º A valorização do profissional da educação escolar
cráticos, assumindo com pertinência e relevância: os planos vincula-se à obrigatoriedade da garantia de qualidade e
pedagógicos, os objetivos institucionais e educacionais, e ambas se associam à exigência de programas de formação
as atividades de avaliação contínua; inicial e continuada de docentes e não docentes, no con-
III - a prática em que os sujeitos constitutivos da comu- texto do conjunto de múltiplas atribuições definidas para
nidade educacional discutam a própria práxis pedagógica os sistemas educativos, em que se inscrevem as funções
impregnando-a de entusiasmo e de compromisso com a do professor.
sua própria comunidade, valorizando-a, situando-a no con- § 2º Os programas de formação inicial e continuada
texto das relações sociais e buscando soluções conjuntas; dos profissionais da educação, vinculados às orientações
IV - a construção de relações interpessoais solidárias, destas Diretrizes, devem prepará-los para o desempenho
geridas de tal modo que os professores se sintam estimula- de suas atribuições, considerando necessário:
dos a conhecer melhor os seus pares (colegas de trabalho, a) além de um conjunto de habilidades cognitivas, sa-
estudantes, famílias), a expor as suas ideias, a traduzir as ber pesquisar, orientar, avaliar e elaborar propostas, isto é,
suas dificuldades e expectativas pessoais e profissionais; interpretar e reconstruir o conhecimento coletivamente;
V - a instauração de relações entre os estudantes, pro- b) trabalhar cooperativamente em equipe;
porcionando-lhes espaços de convivência e situações de c) compreender, interpretar e aplicar a linguagem e os
aprendizagem, por meio dos quais aprendam a se com- instrumentos produzidos ao longo da evolução tecnológi-
preender e se organizar em equipes de estudos e de práti- ca, econômica e organizativa;
cas esportivas, artísticas e políticas; d) desenvolver competências para integração com a
VI - a presença articuladora e mobilizadora do gestor comunidade e para relacionamento com as famílias.
no cotidiano da escola e nos espaços com os quais a escola
interage, em busca da qualidade social das aprendizagens Art. 58. A formação inicial, nos cursos de licenciatura,
que lhe caiba desenvolver, com transparência e responsa- não esgota o desenvolvimento dos conhecimentos, sabe-
bilidade. res e habilidades referidas, razão pela qual um programa
de formação continuada dos profissionais da educação
será contemplado no projeto políticopedagógico.

307
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Art. 59. Os sistemas educativos devem instituir orien- Parágrafo único. Estas Diretrizes Curriculares Nacionais
tações para que o projeto de formação dos profissionais aplicam-se a todas as modalidades do Ensino Fundamental
preveja: previstas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
a) a consolidação da identidade dos profissionais da edu- bem como à Educação do Campo, à Educação Escolar Indí-
cação, nas suas relações com a escola e com o estudante; gena e à Educação Escolar Quilombola.
b) a criação de incentivos para o resgate da imagem
social do professor, assim como da autonomia docente FUNDAMENTOS
tanto individual como coletiva;
c) a definição de indicadores de qualidade social da Art. 3º O Ensino Fundamental se traduz como um direi-
educação escolar, a fim de que as agências formadoras de to público subjetivo de cada um e como dever do Estado e
profissionais da educação revejam os projetos dos cursos da família na sua oferta a todos.
de formação inicial e continuada de docentes, de modo
que correspondam às exigências de um projeto de Nação. Art. 4º É dever do Estado garantir a oferta do Ensino
Fundamental público, gratuito e de qualidade, sem requi-
Art. 60. Esta Resolução entrará em vigor na data de sua sito de seleção.
publicação. Parágrafo único. As escolas que ministram esse ensino
deverão trabalhar considerando essa etapa da educação
como aquela capaz de assegurar a cada um e a todos o
acesso ao conhecimento e aos elementos da cultura im-
BRASIL. RESOLUÇÃO CNE/CEB 07/2010 - prescindíveis para o seu desenvolvimento pessoal e para a
DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS vida em sociedade, assim como os benefícios de uma for-
PARA O ENSINO FUNDAMENTAL DE 09 mação comum, independentemente da grande diversidade
(NOVE) ANOS. BRASÍLIA: CNE, 2010. da população escolar e das demandas sociais.

Art. 5º O direito à educação, entendido como um di-


reito inalienável do ser humano, constitui o fundamento
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
maior destas Diretrizes. A educação, ao proporcionar o de-
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO
senvolvimento do potencial humano, permite o exercício
dos direitos civis, políticos, sociais e do direito à diferença,
CÂMARA DE EDUCAÇÃO BÁSICA
sendo ela mesma também um direito social, e possibilita a
RESOLUÇÃO Nº 7, DE 14 DE DEZEMBRODE 2010
formação cidadã e o usufruto dos bens sociais e culturais.
§ 1º O Ensino Fundamental deve comprometer-se com
Fixa Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino
uma educação com qualidade social, igualmente entendida
Fundamental de 9 (nove) anos.
como direito humano.
§ 2º A educação de qualidade, como um direito funda-
O Presidente da Câmara de Educação Básica do Con-
mental, é, antes de tudo, relevante, pertinente e equitativa.
selho Nacional de Educação, de conformidade com o dis-
I – A relevância reporta-se à promoção de aprendiza-
posto na alínea “c” do § 1º do art. 9º da Lei nº 4.024/61,
gens significativas do ponto de vista das exigências sociais
com a redação dada pela Lei nº 9.131/95, no art. 32 da Lei
e de desenvolvimento pessoal.
nº 9.394/96, na Lei nº 11.274/2006, e com fundamento no
II – A pertinência refere-se à possibilidade de atender
Parecer CNE/CEB nº 11/2010, homologado por Despacho
às necessidades e às características dos estudantes de di-
do Senhor Ministro de Estado da Educação, publicado no
versos contextos sociais e culturais e com diferentes capa-
DOU de 9 de dezembro de 2010, resolve:
cidades e interesses.
III – A equidade alude à importância de tratar de forma
Art. 1º A presente Resolução fixa as Diretrizes Curri-
diferenciada o que se apresenta como desigual no ponto
culares Nacionais para o Ensino Fundamental de 9 (nove)
de partida, com vistas a obter desenvolvimento e aprendi-
anos a serem observadas na organização curricular dos sis-
zagens equiparáveis, assegurando a todos a igualdade de
temas de ensino e de suas unidades escolares.
direito à educação.
Art. 2º As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensi-
§ 3º Na perspectiva de contribuir para a erradicação da
no Fundamental de 9 (nove) anos articulam-se com as Di-
pobreza e das desigualdades, a equidade requer que sejam
retrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Bá-
oferecidos mais recursos e melhores condições às escolas
sica (Parecer CNE/CEB nº 7/2010 e Resolução CNE/CEB nº
menos providas e aos alunos que deles mais necessitem.
4/2010) e reúnem princípios, fundamentos e procedimen-
Ao lado das políticas universais, dirigidas a todos sem re-
tos definidos pelo Conselho Nacional de Educação, para
quisito de seleção, é preciso também sustentar políticas
orientar as políticas públicas educacionais e a elaboração,
reparadoras que assegurem maior apoio aos diferentes
implementação e avaliação das orientações curriculares na-
grupos sociais em desvantagem.
cionais, das propostas curriculares dos Estados, do Distrito
§ 4º A educação escolar, comprometida com a igualda-
Federal, dos Municípios, e dos projetos político-pedagógi-
de do acesso de todos ao conhecimento e especialmente
cos das escolas.
empenhada em garantir esse acesso aos grupos da po-

308
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

pulação em desvantagem na sociedade, será uma edu-


cação com qualidade social e contribuirá para dirimir as MATRÍCULA NO ENSINO FUNDAMENTAL DE 9
desigualdades historicamente produzidas, assegurando, (NOVE) ANOS E CARGA HORÁRIA
assim, o ingresso, a permanência e o sucesso na escola,
com a consequente redução da evasão, da retenção e das Art. 8º O Ensino Fundamental, com duração de 9 (nove)
distorções de idade/ano/série (Parecer CNE/CEB nº 7/2010 anos, abrange a população na faixa etária dos 6 (seis) aos
e Resolução CNE/CEB nº 4/2010, que define as Diretrizes 14 (quatorze) anos de idade e se estende, também, a to-
Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica). dos os que, na idade própria, não tiveram condições de
frequentá-lo.
PRINCÍPIOS § 1º É obrigatória a matrícula no Ensino Fundamental
de crianças com 6 (seis) anos completos ou a completar até
Art. 6º Os sistemas de ensino e as escolas adotarão, o dia 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula, nos
como norteadores das políticas educativas e das ações pe- termos da Lei e das normas nacionais vigentes.
dagógicas, os seguintes princípios: § 2º As crianças que completarem 6 (seis) anos após
I – Éticos: de justiça, solidariedade, liberdade e auto- essa data deverão ser matriculadas na Educação Infantil
nomia; de respeito à dignidade da pessoa humana e de (Pré-Escola).
compromisso com a promoção do bem de todos, contri- § 3º A carga horária mínima anual do Ensino Funda-
mental regular será de 800 (oitocentas) horas relógio, dis-
buindo para combater e eliminar quaisquer manifestações
tribuídas em, pelo menos, 200 (duzentos) dias de efetivo
de preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quais-
trabalho escolar.
quer outras formas de discriminação.
II – Políticos: de reconhecimento dos direitos e deveres
CURRÍCULO
de cidadania, de respeito ao bem comum e à preserva-
ção do regime democrático e dos recursos ambientais; da
Art. 9º O currículo do Ensino Fundamental é entendido,
busca da equidade no acesso à educação, à saúde, ao tra-
nesta Resolução, como constituído pelas experiências es-
balho, aos bens culturais e outros benefícios; da exigência
colares que se desdobram em torno do conhecimento, per-
de diversidade de tratamento para assegurar a igualdade meadas pelas relações sociais, buscando articular vivências
de direitos entre os alunos que apresentam diferentes ne- e saberes dos alunos com os conhecimentos historicamen-
cessidades; da redução da pobreza e das desigualdades te acumulados e contribuindo para construir as identidades
sociais e regionais. dos estudantes.
III – Estéticos: do cultivo da sensibilidade juntamen- § 1º O foco nas experiências escolares significa que as
te com o da racionalidade; do enriquecimento das formas orientações e as propostas curriculares que provêm das di-
de expressão e do exercício da criatividade; da valorização versas instâncias só terão concretude por meio das ações
das diferentes manifestações culturais, especialmente a da educativas que envolvem os alunos.
cultura brasileira; da construção de identidades plurais e § 2º As experiências escolares abrangem todos os as-
solidárias. pectos do ambiente escolar, aqueles que compõem a parte
explícita do currículo, bem como os que também contri-
Art. 7º De acordo com esses princípios, e em conformi- buem, de forma implícita, para a aquisição de conhecimen-
dade com o art. 22 e o art. 32 da Lei nº 9.394/96 (LDB), as tos socialmente relevantes. Valores, atitudes, sensibilidade
propostas curriculares do Ensino Fundamental visarão de- e orientações de conduta são veiculados não só pelos co-
senvolver o educando, assegurar-lhe a formação comum nhecimentos, mas por meio de rotinas, rituais, normas de
indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe convívio social, festividades, pela distribuição do tempo e
os meios para progredir no trabalho e em estudos poste- organização do espaço educativo, pelos materiais utiliza-
riores, mediante os objetivos previstos para esta etapa da dos na aprendizagem e pelo recreio, enfim, pelas vivências
escolarização, a saber: proporcionadas pela escola.
I – o desenvolvimento da capacidade de aprender, § 3º Os conhecimentos escolares são aqueles que as
tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da diferentes instâncias que produzem orientações sobre o
escrita e do cálculo; currículo, as escolas e os professores selecionam e trans-
II – a compreensão do ambiente natural e social, do formam a fim de que possam ser ensinados e aprendidos,
sistema político, das artes, da tecnologia e dos valores em ao mesmo tempo em que servem de elementos para a for-
que se fundamenta a sociedade; mação ética, estética e política do aluno.
III – a aquisição de conhecimentos e habilidades, e a
formação de atitudes e valores como instrumentos para BASE NACIONAL COMUM E PARTE DIVERSIFICA-
uma visão crítica do mundo; DA: COMPLEMENTARIDADE
IV – o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços
de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que Art. 10 O currículo do Ensino Fundamental tem uma
se assenta a vida social. base nacional comum, complementada em cada sistema
de ensino e em cada estabelecimento escolar por uma par-
te diversificada.

309
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

c) Língua Estrangeira moderna;


Art. 11 A base nacional comum e a parte diversificada d) Arte; e
do currículo do Ensino Fundamental constituem um todo e) Educação Física;
integrado e não podem ser consideradas como dois blocos II – Matemática;
distintos. III – Ciências da Natureza;
§ 1º A articulação entre a base nacional comum e a par- IV – Ciências Humanas:
te diversificada do currículo do Ensino Fundamental possi- a) História;
bilita a sintonia dos interesses mais amplos de formação b) Geografia;
básica do cidadão com a realidade local, as necessidades V – Ensino Religioso.
dos alunos, as características regionais da sociedade, da § 1º O Ensino Fundamental deve ser ministrado em lín-
cultura e da economia e perpassa todo o currículo. gua portuguesa, assegurada também às comunidades in-
§ 2º Voltados à divulgação de valores fundamentais ao dígenas a utilização de suas línguas maternas e processos
interesse social e à preservação da ordem democrática, os próprios de aprendizagem, conforme o art. 210, § 2º, da
conhecimentos que fazem parte da base nacional comum Constituição Federal.
a que todos devem ter acesso, independentemente da re- § 2º O ensino de História do Brasil levará em conta as
gião e do lugar em que vivem, asseguram a característica contribuições das diferentes culturas e etnias para a forma-
unitária das orientações curriculares nacionais, das propos- ção do povo brasileiro, especialmente das matrizes indí-
tas curriculares dos Estados, do Distrito Federal, dos Mu- gena, africana e europeia (art. 26, § 4º, da Lei nº 9.394/96).
nicípios, e dos projetos político-pedagógicos das escolas. § 3º A história e as culturas indígena e afro-brasileira,
§ 3º Os conteúdos curriculares que compõem a parte presentes, obrigatoriamente, nos conteúdos desenvolvidos
diversificada do currículo serão definidos pelos sistemas de no âmbito de todo o currículo escolar e, em especial, no
ensino e pelas escolas, de modo a complementar e enri- ensino de Arte, Literatura e História do Brasil, assim como
quecer o currículo, assegurando a contextualização dos co- a História da África, deverão assegurar o conhecimento e
nhecimentos escolares em face das diferentes realidades. o reconhecimento desses povos para a constituição da na-
ção (conforme art. 26-A da Lei nº 9.394/96, alterado pela
Art. 12 Os conteúdos que compõem a base nacional Lei nº 11.645/2008). Sua inclusão possibilita ampliar o le-
comum e a parte diversificada têm origem nas disciplinas que de referências culturais de toda a população escolar e
científicas, no desenvolvimento das linguagens, no mundo contribui para a mudança das suas concepções de mundo,
do trabalho, na cultura e na tecnologia, na produção ar- transformando os conhecimentos comuns veiculados pelo
tística, nas atividades desportivas e corporais, na área da currículo e contribuindo para a construção de identidades
saúde e ainda incorporam saberes como os que advêm das mais plurais e solidárias.
formas diversas de exercício da cidadania, dos movimentos § 4º A Música constitui conteúdo obrigatório, mas não
sociais, da cultura escolar, da experiência docente, do coti- exclusivo, do componente curricular Arte, o qual com-
diano e dos alunos. preende também as artes visuais, o teatro e a dança, con-
forme o § 6º do art. 26 da Lei nº 9.394/96.
Art. 13 Os conteúdos a que se refere o art. 12 são cons- § 5º A Educação Física, componente obrigatório do
tituídos por componentes curriculares que, por sua vez, se currículo do Ensino Fundamental, integra a proposta políti-
articulam com as áreas de conhecimento, a saber: Lingua- copedagógica da escola e será facultativa ao aluno apenas
gens, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Huma- nas circunstâncias previstas no § 3º do art. 26 da Lei nº
nas. As áreas de conhecimento favorecem a comunicação 9.394/96.
entre diferentes conhecimentos sistematizados e entre § 6º O Ensino Religioso, de matrícula facultativa ao alu-
estes e outros saberes, mas permitem que os referenciais no, é parte integrante da formação básica do cidadão e
próprios de cada componente curricular sejam preserva- constitui componente curricular dos horários normais das
dos. escolas públicas de Ensino Fundamental, assegurado o res-
peito à diversidade cultural e religiosa do Brasil e vedadas
Art. 14 O currículo da base nacional comum do Ensino quaisquer formas de proselitismo, conforme o art. 33 da
Fundamental deve abranger, obrigatoriamente, conforme o Lei nº 9.394/96.
art. 26 da Lei nº 9.394/96, o estudo da Língua Portuguesa e
da Matemática, o conhecimento do mundo físico e natural Art. 16 Os componentes curriculares e as áreas de co-
e da realidade social e política, especialmente a do Brasil, nhecimento devem articular em seus conteúdos, a partir
bem como o ensino da Arte, a Educação Física e o Ensino das possibilidades abertas pelos seus referenciais, a abor-
Religioso. dagem de temas abrangentes e contemporâneos que afe-
tam a vida humana em escala global, regional e local, bem
Art. 15 Os componentes curriculares obrigatórios do como na esfera individual. Temas como saúde, sexualida-
Ensino Fundamental serão assim organizados em relação de e gênero, vida familiar e social, assim como os direitos
às áreas de conhecimento: das crianças e adolescentes, de acordo com o Estatuto da
I – Linguagens: Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), preservação do
a) Língua Portuguesa; meio ambiente, nos termos da política nacional de educa-
b) Língua Materna, para populações indígenas; ção ambiental (Lei nº 9.795/99), educação para o consumo,

310
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

educação fiscal, trabalho, ciência e tecnologia, e diversida- cal na definição das orientações imprimidas aos processos
de cultural devem permear o desenvolvimento dos con- educativos e nas formas de implementá-las, tendo como
teúdos da base nacional comum e da parte diversificada apoio um processo contínuo de avaliação das ações, a fim
do currículo. de garantir a distribuição social do conhecimento e con-
§ 1º Outras leis específicas que complementam a Lei tribuir para a construção de uma sociedade democrática e
nº 9.394/96 determinam que sejam ainda incluídos te- igualitária.
mas relativos à condição e aos direitos dos idosos (Lei nº § 3º O regimento escolar deve assegurar as condições
10.741/2003) e à educação para o trânsito (Lei nº 9.503/97). institucionais adequadas para a execução do projeto políti-
§ 2º A transversalidade constitui uma das maneiras de copedagógico e a oferta de uma educação inclusiva e com
trabalhar os componentes curriculares, as áreas de conhe- qualidade social, igualmente garantida a ampla participa-
cimento e os temas sociais em uma perspectiva integrada, ção da comunidade escolar na sua elaboração.
conforme a Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a § 4º O projeto políticopedagógico e o regimento esco-
Educação Básica (Parecer CNE/CEB nº 7/2010 e Resolução lar, em conformidade com a legislação e as normas vigen-
CNE/CEB nº 4/2010). tes, conferirão espaço e tempo para que os profissionais da
§ 3º Aos órgãos executivos dos sistemas de ensino escola e, em especial, os professores, possam participar de
compete a produção e a disseminação de materiais sub- reuniões de trabalho coletivo, planejar e executar as ações
sidiários ao trabalho docente, que contribuam para a eli- educativas de modo articulado, avaliar os trabalhos dos
minação de discriminações, racismo, sexismo, homofobia e alunos, tomar parte em ações de formação continuada e
outros preconceitos e que conduzam à adoção de compor- estabelecer contatos com a comunidade.
tamentos responsáveis e solidários em relação aos outros § 5º Na implementação de seu projeto políticopedagó-
e ao meio ambiente. gico, as escolas se articularão com as instituições formado-
ras com vistas a assegurar a formação continuada de seus
Art. 17 Na parte diversificada do currículo do Ensino profissionais.
Fundamental será incluído, obrigatoriamente, a partir do 6º
ano, o ensino de, pelo menos, uma Língua Estrangeira mo- Art. 21 No projeto políticopedagógico do Ensino Fun-
derna, cuja escolha ficará a cargo da comunidade escolar. damental e no regimento escolar, o aluno, centro do pla-
Parágrafo único. Entre as línguas estrangeiras moder- nejamento curricular, será considerado como sujeito que
nas, a língua espanhola poderá ser a opção, nos termos da atribui sentidos à natureza e à sociedade nas práticas so-
Lei nº 11.161/2005. ciais que vivencia, produzindo cultura e construindo sua
identidade pessoal e social.
PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO Parágrafo único. Como sujeito de direitos, o aluno
tomará parte ativa na discussão e na implementação das
Art. 18 O currículo do Ensino Fundamental com 9 normas que regem as formas de relacionamento na escola,
(nove) anos de duração exige a estruturação de um projeto fornecerá indicações relevantes a respeito do que deve ser
educativo coerente, articulado e integrado, de acordo com trabalhado no currículo e será incentivado a participar das
os modos de ser e de se desenvolver das crianças e adoles- organizações estudantis.
centes nos diferentes contextos sociais.
Art. 22 O trabalho educativo no Ensino Fundamental
Art. 19 Ciclos, séries e outras formas de organização a deve empenhar-se na promoção de uma cultura escolar
que se refere a Lei nº 9.394/96 serão compreendidos como acolhedora e respeitosa, que reconheça e valorize as ex-
tempos e espaços interdependentes e articulados entre si, ao periências dos alunos atendendo as suas diferenças e ne-
longo dos 9 (nove) anos de duração do Ensino Fundamental. cessidades específicas, de modo a contribuir para efetivar a
inclusão escolar e o direito de todos à educação.
GESTÃO DEMOCRÁTICA E PARTICIPATIVA COMO
GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO Art. 23 Na implementação do projeto políticopedagó-
gico, o cuidar e o educar, indissociáveis funções da escola,
Art. 20 As escolas deverão formular o projeto políti- resultarão em ações integradas que buscam articular-se,
copedagógico e elaborar o regimento escolar de acordo pedagogicamente, no interior da própria instituição, e tam-
com a proposta do Ensino Fundamental de 9 (nove) anos, bém externamente, com os serviços de apoio aos sistemas
por meio de processos participativos relacionados à gestão educacionais e com as políticas de outras áreas, para asse-
democrática. gurar a aprendizagem, o bem-estar e o desenvolvimento
§ 1º O projeto políticopedagógico da escola traduz a do aluno em todas as suas dimensões.
proposta educativa construída pela comunidade escolar no
exercício de sua autonomia, com base nas características RELEVÂNCIA DOS CONTEÚDOS, INTEGRAÇÃO E
dos alunos, nos profissionais e recursos disponíveis, tendo ABORDAGENS
como referência as orientações curriculares nacionais e dos
respectivos sistemas de ensino. Art. 24 A necessária integração dos conhecimentos es-
§ 2º Será assegurada ampla participação dos profissio- colares no currículo favorece a sua contextualização e apro-
nais da escola, da família, dos alunos e da comunidade lo- xima o processo educativo das experiências dos alunos.

311
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

§ 1º A oportunidade de conhecer e analisar experiên- o acesso a níveis universais de explicação dos fenômenos,
cias assentadas em diversas concepções de currículo inte- propiciando-lhes os meios para transitar entre a sua e ou-
grado e interdisciplinar oferecerá aos docentes subsídios tras realidades e culturas e participar de diferentes esferas
para desenvolver propostas pedagógicas que avancem na da vida social, econômica e política.
direção de um trabalho colaborativo, capaz de superar a Art. 27 Os sistemas de ensino, as escolas e os professo-
fragmentação dos componentes curriculares. res, com o apoio das famílias e da comunidade, envidarão
§ 2º Constituem exemplos de possibilidades de inte- esforços para assegurar o progresso contínuo dos alunos
gração do currículo, entre outros, as propostas curriculares no que se refere ao seu desenvolvimento pleno e à aqui-
ordenadas em torno de grandes eixos articuladores, pro- sição de aprendizagens significativas, lançando mão de
jetos interdisciplinares com base em temas geradores for- todos os recursos disponíveis e criando renovadas opor-
mulados a partir de questões da comunidade e articulados tunidades para evitar que a trajetória escolar discente seja
aos componentes curriculares e às áreas de conhecimento, retardada ou indevidamente interrompida.
currículos em rede, propostas ordenadas em torno de con- § 1º Devem, portanto, adotar as providências necessá-
ceitos-chave ou conceitos nucleares que permitam traba- rias para que a operacionalização do princípio da continui-
lhar as questões cognitivas e as questões culturais numa dade não seja traduzida como “promoção automática” de
perspectiva transversal, e projetos de trabalho com diver- alunos de um ano, série ou ciclo para o seguinte, e para que
sas acepções. o combate à repetência não se transforme em descompro-
§ 3º Os projetos propostos pela escola, comunidade, misso com o ensino e a aprendizagem.
redes e sistemas de ensino serão articulados ao desenvol- § 2º A organização do trabalho pedagógico inclui-
vimento dos componentes curriculares e às áreas de co- rá a mobilidade e a flexibilização dos tempos e espaços
nhecimento, observadas as disposições contidas nas Dire- escolares, a diversidade nos agrupamentos de alunos, as
trizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica diversas linguagens artísticas, a diversidade de materiais,
(Resolução CNE/CEB nº 4/2010, art. 17) e nos termos do os variados suportes literários, as atividades que mobili-
Parecer que dá base à presente Resolução. zem o raciocínio, as atitudes investigativas, as abordagens
complementares e as atividades de reforço, a articulação
Art. 25 Os professores levarão em conta a diversida- entre a escola e a comunidade, e o acesso aos espaços de
de sociocultural da população escolar, as desigualdades expressão cultural.
de acesso ao consumo de bens culturais e a multiplicidade
de interesses e necessidades apresentadas pelos alunos no Art. 28 A utilização qualificada das tecnologias e conteú-
desenvolvimento de metodologias e estratégias variadas dos das mídias como recurso aliado ao desenvolvimento do
que melhor respondam às diferenças de aprendizagem en- currículo contribui para o importante papel que tem a esco-
tre os estudantes e às suas demandas. la como ambiente de inclusão digital e de utilização crítica
das tecnologias da informação e comunicação, requerendo o
Art. 26 Os sistemas de ensino e as escolas assegurarão aporte dos sistemas de ensino no que se refere à:
adequadas condições de trabalho aos seus profissionais e o I – provisão de recursos midiáticos atualizados e em
provimento de outros insumos, de acordo com os padrões número suficiente para o atendimento aos alunos;
mínimos de qualidade referidos no inciso IX do art. 4º da II – adequada formação do professor e demais profis-
Lei nº 9.394/96 e em normas específicas estabelecidas pelo sionais da escola.
Conselho Nacional de Educação, com vistas à criação de
um ambiente propício à aprendizagem, com base: ARTICULAÇÕES E CONTINUIDADE DA TRAJETÓRIA
I – no trabalho compartilhado e no compromisso indi- ESCOLAR
vidual e coletivo dos professores e demais profissionais da
escola com a aprendizagem dos alunos; Art. 29 A necessidade de assegurar aos alunos um per-
II – no atendimento às necessidades específicas de curso contínuo de aprendizagens torna imperativa a arti-
aprendizagem de cada um mediante abordagens apropria- culação de todas as etapas da educação, especialmente
das; do Ensino Fundamental com a Educação Infantil, dos anos
III – na utilização dos recursos disponíveis na escola e iniciais e dos anos finais no interior do Ensino Fundamental,
nos espaços sociais e culturais do entorno; bem como do Ensino Fundamental com o Ensino Médio,
IV – na contextualização dos conteúdos, assegurando garantindo a qualidade da Educação Básica.
que a aprendizagem seja relevante e socialmente signifi- § 1º O reconhecimento do que os alunos já aprenderam
cativa; antes da sua entrada no Ensino Fundamental e a recupera-
V – no cultivo do diálogo e de relações de parceria com ção do caráter lúdico do ensino contribuirão para melhor
as famílias. qualificar a ação pedagógica junto às crianças, sobretudo
Parágrafo único. Como protagonistas das ações pe- nos anos iniciais dessa etapa da escolarização.
dagógicas, caberá aos docentes equilibrar a ênfase no § 2º Na passagem dos anos iniciais para os anos finais
reconhecimento e valorização da experiência do aluno e do Ensino Fundamental, especial atenção será dada:
da cultura local que contribui para construir identidades I – pelos sistemas de ensino, ao planejamento da ofer-
afirmativas, e a necessidade de lhes fornecer instrumentos ta educativa dos alunos transferidos das redes municipais
mais complexos de análise da realidade que possibilitem para as estaduais;

312
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

II – pelas escolas, à coordenação das demandas especí- a) identificar potencialidades e dificuldades de apren-
ficas feitas pelos diferentes professores aos alunos, a fim de dizagem e detectar problemas de ensino;
que os estudantes possam melhor organizar as suas ativi- b) subsidiar decisões sobre a utilização de estratégias e
dades diante das solicitações muito diversas que recebem. abordagens de acordo com as necessidades dos alunos, criar
condições de intervir de modo imediato e a mais longo prazo
Art. 30 Os três anos iniciais do Ensino Fundamental de- para sanar dificuldades e redirecionar o trabalho docente;
vem assegurar: c) manter a família informada sobre o desempenho dos
I – a alfabetização e o letramento; alunos;
II – o desenvolvimento das diversas formas de expres- d) reconhecer o direito do aluno e da família de discutir
são, incluindo o aprendizado da Língua Portuguesa, a Li- os resultados de avaliação, inclusive em instâncias superio-
teratura, a Música e demais artes, a Educação Física, assim res à escola, revendo procedimentos sempre que as reivin-
como o aprendizado da Matemática, da Ciência, da História dicações forem procedentes.
e da Geografia; II – utilizar vários instrumentos e procedimentos, tais
III – a continuidade da aprendizagem, tendo em conta como a observação, o registro descritivo e reflexivo, os
a complexidade do processo de alfabetização e os prejuí- trabalhos individuais e coletivos, os portfólios, exercícios,
zos que a repetência pode causar no Ensino Fundamental provas, questionários, dentre outros, tendo em conta a sua
como um todo e, particularmente, na passagem do primei- adequação à faixa etária e às características de desenvolvi-
ro para o segundo ano de escolaridade e deste para o ter- mento do educando;
ceiro. III – fazer prevalecer os aspectos qualitativos da apren-
§ 1º Mesmo quando o sistema de ensino ou a escola, dizagem do aluno sobre os quantitativos, bem como os re-
no uso de sua autonomia, fizerem opção pelo regime se- sultados ao longo do período sobre os de eventuais provas
riado, será necessário considerar os três anos iniciais do finais, tal como determina a alínea “a” do inciso V do art. 24
Ensino Fundamental como um bloco pedagógico ou um da Lei nº 9.394/96;
ciclo sequencial não passível de interrupção, voltado para IV – assegurar tempos e espaços diversos para que os
ampliar a todos os alunos as oportunidades de sistematiza- alunos com menor rendimento tenham condições de ser
ção e aprofundamento das aprendizagens básicas, impres- devidamente atendidos ao longo do ano letivo;
cindíveis para o prosseguimento dos estudos. V – prover, obrigatoriamente, períodos de recuperação,
§ 2º Considerando as características de desenvolvi- de preferência paralelos ao período letivo, como determina
mento dos alunos, cabe aos professores adotar formas de a Lei nº 9.394/96;
trabalho que proporcionem maior mobilidade das crianças VI – assegurar tempos e espaços de reposição dos con-
nas salas de aula e as levem a explorar mais intensamente teúdos curriculares, ao longo do ano letivo, aos alunos com
as diversas linguagens artísticas, a começar pela literatura, frequência insuficiente, evitando, sempre que possível, a
a utilizar materiais que ofereçam oportunidades de racio- retenção por faltas;
cinar, manuseando-os e explorando as suas características VII – possibilitar a aceleração de estudos para os alunos
e propriedades. com defasagem idade-série.

Art. 31 Do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, os Art. 33 Os procedimentos de avaliação adotados pelos


componentes curriculares Educação Física e Arte poderão professores e pela escola serão articulados às avaliações
estar a cargo do professor de referência da turma, aquele realizadas em nível nacional e às congêneres nos diferentes
com o qual os alunos permanecem a maior parte do perío- Estados e Municípios, criadas com o objetivo de subsidiar
do escolar, ou de professores licenciados nos respectivos os sistemas de ensino e as escolas nos esforços de melhoria
componentes. da qualidade da educação e da aprendizagem dos alunos.
§ 1º Nas escolas que optarem por incluir Língua Estran- § 1º A análise do rendimento dos alunos com base nos
geira nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o professor indicadores produzidos por essas avaliações deve auxiliar
deverá ter licenciatura específica no componente curricular. os sistemas de ensino e a comunidade escolar a redimen-
§ 2º Nos casos em que esses componentes curriculares sionarem as práticas educativas com vistas ao alcance de
sejam desenvolvidos por professores com licenciatura es- melhores resultados.
pecífica (conforme Parecer CNE/CEB nº 2/2008), deve ser § 2º A avaliação externa do rendimento dos alunos re-
assegurada a integração com os demais componentes tra- fere-se apenas a uma parcela restrita do que é trabalhado
balhados pelo professor de referência da turma. nas escolas, de sorte que as referências para o currículo
devem continuar sendo as contidas nas propostas políti-
AVALIAÇÃO: PARTE INTEGRANTE DO CURRÍCULO copedagógicas das escolas, articuladas às orientações e
propostas curriculares dos sistemas, sem reduzir os seus
Art. 32 A avaliação dos alunos, a ser realizada pelos propósitos ao que é avaliado pelos testes de larga escala.
professores e pela escola como parte integrante da pro-
posta curricular e da implementação do currículo, é redi- Art. 34 Os sistemas, as redes de ensino e os projetos
mensionadora da ação pedagógica e deve: político-pedagógicos das escolas devem expressar com
I – assumir um caráter processual, formativo e partici- clareza o que é esperado dos alunos em relação à sua
pativo, ser contínua, cumulativa e diagnóstica, com vistas a: aprendizagem.

313
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Art. 35 Os resultados de aprendizagem dos alunos que está situada a unidade escolar, mediante a utilização
devem ser aliados à avaliação das escolas e de seus pro- de equipamentos sociais e culturais aí existentes e o esta-
fessores, tendo em conta os parâmetros de referência dos belecimento de parcerias com órgãos ou entidades locais,
insumos básicos necessários à educação de qualidade para sempre de acordo com o respectivo projeto políticopeda-
todos nesta etapa da educação e respectivo custo aluno- gógico.
-qualidade inicial (CAQi), consideradas inclusive as suas § 3º Ao restituir a condição de ambiente de aprendiza-
modalidades e as formas diferenciadas de atendimento gem à comunidade e à cidade, a escola estará contribuindo
como a Educação do Campo, a Educação Escolar Indíge- para a construção de redes sociais e de cidades educado-
na, a Educação Escolar Quilombola e as escolas de tempo ras.
integral. § 4º Os órgãos executivos e normativos da União e dos
Parágrafo único. A melhoria dos resultados de apren- sistemas estaduais e municipais de educação assegurarão
dizagem dos alunos e da qualidade da educação obriga: que o atendimento dos alunos na escola de tempo integral
I – os sistemas de ensino a incrementarem os disposi- possua infraestrutura adequada e pessoal qualificado, além
tivos da carreira e de condições de exercício e valorização do que, esse atendimento terá caráter obrigatório e será
do magistério e dos demais profissionais da educação e a passível de avaliação em cada escola.
oferecerem os recursos e apoios que demandam as escolas
e seus profissionais para melhorar a sua atuação; EDUCAÇÃO DO CAMPO, EDUCAÇÃO ESCOLAR IN-
II – as escolas a uma apreciação mais ampla das opor- DÍGENA E EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA
tunidades educativas por elas oferecidas aos educandos,
reforçando a sua responsabilidade de propiciar renovadas Art. 38 A Educação do Campo, tratada como educação
oportunidades e incentivos aos que delas mais necessitem. rural na legislação brasileira, incorpora os espaços da flo-
resta, da pecuária, das minas e da agricultura e se estende,
A EDUCAÇÃO EM ESCOLA DE TEMPO INTEGRAL também, aos espaços pesqueiros, caiçaras, ribeirinhos e
extrativistas, conforme as Diretrizes para a Educação Básica
Art. 36 Considera-se como de período integral a jorna- do Campo (Parecer CNE/CEB nº 36/2001 e Resolução CNE/
da escolar que se organiza em 7 (sete) horas diárias, no mí- CEB nº 1/2002; Parecer CNE/CEB nº 3/2008 e Resolução
nimo, perfazendo uma carga horária anual de, pelo menos, CNE/CEB nº 2/2008).
1.400 (mil e quatrocentas) horas.
Parágrafo único. As escolas e, solidariamente, os sistemas Art. 39 A Educação Escolar Indígena e a Educação Es-
de ensino, conjugarão esforços objetivando o progressivo colar Quilombola são, respectivamente, oferecidas em uni-
aumento da carga horária mínima diária e, consequentemen- dades educacionais inscritas em suas terras e culturas e,
te, da carga horária anual, com vistas à maior qualificação do para essas populações, estão assegurados direitos especí-
processo de ensino-aprendizagem, tendo como horizonte o ficos na Constituição Federal que lhes permitem valorizar e
atendimento escolar em período integral. preservar as suas culturas e reafirmar o seu pertencimento
étnico.
Art. 37 A proposta educacional da escola de tempo in- § 1º As escolas indígenas, atendendo a normas e or-
tegral promoverá a ampliação de tempos, espaços e opor- denamentos jurídicos próprios e a Diretrizes Curriculares
tunidades educativas e o compartilhamento da tarefa de Nacionais específicas, terão ensino intercultural e bilíngue,
educar e cuidar entre os profissionais da escola e de outras com vistas à afirmação e à manutenção da diversidade
áreas, as famílias e outros atores sociais, sob a coordenação étnica e linguística, assegurarão a participação da comu-
da escola e de seus professores, visando alcançar a melho- nidade no seu modelo de edificação, organização e ges-
ria da qualidade da aprendizagem e da convivência social tão, e deverão contar com materiais didáticos produzidos
e diminuir as diferenças de acesso ao conhecimento e aos de acordo com o contexto cultural de cada povo (Parecer
bens culturais, em especial entre as populações socialmen- CNE/CEB nº 14/99 e Resolução CNE/CEB nº 3/99).
te mais vulneráveis. § 2º O detalhamento da Educação Escolar Quilombola
§ 1º O currículo da escola de tempo integral, concebido deverá ser definido pelo Conselho Nacional de Educação
como um projeto educativo integrado, implica a ampliação por meio de Diretrizes Curriculares Nacionais específicas.
da jornada escolar diária mediante o desenvolvimento de
atividades como o acompanhamento pedagógico, o refor- Art. 40 O atendimento escolar às populações do cam-
ço e o aprofundamento da aprendizagem, a experimenta- po, povos indígenas e quilombolas requer respeito às suas
ção e a pesquisa científica, a cultura e as artes, o esporte peculiares condições de vida e a utilização de pedagogias
e o lazer, as tecnologias da comunicação e informação, a condizentes com as suas formas próprias de produzir co-
afirmação da cultura dos direitos humanos, a preservação nhecimentos, observadas as Diretrizes Curriculares Nacio-
do meio ambiente, a promoção da saúde, entre outras, arti- nais Gerais para a Educação Básica (Parecer CNE/CEB nº
culadas aos componentes curriculares e às áreas de conhe- 7/2010 e Resolução CNE/CEB nº 4/2010).
cimento, a vivências e práticas socioculturais. § 1º As escolas das populações do campo, dos povos
§ 2º As atividades serão desenvolvidas dentro do es- indígenas e dos quilombolas, ao contar com a participação
paço escolar conforme a disponibilidade da escola, ou fora ativa das comunidades locais nas decisões referentes ao
dele, em espaços distintos da cidade ou do território em currículo, estarão ampliando as oportunidades de:

314
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

I – reconhecimento de seus modos próprios de vida, a realização de tarefas e favorecer a sua autonomia (con-
suas culturas, tradições e memórias coletivas, como fun- forme Decreto nº 6.571/2008, Parecer CNE/CEB nº 13/2009
damentais para a constituição da identidade das crianças, e Resolução CNE/CEB nº 4/2009).
adolescentes e adultos; Parágrafo único. O atendimento educacional especia-
II – valorização dos saberes e do papel dessas popula- lizado poderá ser oferecido no contraturno, em salas de
ções na produção de conhecimentos sobre o mundo, seu recursos multifuncionais na própria escola, em outra esco-
ambiente natural e cultural, assim como as práticas am- la ou em centros especializados e será implementado por
bientalmente sustentáveis que utilizam; professores e profissionais com formação especializada, de
III – reafirmação do pertencimento étnico, no caso das acordo com plano de atendimento aos alunos que identifi-
comunidades quilombolas e dos povos indígenas, e do cul- que suas necessidades educacionais específicas, defina os
tivo da língua materna na escola para estes últimos, como recursos necessários e as atividades a serem desenvolvidas.
elementos importantes de construção da identidade;
IV – flexibilização, se necessário, do calendário escolar, EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
das rotinas e atividades, tendo em conta as diferenças rela-
tivas às atividades econômicas e culturais, mantido o total Art. 43 Os sistemas de ensino assegurarão, gratuita-
de horas anuais obrigatórias no currículo; mente, aos jovens e adultos que não puderam efetuar os
V – superação das desigualdades sociais e escolares estudos na idade própria, oportunidades educacionais
que afetam essas populações, tendo por garantia o direito adequadas às suas características, interesses, condições de
à educação; vida e de trabalho mediante cursos e exames, conforme
§ 2º Os projetos político-pedagógicos das escolas do estabelece o art. 37, § 1º, da Lei nº 9.394/96.
campo, indígenas e quilombolas devem contemplar a di-
versidade nos seus aspectos sociais, culturais, políticos, Art. 44 A Educação de Jovens e Adultos, voltada para
econômicos, éticos e estéticos, de gênero, geração e etnia. a garantia de formação integral, da alfabetização às dife-
§ 3º As escolas que atendem a essas populações de- rentes etapas da escolarização ao longo da vida, inclusive
verão ser devidamente providas pelos sistemas de ensino àqueles em situação de privação de liberdade, é pautada
de materiais didáticos e educacionais que subsidiem o tra- pela inclusão e pela qualidade social e requer:
balho com a diversidade, bem como de recursos que asse- I – um processo de gestão e financiamento que lhe as-
gurem aos alunos o acesso a outros bens culturais e lhes segure isonomia em relação ao Ensino Fundamental regular;
permitam estreitar o contato com outros modos de vida e II – um modelo pedagógico próprio que permita a
outras formas de conhecimento. apropriação e a contextualização das Diretrizes Curricula-
§ 4º A participação das populações locais pode tam- res Nacionais;
bém subsidiar as redes escolares e os sistemas de ensino III – a implantação de um sistema de monitoramento
quanto à produção e à oferta de materiais escolares e no e avaliação;
que diz respeito a transporte e a equipamentos que aten- IV – uma política de formação permanente de seus
dam as características ambientais e socioculturais das co- professores;
munidades e as necessidades locais e regionais. V – maior alocação de recursos para que seja ministra-
da por docentes licenciados.
EDUCAÇÃO ESPECIAL
Art. 45 A idade mínima para o ingresso nos cursos de
Art. 41 O projeto políticopedagógico da escola e o re- Educação de Jovens e Adultos e para a realização de exa-
gimento escolar, amparados na legislação vigente, deverão mes de conclusão de EJA será de 15 (quinze) anos com-
contemplar a melhoria das condições de acesso e de per- pletos (Parecer CNE/CEB nº 6/2010 e Resolução CNE/CEB
manência dos alunos com deficiência, transtornos globais nº 3/2010).
do desenvolvimento e altas habilidades nas classes comuns Parágrafo único. Considerada a prioridade de aten-
do ensino regular, intensificando o processo de inclusão dimento à escolarização obrigatória, para que haja oferta
nas escolas públicas e privadas e buscando a universaliza- capaz de contemplar o pleno atendimento dos adolescen-
ção do atendimento. tes, jovens e adultos na faixa dos 15 (quinze) anos ou mais,
Parágrafo único. Os recursos de acessibilidade são com defasagem idade/série, tanto na sequência do ensino
aqueles que asseguram condições de acesso ao currícu- regular, quanto em Educação de Jovens e Adultos, assim
lo dos alunos com deficiência e mobilidade reduzida, por como nos cursos destinados à formação profissional, tor-
meio da utilização de materiais didáticos, dos espaços, mo- na-se necessário:
biliários e equipamentos, dos sistemas de comunicação e I – fazer a chamada ampliada dos estudantes em todas
informação, dos transportes e outros serviços. as modalidades do Ensino Fundamental;
II – apoiar as redes e os sistemas de ensino a estabe-
Art. 42 O atendimento educacional especializado aos lecerem política própria para o atendimento desses estu-
alunos da Educação Especial será promovido e expandido dantes, que considere as suas potencialidades, necessida-
com o apoio dos órgãos competentes. Ele não substitui a des, expectativas em relação à vida, às culturas juvenis e ao
escolarização, mas contribui para ampliar o acesso ao cur- mundo do trabalho, inclusive com programas de acelera-
rículo, ao proporcionar independência aos educandos para ção da aprendizagem, quando necessário;

315
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

III – incentivar a oferta de Educação de Jovens e Adul- Art. 49 O Ministério da Educação, em articulação com
tos nos períodos diurno e noturno, com avaliação em pro- os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, deverá en-
cesso. caminhar ao Conselho Nacional de Educação, precedida
de consulta pública nacional, proposta de expectativas de
Art. 46 A oferta de cursos de Educação de Jovens e aprendizagem dos conhecimentos escolares que devem
Adultos, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, será pre- ser atingidas pelos alunos em diferentes estágios do Ensino
sencial e a sua duração ficará a critério de cada sistema Fundamental (art. 9º, § 3º, desta Resolução).
de ensino, nos termos do Parecer CNE/CEB nº 29/2006, tal Parágrafo único. Cabe, ainda, ao Ministério da Educa-
como remete o Parecer CNE/CEB nº 6/2010 e a Resolução ção elaborar orientações e oferecer outros subsídios para a
CNE/CEB nº 3/2010. Nos anos finais, ou seja, do 6º ano ao implementação destas Diretrizes.
9º ano, os cursos poderão ser presenciais ou a distância,
devidamente credenciados, e terão 1.600 (mil e seiscentas) Art. 50 A presente Resolução entrará em vigor na data
horas de duração. de sua publicação, revogando-se as disposições em con-
Parágrafo único. Tendo em conta as situações, os per- trário, especialmente a Resolução CNE/CEB nº 2, de 7 de
fis e as faixas etárias dos adolescentes, jovens e adultos, abril de 1998.
o projeto políticopedagógico da escola e o regimento
escolar viabilizarão um modelo pedagógico próprio para
essa modalidade de ensino que permita a apropriação e a LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO
contextualização das Diretrizes Curriculares Nacionais, as-
DE SUZANO – SP:
segurando:
I – a identificação e o reconhecimento das formas de LEI MUNICIPAL N° 190, DE 01 DE JULHO
aprender dos adolescentes, jovens e adultos e a valorização DE 2010 - ESTATUTO DOS SERVIDORES
de seus conhecimentos e experiências; PÚBLICOS DO MUNICÍPIO DE SUZANO.
II – a distribuição dos componentes curriculares de
modo a proporcionar um patamar igualitário de formação,
bem como a sua disposição adequada nos tempos e espa-
ços educativos, em face das necessidades específicas dos LEI COMPLEMENTAR Nº 190, DE 08/07/2010
estudantes. (Vide Lei nº 4568/2012)

Art. 47 A inserção de Educação de Jovens e Adultos no DISPÕE SOBRE O ESTATUTO DOS SERVIDORES PÚBLI-
Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, incluin- COS DO MUNICÍPIO DE SUZANO, E DÁ OUTRAS PROVI-
do, além da avaliação do rendimento dos alunos, a aferição DÊNCIAS.
de indicadores institucionais das redes públicas e privadas, (Autoria: Executivo Municipal
concorrerá para a universalização e a melhoria da qualida- Projeto de Lei Complementar nº 018/2010)
de do processo educativo.
O PREFEITO MUNICIPAL DE SUZANO, usando das atri-
A IMPLEMENTAÇÃO DESTAS DIRETRIZES: COM- buições legais que lhe são conferidas; FAZ SABER que a
PROMISSO SOLIDÁRIO DOS SISTEMAS E REDES DE Câmara Municipal de Suzano aprova e ele promulga a se-
ENSINO guinte Lei:

Art. 48 Tendo em vista a implementação destas Diretri- PARTE GERAL


zes, cabe aos sistemas e às redes de ensino prover:
I – os recursos necessários à ampliação dos tempos e LIVRO ÚNICO
espaços dedicados ao trabalho educativo nas escolas e a DOS SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS EM GERAL
distribuição de materiais didáticos e escolares adequados; TÍTULO I
II – a formação continuada dos professores e demais DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
profissionais da escola em estreita articulação com as ins-
tituições responsáveis pela formação inicial, dispensando Art. 1º Esta Lei estabelece o provimento e a vacância
especiais esforços quanto à formação dos docentes das dos cargos públicos municipais, os direitos, vantagens, de-
modalidades específicas do Ensino Fundamental e àqueles veres e responsabilidades dos Servidores Públicos do Mu-
que trabalham nas escolas do campo, indígenas e quilom-
nicípio de Suzano, incluindo os da área da Educação e os
bolas;
da Guarda Civil Municipal.
III – a coordenação do processo de implementação do
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, servidor é a pessoa
currículo, evitando a fragmentação dos projetos educativos
legalmente investida em cargo público, seja de provimento
no interior de uma mesma realidade educacional;
efetivo ou de provimento em comissão.
IV – o acompanhamento e a avaliação dos programas e
Art. 3º Cargo público é o conjunto de atribuições e res-
ações educativas nas respectivas redes e escolas e o supri-
ponsabilidades previstas na estrutura organizacional que
mento das necessidades detectadas.
devem ser atribuídas a um servidor público.

