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espaço da clínica
Laura Monte Serrat Barbosa (Org.)
Apresentação
Esta obra surgiu como uma necessidade do curso de pós-graduação em
Psicopedagogia desenvolvido pela Faculdade Internacional de Curitiba (Facinter).
É sempre bem-vindo aos estudos sobre Psicopedagogia um material científico que
aborde a questão do processo de atendimento psicopedagógico como disciplina da
formação e da especialização de profissionais no espaço da clínica e, ao mesmo
tempo, comunique a sua importância.
A Psicopedagogia possui como ações, no âmbito da clínica, o atendimento a
pessoas, tanto individualmente quanto em grupo. Essa ação tem como objetivo
aproximar os aprendizes dos seus processos de aprender, permitindo que tomem
consciência de como funcionam e, ao mesmo tempo, encontrem estratégias para
superar obstáculos, corrigir ou prevenir dificuldades e, até mesmo, “otimizar” seu
percurso de aprendizagem.
Ressaltamos, para um melhor aproveitamento do conteúdo desta obra pelo
leitor, que, em meio à argumentação textual, há a apresentação de relatos de
experiências vividas pelas autoras em suas práticas profissionais. Por essa razão, o
texto apresenta-se, muitas vezes, em primeira pessoa do singular, pois os relatos
assim o exigem, porém mantém a primeira pessoa do plural, pois é nossa intenção
deixar clara a participação do psicopedagogo, não para executar os passos de
alguma proposta, mas para ser interlocutor, para mediar sua
realização e, de certa forma, contrapor, intervir, ratificar sempre que seja
necessário.
Nesta obra, apresentaremos cinco recursos de intervenção psicopedagógica de
caráter objetivo: caixa de trabalho, caixa de areia e miniaturas, projeto de aprender,
material disparador e jogos e brincadeiras. No entanto, todos eles supõem recursos
de intervenção psicopedagógicos de caráter subjetivo. Isso quer dizer que, tão
importante quanto a técnica escolhida para o atendimento psicopedagógico, são o
olhar do psicopedagogo e a possibilidade de perceber a partir de emergentes o que
se encontra latente na ação do aprendiz. Assim, é possível intervir de tal forma que
as dimensões afetiva e cognitiva possam ser desequilibradas e, na relação com o
mundo e consigo próprio, o aprendiz possa buscar o equilíbrio e com isso aprender.
O segredo do atendimento psicopedagógico está exatamente no espaço que
existe entre o aprendiz e o agente psicopedagógigo, entre o aprendiz e o
conhecimento a ser aprendido, entre o que sabe e não sabe o aprendiz e o que
pode vir saber.
Por isso, um livro sobre o atendimento psicopedagógico no espaço da clínica
deve ser constituído com muito cuidado, para que os futuros psicopedagogos não
tenham a ilusão de que apenas conhecendo recursos objetivos a serem colocados
em sua prática, estão aptos a desempenhar uma tarefa terapêutica.
O olhar se constrói na relação do psicopedagogo com o aprendiz e também na
busca de supervisão ou de discussão desse olhar, para que ele possa, a cada dia,
tornar-se mais perspicaz e resulte em intervenções mais provocadoras.
Cada recurso aqui apresentado deverá ser entendido como uma construção de
psicopedagogos a ser adequada às diversas realidades existentes e aos distintos
profissionais que farão suas intervenções:
A caixa de trabalho foi um recurso desenvolvido por Jorge Visca, psicopedagogo
argentino que criou uma Psicopedagogia fundada na Epistemologia Convergente.
Nesta obra, a caixa de trabalho será descrita e desenvolvida pela psicopedagoga
Simone Carlberg, que foi aluna de Jorge Visca e que utiliza esse recurso com muita
propriedade em sua prática clínica desenvolvida na Síntese – Centro de Estudos,
Aperfeiçoamento e Desenvolvimento de Aprendizagem, localizada na cidade de
Curitiba-PR.
A caixa de areia e as miniaturas tiveram, na clínica psicopedagógica, a
organização realizada por Sonia Küster, da Associação Brasileira de Psicopedagogia
– seção Paraná Sul (presidente por duas gestões, de 2005 a 2007 e de 2008 a
2010). Inspirada na forma de terapia conhecida por sandplay e fundamentada nos
estudos de Carl Jung acrescidos do olhar da Epistemologia Convergente, Sônia
desenvolve sua atenção psicopedagógica na Clínica Ellos – Educação e Saúde, em
Curitiba-PR.
O projeto de aprender, uma evolução do projeto de trabalho, foi criado por Laura
Monte Serrat Barbosa a partir do método de projeto desenvolvido por Willian Heard
Kilpatrick. Posteriormente foi revisto sob a luz do trabalho desenvolvido por Fernando
Hernández, das vivências no espaço da clínica na Síntese – Centro de estudos,
aperfeiçoamento e desenvolvimento da aprendizagem e como coordenadora de
projetos de aprender na Escola Terra Firme, em Curitiba-PR.
O material disparador é um recurso criado por Vera Bosse, psicopedagoga que
atua em Curitiba, a qual desenvolveu uma forma de trabalho diferenciada,
inspirada na caixa de trabalho, portanto, fiel aos princípios da Epistemologia
Convergente.
Os jogos são trazidos por Jorge Visca e por Lino de Macedo como possibilidades,
numa intervenção psicopedagógica, para o desenvolvimento do raciocínio lógico
matemático, porém, aqui, Heloísa Monte Serrat Barbosa e Laura Monte Serrat
Barbosa trarão uma versão na qual, além do raciocínio lógico matemático, os jogos
se articulam às brincadeiras e, dessa forma, focam as dimensões psicomotora,
relacional, racional e do desejo, ampliando as possibilidades de significação ao
aprendiz.
Todas essas formas de intervir de modo mais objetivo no processo de aprender do
ser cognoscente aqui apresentadas foram inspiradas num modo de pensar
sustentado pela Epistemologia Convergente e têm como ponto de partida o trabalho
do professor Jorge Visca.
Cognição, desejo, vinculação afetiva com as situações de aprendizagem e funcionamento decorrente da
articulação entre as dimensões envolvidas no ato de aprender são abordadas pelos cinco recursos
psicopedagógicos aqui apresentados.
Introdução
A Epistemologia Convergente como fundamento de uma proposta psicopedagógica
chegou ao Brasil na década de 1970 e teve como seu grande divulgador o seu
criador, professor Jorge Visca, argentino que vinha regularmente ao Brasil para
formar grupos de profissionais no Rio de Janeiro, em Curitiba, Campinas e Salvador
e ministrar aulas em várias universidades destas e de outras cidades.
Quatro das autoras desta obra foram suas alunas e desenvolvem suas atividades
profissionais pautadas nos ensinamentos da Epistemologia Convergente: Laura
Monte Serrat Barbosa, Simone Carlberg, Sonia Küster e Vera Bosse. A autora que
não foi aluna de Jorge Visca, Heloisa Monte Serrat Barbosa, foi aluna de suas
alunas e também desenvolve sua práxis psicopedagógica observando os princípios
da Epistemologia Convergente.
A Psicopedagogia fundamentada na Epistemologia Convergente faz a síntese de
três linhas de compreensão da ação humana: psicanálise, psicologia genética e
psicologia social.
Nesse sentido, a aprendizagem é concebida como um processo no qual o
aprendiz possui uma participação intensa sobre seu próprio aprendizado,
articulando cognição e afeto e garantindo que o conhecimento seja desejado e, por
isso, aprendido. Além disso, garante que o aprendiz se desenvolva para cada vez
mais aprender em níveis de maior complexidade.
Normalmente a Psicopedagogia no espaço da clínica é procurada por aprendizes
que, por algum motivo, enfrentam dificuldades em seus processos de
aprendizagem.
O aprendiz que busca um acompanhamento psicopedagógico no espaço da
clínica encontra-se com o psicopedagogo que vai possibilitar a ele a realização de
elaborações simbólicas e sínteses importantes por meio de recursos de
intervenção psicopedagógica tanto de caráter objetivo quanto subjetivo.
O ser que aprende é entendido, na psicopedagogia, como alguém que é capaz
de conhecer o mundo e a si próprio, portanto, um ser cognoscente, um
conhecedor, que ao aprender mobiliza suas ansiedades diante das situações
novas, de aprendizagem e, também, movimenta-se em direção ao objeto de
aprendizagem corporalmente. Por isso são necessários os recursos de caráter
objetivo que se caracterizam por formas distintas de ação psicopedagógica, as
quais provocam o movimento externo e interno do aprendiz e recursos de caráter
subjetivo que permitem ao psicopedagogo auxiliar o aprendiz a lidar com as
ansiedades que possam surgir diante das situações de aprendizagem.
Isso quer dizer que em todas as propostas aparecem a convergência de
contribuições psicanalíticas, psicogenéticas e da psicologia social; em todas elas a
personalidade é entendida como uma configuração que nasce a partir da interação
da organização biológica com o contexto. Essa configuração, na sua origem,
aparece de forma indiferenciada posteriormente diferencia-se até articular-se em
sistemas. Como Visca (2000) afirmou, a personalidade, nessas formas de
intervenção psicopedagógica, é entendida como unidade funcional e não
estrutural. Nesse sentido acreditamos que as pessoas podem evoluir na interação
com as situações de aprendizagem e não são constituídas de forma determinista
pelas ocorrências que enfrentam em suas vidas.
A atenção psicopedagógica proposta por Jorge Visca tem a intenção de mobilizar
o aprendiz para que supere ou minimize suas dificuldades encontrando estratégias
para se reequilibrar diante dos desequilíbrios que as novidades podem causar para
as pessoas que se encontram em processo de aprender.
Para Jorge Visca (2000, p. 103), a atenção psicopedagógica é um processo
corretor que “consiste en el conjunto de operaciones clínicas por cuyu intermedio
se facilita la aparición y estabilización de conductas. Estas operaciones se realizan
entre un sujeto que acompaña el proceso y otro que lo sufre activamente,
configurando ambos um sistema em devenir”1.
Para tanto, na atenção psicopedagógica teremos presentes três elementos
importantíssimos: o aprendiz, o psicopedagogo e a relação entre eles, que se
caracteriza por ser o “espaço entre”, ao qual se referiu Alicia Fernandez, em sua
Conferência Magna proferida no VIII Congresso Brasileiro de Psicopedagogia,
ocorrido em São Paulo em 2009. Para a autora, esse “espaço entre” é exatamente
aquele no qual aparecem as contradições e as possibilidades de produzir para
enfrentá-las. Dessa forma, entendemos que a atenção psicopedagógica no espaço
da clínica é um lugar no qual o aprendiz vai produzir, pensar, autorizar-se, ousar e,
consequentemente, aprender.
Isso, no entanto, não é mágico, o profissional que recebe o aprendiz deve se
colocar como um continente capaz de receber as dificuldades, as indignações, as
incompreensões, as tristezas, as euforias e qualquer outra conduta que o aprendiz
possa trazer para o espaço terapêutico psicopedagógico. Servir de continente
significa acolher, receber sem críticas nem julgamentos, para posteriormente poder
metabolizar os elementos depositados e devolvê-los ao aprendiz de tal forma que
ele possa ressignificar sua percepção de si, seus conceitos, suas ideias, sentimentos
e ações.
Essa relação supõe confiança, crédito e também avanços, desenvolvimentos,
minimizações e superações.
Esse processo de atenção psicopedagógica, segundo Maria Elena Arseno e
Alberto Guilhermo Crespo, citados por Barbosa (1998), passa por três etapas: uma
simbólica, responsável pelo estabelecimento do vínculo entre aprendiz e
psicopedagogo; uma semirreal, na qual as dificuldades já são trabalhadas, porém
ainda de forma lúdica; e uma real, destinada a conscientizar o aprendiz de suas
facilidades e dificuldades sem necessariamente utilizar outros recursos, senão os
próprios produtos de sua aprendizagem e a própria condição de aprender.
O recurso de intervenção psicopedagógica de caráter subjetivo é fruto de uma
sistematização realizada por Jorge Visca (2000) a partir dos registros das
intervenções realizadas de forma espontânea, por ele e por seus colegas. O
mesmo ocorreu na prática psicopedagógica de Laura Monte Serrat Barbosa (2006),
e por isso registramos aqui, também, algumas propostas de recursos de
intervenção psicopedagógica, além daquelas trazidas por ele.
Jorge Visca (2000) apresenta como recursos de intervenção psicopedagógica:
Laura Monte Serrat Barbosa (2006) propõe outras intervenções para compor o
quadro anterior:
Vivência do conflito;
Destaque do comportamento;
Problematização.
Escrever me organiza
o leitor me desorganiza
a fantasia de quem será o leitor é que me desorganiza!
1.1
Considerações iniciais acerca
da Caixa de Trabalho
Escrever sobre Caixa de Trabalho implica uma revisão das intervenções
psicopedagógicas realizadas em um longo percurso. Muitas caixas de trabalho,
muitos clientes2 com as mais diversas maneiras de aprender. Na interação
estabelecida com eles aprendemos muito, sobre eles e sobre a nossa maneira de
aprender e de ensinar.
O exercício da paciência tem sido um forte viés. Viver processos, aguardar o
momento adequado para intervir, eleger objetos para a mobilização, permanecer
em estado de curiosidade, de contemplação ao novo que se apresenta,
compreender as condutas e administrar as ansiedades dos familiares ligados aos
clientes são alguns dos temperos da relação psicopedagógica.
O que será apresentado é resultado, portanto, de um estado de integração
cognitiva/afetiva/social. Escrevemos o que está integrado, da maneira como está
integrado até o momento da escrita. Isto é, escrever é submeter-se a “um olhar
interno”.
Apoiar-se na teoria da Epistemologia Convergente, de Jorge Visca (1994), é uma
escolha que vem como resposta aos valores filosóficos eleitos pela autora para
estar nessa existência. Essa teoria coloca-se avessa a adestramentos, a repetições
2 O leitor encontrará, em alguns textos, a expressão paciente para identificar aquele que é
atendido pelo psicopedagogo. No entanto, a autora segue a orientação da Associação Brasileira
de Psicopedagogia, que sugere o termo cliente, uma vez que paciente implica uma condição de
passividade, de espera e dependência em receber o que o outro fará por ele, o que nega o
princípio da operativadade ou da predominância de condutas operativas que objetivam a
ampliação do grau de autonomia do ser cognoscente. Sobre esse tema o leitor poderá se
reportar à introdução deste livro.
sem sentido, portanto, aprender vai além de desenvolver-se, é também,
inevitavelmente, envolver-se.
A Caixa de Trabalho é uma das constantes utilizadas em ações
psicopedagógicas; por isso, acreditamos que é possível contar como se faz, por
que se faz e quais os frutos colhidos nessa pequena contribuição social que
realizamos diariamente.
Não pretendemos, neste capítulo, repetir ou revisar o que Visca, na teoria da
Epistemologia Convergente, já escreveu, porque compreendo que a leitura deste
implica a leitura e o estudo daquilo que esse autor escreveu. Pretendo, sim, relatar
o que faço com o que já aprendi com Visca e seus colegas e com o que ainda
aprendo por meio dos registros escritos com os quais esse autor nos brindou, bem
como na convivência diária com outros psicopedagogos, alunos e clientes.
1.2
Aproximação teórica
Caixa de Trabalho é o nome dado por Jorge Visca a uma das constantes do
enquadramento do atendimento psicopedagógico, proposta que integra a teoria da
Epistemologia Convergente.
Enquadrar é delimitar, é demarcar limites, tanto do ponto de vista físico,
objetivo, como também do ponto de vista subjetivo.
Algumas das constantes do enquadramento são: tempo, frequência,
interrupções combinadas, duração, próprio consultório ou lugar em que ocorrem os
atendimentos, bem como a Caixa de Trabalho.
Entendemos por constantes do enquadramento elementos previamente
combinados e que possibilitam a organização da atenção que é dada ao cliente e,
por sua vez, possibilitam também a organização do ponto de vista das
necessidades do psicopedagogo.
As constantes podem parecer desprovidas de importância e relevância quando
descritas teoricamente, porém, na prática psicopedagógica (e não somente) se
tornam instrumentos eficazes, assim como um bisturi para um cirurgião, o
microscópio para um cientista, os livros para os professores. As constantes são os
instrumentos que auxiliam o psicopedagogo nas suas intervenções.
As constantes que marcam, delimitam, acolhem, contêm, contribuem
enormemente para a construção da conscientização necessária do “como eu
aprendo”, “para que eu aprendo”, “o que eu aprendo”.
A Caixa de Trabalho, evidentemente, por si só (assim como as demais
constantes de um enquadramento) não é eficaz. As constantes de um
enquadramento só serão eficazes se aquele que as utiliza souber manejá-las,
assim como uma batuta nas mãos de quem desconhece música não promove a
harmonia desejada há uma orquestra. Essa é uma boa analogia, porém, não basta
o maestro saber utilizar sua batuta, é necessário que os músicos também saibam
o que fazer frente aos movimentos do maestro.
A maestria do psicopedagogo está, sem dúvida, muito mais dentro dele próprio
do que em qualquer elemento externo que ele possa optar em utilizar. Em outro
artigo já foi feita esta pergunta: “Qual é a condição interna do sujeito que faz as
intervenções?” (Carlberg, 2008, p. 17).
É preciso valorizar muito mais os recursos internos do psicopedagogo do que os
externos, porém, temos a clareza de que os objetos externos aos sujeitos são
objetos intermediários dos processos de aprender, e a Caixa de Trabalho é um
desses objetos. A partir dela, podemos analisar a vinculação do sujeito com a tarefa,
consigo mesmo, com o psicopedagogo.
Chegamos, então, a outro ponto relevante e subjetivo de um enquadramento, o
vínculo.
Para Enrique Pichon-Rivière (2000, p. 193), vínculo pode ser conceituado como
“uma estructura compleja, que incluye un sujeto, un objeto, su mutua interrelación
com procesos de comunicación y aprendizaje”3.
Sendo assim, há de ficar claro que, além dos aspectos do campo externo, há
aspectos importantíssimos relativos ao campo interno do sujeito (aqui entendido
como ser cognoscente) e do psicopedagogo. São as relações intersubjetivas que se
estabelecem sobre as necessidades que motivam a vinculação.
Além da Caixa de Trabalho, outra constante do enquadramento é a sala de
atendimento (ambos do campo externo) que pode ser um único ambiente, tanto
para o atendimento individual como para o atendimento grupal. Na prática
cotidiana da autora, utilizam-se dois ambientes, um para atendimento individual e
outro para atendimento grupal.
Esse ambiente, denominado de constante de enquadramento lugar por Visca
(1987), passou a ser, a partir de 2001, pesquisado pela autora com maior
profundidade, dando a esse lugar o nome de ambiente educativo, ideia que
contempla a integração de aspectos: filosófico, científico, físico e prático. Todo
ambiente, a priori, é educativo, uma vez que produz movimentos externos e
internos nos sujeitos que por ele transitam. Todo e qualquer ambiente expressa
uma concepção, uma ideia.
O lugar ou o ambiente em que acontecem as intervenções, da mesma maneira
que a Caixa de Trabalho, tem os aspectos objetivo e subjetivo.
3 “uma estrutura complexa, que inclui um sujeito, um objeto, sua mútua interrelação com
processos de comunicação e aprendizagem” (Tradução da organizadora).
Em relação ao aspecto objetivo, material, podemos dizer que são necessários:
uma mesa, duas cadeiras, um armário para materiais e um armário para as caixas
de trabalho.
Esse lugar, esse ambiente, é desnecessário dizer, deverá estar
permanentemente organizado para ser utilizado, porém, mais do que descrever
objetos, o essencial é pensarmos que ele revela a concepção de mundo do
psicopedagogo que o organizou e que o utiliza. E a expressão dessa concepção é o
que se denomina de aspecto subjetivo.
