Você está na página 1de 87

1

FACULDADES BATISTA DO PARANÁ

Programa de Mestrado Profissional em Teologia

A EXPRESSÃO “EM CRISTO” NAS CARTAS PAULINAS E SUA RELEVÂNCIA


NA CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE CRISTÃ

POR

FÁBIO VAZ DOS SANTOS

CURITIBA
2016
2

S237 Santos, Fábio Vaz dos

A expressão “em cristo” nas cartas paulinas e sua relevância na construção


de uma identidade cristã. Fábio Vaz dos Santos. - Curitiba, 2016.
78f.

Orientador: Prof. Dra. Marivete Z. Kunz.


Dissertação (Mestrado em Teologia) – Faculdades Batista do Paraná.

1. Apostolo Paulo - Identificação (Religião). 2. Identidade em Cristo Jesus. 3. Identidade


em Adão. 4. Bíblia N. T. – Apostolo Paulo – Estudos. 5. Vida cristã. I. Título.

CDD 230.042
3

FÁBIO VAZ DOS SANTOS

A EXPRESSÃO “EM CRISTO” NAS CARTAS PAULINAS E SUA RELEVÂNCIA


NA CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE CRISTÃ

Dissertação de Mestrado Profissional


Apresentada para obtenção do Grau de
Mestre em Teologia pelas Faculdades
Batista do Paraná, Linha de Pesquisa:
Leitura e Ensino da Bíblia.
Orientadora: Profª. Dra. Marivete Z. Kunz

CURITIBA
2016
4
5

SUMÁRIO

RESUMO ............................................................................................................................................... 7
ABSTRACT ........................................................................................................................................... 8
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................... 9
1 O APÓSTOLO PAULO: UM HOMEM EM CRISTO................................................................... 14
1.1 Saulo de Tarso ......................................................................................................................... 14
1.2 Perseguidor da igreja .............................................................................................................. 16
1.3 O encontro com Cristo ............................................................................................................ 17
1.4 Paulo, um servo de Cristo ...................................................................................................... 18
1.5 O entendimento paulino da reconciliação de Deus com a humanidade em Cristo....... 22
1.6 A experiência de Paulo de perder e ganhar em Cristo ...................................................... 23
1.7 O viver e o morrer em Cristo segundo Paulo ...................................................................... 25
2 A EXPRESSÃO “EM CRISTO” NAS CARTAS PAULINAS ...................................................... 28
2.1 Reflexões preliminares............................................................................................................ 28
2.2 O uso paulino das expressões “em Cristo” e “em Adão” na carta aos Romanos ......... 30
2.3 O uso paulino das expressões “em Cristo” e “em Adão” nas cartas aos Coríntios....... 36
2.4 Principais diferenças entre os que estão “em Cristo” e os que estão “em Adão” nas
cartas aos Romanos e aos Coríntios .......................................................................................... 45
2.5 O uso paulino da expressão “em Cristo” na carta aos Gálatas........................................ 48
2.6 O uso paulino da expressão “em Cristo” na carta aos Efésios ........................................ 49
2.7 O uso paulino da expressão “em Cristo” na carta aos Filipenses.................................... 52
2.8 O uso paulino da expressão “em Cristo” na carta aos Colossenses............................... 53
2.9 O uso paulino da expressão “em Cristo” na primeira carta aos Tessalonicenses ........ 54
2.10 O uso paulino da expressão “em Cristo” nas cartas a Timóteo ..................................... 55
2.11 O uso paulino da expressão “em Cristo” na carta a Filemom ........................................ 55
3 O INDIVÍDUO EM CRISTO SEGUNDO PAULO: A CONSTRUÇÃO DE UMA IDENTIDADE
............................................................................................................................................................... 57
3.1 O entendimento paulino sobre Jesus Cristo........................................................................ 57
3.2 O entendimento paulino sobre o ser humano justificado em Cristo ................................ 60
3.3 O entendimento paulino sobre o ser humano santificado em Cristo ............................... 62
3.4 A vida em Cristo segundo Paulo ........................................................................................... 64
3.5 A identidade cristã a partir da expressão paulina “em Cristo”: uma proposta de
construção ....................................................................................................................................... 67
6

CONCLUSÃO ..................................................................................................................................... 73
REFERÊNCIAS .................................................................................................................................. 80
7

RESUMO

A expressão “em Cristo” é muito utilizada pelo apóstolo Paulo em suas cartas
e surge numa variedade de contextos. Uma expressão similar é “em Adão”, a qual
Paulo utiliza para comparar e contrastar não somente as obras de Cristo e Adão,
mas também as consequências de suas obras na raça humana. Paulo foi um grande
pensador e é considerado por muitos eruditos como o maior teólogo do cristianismo.
A tradição cristã atribui a ele a autoria de treze cartas do Novo Testamento:
Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses, Colossenses, 1 e 2
Tessalonicenses, 1 e 2 Timóteo, Tito e Filemom. Muitos pesquisadores, no entanto,
levantam dúvidas quanto a autoria paulina de algumas dessas cartas. Neste
trabalho, as treze cartas acima listadas são consideradas de autoria do apóstolo.
Paulo, em suas cartas, emprega a expressão “em Cristo” em diversos contextos e
situações. Ela abrange mais de um significado, dependendo de cada contexto,
porém cada significado pode ser conectado com os demais, formando um conjunto
de ideias acerca da identidade do indivíduo em Cristo. O conceito paulino sobre a
pessoa de Jesus Cristo e sua obra de salvação, incluindo justificação e santificação,
repercute em seu entendimento sobre o ser humano e a sua nova identidade em
Cristo. Ele estabelece parâmetros pelos quais se pode obter uma maior
compreensão do que significa ser humano em Cristo segundo Paulo.