316
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Parágrafo Único. Os cargos públicos, acessíveis a todos II - em comissão, para cargos de livre nomeação e exo-
os cidadãos, são criados por Lei, com denominação pró- neração.
pria, número certo, atribuições, funções e responsabilida- Art. 13 A nomeação para cargo de provimento efetivo
des específicas e vencimento pago pelos cofres públicos, de carreira ou isolado depende de prévia aprovação em
para provimento em caráter efetivo ou em comissão. concurso público de provas ou de provas e títulos, obede-
Art. 4º Os cargos públicos de provimento efetivo do cido em qualquer caso, a ordem de classificação e o prazo
Município de Suzano serão os organizados em carreira e de validade.
os isolados.
Art. 5º As carreiras serão organizadas em grupos ocu- SEÇÃO III
pacionais de cargos de provimento efetivo, observadas a DA POSSE
escolaridade e a qualificação profissional exigidas, assim
como a natureza e complexidade das atribuições a serem Art. 14 Posse é a aceitação expressa das atribuições,
exercidas por seus ocupantes, na forma prevista em Lei. dos deveres, das responsabilidades e dos direitos inerentes
Art. 6º É vedado a qualquer agente público atribuir aos ao cargo ocupado, que não poderão ser alterados unilate-
ocupantes de cargos públicos atribuições ou responsabili- ralmente, por qualquer das partes, ressalvados os atos de
dades diversas das descritas para o cargo que ocupa, con- ofício previstos em Lei.
forme previsto em Lei, ressalvadas as responsabilidades, § 1º A posse será efetivada pela assinatura do respec-
encargos e atribuições decorrentes do exercício de função tivo termo pelo empossado e pela autoridade competente.
de direção, chefia e assessoramento ou da prestação de § 2º A posse ocorrerá no prazo de 15 (quinze) dias,
serviços especiais. contados da publicação do ato de nomeação, podendo ser
Art. 7º É proibido o exercício gratuito de cargos públi- prorrogável por igual período mediante requerimento do
cos, salvo os casos previstos em Lei. interessado, devidamente justificado e fundamentado.
§ 3º Em se tratando de servidor que esteja na data de
TÍTULO II publicação do ato de provimento em licença ou afastado
DO INGRESSO NO SERVIÇO PÚBLICO
por qualquer motivo legal, o prazo será contado do térmi-
Capítulo Único
no do impedimento.
DO PROVIMENTO
§ 4º No ato da posse o servidor apresentará obrigato-
SEÇÃO I
riamente declaração de bens e valores que constituem o
DISPOSIÇÕES GERAIS
seu patrimônio e declaração quanto ao exercício ou não de
Art. 8º São requisitos básicos para investidura em car- outro cargo, emprego ou função pública.
go público: § 5º Será tornado sem efeito o ato de provimento se a
I - a nacionalidade brasileira ou estrangeira, desde que posse não ocorrer no prazo previsto no parágrafo 2º, salvo
preenchidos os requisitos legais; a hipótese elencada no parágrafo 3º.
II - o gozo dos direitos políticos; Art. 15 A posse em cargo público dependerá de prévia
III - a quitação com as obrigações militares e eleitorais; inspeção médica oficial, além do exame relativo à aptidão
IV - o nível de escolaridade e capacitação exigido para psicológica e psiquiátrica, nos casos específicos.
o exercício do cargo;
V - a idade mínima de 18 (dezoito) anos; SEÇÃO IV
VI - aptidão física e mental. DO EXERCÍCIO
Parágrafo Único. As atribuições do cargo podem justi-
ficar a exigência de outros requisitos estabelecidos em Lei Art. 16 Exercício é o efetivo desempenho das atribui-
especial. ções do cargo público.
Art. 9º O provimento dos cargos públicos será através § 1º A autoridade competente do órgão ou entidade
de ato da autoridade competente de cada Poder. para onde for designado o servidor compete dar-lhe exer-
Art. 10 A investidura em cargo público ocorrerá com cício.
a posse. § 2º É de 10 (dez) dias úteis, o prazo improrrogável para
Art. 11 São formas de provimento de cargo público a: o servidor empossado em cargo público entrar em exercí-
I - nomeação; cio, contados da data da posse.
II - progressão; § 3º O servidor será exonerado do cargo se não entrar
III - readaptação; em exercício no prazo previsto no parágrafo 2º.
IV - reversão; Art. 17 O início, a suspensão, a interrupção e o reinício
V - aproveitamento; do exercício serão registrados no assentamento individual
VI - reintegração. do servidor.
Parágrafo Único. Ao entrar em exercício o servidor
SEÇÃO II apresentará ao setor de recursos humanos a documenta-
DA NOMEAÇÃO ção necessária ao assentamento individual.
Art. 18 Os servidores cumprirão jornada de trabalho
Art. 12 A nomeação será: fixada em razão das atribuições pertinentes aos respectivos
I - em caráter efetivo, quando se tratar de cargo de cargos, respeitada a duração máxima do trabalho semanal
carreira ou isolado; de 40 (quarenta) horas.

317
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Parágrafo Único. O disposto neste artigo não se aplica Parágrafo Único. Encontrando-se provido o cargo, o
a duração de trabalho estabelecida para categorias pro- servidor exercerá suas funções como excedente, até a ocor-
fissionais com regulamentação específica, bem como aos rência de vaga, preservado os seus direitos já adquiridos.
cargos de provimento em comissão. Art. 23 Não poderá reverter o aposentado que já tiver
completado 70 (setenta) anos de idade.
SEÇÃO V Art. 24 Em qualquer hipótese de reversão, deverá ser
DA PROGRESSÃO observada a legislação previdenciária vigente.

Art. 19 O servidor público ocupante de cargo de pro- SEÇÃO VIII


vimento efetivo deverá receber progressão na carreira nos DA REINTEGRAÇÃO
termos da Lei que fixar diretrizes do sistema de carreiras no
Serviço Público Municipal. Art. 25 Reintegração é a reinvestidura do servidor no
cargo anteriormente ocupado ou no cargo resultante de
SEÇÃO VI sua transformação, quando invalidada a sua exoneração
DA READAPTAÇÃO por decisão administrativa ou judicial, com ressarcimento
de todas as suas vantagens.
Art. 20 (Revogado pela Lei Complementar nº 198/2011) Parágrafo Único. Na hipótese do cargo ter sido extin-
§ 1º (VETADO) to, o servidor ficará em disponibilidade com remuneração
§ 2º (Revogado pela Lei Complementar nº 198/2011) proporcional ao tempo de serviço, observado o disposto
§ 3º (Revogado pela Lei Complementar nº 198/2011) nos arts. 27 a 29.
§ 4º (VETADO)
§ 5º (VETADO) SEÇÃO IX
§ 6º (Revogado pela Lei Complementar nº 198/2011) DA DISPONIBILIDADE E DO APROVEITAMENTO
Art. 20 A - A readaptação é a colocação do servidor
em cargo de atribuições e responsabilidades compatíveis Art. 26 Extinto o cargo ou declarada a sua desneces-
com a limitação que tenha sofrido em sua capacidade físi- sidade, o servidor estável ficará em disponibilidade com
ca, sensorial ou mental. remuneração total e que seu direito seja assegurado ao
§ 1º A readaptação dependerá obrigatoriamente de tempo de serviço, até seu adequado aproveitamento em
laudo de perícia da Previdência Social e exame médico ofi- outro cargo.
cial que avalie sua condição, apontando as funções que o Art. 27 O retorno à atividade de servidor em disponi-
servidor poderá executar. bilidade far-se-á mediante aproveitamento obrigatório em
§ 2º A readaptação será efetivada em cargo com atri- função de atribuições, requisitos, especificações e venci-
buições e jornada de trabalho afins e respeitada em todo o mento compatíveis com o anteriormente ocupado.
caso a escolaridade e habilitação exigida. Art. 28 O setor de recursos humanos determinará o
§ 3º A readaptação não acarretará aumento, reajuste imediato aproveitamento de servidor em disponibilidade
ou diminuição da remuneração devida. em vaga que vier a ocorrer nos órgãos de cada Poder, ob-
§ 4º Havendo o restabelecimento da capacidade física, servado o disposto no art. 27.
sensorial ou mental, constatado através de laudo de perícia Art. 29 O aproveitamento de servidor que se encontre
da Previdência Social e exame médico oficial, o servidor em disponibilidade dependerá de prévia comprovação de
readaptado deverá retornar às atribuições de seu cargo de sua capacidade física e mental, por junta médica oficial.
provimento efetivo. Parágrafo Único. Se julgado apto, o servidor passará
§ 5º O servidor readaptado deverá se submeter a exa- por treinamento e adaptação às suas novas funções e de-
me médico oficial nas periodicidades estipuladas pelo Po- verá assumir o exercício do cargo no prazo de 30 (trinta)
der Público Municipal ou pela Previdência Social. dias contados da publicação do ato de aproveitamento.
§ 6º Para a realização do exame tratado no parágrafo Art. 30 Será tornado sem efeito o aproveitamento e ex-
5º, o servidor será convocado através de correspondência tinta a disponibilidade se o servidor não entrar em exercício
registrada ou outro meio de comunicação. (Redação acres- no prazo estipulado pelo parágrafo único do art. 29, salvo
cida pela Lei Complementar nº 198/2011) em caso de doença comprovada por junta médica oficial.
Parágrafo Único. A hipótese prevista neste artigo con-
SEÇÃO VII figurará abandono de cargo apurado mediante processo
DA REVERSÃO administrativo, na forma desta Lei.

Art. 21 Reversão é o retorno à atividade do servidor SEÇÃO X


aposentado por invalidez, quando, por laudo de perícia da DO ESTÁGIO PROBATÓRIO
Previdência Social, forem declarados insubsistentes os mo-
tivos da aposentadoria. Art. 31 Ao entrar em exercício, o servidor nomeado para
Art. 22 A reversão será no mesmo cargo ou no cargo cargo público de provimento efetivo ficará sujeito a estágio
resultante de sua transformação ou redenominação. probatório por período de 36 (trinta e seis) meses, durante

318
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

o qual sua aptidão e capacidade serão objeto obrigatório § 2º O servidor aprovado no estágio probatório será
de avaliação de desempenho, observados os seguintes fa- confirmado no cargo, mediante ato a ser expedido pela au-
tores: toridade de cada Poder ou órgão no prazo máximo de 30
I - interesse; (trinta) dias.
II - respeito às normas e regulamentos; § 3º (VETADO)
III - responsabilidade; Art. 37 O servidor estável somente perderá o cargo nos
IV - adaptação; termos do parágrafo 1º do art. 41 e dos parágrafos 4º, 5º,
V - cooperação e solidariedade com os colegas; 6º e 7º do art. 169 da Constituição Federal.
VI - respeito; Parágrafo Único. Aplicam-se aos servidores públicos
VII - qualidade e atenção; municipais o disposto nos parágrafos 2º e 3º do art. 41 da
VIII - produtividade; Constituição Federal.
IX - economia;
X - flexibilidade; TÍTULO III
XI - iniciativa; DOS DIREITOS E VANTAGENS
XII - pontualidade; Capítulo I
XIII - assiduidade; DO VENCIMENTO E DEMAIS VANTAGENS
XIV - disciplina.
Art. 32 Os servidores em estágio probatório serão sub- Art. 38 (Revogado pela Lei Complementar nº 198/2011)
metidos a 3 (três) avaliações de desempenho, sendo a pri- Parágrafo Único. (VETADO)
meira aos 6 (seis) meses, contados da entrada em efetivo Art. 38 A - Vencimento é a retribuição pecuniária pelo
exercício; a segunda aos 18 (dezoito) meses e a terceira e exercício de cargo público, com valor fixado em Lei.
última aos 30 (trinta) meses. Parágrafo Único. O vencimento deverá ser revisado pe-
§ 1º As avaliações de desempenho serão realizadas riodicamente nos termos do inciso X do art. 37 da Cons-
pela chefia do setor em que o servidor estiver lotado e tituição Federal, notadamente no mês de março de cada
ano, conforme dispuser Lei Municipal. (Redação acrescida
acompanhadas pela Comissão de Avaliação de Desempe-
pela Lei Complementar nº 198/2011)
nho do Estágio Probatório, que será composta por 3 (três)
Art. 39 Vencimentos expressa a retribuição pecuniária
servidores obrigatoriamente efetivos e estáveis.
pelo exercício de cargo público efetivo, acrescido das van-
§ 2º A Comissão de que trata o parágrafo 1º será de-
tagens pecuniárias permanentes estabelecidas em Lei.
signada por ato da autoridade máxima de cada Poder ou
Art. 40 O vencimento do cargo público de provimento
órgão, vinculada ao setor administrativo competente.
efetivo é irredutível, ressalvado o disposto nos incisos XI e
Art. 33 O servidor deverá cumprir todo o período de
XIV do art. 37 da Constituição Federal.
estágio probatório no cargo público de provimento efetivo
§ 1º É assegurada a isonomia de vencimento para car-
em que se deu a posse. gos de atribuições iguais ou assemelhadas dos Poderes,
§ 1º Na hipótese de nomeação para cargo de provi- ressalvadas as vantagens de caráter individual e as relativas
mento em comissão, a contagem do período do estágio à natureza ou ao local de trabalho.
probatório será suspensa enquanto perdurar a referida si- § 2º A Lei que estabelecer o quadro geral de pessoal
tuação. deverá fixar o limite máximo e a relação entre o maior e o
§ 2º Sem prejuízo da contagem do tempo de efetivo menor vencimento dos servidores públicos municipais, nos
exercício, o servidor efetivo nomeado para cargo de provi- termos do § 5º do art. 39 da Constituição Federal.
mento em comissão conforme o parágrafo 1º, terá a avalia- Art. 41 Nenhum servidor público municipal poderá
ção de desempenho suspensa nos mesmos termos. perceber, mensalmente, a título de vencimentos, importân-
Art. 34 O servidor em período de estágio probatório cia superior ao subsídio do Prefeito Municipal.
não poderá ser promovido. Parágrafo Único. Excluem-se do teto de vencimentos
Art. 35 O servidor estável que, em virtude de concurso estabelecido no “caput” as importâncias recebidas a título
público de provas ou de provas e títulos, for nomeado para de gratificação natalina, adicional pela prestação de servi-
outro cargo público, ficará obrigado a cumprir novo perío- ço extraordinário e adicional de férias previstos nos incisos
do de estágio probatório. VIII, XVI e XVII do art. 7º da Constituição Federal.

SEÇÃO XII Capítulo II


DA ESTABILIDADE DAS FALTAS
SEÇÃO I
Art. 36 São estáveis após 3 (três) anos de efetivo exer- DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
cício, os servidores nomeados para cargo de provimento
efetivo em virtude de concurso público. Art. 42 Os critérios para fins de desconto da retribuição
§ 1º A estabilidade de que trata o «caput» terá como pecuniária pelo não comparecimento do servidor, serão os
condição para sua aquisição a obrigatoriedade de avalia- que seguem:
ção especial de desempenho, nos termos do parágrafo 4º I - ao servidor que não cumprir a totalidade de sua jor-
do art. 41 da Constituição Federal e arts. 31 e 32 desta Lei. nada diária de trabalho será consignada como “falta dia”;

319
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

II - o descumprimento de parte da jornada diária de § 1º O servidor deverá encaminhar requerimento com


trabalho será caracterizada como “falta hora”, as quais se- no mínimo dois (02) dias de antecedência solicitando o
rão ao longo do mês, somadas às demais para integraliza- abono das faltas a que se refere o «caput», sendo ouvido o
ção da “falta dia”. seu superior hierárquico, cabendo a decisão final ao titular
§ 1º O desconto financeiro da «falta dia» será efetuado da pasta imediatamente subordinado ao chefe de cada Po-
à razão de 1/30 (um trinta avos) do valor da retribuição der Público Municipal.
pecuniária mensal. § 2º Não serão permitidas faltas abonadas em emen-
§ 2º Se no final do mês ocorrer o saldo de «faltas hora», das de feriado.
serão elas somadas às que vierem ocorrer no mês seguinte
ou subsequentes, para fins do desconto previsto no pará- Capítulo III
grafo anterior. DOS DESCONTOS

SEÇÃO II Art. 47 Salvo por imposição legal ou mandado judicial,


DAS FALTAS JUSTIFICADAS nenhum desconto incidirá sobre os vencimentos do servi-
dor público, com exceção da contribuição sindical fixada
Art. 43 Nenhum servidor público municipal poderá fal- por Lei.
tar ao serviço, em período integral ou parcial, sem causa Parágrafo Único. Mediante autorização por escrito do
justificada. servidor, poderá haver consignação em folha de pagamen-
Parágrafo Único. Considera-se causa justificada o fato to a favor de entidade sindical e de terceiros, na forma da
que, por sua natureza ou circunstância, principalmente pela Lei.
consequência no âmbito da família, possa constituir neces- Art. 48 As reposições ao erário serão previamente co-
sidade imperiosa ao não comparecimento ao serviço. municadas ao servidor e descontadas em parcelas mensais
Art. 44 O servidor que faltar ao trabalho ficará obrigado cujo valor não excederá 10% (dez por cento) de seus ven-
a declarar, por escrito, a justificação da falta, a seu superior cimentos.
imediato, no primeiro dia em que a este comparecer, sob
Parágrafo Único. A reposição será feita em uma (01)
pena de sujeitar-se às consequências da falta injustificada.
única parcela quando constatado pagamento indevido no
§ 1º Não serão objeto de abono ou compensação as
mês anterior ao do processamento da folha de pagamento.
faltas que excederem a 2 (duas) por mês.
Art. 49 O servidor em débito decorrente da relação de
§ 2º O superior imediato do servidor decidirá sobre a
trabalho com o Poder Público que for exonerado ou apo-
justificação das faltas até o máximo de 5 (cinco) por ano.
sentado, terá o valor de seu débito descontado dos crédi-
§ 3º A justificação das faltas que excederem a 6 (seis)
tos que porventura tenha para receber do respectivo Poder.
por ano, até o limite de 12 (doze), será submetida, devida-
§ 1º Caso não existam créditos a receber ou estes não
mente informada e formalizada pelo superior imediato, ao
titular da pasta em que o servidor estiver lotado, no prazo sejam suficientes para suportar o valor devido, o servidor
máximo de 3 (três) dias. terá o prazo de até 90 (noventa) dias para quitar o débito.
§ 4º Para a justificação de qualquer falta será exigida § 2º O servidor cuja dívida relativa a reposição for su-
prova material do motivo alegado pelo servidor. perior a cinco (05) vezes o valor de sua remuneração, terá o
§ 5º Decidido o pedido de justificação da falta, será prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias para quitar o seu
o requerimento encaminhando imediatamente ao setor de débito nos casos previstos no «caput».
recursos humanos para as devidas anotações no assenta- § 3º Os valores percebidos pelo servidor, em razão de
mento individual do servidor. decisão liminar, de qualquer medida de caráter antecipa-
tório ou de sentença, posteriormente cassada ou revista,
SEÇÃO III deverão ser repostos ao erário no prazo máximo de 30
DAS FALTAS INJUSTIFICADAS (trinta) dias, contados da notificação para fazê-lo, sob pena
de inscrição em dívida ativa.
Art. 45 Serão consideradas faltas injustificadas aquelas
em que o servidor ausentar-se do serviço sem um justo Capítulo IV
motivo. DAS VANTAGENS
Parágrafo Único. Na hipótese do “caput” deste artigo, o SEÇÃO I
servidor sofrerá o desconto em seu vencimento e não será DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
considerado como período de efetivo exercício para todos
os efeitos. Art. 50 Além do vencimento, poderão ser pagas ao ser-
vidor as seguintes vantagens:
SEÇÃO IV I - gratificações;
DAS FALTAS ABONADAS II - adicionais;
III - auxílios.
Art. 46 As faltas ao serviço, até o máximo de 6 (seis) por Parágrafo Único. As gratificações e os adicionais incor-
ano, que não exceda a 1 (uma) por mês, serão abonadas poram-se aos vencimentos, apenas nos casos e condições
desde que não haja prejuízo à Administração. indicados em Lei.

320
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Art. 51 As vantagens pecuniárias não serão computa- § 1º A percepção da gratificação de que trata o «caput»
das, nem acumuladas, para efeito de concessão de quais- deste artigo não constitui cargo e será considerada como
quer outros acréscimos pecuniários ulteriores, sob o mes- vantagem acessória ao vencimento do servidor designado.
mo título ou idêntico fundamento. § 2º A denominação, qualificação, percentuais e demais
requisitos para a percepção da gratificação de que trata
SEÇÃO II o «caput» deste artigo serão estabelecidos através de Lei.
DAS GRATIFICAÇÕES E DOS ADICIONAIS
§ 3º A gratificação de que trata o «caput» deste artigo
apenas é devida ao servidor durante o período em que es-
Art. 52 Além do vencimento e das vantagens previstas
nesta Lei, serão deferidos aos servidores as seguintes gra- tiver exercendo efetivamente a função que foi designada,
tificações e adicionais: sendo indevido o seu recebimento no caso de revogação
I - gratificação por escolaridade; de sua designação.
II - gratificação por trabalho em local de difícil lotação; Art. 56 Aos ocupantes dos cargos de provimento em
III - gratificação pelo exercício de função de direção, comissão poderá ser concedida, por ato do Chefe de cada
chefia e assessoramento; Poder, gratificação a título de dedicação integral, pelo exer-
IV - gratificação natalina; cício de função de direção e assessoramento, a qual não
V - adicional pela prestação de serviço extraordinário; poderá ultrapassar 50% (cinquenta por cento) do venci-
VI - adicional noturno; mento correspondente.
VII - adicional de férias;
VIII - adicional pelo exercício de atividades insalubres SUBSEÇÃO IV
ou periculosas; DA GRATIFICAÇÃO NATALINA
IX - adicional por tempo de serviço.
Art. 57 A gratificação natalina será paga, anualmente,
Art. 53 Ao servidor público municipal ocupante de car- a todo servidor municipal, independente da remuneração
go de provimento efetivo constante do grupo ocupacional a que fizer jus.
superior, que comprovarem a conclusão de curso superior, § 1º A gratificação natalina corresponderá a 1/12 (um
desde que não seja requisito de provimento de seu car- doze avos) por mês de efetivo exercício no ano, da remune-
go, será pago, a título de Gratificação por Escolaridade, o ração devida em dezembro do ano correspondente.
percentual de 20% (vinte por cento) sobre o valor de seu § 2º A fração igual ou superior a 20 (vinte) dias de efeti-
vencimento. vo exercício será considerada como mês integral, para efei-
to do parágrafo anterior.
SUBSEÇÃO II § 3º A gratificação natalina será calculada sobre os ven-
DA GRATIFICAÇÃO POR TRABALHO EM LOCAL DE DI- cimentos do servidor, neles incluídos todas as vantagens
FÍCIL LOTAÇÃO de natureza permanente, inclusive a média aritmética das
horas extraordinárias efetivamente pagas durante o ano.
Art. 54 Além do vencimento e das vantagens constan-
§ 4º A gratificação natalina será estendida aos inativos
tes desta Lei, será concedida a Gratificação por Trabalho em
Local de Difícil Lotação, no percentual de 15% (quinze por e pensionistas, tendo como base o valor dos proventos que
cento) do valor de seu vencimento, especificamente aos perceberem no mês de dezembro de cada ano.
servidores ocupantes dos cargos de provimento efetivo de: § 5º A gratificação natalina será paga até o dia 20 (vin-
I - Profissionais da Saúde; te) do mês de dezembro de cada ano.
II - Profissionais da Educação; § 6º A primeira parcela correspondente a 50% (cinquen-
III - (VETADO) ta por cento) do valor da gratificação natalina será paga até
§ 1º A gratificação de que trata o «caput» não será in- o último dia útil do mês de novembro de cada ano.
corporada ao vencimento para nenhum fim. § 7º O servidor efetivo poderá requerer o adiantamen-
§ 2º Os servidores que percebem a gratificação nos ter- to de parcela não superior a 50% (cinquenta por cento) do
mos do «caput» perderão o direito no momento em que valor total da mesma, no período de fevereiro a novembro
cessar sua atuação nos referidos locais. do ano correspondente, no caso de:
§ 3º O disposto neste artigo deverá ser regulamentado I - gozo do período de férias anuais;
através de ato próprio da autoridade do respectivo Poder.
II - nos casos de emergência por doença grave do pró-
prio servidor ou do cônjuge, companheiro (a), pais, padras-
SUBSEÇÃO III
DA GRATIFICAÇÃO PELO EXERCÍCIO DE FUNÇÃO DE to, madrasta, filhos, enteados, netos, menor sob guarda ou
DIREÇÃO, CHEFIA E ASSESSORAMENTO tutela, irmãos, sogro e sogra;
III - falecimento de pessoas da família dentre os rela-
Art. 55 Ao servidor estável, ocupante de cargo de pro- cionados no inciso II;
vimento efetivo, que vier a ser designado para o desempe- IV - realização de despesas necessárias em virtude de
nho de função de direção, chefia ou assessoramento, será caso fortuito ou força maior, conforme previsto no Código
devida uma gratificação pelo seu exercício. Civil Brasileiro.

321
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

§ 8º O requerimento a que se refere o parágrafo 7º SUBSEÇÃO VII


deverá ser encaminhado para o titular da pasta responsável DO ADICIONAL DE FÉRIAS
pelo setor de recursos humanos do respectivo Poder, que
deverá decidir sobre o seu deferimento, ou não, no prazo Art. 63 Independentemente de solicitação, será pago
máximo de 15 (quinze) dias. ao servidor, nos termos do inciso XVII do art. 7º da Cons-
§ 9º No caso previsto no inciso II do parágrafo 7º, de- tituição Federal, por ocasião do gozo parcial ou total das
verá ser anexado ao requerimento laudo comprovando a férias, um adicional correspondente a 1/3 (um terço) do
emergência e necessidade, realizado por equipe médica vencimento do período.
oficial e pelo serviço social.
§ 10. No caso previsto no inciso III do parágrafo 7º, SUBSEÇÃO VIII
deverá ser anexado ao requerimento certificado de óbito, DO ADICIONAL PELO EXERCÍCIO DE ATIVIDADES IN-
comprovante do parentesco e laudo do serviço social com- SALUBRES OU PERICULOSAS
provando a necessidade.
§ 11. No caso previsto no inciso IV do parágrafo 7º, de- Art. 64 Os servidores que:
verá ser anexado ao requerimento a comprovação do caso I - trabalharem com habitualidade em locais insalubres,
fortuito ou de força maior reconhecido oficialmente. identificados através de laudo emitido pelo órgão munici-
Art. 58 O servidor exonerado perceberá sua gratifi- pal competente, farão jus a um adicional com percentuais
cação natalina, proporcionalmente aos meses de efetivo variáveis de 10% (dez por cento), 20% (vinte por cento) ou
exercício no ano, calculada sobre os vencimentos do mês 40% (quarenta por cento) sobre o menor vencimento pago
da exoneração. pelo erário municipal, conforme o grau da insalubridade;
Art. 59 A gratificação natalina não será considerada II - estiverem expostos a contato permanente com
para cálculo de qualquer vantagem pecuniária. substâncias inflamáveis, explosivas, eletricidade de alta
tensão, em condições de risco acentuado, durante o pe-
SUBSEÇÃO V ríodo de trabalho, farão jus ao adicional denominado de
DO ADICIONAL POR SERVIÇO EXTRAORDINÁRIO periculosidade de 30% (trinta por cento) sobre o valor do
vencimento de seu cargo de provimento efetivo.
Art. 60 O serviço extraordinário será remunerado: § 1º O servidor que fizer jus aos adicionais de insalu-
I - com acréscimo de 50% (cinquenta por cento), em bridade e de periculosidade deverá optar por apenas um
relação a hora normal de trabalho, de segunda-feira a sá- deles, não sendo acumuláveis estas vantagens.
bado, nos dias considerados ponto facultativo e nos dias § 2º O direito de adicional de insalubridade ou de pe-
objeto de compensação por ausência de expediente defi- riculosidade cessa com a eliminação das condições ou dos
nidos em atos do Chefe de cada Poder; riscos que deram causa a sua concessão.
II - com acréscimo de 100% (cem por cento), em rela- § 3º (VETADO)
ção à hora normal de trabalho, nos domingos e feriados. Art. 65 Haverá permanente controle da atividade de
Parágrafo Único. O serviço extraordinário realizado no servidores em operações ou locais considerados insalubres
período compreendido entre as 22 (vinte e duas) horas de ou perigosos, através da Comissão Interna de Prevenção de
um dia e as 5 (cinco) horas do dia seguinte, será acrescido Acidentes - CIPA.
do percentual relativo ao adicional noturno, nos termos do Parágrafo Único. A servidora gestante ou lactante será
art. 62 desta Lei. afastada, enquanto durar a gestação ou lactação, das ope-
Art. 61 Somente será permitido o serviço extraordiná- rações e locais previstos neste artigo, exercendo suas ativi-
rio para atender a situações excepcionais, temporárias e de dades em local salubre e em serviço não perigoso.
interesse público. Art. 66 Na concessão dos adicionais de que trata o art.
Parágrafo Único. As normas para a autorização da rea- 64 serão observadas as situações estabelecidas em legisla-
lização de serviços extraordinários no âmbito do serviço ção específica, em especial as Normas Regulamentadoras
público local serão definidas e regulamentadas através de do Ministério do Trabalho e Emprego.
ato do Chefe de cada Poder. Art. 67 Os locais de trabalho e os servidores que ope-
ram com Raios X ou substâncias radioativas serão mantidos
SUBSEÇÃO VI sob controle permanente, de modo que as doses de radia-
DO ADICIONAL NOTURNO ção ionizante não ultrapassem o nível máximo previsto em
legislação própria.
Art. 62 O serviço noturno, prestado em horário com- Parágrafo Único. Os servidores a que se refere este ar-
preendido entre 22 (vinte e duas) horas de um dia e 5 (cin- tigo serão submetidos a exames médicos a cada 6 (seis)
co) horas do dia seguinte terá o valor-hora acrescido de meses, por parte da Secretaria Municipal de Saúde.
mais 25% (vinte e cinco por cento), computando-se cada
hora como 52 (cinquenta e dois) minutos e 30 (trinta) se- SUBSEÇÃO IX
gundos. DO ADICIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO
Parágrafo Único. Em se tratando de serviço extraordi-
nário, o acréscimo de que trata este artigo incidirá sobre os Art. 68 (Revogado pela Lei Complementar nº 198/2011)
valores previstos no art. 60. § 3º (VETADO)

322
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

§ 4º (Revogado pela Lei Complementar nº 198/2011) Parágrafo Único. O valor total do “Vale-Alimentação”
Art. 68 A - O adicional por tempo de serviço é devido será definido através de legislação própria.
aos servidores, na seguinte proporção: Art. 72 O “Vale-Alimentação” não será concedido aos
I - à razão de 2% (dois por cento) de seu vencimento a servidores:
cada período de 2 (dois) anos de efetivo exercício, contínuo I - afastados nos termos dos arts. 114 e 115;
ou não;
II - à razão de 5% (cinco por cento) do seu vencimento II - em gozo das licenças previstas nos incisos II, III, IV,
a cada período de 5 (cinco) anos de efetivo exercício; V, VII, IX, X e XI do art. 82.
III - a sexta-parte, à razão de 1/6 (um sexto) do seu
vencimento, após 20 (vinte) anos de efetivo exercício. SUBSEÇÃO III
§ 1º Na concessão do adicional por tempo de serviço DO VALE-TRANSPORTE
severa ser observado o disposto no inciso XIV do art. 37 da
Constituição Federal. Art. 73 Será concedido o auxílio Vale-Transporte aos
§ 2º A fim de que se garanta a continuidade do adicio- servidores públicos do Município de Suzano, o qual deverá
nal já existente, previsto no inciso I, a contagem do prazo ser utilizado exclusivamente para o deslocamento entre o
para sua concessão iniciar-se-á na data de ingresso do ser- local de moradia e o local de trabalho, sendo de uso estri-
vidor no serviço público. tamente pessoal.
§ 3º A contagem do prazo para concessão dos adicio- § 1º O deslocamento de que trata o «caput» compreen-
nais previstos nos incisos II e III iniciar-se-á com a vigência de a soma de todos os componentes da viagem por um ou
desta Lei Complementar. mais meios de transporte entre o seu local de moradia e o
§ 4º O adicional por tempo de serviço que trata este ar- local de trabalho.
tigo será incorporado ao vencimento para todos os efeitos. § 2º O Vale-Transporte é aplicável a todas as formas
(Redação acrescida pela Lei Complementar nº 198/2011) e modalidades de transporte público coletivo urbano em
linhas municipais e intermunicipais regulares e com tarifas
SEÇÃO III
fixadas pela autoridade competente, excluídos os serviços
DOS AUXÍLIOS
seletivos e especiais.
Art. 74 Cada um dos Poderes Municipais participará
Art. 69 Além do vencimento e das demais vantagens
dos gastos de deslocamento do servidor com a ajuda de
previstas, serão concedidos aos servidores os seguintes
custo equivalente à parcela que exceder a 6% (seis por cen-
auxílios:
I - cesta básica; to) de seu vencimento.
II - vale-alimentação; Art. 75 Para fazer jus a concessão do Vale-Transporte,
III - vale-transporte. o servidor deverá requerer por escrito, em formulário pró-
prio, padronizado e distribuído pelo competente setor de
SUBSEÇÃO I recursos humanos, no qual constarão obrigatoriamente:
DA CESTA BÁSICA I - o endereço residencial do servidor;
II - os serviços e meios de transporte necessários ao
Art. 70 Fica estabelecido que os servidores que perce- deslocamento do local de moradia ao local de trabalho e
bem a título de vencimento o equivalente a 2 (duas) vezes vice e versa;
o menor vencimento farão jus a um auxílio, denominado III - compromisso a ser firmado pelo servidor, sob res-
“Cesta-Básica”, que será concedido através de crédito em ponsabilidade, de que somente utilizará o Vale-Transporte
cartão específico fornecido pelo Poder Público. para o seu próprio e efetivo deslocamento do local de mo-
Parágrafo Único. O disposto no “caput” aplica-se, in- radia ao local de trabalho e vice e versa, sob as penas da
clusive, aos: Lei;
I - servidores aposentados e pensionistas do Município IV - autorização do servidor para o desconto em folha
de Suzano; de pagamento da parcela de custeio nos termos do art. 74.
II - servidoras em gozo das licenças constantes do in- Art. 76 O desconto da parcela de custeio nos termos do
ciso V do art. 82; art. 74 terá por base o período a que se refere o pagamento
III - servidores afastados nos termos do inciso X do art. do vencimento e se processará na ocasião deste.
82; Parágrafo Único. Nos casos em que a despesa se situe
IV - (VETADO) aquém da parcela de custeio definida no art. 74, o descon-
to dar-se-á de acordo com o número de deslocamentos
SUBSEÇÃO II efetivamente concedidos.
DO VALE-ALIMENTAÇÃO Art. 77 O Vale-Transporte não será concedido durante
os períodos de férias, licenças, afastamentos e outras si-
Art. 71 Será concedido aos servidores públicos do ser- tuações em que o servidor não esteja obrigado a prestar
viço público municipal o auxilio denominado “Vale-Alimen- serviços no local de trabalho previamente declarado nos
tação”, através do fornecimento de cartão ou assemelhado, termos do art. 74.
que deverá ser utilizado para a aquisição de gêneros ali- Art. 78 A distribuição ou a utilização indevida do
mentícios nos estabelecimentos credenciados no Municí- Vale-Transporte caracteriza falta grave, sujeitando o res-
pio de Suzano. ponsável às penalidades previstas em Lei, assim como à

323
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

suspensão ou cassação definitiva do benefício, após a de- viva às suas expensas e conste do seu assentamento fun-
vida apuração em processo administrativo a ser realizada cional, mediante comprovação por junta médica oficial.
pelo setor competente do respectivo Poder. § 1º A licença somente será deferida se a assistência di-
Parágrafo Único. A concessão será suspensa mediante reta do servidor for indispensável e não puder ser prestada
despacho fundamentado pelo titular da pasta responsável simultaneamente com o exercício do cargo ou mediante
pelo órgão de recursos humanos, nos casos em que se veri- compensação de horário.
ficar irregularidades na distribuição ou na utilização do Va- § 2º A licença poderá ser concedida sem prejuízo do
le-Transporte até a apuração dos fatos e responsabilidades. respectivo vencimento do cargo de provimento efetivo, por
Art. 79 Não será concedido Vale-Transporte: até 05 (cinco) dias, mediante comprovação por junta mé-
dica oficial.
I - por expressa desistência do servidor;
§ 3º Após o prazo máximo constante do parágrafo 2º
II - pela exoneração, disponibilidade, aposentadoria, deste artigo, a licença poderá ser concedida, com prejuízo
falecimento ou por qualquer outro ato que implique a ex- da remuneração, até o limite máximo de 30 (trinta) dias.
clusão do servidor do serviço público do Município de Su- § 4º Em qualquer situação, a licença prevista neste ar-
zano; tigo apenas será concedida se não houver prejuízo para o
III - pela cassação nos termos do art. 78. serviço público, mediante análise do titular da pasta onde
Art. 80 O Vale-Transporte não possui natureza remu- o servidor estiver lotado e regular autorização do Chefe de
neratória e não se incorpora aos vencimentos do servidor cada Poder.
para nenhum efeito. § 5º Somente poderá ser concedida nova licença de
Art. 81 Cada Poder definirá o órgão de sua estrutura que trata o «caput» deste artigo, depois de decorrido o
administrativa que ficará encarregado de distribuir, contro- dobro do período da primeira licença concedida, ficando a
lar e operacionalizar a entrega do Vale-Transporte. concessão desta limitada a 02 (duas) a cada ano.
§ 6º Ao ocupante de cargo de provimento em comissão
Capítulo V não se concederá a licença de que trata este artigo.
DAS LICENÇAS Art. 84 Quando a pessoa da família do servidor estiver
SEÇÃO I em tratamento médico fora do Município de Suzano ou
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS residir em outro Município, será admitida a comprovação
por junta médica oficial do outro Município.
Art. 85 O servidor deverá requerer a licença com ante-
Art. 82 Conceder-se-á ao servidor licença:
cedência mínima de 5 (cinco) dias úteis antes do dia pre-
I - por motivo de doença em pessoa da família; visto para o período de licença, salvo se comprovadamente
II - para o serviço militar; em caso de situação emergencial.
III - para atividade política;
IV - para tratar de interesses particulares; SEÇÃO III
V - a gestante e a adotante; DA LICENÇA PARA O SERVIÇO MILITAR
VI - paternidade;
VII - para desempenho de mandato em Sindicato da Art. 86 Ao servidor convocado para o serviço militar
categoria; será concedida licença, na forma e condições previstas na
VIII - para capacitação; legislação específica.
IX - para tratamento da própria saúde;
X - por motivo de acidente em serviço ou para trata- SEÇÃO IV
mento de doença profissional; DA LICENÇA PARA ATIVIDADE POLÍTICA
XI - por motivo de afastamento do cônjuge ou com-
panheiro (a); Art. 87 A partir do registro de sua candidatura e até
XII - prêmio. o dia seguinte ao da eleição, o servidor efetivo fará jus à
1º É vedado o exercício de qualquer atividade remu- licença do serviço público, assegurados os vencimentos do
cargo efetivo.
nerada durante o período das licenças previstas nos incisos
§ 1º O período de licença previsto no «caput» será con-
I, V, VII, VIII, IX, X e XII. siderado como de efetivo exercício para todos os efeitos.
§ 2º Os servidores que exerçam cargos em comissão
§ 2º O servidor não poderá permanecer em licença da deverão desincompatibilizar-se na forma prevista pela le-
mesma espécie por período superior a 24 (vinte e quatro) gislação federal.
meses, salvo nos casos dos incisos II, III, VII, IX e X.
SEÇÃO V
SEÇÃO II DA LICENÇA PARA TRATAR DE INTERESSES PARTICU-
DA LICENÇA POR MOTIVO DE DOENÇA EM PESSOA DA LARES
FAMÍLIA
Art. 88 Poderá ser concedida licença para tratar de in-
Art. 83 Poderá ser concedida licença ao servidor ocu- teresses particulares, pelo período de até 02 (dois) anos
pante de cargo de provimento efetivo por motivo de doen- consecutivos, sem vencimentos, ao servidor que, ocupante
ça do cônjuge ou companheiro (a), dos pais, dos filhos, do de cargo de provimento efetivo, já não se encontre em pe-
padrasto ou madrasta e enteado ou de dependente que ríodo de estágio probatório.