Da mesma maneira que “respiramos” a concepção de mundo quando entramos
em uma casa, através de sua organização, escolha de objetos, disposição dos
móveis, é possível hipotetizar a respeito de quem a concebeu ou a de quem ocupa
aquele lugar.
Entendemos que esse ar subjetivo que emana de um ambiente responderá a
critérios como conforto, comodidade, aconchego, flexibilidade, objetividade, entre
outras características importantes em um consultório psicopedagógico. Quando
nos reportamos a esse ar subjetivo, referimo-nos a uma ideologia. E todo ambiente
expressa uma ideologia.
Esse tema já foi contemplado em outras obras da autora, contudo, o foco anterior
esteve voltado, principalmente, para as escolas. Neste capítulo, no entanto, o tema
está sendo apresentado ineditamente, referindo-se ao ambiente educativo de um
consultório psicopedagógico.
Quando um psicopedagogo escolhe os objetos, as cores, as formas, a obra
artística, o artesanato para compor o lugar no qual trabalhará, estará, sem dúvida,
compondo um ambiente que emana possibilidades de aprendizagem objetiva e
subjetiva.
Todo e qualquer ambiente educa. Uma loja de departamentos, por exemplo,
educa para o consumo com autonomia, ou seja, “escolha e compre sem ser
ajudado”. Uma loja de departamentos é organizada com uma intenção. Você já
pensou nisso?
O consultório no seu conjunto: recepção, sala de espera, sala de atendimento,
deverá, portanto, ser organizado levando-se tudo isso em consideração.
Visca (1994, p. 137) aborda os reativos de conduta, que são elementos
considerados pertinentes dentro de um contexto, em nosso caso, o contexto é o
consultório psicopedagógico. Reporta-se, o autor, a objetos distratores e os
classifica pela qualidade:
1.3
A caixa como continente
A Caixa de Trabalho deve ser o espaço que delimita e organiza a ação
psicopedagógica. Dentro dela devem estar os objetos que desencadeiam todo o
processo e que permitem que a caixa seja um continente seguro, assim como é a
praia para a embarcação que procura um ponto de apoio.
Ao início de cada sessão, o cliente encontra sobre a mesa a sua caixa e algum
material, quando solicitado na sessão anterior. Essa é a rotina.
No caso do atendimento grupal, a caixa do grupo é colocada no centro do círculo
formado com cadeiras. As caixas são guardadas, ao final de cada sessão, em um
armário somente para esse fim pelo proprietário da caixa.
Outro aspecto desse continente relaciona-se ao sigilo do trabalho
psicopedagógico, o qual contempla:
Somente o dono da caixa poderá mexer nela, este dono pode ser uma pessoa ou
um grupo. No caso do grupo, a caixa somente é aberta pelo próprio grupo e
na presença do grupo. Portanto, nada é retirado nem acrescentado na caixa
pelo psicopedagogo;
A destinação da caixa ao final de um trabalho psicopedagógico será discutida e
será objeto de reflexão no decorrer do processo de desligamento;
1.4
A caixa tem conteúdos
Entre os registros das supervisões vividas (algumas delas com o professor Jorge
Visca), foi pinçada uma com data de 9 de julho de 1990. Lá estão informações
preciosas e uma delas é que esse autor propunha pensarmos sobre os conteúdos
de uma Caixa de Trabalho e metodicamente apresentou e explicou a seguinte
classificação:
Na primeira sessão, após a consigna inicial, Gemma começa a contar o que gosta
e o que sabe fazer. Ela demonstra interesse em fazer algo de culinária. Essa escolha
revelou um aspecto de Gemma que tinha relação com seu grau de ansiedade – uma
conduta de voracidade, que se evidenciou em outros momentos.
Gemma escolheu fazer gelatina de uva, parte do que gosta e daquilo que integra
o seu universo. Ela se surpreende com o fato de que a gelatina não fica pronta na
hora. É preciso esperar a próxima sessão. Explora embalagens de alimentos
(intervenção para ampliação do repertório do significado e da função social da
leitura e da escrita). Pede para brincar, para contar histórias, organizar
personagens. Acrescenta muitos5 personagens em uma história que,
4 Os nomes nesta obra foram escolhidos conforme determinadas características de cada criança, a
fim de preservar suas reais identidades. Gemma, no caso, quer dizer “pedra preciosa”.
5 Muito, além, excesso, rapidez são expressões que descreviam o momento de vida de Gemma.
simbolicamente, representa o processo dos pais em busca de atendimento. Traz a
notícia de que ganhará um cachorro. Muito animada, conta detalhes e ofereço-lhe
como ideia a possibilidade de fazer um diário com a história do seu cachorro.
Aceita e começa a organizar a ideia com a minha mediação. O
diário toma forma num caderno de desenho, no qual construímos juntas alguns
indicadores a serem preenchidos: data da chegada; nome; peso; tamanho; nome
da ração; orientações do veterinário; telefone do mesmo e assim por diante. Leva
o caderno para preencher em casa durante um período de um mês.
A partir dessa intervenção, Gemma mostrou sinais de organização do
pensamento e, ao mesmo tempo, revisitou sua própria história. Lembrou-se de sua
chupeta. Contou que sua mãe lhe dizia que as chupetas vinham cortadas e que
não era mais possível usá-las. Nesse dia, terminou a sessão com um abraço longo
e apertado.
Na sétima semana de atendimento, Gemma revelou-se alfabética na escrita.
Começou a dialogar com as trocas entre “p” e “b”. Cria a tarefa de construir uma
pasta para poemas, resultado da sua capacidade de observação. Seu olhar era
rápido e curioso. Entre os objetos da sala encontrou com o olhar uma pasta e quis
fazer uma igual. Aceitei e propus que fizesse a lista de materiais para que eu possa
providenciá-los. Ela escreveu. Na sessão seguinte, encontrou o material solicitado
sobre a mesa. Desacelerou seus movimentos. Reproduziu a pasta passo a passo,
mas criou algo que a diferencia. Ligada ao ambiente, enquanto colava cacos de
madeira na pasta, encontrou com o olhar duas agulhas de tricô e logo disse:
“Vamos costurar um cachecol?”6
Minha intervenção a faz organizar seus pensamentos a respeito do seu olhar.
Provoco-lhe:
//Como assim?//
//Ah! Você quer fazer um cachecol de tecido?//
// Ah! Você quer fazer com lã, então, você quer fazer tricô?//
E, assim por diante, até que Gemma escreve num papel que quer lã para fazer
um cachecol.
“Lã bem colorida!”
Depois de terminada a pasta, levantou-se e pegou as agulhas de tricô e as
colocou dentro da sua caixa.
Na sessão seguinte encontrou o novelo de lã sobre a mesa. Gemma começou a
organizar as sessões:
“Primeiro vamos fazer um pouco de tricô, depois eu vou escrever palavras...”
6 Sempre que o leitor encontrar frases entre aspas, estas foram ditas pelo cliente; as entre barras
foram ditas pelo psicopedagogo.
O processo de aprender a coordenar agulhas e lã foi bastante simbólico. Gemma
tinha a clareza de que precisava de alguém que sabia fazer para ensiná-la. Abriu-
se, pediu ajuda. Primeiro, sentou-se bem pertinho, quase no colo e à medida que ia
dominando a técnica, ia se afastando de quem ensina, mas é um afastamento
suficientemente bom, pois sempre que precisa, quando escapa um ponto, quando a
lã enrosca, Gemma pedia ajuda. E o cachecol, a cada sessão, crescia um pouco. Ela
necessitava medir cada passo. Fez, com uma fita, a medida prevista do cachecol e
insistiu em medir o quanto falta. Gemma não media o quanto já tinha feito, e sim o
quanto faltava. A necessidade de medir o quanto já havia feito, o quanto já sabia,
pode ter relação com a modalidade de interação escolar. Possivelmente, vivia
situações constantes de avaliação e que, em função do alto grau de exigência da
instituição, Gemma estava sempre aquém. “Ainda precisava melhorar...”
Essa tarefa que Gemma criou para si mesma possibilita viver processos e, assim
como ela teve de esperar uma sessão para a gelatina ficar pronta para ser
degustada, produzir o cachecol a faz construir carreira por carreira, ponto por
ponto e a ajuda, também, a fazer, a esperar, a controlar sua voracidade, a focar o
seu olhar, a não desistir de seu projeto, a contar com a ajuda e amparo de um
adulto...
Certo dia, Gemma falou:
“Eu não sabia que demorava tanto para fazer um cachecol!”
//E você sabia que demora alguns anos para aprendermos a ler e escrever?//
“Não, eu achava que em três dias eu já ia saber! Agora eu já sei que tem que ser
devagarinho...”
Na caixa de Gemma, havia muitos objetos colocados por ela e, em todas as
sessões, ao chegar, ela abria a sua caixa e começava a trabalhar dando
continuidade à sessão anterior. Além da sua caixa, Gemma tinha um arquivo no
computador, como se fosse uma caixa virtual, à qual recorria sempre que queria
escrever algo para imprimir ou para registrar.
Quatro meses depois do início do atendimento Gemma já fazia tricô sem ajuda!
Lia com fluência, escrevia com letra cursiva, mas ainda, às vezes, trocava “p” /
“b”.
b) Recorte 2 – Mona7
Mona chegou ao consultório com 10 anos e 7 meses. Os pais buscavam
atendimento psicopedagógico em decorrência do diagnóstico médico de síndrome
de Asperger.
9 Personagem do filme de animação de mesmo nome, produzido em 2008, dirigido por Andrew
Stanton.
Bilhetes escritos por ele para a psicopedagoga e vice-versa, contendo, na sua
grande maioria, listas de materiais e lembretes;
Desenhos feitos por Jimmy, entre eles, o planejamento do cachorro que será
construído com sucatas;
Um arame vermelho de aproximadamente 60 cm;
R$ 2,00 (duas moedas de R$ 1,00);
Um pacote de massa de biscuit;
A aparência externa da caixa: pintada com tinta guache vermelha e com duas
figurinhas do Wall-E.
O álbum de figurinhas foi um excelente reativo de conduta. Por meio dele, Jimmy
pôde utilizar com significado aprendizagens até então mecânicas que havia,
digamos, mais ou menos realizado.
Você já pensou o quanto um álbum de figurinhas é transdisciplinar?
Por meio dessa coleção ele conseguiu comprar pacotes de figurinhas na banca,
utilizar dinheiro (notas e moedas), abrir pacotes, encontrar as semelhantes e as
diferentes, pensar sobre o que é igual e o que é diferente, acompanhar uma
sequência numérica, marcar os números encontrados, marcar os números
repetidos, dialogar com os dados da realidade, exercitar a leitura de imagens,
seguir instruções e muitas outras possibilidades.
O arquivo no computador continha 44 páginas com textos produzidos por Jimmy a
partir de cenas organizadas por ele com miniaturas. Esses textos foram ditados por
Jimmy e digitados pela psicopedagoga. Entre todos, somente em dois deles ele
pediu ou aceitou a sugestão de impressão. Alguns textos estão acompanhados de
fotos tiradas por Jimmy das cenas organizadas por ele. Em alguns casos, o título da
história foi digitado por Jimmy que aceitou escrever. Essas tentativas de escrita
estão digitadas em cor diferente daquela utilizada para a digitação da
psicopedagoga. Os textos eram formatados com fonte Tahoma, tamanho 14, caixa
alta.
Cabe evidenciar que as miniaturas apresentadas para Jimmy na primeira sessão
psicopedagógica são consideradas um excelente reativo de conduta para ele, por
vários motivos, entre os quais se destacam: ampliação da sua relação com o meio
externo, “libertando-o” das estátuas de santos (tema em que perseverava) e
descobrindo, por meio das miniaturas, a possibilidade de brincar; o exercício do
jogo simbólico e, a partir de tudo isso, o relato dos seus sonhos. Neles, Jimmy se
via brincando com a psicopedagoga e conseguia fazer várias coisas que na
realidade ainda não lhe era possível. Passou a olhar e a ver, a olhar nos olhos e
trocou a expressão “não sei” pela expressão “deixa eu pensar”. As intervenções
psicopedagógicas objetivas e subjetivas possibilitaram que ele colocasse seu
“aparelho de pensar” para funcionar e, assim, passasse a estabelecer um vínculo
mais próximo com os objetos de aprendizagem.
Nos registros clínicos, encontram-se descrições de momentos em que se recorria
à expressão estátuas/miniaturas como uma etapa de transição entre as estátuas
de santos e as miniaturas de objetos variados (que incluíam carros, animais,
objetos de cozinha; objetos utilizados em lazer, entre muitos outros).
É possível fazer muitas análises de todos os registros, inclusive do conteúdo dos
textos orais ditados por Jimmy para serem digitados pela psicopedagoga.
O importante é salientar que das estátuas de santos, Jimmy passou a brincar
com miniaturas, e seus textos orais possibilitaram a organização do pensamento a
ser comunicado para o outro da relação (no caso, a psicopedagoga). Essa
organização do texto oral, por sua vez, possibilitou conhecer outros temas, e uma
miniatura podia ser, agora, muitos personagens em diferentes cenas. Dessas
miniaturas passou-se para desenhos animados e, aos poucos, cada vez mais,
Jimmy foi se aproximando do universo infantil, próprio da sua idade. Depois de 12
meses de intervenção psicopedagógica, ele já representava seus personagens por
meio de desenho e de construções tridimensionais. Já modelava bonecos com
massa de biscuit, já construía com madeira, com sucata, pintava, criava... Embora
tenha ampliado o seu universo de experiências e pensado sobre ele, tinha como
personagem predileto uma figura ainda um pouco distante de um garoto de 11 anos
– trata-se de Jimmy Neutron – o menino gênio. Mas não é mais um santo, agora é
um menino que tem um cachorro, que brinca e que faz travessuras... Se bem que
não exatamente na Terra, mas já está mais próximo dela.
A intervenção psicopedagógica para Jimmy continuou, mas neste capítulo
optamos por fazer a apresentação de apenas um recorte, assim como nos demais
casos.
Essas ilustrações tiveram como intenção principal ratificar a premissa que
norteou e norteia a minha ação psicopedagógica: HÁ MUITAS CRIANÇAS E ADOLESCENTES
QUE ESTÃO SITIADOS, SERÁ PRECISO SITUÁ-LOS.
Síntese
Este capítulo foi organizado para que estudantes de Psicopedagogia possam
fazer uma aproximação inicial da intervenção psicopedagógica por meio da Caixa
de Trabalho concebida pelo professor e psicopedagogo argentino Jorge Visca. O
capítulo apresentou, além dos principais conceitos acerca do tema, recortes de
casos de atendimento psicopedagógico com comentários realizados pela autora.
Indicações culturais
Filme
O FABULOSO destino de Amélie Poulain. Direção: Jean-Pierre Jeunet. Produção:
Jean-Marc Deschamps. França: Miramax Films, 2001. 122 min.
Esse filme aparece como indicação por contar uma história repleta de
subjetividade e retratar a complexidade do processo de aprendizagem
humana e o quanto pequenas intervenções podem promover a
conscientização e a reflexão de condutas diariamente utilizadas por nós.
Artigo
BARBOSA, L. M. S.; FARAH, S.; CARLBERG, S. O ambiente educativo e o processo de
aquisição de leitura e escrita. Revista Diálogo Educacional, Curitiba, v. 7, n. 20, p.
33-42, jan./abr. 2007.
Nesse artigo, o tema “ambiente educativo” é abordado a partir de uma
pesquisa realizada na primeira série do ensino fundamental, possibilitando
ao leitor aprofundar e ampliar a ideia do ambiente educativo como uma
constante a ser repensada nas relações educativas.
Livros
BARBOSA, L. M. S. Psicopedagogia no âmbito grupal: operatividade – um
instrumento para o desenvolvimento em grupos de aprendizagem. In: ZENICOLA,
A. M.; BARBOSA, L. M. S.; CARLBERG, S. Psicopedagogia: saberes/olhares/fazeres.
São José dos Campos: Pulso, 2007 p. 127-167.
O atendimento psicopedagógico grupal tem se mostrado muito eficaz, o que
possibilita o acesso a várias pessoas ao mesmo tempo. É um recurso
importante a ser estudado, aprofundado e ampliado, principalmente em
sistemas de atendimento público que apresentam uma demanda nem
sempre atendida nas condições ideais em função do pequeno número de
profissionais.
Site
ABPP – Associação Brasileira de Psicopedagogia. Disponível em:
<http://www.abpp.com.br>. Acesso em: 6 jan. 2010.
Compreendemos que a formação em Psicopedagogia não se encerra com o
curso de especialização. A continuidade é necessária e imprescindível, e
isso somente é possível quando se somam e multiplicam os saberes e
fazeres. Um dos meios para essa realização é a ampliação do grau de
pertencimento à categoria.
Atividades de Aprendizagem
Questões para Reflexão
1. Entreviste um ou dois psicopedagogos que trabalhem com a Caixa de Trabalho e
faça uma análise comparativa entre este capítulo e as informação que você
obteve por meio da entrevista. Organize um encontro com, no minímo, dois e,
no máximo, quatro colegas e compartilhem as descobertas.
2. Observe sua sala de aula, sua casa, seu quarto e pergunte-se: Qual é o ”ar” que
se respira aqui? O que esses ambientes me ensinam? Qual a relação entre eles
e eu?
A caixa de areia e as
2.
2.1
Os materiais
As especificações dos materiais usualmente utilizados com esse recurso são
importantes para que o leitor tenha clareza de que tais particularidades têm uma
razão intrínseca.
A caixa que é utilizada com areia fina normalmente é de madeira revestida de
fórmica azul e tem as medidas de 72 x 50 cm, com profundidade de 7,5 cm. A
indicação do fundo azul é para dar a impressão de mar, lago ou rio à cena, e o
revestimento é em fórmica por ser impermeável e permitir a utilização de água
quando o aprendiz desejar dar formas mais específicas à areia. As medidas
indicadas têm o propósito de conter toda a visão periférica do aprendiz quando se
posicionar em frente à caixa, dessa forma poderá ver toda a caixa sem mexer a
cabeça. A altura em que a caixa deve ficar também é importante,
aproximadamente na cintura da criança, para que tenha um amplo campo de
visão.
A areia que normalmente utilizamos é a areia fina de praia, que deve ser
peneirada e tratada10. A quantidade de areia deve ser suficiente para tornar
possível a manipulação dos cenários sem a preocupação de transbordar a caixa,
aproximadamente 3 cm de profundidade. Indicamos a areia fina porque ela permite
um contato mais prazeroso com a técnica. A plasticidade da areia e a possibilidade
de moldar formas propiciam a sensação de tranquilidade e equilíbrio.
O suprimento de miniaturas deve estar disposto em prateleiras abertas e de fácil
acesso ao aprendiz. Geralmente as miniaturas são separadas e ordenadas nas
prateleiras de acordo com algum critério classificatório como: animais – selvagens,
domésticos, pré-históricos, vertebrados e invertebrados; insetos; meios de
transporte – aéreos, terrestres e aquáticos; meios de comunicação; moradias,
utensílios de casa – móveis, alimentos, bebidas, personagens de contos de fadas;
super-heróis; índios e soldados; personagens de histórias em quadrinhos;
personagens do folclore; guerreiros; figuras humanas, miniaturas de arvores e
plantas, além de outros materiais que ajudam a completar as cenas como, cercas,
conchas, vidros, palitos de sorvete, bolas de gude, etc. Segundo Ruth Ammann
(2002, p. 44), “deve-se cuidar para que não só estejam presentes objetos claros,
simpáticos e belos, mas também objetos repulsivos, escuros, maus e
assustadores”. Quanto maior for a variedade de miniaturas e acessórios, mais ricos
serão os cenários e as possibilidades do aprendiz escolher exatamente o que está
pensando e sentindo. Na Figura 2.2, o leitor poderá visualizar um ambiente próprio
para a utilização da técnica segundo os criadores desse recurso.