Palavras-chave: Em Cristo; em Adão; Paulo; Jesus Cristo; Identidade.


8

THE EXPRESSION "IN CHRIST" IN THE PAULINE LETTERS AND ITS


RELEVANCE IN THE CONSTRUCTION OF A CHRISTIAN IDENTITY

ABSTRACT

The expression "in Christ" is widely used by the apostle Paul in his letters and
comes in a variety of contexts. A similar expression is "in Adam," which Paul uses to
compare and contrast not only the works of Christ and Adam, but also the
consequences of his works in the human race. Paul was a great thinker and is
considered by many scholars as the greatest theologian of Christianity. The Christian
tradition attributes to him the authorship of thirteen letters of the New Testament:
Romans, 1 and 2 Corinthians, Galatians, Ephesians, Philippians, Colossians, 1 and 2
Thessalonians, 1 and 2 Timothy, Titus and Philemon. Many researchers, however,
raise doubts about the Pauline authorship of some of these letters. In this work, the
thirteen letters listed above are considered to be written by the apostle. Paul, in his
letters, uses the expression "in Christ" in different contexts and situations. It covers
more than one meaning, depending on each context, but each meaning can be
connected with the other, forming a set of ideas about the individual's identity in
Christ. The Pauline concept of the person of Jesus Christ and his work of salvation,
including justification and sanctification, reflected in their understanding of the human
being and his new identity in Christ. It establishes parameters by which one can gain
a greater understanding of what it means to be human in Christ according to Paul.

Keywords: In Christ; in Adam; Paulo; Jesus Christ; Identity.


9

INTRODUÇÃO

A expressão “em Cristo” aparece nada menos do que 86 vezes nas cartas
paulinas, sem contar expressões análogas que empregam um pronome (“nele”, “no
qual”) e que em seus contextos referem-se a Cristo. Geralmente ocorre na forma
“em Cristo” ou “em Cristo Jesus”, ou ainda “no Senhor” (referindo-se a Cristo) e “no
Senhor Jesus Cristo”.1 Certamente era uma expressão querida para Paulo e de
grande importância para ele. Compreender seu significado em sua totalidade,
apesar dos vários e diversos contextos em que ela se encontra, é uma tarefa
monumental.
Outra expressão utilizada por Paulo é “em Adão”, cujo significado é
contrastado com o da expressão “em Cristo”, resultando numa compreensão mais
ampla do ocorrido aos que pertencem a Cristo.2 Devido a isso, a expressão “em
Adão” é analisada, neste trabalho, de acordo com o contraste que Paulo faz da
mesma com a expressão “em Cristo”.
A pergunta principal cuja resposta esta dissertação visa encontrar é a
seguinte: O que significa a expressão “em Cristo” nos escritos paulinos? Trabalha-se
com a hipótese principal de que estar “em Cristo”, segundo o apóstolo Paulo,
remodela a vida humana em todas as suas esferas e aspectos, à imagem do próprio
Cristo. Tem-se, então, como resultado de estar “em Cristo”, homens e mulheres que
vivem de acordo com os parâmetros do caráter do próprio Cristo, tal como manifesto
em o Novo Testamento. Da pergunta principal derivam-se outros questionamentos,
quais sejam: Como a trajetória do próprio apóstolo Paulo influenciou o seu
pensamento a respeito de viver em Cristo? Como o entendimento paulino da
expressão “em Cristo” pode contribuir para a construção de uma identidade cristã?
Paulo, em seus escritos, fornece inúmeros elementos que auxiliam na busca
pelas respostas. O presente trabalho de pesquisa tem por objetivo investigar a
expressão “em Cristo” no tocante ao seu potencial na construção de uma identidade
cristã que esteja de acordo com o pensamento de Paulo. Para tanto, visa

1
DUNN, James D. G. A teologia do apóstolo Paulo. São Paulo: Paulus, 2003, p. 454.
2
RIDDERBOS, Herman. A teologia do apóstolo Paulo: a obra clássica sobre o pensamento do apóstolo dos
gentios. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 59-65.
10

compreender o modo como o apóstolo fez uso da expressão “em Cristo” em suas
cartas.
Para os fins a que se propõe este trabalho, são consideradas como de autoria
do apóstolo Paulo as treze cartas tradicionalmente atribuídas a ele e que fazem
parte do Novo Testamento: Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas, Efésios, Filipenses,
Colossenses, 1 e 2 Tessalonicenses, 1 e 2 Timóteo, Tito e Filemom. Não obstante,
obras de autores de diversas vertentes teológicas foram consultadas e utilizadas,
sendo que muitas delas não reconhecem como genuínas algumas dessas cartas. A
pesquisa limita-se às treze cartas paulinas acima alistadas e a diversas obras
teológicas relevantes ao tema, tais como comentários bíblicos, teologias do Novo
Testamento, biografias do apóstolo Paulo, entre outros. A pesquisa, portanto, é
basicamente de cunho teórico, embora trabalhe também com aspectos práticos dos
ensinos paulinos, lidando, igualmente, com assuntos relacionados ao tema da
identidade do ser humano em Cristo de acordo com o pensamento do apóstolo.
Algumas obras foram escolhidas como referenciais teóricos, por serem
pertinentes ao tema proposto na presente dissertação, dedicando capítulos inteiros
ao tema da expressão “em Cristo” nos escritos paulinos. Dentre elas, destacam-se
quatro que se ocupam, em grande parte, do sentido que o apóstolo Paulo faz da
expressão “em Cristo” no tocante à identidade cristã. Os autores dessas quatro
obras, que mais chamaram a atenção do pesquisador, foram os seguintes: Thomas
R. Schreiner, Udo Schnelle, Herman Ridderbos e George Eldon Ladd. Oriundos de
vertentes cristãs diversas, cada um deles apresenta grande quantidade de
informações sobre o pensamento do apóstolo Paulo.
Thomas R. Schreiner é professor da disciplina Interpretação do Novo
Testamento no Southern Baptist Theological Seminary, na cidade de Louisville,
estado do Kentucky, Estados Unidos da América. É autor de diversos livros, dentre
eles, “Teologia de Paulo: o apóstolo da glória de Deus em Cristo”, publicado no
Brasil por Edições Vida Nova.3 Nesse livro, Schreiner trata as treze cartas de Paulo
como autênticas, isto é, escritas (ou ditadas!) pelo próprio apóstolo. Ele aponta a
centralidade de Deus em Cristo como o ponto focal da teologia paulina, para o qual
todos os demais temas (justificação, evangelho, entre outros) convergem. Assim