324
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

§ 1º O disposto no «caput» deste artigo dependerá de IV - no caso de adoção ou guarda judicial de criança a
decisão conclusiva do titular do respectivo Poder, ouvido partir de 4 (quatro) anos até 8 (oito) anos de idade, o pe-
o responsável pela pasta competente e a assistência pré- ríodo de licença será de 30 (trinta) dias.
via do Sindicato dos Servidores Públicos do Município de Parágrafo Único. A licença-maternidade só será conce-
Suzano. dida mediante a apresentação do termo judicial de guarda
§ 2º A licença de que trata o «caput» deste artigo po- a adotante ou guardiã.
derá ser prorrogada, a pedido do servidor e a critério do
Poder Público Municipal, por mais um período de, no má- SEÇÃO VII
ximo, até 1 (um) ano. DA LICENÇA PATERNIDADE
§ 3º A licença poderá ser interrompida, a qualquer tem-
po, a pedido do servidor ou em decorrência do interesse Art. 94 Pelo nascimento, adoção ou guarda judicial de
público. filho, o servidor terá direito a uma licença remunerada de
§ 4º Não se concederá nova licença antes de decorri-
15 (quinze) dias consecutivos, a contar do nascimento, da
dos 2 (dois) anos do término da licença anterior ou de sua
data de adoção ou da guarda judicial.
prorrogação.
Parágrafo Único. Em caso de nascimento de mais de
§ 5º O servidor aguardará em exercício o despacho de-
cisório do seu pedido de licença. um filho no mesmo dia, o período da licença de que trata
Art. 89 O período em que o servidor estiver usufruindo este artigo não será cumulativo.
da licença de que trata o artigo anterior não será contado Art. 95 O período da licença de que trata o artigo an-
como efetivo exercício para nenhum efeito e toda conta- terior será contado como de efetivo exercício para todos
gem de tempo de serviço para a concessão de qualquer os efeitos.
vantagem será suspensa.
Art. 90 Não retornando ao trabalho o servidor no pe- SEÇÃO VIII
ríodo máximo de até 30 (trinta) dias após o término da li- DA LICENÇA PARA O DESEMPENHO DE MANDATO EM
cença, configurar-se-á o abandono de cargo, que deverá SINDICATO DA CATEGORIA
ser apurado nos termos desta Lei.
Art. 91 O respectivo setor de recursos humanos presta- Art. 96 Fica assegurado aos servidor, eleito para ocupar
rá assistência ao servidor que optar por efetuar o recolhi- cargo na Diretoria Executiva em sindicato da categoria, o
mento da contribuição previdenciária durante o período da direito de afastar-se de suas funções durante o tempo em
licença a que se refere o art. 88. que durar o mandato, recebendo seus vencimentos e van-
tagens nos termos da Lei.
SEÇÃO VI Parágrafo Único. A licença de que trata este artigo terá
DA LICENÇA À GESTANTE E À ADOTANTE duração igual à do mandato.
Art. 97 O servidor ocupante de cargo de provimento
Art. 92 A servidora gestante terá direito à licença-ma- em comissão ou designado para o exercício de função de
ternidade de 180 (cento e oitenta) dias, sem prejuízo de sua direção, chefia ou assessoramento deverá desincompatibi-
remuneração. lizar-se do cargo ou da função quando for empossado no
§ 1º Salvo prescrição médica em contrário, a licença mandato de que trata o artigo anterior.
poderá ser concedida a partir do 28º (vigésimo oitavo) dia
antes do parto e a data de ocorrência deste. SEÇÃO IX
§ 2º Ocorrido o parto sem que tenha sido concedida
DA LICENÇA PARA CAPACITAÇÃO
a licença, esta será considerada a partir da data do even-
to mediante apresentação da certidão de nascimento da
Art. 98 O servidor efetivo e estável poderá afastar-se
criança.
do exercício do cargo de provimento efetivo que ocupa,
§ 3º Em caso de aborto não criminoso, comprovado
mediante atestado médico, a servidora terá direito a uma assegurada a respectiva remuneração por até 90 (noventa)
licença correspondente a duas (02) semanas, sem prejuízo dias fracionáveis, para participar de curso de capacitação
de sua remuneração. profissional, ministrado por órgão oficial ou privado.
Art. 93 A servidora que adotar ou obtiver guarda judi- § 1º A licença somente será concedida mediante
cial para fins de adoção de criança será concedida licença- anuência do titular da pasta onde o servidor estiver lotado
-maternidade nos seguintes termos: e autorização do Chefe do respectivo Poder.
I - no caso de adoção ou guarda judicial de criança até § 2º Os períodos de licença de que trata o «caput» des-
2 (dois) meses de idade, o período de licença será de 180 te artigo não são acumuláveis.
(cento e oitenta) dias;
II - no caso de adoção ou guarda judicial de criança a SEÇÃO X
partir de 2 (dois) meses até 1 (um) ano de idade, o período LICENÇA PARA TRATAMENTO DA PRÓPRIA SAÚDE
de licença será de 120 (cento e vinte) dias;
III - no caso de adoção ou guarda judicial de criança a Art. 99 Será concedida ao servidor licença remunerada
partir de 1 (um) ano até 4 (quatro) anos de idade, o período para tratamento de saúde, a pedido do médico assistente,
de licença será de 60 (sessenta) dias; com base em perícia médica oficial.

325
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Art. 100 Para licença até 15 (quinze) dias, a inspeção Parágrafo Único. A licença de que trata o “caput” será
será feita por médico da rede oficial, solicitada pelo setor concedida mediante requerimento instruído através de do-
de recursos humanos do respectivo Poder ou órgão. cumentos comprobatórios da transferência.
§ 1º Na impossibilidade de locomoção do servidor de-
corrente da moléstia apresentada, a inspeção médica será SEÇÃO XIII
realizada em sua residência ou no estabelecimento hospi- DA LICENÇA-PRÊMIO
talar onde se encontre internado.
§ 2º Se o servidor estiver fora do Município, será ad- Art. 108 Após cada 5 (cinco) anos de efetivo exercício
mitido atestado passado por médico que integre a rede do
contínuo, ao servidor será concedida licença especial a tí-
respectivo serviço público de saúde.
tulo de licença-prêmio pelo período de 90 (noventa) dias,
§ 3º Findo o prazo da licença, o servidor será submetido
à nova inspeção médica, que concluirá pela volta ao serviço com todos os direitos e vantagens do cargo.
ou para o encaminhamento do mesmo à previdência social. § 1º A licença-prêmio não será concedida, se o servi-
Art. 101 A recusa do servidor em submeter-se à perícia dor, durante o período aquisitivo desta licença:
médica que trata o parágrafo 3º do artigo anterior inter- I - faltar, injustificadamente, por 15 (quinze) dias ou
romperá a licença e importará no imediato retorno do mes- mais, consecutivos ou alternados;
mo à atividade, sob pena de caracterização de abandono II - sofrido qualquer pena de suspensão;
de cargo, a partir do 30º (trigésimo) dia. III - gozado de licença:
Art. 102 O atestado ou laudo da junta médica oficial a) para tratamento de saúde, por prazo superior a 90
não se referirão ao nome ou natureza da doença, salvo (noventa) dias;
quando se tratar de lesões produzidas por acidente em tra- b) por motivo de doença de pessoa da família, por pra-
balho, doença profissional ou qualquer das doenças espe- zo superior a 30 (trinta) dias;
cificadas na legislação previdenciária. c) para tratar de interesses particulares;
§ 1º Somente serão aceitos atestados médicos em que d) por motivo de afastamento do cônjuge ou compa-
conste o Código Internacional de Doenças - CID. nheiro(a).
§ 2º A entrega de atestado médico, com a ciência da IV - sofrido pena de advertência por mais de 3 (três)
chefia imediata, deverá ser realizada no período máximo vezes, a cada ano do período aquisitivo;
de 24 (vinte e quatro) horas a partir da data de emissão do
V - estiver respondendo processo administrativo dis-
mesmo, ao setor de recursos humanos competente.
ciplinar.
SEÇÃO XI § 2º A contagem para novo período aquisitivo da licen-
DA LICENÇA POR MOTIVO DE ACIDENTE DO TRABA- ça-prêmio, nos casos previstos nos incisos I e II, começará
LHO OU PARA TRATAMENTO DE DOENÇA PROFISSIO- a partir da data em que o servidor reassumir o exercício do
NAL cargo ou no dia seguinte à falta injustificada.
§ 3º No caso de que trata o inciso IV, respeitar-se-á o
Art. 103 Será licenciado, nos termos da legislação pre- limite de 3 (três) meses, contados da aplicação da última
videnciária vigente, o servidor acidentado no trabalho ou pena de advertência, para se contar novo período aquisi-
que tenha adquirido doença profissional. tivo.
Art. 104 Quando expressamente constar na descrição § 4º Na hipótese do inciso V, a concessão da licença-
das atribuições de seu cargo que o servidor deverá partici- -prêmio ficará suspensa até o julgamento final do processo
par de atividades físicas ou esportivas no decurso da jorna- administrativo disciplinar.
da de trabalho, o infortúnio ocorrido durante estas ativida- Art. 109 A licença-prêmio será usufruída dentro do
des será considerado como acidente do trabalho. próximo período aquisitivo até o limite de 01 (um) ano, es-
Art. 105 Será considerado como dia do acidente, no calonada de acordo com a solicitação do servidor e atendi-
caso de doença profissional ou em serviço, a data do iní- do o interesse de cada um dos Poderes, devendo o servidor
cio da incapacidade laborativa para o exercício da atividade
aguardar em exercício a sua concessão.
habitual ou o dia em que for realizado o diagnóstico, ca-
bendo para esse efeito o que ocorrer primeiro. Parágrafo Único. A licença-prêmio prescreverá quando
Art. 106 A prova do acidente em serviço será feita no o servidor não iniciar o seu gozo dentro de 30 (trinta) dias,
prazo máximo de 24 (vinte e quatro) horas, após o ocor- contados da publicação do ato que a houver concedido.
rido, com verificação obrigatória da Comissão Interna de Art. 110 A licença-prêmio será concedida por ato do
Prevenção de Acidentes - CIPA. Chefe de cada Poder, mediante requerimento do servidor
interessado.
SEÇÃO XII § 1º A concessão da licença-prêmio será processada e
DA LICENÇA POR MOTIVO DE AFASTAMENTO DO formalizada após a verificação de todos os requisitos cons-
CÔNJUGE OU COMPANHEIRO(A) tantes do art. 108 desta Lei e após a manifestação favorá-
vel, quanto a oportunidade e o período, do superior ime-
Art. 107 O servidor poderá requerer licença não remu- diato e do titular da pasta onde o servidor estiver lotado.
nerada pelo período de até 2 (dois) anos, prorrogável por § 2º A concessão da licença-prêmio será decidida no
igual período, a critério de cada um dos Poderes, quando o prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados a partir do re-
cônjuge ou companheiro(a) servir em outro local no terri- cebimento do requerimento, podendo ser prorrogada me-
tório nacional, ou até, em outro país. diante justificativa formal.

326
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Art. 111 A licença-prêmio, no todo ou em parte, po- SEÇÃO III


derá ser convertida em pecúnia, a critério de cada um dos DO AFASTAMENTO PARA MISSÃO OFICIAL NO PAÍS
Poderes, exceto nas situações previstas no art. 122. OU NO EXTERIOR
§ 1º Para efeito do cálculo da conversão da licença-prê-
mio em pecúnia, será considerada a remuneração do mês Art. 116 Em caso do servidor ser requisitado para
da concessão. acompanhar qualquer autoridade, de qualquer dos Pode-
§ 2º Não serão consideradas para o cálculo previsto res e de qualquer esfera em missão oficial no País ou no
no parágrafo 1º as vantagens percebidas pelo servidor em Exterior, este deverá ser afastado por ato autorizativo do
caráter eventual. Chefe do respectivo Poder.
Art. 112 A critério de cada um dos Poderes, a licença- Parágrafo Único. O afastamento de que trata o “caput”
-prêmio poderá ter seu gozo parcelado, sendo que cada deste artigo será sem prejuízo dos vencimentos do servi-
período não poderá ser inferior a 30 (trinta) dias. dor, e o respectivo tempo de serviço será contado como de
efetivo exercício para todos os efeitos.
Art. 113 Ao servidor investido em cargo de provimento
em comissão, salvo se servidor ocupante de cargo de pro-
Capítulo VII
vimento efetivo, não será concedida licença-prêmio.
DAS CONCESSÕES
Capítulo VI Art. 117 Sem qualquer prejuízo, poderá o servidor au-
DOS AFASTAMENTOS sentar-se do serviço:
SEÇÃO I I - por 1 (um) dia por ano, para doação de sangue;
DO AFASTAMENTO PARA SERVIR A OUTRO ÓRGÃO II - por 1 (um) dia, para alistar-se como eleitor;
OU ENTIDADE III - por 7 (sete) dias consecutivos em razão de:
a) casamento;
Art. 114 O servidor ocupante de cargo de provimento b) falecimento do cônjuge, companheiro(a), pais, pa-
efetivo e que não esteja em período de estágio probatório, drasto, madrasta, filhos, enteados, menor sob guarda ou
poderá ser cedido para ter exercício em outro órgão ou tutela e irmãos.
entidade dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito IV - por 2 (dois) dias em razão de falecimento de avós
Federal e dos Municípios, nas seguintes hipóteses: e netos;
I - para exercício de cargo de provimento em comissão V - por 1 (um) dia a cada trimestre para acompanhar fi-
ou exercício de função de chefia, direção ou assessoramento; lho menor de 17 (dezessete) anos e 11 (onze) meses e seus
II - em casos previstos em Leis específicas. dependentes, comprovadamente, a atendimento médico e
§ 1º Na hipótese do inciso I, sendo a cessão para ór- odontológico.
gãos ou entidades da União, dos Estados, do Distrito Fe- Parágrafo Único. Para a comprovação das situações
deral ou dos Municípios, o ônus da remuneração será do descritas neste artigo, o servidor deverá apresentar ates-
órgão ou da entidade cessionária, mantido o ônus para o tado, declaração ou certidão, conforme o caso, no prazo
cedente nas hipóteses do inciso II. máximo de 1 (um) dia útil após a ocorrência.
§ 2º Na hipótese de o servidor cedido à empresa públi-
ca ou sociedade de economia mista, optar pela remunera- Capítulo VIII
ção do cargo de provimento efetivo, a entidade cessionária DO TEMPO DE SERVIÇO
efetuará o reembolso das despesas realizadas pelo órgão
ou entidade de origem. Art. 118 A apuração do tempo de serviço será feita em
dias, que serão convertidos em anos, considerado o ano
§ 3º A cessão far-se-á mediante ato próprio do Chefe
como de 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias.
do respectivo Poder, com a imprescindível publicidade.
Art. 119 Além das ausências ao serviço previstas no art.
§ 4º O período do afastamento de que trata este artigo
117, são considerados como de efetivo exercício os afasta-
será contado como tempo de efetivo exercício para todos
mentos em virtude de:
os efeitos. I - férias;
II - exercício de cargo de provimento em comissão ou
SEÇÃO II equivalente em órgão ou entidade federal, estadual ou
DO AFASTAMENTO PARA O EXERCÍCIO DE MANDATO municipal, exceto para efeito de contagem para o estágio
ELETIVO probatório;
III - participação em programa de treinamento instituí-
Art. 115 Ao servidor investido em mandato eletivo apli- do e autorizado pelo respectivo órgão ou repartição mu-
ca-se o disposto em legislação específica. nicipal;
IV - desempenho de mandato eletivo federal, estadual
Parágrafo Único. O servidor investido em mandato ele- ou municipal, exceto para as progressões funcionais e para
tivo é inamovível de ofício pelo tempo de duração de seu efeito de contagem para o estágio probatório;
mandato. V - júri e outros serviços obrigatórios por Lei;
VI - licença:

327
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

a) para tratamento da própria saúde, até o limite de 24 III - falecimento.


(vinte e quatro) meses, cumulativo ao longo do tempo de § 1º No caso de aposentadoria, a vaga ocorrerá com
serviço público prestado ao Município, em cargo de provi- a edição do ato que a conceder oficialmente ao servidor.
mento efetivo; § 2º No caso do servidor completar 70 (setenta) anos
b) para o desempenho de mandato classista; de idade, a vaga ocorrerá na data imediata ao aniversário,
c) por motivo de acidente em serviço ou doença pro- nos termos do art. 40, inciso II, da Constituição Federal.
fissional; Art. 123 A exoneração de cargo de provimento efetivo
d) para capacitação, conforme dispuser regulamento dar-se-á a pedido do servidor ou de ofício.
específico; Parágrafo Único. A exoneração de ofício dar-se-á:
e) por convocação para o serviço militar; I - quando não satisfeitas as condições de desempenho
f) a gestante e a adotante; do estágio probatório;
g) paternidade e adoção; II - quando, tendo tomado posse, o servidor não entrar
h) por motivo de doença em pessoa da família, até o em exercício no prazo estabelecido;
limite de 90 (noventa) dias; III - em decorrência de decisão irrecorrível de processo
i) participação em competição desportiva ou evento administrativo disciplinar.
cultural ou educacional de caráter oficial. Art. 124 A exoneração de cargo de provimento em co-
VII - desempenho de mandato sindical. missão dar-se-á:
Art. 120 É vedada a contagem cumulativa de tempo de I - a juízo da autoridade competente;
serviço prestado concomitantemente em mais de um cargo II - a pedido do próprio servidor.
ou função de órgãos ou entidades dos Poderes da União,
Estados, Distrito Federal e Municípios. Capítulo XI
DA SUBSTITUIÇÃO
Capítulo IX
DO BANCO DE HORAS Art. 125 Os servidores efetivos e estáveis designados
para o desempenho de função de direção, chefia ou asses-
soramento poderão ser substituídos por meio de ato oficial
Art. 121 O servidor que prestar serviços a título de ho-
expedido pela autoridade máxima de cada Poder.
ras extraordinárias, assim definidas as horas efetivamente
§ 1º O substituto assumirá o exercício das funções do
prestadas anteriores ou posteriores a jornada normal de
cargo nos afastamentos, impedimentos legais ou regula-
trabalho e as horas efetivamente trabalhadas nos feriados,
mentares do titular e na vacância do cargo, hipóteses em
sábados e domingos, poderão, a critério do respectivo Po-
que deverá optar pelo vencimento de um deles durante o
der, ser compensadas em sistema denominado Banco de
respectivo período.
Horas, cuja data base deverá ser negociado com o repre- § 2º O substituto fará jus à retribuição pelo exercício do
sentante da classe. cargo, nos casos dos afastamentos, férias ou impedimen-
§ 1º Para efeito de operacionalização do disposto no tos legais do titular paga na proporção dos dias de efetiva
«caput», o período trabalhado como horas extraordinárias substituição.
poderá ser acumulado até o limite de 40% (quarenta por § 3º Em caso excepcional, atendida a conveniência e
cento) das horas efetivamente prestadas em um sistema de o interesse público, o titular de cargo de provimento em
banco de dados para posterior compensação. comissão ou função de direção ou chefia, poderá ser de-
§ 2º A compensação deverá ser efetivada até o período signado, cumulativamente, como substituto para outro car-
de 03 (três) meses seguintes ao da realização das horas go ou função da mesma natureza, até que se verifique a
extraordinárias, e não ocorrendo neste período, deverá ser nomeação ou designação do titular, nesse caso, somente
paga junto ao próximo vencimento do Servidor, nos termos perceberá o vencimento correspondente a um dos cargos
do art. 60 desta Lei. ou funções.
§ 3º A compensação referida no parágrafo anterior,
dentro do prazo de 3 (três) meses, será efetuada obede- Capítulo XII
cendo o critério estabelecido no art. 60 desta Lei. DAS FÉRIAS
§ 4º Na ocorrência das hipóteses previstas nos arts.
122 a 124 sem que tenha ocorrido a compensação total Art. 126 Todo servidor terá direito ao gozo de 1 (um)
das horas, o servidor fará jus ao pagamento das horas não período de férias anuais de 30 (trinta) dias, sem prejuízo de
compensadas, calculadas sobre o valor do vencimento do seus vencimentos.
mês da ocorrência e com os percentuais previstos no art. § 1º O período de férias de que trata o «caput» deste
60 desta Lei. artigo será concedido de acordo com escala organizada
pela unidade que o servidor estiver lotado, com o adequa-
Capítulo X do encaminhamento ao setor de recursos humanos do res-
DA VACÂNCIA pectivo Poder.
§ 2º A escala de férias poderá ser alterada pela autori-
Art. 122 A vacância do cargo público decorrerá de: dade competente, sempre que houver necessidade de ser-
I - exoneração; viço e atendido o interesse público, mediante prévia comu-
II - aposentadoria; nicação ao respectivo setor de recursos humanos.

328
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Art. 127 Para a aquisição do direito ao gozo de férias se- Parágrafo Único. O restante do período interrompido
rão exigidos 12 (doze) meses completos de efetivo exercício. será desfrutado de uma só vez.
§ 1º As férias serão concedidas na seguinte proporção:
I - 30 (trinta) dias corridos, quando não houver faltado TÍTULO IV
sem justificativa ao serviço mais de 5 (cinco) vezes durante DO REGIME DISCIPLINAR
o período aquisitivo; Capítulo I
II - 24 (vinte e quatro) dias corridos, quando houver DOS DEVERES
faltado sem justificativa ao serviço mais de 6 (seis) vezes e
até 14 (quatorze) vezes durante o período aquisitivo; Art. 132 São deveres do servidor:
III - 8 (dezoito) dias corridos, quando houver faltado I - exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo;
sem justificativa ao serviço mais de 15 (quinze) vezes e até II - ser leal à instituição a que serve;
23 (vinte e três) vezes durante o período aquisitivo; III - observar as normas legais e regulamentares;
IV - 12 (doze) dias corridos, quando houver faltado IV - cumprir as ordens superiores, exceto quando ma-
nifestamente ilegais;
injustificadamente ao serviço mais de 24 (vinte e quatro)
V - atender com presteza:
vezes e até 32 (trinta e duas) vezes durante o período aqui-
a) às requisições para a defesa da Fazenda Pública;
sitivo. b) à expedição de certidões requeridas para defesa de
§ 2º Perderá o direito às férias anuais o servidor que direito ou esclarecimento de situações de interesse pessoal
houver faltado injustificadamente mais de 33 (trinta e três) que serão fornecidas no prazo máximo de até 15 (quinze)
vezes durante o período aquisitivo. dias;
§ 3º Para efeito da contagem das faltas ao serviço, nos c) ao público em geral, prestando as informações re-
termos dos parágrafos 1º e 2º deste artigo, serão conside- queridas, ressalvadas as protegidas por sigilo;
radas apenas as faltas especificadas no art. 44 desta Lei. VI - levar ao conhecimento da autoridade superior as
§ 4º O servidor poderá solicitar a conversão de 1/3 (um irregularidades de que tiver ciência em razão do cargo;
terço) do período de férias a que tiver direito em abono VII - zelar pela economia do material e a conservação
pecuniário, no valor da remuneração que lhe seria devida do patrimônio público;
nos dias correspondentes. VIII - guardar sigilo sobre assunto da repartição;
§ 5º O abono pecuniário a que se refere o parágrafo IX - manter conduta compatível com a moralidade ad-
anterior deverá ser solicitado até 30 (trinta) dias antes do ministrativa;
início do período de gozo das férias, e seu pagamento fi- X - ser assíduo e pontual ao serviço;
cará condicionado à decisão do Poder Público Municipal. XI - tratar com urbanidade as pessoas;
Art. 128 Perderá o direito a férias o servidor que, no XII - representar contra ilegalidade, omissão ou abuso
período aquisitivo, houver gozado licença a que se refere de poder.
os incisos III, IV e XI do art. 82 desta Lei. Parágrafo único - A representação de que trata o inciso
§ 1º Perderá igualmente o direito a férias o servidor XII será encaminhada através de via hierárquica e apreciada
que tiver recebido benefícios previdenciários de acidente pela autoridade superior àquela contra a qual é formulada,
do trabalho ou de auxílio doença por mais de 180 (cento e assegurando-se ao representando o direito a ampla defesa.
oitenta) dias, mesmo descontínuos, no período aquisitivo.
§ 2º Em qualquer caso, a contagem de novo período Capítulo II
aquisitivo de férias será iniciada assim que o servidor re- DAS PROIBIÇÕES
tornar ao serviço.
Art. 133 Ao servidor é proibido:
Art. 129 O pagamento do adicional de que trata o art.
I - ausentar-se do serviço durante o expediente, sem
63 desta Lei será efetuado juntamente com as férias.
prévia autorização do chefe imediato;
Parágrafo Único. Além do pagamento da remuneração II - retirar, sem prévia anuência da autoridade compe-
total do servidor deverá ser acrescida a média aritmética tente, qualquer documento ou objeto da repartição;
das horas extraordinárias efetivamente pagas durante o III - recusar fé a documentos públicos;
período aquisitivo das férias. IV - opor resistência injustificada ao andamento de do-
Art. 130 O servidor exonerado do cargo de provimento cumento e processo ou execução de serviço;
efetivo ou de provimento em comissão, perceberá indeni- V - promover manifestação de apreço ou desapreço no
zação relativa ao período das férias a que tiver direito e ao recinto da repartição;
incompleto, na proporção de 1/12 (um doze avos) por mês VI - incumbir pessoa estranha à repartição, fora dos ca-
de efetivo exercício ou fração superior a 14 (quatorze) dias. sos previstos em Lei, o desempenho de atribuição que seja
Parágrafo Único. A indenização será calculada com de sua responsabilidade ou de seu subordinado;
base nos vencimentos do mês em que for publicado o ato VII - coagir ou aliciar subordinados no sentido de filia-
de exoneração. rem-se a associação profissional ou sindical ou a partido
Art. 131 As férias somente poderão ser interrompidas político;
por motivo de calamidade pública, comoção interna, con- VIII - manter, sob sua chefia imediata, em cargo de pro-
vocação para júri, serviço militar ou eleitoral ou por ne- vimento em comissão ou exercício de função de direção,
cessidade imperiosa do serviço, declarada pela autoridade chefia ou assessoramento, cônjuge, companheiro (a), filhos
máxima de cada Poder. ou parentes até o segundo grau civil;

329
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

IX - valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou Art. 135 É expressamente vedado o exercício de mais
de outrem, em detrimento da dignidade da função pública; de um cargo de provimento em comissão junto ao serviço
X - participar de gerência ou administração de empresa público municipal.
privada, de sociedade civil, ou exercer o comércio, exce- Art. 136 O servidor vinculado ao regime desta Lei, que
to na qualidade de acionista, cotista ou comanditário, que acumular licitamente 2 (dois) cargos de provimentos efeti-
mantenha contratos com o Poder Público Municipal; vos, quando investido em cargo de provimento em comis-
XI - atuar, como procurador ou intermediário, junto a são, ficará afastado de ambos os cargos efetivos.
repartições públicas municipais; Parágrafo Único. O servidor que se afastar dos cargos
XII - receber propina, comissão, presente ou vantagem de provimentos efetivo que ocupa poderá optar pela re-
de qualquer espécie, em razão de suas atribuições; muneração de um deles ou pela do cargo de provimento
XIII - praticar usura sob qualquer de suas formas; em comissão.
XIV - proceder de forma desidiosa;
XV - utilizar pessoal ou recursos materiais do Poder Pú- Capítulo IV
blico Municipal em serviços ou atividades particulares; DAS RESPONSABILIDADES
XVI - cometer a outro servidor atribuições estranhas
ao cargo que ocupa, exceto em situações de emergência Art. 137 O servidor responde civil, penal e administrati-
e transitórias; vamente pelo exercício irregular de suas atribuições.
XVII - exercer quaisquer atividades que sejam incom- Art. 138 A responsabilidade civil decorre de ato omissi-
patíveis com o exercício do cargo ou função e com o horá- vo ou comissivo, doloso ou culposo, que resulte em prejuí-
rio de trabalho; zo ao erário ou a terceiros.
XVIII - recusar-se a atualizar seus dados cadastrais § 1º A indenização de prejuízo dolosamente causado
quando solicitado. ao erário somente será liquidada na forma prevista no art.
48, na falta de outros bens que assegurem a execução do
Capítulo III débito pela via judicial.
DA ACUMULAÇÃO § 2º Tratando-se de dano causado a terceiros, respon-
derá o servidor perante a Fazenda Pública, em ação regres-
siva.
Art. 134 Ressalvados os casos previstos no inciso XVI
§ 3º A obrigação de reparar o dano estende-se aos su-
do art. 37 da Constituição Federal, é vedada a acumulação
cessores e contra eles será executada, até o limite do valor
remunerada de cargos públicos.
da herança recebida.
§ 1º A proibição de acumular estende-se a cargos, em-
Art. 139 A responsabilidade penal abrange os crimes
pregos e funções em autarquias, fundações públicas, em-
e contravenções imputadas ao servidor, nessa qualidade.
presas públicas, sociedades de economia mista, suas sub- Art. 140 A responsabilidade civil-administrativa resulta
sidiárias, e sociedades controladas direta ou indiretamente de ato omissivo ou comissivo praticado no desempenho
pelo Poder Público. do cargo ou função.
§ 2º A acumulação de cargos, ainda que lícita, fica con- Art. 141 As sanções civis, penais e administrativas po-
dicionada à: derão cumular-se, sendo independentes entre si.
I - comprovação da compatibilidade de horários, con- Art. 142 A responsabilidade administrativa do servidor
siderando-se todos os seus componentes nos dois (02) será afastada no caso de absolvição criminal que negue a
cargos; existência do fato ou sua autoria.
II - comprovação da viabilidade de acesso aos locais de
trabalho por meios normais de transporte; Capítulo V
III - existência de intervalo entre o término de uma jor- DAS PENALIDADES
nada e início da outra de, no mínimo, 1 (uma) hora.
§ 3º O intervalo constante do inciso III do parágrafo Art. 143 São penalidades disciplinares:
2º poderá ser reduzido para, o mínimo de até 15 (quinze) I - advertência;
minutos quando os locais de trabalho forem situados pró- II - suspensão;
ximos, ou no mesmo local, sempre a critério da autoridade III - exoneração;
competente e desde que não haja prejuízo para o serviço IV - cassação de disponibilidade;
público municipal. V - destituição de cargo de provimento em comissão;
§ 4º Além dos requisitos previstos no parágrafo 2º, VI - destituição de exercício de função de direção, che-
apenas será possível a acumulação de cargos cuja carga fia ou assessoramento.
horária total máxima não exceda 70 (setenta) horas sema- Art. 144 Na aplicação das penalidades serão conside-
nais, somadas as duas (02) jornadas. radas a natureza e a gravidade da infração cometida, os
§ 5º É vedada a percepção simultânea de proventos de danos que dela provierem para o serviço público, as cir-
aposentadoria com a remuneração de cargo, emprego ou cunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes
função pública, ressalvados os cargos e empregos acumu- funcionais.
láveis na forma do inciso XVI do art. 37 da Constituição Fe- Parágrafo Único. O ato de imposição da penalidade
deral, os cargos eletivos e os cargos de provimento em co- mencionará sempre o fundamento legal e a causa da san-
missão declarados em Lei de livre nomeação e exoneração. ção disciplinar.

330
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Art. 145 A advertência será aplicada por escrito, nos Art. 150 Será cassada a disponibilidade do servidor que
casos de violação de proibição constante dos incisos I a VII houver praticado, na atividade, falta punível com a exone-
e XVIII do art. 133 desta Lei e de inobservância de dever ração.
funcional previsto em Lei, regulamentação ou norma inter- Art. 151 A destituição de ocupante de cargo de provi-
na, que não justifique imposição de penalidade mais grave. mento em comissão exercido por não ocupante de cargo
Art. 146 A suspensão será aplicada sem vencimentos efetivo será aplicada nos casos de infração sujeita às pena-
em caso de reincidência das faltas punidas com advertên- lidades de exoneração.
cia por escrito e de violação das proibições constantes dos Art. 152 A exoneração ou a destituição de ocupante de
incisos XI, XIV, XV, XVI e XVII do art. 133 desta Lei e de cargo de provimento em comissão, nos casos dos incisos
outras que não tipifiquem infração sujeita a penalidade de IV, VIII, X e XI do art. 148 desta Lei implica o ressarcimento
exoneração, não podendo exceder, o período máximo de ao erário, sem prejuízo da ação penal cabível, bem como da
30 (trinta) dias. indisponibilidade dos bens determinada pela via judicial.
§ 1º Será punido com suspensão de até 15 (quinze)
Art. 153 Não poderá retornar ao serviço público muni-
dias o servidor que, injustificadamente, recusar-se a ser
cipal o servidor que for exonerado ou destituído do cargo
submetido a inspeção médica, física, mental e psicológi-
de provimento em comissão por infringência aos incisos I,
ca, determinada pela autoridade competente, cessando os
IV, VIII, X e XI do art. 148 desta Lei.
efeitos da penalidade uma vez cumprida a determinação.
§ 2º Quando houver conveniência para o serviço, a pe- Art. 154 Configura abandono de cargo a ausência in-
nalidade de suspensão poderá ser convertida em multa, na justificada do servidor ao serviço por mais de 30 (trinta)
base de 50% (cinquenta por cento) por dia da remunera- dias consecutivos.
ção, ficando o servidor obrigado a permanecer em serviço. Art. 155 Entende-se por inassiduidade habitual a fal-
Art. 147 As penalidades de advertência e de suspensão ta ao serviço, sem causa justificada, por 60 (sessenta) dias,
terão seus registros cancelados após o decurso de 2 (dois) interpoladamente, durante o período de 12 (doze) meses.
e 4 (quatro) anos de efetivo exercício, respectivamente, se Art. 156 Na apuração de abandono de cargo ou inassi-
o servidor não houver, nesse período, praticado nova infra- duidade habitual, também será adotado o processo admi-
ção disciplinar. nistrativo disciplinar previsto nesta Lei.
Parágrafo Único. O cancelamento da penalidade não Art. 157 A competência para a aplicação das penalida-
surtirá efeitos retroativos. des disciplinares será estabelecida da seguinte forma:
Art. 148 A exoneração será aplicada nos seguintes ca- I - de exoneração, cassação de disponibilidade ou sus-
sos: pensão superior a 15 (quinze) dias, pela autoridade máxima
I - crime contra a administração pública; de cada Poder ou órgão;
II - abandono de cargo; II - de suspensão de até 15 (quinze) dias, ou advertên-
III - inassiduidade habitual; cia, pelas autoridades administrativas de hierarquia imedia-
IV - improbidade administrativa; tamente inferior àquelas mencionadas no inciso anterior e
V - incontinência pública e conduta escandalosa na re- às quais o servidor esteja subordinado; e
partição; III - de destituição de cargo em comissão, pela auto-
VI - insubordinação grave em serviço; ridade máxima de cada Poder ou órgão que o houver no-
VII - ofensa física, em serviço, a agente político, servi- meado.
dor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de Art. 158 São prescricionais os prazos para a instauração
outrem; de processo administrativo disciplinar, da seguinte forma:
VIII - aplicação irregular de dinheiro público; I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com
IX - revelação de segredo do qual se apropriou em ra-
exoneração, cassação de disponibilidade e destituição de
zão do cargo;
cargo de provimento em comissão;
X - lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimô-
II - em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;
nio do Município;
III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência.
XI - corrupção;
XII - acumulação ilegal de cargos, empregos ou fun- § 1º O prazo de que trata o «caput» começa a correr da
ções públicas; data em que o fato se tornou conhecido pela autoridade
XIII - transgressão dos incisos VIII, IX, X, XII e XIII do art. competente para iniciar o processo administrativo discipli-
133 desta Lei. nar.
Art. 149 Detectada a qualquer tempo a acumulação ile- § 2º Os prazos de prescrição previstos na legislação pe-
gal de cargos, empregos e funções públicas, a autoridade nal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas tam-
competente notificará o servidor por intermédio de seu su- bém como crime.
perior imediato, para apresentar opção por um dos cargos § 3º A abertura de sindicância ou a instauração de pro-
no prazo improrrogável de 10 (dez) dias, contados da data cesso administrativo disciplinar interrompe a prescrição até
da ciência. a decisão final proferida por autoridade competente.
Parágrafo Único. Na hipótese de omissão do servidor, § 4º Interrompido o curso da prescrição, o prazo come-
o Poder Público Municipal adotará processo administrativo çará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção.
disciplinar para sua apuração.

331
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Capítulo VI fornecer todo apoio material e técnico e programas de for-


DA CAPACITAÇÃO FUNCIONAL mação, necessários ao seu desenvolvimento, bem como
dar o encaminhamento cabível às questões suscitadas a
Art. 159 A capacitação funcional, objetivando o apri- partir das avaliações.
moramento permanente e a progressão funcional, será as-
segurada através de cursos de formação, aperfeiçoamento SUBSEÇÃO II
ou especialização, em instituições credenciadas, de progra- DA AVALIAÇÃO DOS FATORES DISCIPLINARES
mas de aperfeiçoamento em serviço e de outras atividades
de atualização profissional e de desenvolvimento funcional Art. 165 Na avaliação dos fatores disciplinares, o pa-
e pessoal, observados os programas prioritários. drão atribuído a cada servidor será de 100 (cem) pontos
§ 1º Os cursos, programas e atividades que trata o iniciais, sendo descontado deste total o número de pontos,
«caput» poderão ser desenvolvidos através de parcerias ou conforme a quantidade de ocorrências, correspondentes
convênios com outras instituições de ensino e pesquisa. aos apontamentos nos registros funcionais no período de
§ 2º Na elaboração de programa de capacitação fun- avaliação, relativos aos seguintes fatores:
cional, deverão ser levadas em consideração a situação I - Pontualidade:
funcional e a utilização de metodologias de ensino diver- a) até 6 (seis) atrasos no período, 0 (zero) pontos;
sificadas, inclusive a educação à distância em suas diversas b) de 7 (sete) a 12 (doze) atrasos no período, 6 (seis)
modalidades. pontos;
c) de 13 (treze) a 18 (dezoito) atrasos no período, 8
Capítulo VII (oito) pontos;
DO SISTEMA DE AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO FUN- d) acima de 19 (dezenove) atrasos no período, 10 (dez)
CIONAL pontos.
SEÇÃO I II - Assiduidade:
DOS CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO a) até 1 (uma) falta no período, 0 (zero) pontos;
SUBSEÇÃO I b) de 2 (duas) a 3 (três) faltas no período, 4 (quatro)
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS pontos;
c) de 4 (quatro) a 5 (cinco) faltas no período, 6 (seis)
Art. 160 A avaliação de desempenho será realizada pe- pontos;
riodicamente, de acordo com os critérios constantes neste d) de 6 (seis) a 7 (sete) faltas no período, 8 (oito) pontos;
Capítulo. e) acima de 8 (oito) faltas no período, 10 (dez) pontos.
Art. 161 Os servidores ocupantes de cargos de provi- III - Disciplina:
mento efetivo submeter-se-ão a avaliação de desempenho a) advertência, 50 (cinquenta) pontos por ocorrência
funcional, obedecidos os princípios da legalidade, impes- no período;
soalidade, moralidade, publicidade, eficiência, do contradi- b) suspensão, 100 (cem) pontos por ocorrência no pe-
tório, da ampla defesa e da supremacia do interesse público. ríodo.
Parágrafo Único. O setor competente do respectivo § 1º Para efeito do inciso I do «caput», considera-se
Poder dará conhecimento prévio a seus servidores dos cri- atraso a chegada ao local de trabalho após o período de 5
térios, das normas e dos padrões a serem utilizados para a (cinco) minutos do horário previsto para o início da jornada
avaliação de desempenho de que trata esta Lei. de trabalho.
Art. 162 A avaliação de desempenho funcional será § 2º Para efeito do inciso II do «caput», considera-se
aplicada: falta o não comparecimento ao local de trabalho e que en-
I - para efeito de evolução funcional, nos termos desta Lei; seje o desconto pecuniário, nos termos dos arts. 42 e segs.
II - indicador de necessidade de desenvolvimento e desta Lei.
participação em programas de formação; § 3º Não serão consideradas como faltas para efeito
III - para preservar a eficiência e a qualidade dos servi- do inciso II do «caput», as situações previstas no art. 46
ços prestados pelo Poder Público. desta Lei.
Art. 163 O Sistema de Avaliação de Desempenho Fun- § 4º A pontuação final será o resultado da soma das
cional proporciona a aferição do desempenho no exercício ocorrências subtraído do padrão atribuído, desprezando-
do seu cargo de provimento efetivo, no seu ambiente de -se o resultado inferior a 0 (zero).
trabalho durante um determinado período de tempo, me-
diante a observação e mensuração de fatores disciplinares SUBSEÇÃO III
e de desempenho. DA AVALIAÇÃO DOS FATORES DE DESEMPENHO
Parágrafo Único. Cada fator terá seu padrão para efei-
to de comparação e mensuração do desempenho, sendo Art. 166 A avaliação dos fatores de desempenho, me-
atribuídos pontos que somados identificarão a posição do diante a aplicação de questionários e atribuição pelo avalia-
servidor na avaliação. dor de pontos que variam de 1 (um) a 4 (quatro) em respos-
Art. 164 A coordenação geral do programa de ava- ta às questões dirigidas, visa medir, em determinado perío-
liação de desempenho é de responsabilidade do órgão do de tempo, a conduta e o grau de comprometimento do
responsável pelo setor de recursos humanos, que deverá servidor no exercício do seu cargo de provimento efetivo.

332
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Parágrafo Único. Na avaliação dos fatores de desempe- SUBSEÇÃO IV


nho, os pontos atribuídos para cada um dos fatores, serão DOS INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO ANUAL DE DE-
multiplicados pelo seu peso, sendo que a soma dos pesos SEMPENHO
não excederá a 100 (cem), conforme o grupo de cargos
constantes da legislação própria, a saber: Art. 170 A avaliação dos critérios de desempenho,
I - cumprimento das normas de procedimento e de mediante a aplicação de questionários e atribuição pelo
conduta no desempenho das atribuições do cargo; avaliador de graus que variam de 1 (um) a 4 (quatro), em
a) qualidade do trabalho; resposta às questões dirigidas, visa medir, em determinado
período de tempo, a conduta e o grau de comprometimen-
b) flexibilidade;
to do servidor no exercício do seu cargo efetivo.
c) iniciativa;
§ 1º Os graus dos fatores de cada critério subjetivo de
d) produtividade;
desempenho deverão obedecer a um padrão de classifica-
e) economia. ção dos comportamentos verificáveis e sua descrição será
II - produtividade no trabalho, com base em padrões adaptada para o respectivo fator.
previamente estabelecidos de qualidade e de economici- § 2º Todos os fatores de cada critério utilizados no pro-
dade; cesso de avaliação de desempenho, estarão graduados en-
a) disciplina no trabalho; tre o grau 1 (um) e o grau 4 (quatro), a saber:
b) respeito; I - Grau 1: o servidor neste fator apresenta desempe-
c) responsabilidade; nho incompatível com as necessidades dos trabalhos;
d) cooperação; II - Grau 2: o servidor neste fator apresenta um com-
e) interesse. portamento aceitável segundo às expectativas para o seu
Art. 167 O conceito final de avaliação, conforme a desempenho, sendo-lhe necessárias algumas medidas de
soma da pontuação obtida nos fatores disciplinares e de aprimoramento;
desempenho, será atribuída ao servidor na seguinte forma: III - Grau 3: o servidor neste fator atingiu o desempe-
I - Insatisfatório: de 100 (cem) a 300 (trezentos) pontos; nho esperado para o cargo;
II - Regular: de 301 (trezentos e um) a 369 (trezentos e IV - Grau 4: o servidor neste fator excedeu ao desem-
sessenta e nove) pontos; penho esperado para o cargo.
III - Bom: de 370 (trezentos e setenta) a 430 (quatro- Art. 171 Os fatores dos critérios de desempenho serão
descritos nas fichas de avaliação de desempenho com o
centos e trinta) pontos;
objetivo de indicar os vários tipos de comportamentos de
IV - Excelente: de 431 (quatrocentos e trinta e um) a
cada agrupamento de cargos de servidores.
500 (quinhentos) pontos. Art. 172 Serão as fichas de avaliação de desempenho
Art. 168 A soma das pontuações referentes aos fato- constituídas por questões relacionadas aos fatores descri-
res disciplinares e de desempenho, referidos nos incisos I a tos no parágrafo único do art. 166, que deverão ser anali-
IV do artigo anterior, acrescidos da pontuação obtida pela sados no desempenho de cada servidor.
participação em cursos de formação, torna o servidor apto Parágrafo Único. Na avaliação dos fatores dos critérios
a concorrer à evolução funcional pela via não acadêmica, de desempenho, os graus atribuídos para cada um dos fa-
desde que tenha conceito final “excelente” ou “bom”, sendo tores, serão multiplicados pelo seu peso, sendo que a soma
a sua evolução dentro dos níveis referente ao seu cargo de dos pesos não excederá a 100 (cem).
provimento efetivo constantes das tabelas de vencimento Art. 173 Ato próprio de cada Poder instituirá a Ficha
da legislação própria. para Avaliação de Desempenho Funcional a que alude esta
§ 1º Os fatores de avaliação a que se refere o «caput» Seção.
serão aplicados e ponderados nos termos e fatores descri-
tos nos arts. 165 e 166, com base em valores universais de SEÇÃO II
produtividade, de qualidade, de urbanidade no trabalho e DO PROCEDIMENTO DE AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO
especificamente em conformidade com as características FUNCIONAL
das atividades exercidas, com as competências do órgão a
Art. 174 A avaliação anual de desempenho será reali-
que esteja vinculado.
zada por comissão, denominada Comissão de Avaliação de
§ 2º Será considerado insuficiente o desempenho apu-
Desempenho, composta por 5 (cinco) servidores:
rado em avaliação que comprove o desatendimento, de
I - 3 (três) deles, ocupantes de cargos de provimento
forma habitual, de qualquer dos requisitos previstos na- efetivo com, no mínimo, 03 (três) anos de exercício;
quele dispositivo. II - chefe imediato ao qual esteja o servidor vinculado;
Art. 169 A totalização dos pontos será de responsabili- III - 1 (um) servidor cuja indicação será efetuada pelo
dade da Comissão de Avaliação de Desempenho, devendo Sindicato dos Servidores Públicos Municipais ou respalda-
ser obtida a partir da somatória após a multiplicação dos da no prazo máximo de 5 (cinco) dias, por manifestação
graus pelos pesos. expressa dos servidores avaliados.
§ 1º Qualquer servidor que atenda as exigências esta-
belecidas no «caput» poderá ser nomeado.