2.2
As reações
10 Tratamos a areia aquecendo-a em forno convencional com intuito de eliminar fungos e parasitas
de praia.
A maioria das crianças demonstra o desejo de manipular a areia antes da
construção das cenas, porém algumas apresentam resistência inicial ao contato
com areia e constroem cenas manipulando somente as miniaturas.
As crianças menores de 7/8 anos geralmente utilizam o espaço para brincar, muitas
vezes ultrapassando os limites da caixa; a areia pode cair e até ser jogada fora da
caixa, as miniaturas são mergulhadas e enterradas, o número de miniaturas utilizado
é excessivo, principalmente em crianças com dificuldades em aceitar regras. A
atitude do psicopedagogo durante a construção na caixa de areia é basicamente de
observador, intervindo quando solicitado. A ideia é que a criança sinta-se livre para
criar e brincar. Finalizada a cena, geralmente, o psicopedagogo atua como escriba,
buscando, através de intervenções, explicações do aprendiz que fundamentem o
contexto criado.
A partir dos 7/8 anos, coincidentemente no início do período operatório-concreto,
os objetos aparecem agrupados em relações significativas, que incluem um sentido
de simetria com o tema criado. A escolha das figuras adquire uma
intencionalidade, e a classificação é mais complexa e elaborada. As histórias que
surgem a partir das cenas elaboradas já apresentam um enredo com um locutor e
um interlocutor.
Adolescentes apresentam uma resistência inicial à utilização da caixa de areia e
miniaturas que deve ser respeitada. Costumam olhar desconfiados para os
materiais uma vez que já tem desenvolvida a capacidade de raciocinar sobre
hipóteses e de elaborar deduções. Porém, percebe-se que se interessam pelos
cenários construídos por outros aprendizes e depois de estabelecerem um vinculo
de confiança com o psicopedagogo, manifestam o desejo de construir suas
próprias cenas.
Alguns adolescentes, no entanto, apresentam maior resistência à técnica do jogo
de areia, optando pela utilização de outros recursos de trabalho psicopedagógico,
como jogos e projetos.
2.3
Histórico do jogo de areia11
Terapeutas junguianos atribuem a origem da prática da caixa de areia e miniaturas
a tribos indígenas. Segundo Estelle Weinrib (1993, p. 20), existe um paralelo
cultural entre a terapia na caixa de areia e os desenhos pintados na areia pelos
11 Os dados históricos destacados foram baseados nos livros de Mitchell; Friedman (1994); Weinrib
(1993) e Ammann (2002).
índios navajo, que os utilizavam em rituais de cerimônias de cura, adivinhação,
exorcismo, etc. Ao desenharem figuras simbólicas na areia como deuses protetores
de raios, ventos e trovões sentiam-se protegidos pelos guardiões da natureza. Eles
consideravam que a areia tinha propriedades curativas e que o doente absorveria
o “bem” através dela, e a areia absorveria o “mal” que estava nele. Esse ritual
sugere aos terapeutas junguianos semelhanças entre a crença dos índios e a
técnica da caixa de areia. Também encontramos semelhanças entre a técnica de
relaxamento dos jardins zens, idealizada pelo povo asiático e a utilização da caixa
de areia e das miniaturas.
A areia é um símbolo de matriz que acolhe e abraça, facilmente penetrada e
moldada adquire formas que são sobrepostas, sem lhes alterar as características.
Por sua plasticidade, viabiliza construções diversas que simbolizam o próprio
mundo. Assim, a areia é um instrumento que possibilita a manifestação em forma
concreta das imagens do mundo interno. (Weinrib, 1993, p. 20).
Acreditamos que a primeira pessoa a se envolver com a técnica da caixa de
areia e miniaturas tenha sido o próprio Jung ao relatar em seu livro Memórias,
sonhos e reflexões (1975), no capítulo intitulado “Confronto com o inconsciente”,
como se defrontou com um jogo do tipo curativo, entregando-se ao brincar com
pedras que recolhia nas caminhadas as margens do Lago Zurique e terra argilosa
que lhe permita construir casas, castelos com portais e abóbodas, enfim, uma
cidade.
“Mal terminada a refeição, brincava até o momento em que os doentes
começavam a chegar; à tarde, se meu trabalho tivesse terminado a tempo, voltava
às construções” (Jung, 1975, p. 155). O autor relata ainda que, ao se entregar à
brincadeira de construção, conseguia ter maior clareza dos próprios pensamentos
e entender com maior precisão as fantasias de sua mente.
Outra pessoa que contribuiu para a criação dessa técnica foi o autor britânico
Herbert George Wells, citado por Weinrib (1993, p. 23). Em seu livro Jogos de chão,
publicado em 1911, ele descreve o jogo espontâneo que utilizava com os filhos
pequenos usando miniaturas e outros objetos. Sua principal contribuição foi o
reconhecimento do material e o uso da atividade de imaginação criativa. Wells
nutria uma crença filosófica profunda de que o jogo promovia uma estrutura para
ideias criativas e expansivas na fase adulta. Ele foi um pai diferente em um
período patriarcal, no qual a figura paterna assumia a função de autoridade
distante dos filhos. Sua atitude inconvencional lhe rendeu críticas na sociedade
britânica do século passado, pois, além de relatar as brincadeiras com os filhos em
seu livro, era depreciado por seu apoio ao movimento feminista e a um novo
sistema de relações entre homens e mulheres. Ele era uma ameaça ao sistema
patriarcal da época, embora fosse cultuado por alguns jovens que também sentiam
a necessidade de romper com velhos valores.
O livro Jogos de chão, o qual não foi muito valorizado na época, descreve o jogo
que utilizava com os filhos, que às vezes durava até quatro dias. O jogo acontecia
numa área definida por tábuas e utilizava pequenas casas, pessoas, soldados, barcos,
trens, animais que representava cenas históricas e jogos de guerra que
transformavam o chão em uma verdadeira terra da fantasia. A descrição dos jogos
criativos e dos materiais que H. G. Wells utilizava, serviram de inspiração para
Margareth Lowenfeld criar a “técnica dos mundos”.
Margareth Lowenfeld (1890-1973), nascida e criada na Inglaterra, atuou como
médica pediátrica ao lado do exercito polonês. Após os anos difíceis de guerra, em
seu retorno a Londres encontrou dificuldade em obter uma posição médica, já que
a maioria das funções estava sendo ocupada pelos homens que voltavam da
Primeira Guerra Mundial. Em uma atitude ousada e pioneira, criou uma clinica para
atendimento psicológico de crianças. Inspirada na obra de Wells, ela uniu uma
miscelânea de materiais, paus coloridos, contas, brinquedos pequenos de todos os
tipos, caixas de fósforos e as guardou em um lugar que mais tarde veio a se
chamar caixa das maravilhas.
A médica utilizava os materiais com as crianças no chão e, só quando mudou a
clínica de local, pensou em incluir duas bandejas de zinco na sala lúdica, uma com
areia e outra com água.
Os brinquedos da caixa das maravilhas eram mantidos em pequenas gavetas de
um armário que foi batizado pelas próprias crianças como “ O mundo”, daí a
denominação da técnica por Lowenfeld de técnica dos mundos.
Em 1930, a clínica de Lowenfeld ficou conhecida como Instituto de Psicologia
Infantil (ICP), na qual psicoterapeutas infantis de todas as partes do mundo
centralizavam suas pesquisas em técnicas através das quais as crianças poderiam
se expressar. A técnica dos mundos e o teste mosaico foram os resultados de tais
pesquisas. Margaret Lowenfeld acreditava que poderia perceber os estados
mentais das crianças quando elas usassem miniaturas numa bandeja rasa de areia
e passou a dedicar suas pesquisas ao estudo das impressões e experiências que
desenvolveu com crianças que não conseguiam transmitir para palavras seus
estados emocionais.
Ela apresentou seus procedimentos no tratamento de crianças na Seção Médica
da Sociedade de Psicologia Britânica, descrevendo as três metas da técnica dos
mundos. São elas: diminuir a ansiedade da criança por provisão de segurança e
aceitação de suas produções, excluir excessos de energia emocional por
intermédio do brinquedo simbólico e oferecer uma estrutura de estabilidade.
Lowenfeld enfatizou sua crença de que a interpretação das produções das crianças
no jogo de areia não era necessária, pois acreditava que esse jogo já era
terapêutico.
Suas interpretações foram contestadas por terapeutas como Melaine Klein, que
acreditava nos sentimentos de transferência como componentes da interação
terapeuta paciente.
Em 1954, enquanto estudava no Instituto Jung, em Zurique, Dora Kalff (1904-
1990) assistiu a uma conferência dada por Margaret Lowenfeld. Incentivada por
Jung, foi estudar com Margaret Lowenfeld e outros psicanalistas, como Michael
Fordham e Donald Winnicott. Michael Fordham, que era o primeiro terapeuta
junguiano infantil morando na Inglaterra, atuou como mentor de Kalff em Londres.
De volta à Suíça, Kalff começou o processo criativo para integrar seus
conhecimentos junguianos às aprendizagens adquiridas com Lowenfeld. Integrando
seus muitos anos de trabalho junguiano com as contemplações da técnica dos
mundos sintetizou sua teoria pessoal que deu o nome de sandplay (jogo de areia)
para diferenciar da técnica de Lowenfeld.
Intimamente ligada ao interesse de Kalff em desenvolver o sandplay como
ferramenta analítica estava sua atração pelas filosofias asiáticas. Não muito tempo
depois que Dalai Lama foi banido do Tibet, em 1959, Kalff foi ver um monge
tibetano refugiado e lhe deu abrigo em sua casa durante oito anos. Isso facilitou
seu contato com renomado zen budista D. Suzuki. Ao descrever sua prática de
adiar a interpretação das caixas de areia, Suzuki reconhece um paralelo entre o
sandplay e a prática zen. Nesta, ao aprendiz, como procurador da sabedoria, não é
dada resposta direta para a sua pergunta, ele é levado de volta à imaginação e aos
recursos interiores.
A orientação junguiana de Kalff permitiu-lhe, com o uso do sandplay, uma
comunicação técnica com crianças, bem como o desenvolvimento do potencial
para dar forma a imagens simbólicas do inconsciente. Jung via suas experiências
do jogo de areia como uma vasta frente criativa de recursos simbólicos.
Foi Kalff quem propagou o uso do sandplay como técnica central de
atendimento, já Weinrib a utilizou como técnica auxiliar ao processo terapêutico.
Atualmente, a técnica do jogo de areia tem sido difundida por Ruth Ammann
(2002). Originalmente formada em Arquitetura, ela estudou no C. G. Jung Institute,
em Zurique, no qual se formou como analista junguiana e passou a se dedicar à
pesquisa do significado do espaço e do ambiente construído em função do
desenvolvimento psicológico das pessoas.
Nas últimas duas décadas, a técnica da caixa de areia e das miniaturas tem sido
introduzida no cenário das escolas por professores, bem como por orientadores
escolares. Ela tem sido aceita porque os educadores têm, há muito, entendido que
brincar na areia facilita o desenvolvimento físico, social, emocional e das
habilidades acadêmicas.
Mary Noyes, ex-professora de escola e membro do Sociedade Internacional na
Terapia com sandplay (ISST), fundado por Kalff, em 1985, relata o uso do sandplay
no ensino da leitura. Constatou que a experiência aprofundou a harmonia e
intimidade entre as crianças, melhorou a autoestima e ajudou a resolver conflitos
internos. Além disso, o grau de melhora em leitura, mostrado ao final daquele ano,
foi mais alto do que nos dois últimos anos anteriores sem o uso desse recurso.
No Brasil, a utilização da técnica da caixa de areia e das miniaturas foi
introduzida por Fátima Gambini (psicóloga junguiana que fez sua formação com
Kalff), que, num grupo em que tive a oportunidade de participar, discutia as
diversas experiências do uso do sandplay.
2.4
O olhar psicopedagógico para a caixa de areia e as
miniaturas no âmbito da clínica
Na psicopedagogia, a utilização do recurso da caixa de areia e das miniaturas tem
demonstrado que o respeito ao tempo vivido tem possibilitado a organização do
pensamento e das emoções envolvidas no processo de aprendizagem. Com esse
recurso, buscamos um espaço intermediário para o desenvolvimento da
criatividade e de autoria de pensamento.
Ao brincar com as miniaturas na composição de cenas na areia, o aprendiz exercita
a experiência de tomar a realidade do objeto para transformá-la, aceitando os limites
que ela impõe. Alicia Fernandez (2001, p. 130) enfoca o redimensionamento do
brincar a partir do aporte winnicottiano de espaço transicional, salientando a
necessidade de conceituar um tempo transicional que possibilite ao aprendiz maior
contato com a subjetividade.
Segundo Fernandez (2001, p. 130), “Hoje se faz mais imperioso do que nunca
possibilitar a escuta e a palavra aos jovens e às crianças. O brincar como
possibilidade de relatar e inventar histórias e personagens está em primeiro lugar.
Quando uma criança brinca, realiza a tarefa de construção e reconstrução
permanente”.
Ao oferecer um espaço e um tempo para construção de cenas na areia,
buscamos oportunizar a autoria de pensamentos necessários ao aprender. O
brincar com a areia expressa a busca por repouso, segurança e regeneração. A
areia simboliza a eternidade, o infinito, o invisível e a criação.
Tomei conhecimento do jogo de areia ou sandplay em meu processo terapêutico.
Percebendo-o como reorganizador interno, busquei ressignificá-lo e reelaborá-lo,
adequando sua utilização na clínica psicopedagógica.
Estabelecendo conexões entre a teoria psicológica junguiana e a teoria
psicopedagógica da Epistemologia Convergente, proposta por Jorge Visca (1987),
tenho utilizado esse recurso tanto no processo avaliativo, quanto no atendimento
psicopedagógico na clínica.
Na avaliação psicopedagógica, o recurso da caixa de areia e das miniaturas tem
sido utilizado na elaboração de hipóteses das dificuldades de aprendizagem, cujos
sintomas são indicados na queixa, norteando a linha de pesquisa investigativa. Um
olhar centrado na dinâmica e na temática do aprendiz durante a construção,
acrescido da análise da cena construída e da história produzida, tem possibilitado
deduções dos aspectos que podem estar obstaculizando o processo de
aprendizagem. Segundo o psicopedagogo argentino Jorge Visca (1987, p. 74), a
temática consiste em tudo o que o sujeito diz e a dinâmica em tudo que o aprendiz
faz (gestos, tons de voz, postura corporal), que como toda conduta humana, tem
um aspecto manifesto e outro latente. Ao anotar as reações do aprendiz durante a
construção na caixa de areia, o psicopedagogo terá condições de levantar
hipóteses e fazer deduções do funcionamento do pensamento do aprendiz e das
estratégias que utiliza para aprender, portanto,
Todo o movimento para a caixa de areia e as miniaturas é observado e
considerado significativo e importante. Como a criança se aproxima, olha,
explora, manipula, escolhe, pega, cria. Observamos, também, a expressão,
os sons e as vozes – onomatopaicos, diálogos, imitações, gritos ou silêncio,
o limite da caixa, a organização – seleção, distribuição, quantidade de
miniaturas etc. Enfim, o seu envolvimento com a atividade. (Küster; Parolin,
1999, p. 235-236)
2.5
As intervenções
Consciente de que a intervenção psicopedagógica tem por objetivo abrir espaços
para o conhecimento dos próprios processos de aprendizagem, tenho utilizado a
caixa de areia e as miniaturas como recurso interventivo alicerçado nos
ensinamentos da Epistemologia Convergente.
O objetivo é mobilizar o aprendiz a utilizar processos metacognitivos que
certamente propiciarão a consciência, o controle e a transformação de suas
aprendizagens.
As intervenções utilizadas dependem muito da situação em que é proposta a
construção na caixa de areia e com o utiliza das miniaturas. Quando utilizada
durante o processo de avaliação, procuramos empregar intervenções semelhantes
à que Jorge Visca usa na Entrevista Operativa Centrada na Aprendizagem (Eoca),
com uma consigna de abertura e outras intervenções que auxiliem o
psicopedagogo a levantar hipóteses sobre o funcionamento do aprendiz. Na Eoca,
técnica proposta por Visca, para primeira entrevista com o aprendiz, a consigna de
abertura utilizada é: “Gostaria que você me mostrasse o que aprendeu, o que sabe
fazer com esses materiais que estão sobre a mesa”, e o material oferecido é
caracterizado como escolar (papel, lápis, régua, borracha, cola, tesoura etc.).
Quando utilizo a caixa de areia e as miniaturas na avaliação psicopedagógica,
geralmente, não as utilizo na primeira entrevista, e sim durante o processo
avaliativo. A consigna inicial também é diferente da utilizada por Visca e visa
deixar o aprendiz livre para optar ou não pela construção na caixa de areia. Ao
perguntar: “Você gostaria de construir uma cena na caixa de areia com as
miniaturas?”, o psicopedagogo respeita as possibilidades do aprendiz em lidar com
os elementos simbólicos das miniaturas. Geralmente, ao realizar tal pergunta, o
aprendiz já manifestou corporalmente ou verbalmente o interesse pelas miniaturas
e pela caixa.
A atitude do psicopedagogo durante a construção na caixa de areia deve ser
mais de observador, acompanhando um pouco afastado a movimentação do
aprendiz entre as miniaturas e os materiais de apoio como cercas, conchas, palitos
e pás. Geralmente nesses momentos atenho-me a registrar a DINÂMICA e a TEMÁTICA
da construção.
Somente intervenho quando o aprendiz solicita, procurando utilizar INTERVENÇÕES
ALENTADORAS VERBAIS e GESTUAIS como, por exemplo: “Você tem todas essas
miniaturas à sua disposição” ou apontando para a prateleira em que se encontra a
miniatura solicitada.
As intervenções de pesquisa geralmente são utilizadas no final da construção da
cena, quando o aprendiz dá por terminada sua caixa de areia. Nesse momento,
procuro utilizar algumas INTERVENÇÕES DE PESQUISA DO DOMÍNIO COGNITIVO, AFETIVO E
FUNCIONAL como, por exemplo: “Explique-me o que você entende sobre isso que
construiu”, “Como se sente em relação ao que acabou de me contar?” ou, ainda,
“Temos uma miniatura que pode completar essa sua cena”.
Depois de algumas intervenções investigativas, sugiro a construção de uma
história que geralmente tem o psicopedagogo como escriba.
Vejamos o exemplo de uma construção durante o processo de avaliação de uma
menina que no período da investigação psicopedagógica estava com 6 anos e 8
meses, frequentava o segundo ano do ensino fundamental de nove anos 12 e trazia
como queixa dificuldade na leitura e escrita.
Segundo a mãe, a menina estava muito ansiosa por não estar conseguindo ler,
dizia: “É como se andasse dois passos pra frente e um para trás”.