3
SCHREINER, Thomas R. Teologia de Paulo: o apóstolo da glória de Deus em Cristo. São Paulo: Vida Nova,
2015.
11

sendo, trabalha com temas como o viver para Cristo, a centralidade de Cristo na
história universal, a vida em Cristo e o contraste entre Adão e Cristo. Discorre sobre
o significado da expressão “em Cristo” em diversos contextos. De fato, conecta a
justificação, a santificação e outros componentes da salvação ao “estar em Cristo”.
Também faz ligação entre a doutrina da igreja e a expressão paulina “em Cristo”.
Lançado nos Estados Unidos no ano de 2001 e no Brasil em 2015, é uma obra
recente e de amplo alcance em seu escopo, lidando como mencionado acima, com
o pensamento teológico de todas as treze cartas tradicionalmente atribuídas a
Paulo.
Udo Schnelle é professor de Novo Testamento na Universidade de Halle-
Wittenberg, Alemanha, autor do livro “Paulo: vida e pensamento”,4 publicado no
Brasil pelas editoras Academia Cristã e Paulus em 2010. Trata-se de uma obra
monumental, com mais de 800 páginas, mas de leitura muito agradável e
compensadora. Nela, Schnelle almeja trazer, para a época contemporânea, o
pensamento do apóstolo Paulo, que define o ser humano unicamente a partir do seu
relacionamento com Deus. Isso torna o livro de Schnelle indispensável para a
presente pesquisa. Schnelle trabalha magistralmente com os temas da liberdade e
da ética como oriundas de um fundamento externo, Deus, e não do ser humano em
si mesmo. Assim, estabelece bases para a descoberta da identidade da pessoa
humana em Cristo, o Deus-homem.
Herman Ridderbos foi pastor durante oito anos da Igreja Reformada de
Rotterdam, nos Países Baixos, e professor de Novo Testamento do Seminário
Teológico de Kampen, Alemanha, por quase quarenta anos. Seu livro “A teologia do
apóstolo Paulo”, em sua segunda edição, foi publicado no Brasil pela editora Cultura
Cristã no ano de 2013.5 Nessa obra, Ridderbos lida com o pensamento paulino
trazendo elementos da teologia reformada (calvinista) tradicional. Para Ridderbos, o
ponto de partida para o estudo da teologia paulina deve ser o caráter histórico-
redentor escatológico da proclamação de Paulo, ou seja, a essência da proclamação
paulina está nos atos históricos de Deus por meio de Jesus Cristo. Deus invadiu a
história em Cristo, trazendo uma parte do futuro para o presente, mas a consumação
plena e final em Cristo ainda está por vir. O advento, a vida, morte e ressurreição de

4
SCHNELLE, Udo. Paulo: vida e pensamento. Santo André: Academia Cristã; São Paulo: Paulus, 2010.
5
RIDDERBOS, 2013.
12

Cristo, no tempo e no espaço, é o cumprimento de Deus na história de Israel como


nação, e do mundo em geral, e o cumprimento das Escrituras Sagradas do povo de
Israel. O indivíduo em Cristo é um ser humano que vive entre duas eras. Vive no
mundo presente sentindo os primeiros efeitos da vida futura. A justificação em Cristo
retira o indivíduo do domínio da presente era.
George Eldon Ladd foi professor de Exegese e Teologia do Novo Testamento
no Fuller Theological Seminary em Pasadena, Califórnia, Estados Unidos da
América. Seu livro “Teologia do Novo Testamento”6 foi lançado no Brasil pela editora
Hagnos em 2001, tendo sido publicado, anteriormente, pela editora Exodus. Em
2003 a editora Hagnos lançou uma edição revisada da obra, com atualizações
escritas por R. T. France, D. Wenham (ambos professores da universidade de
Oxford) e Donald A. Hagner (professor de Novo Testamento do Fuller Theological
Seminary). Essa versão revisada será utilizada nesta dissertação. Para Ladd, a
revelação de Deus aos seres humanos ocorre na história, e, portanto, deve ser
estudada descritivamente. Cabe à teologia bíblica analisar os dados da revelação de
Deus na história e organizá-los a fim de facilitar o entendimento humano. Ladd
considera que a mais notável interpretação, no Novo Testamento, do significado da
pessoa e da obra de Jesus, é a de Paulo. Paulo viu claramente que a ressurreição
de Jesus foi um evento escatológico (isto é, próprio das últimas coisas, do futuro que
Deus tem preparado para a humanidade redimida), e que houve uma sobreposição
de duas eras – a velha era do pecado e da morte e a nova era da redenção e da
nova vida em Cristo – nas quais vive o indivíduo em Cristo. Apesar de não ser tão
recente quanto as obras mencionadas acima, o livro de Ladd ainda provê grande
quantidade de informações e conceitos úteis para o pesquisador que se propõe a
estudar a natureza da identidade cristã.
Juntamente com essas obras, muitas outras foram consultadas e utilizadas ao
longo do presente trabalho. As quatro obras acima foram mencionadas por serem as
que tratam mais diretamente do tema “em Cristo”.
Na presente pesquisa, o capítulo 1 analisa a relevância da expressão “em
Cristo” na vida do próprio Paulo. Para tanto, discute brevemente a vida do apóstolo
até o seu encontro com Cristo na estrada de Damasco, e o impacto que este causou