333
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

§ 2º A comissão de que trata este artigo tem como funções: de convicção no termo final de avaliação, inclusive, quando
I - validar as avaliações de desempenho realizadas pela for o caso, o relatório relativo ao colhimento de provas tes-
chefia imediata ou por servidor designado como avaliador; temunhais e documentais.
II - recepcionar, protocolar, distribuir, se necessário, e Parágrafo Único. É assegurado ao servidor o direito de
julgar os recursos administrativos dos servidores; acompanhar todos os atos de instrução do procedimento
III - revisar as fichas de avaliação de desempenho, ade- que tenha por objeto a avaliação de seu desempenho.
quando para melhor atender às necessidades do processo Art. 177 O resultado e os instrumentos de avaliação, a
de avaliação; indicação dos elementos de convicção e de prova dos fatos
IV - revisar o preenchimento das fichas de avaliação narrados na avaliação, os recursos interpostos, bem como
de desempenho, retornando-as ao avaliador, caso alguma as metodologias e os critérios utilizados na avaliação serão
dúvida seja suscitada, com o objetivo de evitar erros ou arquivados na pasta ou base de dados individual, permitida
enganos na avaliação; a consulta pelo servidor a qualquer tempo.
V - emitir parecer sobre o resultado das avaliações de
desempenho; SEÇÃO III
VI - indicar os programas de desenvolvimento, forma- DA CAPACITAÇÃO FUNCIONAL DO SERVIDOR COM
ção e de acompanhamento sócio-funcional, com o objetivo DESEMPENHO INSUFICIENTE
de aprimorar o desempenho dos servidores, melhorando
assim a eficiência e a produtividade do trabalho;
VII - participar do processo de acompanhamento dos Art. 178 O termo de avaliação anual indicará as medi-
servidores considerados com baixo desempenho. das de correção necessárias, em especial as destinadas a
§ 3º O membro indicado ou respaldado pelos servido- promover a capacitação funcional ou desenvolvimento do
res avaliados terá direito a voz e não a voto nas reuniões servidor avaliado.
deliberativas da comissão a que se refere o «caput». Art. 179 O termo de avaliação obrigatoriamente rela-
§ 4º Caso a pasta a que o servidor esteja vinculado não tará os pontos indicados para melhoria identificados no
possua servidores que preencham os requisitos estabeleci-
desempenho do servidor, considerados os critérios de ava-
dos no «caput» poderão ser nomeados servidores de ou-
liação previstos.
tras unidades administrativas.
Art. 180 As necessidades de capacitação funcional ou
Art. 175 Fica assegurado o direito ao servidor cujo de-
desenvolvimento do servidor cujo desempenho tenha sido
sempenho será avaliado, o acompanhamento do preenchi-
considerado insuficiente serão priorizadas no planejamen-
mento de sua avaliação quanto aos critérios estabelecidos
to de programa de capacitação funcional do respectivo Po-
no art. 166.
der.
§ 1º O preenchimento da ficha de avaliação de desem-
penho, para apuração dos critérios previstos, será realizado
pela chefia imediata e, obrigatoriamente, assegurada a pre- SEÇÃO IV
sença do servidor cujo desempenho está sendo avaliado. DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
§ 2º No preenchimento da ficha de avaliação de de-
sempenho, o servidor avaliado poderá registrar as suas ob- Art. 181 As pontuações obtidas serão divulgadas no
servações em campo especifico. prazo máximo de 30 (trinta) dias após o término do proce-
§ 3º Após o preenchimento, a ficha de avaliação de dimento da avaliação de desempenho.
desempenho deverá ser encaminhada para a Comissão de Parágrafo Único. As dúvidas suscitadas serão respon-
Avaliação de Desempenho para sua análise, validação e to- didas pela Comissão de Avaliação de Desempenho e pelo
talização. setor de recursos humanos, cabendo recurso nos termos
do parágrafo 4º do art. 175.
§ 4º Após a totalização da avaliação, será intimado o in- Art. 182 Os servidores serão avaliados a cada período
teressado para exercício do direito de recurso, no prazo de de 12 (doze) meses e poderão obter a evolução funcional,
5 (cinco) dias, dirigido ao Secretário Municipal de Adminis- nos termos desta Lei.
tração através da Comissão de Avaliação de Desempenho, Parágrafo Único. (VETADO)
que será decidido no prazo de 10 (dez) dias. Art. 183 Para um acompanhamento efetivo por parte
§ 5º Homologada a avaliação pelo Chefe do respectivo do avaliador e do servidor avaliado durante todo o perío-
Poder, os autos serão remetidos ao setor de recursos hu- do compreendido entre uma avaliação e a próxima, deverá
manos para o competente registro. ser utilizado instrumento de acompanhamento que deverá
§ 6º Caberá representação ao Chefe do respectivo Po- indicar os problemas relacionados ao desempenho, as so-
der acerca de qualquer matéria que não caiba recurso. luções adotadas e as medidas necessárias para o aprimora-
§ 7º O recurso que trata este artigo não trará prejuízo mento do desempenho do servidor avaliado, além de per-
aos prazos previstos nesta Lei. mitir anotações sobre eventuais ocorrências que possam
Art. 176 O resultado da avaliação de desempenho interferir no desempenho.
anual será motivado exclusivamente com base na aferição Art. 184 O servidor avaliado deverá realizar uma análise
dos critérios previstos nesta Lei, sendo obrigatória a indica- de sua participação no processo de avaliação de desempe-
ção dos fatos, das circunstâncias e dos demais elementos nho, onde serão apontados aspectos positivos e indicados

334
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

para melhoria em seu comportamento que afetem o de- § 1º A autoridade designará os servidores suplentes
sempenho e também os fatores externos que possam afe- que assumirão nos casos de impedimento dos titulares,
tar o desempenho, assim como a indicação das medidas de observado o disposto no «caput» e parágrafo 1º deste ar-
correção necessárias. tigo.
§ 2º São impedidos de participar de comissão de sin-
TÍTULO V dicância ou do processo administrativo disciplinar, cônju-
DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR ge, companheiro ou parente do acusado, consanguíneo ou
Capítulo I afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau.
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 190 Da sindicância poderá resultar:
I - arquivamento do processo;
Art. 185 A autoridade que tiver ciência de irregularida- II - instauração de processo administrativo disciplinar.
de no serviço público é obrigada a promover a sua apura- Parágrafo Único. O prazo para conclusão da sindicância
ção imediata, mediante sindicância ou processo adminis- não excederá 60 (sessenta) dias, a contar da instauração,
trativo disciplinar, assegurada ao acusado ampla defesa. podendo ser prorrogado por até igual período, a critério da
Parágrafo Único. O setor competente de cada Poder autoridade competente.
deverá supervisionar e fiscalizar o cumprimento do dispos- Art. 191 Na hipótese de o relatório da sindicância con-
to no “caput” deste artigo. cluir que a infração está capitulada como possível ilícito pe-
Art. 186 As denúncias sobre irregularidades serão ob- nal, a autoridade competente encaminhará cópia dos autos
jeto de apuração, desde que contenham a identificação do ao Ministério Público, independentemente da imediata ins-
denunciante e sejam formuladas por escrito, confirmada a tauração do processo administrativo disciplinar.
autenticidade. Art. 192 Poderá a comissão sindicante concluir por in-
Parágrafo Único. Quando o fato narrado não configu- fração diversa daquela definida no ato de instauração e/ou
rar evidente infração disciplinar ou ilícito penal, a denúncia imputar ao sindicado outras infrações, além da originária.
será arquivada, por falta de objeto. Parágrafo Único. O disposto no “caput” deste artigo
aplica-se ao processo administrativo disciplinar, desde que,
para tanto, seja dada ao acusado a oportunidade do con-
Capítulo II
traditório e ampla defesa quanto ao fato novo, emergente
DO AFASTAMENTO PREVENTIVO
das provas.
Art. 187 (Revogado pela Lei Complementar nº
Capítulo IV
198/2011)
DO PROCEDIMENTO NO PROCESSO DISCIPLINAR
Parágrafo Único. (VETADO)
Art. 187 A - Como medida cautelar, no curso da apu-
Art. 193 O processo administrativo disciplinar é o ins-
ração da irregularidade, a autoridade instauradora do pro- trumento destinado a apurar responsabilidade de servidor
cesso administrativo disciplinar poderá determinar o afas- por possível infração praticada no exercício de suas atribui-
tamento do servidor pelo prazo não superior a 60 (sessen- ções, ou que tenha relação com as atribuições do cargo em
ta) dias, caso tal ato se mostre conveniente à instrução do que se encontre investido.
feito ou à ordem do serviço público. Art. 194 Do ato que instaurar processo administrativo
Parágrafo Único. O servidor que venha a ser afastado disciplinar necessariamente constarão os seguintes ele-
preventivamente perderá 2/3 (dois terços) de seus venci- mentos:
mento, que lhe serão restituídos em caso de reconheci- I - qualificação do servidor-acusado;
mento de sua inocência ou de aplicação de penalidade que II - descrição pormenorizada da conduta;
seja inferior ao prazo pelo qual teve vigor a media. (Reda- III - descrição das disposições legais infringidas, con-
ção acrescida pela Lei Complementar nº 198/2011) signando expressamente as agravantes que sejam imputa-
das ao acusado;
Capítulo III IV - pena máxima prevista para a infração.
DA SINDICÂNCIA Art. 195 O processo administrativo disciplinar será re-
metido a comissão permanente, composta por no mínimo
Art. 188 A sindicância é o instrumento administrativo 03 (três) servidores de ilibada reputação moral e funcional,
voltado à averiguação de fatos que evidenciem conduta designados pela autoridade competente, sempre em nú-
funcional irregular, destinado à identificação de indícios mero ímpar.
quanto à autoria e à materialidade da conduta faltosa. Art. 196 A comissão permanente exercerá suas ativi-
Parágrafo Único. A autoridade competente dispensará dades com independência e imparcialidade, assegurado o
a sindicância quando do expediente constar indícios sufi- sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo inte-
cientes quanto à autoria e materialidade da infração. resse do serviço público local.
Art. 189 A sindicância será processada por comissão Parágrafo Único. As reuniões e as audiências da comis-
permanente, composta por no mínimo 03 (três) servidores são permanente terão caráter reservado.
de ilibada reputação moral e funcional, designados pela Art. 197 O processo administrativo disciplinar se de-
autoridade competente, sempre em número ímpar. senvolve nas seguintes fases:

335
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

I - instauração; Art. 206 O acusado que mudar de residência fica obri-


II - interrogatório do acusado, no qual este poderá gado a comunicar à comissão o lugar onde poderá ser en-
apresentar requerimento de produção de provas; contrado.
III - instrução; Art. 207 Achando-se o acusado em lugar incerto e não
IV - defesa; sabido, será citado por edital, publicado na forma da legis-
V - relatório; lação vigente, para apresentar defesa.
VI - julgamento. Parágrafo Único. Na hipótese prevista no “caput” deste
Art 198 O prazo para a conclusão do processo adminis- artigo, o prazo para defesa será de 15 (quinze) dias a contar
trativo disciplinar não excederá 90 (noventa) dias, contados da data da publicação do edital.
da data de publicação do ato que instaurar o processo, ad- Art. 208 Considerar-se-á revel o acusado que, regular-
mitida a sua prorrogação por igual prazo, quando as cir- mente citado, deixar de comparecer ao interrogatório ou
cunstâncias o exigirem. de apresentar defesa no prazo legal.
Parágrafo Único. As reuniões serão registradas em atas Parágrafo Único. A revelia será declarada, por termo,
que deverão detalhar as deliberações adotadas. nos autos do processo.
Art. 209 Interrogado o acusado ser-lhe-á concedido o
Capítulo V prazo de 5 (cinco) dias, a contar da data da intimação, para
DA INSTRUÇÃO NOS PROCEDIMENTOS DISCIPLINA- apresentar defesa prévia e rol de testemunhas, que não ul-
RES trapassará o número de 3 (três) e requerer diligências.
§ 1º A intimação será dispensada quando a defesa pré-
Art. 199 A instrução obedecerá ao princípio do contra- via for oferecida logo após o término do interrogatório.
ditório, assegurada ao acusado ampla defesa, com a utili- § 2º O prazo de defesa poderá ser prorrogado pelo do-
zação dos meios e recursos admitidos em direito. bro, para diligências reputadas indispensáveis.
Art. 200 Os autos da sindicância integrarão o processo § 3º No caso de recusa do acusado em apor o ciente
administrativo disciplinar, como peça informativa da instru- na cópia da intimação, o prazo para defesa contar-se-á da
ção. data declarada, em termo próprio, pelo servidor respon-
sável pelo ato, com a assinatura de 2 (duas) testemunhas.
Art. 201 Na fase de instrução, a comissão promoverá,
Art. 210 O defensor do acusado poderá assistir ao
de ofício ou a requerimento do acusado, os seguintes atos:
interrogatório, bem como à inquirição das testemunhas,
I - tomada de depoimentos;
sendo-lhe vedado interferir nas perguntas e respostas, fa-
II - acareações;
cultando-se-lhe, porém, reinquiri-las, por intermédio do
III - investigações;
presidente da comissão.
IV - perícia;
Art. 211 O acusado será intimado com antecedência
V - demais diligências cabíveis, objetivando a coleta de mínima de 2 (dois) dias para, querendo, acompanhar, em
prova. audiência, a produção das provas.
Art. 202 É assegurado ao acusado o direito de acom- Art. 212 Quando depositar o rol de suas testemunhas,
panhar o processo pessoalmente ou por intermédio de seu caberá ao acusado indicar sua qualificação completa, men-
defensor, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir provas cionando, ainda, em qual repartição o servidor público está
e contraprovas e formular quesitos, quando se tratar de lotado.
prova pericial. Parágrafo Único. Se a testemunha for servidor público,
§ 1º O presidente da comissão poderá denegar pedi- será expedido ofício solicitando o seu comparecimento ao
dos considerados impertinentes, meramente protelatórios, chefe da repartição onde serve, com a indicação do local,
ou de nenhum interesse para o esclarecimento dos fatos. dia e hora marcados para inquirição.
§ 2º Será indeferido o pedido de prova pericial, quan- Art. 213 As testemunhas arroladas serão chamadas a
do a comprovação do fato independer de conhecimento depor mediante intimação expedida pelo presidente da
especial de perito. comissão, a ser encaminhada ao endereço fornecido pelo
Art. 203 No ato do interrogatório, o acusado será no- acusado, devendo a segunda via, com o ciente da testemu-
vamente informado a respeito da acusação que lhe é for- nha, ser anexado aos autos, podendo, ainda, comparecer à
mulada. audiência independentemente de intimação ou serem inti-
Art. 204 No caso de mais de um acusado, cada um de- midas por carta, telegrama ou pessoalmente.
les será ouvido separadamente, e sempre que divergirem § 1º Expedida a comunicação, nos termos do «caput»
em suas declarações sobre fatos ou circunstâncias, será deste artigo, e ao endereço constante da indicação forne-
promovida a acareação entre eles. cida pelo acusado, o não comparecimento de testemunha
Art. 205 Quando houver dúvida sobre a sanidade men- não implicará adiamento de qualquer ato processual.
tal do acusado, a comissão proporá à autoridade compe- § 2º Cabe ao acusado ou seu defensor diligenciar jun-
tente que ele seja submetido a exame por junta médica to aos autos do processo administrativo e, verificando que
oficial, da qual participe pelo menos um (01) médico psi- não produziu os efeitos a comunicação expedida a qual-
quiatra. quer de suas testemunhas, providenciar sua substituição
Parágrafo Único. O incidente de sanidade mental será ou ainda a indicação de novo endereço para expedição
processado em auto apartado e apenso ao processo prin- de nova comunicação, com prazo de no mínimo 05 (cinco)
cipal, após a expedição do laudo pericial. dias anteriores à audiência, sob pena de preclusão.

336
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Art. 214 Serão convidadas a depor, mediante ofício, Capítulo VII


com a possibilidade de indicar dia, hora e local para a rea- DA REVISÃO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCI-
lização do ato, as seguintes autoridades: PLINAR
I - Vereador;
II - Secretário; Art. 222 O processo administrativo disciplinar poderá
III - Outras autoridades a quem, por determinação le- ser revisto, a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quan-
gal, seja dispensado o mesmo tratamento. do se aduzirem fatos novos ou circunstâncias suscetíveis
Art. 215 O depoimento será prestado oralmente e re- de justificar a inocência do punido ou a inadequação da
duzido a termo, não sendo lícito à testemunha trazê-lo por penalidade aplicada.
escrito. Parágrafo Único. Em caso de falecimento, ausência ou
§ 1º As testemunhas serão inquiridas separadamente. desaparecimento do servidor, qualquer pessoa que tenha
§ 2º Na hipótese de depoimentos contraditórios ou interesse legítimo poderá requerer a revisão do processo.
que se infirmem, proceder-se-á a acareação entre os de- Art. 223 A simples alegação de injustiça da penalidade
poentes. não constitui fundamento para a revisão, que requer ele-
Art. 216 Finda a instrução, será ouvida a defesa em ale- mentos novos expressamente consignados na petição.
gações finais, no prazo de 10 (dez) dias. § 1º No processo revisional, o ônus da prova cabe ao
Art. 217 Apreciada a defesa, a comissão permanente requerente.
elaborará relatório minucioso, onde resumirá as peças prin- § 2º Não será processado o requerimento de revisão
cipais dos autos e mencionará as provas em que se baseou que verse sobre fatos anteriormente apreciados em pro-
para formar a sua convicção. cesso revisional.
Parágrafo Único. O relatório será sempre conclusivo Art. 224 A revisão correrá em apenso ao processo ori-
quanto à inocência ou à responsabilidade do acusado. ginário.
Art. 218 Após o relatório da comissão, o processo será Art. 225 A revisão não será remetida aos mesmos servi-
remetido à autoridade competente para o julgamento, que dores que conduziram o processo originário, sendo desig-
poderá solicitar a análise jurídica ao setor competente.
nada uma comissão revisora para cada caso, mediante ato
Parágrafo Único. A atuação do setor jurídico limitar-se-
do Chefe de cada Poder.
-á à apreciação das questões formais do processo.
Art. 226 A comissão revisora terá 60 (sessenta) dias
para a conclusão dos trabalhos.
Capítulo VI
Art. 227 Aplica-se aos trabalhos da comissão revisora,
DO JULGAMENTO NOS PROCEDIMENTOS
no que couber, as normas e procedimentos próprios da co-
DISCIPLINARES
missão permanente.
Art. 219 No prazo de 20 (vinte) dias, contados do re- Art. 228 O julgamento caberá à autoridade que aplicou
cebimento do processo, a autoridade julgadora proferirá a a pena ou à autoridade instauradora.
sua decisão. Parágrafo Único. O prazo para julgamento será de 30
§ 1º Se a penalidade a ser aplicada exceder a alçada da (trinta) dias, contados do recebimento do processo, no
autoridade instauradora do processo, este será encaminha- curso do qual a autoridade julgadora poderá determinar
do à autoridade competente, que decidirá em igual prazo. diligências.
§ 2º Havendo mais de um acusado e diversidade de Art. 229 Julgada procedente a revisão, será declarada
sanções, o julgamento caberá à autoridade competente sem efeito a penalidade aplicada, restabelecendo-se todos
para a imposição da pena mais grave. os direitos do servidor.
§ 3º Se a penalidade prevista for a exoneração ou cas- Parágrafo Único. Da revisão do processo não poderá
sação de disponibilidade, o julgamento caberá ao Chefe do resultar agravamento de penalidade.
respectivo Poder, conforme o caso.
Art. 220 Quando o relatório da comissão permanen- TÍTULO VI
te contrariar as provas dos autos, a autoridade julgadora DASEGURIDADE SOCIAL DO SERVIDOR
poderá, motivadamente, adotar conclusão diversa da apre- Capítulo Único
sentada. DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 221 Verificada a ocorrência de vício insanável, a
autoridade que determinou a instauração do processo ou Art. 230 Os servidores públicos municipais ocupantes
outra de hierarquia superior declarará a sua nulidade, to- de cargo de provimento efetivo, regulados pelas disposi-
tal ou parcial, e ordenará, no mesmo ato, a instauração de ções contidas nesta Lei, serão segurados do RGPS, até a im-
novo processo. plantação do Regime Próprio da Previdência do Servidor do
§ 1º O julgamento fora do prazo legal não implica nu- Município de Suzano, nos termos do art. 40 da Constituição
lidade do processo. Federal e legislação regulamentadora e complementar.
§ 2º Caso entenda a autoridade que servidor designado Parágrafo Único. Os Servidores Públicos Municipais
para a comissão permanente concorreu, de modo doloso ocupantes de cargo de provimento em comissão, regula-
ou culposo, para a ocorrência da nulidade, deverá designar dos pelas disposições contidas nesta Lei, são segurados
outros servidores para se responsabilizarem pelo processo, obrigatórios do RGPS.
sem prejuízo das demais cominações legais.

337
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

PARTE ESPECIAL II - condições dignas de trabalho para os Profissionais


LIVRO I da Educação;
DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO III - perspectivas de progressão na carreira de forma
TÍTULO I organizada por meio de Plano de Carreira e Vencimento
DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES dos Profissionais da Educação;
IV - realização periódica de concurso público;
Art. 231 Os Profissionais da Educação do Município de V - exercício de todos os direitos e vantagens compa-
Suzano, que ocupam cargos efetivos ou de comissão, além tíveis com as atribuições e responsabilidades dos Profissio-
das disposições contidas nesta Lei, ainda estão sujeitos a nais da Educação;
disposições específicas da categoria. VI - apuração e punição dos envolvidos em casos de
§ 1º Para efeitos da presente Lei, Profissionais da Edu- assédio moral nos termos da legislação vigente;
cação são todos os servidores integrantes do Quadro de VII - exercício do direito de greve, nos termos da Lei.
Pessoal da Secretaria Municipal de Educação nos termos
da legislação própria. TÍTULO II
§ 2º Aplica-se o disposto nesta Lei, no que couber, aos DOS ATOS PARA O INGRESSO NO SERVIÇO PÚBLICO
cargos públicos de provimento em comissão, ligados à car- Capítulo I
reira dos Profissionais da Educação. DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 232 Os cargos de carreira dos Profissionais da Edu-
cação são acessíveis a todos os brasileiros que preencham Art. 238 São requisitos básicos para investidura em car-
os requisitos estabelecidos em Lei. go da carreira dos Profissionais da Educação os constantes
Art. 233 O exercício dos cargos da carreira dos Profis- do art. 8º desta Lei e também:
sionais da Educação exige não só conhecimentos específi- I - o nível de escolaridade, capacitação e, se for o caso,
cos, adquiridos e mantidos por meio de estudos contínuos, habilitação profissional para o exercício das atribuições ine-
mas também responsabilidades pessoais e coletivas para rentes do cargo exigidas em Lei;
com a Educação e o bem-estar dos educandos e da comu- II - a aptidão física e mental, nos termos do art. 15 des-
ta Lei;
nidade.
III - o atendimento às condições específicas e especiais,
Art. 234 Este estatuto tem como princípios o disposto
que porventura exista, estabelecidas em Lei.
no art. 206 da Constituição Federal, na Lei de Diretrizes e
§ 1º As atribuições do cargo podem justificar a exigên-
Bases da Educação Nacional, e também ao seguinte:
cia de outros requisitos estabelecidos em Lei.
I - a gestão democrática da educação;
§ 2º Às pessoas com deficiência é assegurado o direito
II - o aprimoramento da qualidade do ensino público
de se inscrever em concurso público para investidura em
no Município de Suzano; cargo público cujas atribuições sejam compatíveis, nos ter-
III - a valorização dos Profissionais da Educação; mos da legislação própria.
IV - a escola gratuita e de qualidade para todos. § 3º A investidura nos cargos da carreira dos (as) Profis-
Art. 235 A gestão democrática da educação consistirá sionais da Educação ocorrerá com a posse.
na participação das comunidades internas e externas, na Art. 239 O provimento dos cargos da carreira dos Pro-
forma colegiada e representativa, observada em qualquer fissionais da Educação será por meio de ato do Chefe do
caso a legislação pertinente. Poder Executivo.
Art. 236 O ensino público municipal deverá garantir à
criança, ao adolescente, ao jovem e ao adulto: Capítulo II
I - a aprendizagem integrada e abrangente objetivando: DO CONCURSO PÚBLICO
a) superar a fragmentação das várias áreas do conheci-
mento, observando as especificidades de cada modalidade Art. 240 O concurso público para os cargos da carrei-
e nível de ensino; ra dos Profissionais da Educação será de provas e títulos,
b) propiciar ao educando o saber organizado, para que podendo ser realizado em duas (02) etapas, conforme dis-
possa reconhecer-se como agente do processo de cons- puser a Lei que fixa as diretrizes do sistema de carreira e
trução do conhecimento e transformação das relações hu- vencimento dos Profissionais da Educação do Município de
manas. Suzano.
II - o preparo do educando para o exercício consciente Art. 241 Aplica-se aos concursos públicos para os car-
da cidadania e no seu processo de humanização; gos da carreira dos Profissionais da Educação as normas
III - a garantia de igualdade de tratamento, sem discri- gerais de concursos públicos estabelecidas pela legislação
minação de qualquer espécie; pertinente.
IV - a garantia do direito de organização e representa- Parágrafo Único. Os concursos públicos para os cargos
ção estudantil no âmbito do Município. da carreira dos Profissionais da Educação serão realizados,
Art. 237 A valorização dos Profissionais da Educação obrigatoriamente, quando:
será assegurada por meio de: I - o percentual dos cargos vagos atingir 5% (cinco por
I - formação permanente e sistemática de todos os ser- cento) do total de cargos;
vidores do Quadro de Pessoal dos Profissionais da Educa- II - não houver aprovados e classificados excedentes de con-
ção, promovida pela Secretaria Municipal de Educação; curso anterior para a carreira com prazo de validade em vigor.

338
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Art. 242 O edital do concurso público estabelecerá os III - combinação das razões tempo e títulos descritas
requisitos a serem cumpridos pelos candidatos com base nos incisos I e II deste artigo.
no disposto no artigo anterior. § 2º Havendo a necessidade excepcional de remane-
jamento de servidores à outras unidades escolares, por
Capítulo III motivos emergenciais e de reorganização, à Secretaria Mu-
DO PROVIMENTO nicipal de Educação é reservado o direito de transferir tem-
SEÇÃO I porariamente o servidor, seguindo os seguintes critérios:
DAS FORMAS DE PROVIMENTO I - servidor lotado em unidade escolar mais próxima da
unidade escolar com necessidade;
Art. 243 São formas de provimento de cargo da carreira II - menor tempo de serviço na Rede Municipal Pública
dos Profissionais da Educação: de Ensino;
I - nomeação; III - local de residência do servidor;
II - readaptação; IV - servidor não estudante;
III - reversão; V - menor número de filhos;
IV - reintegração; VI - menor idade.
V - aproveitamento;
VI - remoção. SUBSEÇÃO III
DA READAPTAÇÃO
SUBSEÇÃO I
DA NOMEAÇÃO Art. 249 Readaptação é a investidura do servidor em
cargo de atribuições e responsabilidades compatíveis com
Art. 244 A nomeação para os cargos da carreira dos a limitação que tenha sofrido em sua capacidade física,
Profissionais da Educação será: sensorial ou mental e obedecerá ao disposto na legislação
I - em caráter efetivo; própria.
II - em comissão, para cargos de livre nomeação e exo- Art. 250 O servidor da carreira dos Profissionais da
Educação readaptado temporariamente, manterá sua lota-
neração.
ção durante o período de vigência do laudo médico.
Art. 245 A nomeação para cargo de provimento efeti-
§ 1º Havendo renovação do laudo médico temporário
vo da carreira dos Profissionais da Educação depende de
por período superior a 2 (dois) anos, contínuos ou interpo-
prévia aprovação em concurso público de provas e títulos,
lados, o servidor perderá sua lotação.
obedecido em qualquer caso, a ordem de classificação e os
§ 2º Haverá classificação e atribuição específicas para o
termos da legislação própria.
servidor readaptado.
Parágrafo Único. Os demais requisitos para o ingresso § 3º Os laudos médicos de readaptação deverão ser
e o desenvolvimento do servidor na carreira, serão estabe- reavaliados por junta médica oficial a cada 1 (um) ano, con-
lecidos pela Lei que fixar as diretrizes do sistema de carreira tabilizados a partir da data da readaptação.
e vencimento dos Profissionais da Educação.
SUBSEÇÃO IV
SUBSEÇÃO II DA REVERSÃO
DA LOTAÇÃO
Art. 251 Reversão é o retorno à atividade do servidor
Art. 246 A lotação é o número de servidores que de- aposentado por invalidez, quando, por junta médica oficial,
vem ter exercício em cada órgão ou unidade responsável forem declarados insubsistentes os motivos da aposenta-
pelo desempenho das atividades vinculadas à educação doria, nos termos desta Lei.
formal no Município.
Art. 247 O número de servidores lotados em cada uma SUBSEÇÃO V
das unidades escolares será o designado pela Secretaria DA REINTEGRAÇÃO
Municipal de Educação.
Art. 248 Caberá aos Coordenadores Educacionais or- Art. 252 Reintegração é a reinvestidura do servidor no
ganizar e compatibilizar horários dos turnos de funciona- cargo anteriormente ocupado ou no cargo resultante de
mento, visando ao cumprimento da proposta educacional sua transformação, quando invalidada a sua exoneração
da respectiva pasta, de acordo com o plano de lotação por decisão administrativa ou judicial, com ressarcimento
aprovado. de todas as suas vantagens nos termos desta Lei.
§ 1º A atribuição de sedes aos servidores não docentes
far-se-á de acordo com os seguintes critérios: SUBSEÇÃO VI
I - aferição do tempo de serviço, por meio da conver- DA DISPONIBILIDADE E DO APROVEITAMENTO
são em pontos do tempo de efetivo exercício na Rede Mu-
nicipal Pública de Ensino; Art. 253 Extinto o cargo ou declarada a sua desneces-
II - aferição da conclusão de graduação na área da sidade, o servidor estável ficará em disponibilidade com
educação, por meio da conversão em pontos da respectiva remuneração proporcional ao tempo de serviço até o seu
conclusão; aproveitamento obrigatório conforme o disposto nesta Lei.

339
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

SUBSEÇÃO VII Art. 262 Exercício é o efetivo desempenho das atribui-


DA REMOÇÃO ções do cargo da carreira dos Profissionais da Educação,
sendo que ao Secretário Municipal de Educação compete
Art. 254 Remoção é o deslocamento do servidor da atestar o início do exercício pelo servidor.
carreira dos Profissionais da Educação de sua lotação para Art. 263 A posse e o exercício do servidor da carreira
outra. dos Profissionais da Educação obedecerá ao disposto nesta
Art. 255 A remoção se faz anualmente, a pedido, obe- Lei.
decendo uma ordem de classificação, efetuada por meio Art. 264 Os servidores cumprirão jornada de trabalho
do exposto nos incisos I, II e III do § 1º do art. 248 e incisos fixada em razão das atribuições pertinentes aos respectivos
I, II, III e IV do art. 305, durante o último trimestre de cada cargos.
ano ou em outro período, nos casos excepcionais, a critério Parágrafo Único. O disposto no “caput” não se aplica a
da Secretaria Municipal de Educação. duração de trabalho estabelecida para categorias de profis-
Parágrafo Único. O processo de remoção precederá sionais com regulamentação específica.
aos concursos públicos para ingresso na carreira dos Pro-
fissionais da Educação em cargos equivalentes. Capítulo IV
Art. 256 A remoção a pedido se processa por meio DO ESTÁGIO PROBATÓRIO E DA ESTABILIDADE
de requerimento do interessado à Secretaria Municipal de SEÇÃO ÚNICA
Educação, o qual será avaliado e deferido ou indeferido DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
mediante a possibilidade e a necessidade da Rede Munici-
pal Pública de Ensino. Art. 265 Ao entrar em exercício, o servidor nomeado
Art. 257 A remoção por permuta se processa a pedido para cargo de provimento efetivo da carreira dos Profissio-
de ambos os interessados precedendo o inicio do ano leti- nais da Educação ficará sujeito a estágio probatório visan-
vo conforme o calendário escolar. do a aquisição da estabilidade, por período de 36 (trinta e
§ 1º Os permutadores devem ter a mesma categoria seis) meses, durante o qual sua aptidão e capacidade serão
funcional e o mesmo regime de trabalho. objeto obrigatório de avaliação especial de desempenho.
§ 2º Apenas poderá ser solicitada a remoção por per-
Parágrafo Único. O estágio probatório e a aquisição
muta após 1 (um) ano de lotação na unidade escolar.
da estabilidade do servidor da carreira dos Profissionais da
§ 3º Em situação excepcional devidamente justificada
Educação obedecerão ao disposto nesta Lei.
e comprovada por meio de documentos, a remoção por
permuta poderá ocorrer no mês de julho, desde que não
TÍTULO III
ocorra prejuízo para o andamento das atividades escolares. DOS DIREITOS E VANTAGENS
Art. 258 Não poderá solicitar a remoção por permuta, Capítulo I
o Profissional da Educação que: DOS DIREITOS
I - esteja em processo de avaliação médica oficial para
a readaptação nos termos dos arts. 249 e 250; Art. 266 São direitos dos integrantes da carreira dos
II - esteja na condição de readaptado com laudo médi- Profissionais da Educação do Município de Suzano, além
co oficial temporário; de outros:
III - esteja lotado em unidade escolar que possua Pro- I - ter ao seu alcance informações educacionais, biblio-
fissional da Educação em situação de excedente na mesma grafia, materiais didáticos e outros instrumentos inclusive
área de atuação. informatizados, bem como contar com assistência técni-
Art. 259 A remoção independerá de processo de sele- co-pedagógica que auxilie e estimule a melhoria de sua
ção: atuação profissional e ampliação de seus conhecimentos;
I - para o membro da carreira dos Profissionais da Edu- II - dispor no ambiente de trabalho, de instalações e
cação que apresentar problema de saúde que impeça o materiais técnico-pedagógicos suficientes e adequados
exercício em seu local de lotação, comprovado por órgão para que possa desenvolver suas atividades;
médico oficial; III - ter liberdade de escolha e de utilização de mate-
II - quando ocorrer extinção de escolas, alteração de riais, equipamentos e procedimentos didáticos, bem como
matrículas ou disciplinas, que importe em diminuição de dispor de instrumentos de avaliação do processo de en-
lotação. sino-aprendizagem, dentro dos princípios psicopedagógi-
Art. 260 À Secretaria Municipal de Educação caberá ve- cos, em acordo com o projeto político-pedagógico;
rificar os casos omissos, não previstos nesta Lei. IV - receber auxílio, se necessário, para a publicação de
trabalhos técnico-científicos e livros didáticos ou técnico-
SEÇÃO II -científicos, mediante solicitação e aprovação da Adminis-
DA POSSE E DO EXERCÍCIO tração, compreendendo conteúdos pertinentes à área da
educação;
Art. 261 Posse é a aceitação expressa das atribuições, V - ter assegurada a igualdade de tratamento no plano
dos deveres, das responsabilidades e dos direitos inerentes técnico-pedagógico;
ao cargo ocupado, que não poderão ser alterados unilate- VI - receber, por meio de serviços técnicos especializa-
ralmente, por quaisquer das partes, ressalvados os atos de dos em educação e apoio à educação, assistência ao exer-
ofício previstos em Lei. cício profissional;

340
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

VII - participar das deliberações que afetam a vida e as § 1º O servidor deverá encaminhar requerimento so-
atividades da unidade escolar e do desenvolvimento efi- licitando com, no mínimo, 2 (dois) dias de antecedência
ciente do processo pedagógico; o abono das faltas a que se refere o «caput», sempre a
VIII - participar do processo de planejamento, execu- critério da autoridade competente ouvido o Coordenador
ção e avaliação das atividades educativas, assim como de Educacional da unidade escolar.
reuniões, comissões e conselhos escolares. § 2º A construção da política das faltas abonadas no
interior das unidades escolares dar-se-á no Conselho de
Capítulo II Escola em reunião específica durante o período de plane-
DO VENCIMENTO E DEMAIS VANTAGENS PESSOAIS jamento no início de cada ano letivo, a qual referenciará a
ação do Coordenador Educacional sempre considerando o
Art. 267 Vencimento é a retribuição pecuniária pelo previsto nesta Lei.
exercício de cargo público, com valor fixado em Lei. § 3º Não serão permitidas faltas abonadas em emen-
Art. 268 Vencimentos expressa a retribuição pecuniária das de feriado.
pelo exercício de cargo público efetivo, acrescido das van-
tagens pecuniárias permanentes estabelecidas em Lei. SEÇÃO V
Art. 269 O disposto neste capítulo deverá ser aplicado DO BANCO DE HORAS
na forma desta Lei.
Art. 274 Os Profissionais da Educação com funções
Capítulo III não docentes que prestarem serviços a título de horas ex-
DAS FALTAS traordinárias poderão, a critério do Secretário Municipal de
SEÇÃO I Educação, compensarem as horas em sistema denominado
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS banco de horas nos termos do art. 121 desta Lei.

Art. 270 O servidor da carreira dos Profissionais da Capítulo IV


Educação perderá: DA EVOLUÇÃO E PROGRESSÃO FUNCIONAL
I - a remuneração do dia em que não comparecer ao
serviço, sem motivo justificado; Art. 275 O servidor ocupante de cargo de provimento
II - a parcela da remuneração diária, proporcional aos efetivo terá evolução e progressão funcional nos termos da
atrasos, ausências justificadas, ressalvadas as concessões Lei que fixa as diretrizes do sistema de carreira e vencimen-
de que trata o art. 292, e as saídas antecipadas, salvo na hi- to dos Profissionais da Educação do Município de Suzano.
pótese de compensação de horário, até o mês subsequente
ao da ocorrência, a ser estabelecida pela chefia imediata, Capítulo V
iguais ou superiores a 60 (sessenta) minutos. DA FORMAÇÃO
SEÇÃO II Art. 276 O servidor da carreira dos Profissionais da
DAS FALTAS JUSTIFICADAS Educação deverá participar de processos de formação con-
tinuada integrados às necessidades do serviço e do inte-
Art. 271 O servidor da carreira dos Profissionais da resse público, na área de atuação do mesmo.
Educação justificará ao superior imediato de até o máximo Art. 277 A Secretaria Municipal de Educação cuidará
de 5 (cinco) faltas por ano nos termos desta Lei. permanentemente da formação dos servidores de carreira
dos Profissionais da Educação do Município.
SEÇÃO III Art. 278 A formação é o conjunto de procedimentos
DAS FALTAS INJUSTIFICADAS que visam proporcionar aos integrantes da carreira dos
Profissionais da Educação a sua atualização profissional,
Art. 272 Serão consideradas faltas injustificadas aque- com vistas à melhoria da qualidade de ensino e demais ati-
las em que o servidor da carreira dos Profissionais da Edu- vidades educativas.
cação ausentar-se do serviço sem um justo motivo. Parágrafo Único. A formação será desenvolvida por
Parágrafo Único. O servidor sofrerá o desconto em seu intermédio de cursos, congressos, seminários, encontros,
vencimento e não será considerado como período de efe- simpósios, palestras, fórum de debates, semanas de estu-
tivo exercício para todos os efeitos. dos, acompanhamento e aconselhamento, além de outros
procedimentos similares.
SEÇÃO IV Art. 279 São objetivos da formação:
DAS FALTAS ABONADAS I - propiciar a associação entre teoria e prática;
II - criar condições propícias à efetiva qualificação dos
Art. 273 As faltas ao serviço dos servidores nomeados servidores, de acordo com suas atribuições, por meio de
para cargo de provimento efetivo da carreira dos Profissio- cursos, seminários, conferências, oficinas de trabalho, im-
nais da Educação, até o máximo de 6 (seis) por ano, que plementação de projetos e outros instrumentos para possi-
não exceda a 1 (uma) por mês, serão abonadas desde que bilitar a definição de novos programas, métodos e estraté-
não haja prejuízo ao educando, à unidade escolar e a Rede gias de ensino, adequadas às transformações educacionais;
Municipal Pública de Ensino.

341
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

III - promover a valorização do (a) Profissional da Edu- SEÇÃO II


cação. DO ADICIONAL NOTURNO
Art. 280 Compete à Secretaria Municipal de Educação:
I - identificar as áreas e servidores para programas de Art. 289 O serviço noturno, prestado pelo servidor ocu-
formação; pante de cargo de provimento efetivo com funções docen-
II - planejar a participação do servidor da carreira dos tes, em horário compreendido entre 19h00 (dezenove ho-
Profissionais da Educação nos programas de formação e ras) e 23h00 (vinte e três horas), terá o valor do vencimento
adotar as medidas necessárias para que os afastamentos acrescido em 25% (vinte e cinco por cento).
que ocorrerem não causem prejuízo às atividades educa- Art. 290 O serviço noturno, prestado pelo servidor ocu-
cionais; pante de cargo de provimento efetivo não docente, devido
III - estabelecer a data de realização dos programas de a natureza do seu trabalho na área da Educação, em horá-
formação contínua, respeitados o turno de trabalho e a jor- rio compreendido entre 19h00 (dezenove horas) e 23h00
nada do profissional; (vinte e três horas), terá o valor do vencimento acrescido
IV - incentivar o auto-desenvolvimento profissional. em 25% (vinte e cinco por cento).
Art. 281 Os programas de formação serão conduzidos: Art. 291 O adicional de que trata os arts. 289 e 290 não
I - sempre que possível, diretamente pela Secretaria se incorporará a remuneração do servidor.
Municipal de Educação;
II - por meio de contratação de especialistas ou insti- Capítulo VII
tuições especializadas, observada a legislação pertinente; DAS LICENÇAS, DOS AFASTAMENTOS E DAS CONCES-
III - mediante encaminhamento do servidor à organiza- SÕES
ções especializadas, sediadas ou não no Município;
IV - por meio da realização de programas de diferentes Art. 292 Conceder-se-á ao servidor da carreira dos Pro-
formatos utilizados, também, os recursos da educação à fissionais da Educação as licenças constantes da parte geral
distância. desta Lei.
Art. 282 Os programas de formação serão elaborados e
organizados anualmente a tempo de se prever, na proposta
Art. 293 Fica garantido aos servidores ocupantes de
orçamentária, os recursos para sua implementação.
cargo de provimento efetivo da carreira dos Profissionais
da Educação da Rede Municipal Pública de Ensino o afasta-
Capítulo VI
mento para fins de realização de curso de pós-graduação
DAS VANTAGENS
presencial.
Art. 283 Além do vencimento, serão pagas aos servido- § 1º O afastamento será sem prejuízo da remunera-
res da carreira dos Profissionais da Educação as vantagens ção quando o curso de pós-graduação estiver vinculado
constantes desta Lei, em especial: a pesquisa acadêmica focada em estudo de caso da Rede
I - gratificação por trabalho ou docência em escola Municipal Pública de Ensino de Suzano e coerente com
com difícil provimento; a atividade fim do cargo de provimento efetivo ocupado
II - adicional noturno. pelo servidor.
§ 2º O afastamento será com prejuízo da remunera-
SEÇÃO I ção nas situações não previstas no parágrafo 1º, podendo,
DA GRATIFICAÇÃO POR TRABALHO OU DOCÊNCIA EM ser solicitada, neste caso, bolsa de estudo no valor de 30%
ESCOLA COM DIFÍCIL LOTAÇÃO (trinta por cento) do vencimento do cargo de provimento
efetivo ocupado pelo servidor.
Art. 284 Os servidores da carreira dos Profissionais da § 3º O período de afastamento nos termos do «caput»
Educação, enquanto atuarem em escolas consideradas de fica condicionado ao período de vínculo comprovado entre
difícil lotação, farão jus à gratificação neste período. o servidor e a unidade acadêmica não excedendo a 3 (três)
Art. 285 Para efeitos desta Lei, considerar-se-á escola anos para mestrado e 4 (quatro) anos para doutorado.
de difícil lotação, as que serão definidas por meio de ato § 4º Os servidores em afastamento remunerado de que
do Chefe do Poder Executivo. trata o parágrafo 1º não poderão exceder a 5% (cinco por
Art. 286 A gratificação por trabalho ou docência em cento) do total do quadro de pessoal efetivo de cada cargo
escola de difícil lotação será concedida aos servidores da em atividade.
carreira dos Profissionais da Educação enquanto atuarem § 5º Os critérios para seleção dos candidatos e demais
nas referidas unidades escolares e terá o valor do venci- normas para a concessão do afastamento serão fixados por
mento acrescido o percentual de 15% (quinze por cento). meio de ato do Chefe do Poder Executivo.
Art. 287 O servidor da carreira dos Profissionais da
Educação perderá o direito à gratificação por trabalho ou Capítulo VIII
docência em escola com difícil lotação, no momento em DO TEMPO DE SERVIÇO
que cessar sua atuação nas referidas escolas.
Art. 288 A gratificação por trabalho ou docência em es- Art. 294 A apuração do tempo de serviço será feita em
cola com difícil lotação não se incorporará ao vencimento dias, que serão convertidos em anos, considerado o ano
para nenhum efeito. como de 365 (trezentos e sessenta e cinco) dias.