Em todas as sessões a menina trazia muitos cadernos e canetas de cores e
brilhos diferentes. Observei que mais do que utilizá-los, queria possuir e mostrar
uma grande variedade de lápis e papéis. Durante a construção da cena na caixa de
areia, modificou o tema varias vezes e olhava constantemente para a
psicopedagoga buscando referência em uma atitude dependente. Demonstrou
indecisão na escolha das miniaturas e ritmo lento na manipulação da areia e
objetos. Na elaboração da história necessitou da ajuda da psicopedagoga com
elementos coesivos como “então”, “daí”, “certo dia” etc. para dar continuidade à
história. Podemos dizer que apresentou uma dinâmica dependente e que a
temática reproduzia várias situações do seu inconsciente e história de vida,
confirmados depois na anamnese. É importante ressaltar que, na linha teórica da
Epistemologia Convergente, a anamnese é realizada no final do processo
avaliativo. Vejamos a história relatada a partir da imagem anterior:
A história do Parque das Letras retrata alguns aspectos que foram desvendados
durante a avaliação e no atendimento psicopedagógico posterior como, por
exemplo, uma otite que necessitou de cirurgia e que comprometeu a audição da
menina durante um bom tempo. Outro aspecto abordado na história foi a
superproteção materna em virtude das alergias que a criança apresentava e a
necessidade latente de maior independência da menina. Bem como a possibilidade
de ficar um mês em situações de lazer para ter condições de levar as pedras
preciosas ao Parque das Letras.
Por apresentar um ritmo lento, a menina muitas vezes era “atropelada” pelos
adultos que lhe facilitavam as tarefas, assim passou um bom tempo somente no
que denominamos de pré-tarefa, ou seja, com muitos cadernos e canetas
coloridas, porém não conseguindo entrar efetivamente na tarefa de decodificação
e interpretação da escrita.
A análise da produção textual não será abordada neste momento, pois o foco da
nossa reflexão é a utilização do recurso da caixa de areia e a sua interpretação
simbólica.
Consciente de que uma modalidade de aprendizagem surge na inter-relação da
estrutura cognitiva e afetiva e que ela está relacionada com as atitudes, vínculos,
estratégias, manejo de ansiedades, manejo do erro e ritmo do aprendiz,
possibilitamos um maior tempo para que a menina que criou o Parque das Letras
brincasse com as miniaturas e descobrisse a função social da escrita e sentisse a
necessidade de interpretar o nosso código de escrita.
Vale ressaltar que utilizo a técnica da caixa de areia e das miniaturas como um
recurso auxiliar no atendimento psicopedagógico, ou seja, introduzo outros
recursos de intervenção durante as sessões como jogos e projeto.
Outros cenários e histórias surgiram que infelizmente não teremos possibilidade
de abordar. Junto a eles, um projeto de aprender, que teve como apoio elementos
das construções na caixa de areia associados a outros da literatura infantil, como
no exemplo a seguir, no qual a menina do Parque das Letras criou um cenário que
teve como disparador o livro infantil A casa sonolenta de Audrey Wood e Don Wood
(2002).
No livro A casa sonolenta, a cena acontece no quarto de uma avó e tem como
personagens um menino, um cachorro, um gato, um rato e uma pulga, além da
figura da avó. No projeto da menina do Parque das Letras, a cena se passa no
quarto dos pais e traz como personagens o pai, a mãe, um filho e uma filha. Essa
caracterização nos remete à necessidade da proteção familiar e ao vínculo ainda
muito dependente da menina do Parque das Letras, que nos reporta à dificuldade
maturacional para aprender, já mencionada anteriormente.
A partir do momento que teve oportunidade de brincar subjetivamente com as
letras e histórias, a menina que queria brincar com as letras teve condições de
caminhar com maior firmeza na leitura e na escrita.
Nesse projeto, podemos perceber que não existem mais castigos e doenças, e
que a escrita adquire uma conotação social “escrever piadas engraçadas”. Falando
simbolicamente, é importante que a menina do Parque das Letras consiga sair do
quarto dos pais, da proteção da família nuclear, para que consiga efetivamente
brincar com as letras e mergulhar no mundo da leitura.
Um aspecto importante da utilização da técnica da caixa de areia e das
miniaturas é o registro fotográfico. A fotografia imortaliza as construções e
mantém viva na memória das crianças as sensações das cenas anteriores.
Mantenho um álbum na caixa de trabalho de cada criança, que constantemente é
apreciado por elas. Em alguns momentos compartilho dessa apreciação e
frequentemente, os aprendizes reconhecem os significados simbólicos dos cenários
relacionando-os a sua própria história de aprendizagem. Esses momentos de
reflexão metacognitiva são extremamente significativos, pois remetem a
conscientização de seu trajeto evolutivo.
Outro aspecto que é enfatizado na terapia junguiana e que procuro respeitar, é
que um cenário nunca deve ser desmontado na frente do aprendiz, pois
desvaloriza o ato de criação e quebra o vínculo entre ele e seu eu interior e o
vínculo silencioso com o psicopedagogo. Interessante perceber o respeito que as
crianças têm pelas cenas de outras crianças e a natural pergunta ao se
aproximarem das caixas construídas. “Você já fotografou?”
2.6
Evoluções dos cenários e da técnica
O que faz do homem um ser único perante os outros seres que existem no mundo
é sua capacidade de simbolizar. Para se comunicar, ele utiliza vários outros
elementos, como gestos, formas, desenhos e sinais gráficos, além de palavras.
Dessa atividade representativa se apreende o mundo e busca-se adapta-o à
realidade.
A orientação junguiana que Kalff deu a técnica dos mundos de Lowenfeld permitiu
um olhar mais apurado às imagens simbólicas representadas pelas miniaturas.
Para Jung (1998, p. 20), “uma palavra ou uma imagem é simbólica quando
implica alguma coisa além do seu significado manifesto e imediato”. Ou seja, traz
um significado único e intransferível, mesmo que tenha características universais.
Uma das identificações que estabelecemos entre a Psicopedagogia e a terapia
junguiana é a busca dos aspectos latentes às dificuldades de aprendizagem.
Para Piaget, citado por Wadsworth (1977, p. 65), as representações começam a
se manifestar no período pré-operacional, quando a criança inicia o que se
denominou função simbólica, que se manifesta pela imitação diferida, pelo jogo
simbólico, pelo desenho, pela imagem mental e finalmente pela linguagem falada.
Nessa perspectiva, as relações da criança começam a adquirir significado por volta
do segundo ano de vida, quando o desenvolvimento intelectual passa a ser
predominantemente afetado pelas atividades representacional, simbólica e social.
Desse momento em diante, o desenvolvimento intelectual da criança se dá mais
na área simbólica do que na área sensório-motora. Portanto, as representações
simbólicas não podem se manifestar independentemente do desenvolvimento do
intelecto. Tais aspectos alicerçam a utilização da caixa de areia e das miniaturas na
Psicopedagogia.
Alicia Fernandez (1990, p. 219) afirma que
O pensamento é um só, não há um pensamento inteligente e outro
simbólico, já que tudo vem entrelaçado, como se um deles fosse o fio
horizontal, o outro o vertical, e o pensamento uma trama; quando falta um
deles, a trama não se constrói. Ao mesmo tempo dá-se a significação
simbólica e a capacidade de organização lógica.
Muitas pesquisas foram realizadas na análise dos cenários construídos desde os
tempos de Lowenfeld e Kalff, algumas delimitando a quantidade de miniaturas
oferecidas, outras o posicionamento das miniaturas em quadrantes, outras a
presença de elementos simbólicos que se repetem e assim por diante.
Numa perspectiva junguiana, um símbolo é algo composto que, somente quando
combinado e significado, tornar-se-á símbolo de alguma coisa. Portanto, os
elementos simbólicos elencados dos cenários dos aprendizes somente terão
significado se forem combinados com suas histórias.
Em minha prática psicopedagógica, procuro acompanhar as evoluções dos
cenários de acordo com a organização das cenas e conseqüente estruturação das
histórias. Observo elementos significativos nas construções procurando relacioná-
los as histórias dos aprendizes, porém sem direcioná-los a interpretações rígidas,
pois acredito que cada ser é único e tem particularidades que só a ele pertencem.
Vejamos agora a produção de alguns cenários de um menino de 9 anos que
frequenta a terceira série do antigo ensino fundamental de oito anos e que traz
como queixa dispersão e imaturidade para aprender.
2.7
A experiência no âmbito escolar
Nas duas ultimas décadas, a caixa de areia e as miniaturas têm sido introduzidas
nas escolas por professores e orientadores educacionais.
Utilizamos a técnica do jogo de areia em um grupo de crianças que
frequentavam uma escola particular em regime integral durante um semestre
inteiro. Um dos objetivos da utilização da caixa de areia e das miniaturas foi
atender à solicitação da escola, que trazia como queixa questões disciplinares
atribuídas pela direção à diversidade da faixa etária das crianças. O grupo era
constituído por crianças de 6 a 9 anos de ambos os sexos e os encontros eram
semanais com duas horas de duração.
Tínhamos três caixas para uma media de 15 a 18 crianças. As miniaturas
inicialmente foram levadas pela psicopedagoga, que aos poucos construiu um
acervo do próprio grupo com doações das crianças. Iniciávamos nossos encontros
lembrando os combinados e estabelecendo critérios para as divisões dos
subgrupos. As crianças ficavam entretidas nessa atividade por aproximadamente
uma hora e só aceitavam concluir os cenários quando pontuávamos o tempo para
o término da atividade.
Geralmente construíamos histórias e fotografávamos os cenários, que chegaram
a se transformar em projetos de aprender. Percebemos que, ao proporcionar um
espaço e um tempo para as crianças brincarem juntas na caixa de areia com as
miniaturas, possibilitamos condições para um convívio com respeito às
individualidades, à aceitação das diferenças, à conscientização das suas próprias
limitações, além é claro de evoluções na produção dos cenários e histórias.
A utilização da caixa de areia e das miniaturas no âmbito escolar tem por
objetivo a receptividade para a aprendizagem e como consequência uma série de
benefícios e possibilidades como:
Autonomia relacional;
Desenvolvimento da criatividade;
Reelaboração dos conteúdos curriculares;
Ampliação dos conhecimentos escolares;
Organização do grupo;
Vinculação significativa com a aprendizagem;
Possibilidade de explorar as dimensões racional, relacional, desiderativa e
funcional dos alunos.
Síntese
Ao utilizar o recurso da caixa de areia e das miniaturas durante os últimos 16 anos,
num enfoque psicopedagógico tanto na clínica como na escola, podemos concluir
que essa experiência tem propiciado avanços significativos no processo de
aprendizagem, tais como: a ampliação do vocabulário no desenvolvimento da
linguagem oral e escrita; a coerência e coesão nas produções textuais; a
planificação das cenas construídas com maiores habilidades na organização espacial
e classificatória; a ampliação da capacidade de análise e síntese; o desenvolvimento
da autonomia e independência, caracterizando uma melhora na vinculação com a
aprendizagem.
A leitura simbólica nos possibilita acolher e entender as necessidades dos
aprendizes, bem como buscar outros recursos de intervenção, se necessário.
Ao trabalhar com um material lúdico e que não exige habilidades específicas,
estamos propondo um espaço criativo e “aparentemente” descomprometido com o
pedagógico, mas que viabiliza a aprendizagem de forma prazerosa e significativa.
Indicações culturais
Site
LEVY, E.; HORSCHUTZ, R. W. Psicologia analítica: jogos de areia – sandplay.
Disponível em: <http://www.jogodeareia.com.br>. Acesso em: 8 jan. 2010.
“Site” elaborado pelas terapeutas junguianas Edna Levy e Renata Whitaker
Horschutz, para conhecimento da teoria que fundamenta a técnica da caixa
de areia e das miniaturas. Lá você encontrará, além de informações
teóricas, dicas de onde adquirir miniaturas diferenciadas e notícias sobre
cursos de aprofundamento. Vale lembrar que o olhar psicopedagógico não é
abordado nesse site.
Filme
JORNADA da alma. Diretor: Roberto Faenza. Produção: Elda Ferri. França: Meduza
Distribuizone/Playart, 2003. 89min.
Esse filme trata sobre aspectos relativos à transferência e à contra-
transferência entre médico e paciente e suas significativa importância no
processo de cura. Até que ponto conseguimos neutralidade e impessoalidade
nas relações profissionais? Um filme para refletir sobre o envolvimento que
estabelecemos com as crianças e famílias que atendemos no âmbito da
clinica.
Atividades de Aprendizagem
Questão para Reflexão
1. Conte a um colega sobre sua infância, sobre as principais brincadeiras e os
brinquedos de que gostava. Se necessário, faça uma pesquisa em suas fotos de
infância. Identifique objetos que tiveram um valor simbólico importante em sua
história de vida e busque relacioná-lo a acontecimentos no seu processo de
aprendizagem. Essa retrospectiva fará com que compreenda o conceito de
símbolo na teoria junguiana.
3.1
Origem e evolução
O projeto de aprender nasceu em minha prática psicopedagógica a partir do
recurso de intervenção que denominei projeto de trabalho. Em 1998, lancei um
livro com o título Projeto de trabalho: uma forma de ação psicopedagógica, no qual
descrevia o trabalho desenvolvido por mim desde o final da década de 1970 no
Instituto de Psicologia e Fonoaudiologia, em Campinas e, no início da década de
1980, na Gradual Terapias Associadas em Curitiba.
Essa forma de atuação foi sofrendo mudanças, aperfeiçoando-se durante todo o
meu percurso como psicopedagoga no espaço da clínica, que totaliza mais de 40
anos de trabalho.
O meu encontro com a Epistemologia Convergente e com Jorge Visca, em 1987,
foi o primeiro fator de mudança da minha atividade em psicopedagogia. A partir
desse momento, comecei a introduzir na clínica os recursos de intervenção de
caráter subjetivo, os quais utilizava apenas de forma intuitiva, o que me dava
menos condições de avançar na sistematização de meu trabalho.
O encontro com a visão sistêmica e com a equipe da Síntese – Centro de Estudos
da Aprendizagem, em 1989, influenciou sobremaneira nas permanentes modificações
da minha ação psicopedagógica. A partir daí a dificuldade de aprendizagem passou a
ser contextualizada também como um possível sintoma do grupo familiar e/ou do
grupo escolar expresso por um aprendiz. Na década de 1990, juntamente com a
equipe da Síntese, começamos a sistematizar uma forma de avaliação
psicopedagógica que contemplasse esta contextualização e também o atendimento,
incrementando formas de atendimento grupais. Entre esses estudos e ações
desenvolvemos também o projeto de trabalho em grupos de aprendizagem, outro
marco do crescimento desse recurso psicopedagógico.
No final da década de 1990, organizei o livro ao qual me referi anteriormente,
fundamentando, assim, essa ação psicopedagógica.
Na escrita de outro livro, A psicopedagogia e o momento do aprender (2006),
portanto quase dez anos depois, quando estava sistematizando minha visão do
que entendia por aprendizagem e minha vivência com a aprendizagem por meio
do projeto de trabalho, percebi que ele já havia evoluído muito em relação à forma
original e que essa evolução era constante e contínua. Mais do que um trabalho,
naquele momento percebi, que projeto de trabalho propunha, àqueles que
aprendem uma tarefa, uma forma de perceberem-se como aprendizes e também
de corrigirem sua rota de aprendizagem para aprender mais. Então, embora não
estivesse discutindo a ação psicopedagógica no espaço da clínica, percebi que a
mudança de nome: projeto de aprender era necessária para ambos os campos de
aplicação – a clínica e a escola.
Essa mudança de nome teve, também, a influência do trabalho com projetos
realizado na Escola Terra Firme, em Curitiba, cuja equipe de professores
responsáveis pela organização dos projetos foi se mobilizando para que os projetos
pensados e desenvolvidos não se afastassem da tarefa de ensinar e aprender que
era, segundo eles, o principal objetivo da escola.
O exercício realizado para desenvolver uma ação com projetos no espaço da
clínica e da escola e a supervisão de outros profissionais que se propunham
trabalhar segundo minhas propostas foi, certamente, o grande alimento para que o
projeto de aprender surgisse, mantendo muitas das características e intenções do
projeto de trabalho, mas trazendo um olhar direcionado para o aprendiz e seu
aprender, não com a ênfase no produto que resultava do projeto, como muitos
colegas ainda insistem em destacar. Além desse aspecto, outro que me chamou a
atenção foi o projeto de aprender, como eu o concebia agora, apesar de continuar
preocupando-se com o desenvolvimento de certas funções do aprendiz, agora era
concebido com um olhar mais refinado, voltado para o desejo de aprender e para a
constituição do aprendiz.
Esse recurso de atenção psicopedagógica é muito simples, porém requer do
psicopedagogo uma habilidade com as intervenções de caráter subjetivo, pois, se
isso não acontecer, facilmente o projeto de aprender pode se tornar um fazer por
fazer ou um fazer para atender apenas às vontades do sujeito, não para aprender,
mas para buscar somente o prazer.
3.2
Fazer o que se pensa...
Quando iniciamos o processo de atenção psicopedagógica fazemos um
enquadramento no qual o aprendiz sabe que vamos partir de algo que lhe
interesse para que possa conhecer sua forma de aprender e possa perceber quais
mudanças são necessárias para aprender cada vez mais e melhor.
Desde o início vamos mostrando para ele que, para realizar um desejo, é
necessário planejar, listar os elementos a serem buscados, organizar, fazer
previsões e principalmente aprender a esperar, pois, mesmo no mundo do
instantâneo, aprender, projetar e executar um projeto não se faz
instantaneamente.
O primeiro passo do projeto de aprender é realizar um painel das coisas que já
aprendemos e de que gostamos de ter aprendido e daquelas que desejamos
aprender.
Oferecemos ao aprendiz, para a confecção desse painel, uma folha grande de
papel rolo ou cartolina, revistas, canetas hidrográficas ou giz de cera e solicitamos
que ele fizesse um painel de suas aprendizagens, daquilo que aprendeu e de que
gostou de aprender e daquilo que gostaria de aprender. Fizemos também o nosso
painel para em seguida estabelecermos um diálogo sobre nossas aprendizagens
possibilitando a escolha do tema a ser projetado e executado em nossos encontros.
Ao terminarmos os painéis, conversamos sobre eles ressaltando principalmente
o que gostamos no que aprendemos e os nossos interesses para novas
aprendizagens e, então, vamos vendo o que existe em comum e diferente entre
nossas aprendizagens. A partir dessa conversa, falamos sobre o projeto de
aprender. Mostrei para o(a) aprendiz algumas fotos de projetos para que ele(a)
tivesse uma ideia sobre o que estava falando. Atualmente esse recurso já não é
mais tão necessário como antes, pois a maioria de crianças já tem uma noção do
que seja um projeto, pois as escolas já utilizam essa nomenclatura com mais
intensidade no cotidiano escolar.
Mesmo que, muitas vezes, a palavra projeto seja entendida de forma diferente,
já não é tão estranha a eles e de certa forma têm uma noção na qual podem
ancorar outros novos sentidos que esta palavra possa ter.
Explico ao aprendiz, no entanto, que estamos falando de aprendizagem para
além daquela que se fala na escola: aquela que o sujeito deseja, que passa por
dentro dele, que o modifica como conhecedor e como pessoa. Claro que tudo isso
utilizando a linguagem que podem compreender e dialogar comigo.
Escolhido o tema, iniciamos nossa tarefa de projetar. O que vamos fazer? Como
vai ser? Para que vai servir? O que vamos precisar? Quanto tempo será
necessário? O que podemos aprender com esse projeto? Quais as nossas
intenções?
Nesse momento, iniciamos o trabalho com o latente, pois o novo mobiliza as
ansiedades do aprendiz e prospectar sugere um posicionamento diante da
novidade, ao mesmo tempo em que a necessidade de colocar em movimento o
que já se sabe, também entra em cena promovendo conflitos cognitivos e
vinculares necessários para a aprendizagem.
Pensamos também no número necessário de encontros para a execução do
projeto de aprender ali idealizado, realizamos o projeto fazendo os ajustes
necessários no planejamento inicial e finalmente fazemos a avaliação para
verificarmos se o que foi projetado tem a ver com o que foi executado e com o que
foi aprendido.
Quando falo na primeira pessoa do plural é porque quero deixar clara a
participação do psicopedagogo, não para executar os passos do projeto, mas para
ser interlocutor, para mediar sua
realização e de certa forma contrapor, intervir, ratificar sempre que seja
necessário.