6
LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2003.
13

em seu pensamento, conduta e teologia. O capítulo 2 busca determinar, com


razoável grau de precisão, o significado teológico da expressão “em Cristo” utilizada
por Paulo em diversos contextos, inclusive onde ela é contrastada com “em Adão”, a
fim de obter um entendimento mais amplo. O capítulo 3 busca subsídios para a
construção de uma identidade cristã a partir do entendimento paulino da expressão
“em Cristo”.
Espera-se contribuir com o entendimento teológico do conceito paulino de
identidade cristã na proposta, inclusive, de incentivar novas pesquisas sobre o tema,
que é vasto e profundo. O modo paulino de apresentar os conceitos teológicos –
sempre objetivando a posterior prática dos mesmos – é levado em conta no
presente trabalho, apesar de sua ênfase teológica.
14

1 O APÓSTOLO PAULO: UM HOMEM EM CRISTO

O apóstolo Paulo deixou uma marca indelével na história do cristianismo – e


do mundo também. Judeu e cidadão romano, de formação elevada, sentia-se à
vontade nos mais diversos ambientes. Em Jerusalém citou as Escrituras hebraicas
para seus compatriotas, em Atenas citou filósofos gregos para a sua plateia. Foi o
autor que mais contribuiu para a formação do Novo Testamento, e suas cartas
exerceram (e continuam exercendo) enorme influência nas mais diversas nações,
culturas e épocas, figurando entre os escritos mais lidos e estudados da literatura
universal. Considerava-se apóstolo por ordem direta de Jesus Cristo, embora não
tivesse participado da comunidade cristã primitiva – na verdade, ele a tinha
perseguido. Tinha a convicção de ter sido escolhido por Cristo para levar o
evangelho a todos, especialmente aos gentios (os que não são judeus).7 Este
capítulo não se propõe a apresentar uma biografia completa de Paulo, mas sim uma
breve análise de como o encontro com Cristo mudou para sempre a sua vida,
moldando o seu pensamento de tal forma que ele entendeu que a verdadeira vida
está “em Cristo”. Dessa forma serão estabelecidas as bases para a presente
pesquisa.

1.1 Saulo de Tarso

Tarso era a capital da província romana da Cilícia e uma das maiores cidades
do Império. Cidade cosmopolita, possuía escolas famosas onde se ensinava
retórica, matemática, ética, gramática e música. Tinha um grande teatro ao ar livre e
muitos prédios públicos. O famoso general Marco Antônio tivera residência em Tarso
durante algum tempo e permitiu que a cidade tivesse suas próprias leis. O imperador
Augusto, por sua parte, permitiu à cidade que nomeasse seus próprios tribunais e
magistrados. Entreposto comercial, possuía um porto movimentado, aproveitando o
rio Cnido que, ali, desembocava no Mediterrâneo. Gregos, romanos, judeus,
africanos, cretenses, cipriotas e uma infinidade de outras culturas e etnias conviviam

7
HEYER, C. J. den. Paulo: um homem de dois mundos. São Paulo: Paulus, 2009, p. 5-7.
15

em Tarso. Foi nessa cidade que nasceu Saulo, aquele que mais tarde viria a ser
conhecido como o apóstolo Paulo.8 Nascido numa família judaica, de pai fariseu
(Atos dos Apóstolos 23.7), ele era “circuncidado no oitavo dia de vida, pertencente
ao povo de Israel, à tribo de Benjamim, verdadeiro hebreu” (Filipenses 3.5),9 mas
também cidadão romano, e por direito de nascimento (Atos dos Apóstolos 22.22-
29).10 Ao longo de sua história, a província da Cilícia havia caído diversas vezes nas
mãos de generais romanos, como Pompeu e Marco Antônio. A concessão de
cidadania romana para indivíduos ou famílias que prestavam algum serviço especial
para Roma era um costume antigo. Talvez esse tenha sido o caso do pai ou do avô
de Saulo. De qualquer modo, sua família fazia parte de uma elite social.11 É com o
nome romano que ele se identifica em suas cartas, e provavelmente a noção popular
de que ele assumiu esse nome após a sua conversão ao cristianismo está
equivocada. Naquela cultura, era comum as pessoas terem mais de um nome. Seu
nome judeu, Saulo, provavelmente era uma homenagem ao mais famoso membro
da tribo de Benjamim, o primeiro rei de Israel, Saul. Além do nome judaico, ele tinha
também um nome romano, Paulo.12
Em algum momento de sua infância ou adolescência, Saulo foi enviado a
Jerusalém, a fim de estudar com Gamaliel, um dos mais conceituados rabinos da
Judeia (Atos dos Apóstolos 22.3). Lá ele aprendeu a debater no estilo de perguntas
e respostas chamado de “diatribe”,13 bem como aprofundou seus estudos das
Escrituras hebraicas, preparando-se para ser um futuro rabino ou, quem sabe,
membro do Sinédrio, o tribunal religioso supremo dos judeus. Ele se tornou um
fariseu14 zeloso e “irrepreensível” (Filipenses 3.6).15 Tempos depois ele aparece no
contexto do martírio de Estêvão, cuidando das roupas daqueles que apedrejavam o