342
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Art. 295 O tempo de efetivo exercício deverá ser apura- § 3º Os professores tratados no parágrafo 1º serão se-
do nos termos da parte geral desta Lei. lecionados e admitidos mediante processo seletivo, nos
termos de legislação específica.
Capítulo IX § 4º Esses professores serão remunerados na mesma
DA VACÂNCIA proporção do ocupante de cargo de provimento efetivo
que estão substituindo, considerando o seu vencimento.
Art. 296 A vacância do cargo público da carreira dos Art. 300 As substituições de servidores por período
Profissionais da Educação decorrerá das situações previstas igual ou superior a 15 (quinze) dias, poderá ser realizada
na parte geral desta Lei. por servidores admitidos em caráter temporário.
Art. 297 A exoneração do servidor ocupante de cargo § 1º As substituições de que trata este artigo, não po-
de provimento efetivo dar-se-á exclusivamente após pro- derão ultrapassar o ano letivo para a qual foi autorizada e
cesso administrativo disciplinar nos termos da parte geral serão obrigatoriamente, por tempo determinado.
desta Lei. § 2º Os servidores tratados no «caput» serão selecio-
nados e admitidos mediante processo seletivo, nos termos
Capítulo X de legislação específica.
DA SUBSTITUIÇÃO § 3º Esses servidores serão remunerados na mesma
proporção do ocupante de cargo de provimento efetivo
Art. 298 Os servidores da carreira dos Profissionais da que estão substituindo, considerando o seu vencimento.
Educação investidos em cargo de provimento em comissão
ou função de direção ou chefia terão substitutos indicados Capítulo XI
no regimento interno do órgão ou, no caso de omissão, DAS FÉRIAS E DO RECESSO
previamente designados por meio de ato regular do Chefe
do Poder Executivo. Art. 301 Aos Profissionais da Educação em exercício de
§ 1º O substituto assumirá automática e cumulativa- docência nas unidades escolares, são assegurados 30 (trin-
mente, sem prejuízo do cargo que ocupa, o exercício do
ta) dias de férias anuais, durante o mês de janeiro.
cargo de provimento em comissão ou função de direção
§ 1º O período de férias de que trata o «caput» será
ou chefia, nos afastamentos, impedimentos legais ou regu-
concedido nos termos do art. 125 desta Lei.
lamentares do titular e na vacância do cargo, hipóteses em
§ 2º O pagamento da remuneração devida por ocasião
que deverá optar pela remuneração de um deles durante o
das férias deverá ser efetuado em conformidade com o dis-
respectivo período.
posto no art. 130 desta Lei.
§ 2º O substituto fará jus à retribuição pelo exercício do
cargo de provimento em comissão ou função de direção § 3º O servidor exonerado do cargo de provimento
ou chefia, nos casos dos afastamentos, férias ou impedi- efetivo ou de provimento em comissão, perceberá indeni-
mentos legais do titular, superiores a 5 (cinco) dias conse- zação relativa ao período das férias a que tiver direito e ao
cutivos, paga na proporção dos dias de efetiva substituição, incompleto, na proporção de 1/12 (um doze avos) por mês
que excederem o referido período. de efetivo exercício ou fração superior a 14 (quatorze) dias.
§ 3º No caso de substituição com base no parágrafo § 4º A indenização será calculada com base na remune-
2º, o substituto perceberá o vencimento do cargo de pro- ração do mês em que for publicado o ato de exoneração.
vimento em comissão ou função de direção ou chefia em § 5º O período de gozo de férias somente poderá ser
que se der a substituição, salvo se optar pelo vencimento interrompido por motivo de calamidade pública, comoção
de seu cargo de provimento efetivo. interna, convocação para júri, serviços militar ou eleitoral
§ 4º Em caso excepcional, atendida a conveniência da ou por motivo de superior interesse público devidamente
Administração e o interesse público, o titular de cargo de justificado.
provimento em comissão ou função de direção ou che- § 6º O restante do período interrompido será gozado
fia, poderá ser designado ou nomeado, cumulativamente, de uma só vez.
como substituto para outro cargo ou função da mesma na- Art. 302 Além do período de férias constante do artigo
tureza, até que se verifique a nomeação ou designação do anterior, os Profissionais da Educação poderão gozar de re-
titular, nesse caso, somente perceberá o vencimento cor- cesso escolar, conforme calendário escolar.
respondente a um dos cargos ou funções. Art. 303 Durante as férias e o recesso escolar, os Pro-
Art. 299 As substituições de professores por período fissionais da Educação perceberão o mesmo vencimento
inferior a 15 (quinze) dias, sempre que possível, deverão recebido no mês anterior.
ser efetuadas por professores ocupantes de cargos de pro- Art. 304 Durante o recesso escolar, ressalvando o pe-
vimento efetivo por meio da suplementação da jornada de ríodo de gozo de férias, o servidor poderá ser convocado a
trabalho ou por meio dos professores substitutos. prestar serviços educacionais.
§ 1º Na impossibilidade da substituição ser realizada
nos termos do «caput», deverão ser admitidos professores Capítulo XII
em caráter temporário. DA ATRIBUIÇÃO DE TURMAS
§ 2º As substituições de que trata este artigo, não po-
derão ultrapassar o ano letivo para a qual foi autorizada e Art. 305 Para fins de atribuição de turmas, os docentes se-
serão obrigatoriamente, por tempo determinado. rão classificados, observada a seguinte ordem de preferência:

343
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

I - situação funcional: TÍTULO IV


a) admitidos para cargos de provimento efetivo, me- DO REGIME DISCIPLINAR
diante concurso público de provas e títulos, correspon- Capítulo I
dentes aos componentes curriculares das classes a serem DOS DEVERES
atribuídas; Art. 311 São deveres do servidor ocupante de cargo da
b) professores com carga horária de 24 (vinte e quatro) carreira dos Profissionais da Educação:
horas semanais. I - conhecer e respeitar as Leis;
II - tempo de serviço no magistério público, na forma a II - preservar os princípios, os ideais e os fins da edu-
ser regulamentada; cação brasileira, por meio de seu desempenho profissional;
III - títulos computáveis obtidos pelo docente, por III - empenhar-se em prol do desenvolvimento do edu-
meio da conversão em pontos das cargas horárias dos res- cando, utilizando processos que acompanhem o progresso
pectivos títulos; científico da educação;
IV - combinação das razões tempo e títulos descritas IV - participar das atividades educacionais que lhe fo-
nos incisos II e III. rem atribuídas por força de suas funções;
§ 1º Aos docentes admitidos para cargo de provimento V - comparecer ao local de trabalho com assiduidade e
efetivo na Rede Municipal Pública de Ensino, serão atribuí- pontualidade, executando suas tarefas com eficiência, zelo
das simultaneamente as classes em substituição referente e presteza;
aos docentes afastados. VI - manter o espírito de cooperação e solidariedade
§ 2º O docente, indicado e nomeado para as funções com a equipe escolar e a comunidade em geral;
de suporte pedagógico e que seja exonerado a pedido ou VII - incentivar a participação, o diálogo e a cooperação
a critério da Administração, não perde o direito de voltar às entre os educandos e demais educadores;
turmas das quais é titular, durante o ano letivo. VIII - contribuir para o desenvolvimento do senso críti-
Art. 306 Compete à Secretaria Municipal de Educação co e da consciência política do educando;
atribuir as classes aos docentes da Rede Municipal Pública IX - respeitar o educando como sujeito do processo edu-
de Ensino, respeitada a ordem de classificação, conforme o cativo e comprometer-se com a eficácia de seu aprendizado;
artigo anterior. X - comunicar ao superior imediato as irregularidades de
Parágrafo Único. A Secretaria Municipal de Educação que tiver conhecimento, na sua área de atuação, ou às enti-
expedirá as normas complementares necessárias ao cum- dades superiores, no caso de omissão por parte da primeira;
primento do disposto neste artigo. XI - zelar pela defesa dos direitos profissionais e pela
reputação da categoria profissional;
Capítulo XIII XII - fornecer elementos para a permanente atualização
DO HORÁRIO DE TRABALHO PEDAGÓGICO COLETIVO de seus assentamentos, junto a unidade de pessoal;
XIII - considerar os princípios psicopedagógicos, a rea-
Art. 307 Cabe à Coordenação Educacional da unidade lidade sócio-econômica da clientela escolar e as diretrizes
escolar garantir a participação de todos os Profissionais da da Política Educacional na escolha e utilização de materiais,
Educação não docentes nos Horários de Trabalho Pedagó- procedimentos didáticos e instrumentos de avaliação do
gico Coletivo (HTPC), em sistema de rodízio. processo ensino-aprendizagem;
Art. 308 O Horário de Trabalho Pedagógico Coletivo XIV - participar de conselhos referentes ao desenvolvi-
(HTPC) do pessoal docente deverá ser sistematizado pela mento da educação no Município de Suzano;
Secretaria Municipal de Educação. XV - participar do processo de planejamento, execução
e avaliação das atividades escolares;
Capítulo XIV XVI - acatar as decisões do Conselho de escola, obser-
DA ASSISTÊNCIA À SAÚDE vando a legislação vigente;
XVII - participar das atividades educacionais que forem
Art. 309 A assistência a saúde do servidor da carreira próprias do cargo ou da função que ocupa;
dos Profissionais da Educação e de sua família compreende XVIII - assegurar a efetivação dos direitos pertinentes à
assistência médica ambulatorial, hospitalar, odontológica, criança e ao adolescente, nos termos do Estatuto da Crian-
psicológica e farmacêutica prestada pelo Sistema Único de ça e do Adolescente, comunicando às autoridades compe-
Saúde - SUS. tentes os casos de que tenham conhecimento, envolvendo
suspeita ou confirmação de maus-tratos;
Capítulo XV XIX - zelar pelo cumprimento dos horários e calendário
DO DIREITO DE PETIÇÃO escolar;
XX - manter a Secretaria Municipal de Educação informa-
Art. 310 É assegurado ao servidor da carreira dos Pro- da do desenvolvimento do processo educacional, expondo
fissionais da Educação o direito de requerer aos Poderes suas críticas e apresentando sugestões para a sua melhoria;
Públicos, em defesa de direito ou interesse legítimo, nos XXI - buscar o seu constante aperfeiçoamento profis-
termos desta Lei. sional por meio de participação em cursos, reuniões, semi-
nários, sem prejuízo de suas atribuições;

344
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

XXII - representar contra ilegalidade, omissão ou abuso Art. 314 O servidor não poderá exercer mais de um (01)
de poder. cargo de provimento em comissão.
Parágrafo Único. A representação de que trata o inciso Art. 315 O servidor vinculado ao regime desta Lei, que
XXII será encaminhada, assegurando-se ao representando acumular licitamente 2 (dois) cargos de provimento efeti-
o direito a ampla defesa. vo da Rede Municipal Pública de Ensino de Suzano, quan-
do investido em cargo de provimento em comissão, ficará
Capítulo II afastado de ambos os cargos efetivos.
DAS PROIBIÇÕES Parágrafo Único. O servidor que se afastar dos cargos
de provimentos efetivo que ocupa poderá optar pela re-
Art. 312 Sem prejuízo das demais proibições constan- muneração de um deles ou pela do cargo de provimento
tes da parte geral desta Lei, ao servidor que integre o Qua- em comissão.
dro dos Profissionais da Educação ainda é vedada:
I - a ação ou omissão que traga prejuízo físico, moral Capítulo IV
DAS RESPONSABILIDADES
ou intelectual;
II - a imposição de castigo físico ou humilhante;
Art. 316 O servidor responde civil, penal e administrati-
III - a prática de discriminação por motivo de raça, con- vamente pelo exercício irregular de suas atribuições obser-
dição social, intelectual, sexo, credo ou convicção política; vado o disposto na parte geral desta Lei.
IV - a alteração de qualquer resultado de avaliação, res-
salvados os casos de erro manifesto, por ele considerado Capítulo V
ou reconhecido; DAS PENALIDADES
V - impedir que o educando participe das atividades
educativas em razão de qualquer carência material. Art. 317 São penalidades disciplinares a que estão su-
jeitos os servidores ocupantes de cargos da carreira dos
Capítulo III Profissionais da Educação:
DA ACUMULAÇÃO I - advertência;
II - suspensão;
Art. 313 Ressalvados os casos previstos no inciso XVI III - exoneração;
do art. 37 da Constituição Federal, é vedada a acumulação IV - cassação de disponibilidade;
remunerada de cargos públicos. V - destituição de cargo de provimento em comissão;
§ 1º A proibição de acumular estende-se a cargos, em- VI - destituição de exercício de função de direção, che-
pregos e funções em autarquias, fundações públicas, em- fia ou assessoramento.
presas públicas, sociedades de economia mista, suas sub- Art. 318 Na aplicação das penalidades será aplicado o
sidiárias, e sociedades controladas direta ou indiretamente previsto na parte geral desta Lei.
pelo Poder Público.
§ 2º A acumulação de cargos, ainda que lícita, fica con- TÍTULO V
dicionada à: DA SINDICÂNCIA E DO PROCESSO ADMINISTRATIVO
I - comprovação da compatibilidade de horários, con- DISCIPLINAR
siderando-se todos os seus componentes nos dois (02)
cargos; Art. 319 Para a apuração de infrações e aplicação das
penalidades disciplinares aos servidores ocupantes dos
II - comprovação da viabilidade de acesso aos locais de
cargos da carreira dos Profissionais da Educação deverá ser
trabalho por meios normais de transporte;
observado o disposto no Capitulo específico desta Lei.
III - existência de intervalo entre o término de uma jor-
nada e início da outra de, no mínimo, 1 (uma) hora. TÍTULO VI
§ 3º O intervalo constante do inciso III do parágrafo DA SEGURIDADE SOCIAL DO SERVIDOR
2º poderá ser reduzido para, o mínimo de até 15 (quinze)
minutos quando os locais de trabalho forem situados pró- Art. 320 Os servidores públicos municipais ocupantes
ximos, ou no mesmo local, sempre a critério da autoridade de cargos de provimento efetivo da carreira dos Profissio-
competente e desde que não haja prejuízo para o serviço nais da Educação serão segurados do RGPS, até a implan-
público municipal. tação do Regime Próprio da Previdência do Servidor no
§ 4º Além dos requisitos previstos no parágrafo 2º, Município de Suzano, nos termos do art. 40 da Constitui-
apenas será possível a acumulação de cargos que perfaze- ção Federal e legislação regulamentadora e complementar.
rem uma carga horária total máxima de 70 (setenta) horas
semanais, somadas as 02 (duas) jornadas. TÍTULO VII
§ 5º É vedada a percepção simultânea de proventos de DAS DISPOSIÇÕES GERAIS, TRANSITÓRIAS E FINAIS
aposentadoria com a remuneração de cargo, emprego ou Capítulo I
função pública, ressalvados os cargos e empregos acumu- DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
láveis na forma do inciso XVI do art. 37 da Constituição Fe-
deral, os cargos eletivos e os cargos de provimento em co- Art. 321 O Dia do Professor será comemorado em 15
missão declarados em Lei de livre nomeação e exoneração. (quinze) de outubro de cada ano.

345
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Parágrafo Único. Esta data poderá ser declarada pon- SEÇÃO ÚNICA
to facultativo para os servidores ocupantes dos cargos da DA CONTAGEM DOS PRAZOS
carreira dos Profissionais da Educação do Município de Su-
zano. Art. 329 Os prazos previstos nesta Lei começam a con-
Art. 322 Ao servidor da carreira dos Profissionais da tar a partir da data da notificação pessoal ou da publicação
Educação é assegurado, nos termos da Constituição Fede- oficial, excluindo-se da contagem o dia do início e incluin-
ral, o direito à livre associação sindical e os seguintes direi- do-se o do vencimento.
tos, entre outros, dela decorrentes: § 1º Considera-se prorrogado o prazo até o primeiro
I - de ser representado pelo sindicato, inclusive como dia útil seguinte se o vencimento cair em dia em que não
substituto processual; houver expediente ou se este for encerrado antes do ho-
II - de inamovibilidade do dirigente sindical, até um rário normal.
ano após o final do mandato, exceto se a pedido; § 2º Os prazos previstos nesta Lei são contados em dias
corridos.
III - de descontar em folha, sem ônus para a entidade
Art. 330 Salvo motivo de força maior devidamente
sindical a que for filiado, o valor das mensalidades e contri-
comprovado, os prazos previstos nesta Lei não serão pror-
buições definidas em assembleia geral da categoria.
rogados.
Art. 323 Consideram-se da família do servidor, além do
cônjuge e filhos, quaisquer pessoas que vivam às suas ex- Capítulo II
pensas e constem do seu assentamento individual e sejam DISPOSIÇÕES TRANSITÓRIAS E FINAIS
reconhecidos pela legislação civil.
Parágrafo Único. Equipara-se ao cônjuge a companhei- Art. 331 Será de responsabilidade da Administração
ra ou companheiro, que comprove união estável como en- Pública do Município de Suzano dar ciência do teor desta
tidade familiar. Lei no ato da transposição de regime jurídico a todos os
Art. 324 Os instrumentos de procuração utilizados para servidores da carreira dos Profissionais da Educação, bem
o recebimento de direitos ou vantagens de servidores mu- como, no ato da posse de novos servidores e a totalidade
nicipais terão validade por 12 (doze) meses, devendo ser dos servidores lotados na Secretaria Municipal de Educa-
renovados após findo esse prazo. ção quando de modificações legais posteriores a sua pri-
Art. 325 Para todos os efeitos previstos nesta Lei, os meira publicação.
exames de aptidão física e mental serão obrigatoriamente
realizados por médicos do serviço público municipal, ou LIVRO II
na sua falta, por médicos credenciados pelo Poder Público. DOS SERVIDORES DA GUARDA CIVIL MUNICIPAL
§ 1º Em casos especiais, atendendo a natureza da en- TÍTULO I
fermidade, a Administração poderá designar junta médica DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
para proceder ao exame, dela fazendo parte, obrigatoria-
mente, médicos do serviço público municipal ou médicos Art. 332 Esta Lei estabelece ainda as normas específi-
credenciados pelo Poder Público. cas sobre o regime jurídico e o regimento disciplinar dos
§ 2º Os atestados médicos concedidos aos servidores servidores ocupantes de cargos do quadro de pessoal da
municipais, quando em tratamento fora do Município, te- Guarda Civil Municipal de Suzano.
rão sua validade condicionada à ratificação posterior pelo § 1º O pessoal admitido para os cargos de provimento
médico do serviço público municipal. efetivo do quadro de pessoal da Guarda Civil Municipal te-
Art. 326 São isentos de taxas, emolumentos ou custas rão a sua relação de trabalho regida por esta Lei.
§ 2º Aplica-se o disposto nesta Lei, no que couber,
os requerimentos, certidões e outros papéis que, na esfera
aos cargos públicos de provimento em comissão ligados a
administrativa, interessarem ao servidor municipal, ativo ou
Guarda Civil Municipal.
inativo, exclusivamente nos assuntos funcionais.
Art. 327 O servidor que apresentar-se ao serviço em
Capítulo I
estado de embriaguez causada por bebida alcoólica, en- DA NOMEAÇÃO
torpecentes ou quaisquer outras substâncias químicas ou
naturais deverá ser encaminhado ao serviço médico com- Art. 333 A nomeação no quadro de pessoal da Guarda
petente para diagnóstico e, se necessário, inicio de trata- Civil Municipal dar-se-á nos termos desta Lei para os car-
mento específico. gos de provimento efetivo de Guarda Civil Municipal na
Parágrafo Único. A recusa ou o abandono do tratamen- graduação de 3ª Classe e na forma prevista por esta Lei.
to específico será considerado infração disciplinar ensejan- Art. 334 O concurso público será realizado em 3 (três)
do a imediata abertura de processo administrativo discipli- etapas:
nar nos termos desta Lei. I - de provas e títulos;
Art. 328 Os regulamentos necessários para a execução II - de teste de aptidão física, avaliação psicológica e
do disposto nesta Lei serão editados por ato próprio do investigação social;
Chefe do Poder Executivo. III - de curso de formação para ingresso no quadro de
pessoal da Guarda Civil Municipal.

346
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

§ 1º O teste de aptidão física apenas poderá ser reali- V - promover a vigilância:


zado com a apresentação de laudo médico que descreva a) de logradouros públicos, mediante o policiamen-
as condições físicas do candidato e o considere apto para to diurno e noturno do Município, tanto na zona urbana
a sua realização. quanto na zona rural, em caráter supletivo;
§ 2º Serão de caráter eliminatório o teste de aptidão b) das áreas de preservação do patrimônio natural e
física, a investigação social e o curso de formação para in- cultural do Município, bem como da preservação de ma-
gresso no quadro de pessoal da Guarda Civil Municipal e nanciais e da defesa da fauna e da flora.
de caráter classificatório a avaliação psicológica. VI - garantir a realização dos serviços de responsabili-
§ 3º O laudo médico exigido no parágrafo 1º não subs- dade do Município e sua ação fiscalizadora no desempe-
titui o exame de aptidão para o exercício do cargo nos ter- nho de atividades de polícia administrativa, em especial
mos do Capítulo próprio desta Lei. nos serviços ligados às áreas de:
a) educação;
Capítulo II b) saúde pública;
DO ESTÁGIO PROBATÓRIO c) transporte coletivo;
d) arrecadação tributária;
Art. 335 O estágio probatório será realizado nos ter- e) meio ambiente;
mos da parte geral desta Lei. f) trânsito;
Art. 336 Para fins da avaliação de desempenho de que g) urbanismo; e,
trata o art. 31 desta Lei, o servidor nomeado para o quadro h) demais órgãos oficiais.
de pessoal da Guarda Civil Municipal será avaliado também VII - colaborar com a fiscalização do serviço público lo-
nos seguintes fatores: cal na aplicação da legislação relativa ao exercício do poder
I - subordinação; de polícia administrativa do Município;
II - conduta moral compatível com as atribuições do VIII - executar o patrulhamento escolar, bem como au-
cargo; xiliar estudantes na travessia de vias e logradouros públicos;
III - conduta profissional compatível com as atribuições IX - outros não previstos e que lhes venham a ser atri-
do cargo; buídos por legislação especial ou, ainda, determinados pelo
IV - não ter praticado infração disciplinar classificada respectivo Comando, respeitadas as normas adequadas.
como de natureza média ou grave nos termos desta Lei; Parágrafo Único. Incumbirá, ainda, à Guarda Civil Municipal:
V - não ter praticado ilícito penal doloso relacionado a) coordenar suas atividades com as ações do Estado,
com as atribuições do cargo. no sentido de obter e oferecer auxílio recíproco; e,
Parágrafo Único. A descrição dos fatores constantes b) colaborar com os órgãos federais e estaduais com-
dos incisos I, II e III do “caput” será realizada na Ficha de petentes para a preservação da segurança interna, quando
Avaliação de Desempenho da Guarda Civil Municipal e será solicitada, observada a legislação aplicável.
instituída através de ato próprio do Chefe do respectivo
Poder. TÍTULO III
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
TÍTULO II Capítulo I
DAS COMPETÊNCIAS DA HIERARQUIA E DA DISCIPLINA

Art. 337 Compete à Guarda Civil Municipal de Suzano: Art. 338 A hierarquia e a disciplina são a base institu-
I - promover a proteção dos bens, instalações e servi- cional da Guarda Civil Municipal.
ços municipais através da: Art. 339 São princípios norteadores da disciplina e da
a) vigilância interna e externa dos próprios públicos hierarquia da Guarda Civil Municipal:
municipais em geral; I - o respeito à dignidade humana;
b) fiscalização da adequada utilização dos parques, II - o respeito à cidadania;
jardins, praças, cemitérios, mercados, feiras-livres, museus, III - o respeito à justiça;
bibliotecas e outros bens de domínio público, evitando a IV - o respeito à legalidade democrática;
sua depredação. V - o respeito à coisa pública.
II - atuar no auxílio ao público em geral junto aos pró- Art. 340 As ordens legais devem ser prontamente exe-
prios públicos municipais; cutadas, cabendo inteira responsabilidade à autoridade
III - participar, de maneira ativa, nas comemorações cí- que as determinar.
vicas de feitos e fatos programados pelo Município, desti- Parágrafo Único. Em caso de dúvida, será assegurado
nados à exaltação do patriotismo; esclarecimento ao subordinado.
IV - atender à população: Art. 341 Todo servidor da Guarda Civil Municipal que
a) nas atividades de assistência social em geral, inclusi- se deparar com ato contrário à disciplina da instituição ou
ve aquelas voltadas para a criança, o adolescente, o idoso e do serviço público local deverá adotar medida saneadora.
a pessoa portadora de necessidades especiais; § 1º Se detentor de precedência hierárquica sobre o
b) quando da ocorrência de quaisquer sinistros ou infrator, o servidor da Guarda Civil Municipal deverá adotar
eventos danosos, em auxílio à Coordenadoria Municipal de as providências cabíveis pessoalmente e se subordinado,
Defesa Civil e demais autoridades competentes. deverá comunicar às autoridades competentes.

347
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

§ 2º Ficará a critério do Comando Geral da Guarda Civil Art. 346 O ato do Comandante Geral da Guarda Civil
Municipal encaminhar o servidor reincidente em transgres- Municipal que reclassificar os integrantes da corporação
sões de natureza leve que não sofrer a penalidade disci- caberá recurso de reclassificação do comportamento diri-
plinar de suspensão ao Centro de Formação e Ensino para gido ao Corregedor Geral da Guarda Civil Municipal.
participar de programa de requalificação profissional. Parágrafo Único. O recurso previsto no caput deverá
Art. 342 O servidor da Guarda Civil Municipal tem que ser interposto no prazo máximo de 5 (cinco) dias, conta-
observar todos os deveres enumerados nesta Lei. dos da data da publicação oficial do ato impugnado e terá
efeito suspensivo.
Capítulo II
DO COMPORTAMENTO TÍTULO IV
DAS INFRAÇÕES E PENALIDADES DISCIPLINARES
Art. 343 Ao ingressar no quadro de pessoal da Guarda Capítulo I
Civil Municipal, o servidor será classificado no comporta- DA DEFINIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DAS INFRAÇÕES
mento estabelecido no inciso II do artigo subsequente. DISCIPLINARES
Parágrafo Único. Os atuais integrantes do quadro de
pessoal da Guarda Civil Municipal serão classificados no Art. 347 Infração disciplinar é toda a violação aos deve-
comportamento correspondente a sua conduta transcrita res funcionais previstos nesta Lei pelos servidores integran-
no seu assentamento individual. tes do quadro de pessoal da Guarda Civil Municipal.
Art. 344 Para fins disciplinares e para os demais efeitos Art. 348 As infrações disciplinares, quanto à sua natu-
legais, o comportamento do servidor da Guarda Civil Mu- reza, classificam-se em:
nicipal será considerado: I - Leves;
I - excelente, quando nos últimos 48 (quarenta e oito) II - Médias;
meses não tiver sofrido qualquer punição; III - Graves.
II - bom, quando nos últimos 36 (trinta e seis) meses Art. 349 São infrações disciplinares de natureza leve:
não tiver sofrido pena de suspensão;
I - deixar de comunicar ao superior hierárquico, tão
III - regular, quando no período de 24 (vinte e quatro)
logo possível, a execução de ordem legal recebida;
meses tiver sofrido 1 (uma) suspensão;
II - chegar atrasado, sem justo motivo, a ato ou ao ser-
IV - insuficiente, quando no período de 24 (vinte e qua-
viço;
tro) meses tiver sofrido 2 (duas) suspensões;
III - deixar de apresentar-se ao superior hierárquico, es-
V - mau, quando no período de 12 (doze) meses tiver
sofrido mais de 2 (duas) penas de suspensão, acima de 15 tando em serviço;
(quinze) dias. IV - deixar de verificar, com antecedência necessária, a
§ 1º Para reclassificação de comportamento, 2 (duas) escala de serviço;
advertências equivalerão a 1 (uma) repreensão e 2 (duas) V - permutar serviço sem comunicar e receber permis-
repreensões a 1 (uma) suspensão. são da autoridade competente;
§ 2º A reclassificação de comportamento dar-se á, VI - deixar de se apresentar na sede da Guarda Civil
anualmente, ex-officio, por ato do Comandante Geral da Municipal, estando de folga, quando houver iminência de
Guarda Civil Municipal, de acordo com os prazos e critérios perturbação da ordem ou calamidade pública;
estabelecidos. VII - demorar-se na apresentação ao superior hierár-
§ 3º O conceito atribuído ao comportamento do servi- quico, quando convocado ao trabalho por justo motivo,
dor da Guarda Civil Municipal será considerado para: ainda que fora do horário de trabalho;
I - a finalidade estabelecida no inciso I do art. 368 e no VIII - usar aparelho telefônico ou outro meio de co-
inciso I do art. 369; municação analógico ou digital de propriedade ou uso da
II - indicação para participação em cursos de aperfei- Guarda Civil Municipal para conversas particulares, sem a
çoamento; devida autorização;
III - submissão à participação em programa de requa- IX - permitir o uso de aparelho telefônico ou outro
lificação profissional no Centro de Formação e Ensino da meio de comunicação analógico ou digital de propriedade
Guarda Civil Municipal de Suzano, nas hipóteses dos inci- ou uso da Guarda Civil Municipal para conversas particu-
sos III e IV do “caput”, se a soma das penas de suspensão lares, sem registrar o número do aparelho chamado e o
aplicadas for superior a 10 (dez) dias e nos incisos I e II a nome de seus usuários;
critério do Comandante Geral. X - usar termos de gíria ou palavras de baixo calão em
Art. 345 O Comandante Geral da Guarda Civil Munici- comunicação, informação ou atos semelhantes;
pal deverá elaborar relatório anual de avaliação disciplinar XI - revelar indiscrição em linguagem falada ou escrita;
do seu efetivo a ser enviado ao Secretário de Defesa Social XII - cantar, assobiar ou fazer ruído em local ou ocasião
e Prevenção à Violência. em que seja exigido silêncio;
§ 1º Os critérios de avaliação terão por base a aplicação XIII - portar-se inconvenientemente em solenidades ou
do disposto nesta Lei. reuniões sociais;
§ 2º A avaliação deverá considerar a totalidade das in- XIV - viajar sentado, estando uniformizado, em veículo
frações cometidas e punidas, a tipificação e as sanções cor- de transporte coletivo, estando de pé grávidas ou pessoas
respondentes, o cargo ocupado pelo infrator e a localidade com crianças de colo, idosos, enfermos, pessoas portado-
do cometimento da falta disciplinar. ras de necessidades especiais e autoridades;

348
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

XV - entrar, sem necessidade, em estabelecimentos co- d) os recados telefônicos ou pessoais;


merciais estando de serviço; e) as partes de transgressões disciplinares.
XVI - tratar de assuntos particulares durante o serviço, XXXVI - faltar com o devido respeito às autoridades
sem a devida autorização; civis, policiais, militares e eclesiásticas;
XVII - retirar-se da presença de superior hierárquico, XXXVII - ponderar ordens ou orientações legais ema-
sem pedir a necessária licença; nadas de superior hierárquico;
XVIII - permitir a permanência de pessoas estranhas ao XXXVIII - imiscuir-se em assuntos que embora sejam da
serviço, nos locais em que isso seja vedado; Guarda Civil Municipal, não são de sua competência;
XIX - entreter-se ou preocupar-se com atividades estra- XXXIX - interceder de qualquer forma pela liberdade
nhas ao serviço durante as horas de trabalho; de pessoa detida legalmente por membros da Guarda Civil
XX - representar ou requerer sem observar as prescri- Municipal ou das Polícias Civil ou Militar;
ções regulamentares, em especial as contidas nesta Lei; XL - deixar de apresentar no tempo determinado:
XXI - sentar-se, estando de serviço, salvo quando pela a) para a autoridade competente, no caso de requisi-
sua natureza circunstancial e admissível; ção para depor ou prestar declarações;
XXII - perambular ou permanecer uniformizado, quan- b) no local determinado por superior hierárquico, em
do de folga, em logradouros públicos; ordem manifestamente legal.
XXIII - sobrepor os interesses particulares aos da Guar- XLI - dirigir-se, verbalmente ou por escrito, a órgão
da Civil Municipal e do serviço público local; superior, sem ser por intermédio daquele a quem estiver
XXIV - deixar de manter em dia os seus assentamentos direta ou imediatamente subordinado;
ou de sua família no setor de recursos humanos do res- XLII - deixar de comunicar a transgressão da disciplina
pectivo Poder e no prontuário específico da Guarda Civil por membro da Guarda Civil Municipal ou servidor público
Municipal; municipal;
XXV - deixar de atender a reclamação justa de subordi- XLIII - ler ou retirar sem permissão, documento, livro ou
nado, ou impedi-lo de recorrer à autoridade superior, sem- objeto existente na repartição ou local de trabalho;
pre que a intervenção desta se torne indispensável;
XLIV - ausentar-se de sua residência sem comunicar
XXVI - dar a superior, tratamento íntimo verbal ou por
endereço onde possa ser encontrado, nos casos em que
escrito;
estiver escalado de sobreaviso;
XXVII - atrasar sem motivo justificável:
XLV - discutir, estando uniformizado;
a) a entrega de objetos achados ou apreendidos;
XLVI - deixar de fornecer os dados referentes à sua
b) a prestação de contas de pagamentos referentes a
identidade funcional;
Guarda Civil Municipal ou outro órgão do serviço público local;
c) o encaminhamento de informações, comunicações XLVII - utilizar-se de papel ou formulário oficial, em vi-
e documentos; gor, para rascunho, anotações ou qualquer fim inadequado;
d) a entrega de armamento, equipamento e outros XLVIII - deixar o subordinado de cumprimentar supe-
destinados ao serviço. rior hierárquico, uniformizado ou não, neste caso desde
XXVIII - trazer a mão no bolso quando uniformizado; que o conheça ou de prestar-lhe homenagens ou sinais
XXIX - atender ao público demonstrando preferência regulamentares de consideração e respeito, bem como o
pessoal; superior hierárquico, de responder ao cumprimento;
XXX - apresentar-se na formatura diária ou em público: XLIX - usar uniforme incompleto, contrariando as nor-
a) com costeletas, barbas ou cabelos crescidos, bigo- mas respectivas, ou vestuário incompatível com a função,
des ou unhas desproporcionais ou adornos (brincos ou ou- ou, ainda, descurar-se do asseio pessoal ou coletivo;
tro enfeite); L - conduzir veículo da Guarda Civil Municipal sem a
b) com uniforme em desalinho ou desasseado; devida autorização;
c) com cestas, sacolas ou qualquer excesso de volume, LI - apresentar comunicação, representação ou queixas
que não tenha correlação com as atividades desempenhadas. destituídas de fundamento ou provas.
XXXI - usar termos descorteses para com superiores, su- Art. 350 São infrações disciplinares de natureza média:
bordinados, iguais, munícipes ou quaisquer outros cidadãos; I - deixar de comunicar ao superior imediato ou em sua
XXXII - procurar resolver assunto referente à disciplina ausência, a outro superior hierárquico, informação sobre
ou ao serviço que escape da sua alçada; perturbação da ordem pública, logo que dela tenha conhe-
XXXIII - alegar desconhecimento de ordens publicadas cimento;
em boletim ou registradas em livro, bem como das Normas II - maltratar animais ou mantê-los em cativeiro sem
Gerais de Ação; observar a legislação específica;
XXXIV - deixar de trazer consigo a credencial de Guar- III - deixar de dar informações em processos, quando
da Civil Municipal e respectiva cédula de identidade; for de sua competência;
XXXV - deixar de comunicar ao superior imediato, em IV - encaminhar documento à superior hierárquico
termo oportuno: comunicando infração disciplinar inexistente ou instaurar
a) as ordens que tiver recebido, sobre pessoal ou material; procedimento administrativo disciplinar sem indícios de
b) as ocorrências de qualquer natureza; fundamento fático;
c) estragos ou extravios de qualquer material da Guar- V - desempenhar inadequadamente suas funções, por
da Civil Municipal que tenha sob sua responsabilidade; falta de atenção;

349
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

VI - afastar-se, momentaneamente, sem justo motivo, XXVIII - tentar ou introduzir bebidas alcoólicas em depen-
do local em que deveria encontrar-se por força de ordens dência da Guarda Civil Municipal ou em repartição pública;
ou disposições legais; XXIX - concorrer para discórdia ou desavença entre os
VII - representar a instituição em qualquer ato sem es- componentes da Guarda Civil Municipal;
tar autorizado; XXX - fornecer notícias à imprensa sobre serviços que
VIII - assumir compromisso pela Guarda Civil Municipal atender ou de que tenha conhecimento, ou quando o caso
que comanda ou em que serve, sem estar autorizado; exigir sigilo ou sem a devida autorização da Secretaria Mu-
IX - sobrepor aos uniformes insígnias de sociedades nicipal de Comunicação ou de seu superior hierárquico;
particulares, entidades religiosas ou políticas ou, ainda, XXXI - provocar, tomar parte ou aceitar discussão acer-
usar indevidamente medalhas desportivas, distintivos ou ca de política partidária, religião ou esporte, estando uni-
condecorações; formizado;
X - entrar ou sair de qualquer unidade da Guarda Civil XXXII - aconselhar para que não seja cumprida ordem
Municipal ou tentar fazê-lo com arma não letal da corpora- legal ou retardada a sua execução;
ção ou qualquer outro bem existente na unidade ou local de XXXIII - ofender colegas de serviço com palavras ou
trabalho sem previa autorização da autoridade competente; gestos;
XI - dirigir veículo do serviço público local, da Guarda XXXIV - perambular ou permanecer em logradouros
Civil Municipal ou particular com negligência, imprudência públicos, zona suspeita ou má frequência;
ou imperícia; XXXV - apresentar-se uniformizado, quando proibido;
XII - ofender a moral e os bons costumes por meio de XXXVI - dormir durante as horas de trabalho;
atos, palavras ou gestos durante o serviço ou uniformizado, XXXVII - espalhar notícias falsas em prejuízo da ordem,
se fora dele; da disciplina ou do bom nome da Guarda Civil Municipal,
XIII - usar termos descorteses, inadequados ou desres- do serviço público local, de qualquer servidor público ou
peitosos para com superiores, subordinados, iguais, muní- cidadão;
cipes ou quaisquer outros cidadãos; XXXVIII - apresentar-se publicamente em visível estado
XIV - deixar de zelar pela economia do material do ser-
de embriaguez causado por bebidas alcoólicas, entorpe-
viço público local e pela conservação do que for confiado à
centes ou qualquer substância química ou natural, trajado
sua guarda ou utilização;
civilmente;
XV - andar armado, com documento de porte legal,
XXXIX - manter relações de amizade com pessoas no-
estando em trajes civis, sem o cuidado de ocultar a arma;
toriamente suspeitas, que venha o público fazer juízo te-
XVI - disparar arma não letal por descuido ou sem ne-
merário da Guarda Civil Municipal;
cessidade;
XL - praticar, na vida privada, qualquer ato que provo-
XVII - resolver assunto referente ao serviço da Guarda
que escândalo público;
Civil Municipal, à disciplina e ao serviço que escape de sua
alçada; XLI - fazer propaganda político-partidária nas depen-
XVIII - deixar de prestar auxílio que estiver ao seu al- dências da Guarda Civil Municipal ou de qualquer outra
cance, para manutenção ou restabelecimento da ordem repartição pública;
pública; XLII - entrar ou permanecer em comitê político ou co-
XIX - apropriar-se de material da Guarda Civil Munici- mícios durante o serviço ou uniformizado fora dele;
pal ou do serviço público local para uso particular; XLIII - recusar-se a auxiliar as autoridades públicas ou
XX - induzir superior a erro ou engano, mediante infor- seus agentes, que estejam nos exercícios de suas funções e
mações inexatas; que em virtude destas, necessitem de auxílio;
XXI - negar-se a receber uniformes e/ou objetos que XLIV - deixar de atender pedido de socorro;
lhe sejam destinados regularmente, ou que necessitam fi- XLV - omitir-se em atender ocorrência com alto grau de
car em seu poder; risco dentro das competências da Guarda Civil Municipal;
XXII - divulgar decisão, despacho, ordem ou informa- XLVI - pedir ou aceitar por empréstimo, dinheiro ou
ção, antes de tornada publica; qualquer outro valor de pessoa que:
XXIII - exercer atividades incompatíveis com a função a) trate de interesse na repartição;
de Guarda Civil Municipal; b) esteja sujeito a sua fiscalização;
XXIV - usar linguagem ofensiva ou injuriosa em reque- XLVII - evadir-se de escolta ou contra ela resistir de for-
rimento, comunicação, informação ou ato semelhante; ma passiva ou agressiva;
XXV - deixar, por culpa, que se extravie, deteriore ou XLVIII - contrariar as regras de trânsito, deixar de con-
estrague material da Guarda Civil Municipal, sob sua guar- trolar os limites de velocidade, salvo quando caracterizar
da ou responsabilidade direta; direção emergencial para atendimento de ocorrência;
XXVI - deixar a identidade funcional, credencial da Guar- XLIX - trafegar com bicicleta ou assemelhado, não
da Civil Municipal ou outros documentos que o qualifique respeitando a legislação do Código de Trânsito Brasileiro
profissionalmente com pessoas estranhas à corporação; - CTB;
XXVII - entrar, permanecer ou frequentar, ainda que L - dirigir motocicleta ou assemelhado, sem os aces-
fora do serviço, locais incompatíveis com a função e que sórios e demais exigências, bem como em desrespeito às
contrariem a legislação em vigor e os bons costumes; regras que lhe são pertinentes;