Encontrei no livro de Isabelle Chavannes (2007) o registro das aulas de Marie
Curie, professora de física, ministradas por ela e por muitos estudiosos de novas
formas de ensino a um grupo de filhos de amigos. Uma dessas formas foi chamada
de cooperativa com o objetivo de iniciação científica, porém partindo das ações,
experiência e interesse dos alunos. O prólogo desse livro, escrito por Yves Quéré,
traz uma reflexão que poderia muito bem ser utilizada para os Projetos de
Aprender:
E como não reconhecer que tudo está aqui já em movimento: a acumulação
dos pontos de interrogação que são o ponto de partida de toda ciência; a
importância de toda a experiência realizada pelas próprias crianças; a
dialética que se estabelece então entre a experimentação e a reflexão,
entre as mãos e o cérebro, entre a realidade e a imagem que dela fazemos,
dialética que fundamenta toda pesquisa – científica, histórica, sociológica...
- e que as crianças realizam com tanto envolvimento pessoal,
frequentemente com tanta paixão, e também tão naturalmente [...]. (Quéré,
2007, p. 15)
Essa reflexão nos permite fazer uma relação com o projeto de aprender no
espaço da clínica, não só por trazer a experiência do aprendiz como foco
importante, mas também por provocar o pensamento sobre ela e o envolvimento
afetivo que precisa estar presente em todo ato de aprender. O projeto de aprender
requer uma forma de reelaboração simbólica do vivido que parte do vínculo afetivo
do aprendiz com as situações de aprendizagem, de uma mobilização interna que
permite combinar paixão e compreensão; compreensão e ação; ação e imagem;
imagem e conhecimento; conhecimento e sabedoria.
Em muitos casos, a regulação do que estava planejado, a reestruturação, a
criação de uma nova solução só são possíveis a partir de uma intervenção de
quem acompanha o processo de perto, mas não está dentro dele para ter uma
distância ótima e compreender o que se passa, intervir operativamente de tal
forma que o aprendiz possa encontrar as soluções possíveis e realizar as mudanças
necessárias.
A experiência maior é poder idealizar e buscar condições intelectuais, afetivas,
materiais e metodológicas para poder executar o idealizado. É um verdadeiro
exercício da práxis, porque só pensar e deixar o pensado suspenso, sem ação, não
leva à aprendizagem; e somente fazer por fazer, sem dar um sentido à ação,
também não promove a aprendizagem.
Nesse sentido, o projeto de aprender pode ser entendido como um recurso de
intervenção psicopedagógica de caráter objetivo, mas torno a reforçar que ele só
desempenhará sua função se acompanhado das intervenções de caráter subjetivo.
Pensar, planejar e fazer aproxima as pessoas de seus sentimentos e permite que
o aprendiz deixe aparecer condutas que expressam o tipo de vínculo afetivo que
apresentam com as situações de aprendizagem.
Quando o vínculo é confusional, o aprendiz se apresenta mais dependente,
deseja e solicita que o psicopedagogo decida e resolva os dilemas e problemas que
aparecem durante a ação. A intervenção, nesses casos, é realizada visando a
mudança do olhar do aprendiz, para que inicie a discriminação das valências
positivas e negativas de si próprio e da tarefa a que está se propondo. Por
exemplo, com uma criança que, a todo momento, pergunta de forma excessiva se
está certa a sua escolha, podemos intervir dizendo: “Será que as coisas têm
somente um jeito de serem realizadas?” ou “Por que você acha que precisa fazer
certo na primeira vez em que toma contato com o material?” A criança que
pergunta se pode fazer tudo o que deseja, pode receber respostas que
intervenham de tal forma que ela vai aprendendo a decidir, a tomar iniciativas:
“Faça da forma que desejar”, “Você pode fazer o carrinho de caixinha de fósforo,
de argila, de papelão ou de qualquer outra coisa que você queira.”
A intervenção, nesses casos, tem a intenção de tirar o sujeito da indiferenciação,
da confusão e fazer com que ele comece a diferenciar, a pensar e a fazer escolhas.
No caso do vínculo com as situações de aprendizagem, ser um vínculo
dissociado, a conduta apresentada pelo aprendiz é chamada por Bleger (1984) de
conduta defensiva. O aprendiz se defende pelo fato de, na relação com as
situações de aprendizagem, dissociar as valências e colocar o valor negativo no
objeto a ser aprendido, por exemplo, e o valor positivo em si mesmo, ou vice-
versa. Há também a possibilidade de o aprendiz precisar escolher entre duas
situações que possuem valências positivas para ele, como por exemplo, num
projeto com jogos, escolher entre jogar o jogo que estava planejado,
superinteressante e absorvente; ou iniciar um jogo novo que a psicopedagoga está
trazendo com desafios tentadores. Outra possibilidade de vinculação dissociada
nas situações de aprendizagem é o fato de ter de escolher entre duas situações
indesejáveis para o aprendiz – ficar sem jogar ou ler as regras do jogo para poder
jogar – que foi o que aconteceu com Malu em um de nossos encontros. A
intervenção, nessas situações, deve se encaminhar para a articulação dos
elementos que estão dissociando a vinculação afetiva do aprendiz com as
situações da aprendizagem.
3.3
Pensar sobre o que se faz
Vou citar aqui alguns projetos de aprender que realizamos nesses últimos anos.
Um leão diferente
Vou contar do caso de uma menina de 7 anos que não possuía dificuldades de
aprendizagem, mas sim dificuldades com a aprendizagem, pois tinha uma doença
metabólica degenerativa que exigia muitos cuidados por parte de seus
“cuidadores”, o que acabava por colocá-la numa posição de quem não podia
aprender apesar de ter todas as condições para tal.
Para se defender desse excesso de cuidados que ameaçavam sua capacidade
em outras áreas, ela ao mesmo tempo em que pedia muita ajuda, desprezava-a
com facilidade.
Não estava conseguindo se desempenhar como seus colegas na escola. A
professora relatava que ela era muito autoritária e não aceitava suas intervenções
para aprender, ao mesmo tempo pedia sua ajuda em coisas que ela tinha toda a
possibilidade de fazer sozinha.
Os pais diziam que a filha demorava muito tempo para fazer a lição de casa, que
exigia uma atenção quase que exclusiva e que parecia não gravar os
ensinamentos de um dia para o outro. Atualmente era o pai que estava se
dedicando a acompanhá-la em suas tarefas.
Fizemos o painel, no qual ela colocou poucos elementos, mostrando muita
insegurança e pedindo ajuda da psicopedagoga para que decidisse sobre o projeto
a ser desenvolvido.
Como a ajuda não vinha da forma como estava acostumada, pois normalmente
os adultos acabavam cedendo e faziam por ela, ela então pegou um leão de feltro
que se encontrava numa galeria de objetos que trago de minhas viagens pelo
Brasil e disse que iria fazer um igual a ele.
Disse a ela que igualzinho talvez fosse mais difícil fazer, mas que parecido seria
possível e para isso precisávamos pensar de que material precisaríamos para
executar a tarefa.
Ela se assustou, pois não esperava que eu concordasse, esperava que me
irritasse e decidisse por ela o tema do projeto.
Então ficou um pouco desconcertada, mas para manter o padrão de
comunicação ao qual estava acostumada disse que só faria se fosse para ficar bem
igual, senão não faria.
Disse-lhe que só poderíamos ver se iria ficar bem igual se tentássemos, por isso
era importante vermos o material para que pudéssemos experimentar esse nosso
fazer.
Respondeu-me dizendo que queria aquele tipo de pano bege e marrom e um
pedaço vermelhinho; disse também que ia precisar de uma agulha e fio marrom.
Terminou me avisando que nunca havia costurado. Como quem diz: você vai
precisar fazer por mim, pois escolhi algo, do qual, não tenho nenhuma experiência.
Depois de organizada a lista de material, combinamos que aquele leão seria um
enfeite para o seu quarto e um brinquedo para brincar com o irmão. Combinamos
também que depois de pronto iríamos fazer uns slides mostrando os passos do
trabalho e contando como fizemos. Não planejamos o tempo, pois como era algo
novo para ela, não se sentia em condições de prever o tempo.
Quanto à aprendizagem, a única que previu é que aprenderia a fazer um leão
bem igualzinho ao modelo e nada mais.
A compra do material foi realizada por mim, já que ela só podia estar no
consultório em horário em que o comércio ainda não funcionava.
Infelizmente não encontrei feltro marrom, somente bege. Para fazer a juba
comprei, então, o preto. O fio e a agulha eu já tinha no consultório.
No encontro seguinte, começamos o trabalho efetivo do projeto de aprender, ela
precisava aprender a lidar com a possibilidade de seu leão não ser igual ao do
modelo.
Decidiu então que iria usar apenas o bege, tanto para o corpo como para a juba,
disse-me que o preto não tinha nada a ver com leão e que ficaria melhor assim.
Fizemos o modelo de papel e aí já precisamos decidir proporções, criar o molde
apenas olhando para o modelo e experimentando o tamanho por proximidade.
Recortamos o molde de papel, cada uma de nós fez um pouco, embora o desejo
dela fosse sempre deixar comigo, pois, na visão dela, eu sabia fazer melhor.
Cada etapa foi muito rica, pois ela tinha de lidar com o vínculo simbiótico que
marcava a sua relação com as situações de aprendizagem. Lidar com as intervenções
que eu fazia para que escolhesse fazer, tentar, ousar e errar se fosse o caso, no início,
foi muito difícil.
Costurar, fazer ponto alinhavo, esquecer e não voltar a agulha, desmanchar o
ponto, pedir ajuda na hora do não saber, realizar na hora em que sabia, assumir
que sabia foram aprendizagens importantíssimas para esta aprendiz.
Principalmente, aguardar, aguardar, aguardar... Aprender que um objeto como esse
exige um processo e não fica pronto de uma hora para outra só porque a gente
quer.
Decidir cada parte do rosto exigiu novas aprendizagens, pois não possuíamos os
materiais idênticos ao do leão modelo e a aprendiz foi tendo de flexibilizar seu
pensamento e sua ação e tomar decisões importantes. Não neguei minha ajuda,
mas sempre a transformava em motivos para que ela pensasse e decidisse.
Finalmente o leão ficou pronto e fizemos a análise de como ficou em relação ao
planejado. Ela, então, percebeu que o leão ficou parecido, mas não igual, falou das
semelhanças e das diferenças, das qualidades e dos defeitos, ainda com bastante
rigidez de julgamento e necessidade de culpar o outro por suas inabilidades e por
não ter ficado como esperava.
Ao fazermos o relato do projeto nos slides, resolveu contar como se fosse o
nascimento de um leão e então fez o registro de nascimento dele, dizendo ser ela
a mãe, o amigo da escola o pai e eu a médica que ajudou no parto. Escreveu as
características do leão e o gosto dele por futebol, colocando-se como autora de um
grande feito, vivenciando a importância da identidade, da experimentação, do
fazer, para sentir-se capaz. Na verdade, o leão Gabriel representou o nascimento
de uma nova forma de aprender, ainda sua desconhecida.
Ao digitar a história do leão Gabriel no computador fizemos, finalmente, o que
seus pais e a escola esperavam: trabalhamos com a escrita das palavras,
pensamos sobre elas, organizamos as frases respeitando a sintaxe e cuidamos
para fazê-lo de forma que todos entendessem, porém, nós duas sabíamos que as
aprendizagens que esse projeto de aprender possibilitou foram muito mais
profundas do que as que as pessoas conseguem ver, apalpar, ouvir e falar.
Os segredos que compartilhamos nesse projeto permitiram que o preto fosse
utilizado no focinho e nos olhos, que a juba fosse bege em vez de marrom, que o
Gabriel assumisse uma identidade própria e não fosse apenas uma cópia fiel do
leão Arthur e tudo isso é fundamental para que um aprendiz perceba-se como
aprendiz e possa aprender a ser autor, não somente a repetidor
No mundo do sol
Outro projeto de aprender que foi desenvolvido por um menino que estava
entrando no sexto ano e que já havia sido meu cliente no ano anterior.
Combinamos desenvolver um projeto que possibilitasse o estudo, a leitura, a
escrita, além do prazer da execução, que era apreciada demais por ele.
Escolheu o tema – Sistema Solar – e, então, procuramos o material escrito que
possuíamos para podermos pensar num projeto.
Lemos, conversamos e o aprendiz decidiu que gostaria de fazer um Sol bem
grande de argila e que depois faria os planetas respeitando certa proporção em
relação ao Sol.
Argumentei com ele que um grande Sol, do tamanho que mostrava com as
mãos, de argila iria consumir muita argila e ficar muito pesado. Sugeri que
pensasse outras técnicas de artes. Falei para ele do papel machê e também da
técnica das tiras de jornal sobre a bexiga de borracha.
Ele ouviu atentamente e decidiu fazer com jornal e argila.
Fizemos a lista de material para o próximo encontro. Eu comprei argila plástica e
levei um pouco de jornal que tinha em casa.
Não havia entendido o que planejou fazer, mas acreditei na capacidade dele de
executar seu planejamento, mesmo que eu não houvesse compreendido bem. Se
durante o processo fosse necessária minha intervenção, eu estaria lá.
E ele decidiu realizar uma técnica que nem eu e nem ele havíamos realizado. Fez
uma grande bola de jornal e cobriu-a com argila plástica e o mesmo fez com os
planetas.
Ele havia acabado de inventar uma técnica que deu super certo. O tamanho ficou
grande como o desejado e as bolas ficaram leves o bastante para serem suportadas
por uma caixa de papelão aberta.
Para decidir os tamanhos, as cores e a disposição dos astros ele precisava
consultar várias vezes o atlas e as revistas que encontramos sobre o Sistema Solar.
Leu bastante, buscou informações específicas exercitando as habilidades de um
leitor eficiente, ao mesmo tempo em que executava a parte prática do seu projeto
de aprender
Outras aprendizagens foram realizadas na hora de relatar o processo de
execução do projeto de aprender em forma de apresentação de slides.
Consultas em sites, pesquisa sobre os nomes dos planetas, curiosidades sobre
Plutão que deixou de ser planeta, dicas para memorizar a sequência dos nomes
dos planetas e tudo mais.
Ele organizou um CD com toda a apresentação, realizou a capa do CD e decorou-
a. Na hora de escrever, muita atenção às palavras, perguntas de como se escreve,
análise das palavras para decidir sua escrita, consultas no dicionário e muitas
outras aprendizagens ligadas à aprendizagem da leitura, interpretação e escrita, o
que era raro anteriormente, porém com muito significado.
Além da parte dedicada à execução e à aprendizagem de como estudar, esse
menino lidou com muitas questões relativas a seu mundo interno.
Precisou experimentar a paciência, a espera, a necessidade de compreender o
processo e acalmar sua ansiedade, controlar-se para poder produzir o que
imaginava num tempo diferente daquele que imaginava e desejava, explicar o que
estava pensando para que fosse entendido, ouvir as intervenções para poder
reorganizar o que estava planejado e muito mais.
3.4
Pensar a realização para ampliar a discussão, deixar
espaço para outras reflexões...
No espaço da clínica, o projeto de aprender, além do desenvolvimento de
competências para aprender o mundo e o conhecimento que nele existe, tem a
intenção de provocar a superação das dificuldades que podem surgir nesse
processo, tanto aquelas necessárias para que a aprendizagem se dê quanto as
obstaculizadoras, para as quais a mediação psicopedagógica pode ser um recurso
importante.
Para aprender, segundo Piaget, citado por Dolle (1993, p. 18-19), é necessário o
contato com a novidade, que por ser novidade provoca um desequilíbrio, que faz com
que o aprendiz sentindo a dificuldade, vá em busca do equilíbrio – (equilibração:
equilíbrio em ação) e por isto desenvolva-se e aprenda. Piaget chamava este
desequilíbrio de desequilíbrio ótimo, o que faz com que afirmemos que existe uma
dificuldade necessária para que haja aprendizagem.
Além disso, Visca (2000) nos traz o estudo dos obstáculos à aprendizagem, no
qual caracteriza o obstáculo epistêmico – de caráter cognitivo, ou seja, ligados ao
raciocínio lógico matemático; o obstáculo epistemofílico – de caráter afetivo,
diretamente ligado às ansiedades que o ato de aprender provoca e ao
aparecimento do desejo ou não de aprender; e o obstáculo funcional relacionado à
articulação entre pensamento e a vinculação afetiva estabelecida com as situações
de aprendizagem. O obstáculo funcional também pode ser decorrente de
problemas orgânicos; e o obstáculo epistemológico – de caráter cultural,
relacionado às mudanças culturais significativas na vida do aprendiz.
Nesse sentido, o projeto de aprender pode ser utilizado tanto como um processo
corretor, de acordo com a denominação de Visca (2000) – para que o aprendiz
possa superar os obstáculos existentes à sua aprendizagem; quanto, como uma
proposta de “otimização” do aprender, que provoca um desequilíbrio ótimo –
quanto como um instrumento de prevenção das dificuldades, nos casos em que os
aprendizes são considerados, por algum motivo, aprendizes de risco.
Em qualquer um deles a proposta é a superação, desenvolver a autonomia do
aprendiz e promover a articulação entre pensamento, emoção e desejo.
Para que isso seja possível é importante que o psicopedagogo não perca de vista
algumas reflexões que apontam para itens importantes na ação psicopedagógica.
Falaremos dessas reflexões a seguir.
3.5
Considerar o desejo do aprendiz
Todo projeto de aprender, desde a sua concepção até a sua finalização, deve levar
em consideração o interesse do aprendiz e o seu desejo por explorar o tema, por
resolver os problemas que dele surgem. Essa preocupação vai agir diretamente
sobre o mecanismo de aprender que pressupõe a articulação entre o pensamento
e o desejo e, portanto, pode, além de otimizar o processo de aprendizagem,
prevenir o aparecimento da inibição da aprendizagem e corrigir quadros nos quais
o ciclo inibitório da aprendizagem já se encontra instalado.
Segundo Barbosa (2007), uma das funções da ação psicopedagógica é romper o
ciclo de inibição da aprendizagem, o qual pode se formar a partir de repetidas
experiências de fracasso. Nessa obra a autora olha para a inibição da
aprendizagem, comum nos dias atuais como um ciclo possível de ser rompido e de
originar o progresso do aprendiz.
não conseguir aprender por repetidas vezes faz com que o aprendiz forme
de si uma imagem de fracasso e se iniba ou se afaste de novas situações de
aprendizagem. Este afastamento vai impedindo a sua evolução cognitiva e
inibindo seu desejo de aprender, o que gera desconforto diante de novas
aprendizagens, provocando por certo um novo fracasso. [...] O Projeto de
Trabalho [13] foi elaborado com a importante função de devolver a potência
ao aprendiz e auxiliar no rompimento do ciclo de inibição da aprendizagem.
(Barbosa, 1998, p. 21)
E é justamente aqui que reside uma diferença muito sutil entre considerar o
interesse e o desejo do aprendiz e possibilitar a aprendizagem. Muitos acreditam
que considerar o desejo do aprendiz é deixar o aprendiz fazer o que quer, sem
qualquer intervenção daquele que coordena o processo de aprender. Ora, se
aprender supõe não saber, um aprendiz que vai fazer somente o que quer, não vai
aprender, pois certamente vai fazer algo que já sabe. Nesse caso o seu desejo
explícito é não aprender. Então é preciso despertar o desejo em aprender e não
ficar assistindo alguém apenas repetindo o que sabe ou sendo regido apenas pelo
prazer de ficar no conhecido.