8
BALL, Charles Ferguson. A vida e os tempos do apóstolo Paulo. Rio de Janeiro: CPAD, 1998, p. 7-11.
9
Bíblia Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo: Sociedade Bíblica Internacional, 2000. Todas as
citações bíblicas deste trabalho serão feitas a partir dessa versão, salvo indicação em contrário.
10
BORNKAMM, Günther. Paulo: vida e obra. Santo André: Academia Cristã, 2009, p. 44-46.
11
BRUCE, F. F. Paulo: o apóstolo da graça, sua vida, cartas e teologia. São Paulo: Shedd, 2003, p. 33-34.
12
BORNKAMM, 2009, p. 46-47.
13
“Diatribe” significa “passatempo”, “entretenimento”. É um estilo de discussão que evita reflexões filosóficas,
morais ou religiosas e linguagem técnica elevada, preferindo uma forma vivaz de diálogo, com sentenças curtas
e objeções de um adversário fictício (BORNKAMM, 2009, p. 52).
14
O farisaísmo foi um movimento surgido a partir da revolta dos macabeus contra os governantes helenistas da
Palestina, em 167-164 a.C. Eles entendiam que eram chamados para se opor à helenização dos costumes
judaicos, e lutavam pelo que consideravam uma religião e uma nação purificadas. Viviam de forma austera
observando rigorosamente a lei mosaica e os preceitos dos rabinos. Nunca foram muito numerosos, mas sempre
foram muito influentes (HEYER, 2009, p. 23-26).
15
SWINDOLL, Charles R. Paulo: um homem de coragem e graça. São Paulo: Mundo Cristão, 2003, p. 20-21.
16

seguidor de Cristo (Atos dos Apóstolos 7.58; 8.1). Sua participação indicava o nível
de seu comprometimento com o judaísmo.16

1.2 Perseguidor da igreja

Em seu zelo, Saulo “devastava” a igreja. A partir da morte de Estêvão,


desencadeou-se uma perseguição aos cristãos em Jerusalém, da qual o jovem
fariseu participou ativamente (Atos dos Apóstolos 8.3).17 Anos depois, escrevendo à
igreja de Corinto, Paulo disse considerar-se o menor dos apóstolos, e nem sequer
digno de ser considerado apóstolo, pois “persegui a igreja de Deus” (1 Coríntios
15.9). Na carta aos Gálatas, escreveu: “Vocês ouviram qual foi o meu procedimento
no judaísmo, como perseguia com violência a igreja de Deus, procurando destruí-la”
(Gálatas 1.13). Diante de uma multidão em Jerusalém, declarou: “Persegui os
seguidores deste Caminho até a morte, prendendo tanto homens como mulheres e
lançando-os na prisão” (Atos dos Apóstolos 22.4). Quando ele mesmo ficou preso
em Cesareia, confessou ao rei Agripa:

“Eu também estava convencido de que deveria fazer todo o possível para me opor
ao nome de Jesus, o Nazareno. E foi exatamente isso que fiz em Jerusalém. Com
autorização dos chefes dos sacerdotes lancei muitos santos na prisão, e quando eles
eram condenados à morte eu dava o meu voto contra eles. Muitas vezes ia de uma
sinagoga para outra a fim de castigá-los, e tentava forçá-los a blasfemar. Em minha
fúria contra eles, cheguei a ir a cidades estrangeiras para persegui-los” (Atos dos
Apóstolos 26.9-11).18

Foi nesse zelo perseguidor que ele decidiu perseguir os cristãos na cidade de
Damasco, e para lá partiu, munido de autorização do sumo sacerdote (Atos dos
Apóstolos 9.1,2). Damasco era uma cidade importante, com uma grande população
de judeus. Fazia parte da província romana da Síria e de Decápolis, uma liga de
cidades-estado. Saulo queria impedir que o “Caminho”, como o cristianismo era
conhecido então, se alastrasse naquela metrópole.19

16
LOPES, Hernandes Dias. Paulo: o maior líder do cristianismo. São Paulo: Hagnos, 2009, p. 21.
17
BRUCE, 2003, p. 65-67.
18
LOPES, 2009, p. 18.
19
MARSHALL, I. Howard. Atos dos apóstolos: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1982, p. 162-
163.
17