350
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

LI - dirigir veículo automotor sem estar devidamente VI - dificultar ao servidor da Guarda Civil Municipal em
habilitado; função subordinada a apresentação de recurso ou o exercí-
LII - solicitar interferência de pessoas estranhas a Guar- cio do direito de petição;
da Civil Municipal, a fim de obter, para si ou outrem, quais- VII - abandonar o serviço ou posto para o qual tenha
quer vantagens ou benefícios; sido designado;
LIII - valer-se da sua qualidade de Guarda Civil Munici- VIII - fazer, com a Administração Pública Direta ou Indi-
pal para levar vantagem sobre coisas e pessoas; reta contratos ou negócios de naturezas comerciais, indus-
LIV - deixar de entregar à autoridade competente, den- triais ou de prestação de serviços com fins lucrativos, por si
tro do prazo máximo de 12 (doze) horas do ocorrido, ob- ou como representante de outrem;
jeto achado ou que lhe venha às mãos em razão de suas IX - usar armamento, munição ou equipamento, não
funções; autorizado;
LV - procurar a parte interessada no caso de furto ou X - fazer disparo de armas de fogo ou assemelhadas
de objeto achado, mantendo com a mesma, entendimento sem que haja necessidade ou por descuido, bem como
que ponha em dúvida a sua honestidade funcional; portar ou fazer uso durante o serviço de armamento que
LVI - utilizar-se do anonimato; não seja regulamentar;
LVII - emprestar, dar, alugar, penhorar ou vender, peças XI - praticar violência, em serviço ou em razão dele,
do uniforme ou de equipamento de propriedade da Guar- contra servidores ou particulares, salvo se em legitima de-
da Civil Municipal, do serviço público local ou de terceiros, fesa ou de outrem;
novas ou usadas, sem a permissão necessária; XII - maltratar pessoa detida, sob sua custódia, sua
LVIII - promover desordem; guarda, sua tutela ou responsabilidade;
LIX - tomar parte em reunião preparatória de greve XIII - contribuir para que pessoas detidas ou presas
sem a devida autorização ou observação da legislação per- conservem em seu poder objetos não permitidos;
tinente; XIV - abrir ou tentar abrir qualquer departamento da
LX - praticar atos obscenos em lugar público; Guarda Civil Municipal ou do serviço público local sem au-
LXI - tomar parte em reunião preparatória de agitação torização;
social; XV - ofender, provocar ou desafiar autoridade ou ser-
LXII - adulterar qualquer espécie de documento em vidores da Guarda Civil Municipal que exerça função supe-
proveito próprio ou alheio; rior, igual ou subordinada, munícipes ou quaisquer outros
LXIII - aliciar, ameaçar ou coagir parte, testemunha ou cidadãos, com palavras, gestos ou ações, resguardando-se
perito que funcione em processo administrativo ou judicial; ao servidor da Guarda Civil Municipal os princípios de liber-
LXIV - responder, inadequada ou inconvenientemente, dade de expressão previstos na Constituição Federal e dos
na qualidade de parte, testemunha ou perito; princípios norteadores de disciplina e hierarquia inscritos
LXV - revelar, parcialmente, em processo que realize ou no art. 5º;
como membro de comissão de promoção, de ato apura- XVI - retirar ou empregar, sem previa permissão da au-
tório, de transgressão disciplinar, sindicância ou processo toridade competente, qualquer documento, material, obje-
administrativo de que faça parte; to ou equipamento do serviço público municipal, salvo se
LXVI - publicar ou contribuir para que sejam publica- comprovada necessidade do serviço;
dos fatos ou documentos privativos do Comando da Guar- XVII - retirar ou tentar retirar, de local sob a responsa-
da Civil Municipal ou do serviço público local; bilidade da Guarda Civil Municipal objeto, viatura ou ani-
LXVII - valer-se da qualidade de Guarda Civil Munici- mal, sem autorização dos respectivos responsáveis, salvo
pal para lograr, direta ou indiretamente, qualquer proveito se comprovada necessidade do serviço;
ilícito; XVIII - extraviar ou danificar documentos ou objetos
LXVIII - fumar durante o serviço nos locais em que tal pertencentes ao serviço público local de forma dolosa;
seja vedado, de acordo com a legislação federal e estadual XIX - deixar de cumprir ou retardar serviço ou ordem
vigorantes; legal;
LXIX - criticar ato legal praticado por superior hierár- XX - descumprir preceitos legais durante a prisão ou a
quico. custódia de pessoa detida ou presa;
Art. 351 São infrações disciplinares de natureza grave; XXI - referir-se à qualquer pessoa através de expres-
I - faltar com a verdade; sões jocosas ou pejorativas que atentem contra a raça, a
II - desempenhar inadequadamente suas funções, de religião, o credo ou a orientação sexual;
modo intencional; XXII - aconselhar ou concorrer para o descumprimento
III - simular doença para esquivar-se ao cumprimento de ordem legal de autoridade competente;
do dever ou para obter licença ou qualquer outra vanta- XXIII - dar ordem ilegal ou claramente inexequível;
gem; XXIV - participar da gerência ou administração de em-
IV - suprimir a identificação do uniforme ou utilizar-se presa privada de segurança;
de meios ilícitos para dificultar sua identificação; XXV - referir-se depreciativamente em informações, pa-
V - deixar de comunicar, a quem de direito, transgres- recer, despacho, pela imprensa ou por qualquer meio de
são disciplinar cometida por integrante da Guarda Civil divulgação, às ordens legais, às autoridades, aos superiores,
Municipal; iguais ou subordinados, ou atos do serviço público local;

351
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

XXVI - determinar a execução de serviços não previsto XLVIII - for cometido de incontinência pública e escan-
em Lei ou regulamento, salvo comprovada necessidade do dalosa ou de vícios de jogos proibidos;
serviço; XLIX - usar ou portar entorpecentes, estimulantes ou
XXVII - valer-se ou fazer uso do cargo ou função públi- qualquer substância artificial ou natural de porte e uso ile-
ca para praticar assédio sexual ou moral; gal durante o serviço;
XXVIII - violar, alterar ou deixar de preservar local de L - tentar ou introduzir, de qualquer forma, entorpe-
suspeita ou de ocorrência de crime; centes, estimulantes ou qualquer substância artificial ou
XXIX - praticar usura sob qualquer de suas formas; natural de porte e uso ilegal em qualquer repartição públi-
XXX - procurar a parte interessada em ocorrência, para ca ou facilitar sua introdução;
obtenção de vantagem indevida; LI - passar declarações falsas, a fim de obter vantagem
XXXI - deixar de tomar providencias para garantir a in- econômica para si ou para outrem;
tegridade física de pessoa detida; LII - utilizar o cargo ou função para obter ou conceder
XXXII - liberar pessoa detida ou dispensar parte da vantagem ilícita para si ou para outrem;
ocorrência sem atribuição legal; LIII - não ter o devido zelo com veículos, equipamentos
XXXIII - publicar ou contribuir para que sejam publica- e imóveis que lhe estejam confiados.
dos fatos ou documentos afetos à Guarda Civil Municipal
que possam concorrer para comprometer-se a segurança; Capítulo II
XXXIV - deixar de assumir a responsabilidade por seus DAS PENALIDADES DISCIPLINARES
atos ou pelos atos praticados por servidor da Guarda Civil
Municipal em função subordinada, que agir em cumpri- Art. 352 As penalidades disciplinares aplicáveis aos ser-
mento de sua ordem; vidores da Guarda Civil Municipal são:
XXXV - omitir, em qualquer documento, dados indis- I - advertências;
pensáveis ao esclarecimento de fatos; II - repreensão;
XXXVI - transportar na viatura que esteja sob seu co- III - suspensão;
mando ou responsabilidade, pessoal ou material, sem au- IV - exoneração;
torização da autoridade competente; V - cassação de disponibilidade.
XXXVII - ameaçar, induzir ou instigar alguém a prestar Art. 353 As penalidades disciplinares definidas no ar-
declarações falsas em procedimento penal, civil ou admi- tigo anterior poderão ser abrandadas pela autoridade
nistrativo; competente para sua aplicação, levada em consideração as
XXXVIII - participar de gerencia ou administração de circunstâncias da infração disciplinar e o histórico de com-
empresas bancarias ou industriais ou de sociedades comer- portamento verificado em prontuário do servidor.
ciais que mantenham relações comercias com a Adminis- Art. 354 Uma vez aberto o processo administrativo
tração Pública Municipal, sejam por esta subvencionadas disciplinar, mesmo que em seu procedimento sumário, o
ou estejam diretamente relacionadas com a finalidade da servidor somente poderá ser exonerado a pedido, após a
unidade ou serviço em que esteja lotado; comprovação de sua inocência ou após o cumprimento da
XXXIX - acumular ilicitamente cargos públicos, se pro- penalidade disciplinar que lhe houver sido imposta.
vada a má-fé;
XL - deixar de comunicar ato ou fato irregular de natu- SEÇÃO I
reza grave que presenciar, mesmo quando não lhe couber DA ADVERTÊNCIA
intervir;
XLI - faltar sem motivo justificado ao serviço; Art. 355 A advertência, forma mais branda das pena-
XLII - ingerir bebidas alcoólicas ou substâncias entor- lidades disciplinares, será aplicada por escrito às faltas de
pecentes ou estimulantes, sejam artificiais ou naturais, es- natureza leve, constará do prontuário individual do infrator
tando de serviço; e será levada em consideração para os efeitos do disposto
XLIII - apresentar-se ao serviço em visível estado de no art. 340.
embriaguez ou sob efeito de substâncias entorpecentes Parágrafo Único. Para a aplicação da advertência será
ou estimulantes, sejam artificiais ou naturais, ou fora do utilizado o procedimento sumário, conforme previsto nesta
serviço nos locais de trabalho e demais setores do serviço Lei.
público local;
XLIV - disparar qualquer tipo de arma de fogo, por des- SEÇÃO II
cuido ou sem necessidade, quando do ato resultar morte DA REPREENSÃO
ou lesão à integridade física de outrem;
XLV - abandono de cargo ou função; Art. 356 A penalidade disciplinar de repreensão será
XLVI - ingressar na classificação de mau comportamen- aplicada, por escrito, ao servidor quando reincidente na
to durante o período de estágio probatório; pratica de infrações de natureza leve e terá publicidade
XLVII - não melhorar a classificação de comportamento nos termos da legislação vigente e no Boletim Interno da
ou de conduta, no espaço de 2 (dois) anos, o Guarda Civil Guarda Civil Municipal, devendo igualmente, ser averbada
Municipal, fora do período de estágio probatório, enqua- no prontuário individual do servidor para os efeitos do dis-
drado na classificação de mau comportamento; posto no art. 340.

352
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Parágrafo Único. Para a aplicação da repreensão será vo disciplinar, que o servidor em disponibilidade praticou,
utilizado o procedimento sumário nos termos desta Lei. quando em atividade, falta grave para a qual seja cominada
a pena de exoneração.
SEÇÃO III
DA SUSPENSÃO Capítulo III
DA REMOÇÃO TEMPORÁRIA
Art. 357 A penalidade disciplinar de suspensão, que
não excederá, em nenhuma hipótese, a 120 (cento e vin- Art. 363 Nos casos de apuração de infração disciplinar
de natureza grave e que possa ensejar a aplicação da pena
te) dias, será aplicada às infrações de natureza média, terá
de exoneração, o Secretário Municipal de Defesa Social e
publicidade nos termos da legislação vigente e no Boletim
Prevenção à Violência poderá determinar, cautelarmente, a
Interno da Guarda Civil Municipal, devendo ser averbado
remoção temporária do servidor para que desenvolva suas
no prontuário individual do infrator para os fins do dispos-
funções em outro setor, local ou posto, até a conclusão do
to no art. 340.
processo administrativo disciplinar instaurado.
§ 1º A penalidade de suspensão superior a 10 (dez) dias
Parágrafo Único. A remoção temporária não implica-
sujeitará o infrator, compulsoriamente, à participação em rá na perda das vantagens e direitos decorrentes do cargo
programa de requalificação profissional no Centro de For- de provimento efetivo e nem terá caráter punitivo, sendo
mação e Ensino da Guarda Civil Municipal, com a finalidade cabível somente quando presentes indícios suficientes de
de resgatar e fixar os valores morais e sociais da corpora- autoria e materialidade da infração.
ção.
§ 2º Ficará a critério do Comando Geral da Guarda Civil Capítulo IV
Municipal encaminhar o servidor suspenso por menos de DO AFASTAMENTO PREVENTIVO
10 (dez) dias ao Centro de Formação e Ensino para partici-
par de programa de requalificação profissional. Art. 364 O servidor poderá ser afastado preventiva-
Art. 358 Durante o período de cumprimento da sus- mente, por até 120 (cento e vinte) dias, desde que o seu
pensão, o servidor perderá todas as vantagens e direitos afastamento seja necessário para a apuração da infração a
decorrentes do exercício do cargo de provimento efetivo ele imputada ou para inibir a possibilidade de reiteração da
que ocupa. prática de irregularidades.
§ 1º Quando houver conveniência para o serviço, a § 1º O afastamento preventivo poderá ser aplicado:
pena de suspensão poderá ser convertida em multa, sendo I - quando se tratar de sindicância, após a oitiva do
o servidor, neste caso, obrigado a permanecer em exercí- servidor intimado para prestar esclarecimentos;
cio, sem prejuízo do disposto nos parágrafos 1º e 2º do II - quando se tratar de procedimento de investigação
artigo anterior. da Ouvidoria Geral do Município, após a oitiva do servidor
§ 2º A multa não poderá exceder à metade do venci- a ser afastado;
mento do servidor infrator e nem perdurar por mais de 120 III - quando se tratar de processo administrativo disci-
(cento e vinte) dias. plinar de exercício da pretensão punitiva, após citação do
Art. 359 A penalidade disciplinar de suspensão apenas indiciado nos termos desta Lei.
poderá ser aplicada após a conclusão de processo adminis- § 2º Se, após a realização dos procedimentos previstos
trativo disciplinar nos termos desta Lei. nos incisos I e II do parágrafo 1º persistirem as condições
previstas no «caput» por ocasião da instauração de pro-
SEÇÃO IV cesso administrativo disciplinar de exercício da pretensão
DA EXONERAÇÃO punitiva, o afastamento preventivo poderá ser novamente
aplicado, respeitado o prazo máximo de 120 (cento e vinte)
Art. 360 Será aplicada a penalidade disciplinar de exo- dias.
neração nos casos de cometimento de infrações de natu- § 3º Findo o prazo do afastamento, cessarão os seus
reza grave. efeitos, ainda que o processo administrativo disciplinar não
Parágrafo Único. A penalidade disciplinar de exone- esteja concluído.
Art. 365 Os processos administrativos disciplinares em
ração por ineficiência no serviço somente será aplicada
que ocorra o afastamento preventivo de servidores terão
quando verificada a impossibilidade de readaptação.
tramitações urgentes e preferenciais, devendo ser concluí-
Art. 361 A penalidade disciplinar de exoneração apenas
dos no prazo referente ao de afastamento preventivo dos
poderá ser aplicada após a conclusão de processo adminis- envolvidos, salvo justificativa fundamentada.
trativo disciplinar nos termos desta Lei. Parágrafo Único. O Presidente da Comissão Processan-
te providenciará para que os autos dos processos admi-
SEÇÃO V nistrativos disciplinares sejam submetidos à apreciação da
DA CASSAÇÃO DE DISPONIBILIDADE autoridade competente em até, pelo menos, 72 (setenta e
duas) horas antes do término do período do afastamento
Art. 362 Será cassada a disponibilidade remunerada preventivo.
prevista nos parágrafos 2º e 3º do art. 41 da Constituição Art. 366 (Revogado pela Lei Complementar nº
Federal, se ficar provado, através de processo administrati- 198/2011)

353
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Art. 366 A - Durante o período do afastamento pre- Parágrafo Único. As cominações civis, penais e discipli-
ventivo, o servidor afastado perderá 1/3 (um terço) de seu nares poderão cumular-se, sendo independentes entre si,
vencimento, exceto nas hipóteses previstas nos incisos I e II assim como as instâncias civil, penal e administrativa.
do parágrafo 1º do art. 364. Art. 372 Na ocorrência de mais de uma infração, sem
§ 1º O servidor terá direito: conexão entre si, serão aplicadas as sanções corresponden-
I - à diferença do vencimento e à contagem do tempo tes isoladamente.
de serviço relativo ao período do afastamento preventivo,
quando do processo não resultar punição ou esta se limitar Capítulo VI
à penalidade de advertência ou repreensão; DO CUMPRIMENTO DAS PENALIDADES DISCIPLINA-
II - à diferença do vencimento e à contagem de tem- RES
po de serviço correspondente ao período do afastamento
excedente ao prazo de suspensão efetivamente aplicada. Art. 373 A autoridade responsável pela execução da
§ 2º Na decisão final que aplicar pena de suspensão sanção imposta a subordinado que esteja a serviço ou à
será computado o período de suspensão preventiva, de- disposição de outra unidade fará a devida comunicação
terminando-se os acertos pecuniários cabíveis. (Redação para que a medida seja cumprida.
acrescida pela Lei Complementar nº 198/2011)
TÍTULO V
Capítulo V DA CORREGEDORIA GERAL DA GUARDA CIVIL MUNI-
DA APLICAÇÃO DAS PENALIDADES DISCIPLINARES CIPAL DE SUZANO

Art. 367 Na aplicação da penalidade disciplinar serão Art. 374 Fica criada, vinculada diretamente ao Gabine-
considerados os motivos, circunstâncias e consequências te do Secretário Municipal de Defesa Social e Prevenção à
da infração, os antecedentes e a personalidade do infrator, Violência, a Corregedoria Geral da Guarda Civil Municipal.
assim como a intensidade do dolo ou o grau da culpa. Art. 375 Compete à Corregedoria Geral da Guarda Civil
Art. 368 São circunstâncias atenuantes: Municipal:
I - estar classificado, no mínimo, na categoria de bom I - apurar as infrações disciplinares atribuídas aos servi-
comportamento, conforme disposição prevista no inciso II dores integrantes do quadro de pessoal dos servidores da
do art. 340; Guarda Civil Municipal, nos termos desta Lei;
II - ter prestado relevantes serviços para a Guarda Civil II - realizar visitas de inspeção e correições extraordi-
Municipal; nárias em qualquer unidade ou posto da Guarda Civil Mu-
III - ter cometido a infração para a preservação da or- nicipal;
dem ou do interesse público. III - apreciar as representações que lhe forem dirigidas re-
Art. 369 São circunstâncias agravantes: lativamente à atuação irregular de servidores integrantes do
I - mau comportamento, conforme disposição prevista quadro de pessoal dos servidores da Guarda Civil Municipal;
no inciso V do art. 340; IV - promover investigação sobre os comportamentos
II - prática simultânea ou conexão de 2 (duas) ou mais éticos, sociais e funcionais dos candidatos a cargos de pro-
infrações; vimento efetivo ou em comissão na Guarda Civil Munici-
III - reincidência; pal, bem como dos ocupantes desses cargos em estágio
IV - conluio de 2 (duas) ou mais pessoas; probatório e dos indicados para o exercício de cargos de
V – falta praticada com abuso de autoridade; provimento em comissão, observadas as normas legais e
VI - falta praticada perante a presença de superior hie- regulamentares aplicáveis.
rárquico ou subordinado. Art. 376 Compete ao Corregedor Geral da Guarda Civil
§ 1º Verifica-se a reincidência quando o servidor come- Municipal:
ter nova infração depois de transitar em julgado decisão I - assistir o Secretário Municipal de Defesa Social e
administrativa que o tenha condenado por infração ante- Prevenção à Violência nos assuntos disciplinares relativos
rior. aos servidores da Guarda Civil Municipal ou diretamente
§ 2º Dá-se o transito em julgado administrativo quan- vinculados a ela;
do a decisão não comportar mais recursos. II - manifestar-se sobre assuntos que devem ser sub-
Art. 370 Em caso de reincidência, as faltas leves serão metidos à apreciação do Secretário Municipal de Defesa
puníveis com repreensão e as médias com suspensão su- Social e Prevenção à Violência, bem como indicar a compo-
perior a 15 (quinze) dias. sição das comissões de processo administrativo disciplinar
Parágrafo Único. As punições canceladas ou anuladas e de sindicância;
não serão consideradas para fins de reincidência. III - dirigir, planejar, coordenar e supervisionar as ativi-
Art. 371 O servidor responde civil, penal e administra- dades, assim como distribuir os serviços da Corregedoria
tivamente pelo exercício irregular das atribuições, sendo Geral;
responsável por todos os prejuízos que, nessa qualidade, IV - apreciar e encaminhar as representações que lhe
causar ao Poder Público local, por dolo ou culpa, devida- forem dirigidas relativamente à atuação irregular de ser-
mente apurados. vidores integrantes do quadro de pessoal da Guarda Civil

354
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Municipal propor ao Secretário Municipal de Defesa So- § 3º Compete aos chefes das Seções de Sindicâncias e
cial e Prevenção à Violência a instauração de sindicância e de Processos Administrativos Disciplinares acompanhar as
processo administrativo disciplinar atribuídas aos referidos atividades dos Agentes Disciplinares, respectivamente no
servidores; que diz respeito às sindicâncias e processos administrativos
V - avocar, excepcional e fundamentadamente, proces- disciplinares, organizando e dirigindo as atividades que di-
so administrativo disciplinar e sindicância atribuído a ser- zem respeito ao suporte de suas atividades.
vidores integrantes do quadro de pessoal da Guarda Civil
Municipal; TÍTULO VI
VI - responder as consultas formuladas pelos órgãos da DAS NORMAS GERAIS SOBRE OS PROCEDIMENTOS
Administração Pública sobre assuntos de sua competência; DISCIPLINARES
VII - determinar a realização de correições extraordi- Capítulo I
nárias nas unidades e postos da Guarda Civil Municipal, re- DAS MODALIDADES DE PROCEDIMENTOS DISCIPLI-
metendo, sempre, relatório reservado ao Comandante da NARES
Guarda;
VIII - remeter ao Comandante da Guarda relatório cir- Art. 379 São procedimentos disciplinares:
cunstanciado sobre a atuação pessoal e funcional dos ser- I - de preparação e investigação:
vidores integrantes do quadro de pessoal dos servidores a) o relatório circunstanciado e conclusivo sobre os fatos;
da Guarda Civil Municipal em estágio probatório, propon- b) a sindicância.
do, se for o caso, a instauração de procedimento especial, II - do exercício da pretensão punitiva:
observada a legislação pertinente; a) aplicação direta da penalidade;
IX - submeter ao Comandante da Guarda Civil Munici- b) processo sumário;
pal, relatório circunstanciado e conclusivo sobre a atuação c) inquérito administrativo.
pessoal e funcional de servidor integrante do quadro de III - a exoneração em período probatório.
pessoal dos servidores da Guarda Civil Municipal indicado
para o exercício de chefias e encarregaturas, observada a Capítulo II
legislação aplicável; DA PARTE E DE SEUS PROCURADORES
X - praticar todo e qualquer ato ou exercer quaisquer
das atribuições e competências das unidades ou dos servi- Art. 380 São consideradas partes, nos procedimentos
dores subordinados; disciplinares de exercício da pretensão punitiva, o servidor
XI - proceder, pessoalmente, às correições nas comis- integrante do quadro de pessoal da Guarda Civil Municipal
sões de sindicância e de processo administrativo disciplinar ocupante de cargo de provimento efetivo e o titular de car-
que lhe são subordinadas; go de provimento em comissão.
XII - aplicar penalidades dentro de sua competência, na Art. 381 Os servidores considerados incapazes tempo-
forma prevista em Lei; rária ou permanentemente, em razão de doença física ou
XIII - julgar os recursos de classificação ou reclassifica- mental, serão representados ou assistidos por seus pais,
ção de comportamento dos servidores integrantes do qua- tutores ou curadores, na forma de lei civil.
dro de pessoal dos servidores da Guarda Civil Municipal. Parágrafo Único. Inexistindo representantes legalmen-
Art. 377 Ficam criadas, junto ao Gabinete do Secretá- te investidos ou na impossibilidade comprovada de trazê-
rio Municipal de Defesa Social e Prevenção à Violência, a -los ao procedimento disciplinar, ou ainda, se houver pen-
Comissão de Sindicância e a Comissão Permanente de Pro- dências sobre a capacidade do servidor, serão convocados
cesso Administrativo Disciplinar, ambas a serem compostas como seus representantes os pais, o cônjuge ou compa-
por três (03) membros, nomeados livremente pelo Chefe nheiro, os filhos ou parentes até segundo grau, observada
do Poder Executivo. a ordem aqui estabelecida.
Art. 378 A Comissão de Sindicância e a Comissão Per- Art. 382 A parte poderá constituir advogado legalmen-
manente de Processo Administrativo a que se refere o ar- te habilitado para acompanhar os termos dos procedimen-
tigo anterior serão assistidas por servidores denominados tos disciplinares de seu interesse.
Agentes Disciplinares, que comporão a estrutura da Corre- § 1º Nos procedimentos de exercício da pretensão pu-
gedoria Geral da Guarda Civil Municipal. nitiva, se a parte não constituir advogado ou for declarada
§ 1º Comporão a estrutura da Corregedoria Geral da revel, ser-lhe-á dado defensor, na pessoa de Procurador
Guarda Municipal: Municipal, que não terá poderes para receber citação e
I - Divisão de Processos Disciplinares; confessar.
II - Seção de Sindicâncias; § 2º A parte poderá, a qualquer tempo, constituir ad-
III - Seção de Processos Administrativos Disciplinares. vogado, hipótese em que se encerrará imediatamente, a
§ 2º Compete ao Chefe de Divisão de Processos Discipli- representação do defensor dativo.
nares supervisionar as atividades administrativas do cartório § 3º Ser-lhe-á dado também defensor dativo quando,
da Corregedoria Geral da Guarda Civil Municipal, referente notificada de que seu advogado constituído não praticou
às sindicâncias e aos processos administrativos disciplinares, atos necessários e a parte não tomar qualquer providência
bem como os demais serviços relacionados ao andamento no prazo de 3 (três) dias.
dos processos sob a responsabilidade deste órgão.

355
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Capítulo III Art. 391 A intimação do defensor constituído ou dati-


DA COMUNICAÇÃO DOS ATOS vo será feita por intermédio de publicação nos termos da
SEÇÃO I legislação vigorante, através de jornal de grande circulação
DAS CITAÇÕES na região durante 3 (três) edições consecutivas, em quadro
de avisos fixado na sede da Guarda Civil Municipal, sem pre-
Art. 383 Todo servidor que for parte em procedimento juízo de outras formas admissíveis, devendo dela constar o
disciplinar de exercício da pretensão punitiva será citado, número do processo, o nome dos advogados e da parte.
sob pena de nulidade do procedimento, para dele partici- § 1º Dos atos realizados em audiência reputam-se inti-
par e defender-se. mados, desde logo, à parte, o advogado e o defensor dativo.
Parágrafo Único. O comparecimento espontâneo da § 2º Quando houver somente um defensor dativo de-
parte ou qualquer outro ato que implique ciência inequí- signado no processo, o cartório encaminhar-lhe-á os autos
voca a respeito da instauração do procedimento adminis- por carga, diretamente, independentemente de intimação
trativo suprem a necessidade de realização de citação.
ou publicação, devendo ser observado, na sua devolução,
Art. 384 A citação far-se-á com, no mínimo, 48 (quaren-
o prazo legal cominado para a prática do ato.
ta e oito) horas antes da data do interrogatório designado,
da seguinte forma:
I - por entrega pessoal do mandado ou por meio do Capítulo IV
órgão de Recursos Humanos; DOS PRAZOS
II - por correspondência;
III - por edital. Art. 392 Os prazos serão contados nos termos da parte
Art. 385 A citação por entrega pessoal far-se-á sempre geral desta Lei.
que o servidor estiver em exercício. Art. 393 Decorrido o prazo, extingue-se para a parte,
Art. 386 Far-se-á a citação por correspondência quando automaticamente, o direito de praticar o ato, salvo se esta
o servidor não estiver em exercício ou residir fora do Muni- provar que não o realizou por evento imprevisto, alheio à
cípio, devendo o mandado ser encaminhado, com aviso de sua vontade ou a de seu procurador, hipótese em que o
recebimento, para o endereço residencial constante do seu Presidente da Comissão Processante permitirá a prática do
assentamento funcional. ato, assinalando prazo para tanto.
Art. 387 Estando o servidor em local incerto e não sabi- Art. 394 Não havendo disposição expressa nesta Lei
do ou não sendo encontrado, por duas vezes, no endereço e nem assinalação de prazo pelo Presidente da Comissão
residencial constante do seu assentamento funcional, pro- Processante, o prazo para a prática dos atos no procedi-
mover-se-á citação por editais, com prazo de 15 (quinze) mento disciplinar, a cargo da parte, será de 48 (quarenta e
dias, publicados nos termos da legislação vigorante, divul- oito) horas.
gado em jornal de grande circulação na região durante 3 Parágrafo Único. A parte poderá renunciar ao prazo es-
(três) edições consecutivas, em quadro de avisos fixado na tabelecido exclusivamente a seu favor.
sede da Guarda Civil Municipal, sem prejuízo de outras for- Art. 395 Quando, no mesmo procedimento disciplinar,
mas admissíveis. houver mais de uma (01) parte, os prazos serão comuns,
Art. 388 O mandado de citação conterá a designação exceto para as razões finais, quando será contado em do-
de dia, hora e local para interrogatório e será acompanha- bro, se houver diferentes advogados.
do da cópia da denuncia administrativa, que dele fará parte § 1º Havendo no processo até 2 (dois) defensores, cada
integrante e complementar. um apresentará alegações finais, sucessivamente, no prazo
de 10 (dez) dias cada um.
SEÇÃO II
§ 2º Havendo mais de 2 (dois) defensores, caberá ao
DAS INTIMAÇÕES
Presidente da Comissão Processante conceder, mediante
despacho nos autos, prazo para vista fora da repartição,
Art. 389 A intimação de servidor efetivo em exercício
será feita nos termos da legislação vigorante, através de designando data única para apresentação dos memoriais
jornal de grande circulação na região durante 3 (três) edi- de defesa na repartição.
ções consecutivas, em quadro de avisos fixado na sede da
Guarda Civil Municipal, sem prejuízo de outras formas ad- Capítulo V
missíveis. DAS PROVAS
Parágrafo Único. O responsável pelo órgão de recursos SEÇÃO I
humanos deverá diligenciar para que o servidor tome ciên- DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
cia da publicação.
Art. 390 O servidor que, sem justa causa, deixar de Art. 396 Todos os meios de prova admitidos em direito
atender à intimação com prazo marcado, terá, por decisão e moralmente legítimos são hábeis para demonstrar a ve-
do Presidente da Comissão Processante, suspenso o paga- racidade dos fatos.
mento de seu vencimento, até que satisfaça a exigência. Art. 397 O Presidente da Comissão Processante poderá
Parágrafo Único. Igual penalidade poderá ser aplicada limitar e excluir, mediante despacho fundamentado, as pro-
à chefia do setor de pessoal que deixar de dar ciência da vas que considerar excessivas, impertinentes ou protelatórias.
publicação ao servidor intimado.

356
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

SEÇÃO II § 3º O Presidente da Comissão Processante poderá, ao


DA PROVA FUNDAMENTAL invés de realizar a audiência mencionada no parágrafo 2º,
fazer a inquirição por escrito, dirigindo correspondência
Art. 398 Fazem a mesma prova que o original, as certi- à autoridade competente, para que tome o depoimento,
dões de processos judiciais e as reproduções de documen- conforme as perguntas formuladas pela Comissão Proces-
tos autenticadas por oficial público ou conferidas e autenti- sante e, se for o caso, pelo defensor, constituído ou dativo.
cadas por servidor público para tanto competente. Art. 407 Incumbirá à parte levar à audiência, indepen-
Art. 399 Admitem-se como provas as declarações dentemente de intimação, as testemunhas por ela indica-
constantes de documento particular, escrito e assinado das que não sejam servidores municipais, decaindo o direi-
pelo declarante, bem como depoimentos constantes de to de ouvi-las, caso não compareçam.
sindicâncias, que não puderem, comprovadamente, ser re- Parágrafo Único. As chefias imediatas diligenciarão
produzido verbalmente em audiência. para que sejam dispensados os servidores no momen-
Art. 400 Servem também à prova dos fatos o telegra- to das audiências, devendo para tanto ser informadas a
ma, o radiograma, a fotografia, a fonografia, a fita de vídeo respeito da designação da audiência com, no mínimo, 48
e outros meios obtidos de maneira lícita e aceita pelas par- (quarenta e oito) horas de antecedência.
tes, inclusive os eletrônicos. Art. 408 Antes de depor, a testemunha será qualificada,
Art. 401 Caberá à parte que impugnar a prova produzir indicando nome, idade, profissão, local e função de traba-
a perícia necessária à comprovação do alegado. lho, número da cédula de identidade, residência, estado
civil, bem como se tem parentesco com a parte e, se for
SEÇÃO III servidor municipal, o número de seu registro funcional.
DA PROVA TESTEMUNHAL Art. 409 A parte cujo defensor não comparecer à au-
diência de oitiva de testemunha será assistida por um de-
Art. 402 A prova testemunhal é sempre admissível, po- fensor designado para o ato pelo Presidente da Comissão
dendo ser indeferida pelo Presidente da Comissão Proces- Processante.
sante: Art. 410 O Presidente da Comissão Processante inter-
rogará a testemunha, cabendo, primeiro aos membros e
I - se os fatos sobre os quais serão inquiridas as teste-
depois à defesa, formular reperguntas tendentes a esclare-
munhas já foram provados por documentos ou confissão
cer ou complementar o depoimento.
da parte;
Parágrafo Único. O Presidente da Comissão Processan-
II - quando os fatos só puderem ser provados por do-
te poderá indeferir as reperguntas, mediante justificativa
cumentos ou perícia.
expressa no termo de audiência.
Art. 403 Compete à parte entregar na repartição, no
Art. 411 O depoimento, depois de lavrado, será rubri-
tríduo probatório, o rol das testemunhas de defesa, indi- cado e assinado pelos membros da Comissão Processante,
cando seu nome completo, endereço e respectivo código pelo depoente e pelo defensor constituído ou dativo.
de endereçamento postal - CEP. Art. 412 O Presidente da Comissão Processante poderá
§ 1º Se a testemunha for servidor municipal, deverá a determinar, de oficio ou a requerimento:
parte indicar o nome completo, unidade de lotação e o nú- I - a oitiva de testemunhas referidas nos depoimentos;
mero do registro funcional. II - a acareação de 2 (duas) ou mais testemunhas, ou
§ 2º Depois de apresentado o rol de testemunhas, a de alguma delas com a parte, quando houver divergência
parte poderá substituí-la até a data da audiência designa- essencial entre as declarações sobre fato que possa ser de-
da, com a condição de ficar sob sua responsabilidade levá- terminante na conclusão do procedimento.
-las à audiência.
§ 3º O não comparecimento da testemunha substituída SEÇÃO IV
implicará desistência de sua oitiva pela parte. DA PROVA PERICIAL
Art. 404 Cada parte poderá arrolar, no máximo, 4 (qua-
tro) testemunhas. Art. 413 A prova pericial consistirá em exames, visto-
Art. 405 As testemunhas serão ouvidas, de preferência, pri- rias e avaliações e terá indeferimento pelo Presidente da
meiramente as da Comissão Processante e, após, as da parte. Comissão Processante, quando dela não depender a prova
Art. 406 As testemunhas deporão em audiência peran- do fato.
te o Presidente da Comissão Processante, os membros e o Art. 414 Se o exame tiver por objeto a autenticidade ou
defensor constituído e, na sua ausência, o defensor dativo. falsidade de documento ou for da natureza médico-legal,
§ 1º Se a testemunha, por motivo relevante, estiver im- a Comissão Processante requisitará, preferencialmente, ele-
possibilitada de comparecer à audiência, mas não de pres- mentos junto às autoridades policiais ou judiciais, quando
tar depoimento, o Presidente da Comissão Processante po- em curso investigação criminal ou processo judicial.
derá designar dia, hora e local para inquiri-la. Art. 415 Quando o exame tiver por objeto a autentici-
§ 2º Sendo necessária a oitiva de servidor que estiver dade de letra ou firma, o Presidente da Comissão Proces-
cumprindo pena privativa de liberdade, o Presidente da sante, se necessário ou conveniente, poderá determinar à
Comissão Processante solicitará a autoridade competente pessoa à qual se atribui a autoria do documento, que copie
que, se possível, apresente o preso em dia e hora designa- ou escreva, sob ditado, em folha de papel, dizeres diferen-
dos para a realização da audiência. tes, para fins de comparação e posterior perícia.

357
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Art. 416 Ocorrendo necessidade de perícia médica do Parágrafo Único. É assegurado ao revel o direito de
servidor denunciado administrativamente, o órgão pericial constituir advogado em substituição ao defensor dativo
do Município dará à solicitação da Comissão Processante que lhe tenha sido designado.
caráter urgente e preferencial. Art. 423 A decretação da revelia acarretará a preclusão
Art. 417 Quando não houver possibilidade de obten- das provas que deveriam ser requeridas, especificadas e/ou
ção de elementos junto às autoridades policiais ou judiciais produzidas pela parte em seu interrogatório, assegurada a
e a perícia for indispensável para a conclusão do processo, faculdade de juntada de documentos com as razões finais.
o Presidente da Comissão Processante solicitará ao Secre- Parágrafo Único. Ocorrendo a revelia, a defesa poderá
tário Municipal de Defesa Social e Prevenção à Violência a
requerer provas no tríduo probatório.
contratação de perito para esse fim.
Art. 424 A parte revel não será intimada pela Comissão
Processante para a prática de qualquer ato, constituindo
Capítulo VI
DAS AUDIÊNCIAS E DO INTERROGATÓRIO DA PARTE ônus da defesa comunicar-se com o servidor, se assim en-
tender necessário.
Art. 418 A parte será interrogada na forma prevista § 1º Desde que compareça perante a Comissão Pro-
para a inquirição de testemunhas, vedada a presença de cessante ou intervenha no processo, pessoalmente ou por
terceiros, exceto seu defensor constituído ou dativo. meio de advogado com procuração nos autos, o revel pas-
Art. 419 O termo de audiência será lavrado, rubricado sará a ser intimado pela Comissão, para a prática de atos
e assinado pelos membros da Comissão Processante, pela processuais.
parte e, se for o caso, por seu defensor. § 2º O disposto no parágrafo 1º não implica a revoga-
ção da revelia nem elide os demais efeitos desta.
Capítulo VII
DA REVELIA E DE SUAS CONSEQUÊNCIAS Capítulo VIII
DOS IMPEDIMENTOS E DA SUSPEIÇÃO
Art. 420 O Presidente da Comissão Processante decre-
tará a revelia da parte que, regularmente citada, não com- Art 425 É defeso aos membros da Comissão Proces-
parecer perante a Comissão no dia e hora designados. sante exercer suas funções em procedimentos disciplinares:
§ 1º A regular citação será comprovada mediante aos I - de que faça parte;
autos:
II - em que interveio como mandatário da parte, defen-
I - da contrafé do respectivo mandado, no caso de ci-
sor dativo ou testemunha;
tação pessoal;
II - das cópias dos 3 (três) editais publicados nos ter- III - quando a parte for seu cônjuge, companheiro(a),
mos da legislação vigente, através de jornal de grande cir- parente consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral
culação na região durante 3 (três) edições consecutivas, até segundo grau, amigo íntimo ou inimigo capital;
sem prejuízo de outras formas admissíveis, no caso de ci- IV - quando em procedimento estiver postulando
tação por edital; como advogado da parte seu cônjuge, companheiro(a) ou
III - do aviso de recebimento (AR), no caso de citação parentes consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral
por correspondência. até segundo grau;
§ 2º Não sendo possível realizar a citação, o intimador V - quando houver atuado na sindicância que precedeu
certificará os motivos nos autos. o procedimento de exercício de pretensão punitiva;
Art. 421 A revelia deixará de ser decretada ou, se decre- VI - na etapa da revisão, quando tenha atuado ante-
tada, será revogada quando verificado, a qualquer tempo, riormente.
que, na data designada para o interrogatório: Art. 426 A arguição de suspeição de parcialidade de al-
I - a parte estava legalmente afastada de suas funções guns ou de todos os membros da Comissão Processante e
por motivos constantes nos incisos V, VI, IX e X do art. 82 do defensor dativo precederá qualquer outra, salvo quan-
e nos incisos III e IV do art. 117, ou em gozo de férias nos do fundada em motivo superveniente.
termos do art. 126, todos desta Lei, em prisão provisória § 1º A arguição deverá ser alegada pelos citados no
ou temporária ou em cumprimento de pena de privação
caput ou pela parte, em declarações escritas e motivadas,
de liberdade.
que suspenderá o andamento do processo.
II - a parte comprovar motivo de força maior que tenha
§ 2º Sobre a suspeição arguida, o Corregedor Geral da
impossibilitado seu comparecimento tempestivo.
Parágrafo Único. Revogada a revelia, será realizado o Guarda Civil Municipal:
interrogatório, reiniciando-se a instrução, com aproveita- I - se a acolher, tomará as medidas cabíveis, necessá-
mento dos atos instrução, com aproveitamento dos atos rias à substituição do(s) suspeito(s) ou à redistribuição do
de instrução já realizados, desde que ratificados pela parte, processo;
por termo lançado nos autos. II - se a rejeitar, motivará a decisão e devolverá o pro-
Art. 422 Decretada a revelia, dar-se-á prosseguimento cesso ao Presidente da Comissão Processante, para pros-
ao procedimento disciplinar, designando-se defensor dati- seguimento.
vo para atuar em defesa da parte.

358
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Capítulo IX Capítulo X
DA COMPETÊNCIA DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE E DO PROCESSO AD-
MINISTRATIVO DISCIPLINAR
Art. 427 A decisão nos procedimentos disciplinares
será proferida por despacho devidamente fundamentado Art. 434 Extingue-se a punibilidade:
da autoridade competente, no qual será mencionada a dis- I - pela morte da parte;
posição legal em que se baseia o ato. II - pela prescrição;
Art. 428 Compete ao Chefe do Poder Executivo a apli- III - pela anistia.
cação da pena de exoneração, na hipótese prevista nos Art. 435 O processo administrativo disciplinar extin-
arts. 360 e 361. gue-se com a publicação do despacho decisório pela auto-
Art. 429 Compete ao Secretário Municipal de Defesa ridade competente.
Social e Prevenção à Violência: Parágrafo Único. O processo, após sua extinção, será
I - determinar a instauração: enviado à unidade de lotação do servidor infrator, para as
a) das sindicâncias em geral; necessárias anotações no prontuário e arquivamento, se
b) dos procedimentos de exoneração no período de não interposto recurso.
estágio probatório; Art. 436 Extingue-se o processo sem julgamento de
c) dos processos sumários. mérito, quando a autoridade competente para proferir a
II - aplicar o afastamento preventivo; decisão acolher proposta da comissão processante, nos se-
III - decidir, por despacho, o processo administrativo guintes casos:
disciplinar, nos casos de: I - morte da parte;
a) absolvição; II - ilegitimidade da parte;
b) desclassificação da infração ou abrandamento de III - quando a parte já tiver sido demitida, dispensada
penalidade de que resulte a imposição de pena de repreen- ou exonerada do serviço público, casos em que se farão as
são ou de suspensão; necessárias anotações no prontuário para os fins de regis-
c) aplicação de pena de suspensão por período supe- tro de antecedentes;
rior a 15 (quinze) dias. IV - quando o processo administrativo disciplinar versar
IV - decidir as sindicâncias; sobre a mesma infração de outro em curso ou já decidido;
V - decidir os procedimentos de exoneração em está- V - por anistia.
gio probatório; Art. 437 Extingue-se o processo com julgamento de
VI - decidir os processos sumários; mérito, quando a autoridade competente proferir decisão:
VII - deliberar sobre a remoção temporária de servidor I - pelo arquivamento da sindicância ou pela instaura-
integrante do quadro de pessoal da Guarda Civil Municipal. ção do subsequente processo administrativo disciplinar de
Parágrafo Único. A competência estabelecida neste pretensão punitiva;
artigo abrange as atribuições para decidir os pedidos de II - pelo reconhecimento da prescrição.
reconsideração, apreciar e encaminhar os recursos e os pe-
didos de revisão de processo administrativo ao Chefe do TÍTULO VII
Poder Executivo. DOS PROCEDIMENTOS DISCIPLINARES
Art. 430 Compete ao Corregedor Geral da Guarda Civil Capítulo Único
Municipal, além das competências atribuídas no art. 376, DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
também a de determinar o cancelamento da punição, con-
forme o disposto no art. 186 desta Lei. Art. 438 Aplica-se aos servidores integrantes do qua-
Art. 431 Compete somente ao Secretário Municipal de dro de pessoal da Guarda Civil Municipal e aos ocupantes
Defesa Social e Prevenção à Violência a aplicação das pe- dos cargos de provimento em comissão ligados a Guarda
nalidades disciplinares de advertência, repreensão e sus- Civil Municipal o processo administrativo disciplinar previs-
pensão até 15 (quinze) dias, observado o disposto nesta to nesta Lei.
Lei. Art. 439 Após o julgamento do processo administrativo
Art. 432 Na ocorrência de infração disciplinar envol- disciplinar é vedado à autoridade julgadora avocá-lo para
vendo servidores de mais de uma unidade ou posto da modificar a sanção aplicada ou agravá-la.
Guarda Civil Municipal, caberá à chefia imediata com res- Art. 440 Durante a tramitação do processo administra-
ponsabilidade territorial sobre a área onde ocorreu o fato tivo disciplinar, fica vedada aos órgãos da Administração
elaborar relatório circunstanciado sobre a irregularidade e Municipal a requisição dos respectivos autos, para consulta
remetê-lo à Corregedoria Geral da Guarda Civil Municipal ou qualquer outro fim.
para o respectivo processamento. Parágrafo Único. Excluem-se do disposto no “caput”
Art. 433 Quando duas autoridades de níveis hierárqui- apenas os órgãos que possuem competência legal para
cos diferentes, ambas com competência disciplinar sobre esta requisição.
o infrator, conhecerem da infração disciplinar, caberá à de Art. 441 Os procedimentos disciplinados nesta Lei terão
maior hierarquia instaurar e encaminhar à Corregedoria sempre tramitação em autos próprios, sendo vedada sua
Geral da Guarda Civil Municipal o relatório circunstanciado instauração ou processamento em expedientes que cuidem
e conclusivo sobre os fatos. de assuntos diversos da infração a ser apurada ou punida.