A ação psicopedagógica supõe a frustração, o desequilíbrio. Nesse sentido, deixar
o aprendiz fazer o que deseja, sem rumo, não diz respeito à psicopedagogia. É
preciso intervir. E só é possível intervir se temos claro o objetivo do projeto que está
sendo desenvolvido, se temos um planejamento prévio, se permitimos que o
aprendiz apoie-se naquilo que sabe para deixar o novo entrar e consequentemente,
aprender.
3.6
Promover a consciência de si como aprendiz e da
própria aprendizagem
13 [] Hoje o projeto de aprender aqui proposto mantém essa mesma função de auxiliar no
rompimento do ciclo de inibição de aprendizagem, buscando com que o aprendiz encontre sua
potência para seguir aprendendo.
Ao conceber um projeto, o aprendiz coloca em ação competências para aprender
que, conhecidas pelo próprio aprendiz, podem contribuir para o processo de
aperfeiçoamento da aprendizagem. Essa forma de se conhecer, de pensar sobre a
própria aprendizagem trazida por Barbosa (1998), na intervenção psicopedagógica
por meio de projetos, como um embrião da necessidade deste estudo na
psicopedagogia, foi aprofundada por Portilho (2009, p. 105-106).
O estudo sobre a metacognição parece estar ligado à própria existência do
ser humano, e as palavras de Sócrates “conhece-te a ti mesmo” vem
confirmar esta necessidade, quando nos convidam a conhecer o seu
significado. [...]o ensino deve estimular a pessoa a parar, refletir sobre sua
própria maneira de ser, pensar, agir e interagir, assim como também
convidá-la, conscientemente, a mudar quando for necessário melhorar sua
aprendizagem. [...] ...metacognição, pois se trata do conhecimento
procedimental sobre o próprio conhecimento, mesmo que este seja
obtido ... de uma informação previamente armazenada.
3.8
Construir um ciclo de progresso da aprendizagem
O projeto de aprender precisa ser pensado em função do resgate da potência do
aprendiz, que, diante de inúmeros fracassos, acaba formando uma imagem,
distorcida, de si. É preciso desenvolver um projeto no qual o sujeito se perceba
capaz, produtivo e comece a se fortalecer para enfrentar as dificuldades. Por isso a
proposta do primeiro projeto é sempre aceita, pois a partir dela é possível iniciar a
constituição de um ciclo de progresso da aprendizagem. Pois, quando o aprendiz
sente-se capacitado para fazer algo, percebe-se um fazedor, um autor, fica mais
forte, mais potente e com isso sente-se capaz de enfrentar situações difíceis;
enfrentando as situações mais difíceis ele desenvolve suas funções básicas para
aprender, isso o deixa mais preparado para se defrontar com outras situações,
igualmente ou mais difíceis. Por encontrar-se mais confiante, acerta mais do que
erra, perde o medo de perguntar, quando não sabe e isto vai fazendo com que se
torne mais disponível para aprender.
Tive um cliente aprendiz que apresentava muita resistência para ler, fugia de
todas as situações que dessem indicadores da presença da linguagem escrita. Com
seus sete anos, defendia-se dos pedidos para que escrevesse copiando. Copiava do
amigo, copiava dos painéis expostos na escola e na sala de aula, copiava do jornal
e de tantos recursos que possuía.
Quando começamos a trabalhar, ele escolheu um projeto de fazer brinquedos.
Começou com um brinquedo que é feito de dobradura, que no meu tempo
chamávamos de céu e inferno, pois escrevíamos palavras antônimas como: feio,
bonito; alegre, triste; céu e inferno... Pedíamos que alguém dissesse um número,
abríamos e fechávamos o brinquedo e víamos que palavras apareciam naquela
abertura, quando terminássemos de contar.
Vejam que ironia do destino, fugindo da escrita ele escolheu algo que
necessitava dela.
Parece que, inconscientemente, queria se preparar para enfrentar as
dificuldades com a linguagem escrita, assim a utilizava por meio do jogo. Sem
sentir nem perceber, pode se fortalecer nesse aspecto e até enfrentar situações do
cotidiano mais complicadas.
A evolução dos projetos que foi planejando e executando, passou pela
construção de um mini palco e seus personagens, pelo roteiro escrito da peça que
caracterizava o caminho do jogo; pela pesquisa sobre artistas plásticos famosos,
na qual a leitura e a escrita eram fundamentais e, também transformou-se em
jogo; e por tantos outros projetos que lhe permitiram aprender a lidar com sua
dificuldade específica de linguagem, em vez de se esconder atrás dela.
Ele descobriu por meio das intervenções de caráter subjetivo e objetivo que:
possuía um quadro de dislexia14 exige dele muito mais leitura, muito mais escrita
do que para os aprendizes que não o possuem. É preciso voltar a leitura
quando se perde;
é preciso revisar sempre o que escreve;
é necessário ler quantas vezes for preciso para que a compreensão de textos
mais complexos se faça;
pode ajudar o estudo e a compreensão da leitura com a construção de
esquemas, com o apoio de imagens, com a elaboração de mapas conceituais;
e tantas outras estratégias possíveis e mais exploradas neste ou naquele
projeto.
14 Dislexia aqui está sendo entendida como um indicador de dificuldade de leitura e de escrita, cuja
causa principal é de origem neurológica.
e desenvolver suas possibilidades de aprender a partir da experiência que passa
por dentro dele, de forma verdadeira, e das intervenções do psicopedagogo que
possam levá-lo a pensar sobre o que faz e a fazer o que pensou.
Quando a zona de desenvolvimento proximal é alargada, mais possibilidades
existem para o aprendiz de responder de forma acertada, sem ficar repetindo a
experiências de fracasso.
3.9
Outras possibilidades
Além desses pontos destacados, é importante nos darmos conta de que o projeto
de aprender pode deixar espaço para o desenvolvimento de habilidades
específicas ligadas à dificuldade principal do aprendiz; utilizar diferentes
linguagens como instrumentos de aprender; explorar conhecimentos necessários
para resolver temas problemas e propor situações cada vez mais autênticas que
procurem resolver questões da vida cotidiana e de problemas reais por meio de
projetos que planejarão a intervenção no contexto escolhido.
Síntese
O projeto de aprender é uma atitude que revela uma concepção de aprendizagem.
Parte do conhecimento do aprendiz propõe a interdisciplinaridade e promove o
desenvolvimento do aprendiz. Sua intenção é servir de objeto mediador entre o
aprendiz e as aprendizagens que necessita realizar, assim como entre o aprendiz e
os obstáculos que se impõem à sua aprendizagem. Dessa forma, planejando,
realizando, avaliando e redimensionando o aprendiz pode romper o ciclo de inibição
de aprendizagem para desenvolver-se.
Indicações culturais
Sites
<www.monteserrataprendizagem.com.br>
<www.sinteseaprendizagem.com.br>
Projetos
Projetos da Casa de Cora Coralina. Disponível em:
<http://www.casadecoracoralina.com.br/festival>. Acesso em: 12 dez. 2009.
Memorial das Cavalhadas, para recuperação do acervo documental do Memorial
das Cavalhadas na cidade de Pirenópolis – Patrocínio: Petrobras.
Janela para o Cinema – Ponto de Cultura de iniciação ao audiovisual- Patrocínio:
IPHAN/Ministério da Cultura.
Projeto Itinerário Cora Coralina, de guia poético da história de Goiás – Patrocínio
Monumenta/Unesco.
Festival de Doces e Poesias de Cora Coralina, para divulgação de sua vida e obra
em Brasília, DF – Patrocínio: Ministério do Turismo e Global Editora.
Livros
MESQUITA, F. Almanaque de baratas, minhocas e bichos nojentos. São Paulo: Panda
Books, s/d.
Este livro é um livro para meninos entre 06 e 11 anos que se interessem
pela natureza. Pode ser utilizado como disparador de um Projeto de
Aprender ou como meio de consulta para enriquecer projetos ligados à
natureza.
MESQUITA, F. A incrível fábrica de coco, xixi e pum. São Paulo: Panda Books, 2007.
É uma obra de história natural para crianças que traz como tema o coco e
pode ser utilizado como disparador ou enriquecimento de Projetos de
Aprender. Crianças de 07 e 08 anos divertem-se muito com o tema, a
ilustração e as curiosidades trazidas por seu autor.
ARNOLD, N. Bichos nojentos. São Paulo: Melhoramentos, 2002.
É um livro que tem a mesma função dos anteriores. O tom de aventura
trazido pelo autor atraem meninos que apreciam animais e curiosidades
sobre eles. Completa projetos e é uma forma de interessar meninos pela
leitura
PRÉ, M. Mandalas para crianças: uma nova ferramenta pedagógica. Cotia: Vergara
& Riba, 2007.
São cadernos que contêm mandalas a serem coloridas. Podem dar origem a
um projeto de aprender ou podem ser o tema principal de um projeto, que
pode partir das mandalas contidas no cadernos e ampliar para criação de
mandalas com recordes, desenhos ou pinturas.
AQUINO, G. de. Brinque Book com as crianças na cozinha. São Paulo: Brinque Book,
2005.
Projetos interessantes são aqueles que envolvem a culinária. Esta é uma
obra que pode contribuir muito com projetos de aprender que possuam esta
característica.
PEREIRO, A. Oficina de artesanato infantil. Barueri: Girassol, 2008.
Livros como esse podem servir de consultas, principalmente nos projetos
que envolvam construção. As técnicas ali demonstradas podem inspirar
soluções para problemas surgidos desse tipo de projeto de aprender.
Atividades de Aprendizagem
Questões para Reflexão
1. Encontre uma história infantil, em quadrinhos, que conte histórias de crianças
construindo coisas. Imagine que aquela história retrate um encontro de
atendimento psicopedagógico e que a criança ou crianças ali representadas
estão desenvolvendo um projeto de aprender. Imagine-se psicopedagoga dessas
crianças:
a) Procure, na introdução, a explicação sobre as intervenções psicopedagógicas
de caráter subjetivo.
b) Escolha uma cena da história na qual poderia fazer uma intervenção
psicopedagógica e utilize uma das intervenções descritas na introdução.
c) Então escreva em uma folha: qual o momento da história você interviria, que
tipo de intervenção faria, como falaria e qual reação você imagina, a criança
ou as crianças teriam após sua intervenção. Discuta com seus colegas a sua
escolha e busque uma supervisão psicopedagógica, com um(a) profissional
da área, para ver como foi seu desempenho.
4.1
O material disparador: considerações preliminares de
uma experiência clínica psicopedagógica
A princípio, a proposta do material disparador surgiu como uma alternativa ao uso
da caixa de trabalho, recurso originalmente concebido por Jorge Visca (1994),
utilizado no processo corretor psicopedagógico de acordo com o modelo da
Epistemologia Convergente.
Antes de seguirmos adiante, é importante esclarecer que considero a
Epistemologia Convergente o modelo de análise que melhor explica a interação
entre os fatores cognitivos e afetivos atuantes no processo de aprendizagem, à
medida que faz uma perfeita integração das contribuições de três grandes escolas
de pensamento: a psicanálise, a psicologia genética e a psicologia social.
Entretanto, ao experimentar o uso da caixa de trabalho, conforme proposto pela
Epistemologia Convergente, deparei-me com duas limitações importantes. A
primeira foi de ordem econômica, pois o modelo original da caixa de trabalho
previa que materiais como jogos, tesouras, lápis de cor, entre outros, fossem
incluídos na caixa de trabalho de cada sujeito, em vez de serem compartilhados
por todos, o que elevava o custo em uma época que, aqui no Brasil, convivíamos
com uma inflação galopante (ano de 1993).
A segunda limitação, sem dúvida a mais importante, foi surgindo à medida que
fui me descobrindo mais interacionista do que a caixa de trabalho me permitia ser.
Nesse momento, senti a necessidade de buscar uma nova forma de atuação no
processo corretor psicopedagógico que respeitasse os princípios teóricos da
Epistemologia Convergente, particularmente no que se refere à análise da
patogenia e da etiologia de cada caso, mas que fosse também coerente com a
identidade profissional que eu começava a construir.
Assim, surgiu o material disparador, que inicialmente pouco fez além de
derrubar as paredes da caixa de trabalho, cuidando para preservar algumas de
suas características. Recebeu esse nome em alusão ao disparador muitas vezes
usado em grupos operativos (Visca, 1997a, p. 39), cuja função é mobilizar o sujeito
em busca da aprendizagem.
Trata-se de um material selecionado pelo psicopedagogo e colocado sobre a
mesa de trabalho, ao lado de uma caixa de instrumentos e matérias-primas, que
contém, basicamente, lápis, lapiseira, canetas esferográficas, borracha, apontador,
cola, tesoura, fita adesiva, clipes, régua, lápis de cor, caneta hidrográfica, papel
sulfite branco, papel sulfite colorido, papel pautado e quadriculado. Essa caixa de
instrumentos é de uso comum a todos os sujeitos, e seu conteúdo não se altera, de
modo que os materiais vão sendo repostos à medida que são consumidos.
Por outro lado, esses materiais também permitem que sejam feitos acréscimos
ou transformações no material disparador e podem, vez por outra, assumir eles
próprios a função de disparador de uma sessão, quando, por exemplo, o sujeito usa
o papel para fazer uma dobradura, um desenho ou mesmo para escrever um texto.
Já o material disparador propriamente dito, que é colocado ao lado dessa caixa
de instrumentos e matérias primas, é especialmente selecionado para atender às
particularidades de cada sujeito, contemplando suas necessidades e, ao mesmo
tempo, seus interesses. Podem ser jogos, livros, revistas, fantoches, tinta,
massinha de modelar, argila, receitas culinárias, enfim, todo e qualquer material
que possa servir de estímulo para que o sujeito evolua em seu processo de
aprendizado.
Apesar de o material disparador ser específico para cada sujeito, isso não
significa que seja de seu uso exclusivo, de modo que um mesmo livro ou um
mesmo jogo pode ser utilizado por diferentes pessoas, em diferentes sessões.
4.2
A análise de um jogo
Minha experiência com o uso do material disparador mostrou-me a necessidade de
aprofundar os estudos sobre os processos cognitivos mobilizados pelos diferentes
jogos que são utilizados no atendimento clínico psicopedagógico, de modo que se
pudesse extrair de cada um deles o melhor aproveitamento possível.
Apresentarei a seguir o resultado de uma das análises realizada a partir de um
jogo bastante conhecido entre os profissionais da área: o jogo Cara a Cara.
Trata-se de um jogo composto por dois tabuleiros iguais, os quais contêm 24
figuras de personagens cada um, sendo que estes possuem diferentes atributos:
cor de cabelo, cor dos olhos, cor da pele, tamanho da boca, uso de artefatos como
óculos, brincos ou chapéus etc. Acompanha um baralho de cartas contendo as
mesmas 24 figuras que se encontram expostas em ambos os tabuleiros. Cada
jogador sorteia uma dessas cartas, que será o personagem que seu adversário
deverá descobrir. Então, ambos se alternam fazendo perguntas sobre os atributos
dos personagens, até que um dos jogadores consiga descobrir a figura que seu
adversário sorteou.
Analisando as áreas de pensamento envolvidas nesse jogo, verificamos que,
num primeiro momento, quando o sujeito tem de elaborar a pergunta que fará a
seu adversário, ele precisa fazer uma CLASSIFICAÇÃO, elegendo um critério que lhe
possibilite separar aquelas figuras em dois grupos: aquele que possui o atributo e
aquele que não o possui. Por exemplo, ao fazer a pergunta: “O seu personagem é
loiro?”, o sujeito está automaticamente separando as figuras em dois grupos: o
grupo dos loiros e o grupo dos que não são loiros. Estabelece-se, assim, uma
dicotomia.
Em um segundo momento, quando o adversário, no caso o psicopedagogo,
responde à pergunta do sujeito, este deve decidir quais personagens irá eliminar e,
para tanto, deve proceder a uma inclusão de classes, já que terá de decidir quais
figuras serão incluídas na categoria dos loiros e quais serão incluídas no grupo dos
não loiros. É comum que o sujeito que ainda não alcança a inclusão de classes
nesse momento apresente dúvidas do tipo: “Aqui tem um que é loiro, mas está
com chapéu. Eu tiro ele também?”.
O psicopedagogo pode incitar o sujeito a reconhecer perguntas que lhe
permitam eliminar um maior número de figuras de uma só vez, antecipando o
resultado das duas únicas respostas possíveis: “Quantas figuras você irá eliminar
se eu lhe disser que sim? E quantas irá eliminar, se eu lhe disser que não?”. Nesse
caso, o sujeito estará sendo convidado a fazer predições e a considerar a
probabilidade de êxito de uma pergunta. Por exemplo, quando uma pessoa
pergunta ao seu adversário se a figura sorteada tem um chapéu com florzinhas e
ele diz que sim, a pessoa descobre automaticamente quem era o personagem do
oponente, já que no jogo existe uma única figura nessas condições. Entretanto, a
probabilidade de que isso aconteça é de apenas 1 em 24.
Claro que podemos considerar que o fator “sorte” faz parte do jogo, e mesmo
uma pergunta com pouca probabilidade de êxito pode definir a partida. Mas é
difícil que isso aconteça sistematicamente, de modo que logo os sujeitos percebem
a vantagem de fazer estimativas e de aprender a jogar de forma mais estratégica.
Quando alcançam esse estágio, pode ser interessante apresentar aos sujeitos
novos estímulos, que lhes provoquem conflitos cognitivos, desestabilizando-os
para que busquem novas acomodações e assimilações (no sentido piagetiano dos
termos) e recuperem o seu equilíbrio, agora num patamar superior, ou seja,
mobilizando-os à busca de uma equilibração majorante.
Para tanto, o psicopedagogo pode abaixar a peça do seu tabuleiro relativa ao
seu próprio personagem, assim que sorteá-lo (já que não existem cartas
repetidas). Se o estímulo for reconhecido pela criança, ela poderá indagar ao
psicopedagogo por que abaixou uma figura, mesmo antes de fazer qualquer
pergunta. Então, o psicopedagogo pode ir dando pequenas “dicas” que levem a
criança a concluir por si mesma, por exemplo: “Eu abaixei esta peça porque tenho
certeza de que este não é o seu personagem”, ou “Eu abaixei esta peça, porque
sei que não existem cartas repetidas neste jogo”.
Quando a criança assimilar esse estímulo, incorporando-o aos seus esquemas
prévios e passando a utilizá-lo em suas jogadas, o psicopedagogo pode provocar
um novo desequilíbrio, aproveitando-se dessa mesma jogada, como
demonstraremos a seguir.
Depois que a criança já abaixou a peça do seu tabuleiro referente ao seu próprio
personagem, ela faz uma pergunta, por exemplo, se a figura que o psicopedagogo
pegou tem chapéu. Supondo que ele diga que não, a criança irá abaixar todos os
personagens que têm chapéu. Nesse momento, o psicopedagogo pode contar o
total de peças abaixadas no tabuleiro da criança e até anunciar o seu raciocínio,
dizendo: “Se existem apenas cinco figuras com chapéu neste jogo, e você está
com seis peças abaixadas, isso quer dizer que o seu personagem não usa chapéu”.
E então o psicopedagogo elimina todos os personagens com chapéu e ainda tem o
direito de fazer a sua pergunta.
É comum que, nesse momento, a criança se rebele, dizendo que aquilo não vale
ou que o psicopedagogo perderia o direito à sua pergunta, sendo ocasião propícia
para levá-la a rever as regras do jogo e juntos concluírem se o procedimento é
válido ou não. Passada a surpresa, a criança pode ser convidada a se apropriar do
recurso, tentando fazer o mesmo RACIOCÍNIO LÓGICO DEDUTIVO, para usá-lo contra o
seu oponente.
Outro aspecto interessante a ser observado quando se trabalha com jogos no
processo corretor psicopedagógico é a oportunidade de explorar as regras desses
jogos, utilizando-as para desenvolver várias competências.