1.3 O encontro com Cristo

Na estrada, a caminho de Damasco, Paulo teve um encontro que mudou para


sempre a sua vida. A experiência do Jesus ressuscitado o levou a uma nova
interpretação de Deus, do mundo e da existência, uma interpretação que mudou
radicalmente, e para sempre, a sua vida.20O aparecimento de Jesus para Paulo, na
estrada de Damasco, é mencionado três vezes no livro de Atos dos Apóstolos (9.3-
9; 22.1-21; 26.1-18). A ênfase é clara. Ninguém a não ser o próprio Cristo poderia ter
impedido aquele fariseu de prosseguir em seu propósito de destruir a igreja.
Derrubado por uma luz mais brilhante do que a luz solar, Paulo indaga a identidade
do ser que surge diante dele. A resposta “Eu sou Jesus, a quem você persegue”
(Atos dos Apóstolos 9.5) fez com que Paulo compreendesse que as afirmações dos
cristãos eram verdadeiras, e que ele estivera lutando contra Deus.21 Assim
obedeceu prontamente a ordem de levantar-se e ir para Damasco, e esperar futuras
instruções. Dali em diante Paulo obedeceria para sempre ao Cristo que lhe
aparecera – mais do que isso, dedicaria toda a sua vida para Cristo, viveria em
Cristo.22
O encontro com o Cristo ressurreto é mencionado, direta ou indiretamente,
por Paulo em algumas de suas cartas. Na primeira carta aos Coríntios, defendendo
seu apostolado, ele indaga: “Não sou livre? Não sou apóstolo? Não vi Jesus, nosso
Senhor?” (1 Coríntios 9.1), e se coloca como último na lista de testemunhas que
viram o Cristo ressuscitado (1 Coríntios 15.8). Ou seja, ele deriva seu apostolado
desse evento crucial em sua vida. Em Gálatas 1.11-17, mais uma vez defendendo
suas qualificações apostólicas, ele afirma que recebeu o evangelho do próprio Jesus
Cristo em pessoa, “por revelação”, à moda dos profetas do Antigo Testamento. Em 2
Coríntios 4.6 e Filipenses 3.7,8, Paulo parece fazer alusão ao acontecido na estrada
de Damasco, do qual ele deriva seu direito de pertencer ao círculo definido dos
apóstolos de Cristo. Em todas essas citações, ele estava respondendo a
questionamentos acerca de seu apostolado.23

20
SCHNELLE, 2010, p. 31.
21
STOTT, John R. W. A mensagem de Atos: até os confins da terra. São Paulo: ABU, 1994, p. 189-194.
22
SWINDOLL, 2003, p. 42-43.
23
SCHNELLE, 2010, p. 100-107.
18

1.4 Paulo, um servo de Cristo

Paulo agora pertencia a Cristo. Segundo Gálatas 1.17, ele rumou para a
“Arábia” logo após recuperar a visão por meio de Ananias (Atos dos Apóstolos 9.10-
19), “por isso talvez sua pregação nas sinagogas de Damasco deva ser colocada
depois que ele retornou da sua viagem à Arábia (sobre a qual Lucas não tem nada a
dizer)”24, conforme Atos dos Apóstolos 9.19-30. Seja como for, Paulo morrera para a
velha vida sob a lei e sob o farisaísmo, e agora desejava consagrar-se a uma vida
de serviço a Cristo. Ao cair diante da sua glória, se tornara servo de Cristo para todo
o sempre.25 Jesus Cristo se tornou o centro de sua vida, e Paulo deixou isso bem
claro em seus escritos, anos depois.
Paulo compreendeu que a lei mosaica era um recurso temporário até a vinda
de Cristo (Gálatas 3.24). Cristo é a única semente de Abraão, e a entrada na família
de Abraão se dá por meio de Cristo, unicamente (Gálatas 3.16). Agora todos, judeus
e gentios, podem fazer parte da família de Abraão em Cristo Jesus, pela fé (Gálatas
3.26-29).26 Por isso ele diz, em outra carta, que os gentios, que antes estavam
afastados do povo de Deus, foram aproximados mediante o sangue de Cristo.
Judeus e gentios constituem, em Cristo, uma só família (Efésios 2.11-22), pois
“Jesus conseguiu criar, de fato, uma nova sociedade, uma nova humanidade, em
que a alienação cedeu lugar à reconciliação, e a hostilidade à paz. E esta nova
união humana em Cristo é o penhor e a antevisão daquela união final sob a
soberania de Cristo”,27 que Paulo alude em Efésios 1.10, “de fazer convergir em
Cristo todas as coisas, celestiais ou terrenas, na dispensação da plenitude dos
tempos”. “Jesus Cristo é o cumprimento da história da salvação, pois, para todas as
promessas de Deus, nele está o sim”28 (2 Coríntios 1.20).
Na carta aos Filipenses, Paulo, preso, sem saber se vai viver ou morrer,
afirma que deseja engrandecer a Cristo, de um jeito ou de outro, fazendo a célebre
declaração: “Porque para mim o viver é Cristo e o morrer é lucro” (Filipenses 1.21).

24
BRUCE, 2003, p. 76.
25
BALL, 1998, p. 67-68.
26
SCHREINER, 2015, p. 20.
27
STOTT, John R. W. A mensagem de Efésios. 2. ed. São Paulo: ABU, 2007, p. 61.
28
SCHREINER, 2015, p. 23.
19