359
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

§ 1º Os processos acompanhantes ou requisitados § 1º Em casos especiais, atendendo a natureza da en-


para subsidiar a instrução de sindicância ou processos fermidade, a autoridade máxima de cada Poder ou Órgão
administrativos disciplinares serão devolvidos à unidade poderá designar junta médica para proceder ao exame,
competente para prosseguimento, assim que extraídos os dela fazendo parte, obrigatoriamente, médicos da Rede
elementos necessários, por determinação do Presidente da Municipal ou médicos credenciados pela mesma.
Comissão Processante. § 2º Os atestados médicos concedidos aos servidores
§ 2º Quando o conteúdo do acompanhante for essen- municipais, quando em tratamento fora do Município, te-
cial para a formação de opinião e julgamento do processo rão sua validade condicionada à ratificação posterior por
administrativo disciplinar, os autos somente serão devolvi- médico da Rede Municipal.
dos à unidade após a decisão final. Art. 447 São isentos de taxas, emolumentos ou custas
Art. 442 O pedido de vista de autos em tramitação, por os requerimentos, certidões e outros papéis que, na esfera
quem não seja parte ou defensor, dependerá de requeri- administrativa, interessarem ao servidor municipal, ativo ou
mento por escrito e será cabível para a defesa de direitos e inativo, exclusivamente nos assuntos funcionais.
esclarecimentos de situações de interesse pessoal. Art. 448 (VETADO)
Parágrafo Único. Poderá ser vedada a vista dos autos Art. 448 A - O Chefe de cada Poder expedirá os atos
até a publicação da decisão final, inclusive para as partes e necessários à execução da presente Lei. (Redação acrescida
seus defensores, quando o processo se encontrar relatado. pela Lei Complementar nº 198/2011)
Art. 449 As jornadas de trabalho nas repartições pú-
TÍTULO VIII blicas municipais serão fixadas através de ato do Chefe de
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS E FINAIS cada Poder, no âmbito de suas competências.
Art. 450 As despesas decorrentes da execução da pre-
Art. 443 A jornada de trabalho dos servidores integran- sente Lei Complementar correrão a conta de verbas pró-
tes do quadro de pessoal da Guarda Civil Municipal será de prias do orçamento vigente e futuros, autorizadas desde já
40 (quarenta) horas semanais, sendo estabelecido o horá- eventuais suplementações se necessárias.
rio de trabalho conforme a necessidade do serviço através Art. 451 Esta Lei Complementar entra em vigor no pri-
de escala mensal na proporção de 12 (doze) horas de tra- meiro dia útil do mês subsequente a sua publicação e os
balho com 36 (trinta e seis) horas de descanso. Chefes de cada um dos Poderes expedirão os atos neces-
§ 1º Os integrantes do quadro efetivo de pessoal da sários a sua execução.
Guarda Civil Municipal que prestarem serviços a título de Paço Municipal “Prefeito Firmino José da Costa”, 08 de
horas extraordinárias poderão, a critério do Secretário Mu- julho de 2010, 61º da Emancipação Político-Administrativa.
nicipal de Defesa Social e Prevenção a Violência, compen-
sarem as horas em sistema denominado banco de horas
nos termos do art. 121 desta Lei. LEI MUNICIPAL N° 4.392, DE 08 DE JULHO
§ 2º A escala mensal de que trata o «caput» será ins- DE 2010 - DISPÕE SOBRE A ESTRUTURAÇÃO
tituída através de ato do Secretário Municipal de Defesa DO PLANO DE CARGOS, CARREIRAS E
Social e Prevenção à Violência até o dia 25 (vinte e cinco)
VENCIMENTOS DA PREFEITURA MUNICIPAL
do mês anterior a sua vigência.
Art. 444 Fica atribuída ao Corregedor Geral da Guar- DE SUZANO.
da Civil Municipal competência para apreciar e decidir os
pedidos de certidões e fornecimento de copias reprográ-
ficas ou qualquer outro meio de reprodução referente a LEI Nº 4392, DE 08/07/2010
sindicâncias ou processos administrativos disciplinares ou
não, que esteja em andamento na Corregedoria Geral da DISPÕE SOBRE A ESTRUTURAÇÃO DO PLANO DE CAR-
Guarda Civil Municipal. GOS, CARREIRAS E VENCIMENTOS DA PREFEITURA MUNI-
Art. 444-A (VETADO) CIPAL DE SUZANO, DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO,
DO QUADRO DE PESSOAL DA GUARDA CIVIL MUNICIPAL
LIVRO COMPLEMENTAR DE SUZANO, INSTITUI TABELAS DE VENCIMENTO, E DÁ
OUTRAS PROVIDÊNCIAS.
TÍTULO ÚNICO
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS E FINAIS (Autoria: Executivo Municipal
Projeto de Lei nº 193/2010)
Art. 445 Os prazos previstos nesta Lei serão contados
em dias corridos, excluindo-se o dia do começo e incluin- O PREFEITO MUNICIPAL DE SUZANO, usando das atri-
do-se o do vencimento, ficando prorrogado, para o primei- buições legais que lhe são conferidas; FAZ SABER que a
ro dia útil seguinte o prazo vencido em dia em que não Câmara Municipal de Suzano aprova e ele promulga a se-
haja expediente. guinte Lei:
Art. 446 Para todos os efeitos previstos nesta Lei, os
exames de aptidão física e mental serão obrigatoriamente
realizados por médicos da Rede Municipal, ou na sua falta,
por médicos credenciados pelas autoridades máximas de
cada Poder ou órgão.

360
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

PARTE GERAL TÍTULO II


LIVRO ÚNICO DA ESTRUTURA DO PLANO DE CARGOS, CARREIRAS E
DOS SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS EM GERAL VENCIMENTOS
TÍTULO I Capítulo I
DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES DOS CARGOS DA ADMINISTRAÇÃO EM GERAL
Capítulo I
DA ESTRUTURA DO PLANO DE CARGOS, CARREIRAS E Art. 3º São cargos de provimento efetivo da adminis-
VENCIMENTOS tração geral aqueles constantes do Quadro de Cargos de
Provimento Efetivo da Prefeitura Municipal de Suzano, pre-
vistos no Anexo I desta Lei, divididos em grupos ocupacio-
Art. 1º Esta Lei institui o Plano de Cargos, Carreiras e
nais.
Vencimentos dos servidores públicos da Administração Ge-
Art. 4º Os cargos de provimento efetivo da administra-
ral, dos Profissionais da Educação da Prefeitura Municipal ção geral constantes do Anexo II desta Lei passam a rece-
de Suzano, e da Guarda Civil Municipal de Suzano. ber as novas denominações nele estabelecidas.
Art. 2º Para os efeitos desta Lei são adotadas as seguin- Art. 5º Ficam criados junto ao Quadro de Provimen-
tes definições: to Efetivo da Prefeitura Municipal de Suzano, os cargos de
I - cargo público de provimento efetivo é o conjunto provimento efetivo da administração geral constantes do
indivisível de atribuições e responsabilidades assumidas Anexo III desta Lei.
pelo servidor, admitido no serviço público por meio de Art. 6º Serão extintos na vacância os cargos de provi-
concurso, nos termos da legislação vigente; mento efetivo da administração geral constantes do Anexo
II - servidores públicos é o conjunto dos ocupantes de IV desta Lei.
cargos públicos de provimento efetivo e em comissão da Art. 7º Ficam extintos os empregos públicos perma-
Prefeitura Municipal de Suzano; nentes da administração geral constantes do Anexo V des-
III - cargo de provimento em comissão é o conjunto de ta Lei.
tarefas e encargos de direção, chefia ou assessoramento Art. 8º São cargos de provimento em comissão da ad-
atribuídos ao servidor público, podendo ser de livre no- ministração geral, de livre nomeação e exoneração, aqueles
meação e exoneração ou de nomeação restrita e de livre constantes do Anexo VI desta Lei.
exoneração; Art. 9º As descrições dos cargos de provimento efetivo
da administração geral, bem como os requisitos para o seu
IV - função gratificada é o conjunto de tarefas de di-
preenchimento, são as constantes do Anexo XXV desta Lei.
reção, chefia, supervisão, coordenação e assessoramento
que o servidor ocupante de cargo de provimento efetivo Capítulo II
agrega através de nomeação percebendo um complemen- DA ADMISSÃO
to remuneratório;
V - grupo ocupacional é o agrupamento de cargos de Art. 10 A admissão de pessoal na Prefeitura Municipal
natureza, requisitos, responsabilidades e grau de conheci- de Suzano se dará nos moldes estabelecidos pela Consti-
mento semelhantes, exigidos para seu desempenho; tuição Federal, pelo Estatuto dos Servidores Públicos Mu-
VI - referência é a designação numérica indicativa da nicipais e demais normas vigentes.
posição do cargo na hierarquia da tabela de vencimento; Art. 11 É vedada, a partir da data de publicação desta
VII - faixa de vencimento é a escala de padrões de ven- Lei, a admissão de pessoal para cargos que não integrem
cimento atribuídos a uma determinada referência; os Quadros de Provimento da Prefeitura Municipal de Su-
VIII - padrão de vencimento é a letra que identifica o zano.
vencimento recebido pelo servidor dentro da sua faixa es- Parágrafo Único - disposto no “caput” não se aplica
pecífica; para as contratações por tempo determinado, realizadas
IX - interstício é o lapso de tempo estabelecido como nos termos da Lei Municipal nº 2.311, de 10 de março de
o mínimo necessário para que o servidor se habilite à pro- 1989.
gressão funcional;
Capítulo III
X - progressão é a elevação do padrão de vencimento
DOS VENCIMENTOS
do servidor para o padrão imediatamente superior dentro
da referência, nos termos estabelecidos para o cargo a que
Art. 12 Os cargos da administração geral integrantes
pertence; do Quadro de Cargos de Provimento Efetivo da Prefeitu-
XI - evolução funcional é a mudança de referência den- ra Municipal de Suzano estão dispostos conforme o grupo
tro do padrão a que o servidor se encontra pelos critérios ocupacional a que pertencem.
estabelecidos; Art. 13 Os vencimentos previstos no Anexo VIII desta
XII - símbolo é a designação alfanumérica indicativa do Lei correspondem a contraprestação pecuniária ao cumpri-
vencimento do cargo de provimento em comissão na hie- mento, pelo servidor, da carga horária semanal de trabalho,
rarquia da tabela de vencimento. conforme seu cargo.

361
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Capítulo IV Art. 24 Como condição para a evolução funcional, o


DA EVOLUÇÃO E DA PROGRESSÃO FUNCIONAL servidor deverá obter ao menos o conceito final “bom” no
processo de avaliação de desempenho, executados, acom-
Art. 14 Evolução funcional é o acesso a um nível ime- panhados e validados anualmente pela Comissão de Ava-
diatamente superior ao atual na tabela de vencimentos, liação de Desempenho.
concedido ao servidor ocupante de cargo de provimento Art. 25 Para efeito de apuração, controle e acompanha-
efetivo da administração geral, podendo se dar de duas mento da evolução funcional, seja pela via acadêmica ou
formas: pela via não acadêmica, a Administração deverá valer-se de
I - pela via acadêmica, considerando-se o aumento apontamentos apropriados, que obrigatoriamente deverão
da escolaridade do servidor, com base nos requisitos para fazer parte do prontuário individual do servidor.
provimento do cargo efetivamente ocupado; Art. 26 A Secretaria Municipal de Administração ela-
II - pela via não acadêmica, que terá por base os resul- borará lista contendo a classificação dos servidores aptos
tados obtidos nos processos de avaliação de desempenho à evolução funcional, pela via acadêmica ou pela via não
e capacitação funcional, visando o reconhecimento do mé- acadêmica, que deverá ser publicada na forma da legisla-
rito funcional e do potencial individual. ção em vigor, observando-se rigorosamente suas posições,
Art. 15 A evolução funcional para o nível imediatamen- para efeito da concessão da vantagem a que fizer jus o
te superior ao que o servidor se encontrar se dará pela servidor.
acumulação de pontos, concedidos por critérios objetivos
determinados pela Administração Municipal. SEÇÃO I
Art. 16 A cada 100 (cem) pontos acumulados o servidor DOS REQUISITOS E CONDIÇÕES PARA A EVOLUÇÃO
fará jus a evolução para o nível imediatamente superior ao FUNCIONAL PELA VIA ACADÊMICA
seu atual, sendo-lhe garantida a manutenção do padrão e
da referência em que o mesmo se encontrar na tabela de Art. 27 A evolução funcional pela via acadêmica tem
vencimentos a que pertence. por objetivo reconhecer a formação do servidor como um
Art. 17 A contagem dos pontos referentes a evolução dos fatores relevantes para a melhoria de seu trabalho.
funcional dar-se-á a cada período de 2 (dois) anos, obser- Art. 28 A pontuação para a evolução funcional pela via
vados os requisitos e condições estabelecidos. acadêmica obedecerá ao seguinte critério:
Art. 18 O servidor deverá apresentar junto à Diretoria de I - 50 (cinquenta) pontos por ano de acréscimo na es-
Recursos Humanos a documentação referente aos incisos I colaridade do servidor ocupante de cargo de provimento
e II do art. 14 para análise no mês de agosto de cada ano. efetivo;
Art. 19 A evolução funcional será processada e homo- II - 100 (cem) pontos para cada conclusão de nível de
logada até o mês de dezembro de cada ano e concedida a escolaridade adicional ao exigido para o provimento do
partir do mês de fevereiro do ano seguinte. cargo efetivo ocupado;
Art. 20 A forma de entrega da documentação será re- III - 200 (duzentos) pontos para a conclusão de curso
gulamentada através de ato normativo do Secretário Mu- superior.
nicipal de Administração. § 1º Os títulos previstos no «caput» serão pontuados
Art. 21 Ficam impedidos de usufruir dos benefícios da uma única vez, vedada sua acumulação.
evolução funcional os servidores: § 2º Caberá à Diretoria de Recursos Humanos a análise
I - afastados para ocupar cargos de provimento em preliminar dos títulos apresentados.
comissão em outros órgãos ou em funções que não cor-
relatas às atribuições de seu cargo de provimento efetivo; SEÇÃO II
II - que sofreram pena de suspensão, após processo DOS REQUISITOS E CONDIÇÕES PARA A EVOLUÇÃO
administrativo transitado em julgado, no interstício da evo- FUNCIONAL PELA VIA NÃO ACADÊMICA
lução corrente;
III - que tiveram apontamentos de 02 (duas) ou mais Art. 29 Somente poderá concorrer à evolução funcional
advertências em seu prontuário, no interstício da evolução pela via não acadêmica, servidor que, cumulativamente:
corrente; I - tiver cumprido, no mínimo, 2 (dois) anos de efetivo
IV - que tiveram 05 (cinco) ou mais faltas injustificadas, exercício no nível em que estiver enquadrado;
no interstício da evolução corrente; II - perfazer um total mínimo de 50 (cinquenta) pontos
V - que estiverem licenciados, por período superior a em cursos de formação no respectivo campo de atuação,
180 (cento e oitenta) dias, no interstício da evolução cor- no interstício da evolução corrente.
rente, salvo em virtude de acidente de trabalho ou para Art. 30 Consideram-se cursos de formação no respec-
tratamento de doença profissional. tivo campo de atuação, todos aqueles realizados por ins-
Art. 22 Será de competência e iniciativa do servidor tituições credenciadas, aos quais serão atribuídos pontos,
requerer os benefícios da evolução funcional, mediante a de acordo com a sua especificidade e a tabela constante
apresentação da documentação específica exigida. do Anexo X.
Art. 23 O processo de evolução funcional por qualquer Art. 31 O período de efetivo exercício de que trata o
via sempre se dará com total observância da disponibilida- inciso I do Art. 29 será interrompido sempre que houver
de financeira e orçamentária do Município e o limite legal qualquer afastamento ou licença por prazo igual ou su-
de despesa com pessoal, nos termos da legislação em vigor. perior a 90 (noventa) dias, consecutivos ou não, exceto os

362
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

afastamentos previstos para exercer atividades correlatas Capítulo VII


às atribuições de seu cargo de provimento efetivo, exce- DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
tuando-se os afastamentos previstos na Constituição Fe-
deral. Art. 41 Aplica-se o disposto nesta Lei aos servidores
que, na data da sua publicação, estiverem ocupando os
SEÇÃO III cargos constantes do Anexo IV da mesma.
DA PROGRESSÃO FUNCIONAL POR TEMPO DE SERVI- Art. 42 Não farão jus a evolução e a progressão funcio-
ÇO nal prevista na legislação os servidores estabilizados pelo
Art. 19 do ADCT e também os servidores celetistas não es-
Art. 32 Progressão funcional por tempo de serviço é táveis contratados anteriormente à promulgação da Cons-
o acesso ao padrão imediatamente seguinte ao atual na tituição Federal de 1988.
tabela de vencimentos, concedido ao servidor ocupante de Art. 43 Para o exercício de 2010, o valor do subsídio do
cargo de provimento efetivo da administração geral. Chefe de Gabinete, do Ouvidor Geral do Município e dos
Art. 33 A progressão funcional por tempo de serviço se Secretários Municipais será reajustado com base no menor
dará a cada período de 05 (cinco) anos. índice aplicado aos servidores da administração geral, em
Art. 34 A progressão funcional será processada até o conformidade com o art. 39 da Constituição Federal e le-
último dia do mês subsequente em que o servidor com- gislação municipal em vigor.
pletar o período de efetivo exercício constante do Art. 33.
Art. 35 Os direitos e vantagens decorrentes da pro- PARTE ESPECIAL
gressão funcional por tempo de serviço serão percebidos LIVRO I
a partir do primeiro dia do mês subsequente ao seu pro- DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO
cessamento. TÍTULO ÚNICO
DO PLANO DE CARGOS, CARREIRAS E VENCIMENTOS
Capítulo V DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO
Capítulo I
DO ENQUADRAMENTO DOS ATUAIS SERVIDORES DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
SEÇÃO I
Art. 36 Os atuais servidores públicos da Prefeitura Mu- DOS OBJETIVOS
nicipal de Suzano serão enquadrados na Tabela de Venci-
mento constante do Anexo VIII desta Lei, considerando o Art. 44 A instituição, implantação e gestão do Plano
seu tempo de serviço no cargo de provimento efetivo e o de Carreira e Vencimentos dos Profissionais da Educação
seu vencimento atual. do Município de Suzano passa a ser disposta por esta Lei.
§ 1º Aplica-se o disposto no «caput» aos servidores es- Art. 45 Para os efeitos desta Lei integram o Quadro de
tabilizados pelo Art. 19 do ADCT, aos celetistas não estáveis Pessoal dos Profissionais da Educação:
admitidos anteriormente a 05 de outubro de 1988. I - os que exercem as atividades de docência nas uni-
§ 2º O disposto no «caput» não se aplica aos inativos, dades escolares;
cujo enquadramento se dará no padrão inicial do cargo de II - os que oferecem suporte pedagógico, administra-
origem ou equiparado. tivo e operacional às atividades de ensino, incluídas as de
Art. 37 O enquadramento será realizado pela Diretoria direção, coordenação, supervisão e orientação.
de Recursos Humanos levando em consideração o tempo
de serviço, calculado como de efetivo exercício. SEÇÃO II
DOS CONCEITOS BÁSICOS
Capítulo VI
DA COMISSÃO DE GESTÃO DO PLANO DE CARGOS, Art. 46 Para os efeitos desta Lei, entende-se por:
CARREIRAS E VENCIMENTOS I - Rede Municipal de Ensino, o conjunto de instituições
e órgãos que realiza atividades de educação formal sob a
Art. 38 Fica instituída a Comissão de Gestão do Plano coordenação da Secretaria Municipal de Educação;
de Cargos, Carreiras e Vencimentos dos Servidores Públi- II - Profissionais da Educação, os titulares dos cargos
cos Municipais, com a finalidade de orientar sua implanta- públicos de provimento efetivo de Professor de Educação
ção e operacionalização, bem como a análise dos requisi- Básica I e II, Professor de Educação Básica Adjunto e os que
tos e condições para a evolução funcional dos servidores. exercem as funções de apoio administrativo e operacional
Art. 39 A Comissão de Gestão será presidida pelo Se- às atividades pedagógicas e dos cargos de provimento em
cretário Municipal de Administraçãoe integrada por repre- comissão vinculados à Secretaria Municipal de Educação;
sentantes das Secretarias Municipais de Administração e III - Professor, o titular de cargo público de Professor de
Finanças e de entidade representativa dos servidores Pú- Educação Básica I, II e Adjunto, da carreira dos Profissionais
blicos do Município de Suzano ou comissão composta por da Educação, com funções de docência;
servidores ocupantes de cargos de provimento efetivo da
carreira. IV - Funções de Suporte Pedagógico, as atividades de
Art. 40 Ato próprio do Chefe do Poder Executivo regu- suporte pedagógico direto à docência, incluídas as de dire-
lamentará a atuação da Comissão de Gestão. ção, coordenação, supervisão e orientação;

363
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

V - Funções de Apoio Indireto, as atividades de supor- SEÇÃO II


te administrativo e operacional às atividades pedagógicas DO CAMPO DE ATUAÇÃO DOS PROFISSIONAIS DA
exercidas por servidores lotados nas unidades escolares e EDUCAÇÃO
na Secretaria Municipal de Educação.
Art. 53 O exercício das atividades dos Profissionais da
Capítulo II Educação com funções de docência se dará obedecendo a
DO QUADRO DE PESSOAL DOS PROFISSIONAIS DA seguinte disposição:
EDUCAÇÃO I - Professor de Educação Básica I, com atuação na
SEÇÃO I educação de jovens e adultos, educação especial, educa-
DA COMPOSIÇÃO ção infantil e nas séries iniciais (1º ao 5º ano) do ensino
fundamental;
Art. 47 O Quadro de Pessoal dos Profissionais da Edu- II - Professor de Educação Básica II, com atuação na
cação será constituído dos seguintes cargos públicos de
educação de jovens e adultos, educação especial, educação
provimento efetivo e cargos de provimento em comissão:
infantil, nas disciplinas específicas de Arte e Educação Físi-
I - Agente Escolar;
ca, ministradas por docentes devidamente habilitados em
II - Cozinheiro Escolar;
licenciatura plena nas respectivas áreas, nas séries iniciais
III - Auxiliar de Atividades Escolares;
IV - Auxiliar de Desenvolvimento Educacional; (1º ao 5º ano) do ensino fundamental I, e de 6º ao 9º ano
V - Auxiliar de Secretaria; Ensino Fundamental II, que vierem a ser criadas;
VI - Secretário de Escola; III - Professor de Educação Básica Adjunto, com atua-
VII - Professor de Educação Básica I; ção na substituição dos titulares do cargo de Professor de
VIII - Professor de Educação Básica II; Educação Básica I.
IX - Professor de Educação Básica Adjunto; Art. 54 Serão definidas nos editais de concurso público
X - Agente de Segurança Escolar; para a carreira dos Profissionais da Educação com funções
XI - Motorista de Transporte Escolar; docentes as disciplinas específicas para o provimento do
XII - Coordenador Educacional; cargo de Professor de Educação Básica II.
XIII - Professor Coordenador; Art. 55 Os Profissionais da Educação com funções de
XIV - Professor Assistente; suporte pedagógico direto exercerão suas atividades nos
XV - Assistente Técnico de Área; diferentes níveis e modalidades de ensino da educação bá-
XVI - Assistente Técnico de Educação Especial; sica que integram a Rede Municipal de Ensino.
XVII - Assistente Técnico de Educação Infantil; Art. 56 Os Profissionais da Educação ocupantes dos
XVIII - Assistente Técnico de EJA e Ensino Fundamental; cargos de Professor de Educação Básica I e II, poderão mi-
XIX - Diretor de Planejamento Educacional; nistrar aulas, a título de suplementação de carga horária,
XX - Diretor de Suprimentos; desde que o número de professores não seja suficiente
XXI - Diretor Geral de Ensino; para atender a demanda conforme disposto nesta Lei.
XXII - Chefe de Alimentação Escolar. Parágrafo Único - A suplementação tratada no “caput”
Art. 48 São de provimento efetivo os cargos do Quadro dependerá de parecer favorável e autorização expressa do
de Pessoal dos Profissionais da Educação os elencados nos Secretário Municipal de Educação com base em justificativa
incisos I ao XI, do Art. 47. do Coordenador Educacional ou de seu substituto.
Art. 49 São de provimento em comissão, de livre no-
meação e exoneração, os cargos do Quadro de Pessoal dos SEÇÃO III
Profissionais da Educação elencados nos incisos XII ao XXII,
DA NOMEAÇÃO PARA AS FUNÇÕES DE SUPORTE PE-
do Art. 47.
DAGÓGICO
Art. 50 As descrições dos cargos de provimento efetivo
e de provimento em comissão, do Quadro de Pessoal dos
Art. 57 A nomeação para as funções de suporte peda-
Profissionais da Educação, bem como os requisitos para
o seu preenchimento, são as constantes dos Anexos XVII, gógico será realizada utilizando os requisitos de nomeação
XVIII e XIX desta Lei. previstos nesta Lei.
Art. 51 Os cargos de provimento em comissão cons-
tantes dos incisos XII ao XXII do Art. 47 poderão ser ocupa- SUB
dos por servidores do quadro efetivo dos Profissionais da SEÇÃO ÚNICA
Educação que se enquadrem no que estabelece o Anexo DO PROCESSO ELETIVO
XXVIII desta Lei.
Art. 52 Os servidores ocupantes de cargo de provi- Art. 58 A nomeação para o cargo de provimento em
mento efetivo do Quadro de Pessoal dos Profissionais da comissão de Coordenador Educacional será precedida de
Educação farão jus às gratificações constantes do Anexo processo eletivo dentro de cada unidade escolar.
XX desta Lei, desde que preenchidos os requisitos legais Art. 59 Somente os Professores da Rede Municipal de
exigidos. Ensino poderão candidatar-se ao cargo de Coordenador
Educacional previsto no Art. 58 desta Lei.

364
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Art. 60 A candidatura ao cargo de Coordenador Edu- Capítulo III


cacional fica condicionada à apresentação, por parte do DA JORNADA DE TRABALHO
Professor interessado, de um Plano de Trabalho coerente SEÇÃO I
com o Projeto Político Pedagógico da unidade escolar, bem DA CONSTITUIÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO DO
como com as diretrizes educacionais da Secretaria Munici- PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO COM FUNÇÕES DO-
pal de Educação. CENTES
Art. 61 Os registros das candidaturas serão analisados
e aprovados por uma comissão eleitoral, que deverá con- Art. 74 A jornada de trabalho do Profissional da Educa-
siderar a coerência com o Projeto Político Pedagógico da ção com funções docentes é constituída de atividades com
unidade escolar, as diretrizes educacionais da Secretaria educandos, de trabalho pedagógico coletivo - HTPC - na
Municipal de Educação. unidade escolar e de trabalho pedagógico em local de livre
Art. 62 A comissão eleitoral será composta pelo Conse- escolha - HTPL - pelo docente, a saber:
lho de Escola da respectiva unidade escolar e por represen-
I - jornada de 30 (trinta) horas semanais para o Pro-
tantes da Secretaria Municipal de Educação.
fessor de Educação Básica I, lecionando na educação de
Art. 63 Após o registro das candidaturas, os candidatos
jovens e adultos, na educação infantil (G4 e G5) e no ensino
apresentarão suas propostas de trabalho à comunidade es-
colar em assembleia, a que competirá eleger, por meio do fundamental (1º ano), composta por:
voto, o melhor projeto. a) 20 (vinte) horas em atividades com educandos ou
Art. 64 Será considerado eleito o candidato que somar pedagógicas de apoio;
a maioria simples dos votos. b) (oito) horas de trabalho pedagógico coletivo - HTPC;
Art. 65 Ocorrendo empate entre candidatos, será utili- c) 2 (duas) horas de trabalho pedagógico em local de
zado como critério para a classificação o maior tempo de livre escolha - HTPL.
serviço do mesmo na área da educação do Município de II - jornada de 30 (trinta) horas semanais para o Profes-
Suzano. sor de Educação Básica I, lecionando no ensino fundamen-
Art. 66 Terão direito a voto: tal (2º ao 5º ano), composta por:
I - os profissionais da unidade escolar; a) 23 (vinte e três) horas em atividades com educandos
II - o educando menor de 16 (dezesseis) anos devida- ou pedagógicas de apoio;
mente representado por seu legal; b) 5 (cinco) horas de trabalho pedagógico coletivo - HTPC;
III - o educando maior de 16 (dezesseis) anos, com ida- c) 2 (duas) horas de trabalho pedagógico em local de
de comprovada nos termos da legislação civil em vigor. livre escolha - HTPL.
Art. 67 Ficam impedidos de votar: III - jornada de 30 (trinta) horas semanais para o Profes-
I - os membros do Conselho de Escola e da Secretaria sor de Educação Básica I, lecionando na educação infantil
Municipal de Educação componentes da Comissão Eleitoral; (creche), composta por:
II - os parentes do professor candidato, considerando- a) 25 (vinte e cinco) horas em atividades com educan-
-se o parentesco até o 3º grau colateral. dos ou pedagógicas de apoio;
Art. 68 A eleição do Profissional da Educação será ho- b) 3 (três) horas de trabalho pedagógico coletivo - HTPC;
mologada pelo Secretário Municipal de Educação que ado- c) 2 (duas) horas de trabalho pedagógico em local de
tará as providências necessárias para o encaminhamento livre escolha - HTPL.
ao Prefeito Municipal para a sua nomeação. IV - jornada de 24 (vinte e quatro) horas semanais para
Art. 69 A nomeação para o cargo de Coordenador Edu- o Professor de Educação Básica I, lecionando na educação
cacional terá a duração de 4 (quatro) anos, sendo permitida
de jovens e adultos e na educação infantil (G4 e G5), com-
uma única recondução por igual período.
posta por:
Art. 70 Ao Professor da rede municipal de ensino é
dado o direito de candidatar-se ilimitadamente ao cargo a) 20 (vinte) horas em atividades com educandos ou
de Coordenador Educacional. pedagógicas de apoio;
Art. 71 O Profissional da Educação eleito para Coor- b) 2 (duas) horas de trabalho pedagógico coletivo - HTPC;
denador Educacional poderá ter sua nomeação revogada: c) 2 (duas) horas de trabalho pedagógico em local de
I - por renúncia expressa do próprio profissional da livre escolha - HTPL.
educação eleito; V - jornada de 24 (vinte e quatro) horas semanais para
II - por proposta do Secretário Municipal de Educação, o Professor de Educação Básica I, lecionando no ensino
aprovada pelo Conselho Municipal de Educação, mediante fundamental (1º ano), composta por:
processo onde sejam assegurados os direitos constitucio- a) 18 (dezoito) horas em atividades com educandos ou
nais da ampla defesa e do contraditório. pedagógicas de apoio;
Art. 72 O Profissional da Educação que for afastado do b) 4 (quatro) horas de trabalho pedagógico coletivo - HTPC;
cargo de Coordenador Educacional nos termos do inciso II c) 2 (duas) horas de trabalho pedagógico em local de
do Art. 71 somente poderá candidatar-se novamente após livre escolha - HTPL.
3 (três) anos, a contar da data do afastamento. VI - jornada de 30 (trinta) horas semanais para o Pro-
Art. 73 Ato próprio do Chefe do Poder Executivo regu- fessor de Educação Básica II, composta por:
lamentará o processo eletivo para o cargo de Coordenador a) 20 (vinte) horas em atividades com educandos ou
Educacional em até 90 (noventa) dias contados da publica- pedagógicas de apoio;
ção desta Lei. b) 8 (oito) horas de trabalho pedagógico coletivo - HTPC;

365
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

c) 2 (duas) horas de trabalho pedagógico em local de Art. 83 Compreende-se por suplementação da jorna-
livre escolha - HTPL. da de trabalho o número de horas prestadas pelo docente
VII - jornada de 26 (vinte e seis) horas semanais para o além daquelas fixadas para a jornada de trabalho a que
Professor de Educação Básica Adjunto, composta por: estiver sujeito.
a) 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) horas em atividades Art. 84 O número máximo de horas semanais de suple-
com educandos ou pedagógicas de apoio; mentação da jornada de trabalho corresponderá à diferen-
b) 6 (seis) horas ou 1 (uma) hora de trabalho pedagó- ça entre o limite de 58 (cinquenta e oito) horas e o número
gico coletivo - HTPC. de horas previsto nas jornadas de trabalho estabelecidas
por esta Lei.
SEÇÃO II Art. 85 Poderão suplementar a jornada de trabalho so-
DA JORNADA DE TRABALHO DOS PROFISSIONAIS DA mente os docentes que não se encontram em situação de
EDUCAÇÃO COM FUNÇÕES DE SUPORTE PEDAGÓGICO acúmulo de cargos, empregos ou funções públicas.
Art. 86 A suplementação da jornada de trabalho do do-
Art. 75 Os Profissionais da Educação com funções de cente será composta de atividades com educandos e em
suporte pedagógico ocupantes de cargos de provimento substituições eventuais.
em comissão exercerão suas atividades em regime de de-
dicação integral, nos termos da legislação em vigor. Capítulo IV
DA CARREIRA DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO
SEÇÃO III SEÇÃO I
DA JORNADA DE TRABALHO DOS PROFISSIONAIS DE DOS PRINCÍPIOS BÁSICOS
APOIO INDIRETO
Art. 87 A carreira dos Profissionais da Educação do Mu-
Art. 76 Os Profissionais da Educação de apoio indire- nicípio de Suzano tem como princípios básicos:
to em atividades administrativas e operacionais cumprirão I - a profissionalização, que pressupõe vocação e de-
jornada de 40 (quarenta) horas semanais destinadas às ati- dicação à educação e qualificação profissional, com ven-
vidades específicas na Rede Municipal de Ensino. cimentos condignos e condições adequadas de trabalho;
II - a valorização do desempenho, da formação e do
SEÇÃO IV conhecimento;
DAS HORAS DE TRABALHO PEDAGÓGICO COLETIVO - III - a evolução por meio de progressões periódicas.
HTPC
SEÇÃO II
Art. 77 As horas de trabalho pedagógico coletivo - DA ESTRUTURA DA CARREIRA DOS PROFISSIONAIS
HTPC deverão ser utilizadas para reuniões e outras ativi- DA EDUCAÇÃO
dades pedagógicas e de estudo, organizadas pela unidade SUB
de ensino, bem como para o aperfeiçoamento profissional. SEÇÃO ÚNICA
Art. 78 As horas de trabalho pedagógico em local de DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
livre escolha pelo docente, destinam-se ao planejamento
de aulas e avaliação de trabalho dos educandos. Art. 88 A carreira dos Profissionais da Educação fica di-
Art. 79 A Secretaria Municipal de Educação poderá vidida em dois agrupamentos com regras específicas dife-
convocar os docentes para participar de reuniões, pales- renciadas que levam em consideração suas características,
tras, cursos, estudos e outras atividades de interesse da a saber:
educação, nos horários de trabalho coletivo. I - a carreira dos Profissionais da Educação integrada
Art. 80 As ausências às atividades previstas no Art. 79 pelos cargos de provimento efetivo de Professor de Edu-
caracterizarão faltas correspondentes ao período para o cação Básica I, Professor de Educação Básica II e Professor
qual foram convocados e as ausências injustificadas ca- de Educação Básica Adjunto está estruturada em 1 (uma)
racterizarão falta de interesse e participação para efeito de tabela com 2 (duas) referências alfanuméricas, divididas em
avaliação de desempenho. 6 (seis) padrões designados pelos números de “1” até “6” e
Art. 81 O docente afastado para exercer atividades de 25 (vinte e cinco) níveis designados pelas letras de “A” até
suporte pedagógico não fará jus às horas de trabalho pe- “Y”.
dagógico. II - a carreira dos Profissionais da Educação integra-
da pelos cargos de provimento efetivo de Agente Escolar,
SEÇÃO V Cozinheiro Escolar, Auxiliar de Atividades Escolares, Auxiliar
DA JORNADA DE TRABALHO SUPLEMENTAR de Desenvolvimento Educacional, Auxiliar de Secretaria,
Secretário de Escola, Agente de Segurança Escolar, Mo-
Art. 82 Os Profissionais da Educação com funções do- torista de Transporte Escolar está estruturada em 1 (uma)
centes sujeitos às jornadas de trabalho previstas nesta Lei tabela com 6 (seis) referências alfanuméricas, divididas em
poderão suplementar sua jornada de trabalho, observado 6 (seis) padrões designados pelos números de “1” até “6” e
o interesse público e da educação. 10 (dez) níveis designados pelas letras de “A” até “J”.

366
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Art. 89 Constitui requisito para ingresso na carreira, a V - que estiveram licenciados, por período superior a
formação mínima especificada nesta Lei, que dar-se-á sem- 180 (cento e oitenta) dias, no interstício da evolução cor-
pre na referência inicial de cada cargo da carreira. rente, salvo se em virtude de acidente em serviço ou para
Art. 90 O titular dos cargos de Professor de Educação tratamento de doença profissional.
Básica I e II e Professor de Educação Básica Adjunto poderá Art. 98 O Profissional da Educação em regime de acu-
exercer, de forma alternada com a docência, outras ativi- mulação, desde que atendidos os requisitos legais, poderá
dades de suporte pedagógico, atendidos os requisitos de requerer os benefícios da evolução funcional para cada si-
provimento dos respectivos cargos de provimento efetivo tuação funcional mediante a apresentação da documenta-
ou cargos de provimento em comissão. ção específica exigida.
Art. 99 O processo de evolução funcional na carreira
tanto pela via acadêmica como pela via não acadêmica,
SEÇÃO III ocorrerá desde que observada a disponibilidade financeira
DA EVOLUÇÃO FUNCIONAL DOS PROFISSIONAIS DA e orçamentária do Município e o limite legal de despesa
EDUCAÇÃO COM FUNÇÕES DOCENTES com pessoal, sendo privativo do Prefeito Municipal o ato
de concessão e o respectivo registro.
Art. 91 Evolução funcional é o acesso a um nível ime- Art. 100 A Secretaria Municipal de Educação deverá en-
diatamente superior ao atual na tabela de vencimentos, caminhar, após a análise, processamento e homologação,
concedido ao servidor ocupante de cargo de provimento ao Prefeito Municipal a relação dos servidores que fizerem
efetivo dos Profissionais da Educação com funções docen- jus aos benefícios da evolução.
tes, podendo se dar de duas formas: Art. 101 Em nenhuma hipótese, o integrante do qua-
I - pela via acadêmica, considerando-se as habilitações dro dos Profissionais da Educação que figurar como apto à
acadêmicas obtidas em grau superior de ensino; evolução poderá ser preterido em favor de outro.
II - pela via não acadêmica, que terá por base os resul- Art. 102 A evolução funcional se dará a partir do en-
tados obtidos nos processos de avaliação de desempenho, quadramento realizado após a vigência desta Lei.
formação profissional, visando ao reconhecimento do mé- Art. 103 Como condição para a evolução funcional, o
rito funcional e a otimização do potencial individual. Profissional da Educação deverá estar aprovado no pro-
Art. 92 A contagem dos pontos referentes a evolução cesso de avaliação de desempenho, atingindo o conceito
final “bom” nas avaliações de desempenho realizadas no
funcional dar-se-á a cada período de 2 (dois) anos, obser-
período.
vados os requisitos e condições estabelecidos. Art. 104 Para a apuração do desempenho do servidor,
Art. 93 O Profissional da Educação deverá apresentar serão utilizadas as avaliações de desempenho executadas,
junto a Secretaria Municipal de Educação a documentação acompanhadas e validadas anualmente pela Comissão de
referente aos incisos I e II do art. 91 para análise no mês de Avaliação de Desempenho.
julho de cada ano. Art. 105 Para efeito de apuração, controle e acompa-
Art. 94 A evolução funcional será processada e homo- nhamento da evolução funcional, seja pela via acadêmica
logada até o mês de novembro de cada ano e concedida a ou pela via não acadêmica, a Administração deverá valer-
partir do mês de janeiro do ano seguinte. -se de apontamentos apropriados, que obrigatoriamente
Art. 95 A forma de entrega da documentação será re- deverão fazer parte do prontuário individual do servidor
gulamentada por meio de ato normativo da Secretaria Mu- integrante do Quadro dos Profissionais da Educação.
nicipal de Educação. Art. 106 A Secretaria Municipal de Educação elabo-
Art. 96 A cada 100 (cem) pontos o Profissional da Edu- rará lista contendo a classificação dos Profissionais aptos
cação terá a evolução para o nível imediatamente superior à evolução funcional, pela via acadêmica ou pela via não
garantido o padrão em que o mesmo se encontra dentro acadêmica, que deverá ser publicada na forma da Lei, ob-
da referência na tabela de vencimento a que pertence. servando-se rigorosamente suas posições, para efeito da
Art. 97 Consideram-se impedidos de usufruir dos be- concessão da vantagem a que fizer jus o docente.
Art. 107 Ao servidor integrante do Quadro dos Profis-
nefícios da evolução funcional prevista nesta Lei, os inte-
sionais da Educação que, ao final do tempo exigido para
grantes do quadro dos Profissionais da Educação:
concorrer à sua evolução funcional não atingir as condições
I - afastados para ocupar cargos de provimento em e requisitos necessários para sua evolução na carreira, será
comissão em outros órgãos ou funções fora da Rede Mu- assegurado o direito de pleiteá-la nos exercícios seguintes.
nicipal de Ensino ou na própria Secretaria Municipal de Art. 108 Para efeito do enquadramento e da evolução
Educação em funções que não correlatas à docência ou às funcional constantes desta Lei, serão utilizadas as tabelas
funções de apoio pedagógico; de vencimento constantes desta Lei.
II - que sofreram pena de suspensão, após processo
administrativo transitado em julgado, no interstício da evo- SUBSEÇÃO I
lução corrente; DOS REQUISITOS E CONDIÇÕES PARA A EVOLUÇÃO
III - que tiveram em seu prontuário apontamento de FUNCIONAL PELA VIA ACADÊMICA
advertências acima de 2 (duas) ocorrências, no interstício
da evolução corrente; Art. 109 A evolução funcional pela via acadêmica tem
IV - que tiveram em seu prontuário o apontamento de por objetivo reconhecer a formação acadêmica do Profis-
5 (cinco) ou mais faltas injustificadas, no interstício da evo- sional da Educação, no respectivo campo de atuação, como
lução corrente; um dos fatores relevantes para a melhoria de seu trabalho.