A leitura dos folhetos que acompanham os materiais, por exemplo, fornece
oportunidades valiosas para se trabalhar eventuais dificuldades do sujeito com
interpretação de texto ou até mesmo sua resistência à leitura. Para isso, muitas
vezes, pode ser necessário que o psicopedagogo reescreva as regras que
acompanham o material, adequando sua linguagem à idade da criança, pois nem
sempre isso é observado pelo fabricante.
A observância da adequação do sujeito às regras do jogo e as suas tentativas de
manipulá-las ao seu favor também nos fornece pistas importantes do estágio de
construção da moralidade alcançado pelo sujeito e a oportunidade de estimular o
desenvolvimento de seu juízo moral. A criança que ignora totalmente a existência
de regras ao jogar estaria ainda num estágio de anomia moral; aquela que
manipula as regras ao seu favor, embora diga que está seguindo rigorosamente a
regra do jogo, estaria num estágio de heteronomia moral, enquanto que a criança
que não só observa as regras do jogo, como também aceita combinar regras novas
e segui-las, essa criança demonstra autonomia moral.
Com intervenções adequadas, o psicopedagogo pode estimular a passagem da
criança de um nível de construção moral a outro mais avançado, como podemos
observar no diálogo a seguir, entre a psicopedagoga 15 (P) e um sujeito (S) de 6
anos:
(S): Eu começo!
(P): Por que você começa?
(S): Tá, bom! Então comece você.
(P): Mas por que eu? Este jogo não tem regras?
4.3
O trabalho com adolescentes
A princípio, o processo corretor psicopedagógico com adolescentes com o uso do
material disparador como recurso era realizado como descrito na seção anterior. A
única diferença em relação ao atendimento prestado a crianças de menor idade
era a natureza dos materiais selecionados, de modo que os livros e os jogos
utilizados fossem adequados à faixa etária e às necessidades particulares de cada
sujeito.
No entanto, com o passar do tempo, observei que, a exemplo do relato de outras
psicopedagogas (mesmo daquelas que utilizavam recursos diferentes do material
disparador), era comum que muitos adolescentes abandonassem o atendimento
psicopedagógico precocemente.
4.4
Uma mudança de perspectiva
Durante os anos que se seguiram, dispus-me a voltar a estudar conteúdos de
matemática como: álgebra, geometria, trigonometria, análise combinatória, entre
outros, tarefa que não foi nada fácil para quem há muito tempo havia se afastado
dessa área de conhecimento.
Entretanto, essa também foi uma experiência fascinante, em vários sentidos.
Primeiro, porque pude constatar que é infinitamente mais fácil aprender esses
conteúdos quando já se possui uma estrutura cognitiva suficientemente
desenvolvida, ao contrário do que acontece com a maioria dos alunos, que é
introduzida ao estudo da álgebra sem ter alcançado plenamente o nível de
pensamento hipotético-dedutivo ou pensamento formal.
Através do diagnóstico operatório, é possível verificar se um determinado sujeito
já ingressou nesse estágio de pensamento, no qual uma das primeiras aquisições é
a da conservação de volume.
Embora Jean-Marie Dolle (1983, p. 127) admita que seja possível indagar se a
aquisição da noção de volume é a última conservação das operações concretas, ou
a primeira das formais, o autor esclarece que “Piaget é de opinião que ela
concerne às operações formais porque comporta a noção de proporções, que só é
adquirida ao nível formal”.
De fato, Piaget (1972, p. 190) verificou que, no domínio das conservações, por
volta dos nove e dez anos, as crianças admitem a conservação de peso, “mas
quanto ao que diz respeito ao volume se nega ainda antes dos 11/12 anos, e em
virtude dos raciocínios intuitivos inversos!”.
Assim como o pensamento hipotético-dedutivo é um pensamento de segundo
grau, também a álgebra é uma linguagem de segunda potência, pois nela um
signo (x, por exemplo) representa outro signo (um numeral), que, por sua vez,
representa uma ideia de quantidade.
Por outro lado, sabemos que aqui no Brasil o ensino da álgebra começa
exatamente na sexta série do ensino fundamental, na qual, dependendo de cada
região do país, podem ser encontrados alunos que irão completar 12 anos somente
no final daquele ano letivo. Considerando-se ainda que em toda sua obra, Piaget
deixa claro que as idades que marcam o ingresso em cada estágio de pensamento
são apenas aproximações, podemos concluir que muitas crianças são introduzidas
ao estudo da álgebra sem ainda terem desenvolvido estruturas cognitivas que as
capacitem a assimilar esse aprendizado.
Embora existam autores que acreditam ser possível facilitar a aquisição de
noções ou operações através de sessões de aprendizagem, promovendo assim
uma aceleração na construção operatória, Piaget evidencia seu ceticismo diante
dessas aquisições operatórias artificialmente provocadas, questionando sua
estabilidade e transposição (Coll; Martí, 1996, p. 114).
Como demonstraram os trabalhos de Jan Smedslund (1961), citado por Inhelder,
Bovet e Sinclair, 1977, p. 23), os conhecimentos adquiridos dessa forma sofrem
uma extinção mais rápida do que quando adquiridos através da atividade do
próprio sujeito.
Minha experiência corrobora as conclusões desses trabalhos, verificando que
muitos sujeitos que conseguem evoluir de série, não tendo alcançado uma
estabilização dos conhecimentos adquiridos na série anterior, encontram
dificuldades ainda maiores na série seguinte por não possuírem os conhecimentos
prévios necessários para ancorar o novo aprendizado.
Nesses casos, verificamos que, mesmo tendo evoluído em seu desenvolvimento
cognitivo, e agora dispondo da estrutura de pensamento que lhe permitiria
compreender o que o professor está ensinando, o sujeito continua encontrando
dificuldades, devido a uma defasagem de conhecimentos prévios que se formou e
aos inevitáveis prejuízos emocionais ocasionados.
De fato, é comum que, nesses casos, a autoimagem do sujeito se mostre
rebaixada, que o vínculo com o aprendizado não seja mais o mesmo e que,
consequentemente, o sujeito manifeste uma grande resistência para abordar a
tarefa relativa àquela área de conhecimentos.
Outro aspecto fascinante de minha experiência ao utilizar o material escolar do
sujeito, como material disparador, foi a possibilidade de aplicar os conhecimentos
adquiridos na formação psicopedagógica, para identificar os processos cognitivos
mobilizados pelos diferentes conteúdos do aprendizado formal e assim relacioná-
los com as dificuldades que o sujeito manifesta para aprendê-los.
Assim, podemos compreender, por exemplo, a confusão de um sujeito que não
consegue entender por que a professora de português considera errada sua resposta,
quando solicita uma análise sintática da frase “Alguém fechou a porta” e ele classifica
a palavra porta como um substantivo, em vez de considerá-la como um objeto direto.
Verificamos no exemplo citado a dificuldade de alternância de critérios de
classificação manifestada pelo sujeito, que ainda não compreende que uma
mesma palavra, ora pode ser um substantivo (análise morfológica), ora pode ser
um objeto direto (análise sintática). Portanto, nesse caso, não se trata de explicar
ao sujeito o que é um objeto direto, mas, sim, de oferecer-lhe oportunidades de
experimentar alternância de critérios de classificação com diferentes conteúdos,
inclusive objetos concretos, se necessário. Por fim, ajudá-lo a entender a diferença
entre morfologia e sintaxe, para só então chegar às classes e subclasses que
podem ser formadas em cada categoria de análise.
O mesmo acontece na geografia, quando uma criança que ainda não possui a
capacidade de fazer inclusões de classes tenta compreender por que ora se diz
que ela mora em Curitiba, ora se diz que ela mora no Paraná ou, ainda, no Brasil.
Na matemática, podemos observar claramente quando um aluno, usando um
grande esforço de acomodação externa, mostra-se capaz de resolver, por exemplo,
um sistema de equações algébricas que lhe seja apresentado revelando um
domínio procedimental daquele conteúdo. No entanto, se esse mesmo aluno ainda
não alcançou o nível de pensamento formal, encontrará grande dificuldade para
elaborar por si mesmo o referido sistema, a partir da leitura de um enunciado, pois
isso exigiria que ele tivesse o domínio da linguagem e do pensamento algébrico.
Enfim, o que pretendemos demonstrar através dos exemplos citados é que, a
partir do momento em que o psicopedagogo se dispõe a identificar os processos
cognitivos que são evocados pelos diferentes conteúdos escolares, ele pode
compreender melhor as dificuldades que o sujeito manifesta diante desses
conteúdos, capacitando-se a intervir de uma forma mais adequada para facilitar
seu processo de aprendizado.
Por outro lado, a experiência de voltar a estudar determinados conteúdos
escolares, junto com o sujeito, ampliou minha compreensão da angústia vivida por
quem sofre a dificuldade de aprendizado.
Mais do que isso, permitiu-me experimentar por mim mesma toda a tolerância à
frustração necessária para realizar uma tarefa como essa. Permitiu-me, ainda,
enxergar com outros olhos as resistências que tantos estudantes apresentam para
realizar tarefas escolares tão árduas, desenvolvendo assim uma capacidade de
empatia, que hoje é minha principal ferramenta de trabalho no atendimento a
adolescentes.
4.5
A abordagem do conteúdo escolar no atendimento
psicopedagógico
Minha experiência na inclusão do conteúdo escolar no atendimento
psicopedagógico com adolescentes teve início na área matemática, como vimos
anteriormente. Mas, a partir de então, o processo se estendeu a todas as demais
áreas do conhecimento.
Porque, na realidade, não importa que o psicopedagogo não domine o conteúdo,
visto que seu objetivo é o de ensinar a aprender, e não o de ensinar o conteúdo
propriamente dito. Essa é a grande diferença entre uma sessão psicopedagógica
com o material disparador, no qual se trabalha o conteúdo escolar e uma aula
particular. É a mesma diferença que há entre dar o peixe e ensinar a pescar.
Ensinar o sujeito a ser autodidata, a procurar a explicação no livro, a examinar
os exemplos do autor, a relacioná-los com as anotações feitas no caderno, a
pesquisar em outras fontes, a anotar suas dúvidas, a fazer um resumo de um
capítulo, a fazer um esquema geral são as aprendizagens que se pretende
alcançar. Mas, para alcançá-las, o psicopedagogo não tem um planejamento
anterior a cada sessão, como o professor que elabora sua aula. Pelo contrário, é o
sujeito que define o conteúdo e o andamento de cada sessão, ao expressar seus
desejos e suas necessidades, bem como seus medos e ansiedades naquele
momento. A ação do psicopedagogo acontece a partir da ação do sujeito, que ao
se manifestar expressa condutas que revelam qual é o seu verdadeiro obstáculo ao
aprendizado.
Visca (1994) classifica as causas patológicas que dificultam o aprendizado em
três grandes grupos de obstáculos: epistêmico, funcional e epistemofílico.
O autor esclarece que o obstáculo epistêmico é utilizado para designar
alterações na estrutura cognitiva do sujeito, seja uma lentidão geral de seu
desenvolvimento, seja uma parada global. Já o obstáculo funcional refere-se,
principalmente, a alterações observadas no funcionamento da estrutura cognitiva,
definidas como diferenças funcionais (predominância do aspecto figurativo ou
operativo do pensamento, impossibilidade do sujeito de alternar argumentos de
conservação, oscilações no desenvolvimento das estruturas cognitivas etc.). Por
fim, o obstáculo epistemofílico refere-se à qualidade do vínculo afetivo que o
sujeito estabelece com o objeto de aprendizagem (Visca, 1994, p. 68).
Vimos exemplos relativos à análise dos processos cognitivos evocados por
determinados conteúdos escolares ou por jogos, como o Cara a Cara, e procuramos
demonstrar, primordialmente, como o psicopedagogo pode interpretar e mobilizar
as aprendizagens de um sujeito, considerando suas dificuldades cognitivas, sejam
elas estruturais (obstáculo epistêmico) ou funcionais (obstáculo funcional).
No entanto, sabemos que a vinculação afetiva que o sujeito estabelece com o
objeto de conhecimento é tão determinante para o seu processo de aprendizado
quanto sua competência cognitiva, pois, nas palavras de Piaget “para que a
inteligência funcione, é preciso um motor, que é o afetivo” (Bringuier, 1993, p. 71).
Assim sendo, o psicopedagogo deve estar atento aos aspectos energéticos que
subjazem às condutas do sujeito, pois estas indicam a espécie de vínculo que ele
estabelece com o objeto de aprendizado.
Segundo Visca (1994, p. 68), um vínculo negativo com a aprendizagem pode
decorrer de um estado de ansiedade confusional, esquizoparanoide ou depressiva.
Por sua vez, Bleger (1984, p. 143-154) esclarece que cada uma dessas ansiedades
deriva da relação que o sujeito estabelece com o objeto, que pode ser reconhecido
por ele de um modo indiscriminado, dissociado ou integrado, respectivamente.
Para exemplificar como esses aspectos podem ser trabalhados no atendimento
psicopedagógico, em que o material escolar do sujeito é incluído como disparador,
segue a transcrição de parte de uma sessão realizada pela psicopedagoga (P), com
um sujeito (S) de 15 anos, cursando a oitava série do ensino fundamental.
4.6
O papel do erro no trabalho com material disparador
Toda concepção é um modelo explicativo, através do qual o sujeito interpreta o seu
ambiente. Desse modo, as concepções dos aprendizes atuam como estruturas de
recepção, que permitem ao sujeito assimilar ou não as novas informações
fornecidas pelo meio. Funcionam como filtros, que selecionam e ao mesmo tempo
elaboram as informações recebidas (Giordan; De Vecchi, 1996, p. 92-96).
Na verdade, as concepções prévias de um sujeito são os primeiros laços que ele
pode estabelecer com os conhecimentos novos que se pretende que adquira. Se
essas concepções forem ignoradas ou rejeitadas, o novo saber será construído sem
alicerces, desmoronando a qualquer momento.
Por essa razão, consideramos de fundamental importância investigar a
concepção que o sujeito possui acerca de um determinado objeto de
conhecimento, sempre que ele apresentar respostas erradas, em vez de
simplesmente lhe oferecer as respostas certas.
A teoria piagetiana já demonstrou anteriormente a importância do erro na
construção do conhecimento, comprovando que o erro permite que a criança
aprenda com ele e assim chegue ao acerto, ação da qual deriva o conceito de erro
construtivo.
Diversos estudos confirmaram que “uma informação selecionada pela criança a
um momento dado de seu desenvolvimento, se bem que errôneo com relação à
solução final do problema, parece, entretanto, pertencer a uma etapa necessária
para chegar ulteriormente a esta” (Inhelder; Bovet; Sinclair, 1977, p. 36).
Em consonância com esses postulados, adoto o método clínico piagetiano para
investigar os erros cometidos pelos sujeitos ao resolverem, por exemplo, exercícios
de matemática durante as sessões de atendimento.
Para demonstrar como isso é feito, observe a sequência a seguir, na qual um
sujeito (S), cursando a sexta série, resolve uma equação algébrica da seguinte
forma:
7x – 5 = 5 + 5x
7x – 5x = 5 + 5
2x = 10
1
x =
0
x=–5
4.8
A tomada de consciência no jogo Senha
Minha experiência no trabalho psicopedagógico com adolescentes tem me
mostrado que, quanto mais avançada a faixa etária do sujeito, e, principalmente,
quanto mais integrada é a sua estrutura emocional, predominante é a sua opção
de trabalhar com seu próprio material escolar, incluindo-o no material disparador
de suas sessões.
É comum acontecer, por exemplo, que sujeitos que já frequentam o ensino
médio façam uso dos jogos ofertados como material disparador apenas nas
primeiras sessões do processo corretor, passando a trazer seus próprios livros e
cadernos, tão logo a psicopedagoga lhes recorde que esses materiais também
poderiam ser incluídos no trabalho.
Em contrapartida, os sujeitos mais novos ou aqueles que apresentam uma
vinculação negativa muito intensa com a aprendizagem formal rechaçam o
material escolar, preferindo a aprendizagem informal e lúdica que os jogos
oferecem. Em geral, esses sujeitos passam a incluir o material escolar numa etapa
mais avançada do processo corretor, quando o medo de serem atacados por esses
materiais ou pelos novos conhecimentos neles contidos diminui.
De qualquer modo, os jogos constituem um excelente recurso para o trabalho
psicopedagógico, pois possibilitam que o sujeito exercite suas habilidades
cognitivas e metacognitivas ao mesmo tempo em que atendem a seus interesses e
necessidades afetivas.
Um jogo muito utilizado no atendimento a adolescentes, é o jogo Senha, à venda
no mercado e já bastante conhecido pelos profissionais da área.
Para aqueles que ainda não o conhecem, esse jogo é disputado entre dois
participantes, no qual um deles elege quatro cores distintas entre seis existentes
para construir uma senha secreta. O adversário tem direito a dez tentativas para
descobrir essa senha. A cada uma dessas tentativas, o desafiante deverá
responder utilizando pinos brancos ou pretos, sendo que cada pino branco indica
que o desafiado escolheu uma cor certa, mas que a colocou na posição errada,
enquanto cada pino preto significa que uma cor está certa e na posição exata. A
ausência de um pino, por sua vez, indica que uma das cores eleitas pelo desafiado
não pertence à senha secreta do desafiante.
Esse é um jogo que requer que o sujeito alcance ao menos o início do nível de
pensamento hipotético-dedutivo, pois ele deverá trabalhar com o levantamento de
hipóteses, envolvendo arranjos e permutações, e ser capaz de fazer deduções a
partir das respostas obtidas em cada tentativa.
Um aluno que esteja cursando o segundo ano do ensino médio, estudando
análise combinatória, pode até ser capaz de dizer que existem 360 senhas
possíveis nesse jogo, seja usando um método de contagem (6 543 = 360), seja
aplicando a fórmula de arranjos encontrada em seu livro de matemática.
Entretanto, se esse sujeito não alcança o nível de pensamento formal ou se
apresenta diferenças funcionais importantes em sua estrutura cognitiva,
encontrará dificuldades para desenvolver estratégias de raciocínio adequadas para
chegar à senha secreta.
Dedicando-me ao estudo do processo de tomada de consciência e depois de
vários anos de experiência com o referido material, identifiquei um padrão de
conduta que diferencia jogadores iniciantes de jogadores experientes e verifiquei
que esse padrão está relacionado com o processo de tomada de consciência
realizado pelo sujeito.
A análise dessas condutas, publicada por Guimarães, Stoltz e Bosse (2008, p. 19-
21), permite-nos observar como acontece o processo de tomada de consciência de
um saber que é, a princípio, eminentemente prático, para se tornar mais tarde um
saber consciente.
No decorrer do jogo, é comum acontecer que o desafiado receba apenas dois
pinos como resposta a uma de suas tentativas, sejam eles brancos ou pretos, o
que indicaria que apenas duas cores daquelas que ele arriscou estariam corretas.
Nesse momento, quando o jogador já é experiente e alcança o nível de
pensamento formal, ele conclui que se apenas duas das quatro cores que ele usou
estão corretas, as outras duas cores que ele deixou de fora, certamente,
pertencem à senha secreta, visto que existem apenas seis cores no jogo. A partir
de então, o jogador experiente passa a incluir, sistematicamente, as cores que
haviam sido deixadas de fora, em suas próximas tentativas, revelando consciência
de sua descoberta (Guimarães; Stoltz; Bosse, 2008, p. 20).