Se morrer, ele estará com Cristo; se viver, ele estará em Cristo, pregando o
evangelho.29
Em Efésios 1.3-14 são relatadas as bênçãos espirituais que pertencem aos
crentes em Cristo. Eles são escolhidos antes da fundação do mundo para serem
santos e adotados como filhos por meio de Jesus Cristo (Efésios 1.4,5), tudo isso
para o louvor da sua gloriosa graça (Efésios 1.6). “Nele”, isto é, em Cristo, os crentes
têm a redenção, o perdão dos pecados (Efésios 1.7) e conhecem o mistério da
vontade de Deus, cujo centro é Cristo (Efésios 1.9,10). Recebem a herança que lhes
foi predestinada para que suas vidas glorifiquem a Deus em Cristo (Efésios 1.11,12).
Quando creram, foram selados em Cristo com o Espírito Santo, para o louvor da
glória de Deus (Efésios 1.13,14). Tudo o que os crentes recebem de Deus, eles
recebem “em Cristo”.30 Paulo não concebe mais a existência fora de Cristo. Ele se
gloria em Deus e glorifica a Deus somente por meio de Cristo (Romanos 5.1,2,11).31
Viver em Cristo inclui o sofrimento, o sofrer por Cristo, e Paulo sabia disso
muito bem. Na carta aos Filipenses escreveu: “Pois a vocês foi dado o privilégio de
não apenas crer em Cristo, mas também de sofrer por ele” (Filipenses 1.29),
aludindo que ele, Paulo, também estava sofrendo por Cristo (Filipenses 1.30). Em
Cristo, até o sofrimento é uma honraria, no serviço a ele. Em sua carta mais
autobiográfica, Paulo defende seu apostolado apresentando o sofrimento como uma
das principais credenciais (2 Coríntios 6.3-10),32 algo que os falsos apóstolos
desconhecem. Mais adiante (2 Coríntios 11.16-33), ele fornece mais um catálogo de
sofrimentos pelos quais passou em seu labor apostólico. Começa de modo geral,
citando encarceramentos, açoites, perigo de morte (2 Coríntios 11.23), mas logo
torna-se mais específico: foi açoitado cinco vezes pelos judeus, três vezes fustigado
com varas,33 uma vez apedrejado, três vezes sofreu naufrágio, passou uma noite e

29
HAHN, Eberhard; BOOR, Werner de. Cartas aos Efésios, Filipenses e Colossenses. Curitiba: Esperança,
2006, p. 195.
30
SCHREINER, 2015, p. 29.
31
PIPER, John. Em busca de Deus: a plenitude da alegria cristã. 2. ed. São Paulo: Shedd, 2008, p. 55-57.
32
KRUSE, Colin G. II Coríntios: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1994, p. 143-144.
33
Os judeus castigavam com açoitamento de acordo com o mandato de Deuteronômio 25.1-5, que estipulava um
número máximo de 40 açoites. Para não correr o risco de cometer um erro e passar desse número, os judeus
aplicavam “menos um”, isto é, 39 açoites. Os romanos não conheciam tais limitações, seja com açoites, seja com
varas (LOPES, 2009, p. 97-98).
20

um dia à deriva no mar (2 Coríntios 11.24, 25).34 Além disso, enfrentou diversos
outros perigos em suas viagens, nos rios, nos desertos, no mar, na cidade,
ameaçado ora por assaltantes, ora por gentios, ora por seus próprios compatriotas
judeus, e, o mais terrível, por falsos irmãos (2 Coríntios 11.26). Apesar disso,
sempre trabalhou arduamente, passou noites sem dormir, muitas vezes ficou sem ter
o que comer ou beber, passou frio e privação até de vestuário. Mas o que lhe
preocupava mesmo era a situação das igrejas (2 Coríntios 11.27-29). Ele não omite
nem mesmo a humilhação que passou, ao ser descido da muralha de Damasco, por
alguns irmãos, num cesto, a fim de escapar das autoridades locais (2 Coríntios
11.30-33). Por tudo isso, Paulo podia dizer: “Sem mais, que ninguém me perturbe,
pois trago em meu corpo as marcas de Jesus” (Gálatas 6.17). Isso não era
misticismo, mas de fato Paulo carregava em seu corpo inúmeras cicatrizes
adquiridas em seu serviço a Cristo, que ele chamava de “marcas de Jesus”. Até
mesmo suas cicatrizes pertenciam a Cristo. Mais do que isso, eram marcas de sua
pertença a Cristo, como as marcas de um escravo.35
Paulo tinha consciência de que era um “homem em Cristo” e que Jesus tinha
sofrido na terra para libertar seu povo do cativeiro do pecado e da morte espiritual. O
Cristo exaltado estava, agora, imune a esses sofrimentos, porém ainda contava
como seus os sofrimentos de seu povo – como Paulo descobriu na estrada de
Damasco, ao ouvir a pergunta do Cristo ressurreto: “Saulo, Saulo, por que você me
persegue?” (Atos dos Apóstolos 9.4). Portanto, Paulo assumiu o sofrimento como
parte integrante, ainda que dolorosa, de sua vida em Cristo. Assim, ele podia se
gloriar nas tribulações (Romanos 5.3), a fim de participar dos sofrimentos de Cristo
(Filipenses 3.10,11), não para a salvação de alguém (isso somente Cristo poderia
fazer, e ele já tinha feito), mas para levar a palavra da salvação àqueles que ainda
não a haviam recebido (2 Coríntios 1.6). Ele também sabia que, quanto mais desses
sofrimentos recebesse pessoalmente, menos deles restariam para seus
companheiros cristãos.36 “Agora me alegro em meus sofrimentos por vocês”, ele
escreveu aos colossenses, “e completo no meu corpo o que resta das aflições de

34
Mesmo naqueles tempos, nem toda viagem marítima acabava em catástrofe. Paulo deve ter viajado muito para
ter sofrido “três naufrágios” até a época da redação de 2 Coríntios. Tempos depois, ainda sofreria um quarto
naufrágio, descrito em Atos dos Apóstolos 27.27-44, por ocasião de sua viagem a Roma (BOOR, Werner de.
Cartas aos Coríntios. Curitiba: Esperança, 2004, p. 461).
35
STOTT, John R. W. A mensagem de Gálatas: somente um caminho. São Paulo: ABU, 2007, p. 164-165.
36
BRUCE, 2003, p. 133.
21