367
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Art. 110 Fica assegurada a evolução funcional pela via vos ou não, exceto os afastamentos previstos para exercer
acadêmica por enquadramento no nível imediatamente su- atividades correlatas às de docência ou de suporte peda-
perior a que se encontra dentro do padrão na respectiva gógico e os afastamentos previstos na Constituição Fede-
referência das tabelas de vencimento constantes desta Lei. ral.
Art. 111 A pontuação para a evolução funcional pela
via acadêmica será: SEÇÃO III
I - por curso de graduação na área de atuação, caso DA EVOLUÇÃO FUNCIONAL DOS PROFISSIONAIS DA
o Profissional da Educação não possua ou não o tenha EDUCAÇÃO DE APOIO INDIRETO
utilizado para o provimento do cargo serão contados 100
(cem) pontos;
Art. 119 A evolução funcional é a passagem do ocu-
II - para cada curso de pós-graduação “latu sensu” ou
de especialização, na área de atuação, com carga horária pante de cargo de provimento efetivo da carreira dos Pro-
mínima de 360 (trezentas e sessenta) horas, contando 80 fissionais da Educação de apoio indireto do nível em que
(oitenta) pontos; se encontra para o nível imediatamente superior dentro da
III - para a conclusão de curso de mestrado, na área de tabela de vencimento, mediante avaliação de indicadores
atuação, contando 300 (trezentos) pontos; de crescimento da sua capacidade profissional pela:
IV - para a conclusão de curso de doutorado, na área I - via acadêmica, considerado o fator aumento da es-
de atuação, contando 500 (quinhentos) pontos. colaridade com base nos requisitos de provimento do car-
Art. 112 Serão aceitos, para os efeitos previstos para a go de provimento efetivo ocupado e a escolaridade efetiva
apresentação de título de mestre ou de doutor, respectiva- do servidor;
mente, certificados de conclusão de curso de pós-gradua- II - via não acadêmica, que terá por base os resultados
ção “strictu sensu”, devidamente credenciados, desde que obtidos nos processos de avaliação de desempenho e for-
contenham dados referentes à aprovação da dissertação mação profissional, visando o reconhecimento do mérito
ou da defesa de tese. funcional e a otimização do potencial individual.
Parágrafo Único - Os títulos previstos no “caput” serão Art. 120 A contagem dos pontos referentes a evolução
considerados uma única vez, vedada sua acumulação. funcional dar-se-á a cada período de 2 (dois) anos, obser-
Art. 113 Para os fins previstos nesta Lei, somente serão vados os requisitos e condições estabelecidos.
considerados os títulos que guardem estreito vínculo de
Art. 121 O Profissional da Educação deverá apresentar
ordem programática com a natureza das disciplinas, objeto
junto a Secretaria Municipal de Educação a documentação
da área de atuação do Profissional da Educação.
referente aos incisos I e II do Art. 119 para análise no mês
Art. 114 Caberá a Secretaria Municipal de Educação a
análise preliminar dos títulos apresentados pelos Profissio- de agosto de cada ano.
nais da Educação. Art. 122 A evolução funcional será processada e homo-
logada até o mês de dezembro de cada ano e concedida a
SUBSEÇÃO II partir do mês de fevereiro do ano seguinte.
DOS REQUISITOS E CONDIÇÕES PARA A EVOLUÇÃO Art. 123 A forma de entrega da documentação será
FUNCIONAL PELA VIA NÃO ACADÊMICA regulamentada por meio de ato normativo da Secretaria
Municipal de Educação.
Art. 115 Somente poderá concorrer à evolução funcio- Art. 124 Consideram-se impedidos de usufruir dos be-
nal pela via não acadêmica, o Profissional da Educação que, nefícios da evolução funcional prevista nesta Seção, os in-
cumulativamente: tegrantes do quadro dos Profissionais da Educação:
I - tiver cumprido, no mínimo, 2 (dois) anos de efetivo I - afastados para ocupar cargos de provimento em
exercício no nível em que estiver enquadrado; comissão em outros órgãos ou em funções que não cor-
II - perfazer um total mínimo de 100 (cem) pontos em relatas às atribuições de seu cargo de provimento efetivo;
cursos de formação no respectivo campo de atuação, no II - que sofreram pena de suspensão, após processo
interstício da evolução corrente. administrativo transitado e julgado, no interstício da evo-
Art. 116 Consideram-se cursos de formação no res-
lução corrente;
pectivo campo de atuação, todos aqueles realizados por
III - que tiveram em seu prontuário apontamento de
instituições credenciadas, aos quais serão atribuídos pon-
advertências acima de 2 (duas) ocorrências, no interstício
tos, de acordo com a sua especificidade e a tabela anexa à
presente Lei. da evolução corrente;
Art. 117 A pontuação de que trata o inciso II do Art. IV - que tiveram em seu prontuário o apontamento de
115, será distribuída da seguinte forma: 05 (cinco) ou mais faltas justificadas e injustificadas, no in-
I - 60 (sessenta) pontos, referentes à participação em terstício da evolução corrente;
cursos espontâneos de auto-desenvolvimento profissional; V - que estiver licenciado, por período superior a 180
II - 40 (quarenta) pontos, referentes à participação em (cento e oitenta) dias, no interstício da evolução corrente,
cursos promovidos pela Secretaria Municipal de Educação. excluída a licença à gestante, a licença à adotante e a licen-
Art. 118 O período de efetivo exercício será interrom- ça em virtude de acidente em serviço ou para tratamento
pido sempre que houver qualquer afastamento ou licença de doença profissional.
por prazo igual ou superior a 90 (noventa) dias, consecuti-

368
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

SUBSEÇÃO I Art. 134 A progressão funcional será processada até o


DOS REQUISITOS E CONDIÇÕES PARA A EVOLUÇÃO último dia do mês subsequente em que o servidor com-
FUNCIONAL PELA VIA ACADÊMICA pletar o período de efetivo exercício constante do Art. 133.
Art. 135 Os direitos e vantagens decorrentes da pro-
Art. 125 A evolução funcional pela via acadêmica tem gressão funcional serão percebidos a partir do primeiro dia
por objetivo reconhecer a formação do Profissional da Edu- do mês subsequente a que foi processada.
cação como um dos fatores relevantes para a melhoria de
seu trabalho. SEÇÃO V
Art. 126 Fica assegurada a evolução funcional pela via DOS VENCIMENTOS
acadêmica por enquadramento no nível imediatamente su-
perior a que se encontra dentro do padrão na respectiva Art. 136 Os vencimentos do ocupante de cargo de pro-
referência das tabelas de vencimento constantes desta Lei. vimento efetivo da carreira dos Profissionais da Educação
Art. 127 A pontuação para a evolução funcional pela correspondem ao valor constante da tabela de vencimento
via acadêmica será: a que pertence, acrescido das vantagens pecuniárias a que
I - para cada conclusão de nível de escolaridade adicio- fizer jus.
nal ao exigido para o provimento do cargo efetivo ocupa-
do, contando 100 (cem) pontos; Capítulo VI
II - para a conclusão de curso superior, na área de atua- DA FORMAÇÃO
ção, contando 100 (cem) pontos.
Art. 128 Os títulos previstos nesta Lei serão pontuados Art. 137 A formação dos Profissionais da Educação,
uma única vez, vedada sua acumulação. objetivando o aprimoramento permanente do ensino e a
Art. 129 Caberá a Secretaria Municipal de Educação a evolução na carreira, será assegurada por meio de cursos
análise preliminar dos títulos apresentados. de formação, aperfeiçoamento ou especialização, em ins-
tituições credenciadas, de programas de aperfeiçoamento
SUBSEÇÃO II
em serviço e de outras atividades de atualização profissio-
DOS REQUISITOS E CONDIÇÕES PARA A EVOLUÇÃO
nal, observados os programas prioritários.
FUNCIONAL PELA VIA NÃO ACADÊMICA
Art. 138 Os cursos e programas de que trata o Art. 137
poderão ser desenvolvidos por meio de parcerias ou con-
Art. 130 Somente poderá concorrer à evolução funcio-
vênios com instituições de ensino e pesquisa que mante-
nal pela via não acadêmica, o Profissional da Educação que,
nham atividades nas áreas da educação, inclusive adminis-
cumulativamente:
I - tiver cumprido, no mínimo, 2 (dois) anos de efetivo trativa e operacional.
exercício no nível em que estiver enquadrado; Art. 139 Na elaboração da proposta de formação, de-
II - perfazer um total mínimo de 50 (cinquenta) pontos verão ser levadas em consideração as prioridades das áreas
em cursos de formação no respectivo campo de atuação, curriculares carentes de docentes, a situação funcional e a
no interstício da evolução corrente. utilização de metodologias de ensino diversificadas.
Art. 131 Consideram-se cursos de formação no respec- Art. 140 A licença para formação consiste no afasta-
tivo campo de atuação, todos aqueles realizados por ins- mento de suas funções do servidor admitido para cargo de
tituições credenciadas, aos quais serão atribuídos pontos, provimento efetivo, computado o tempo de afastamento
de acordo com a sua especificidade e a tabela constante para todos os fins de direito, com ou sem prejuízo de seus
desta Lei. vencimentos.
Art. 132 O período de efetivo exercício de que trata o Parágrafo Único - A licença de que trata o “caput” será
inciso I do Art. 130 será interrompido sempre que houver concedida apenas uma vez, para frequência a cursos de
qualquer afastamento ou licença por prazo igual ou su- mestrado ou doutorado, em instituições credenciadas.
perior a 90 (noventa) dias, consecutivos ou não, exceto os
afastamentos previstos para exercer atividades correlatas Capítulo VII
às atribuições de seu cargo de provimento efetivo, exce- DA CONTAGEM DOS PRAZOS
tuando-se os afastamentos previstos na Constituição Fe-
deral. Art. 141 Os prazos previstos nesta Lei para os Profissio-
nais da Educação serão contados nos termos da legislação
SEÇÃO IV federal em vigor.
DA PROGRESSÃO FUNCIONAL POR TEMPO DE SERVI-
ÇO DOS PROFISSIONAIS DA EDUCAÇÃO Capítulo VIII
DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 133 A progressão funcional por tempo de serviço SEÇÃO I
dos Profissionais da Educação, consistirá na passagem do DA IMPLANTAÇÃO DO PLANO DE CARREIRA E VENCI-
padrão de vencimento em que se encontra para o padrão MENTO
seguinte dentro da referência na tabela de vencimento cor-
respondente ao seu cargo de provimento efetivo e ocorre- Art. 142 Os cargos de provimento efetivo dos Profissio-
rá a cada período de 05 (cinco) anos. nais da Educação são os constantes dos anexos desta Lei.

369
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Art. 143 O enquadramento inicial da carreira dar-se-á SEÇÃO II


com os admitidos para cargos de provimento efetivo, aten- DAS DISPOSIÇÕES FINAIS
didas as exigências mínimas constantes dos requisitos de
provimento. Art. 154 A proporcionalidade para contratação do Pro-
Art. 144 O Professor de Educação Básica I e II e o Pro- fessor de Educação Básica Adjunto será de 1 (um) cargo
fessor de Educação Básica Adjunto que venham a tomar por cada grupo de 6 (seis) classes em funcionamento na
unidade escolar.
posse após a promulgação desta Lei deverão ser imediata-
Art. 155 O disposto nesta Lei em consonância com o
mente enquadrados no nível B da tabela de vencimento a
art. 13 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 - Lei de
que pertence. Diretrizes e Bases da Educação Nacional determina que os
Art. 145 A inclusão do Professor de Educação Básica Profissionais da Educação com funções docentes incumbir-
II se dará, inicialmente, nas turmas de ensino fundamen- -se-ão de ministrar os dias letivos e horas estabelecidos,
tal e, posteriormente, permeará as outras modalidades de além de participar integralmente dos períodos dedicados
ensino. ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento pro-
Art. 146 Os Professores somente alterarão o cumpri- fissional, ou seja, todo professor em qualquer modalidade
mento de sua jornada de trabalho após o cumprimento dos de ensino, deverá apresentar disponibilidade de horário
prazos previstos na presente Lei e com expressa autoriza- específico para formação continuada, a ser definida pela
ção da Secretaria Municipal de Educação. Secretaria Municipal de Educação de Suzano.
Art. 147 Os Profissionais da Educação serão distribuí- Art. 156 As despesas decorrentes da execução desta
dos inicialmente nos padrões correspondentes ao seu tem- Lei, correrão por conta das dotações próprias constantes
po de efetivo exercício calculado nos termos da legislação no orçamento vigente, suplementadas na forma da Lei, se
necessário.
municipal específica em vigor.
Art. 148 Se o vencimento decorrente do enquadramen-
LIVRO II
to no Plano de Carreira e Vencimento for inferior ao venci- DOS SERVIDORES DA GUARDA CIVIL MUNICIPAL
mento até então percebido pelo Profissional da Educação, TÍTULO ÚNICO
ser-lhe-á assegurada a diferença, como vantagem pessoal, DO PLANO DE CARGOS, CARREIRAS E VENCIMENTOS
sobre a qual incidirão os reajustes futuros. DOS SERVIDORES DA GUARDA CIVIL MUNICIPAL
Art. 149 O enquadramento dos Profissionais da Educa- Capítulo I
ção com base na titulação de cada servidor será realizado DAS DISPOSIÇÕES PRELIMINARES
no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias, contados a
partir da data de publicação desta Lei. Art. 157 A Guarda Civil Municipal de Suzano é formada
Art. 150 Para efeito de enquadramento dos Profissio- por cargos de provimento efetivo e por cargos de provi-
nais da Educação com funções docentes, serão aceitos, mento em comissão, regidos em tudo o que couber, pela
preliminarmente, certificados de conclusão de cursos de Lei Municipal que disciplina o regime jurídico dos servido-
res públicos do Município de Suzano.
graduação correspondente à licenciatura plena, desde que
devidamente reconhecidos, devendo o interessado apre-
Capítulo II
sentar, no prazo de 12 (doze) meses o diploma devidamen- DOS CARGOS E DA ESCALA HIERÁRQUICA DA GUAR-
te registrado no órgão competente. DA CIVIL MUNICIPAL
Parágrafo Único - Na hipótese de inobservância do
prazo fixado no “caput” sem a apresentação de motivos Art. 158 São cargos de provimento efetivo e cargos de
devidamente comprovados e esgotadas todas as possibi- provimento em comissão da Guarda Civil Municipal os rela-
lidades, o benefício concedido será anulado e a revogação cionados nos Quadros 1 e 2 do Anexo XIII desta Lei.
de seus efeitos retroagirá à data de sua concessão. Art. 159 A escala hierárquica da Guarda Civil Municipal,
Art. 151 Fica instituída a Comissão de Gestão do Plano bem como a quantidade de vagas em cada uma das gra-
de Carreira e Vencimento dos Profissionais da Educação, duações fica estabelecida conforme Anexo XIV desta Lei.
com a finalidade de orientar sua implantação e operacio-
nalização, incluindo o enquadramento funcional. Capítulo III
Art. 152 A Comissão de Gestão será presidida pelo DA PROGRESSÃO FUNCIONAL
Secretário Municipal de Educação e integrada por repre-
Art. 160 A progressão de uma graduação hierárquica
sentantes das Secretarias Municipais de Administração, de
para outra dar-se-á sempre que houver vagas disponíveis
Finanças e da Educação e de entidade representativa dos na graduação superior entre os servidores que obedece-
Profissionais da Educação do Município de Suzano ou co- rem os seguintes critérios:
missão composta por servidores ocupantes de cargos de I - tempo de efetivo exercício na graduação anterior;
provimento efetivo da carreira. II - possuir a escolaridade mínima exigida como requi-
Art. 153 Ato próprio do Chefe do Poder Executivo regu- sito de progressão;
lamentará o disposto no Art. 151 desta Lei. III - aprovação em curso de formação para progressão
funcional;

370
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

IV - aprovação nas avaliações de desempenho funcio- Capítulo IV


nal realizadas no interstício de cada graduação; DOS CARGOS DA GUARDA CIVIL MUNICIPAL E DA
V - estar classificado com no mínimo, comportamento FORMA DE PROVIMENTO
“bom” nos termos da legislação vigente;
VI - não estar respondendo a processo administrativo Art. 171 É parte integrante desta Lei, o Anexo XXVI con-
disciplinar; tendo a descrição das atividades de cada graduação hie-
rárquica dos cargos de provimento efetivo constantes do
VII - não ter sido condenado por crime doloso, rela-
Quadro 1 do Anexo XIII, assim como os requisitos de provi-
cionado ou não com as atribuições do cargo ou por crime
mento e os requisitos de progressão na escala hierárquica
contra a administração pública. da Guarda Civil Municipal.
Art. 161 Para efeito do inciso I do Art. 160 será contado Art. 172 Os requisitos de nomeação dos cargos de pro-
1 (um) ponto por cada ano de efetivo exercício na gradua- vimento em comissão são os constantes do Anexo XXVII
ção atual. desta Lei.
Art. 162 Para efeito do inciso II do Art. 160 serão con- Art. 173 O cargo de Subcomandante da Guarda Civil
tados: Municipal, de provimento em comissão, destina-se pre-
I - 3 (três) pontos para curso superior completo desde ferencialmente a servidor ocupante do cargo de Inspetor
que não exigido como requisito para a progressão; Chefe Regional.
II - 3 (três) pontos para cada curso de pós-graduação § 1º Na ausência de servidores do quadro de pessoal
“latu sensu” ou de especialização com carga horária míni- da Guarda Civil Municipal na graduação Inspetor Chefe Re-
ma de 360 (trezentos e sessenta) horas; gional, o Prefeito Municipal poderá nomear servidor que
III - 5 (cinco) pontos para a conclusão de curso de mes- esteja na graduação Inspetor Regional para o cargo de pro-
vimento em comissão de Subcomandante da Guarda Civil
trado;
Municipal.
IV - 7 (sete) pontos para a conclusão de curso de dou-
§ 2º Inexistindo servidor na graduação de Inspetor Re-
torado. gional, poderá o Chefe do Poder Executivo nomear livre-
Art. 163 Os títulos previstos no Art. 162 serão conside- mente o ocupante do cargo de que trata o «caput».
rados uma única vez e deverão ter estreita correlação com
as atividades da Guarda Civil Municipal e da Defesa Civil. Capítulo V
Art. 164 Caberá à Secretaria Municipal de Defesa So- DA DEFESA CIVIL
cial e Prevenção à Violência a análise preliminar dos títulos
apresentados. Art. 174 As atividades da Defesa Civil serão exercidas
Art. 165 A classificação para a progressão se dará atra- por servidores do quadro de pessoal da Guarda Civil Muni-
vés da somatória dos pontos obtidos e do cumprimento cipal selecionados através de curso de formação de agen-
dos requisitos estabelecidos nos incisos III, IV, V, VI e VII do tes da defesa civil, com carga horária de 80 (oitenta) horas,
Art. 160. sem prejuízo de suas atribuições e graduação, obedecendo
ao disposto nesta Lei.
Art. 166 A pontuação obtida pelo Servidor da Guarda
Art. 175 As atividades da Defesa Civil de ordem técnica
Civil Municipal será reduzida na seguinte proporção:
específica poderão ser exercidas por servidores do quadro
I - 0,5 (meio) ponto por cada advertência; de pessoal da Guarda Civil Municipal desde que possuam
II - 1 (um) ponto por cada repreensão. comprovada formação técnica ou superior na área de ne-
Art. 167 Para efeito do Art. 166 serão consideradas as cessidade.
penalidades disciplinares aplicadas nos últimos 2 (dois) Art. 176 Na ausência de servidor habilitado no quadro
anos a contar do dia anterior a contagem de pontos para de pessoal da Guarda Civil Municipal, poderá ser convoca-
a classificação. do servidor de outra área da Administração Municipal que
Art. 168 Caso o servidor esteja classificado com com- possua a formação necessária.
portamento “excelente” nos termos da legislação em vigor, Art. 177 Caso não seja possível a convocação conforme
fará jus a um acréscimo de 5 (cinco) pontos na classificação. o Art. 173, deverá a Secretaria Municipal de Defesa Social e
Art. 169 Nos casos em que os servidores classificados Prevenção à Violência providenciar, nos moldes da legisla-
atinjam a mesma pontuação serão adotados os seguintes ção em vigor, a contratação de profissional ou serviço con-
critérios para desempate: forme a necessidade da Defesa Civil.
Art. 178 Fica estabelecido em 10% (dez por cento) a
I - maior tempo de efetivo exercício;
quantidade de servidores do quadro de pessoal da Guarda
II - maior nível de escolaridade;
Civil Municipal para prestar serviço na Defesa Civil.
III - maior idade; Art. 179 O Coordenador Geral da Defesa Civil será es-
IV - maior número de dependentes. colhido entre os servidores que ocupam a graduação de
Art. 170 A Secretaria Municipal de Defesa Social e Pre- Guarda Civil Municipal Inspetor Regional.
venção à Violência em conjunto com a Diretoria de Recur- Parágrafo Único - Inexistindo servidores na graduação
sos Humanos dará publicidade a relação dos servidores de Guarda Civil Municipal Inspetor Regional, a coordenação
classificados para a progressão na escala hierárquica. de que trata o “caput” será designada a servidor na gradua-
ção imediatamente inferior, até que seja suprida a função.

371
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Art. 180 Os servidores do quadro de pessoal da Guarda Art. 185 A grade curricular dos cursos de formação de
Civil Municipal selecionados para as atividades da Defesa que trata o art. 184 serão elaboradas pela Secretaria Muni-
Civil cumprirão jornada de trabalho especial no regime de cipal de Defesa Social e Prevenção à Violência.
escala de 12 (doze) horas trabalhadas com 36 (trinta e seis) Parágrafo Único - A grade curricular do curso de for-
horas de descanso. mação para admissão terá como base a Matriz Curricular
Nacional editada pelo Ministério da Justiça ou pela Secre-
Capítulo VI taria Nacional de Segurança Pública.
DA FORMAÇÃO Art. 186 O participante do curso de formação para ad-
missão deverá:
Art. 181 Fica criado o Centro de Formação e Ensino da I - usar uniforme específico à graduação em que se en-
Guarda Civil Municipal e Defesa Civil destinado a promover contra, fornecido pela Guarda Civil Municipal;
cursos de formação para admissão, para progressão fun- II - portar, permanentemente, crachá provisório emiti-
cional, para especialização e de requalificação profissional. do pelo Centro de Formação e Ensino da Guarda Civil Mu-
Art. 182 O Centro de Formação e Ensino da Guarda nicipal e Defesa Civil.
Civil Municipal e Defesa Civil deverá promover pesquisas e Parágrafo Único - Durante o período o curso de forma-
metodologias para a formação educacional dos servidores ção para admissão, o participante receberá a denominação
da Guarda Civil Municipal e da Defesa Civil e executará o de “ALUNO GCM”.
controle e a avaliação do processo e da metodologia peda- Art. 187 Será considerado aprovado nos cursos de for-
gógica de formação. mação constantes do art. 181 o participante ou servidor
Art. 183 Para o cumprimento de seus objetivos edu- que:
cacionais, a Administração poderá firmar convênios de I - apresentar nota final igual ou superior a 7 (sete);
cooperação ou contratar instituições especializadas para o II - não apresentar nota igual a 0 (zero) em nenhuma
suporte técnico-pedagógico e promoção de cursos, semi- das disciplinas curriculares;
nários e palestras em conjunto com o Centro de Formação III - ter frequência presencial de 100% (cem por cento);
IV - ter conceito, no mínimo normal, na avaliação do
e Ensino da Guarda Civil Municipal e Defesa Civil.
estágio profissional constante do § 2º e § 3º do art. 181.
Art. 184 Os cursos de formação promovidos pelo Cen-
Art. 188 O participante ou servidor que ao final do cur-
tro de Formação e Ensino da Guarda Civil Municipal e De-
so de formação apresentar nota final igual ou superior a 3
fesa Civil terão a seguinte carga horária:
(três) e inferior a 7 (sete) e cumprir os requisitos constantes
I - curso de formação para admissão, 640 (seiscentos e
dos incisos II, III e IV, do Art. 187, serão submetidos a curso
quarenta) horas;
de revisão geral com grade curricular de todas as discipli-
II - curso de formação para progressão funcional para
nas cursadas e avaliação final.
Guarda Civil Municipal 2ª Classe, Guarda Civil Municipal
Art. 189 A nota final para aprovação no curso de revi-
1ª Classe e Guarda Civil Municipal Inspetor Regional, 100 são geral deverá ser igual ou superior a 7 (sete).
(cem) horas; Art. 190 A carga horária do curso de revisão geral será
III - curso de formação para progressão funcional para definida pela Secretaria Municipal de Defesa Social e Pre-
Guarda Civil Municipal Classe Distinta, 250 (duzentos e cin- venção à Violência ouvido o Comando Geral e o Centro de
quenta) horas; Formação e Ensino da Guarda Civil Municipal e Defesa Civil.
IV - curso de formação para progressão funcional para Art. 191 A frequência presencial de que trata o inciso
Guarda Civil Municipal 2º Inspetor e Guarda Civil Municipal III do Art. 181 será calculada levando em consideração o
1º Inspetor, 150 (cento e cinquenta) horas. disposto na legislação correlata.
§ 1º As cargas horárias dos cursos descritas no «caput»
são obrigatórias e mínimas, podendo ser ampliadas caso Capítulo VII
exista necessidade, a critério da Secretaria Municipal de DA EVOLUÇÃO FUNCIONAL POR TEMPO DE SERVIÇO
Defesa Social e Prevenção à Violência.
§ 2º Na carga horária do curso de formação para ad- Art. 192 A evolução funcional por tempo de serviço
missão está previsto estágio profissional com avaliação de será aplicada a cada 3 (três) anos de efetivo exercício con-
caráter eliminatório, que consiste na avaliação do servidor siderando-se a graduação em que o servidor ocupante do
no desempenho das atribuições do cargo de provimento cargo de provimento efetivo de Guarda Civil Municipal es-
efetivo. tiver enquadrado.
§ 3º A avaliação de que trata o § 2º deverá ser relatada § 1º Para efeito da aplicação do disposto no «caput»,
em formulário específico elaborado pela Secretaria Muni- considera-se evolução funcional a passagem do padrão de
cipal de Defesa Social e Prevenção à Violência com base vencimento em que o servidor se encontra para o subse-
em critérios determinados pelo Comando Geral com base quente dentro da sua graduação.
na situação-problema e o contexto a que cada participante § 2º A contagem de tempo de efetivo exercício para
for submetido. efeito da evolução funcional inicia-se após o enquadra-
§ 4º Os cursos de formação de que trata o «caput» te- mento a ser realizado nos termos desta Lei.
rão validade de 12 (doze) meses contados a partir da data Art. 193 Os servidores do quadro de pessoal da Guarda
de publicação dos aprovados. Civil Municipal que na data de publicação desta Lei apresentar:

372
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

I - de 5 (cinco) a 10 (dez) anos de efetivo exercício po- II - elogios.


derá disputar a progressão funcional para as graduações Art. 201 As condecorações constituem-se em referên-
de Guarda Civil Municipal 1ª Classe e Guarda Civil Munici- cias honrosas e insígnias conferidas aos integrantes do
pal Classe Distinta; quadro de pessoal da Guarda Civil Municipal por sua atua-
II - mais de 11 (onze) anos de efetivo exercício pode- ção em ocorrências de relevo na preservação da vida, da
rá disputar a progressão funcional para as graduações de integridade física, da ordem pública, do bem-estar social e
Guarda Civil Municipal 1ª Classe, Guarda Civil Municipal do patrimônio municipal, podendo ser formalizadas inde-
Classe Distinta e Guarda Civil Municipal 2º Inspetor. pendentemente da classificação de comportamento, com
Parágrafo Único - O servidor deverá utilizar a prerroga- a devida publicidade nos termos da legislação vigente e
tiva do “caput” no prazo improrrogável de até dois anos e registro em prontuário.
meio a contar da publicação desta Lei. Art. 202 Elogio é o reconhecimento formal da Adminis-
tração às qualidades morais e profissionais do servidor do
Capítulo VIII quadro de pessoal da Guarda Civil Municipal, com a devida
DO ENQUADRAMENTO DOS ATUAIS SERVIDORES DA publicidade nos termos da legislação vigente e registro em
GUARDA CIVIL MUNICIPAL prontuário.
Art. 203 As recompensas funcionais previstas nesta Lei
Art. 194 Quando da publicação desta Lei, os servidores serão conferidas por orientação do Comandante Geral da
do quadro de pessoal da Guarda Civil Municipal serão en- Guarda Civil Municipal e determinação da autoridade com-
quadrados na graduação de Guarda Civil Municipal corres- petente.
pondente ao seu tempo de efetivo exercício.
§ 1º O enquadramento de que trata o «caput» será li- Capítulo X
mitado a graduação Guarda Civil Municipal 1ª Classe e ao DO EFETIVO DA GUARDA CIVIL MUNICIPAL
cumprimento dos requisitos de progressão de cada gra-
duação. Art. 204 Para efeito da definição do efetivo da Guarda
§ 2º Nos termos do «caput», os servidores que ocupam Civil Municipal, poderão ser destinados até 30% (trinta por
o emprego público de Guarda Inspetor serão enquadrados cento) das vagas dos cargos de provimento efetivo para a
na graduação de Guarda Civil Municipal 1º Inspetor. formação de um batalhão feminino.
§ 3º O servidor enquadrado nos termos do § 2º poderá Parágrafo Único - A definição da quantidade de vagas
disputar a progressão funcional para a graduação de Guar- que serão destinadas ao batalhão feminino será através do
da Civil Municipal Inspetor Regional desde que preencha edital de concurso público.
os requisitos de progressão no prazo de até 03 anos conta- Art. 205 Para o cálculo do pessoal efetivo da Guarda
dos da vigência desta lei. Civil Municipal de Suzano será considerado o índice equi-
Art. 195 Além do enquadramento na graduação nos valente a 0,1% (um décimo por cento) da população total
termos desta Lei, o servidor deverá ser enquadrado no pa- do Município conforme apurado pelo Instituto Brasileiro de
drão de vencimento dentro da graduação a que pertence Geografia e Estatística - IBGE.
considerando o seu tempo de serviço.
Art. 196 Para o cálculo do tempo de serviço conside- Capítulo XI
ra-se a permanência em cada um dos padrões de venci- DAS DISPOSIÇÕES GERAIS
mento pelo período de 3 (três) anos de efetivo exercício na
graduação. Art. 206 Os servidores não estáveis e não efetivos ocu-
pantes dos empregos constantes do Anexo XVI não farão
Capítulo XIX jus a progressão funcional na escala hierárquica, devendo
DOS VENCIMENTOS E DAS RECOMPENSAS seu enquadramento se dar na referência da escala hierár-
quica correspondente a Guarda Civil Municipal 2ª Classe.
Art. 197 Os vencimentos dos ocupantes dos cargos de
provimento efetivo e de provimento em comissão obede- Art. 207 As insígnias a serem utilizadas nos uniformes
cerão ao disposto nas Tabelas 1 e 2 do Anexo XV, partes dos membros da Guarda Civil Municipal de Suzano serão
integrantes desta Lei. instituídas através de ato próprio do Chefe do Poder Exe-
Art. 198 Além do vencimento constante do anexo pró- cutivo.
prio desta Lei, o servidor do quadro de pessoal da Guarda
Civil Municipal poderá receber as vantagens e recompen- LIVRO COMPLEMENTAR
sas funcionais, nos termos da legislação vigente. TÍTULO ÚNICO
Art. 199 As recompensas funcionais constituem-se em DAS DISPOSIÇÕES GERAIS E FINAIS
reconhecimento aos bons serviços, atos meritórios e traba-
lhos relevantes prestados pelo servidor do quadro de pes- Art. 208 Os prazos previstos nesta Lei serão contados
soal da Guarda Civil Municipal. em dias corridos, excluindo-se o dia do começo e incluin-
Art. 200 São recompensas funcionais da Guarda Civil do-se o do vencimento, ficando prorrogado, para o primei-
Municipal: ro dia útil seguinte o prazo vencido em dia em que não
I - condecorações por serviços prestados; haja expediente.

373
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

Art. 209 O Chefe do Poder Executivo expedirá os atos subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma
necessários à execução da presente Lei. de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandona-
Art. 210 Ficam revogadas expressamente as alíneas “b” do; VII - programas de prevenção e atendimento especiali-
e “c”, do inciso I, do Art. 3º, da Lei Municipal nº 4.174, de 27 zado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de
de setembro de 2007. entorpecentes e drogas afins”.
Art. 211 As despesas decorrentes da execução da pre-
sente Lei correrão a conta de verbas próprias do orçamen- 2. (Alternative Concursos/2017 - Prefeitura de Sul
to vigente e futuros, autorizadas desde já eventuais suple- Brasil/SC - Agente Educativo) De acordo com o Estatuto
mentações se necessárias. da Criança e do Adolescente, Lei n.º 8.069/90, art. 60, é
Art. 212 Esta Lei entra em vigor no primeiro dia útil do proibido qualquer trabalho a menores:
mês subsequente a sua publicação. a) De quatorze anos de idade, inclusive na condição de
Paço Municipal “Prefeito Firmino José da Costa”, 08 de aprendiz.
julho de 2010, 61º da Emancipação Político-Administrativa. b) De quatorze anos de idade, salvo na condição de
aprendiz.
c) De dezesseis anos de idade, salvo na condição de
aprendiz.
EXERCÍCIOS d) De dezesseis anos de idade, inclusive na condição
de aprendiz.
1. (FCC/2014 - Prefeitura de Recife/PE - Procurador) e) De dezessete anos de idade, inclusive na condição
Nos termos do art. 226 da Constituição Federal, “a família, de aprendiz.
base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. Entre
os aspectos abrangidos pelo direito à proteção especial, se- R: B. Em que pese o teor do art. 64 do ECA, que po-
gundo o texto constitucional, encontram-se os seguintes: deria dar a entender que um menor de 14 anos pode tra-
a) garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; e balhar, prevalece o que diz o texto da Constituição Federal:
obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade
“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais,
e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvi-
além de outros que visem à melhoria de sua condição so-
mento, quando da aplicação de qualquer medida privativa
cial: [...] XXXIII - proibição de trabalho noturno, perigoso ou
da liberdade.
insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a
b) garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; e
menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz,
acesso universal à educação infantil, em creche e pré-esco-
a partir de quatorze anos”. Logo, o menor pode trabalhar
la, às crianças até 5 (cinco) anos de idade.
em qualquer serviço, desde que não seja noturno, perigoso
c) erradicação do analfabetismo; e estímulo do Poder
e insalubre, dos 16 aos 18 anos; e entre 14 e 16 anos ape-
Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e
subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma nas pode trabalhar como aprendiz.
de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado.
d) punição severa ao abuso, à violência e à exploração 3. (FCC/2016 - AL-MS - Agente de Polícia Legislati-
sexual da criança e do adolescente; e garantia às presidiá- vo) Sobre a adoção, nos termos preconizados pelo Estatu-
rias de condições para que possam permanecer com seus to da Criança e do Adolescente,
filhos durante o período de amamentação. a) o adotante deve ser, no mínimo, 18 anos mais velho
e) punição severa ao abuso, à violência e à exploração que o adotando.
sexual da criança e do adolescente; e estímulo do Poder b) é permitida a adoção por procuração.
Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e c) se um dos cônjuges adota o filho do outro, mantêm-
subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de -se os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge do
guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado. adotante e os respectivos parentes.
d) é vedada a adoção conjunta pelos divorciados, sepa-
R: A. O artigo 227, §3º, CF fixa os aspectos que abran- rados judicialmente e pelos ex-companheiros.
gem a proteção especial da criança e do adolescente: “I - e) o estágio de convivência que precede a adoção não
idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, poderá, em nenhuma hipótese, ser dispensado pela auto-
observado o disposto no art. 7º, XXXIII; II - garantia de di- ridade judiciária.
reitos previdenciários e trabalhistas; III - garantia de acesso
do trabalhador adolescente e jovem à escola; IV - garantia R: C. Neste sentido, disciplina o art. 41, § 1º, ECA: “Se
de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato in- um dos cônjuges ou concubinos adota o filho do outro,
fracional, igualdade na relação processual e defesa técnica mantêm-se os vínculos de filiação entre o adotado e o côn-
por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação juge ou concubino do adotante e os respectivos parentes”.
tutelar específica; V - obediência aos princípios de brevi- A alternativa “a” está errada porque o adotante deve ser,
dade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pelo menos, 16 anos mais velho que o adotado e possuir
pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qual- pelo menos 18 anos (art. 42, § 3º, ECA); a alternativa “b”
quer medida privativa da liberdade; VI - estímulo do Poder está incorreta porque é vedada a adoção por procuração,
Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e pois a adoção é ato personalíssimo (art. 39, § 2º, ECA); a

374
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

alternativa “d” está incorreta porque é possível a adoção b) ao respeito, consistente na inviolabilidade da sua
conjunta desde que preencha os requisitos de serem casa- integridade física, psíquica e moral, abrangendo a preser-
dos civilmente ou mantenham união estável, comprovada vação da imagem, da identidade, da autonomia, de seus
a estabilidade da família (art. 42, § 1º, ECA); e a alternativa valores, ideias e crenças, excluída a tutela dos seus espaços
“e” está incorreta porque pode ser dispensado o estágio de e objetos pessoais.
convivência quando o adotando já estiver sob a tutela ou c) de serem educados e cuidados sem o uso de castigo
guarda do adotante (art. 46, § 1º, ECA). físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas
de correção, disciplina, educação ou a qualquer outro pre-
4. (FCC/2016 - AL-MS - Agente de Polícia Legislati- texto, por parte dos pais, de integrantes da família amplia-
vo) Sobre a prática de ato infracional à luz do Estatuto da da, dos responsáveis, dos agentes públicos executores de
Criança e do Adolescente, é INCORRETO afirmar que a medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarre-
a) medida socioeducativa de internação pode ser de- gada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los.
terminada por descumprimento reiterado e injustificável da d) de serem criados e educados no seio de sua família
medida anteriormente imposta. biológica, não se admitindo a sua inserção em família subs-
b) internação, antes da sentença, poderá ser determi- tituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em
nada pelo prazo máximo de quarenta e cinco dias. ambiente que garanta seu desenvolvimento integral.
c) medida socioeducativa de internação não pode-
rá exceder em nenhuma hipótese três anos, liberando-se R: C. Nestes termos, preconiza o artigo 18-A do ECA:
compulsoriamente o menor infrator aos vinte e um anos “A criança e o adolescente têm o direito de ser educados
de idade. e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento
d) medida socioeducativa de liberdade assistida será cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina,
fixada pelo prazo mínimo de trinta dias, podendo a qual- educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos
quer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pe-
outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e los agentes públicos executores de medidas socioeduca-
o defensor. tivas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles,
e) remissão não implica necessariamente o reconhe- tratá-los, educá-los ou protegê-los”. A alternativa “a” está
cimento ou comprovação da responsabilidade, nem pre- errada porque o artigo 16 do ECA fixa que o direito à liber-
valece para efeito de antecedentes, podendo incluir even- dade envolve os seguintes aspectos: “I - ir, vir e estar nos
tualmente a aplicação de qualquer das medidas previstas logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas
em lei, exceto a colocação em regime de semiliberdade e as restrições legais; II - opinião e expressão; III - crença e
a internação. culto religioso; IV - brincar, praticar esportes e divertir-se;
V - participar da vida familiar e comunitária, sem discrimi-
R: D. A lei exige como prazo mínimo de medida so- nação; VI - participar da vida política, na forma da lei;
cioeducativa o período de 6 meses, conforme art. 118, § 2º, VII - buscar refúgio, auxílio e orientação”. A alternativa “b”
ECA, não 30 dias conforme a alternativa “d”, razão pela qual está errada porque o artigo 17 do ECA prevê que “o direito
está incorreta. A alternativa “a” está prevista no art. 122, § ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física,
1º, ECA; a alternativa “b” está prevista no art. 108 do ECA; psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo
a alternativa “c” está prevista no art. 121, §§ 3º e 5º, ECA; a a preservação da imagem, da identidade, da autonomia,
alternativa “e” está prevista no art. 127 ECA. dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pes-
soais”. A alternativa “d” está errada porque o artigo 18 do
5. (COMPERVE/2016 - Câmara de Natal/RN - Guar- ECA assegura que “é direito da criança e do adolescente ser
da Legislativo) As crianças e os adolescentes, qualificados criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmen-
pelo direito hoje vigente como pessoas em desenvolvimen- te, em família substituta, assegurada a convivência familiar
to, receberam do direito positivo brasileiro, tutela especial e comunitária, em ambiente que garanta seu desenvolvi-
através da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, mais conhe- mento integral”.
cida como Estatuto da Criança e do Adolescente. Seguindo
as diretrizes traçadas pela Constituição de 1988, o Estatuto 6. (FUNRIO/2016 - IF-PA - Assistente de Alunos)
da Criança e do Adolescente trouxe a previsão normativa Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei
da absoluta prioridade e de variados direitos fundamentais. 8.069/90), é considerado criança
Em tal seara, foi determinado que as crianças e os adoles- a) a pessoa até seis anos incompletos de idade.
centes têm direito, b) a pessoa até oito anos incompletos de idade.
a) à liberdade, de forma a compreender a liberdade de c) a pessoa até 12 anos incompletos de idade.
ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitá- d) a pessoa até 18 anos incompletos de idade.
rios, ressalvadas as restrições legais; a liberdade de opinião e) a pessoa até 14 anos incompletos, desde que não
e de expressão; a liberdade de brincar e de praticar espor- tenha cometido nenhum crime.
tes, a liberdade de participar da vida familiar e comunitária;
a liberdade de buscar refúgio, auxílio e orientação, excetua- R: C. O Estatuto da Criança e do Adolescente opta por
das dessa tutela a liberdade de crença e culto religioso e de categorizar separadamente estas duas categorias de me-
participar da vida política. nores. Criança é aquele que tem até 12 anos de idade (na

375
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

data de aniversário de 12 anos, passa a ser adolescente), c) A garantia de prioridade para o adolescente com-
adolescente é aquele que tem entre 12 e 18 anos (na data preende a primazia na formulação das políticas sociais pú-
de aniversário de 18 anos, passa a ser maior), conforme o blicas para o lazer.
artigo 2º do ECA. d) Na aplicação dessa Lei, deverão ser levados em con-
ta os fins políticos a que ela se destina.
7. (FUNRIO/2016 - IF-PA - Assistente de Alunos) A e) Destinação privilegiada de recursos públicos nas
intenção principal do Estatuto da Criança e do Adolescente áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.
(Lei nº 8.069/90) é
a) prover uma boa escola para que crianças e adoles- R: E. Conforme o artigo 4º, parágrafo único, ECA, “a
centes possam trabalhar o mais cedo possível. garantia de prioridade compreende: [...] d) destinação pri-
b) questionar políticas sociais que venham a proteger vilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com
quem não merece. a proteção à infância e à juventude”.
c) distribuir renda entre os mais empobrecidos da po-
pulação. 10. (Prefeitura de Cruzeiro - SP - Auxiliar de Desen-
d) proteger integralmente crianças e adolescentes, ga- volvimento Infantil - Instituto Excelência/2016) Assinale
rantindo políticas públicas neste sentido. a alternativa CORRETA conforme o artigo 15 do ECA:
e) proteger crianças e adolescentes da prisão. a) na dignidade da criança e do adolescente, pondo-os
a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, ater-
R: D. Conforme o artigo 1º do ECA, “esta Lei dispõe rorizante, vexatório ou constrangedor.
sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”. O b) no direito de ser educados e cuidados sem o uso de
princípio da proteção integral se associa ao princípio da castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como
prioridade absoluta, colacionado no artigo 4º do ECA e no formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro
artigo 227, CF. De uma doutrina da situação irregular, o di- pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada,
reito evoluiu e passou a contemplar uma noção de prote- pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de
ção mais ampla da criança e do adolescente, que não ape- medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarre-
gada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los.
nas abordasse situações de irregularidade (embora ainda
c) no direito à liberdade, ao respeito e à dignidade
o fizesse), mas que abrangesse todo o arcabouço jurídico
como pessoas humanas em processo de desenvolvimento
protetivo da criança e do adolescente, que é a doutrina da
e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garan-
proteção integral.
tidos na Constituição e nas leis.
d) na inviolabilidade da integridade física, psíquica e
8. (Prefeitura de Cruzeiro - SP - Auxiliar de Desen-
moral da criança e do adolescente, abrangendo a preserva-
volvimento Infantil - Instituto Excelência/2016) O Esta- ção da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores,
tuto da Criança e do Adolescente em seu art. 4º, parágrafo ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.
único fixa a garantia de prioridade. Assinale a alternativa
CORRETA que compreende uma dessas prioridades: R: D. Dispõe o ECA em seu artigo 15: “A criança e o
a) Nenhuma criança ou adolescente será objeto de adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à digni-
qualquer forma de negligência, descriminação e exploração. dade como pessoas humanas em processo de desenvolvi-
b) É assegurado atendimento integral á saúde da crian- mento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais
ça e do adolescente por intermédio do sistema único de garantidos na Constituição e nas leis”.
saúde.
c) Precedência de atendimento, nos serviços públicos 11. (TRT - 1ª REGIÃO - Juiz do Trabalho Substituto
ou de relevância pública. - FCC/2016) Sobre o trabalho da criança e do adolescente,
d) Manter alojamento conjunto, possibilitando ao neo- é correto afirmar:
nato a permanência junto á mãe. a) É proibido o trabalho de adolescentes em atividades
lúdicas.
R: C. Conforme o artigo 4º, parágrafo único, ECA, “a b) É proibido para os menores de 16, salvo na condição
garantia de prioridade compreende: [...] b) precedência de de aprendizes.
atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública”. c) É proibido o trabalho noturno de menores de 16
anos, salvo na condição de aprendizes.
9. (FUNDAÇÃO CASA - Agente Administrativo - VU- d) É proibido o trabalho de adolescentes em hospitais,
NESP/2010) Relativamente às Disposições Preliminares do salvo na condição de aprendizes de enfermagem.
Estatuto da Criança e do Adolescente, assinale a alternativa e) É proibido o trabalho de crianças em peças teatrais e
correta. atividades cinematográficas.
a) Considera-se criança a pessoa com até doze anos R: B. Nos termos do artigo 60, ECA, “é proibido qual-
completos, e adolescente aquela entre treze e dezoito anos quer trabalho a menores de quatorze anos de idade, sal-
de idade incompletos. vo na condição de aprendiz”. Aceita-se o trabalho como
b) Nos casos em que a lei determinar, deverá ser cons- aprendiz entre 14 e 16 anos. A partir dos 16 anos, o adoles-
tantemente aplicado o Estatuto da Criança e do Adolescen- cente pode trabalhar, não necessariamente como aprendiz,
te às pessoas entre dezenove e vinte anos de idade. embora a lei fixe outras restrições.

376
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

12. (TRT - 1ª REGIÃO - Juiz do Trabalho Substituto -


FCC/2016) A formação técnico-profissional do adolescen- ANOTAÇÕES
te NÃO deverá obedecer a
a) horário especial, estabelecido em lei.
b) horário especial, de acordo com a atividade. ___________________________________________________
c) peculiaridades do seu desenvolvimento pessoal.
d) adequação ao mercado de trabalho. ___________________________________________________
e) prevalência das atividades educativas sobre as pro-
dutivas. ___________________________________________________

___________________________________________________
R: A. Dispõe o ECA: “Art. 63. A formação técnico-profis-
sional obedecerá aos seguintes princípios: [...] III - horário ___________________________________________________
especial para o exercício das atividades”. Especificamente, o
horário deve ser fixado sem prejudicar a frequência à esco- ___________________________________________________
la (artigo 67, IV, ECA) e é proibido o trabalho noturno. En-
___________________________________________________
tretanto, a lei não fixa com precisão o horário de trabalho
permitido ao adolescente. ___________________________________________________

13. (IDECAN/2016 - UFPB - Auxiliar em Assuntos ___________________________________________________


Educacionais) Considerando a prática de ato infracional
por adolescentes e os direitos individuais assegurados, ___________________________________________________
nessa situação, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente ___________________________________________________
(ECA), assinale a alternativa correta.
a) Considera-se ato infracional a conduta descrita como ___________________________________________________
crime e não a estabelecida como contravenção penal.
b) O adolescente não pode ser privado de sua liberda- ___________________________________________________
de senão em flagrante de ato infracional ou por ordem es-
crita e fundamentada da autoridade judiciária competente. ___________________________________________________
c) O adolescente que comete ato infracional perde o ___________________________________________________
direito à identificação dos responsáveis pela sua apreensão,
devendo, contudo, ser informado acerca de seus direitos. ___________________________________________________
d) O adolescente civilmente identificado será subme-
tido à identificação compulsória pelos órgãos policiais, de ___________________________________________________
proteção e judiciais, independente se para efeito de con-
___________________________________________________
frontação em caso de dúvida fundada.
___________________________________________________
R: B. Conforme preconiza o art. 106, “nenhum adoles-
cente será privado de sua liberdade senão em flagrante de ___________________________________________________
ato infracional ou por ordem escrita e fundamentada da
autoridade judiciária competente”. ___________________________________________________

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377
CONHECIMENTOS PEDAGÓGICOS E LEGISLAÇÃO

ANOTAÇÕES

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