Esse raciocínio, aparentemente simples, é, na realidade, muito complexo, pois
implica uma reciprocidade de relações. Por isso, a conduta típica de jogadores
iniciantes ou daqueles que ainda não alcançam o pensamento formal difere
totalmente da conduta de jogadores experientes. Enquanto estes últimos, ao
saberem que acertaram apenas duas cores, vão direto às outras duas que ficaram
de fora, incluindo-as em sua nova tentativa, os jogadores inexperientes começam
a nova jogada, escolhendo duas cores quaisquer, dentre as quatro que haviam
utilizado na rodada anterior. Esses jogadores acabam completando sua nova
tentativa com as cores deixadas de fora, já que não há outras disponíveis, mas o
fazem de modo intuitivo, de modo que, nas tentativas seguintes, essas cores
voltam a ser desprezadas (Guimarães,; Stoltz; Bosse, 2008, p. 20).
A conduta desses jogadores evidencia o que Piaget concluiu acerca do processo
de tomada de consciência, isto é, que há sempre um primeiro nível de saber que é
inconsciente e que se expressa na ação, como quando o jogador inexperiente
inclui as cores que ficaram de fora em sua nova tentativa, mesmo sem saber por
que está agindo assim. Só mais tarde, quando alcança a consciência desse saber,
o jogador adquire o controle de sua ação, ou seja, passa a utilizar essa sua
descoberta de forma estratégica (Guimarães; Stoltz; Bosse, 2008, p. 21).
Pozo conclui que a tomada de consciência é essencial para acontecer essa
passagem de um momento em que simplesmente se obtém êxito na resolução de
um problema até o momento no qual se alcança a compreensão do porquê obteve-
se um êxito ou fracasso. O autor esclarece que, no primeiro momento, “as ações
do sujeito dirigem-se unicamente ao objeto; no segundo, quando tenta
compreender, tem como finalidade principal conhecer e modificar seu próprio
conhecimento” (Pozo, 1998, p. 183).
A experiência mostrou-me que é possível promover o desenvolvimento do
processo de tomada de consciência do sujeito estimulando-o a pensar sobre sua
ação, como podemos observar no exemplo a seguir, no qual a psicopedagoga 17 (P)
“disputa” uma partida do jogo Senha com um sujeito (S) de 14 anos:
(P): – Por que você resolveu repetir estas duas cores na sua jogada?
(S): – Porque só duas destas quatro cores estão certas.
(P): – Mas você poderia ter escolhido manter as outras duas que excluiu?
(S): – Poderia.
(P): – Então, você não tem certeza de que estas que escolheu manter sejam as
cores certas?
(S): – Não, não tenho.
(P): – E por que, você resolveu colocar estas outras duas cores?
(S): – Porque eu tinha que completar quatro cores.
(P): – Mas, você poderia ter tentado outras cores ou só podiam ser estas?
(S): – Bem, não tinha mais nenhuma outra cor pra eu usar.
(P): – Você tem certeza?
(S): – Sim.
(P): – Então, você está me dizendo que não tem certeza de que estas duas cores
que você escolheu para permanecer na jogada estejam certas, mas que tem
certeza de que estas outras duas que estavam de fora deviam entrar no jogo.
(S): – Sim, é isso mesmo.
Incitando os sujeitos a pensarem sobre sua ação, verifiquei que muitos deles,
que antes jogavam sem exibir estratégias de pensamento, passaram a agir como
jogadores experientes, revelando que a minha intervenção favoreceu a tomada de
consciência de seu saber prático. Entretanto, quando os sujeitos não possuíam a
estrutura cognitiva necessária para elaborar esse saber, eles não aproveitavam a
intervenção, de modo que nas jogadas seguintes voltavam a agir como se nada
tivesse acontecido.
(P): – Se apenas três cores estão certas, está faltando uma cor, que só pode ser
o vermelho ou o verde, porque só elas ficaram de fora. E se só uma delas é a certa,
então a outra é errada. Portanto, se o vermelho entrar, o verde não pode entrar.
Vou deixá-las aqui ao lado para não me esquecer disto, nas próximas jogadas.
Síntese
Neste capítulo, relatamos como surgiu a proposta do trabalho com o material
disparador e as evoluções sofridas por esta proposta, para adaptá-la ao
atendimento a adolescentes. Destacamos que a principal modificação feita pela
autora, para atender a essa faixa etária, foi a inclusão do material escolar, como
parte integrante do material disparador e demonstramos como é possível trabalhar
com esse material, numa abordagem psicopedagógica.
Esclarecemos que os jogos também são um recurso valioso no trabalho com o
material disparador e demonstramos como eles podem ser utilizados com maior
eficácia, quando o psicopedagogo conhece os processos cognitivos que eles
permitem estimular.
Por fim, destacamos a importância da tomada de consciência na evolução do
processo de aprendizado do sujeito e verificamos que o psicopedagogo pode
favorecer a evolução desse processo, ajudando o sujeito a se conscientizar de
concepções equivocadas que obstaculizam seu aprendizado, bem como facilitando
a tomada de consciência de saberes práticos que ainda estão num nível
inconsciente.
Indicação cultural
Para melhor compreendermos a relação entre o processo de tomada de
consciência e a metacognição, sugerimos a leitura do livro:
GUIMARÃES, S. R. K.; STOLTZ, T. (Org.). Tomada de consciência e
conhecimento metacognitivo. Curitiba: Ed. da UFPR, 2008.
Atividades de Aprendizagem
Questões para Reflexão
1. Quais eram as matérias que você menos gostava quando era aluno(a) no ensino
fundamental? E no ensino médio? Você tinha dificuldades nessas matérias? Você
aceitaria voltar a estudá-las e trabalhar com esses conteúdos como
psicopedagogo(a)? Por quê?
As brincadeiras espontâneas
As brincadeiras espontâneas permitem que o aprendiz possa se desenvolver em
vários aspectos: relacional, psicomotor, criativo, viver frustrações, vitórias,
partindo do princípio do prazer, para posteriormente poder encontrar e conviver
com o princípio da realidade. Viver a brincadeira espontânea permite, ao aprendiz,
encontrar outros caminhos para poder entender e/ou aceitar sua própria inserção
no mundo. Brincar espontaneamente pode favorecer a aquisição de novos
conhecimentos inclusive aqueles, que por algum motivo, encontram-se
obstaculizados. Muitas vezes não indo diretamente à dificuldade, o aprendiz passa
a ver que é capaz de realizar feitos na brincadeira espontânea e então, aos poucos
vai integrando-os à sua vida diária, elevando, dessa forma, a autoestima, o poder
de decisão, entre outros.
Segundo André Lapierre e Anne Lapierre (2002), é possível o adulto participar
dessa brincadeira espontânea, e essa relação é situada no plano simbólico,
podendo utilizar o olhar, os gestos, os sons para provocar comportamentos ou
atender aos desejos do aprendiz, o que permite que ele expresse suas fantasias e
libere suas pulsões, mesmo as que não são normalmente aceitas no ambiente de
aprendizagem.
O desejo de uma criança se manifesta no seu brincar. O brincar acontece
naturalmente. Ele tem um fim em si mesmo. É no brincar que a criança e
mesmo o adulto, são capazes de viver as suas criações de maneira plena.
Na maioria das vezes a criança tem dificuldades em não brincar [...] O
brincar é fundante para o sujeito. No brincar a criança dialoga consigo
mesma e com o mundo. [...] é uma linguagem, das mais sérias de que a
criança faz uso [...]. (Heinkel, 2000, p. 60)
O aprendiz e o brincar
Segundo Vera Barros de Oliveira (2000, p. 15), o brincar possui três grandes
núcleos organizadores que atraem e oferecem direção à criança. São eles: o corpo,
o simbólico e a regra. O corpo como primeira referência do sujeito no tempo e no
espaço, o simbólico como a possibilidade de organizar o mundo interno e a regra
como organizadora do mundo externo e como expressão do desejo, na medida em
que podem variar, de acordo com as necessidades dos sujeitos.
As brincadeiras, de forma geral, permitem que o aprendiz perceba suas
capacidades, suas limitações e os limites sociais necessários na exploração do
mundo e nas relações humanas. Oferece condições para que o sujeito supere suas
limitações e amplie capacidades.
A consciência corporal, resultante do primeiro núcleo organizador da brincadeira,
implica o desenvolvimento das consciências individual e social. Segundo Humberto
R. Maturana e Gerda Verden-Zöller (2004, p. 228), a interdependência entre o
adulto e a criança é desenvolvida por meio da brincadeira como elemento
promotor da confiança entre pais e filhos. O mesmo podemos dizer com relação ao
psicopedagogo e ao aprendiz, os quais, por meio de brincadeiras, constroem uma
relação de confiança.
O simbólico como núcleo organizador do brincar busca significado nas relações
com o outro e com objetos, os quais podem fazer parte da brincadeira, contribuindo
para a construção mundo interno. Brincar não inibe a fantasia e contribui para não
formar defesas muito rígidas e em alguns casos, até, para quebrá-las. A brincadeira
permite que o aprendiz dramatize o vivido, represente-o, expresse sentimentos,
pensamentos e se fortaleça como sujeito desejante. No atendimento
psicopedagógico, a brincadeira não é trazida com intenção direta de ensino-
aprendizagem, mas como um instrumento simbólico que considera e parte do
desejo do aprendiz para promover uma adaptação constante desse desejo.
A psicopedagogia, neste sentido, apoia-se nos estudos de Lapierre e Lapierre
(2002, p. 40):
Temos objetivos, projetos. Se esses objetivos não aparecem de imediato ao
espectador não experimentado, é porque, de início, eles não se manifestam
de uma forma pedagógica, por um desejo concreto de ensinar alguma coisa
à criança, mas de modo muito mais sutil, por uma adaptação permanente ao
desejo da criança, tendo a finalidade de permitir a evolução desse desejo.
5.3
Jogos
Enquanto na brincadeira as regras são quase uma imitação da vida, ao mesmo
tempo em que se afastam dela pelo fator imaginário, no jogo aparece o propósito
como objetivo final que pode fazer com que reste, na situação de jogo, menos
prazer, pois pode aparecer, nessa relação, a questão do ganhar e perder.
Para tratar do tema jogo, é necessário definir o significado de jogo a ser
utilizado. Segundo Tizuko Morchida Kishimoto (2000), o termo jogo possui um
conglomerado de significados, o que pode interferir no entendimento da
abordagem aqui desenvolvida. Nesse sentido, o jogo como recurso de intervenção
psicopedagógica será abordado como um sistema de regras que possui uma
estrutura sequencial que ajuda a especificar a sua função e a ação do jogador. Para
Johan Huizinga (1968), o jogo é uma atividade que possui seis características
definidoras: é livre, delimitado, incerto, improdutivo, regulamentado e fictício.
Quando falamos na característica livre, referimo-nos ao fato de ninguém ser
obrigado a jogar e à sua natureza lúdica, delimitado por que é preciso fazer
combinados, tanto em relação ao tempo como em relação ao espaço; é incerto
porque não se sabe qual será o resultado; improdutivo porque não gera bens
materiais e nem situações novas; regulamentado porque é sujeito a regras; e
fictício porque remete a uma simulação.
No atendimento psicopedagógico, os jogos podem ser utilizados com diferentes
propósitos: desenvolvimento e instrumentação; alívio das tensões provocadas pelo
não saber; aquecimento para um próximo projeto; construção de novos jogos e
modificação de jogos já conhecidos.
Visca (1996), ao falar da presença dos jogos no atendimento psicopedagógico,
dizia que, ao se trabalhar com jogos, dois aspectos eram importantes de serem
levados em conta: o nível de desenvolvimento cognitivo do aprendiz, assim como o
conhecimento que ele já possui do jogo a ser apresentado.
Além disso, acreditamos que é importante também a exploração de vários jogos,
a escolha e o entendimento dos fatores que estão sendo considerados para a
escolha. Em muitos casos, é possível transformar jogos que foram criados para
crianças mais velhas em jogos possíveis de serem jogados por crianças menores,
desde que essas transformações possam ser realizadas nas regras ou na forma de
jogar.
Síntese
O jogo e a brincadeira como recursos de intervenção psicopedagógica devem
preservar a ludicidade e servir como instrumento de vinculação afetiva com as
situações de aprendizagem. O psicopedagogo precisa cuidar para não cair na
armadilha de querer ensinar por meio de jogos e brincadeiras, para não correr o
risco de torná-las um exercício enfadonho.
Por outro lado, brincar e jogar por si só não se caracterizam um recurso de
intervenção psicopedagógica. É preciso que o psicopedagogo faça intervenções de
caráter subjetivo, para que o aprendiz vá se percebendo e se construindo.
Indicações culturais
Filmes
ESCRITORES da liberdade. Direção: Richard Lagravenese. Produção: Richard
Lagravenese. EUA/Alemanha: Paramount Filmes do Brasil, 2007. 123 min.
Nesse filme, uma professora de adolescentes socialmente excluídos utiliza,
entre outros recursos, uma brincadeira corporal para construir uma zona de
desenvolvimento proximal voltada para as relações entre eles.
O CAMPO dos sonhos. Direção: Phil Alden Robinson. Produção: Charles Gordon e
Lawrence Gordon. EUA: Universal Pictures/LK-TEL Vídeo, 1989. 106 min.
Nesse filme, ganhar e perder, cometer faltas e reparar são aprendizagens
que podem ser realizadas por meio do jogo.
Livros
BROTTO, F. O. Jogos cooperativos. Santos: Cooperação 2001.
O jogo cooperativo busca desenvolver o aprendiz para além da competição.
É um recurso importante para os aprendizes que evitam situações de
aprendizagem com medo de errar e de perder; ou para aqueles que só se
colocam em situações de aprendizagem com o intuito de ganhar o jogo ou
ter uma recompensa.
Atividades de Aprendizagem
Questões para Reflexão
1. “Conheço muitas crianças pequenas que não sabem brincar. Jogos eletrônicos,
programados previamente, brincam com as crianças deixando a sensação de
que são elas que matam, que revivem, que fazem o gol, que vencem a corrida
de automóvel, etc. [...] As crianças que gostam deste tipo de brinquedo, são
brincadas por eles e pensam que estão brincando; o mais grave, porém, é que
nós, adultos, também pensamos que sim.” (Barbosa, 2006 p. 106) Há muitas
crianças que apresentam dificuldade para aprender cuja principal causa é a
passividade diante do mundo. Como é possível articular a tecnologia existente
no mundo concreto e a possibilidade de brincar de forma vivencial e não
somente virtual?
Bibliografia
comentada
Gabarito
Capítulo 1
Atividades de aprendizagem
Questões para Reflexão
1. Aqui, é necessário comparar estilos de utilização de uma mesma constante
do enquadramento, nesse caso, a caixa de trabalho, e também exercitar a troca
de informações entre colegas de estudos.
2. Essa atividade é importante para exercitar a análise de uma síntese sobre o que
foi compreendido.
Capítulo 2
Atividades de aprendizagem
Questões para Reflexão
1. Ao identificar objetos que tiveram valor simbólico em sua história de vida,
procure discutir sobre o significado destes em seu processo de aprendizagem.
Alguns símbolos fazem parte da nossa história por um tempo determinado ou
durante muito tempo. O importante é tentar identificar a mensagem
subentendida ao objeto que foi significativo em sua história. Dessa maneira, terá
clareza da função das miniaturas na construção das cenas na areia. Na teoria
junguiana, o significado que atribuímos aos símbolos, mesclados com as nossas
experiências, é que irá determinar o valor simbólico dos objetos dos quais nos
apropriamos. O que pode ser extremamente significativo para determinada
pessoa, pode não ter o mínimo valor para outra. O importante é tentar descobrir
o que determinado símbolo quer nos dizer (nessa técnica, o símbolo é
representado pelas miniaturas).
Capítulo 3
Atividades de aprendizagem
Questões para Reflexão
1. Se você escolheu uma situação da história na qual aparece um conflito, está no
caminho, pois as intervenções que fazemos como psicopedagogos é sempre a
partir de um momento de desequilíbrio, no qual o aprendiz não consegue
encontrar o equilíbrio sozinho.
2. Se em suas anotações constarem itens como: partir da vivência do aprendiz,
evitar exposição das dificuldades, valorizar o produto dos aprendizes, ampliando
o conhecimento a partir desse ponto, e incentivar os avanços, é sinal de que
você está no caminho.
Capítulo 4
Atividades de aprendizagem
Questões para Reflexão
1. Resposta pessoal. (Exemplo: Eu tive muita dificuldade com a matemática a
partir da 7ª série. Depois, essa dificuldade se estendeu para a física no ensino
médio. Hoje, acho que encontraria uma dificuldade ainda maior para voltar a
estudar essas matérias, pois há muito tempo não tenho qualquer contato com os
conteúdos a elas pertinentes. No entanto, eu poderia fazer a experiência de
pegar um livro de 7ª série, onde começaram as minhas dificuldades, para ver se
ainda hoje eu teria as mesmas dificuldades ou não.)
2. Resposta pessoal. (Exemplo: Ao invés do professor de matemática pedir aos
alunos que simplesmente copiem a correção de um exercício do quadro-negro,
ele pode pedir que comparem essa correção com o exercício que fizeram,
encontrem o seu erro e, mais importante, expliquem por que o que fizeram está
incorreto).
Capítulo 5
Atividades de aprendizagem
Questões para Reflexão
1. Para melhor conseguir desenvolver essa questão, leia o capítulo “Brincar pode
ser Sério?” do livro Educação de crianças pequenas, de Laura Monte Serrat
Barbosa (2006), e ainda, os artigos do capítulo 6 do livro Sou professor: a
formação do professor formador, da Editora Positivo, coordenado por Isabel
Parolin (2009).
2. Para apoiar a sua resposta nessa questão, sugerimos leituras sobre o
desenvolvimento da inteligência nas obras de Piaget e Vygotsky.
Nota sobre as
autoras
Heloísa Monte Serrat Barbosa é licenciada em Educação Física pela Universidade
Federal do Paraná (UFPR), pós-graduada em Psicomotricidade Relacional pelo
Centro Internacional de Análise Relacional (Ciar)e em Psicopedagogia pela
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). É também formada em Teoria e
Técnica de Grupos Operativos pelo Centro de Estudos, Aperfeiçoamento e
Desenvolvimento da Aprendizagem (Síntese, PR).
Laura Monte Serrat Barbosa é pedagoga, formada em Psicopedagogia e em
Teoria e Técnica de Grupos Operativos pelo Centro de Estudos Psicopedagógicos de
Curitiba em parceria com o Centro de Estudos Psicopedagógicos de Buenos Aires. É
especialista em Psicologia Escolar e da Aprendizagem pela Pontifícia Universidade
Católica de Campinas (PUCCAMP) e mestre em Educação pela UFPR. É autora de
livros na área de Educação e Psicopedagogia.
Simone Carlberg é graduada em Pedagogia pela UFPR, especialista em
Psicopedagogia pelo Centro de Estudos Psicopedagógicos de Curitiba e em Teoria e
Técnica de Grupos Operativos pela mesma instituição. É sócia titular da ABPp nº 71
e integrante da equipe do Centro de Estudos, Desenvolvimento e Aperfeiçoamento
da Aprendizagem (Síntese, PR). Professora em cursos de pós-graduação na área da
Psicopedagogia e Educação.
Sonia Maria Gomes de Sá Küster é pedagoga, especialista em Psicopedagogia e
em Educação Infantil e mestre em Educação pela PUCPR. É ainda presidente da
ABPp, Seção Paraná Sul, gestão 2005-2007/2008-2010, e docente em cursos de
pós-graduação na área da Psicopedagogia e Educação.
Vera Regina Passos Bosse é pedagoga pela UFPR, pós-
graduada em Psicopedagogia pelo Centro de Estudos Psicopedagógicos de Curitiba e mestre em
educação pela UFPR. Atua em consultório particular, atendendo crianças e adolescentes com
dificuldades de aprendizado. Ministra palestras e cursos para pais e professores da rede pública e
particular de ensino de Curitiba. É autora de vários artigos científicos na área da Educação.