Cristo, em favor do seu corpo, que é a igreja” (Colossenses 1.24). Paulo não sofreu
pelos pecados dos outros como Cristo sofreu, contudo, os sofrimentos do apóstolo
foram o meio pelo qual o evangelho foi levado aos gentios e, nesse sentido, foram
uma consequência dos sofrimentos de Cristo.37 A proclamação apostólica da
salvação acarretava sua dose de sofrimento para os proclamadores, assim como a
salvação em si causou sofrimento no Salvador. Paulo via no sofrimento mais um elo
de sua ligação com Cristo.38
Mas a alegria também faz parte da vida em Cristo, e mesmo em meio a
tribulações, quem está em Cristo ainda pode viver com alegria. Paulo testifica disso
especialmente em sua carta aos Filipenses, a qual escreveu numa prisão, a fim de
convencer seus leitores a se alegrarem naquilo que realmente importa, a saber,
Jesus Cristo e o progresso do evangelho.39 Ao conclamar os filipenses para que se
alegrem (por exemplo, Filipenses 3.1; 4.4), Paulo não fundamenta essa alegria num
otimismo cego e alienado, mas a fundamenta “no Senhor”. É em Cristo que Paulo e
todo aquele que está em Cristo podem e devem se alegrar, pois “perto está o
Senhor” (Filipenses 4.5) e a confiança que o crente tem em Cristo faz com que ele
se alegre em Cristo, apesar das circunstâncias adversas pelas quais possa estar
passando.40 A prisão e até mesmo a possibilidade de martírio não impedem Paulo
de se alegrar no Senhor e de convocar os filipenses a se alegrarem, igualmente, em
Cristo.41
Portanto, em Cristo, Paulo se libertou do peso da obediência à lei mosaica
como condição para a salvação, bem como das regras e costumes do farisaísmo.
Entendeu que todas as bênçãos espirituais eram suas em Cristo. Isso revolucionou
o seu modo de pensar e de agir. Perdeu a confiança em seus próprios méritos
baseados na observância da lei de Moisés. Paulo compreendeu, igualmente, que o
sofrimento no presente fazia parte dessa nova vida, mas que, em Cristo, ele poderia
se alegrar mesmo em meio a aflições.

37
SCHREINER, 2015, p. 449.
38
LOPES, Augustus Nicodemus. A supremacia e a suficiência de Cristo: a mensagem de Colossenses. São
Paulo: Vida Nova, 2013, p. 48-50.
39
THIELMAN, Frank. Teologia do Novo Testamento: uma abordagem canônica e sintética. São Paulo: Shedd,
2007, p. 382-383.
40
MARTIN, Ralph P. Filipenses: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1985, p. 168-169.
41
SCHNELLE, 2010, p. 479.
22

1.5 O entendimento paulino da reconciliação de Deus com a humanidade


em Cristo

Um dos temas norteadores do pensamento de Paulo é o da reconciliação.42 O


ser humano, alienado de Deus, precisa ser reconciliado com ele pela morte de
Cristo. É somente em Cristo que pode haver a reconciliação.43 O ser humano em
Cristo, portanto, é o ser humano reconciliado com Deus. Para Paulo, foi Deus que,
em Cristo, tomou a iniciativa e realizou a reconciliação. Foi ele quem reconciliou os
homens consigo mesmo, e não o contrário.44

Depois que Cristo morreu vicariamente na cruz, a sentença condenatória de Deus não atinge
mais os crentes em Cristo. Isto vale porque Deus se voltou de uma vez por todas aos homens
ao reconciliar o mundo consigo mesmo (2Co 5.18-20). A doutrina das sinagogas judaicas
ensinava que Deus precisaria ser reconciliado – por exemplo, por meio de um sacrifício a ser
oferecido pelo homem. Aqui não é assim! Deus mesmo se reconcilia com o homem. A
remoção da sentença condenatória é um ato de Deus. A sentença foi executada em Cristo.45

Em Romanos 5.10, Paulo comenta: “Se quando éramos inimigos de Deus


fomos reconciliados com ele mediante a morte de seu Filho, quanto mais agora,
tendo sido reconciliados, seremos salvos por sua vida!” No versículo seguinte, ele
repete que foi por meio de Cristo que os crentes receberam a reconciliação. A
reconciliação com Deus é vista por Paulo como uma dádiva do próprio Deus, sendo
que a base para isso encontra-se em Cristo, em sua morte.46
Em 2 Coríntios 5.11-21 encontra-se outro texto paulino importante sobre a
reconciliação. Após proclamar que aquele que está em Cristo é nova criação (2
Coríntios 5.17), Paulo prossegue dizendo que Deus “nos reconciliou consigo mesmo
por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação, ou seja, que Deus em
Cristo estava reconciliando consigo o mundo, não levando em conta os pecados dos
homens, e nos confiou a mensagem da reconciliação” (2 Coríntios 5.18,19). O
pecado separava as pessoas de Deus, mas em Cristo a barreira foi quebrada e
houve paz. A partir daí, aqueles que foram reconciliados com Deus por meio de

42
LADD, 2003, p. 615.
43
STURZ, Richard J. Teologia sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2012, p. 439.
44
LADD, 2003, p. 616.
45
HÖRSTER, Gerhard. Teologia do Novo Testamento. Curitiba: Esperança, 2009, p. 180.
46
RIDDERBOS, 2013, p. 210.
23

Cristo tornam-se “embaixadores” de Cristo ao mundo, proclamando a mensagem da


reconciliação. Foi isso o que Paulo fez durante todo o seu ministério.
Outro texto paulino onde a reconciliação aparece em destaque é Efésios 2.11-
22. Ali Paulo explica que Deus, mediante o sangue (isto é, a morte) de Cristo,
reconciliou judeus e gentios num mesmo corpo, numa nova humanidade.47 Mas ele
foi além, reconciliando ambos consigo mesmo “em um corpo, por meio da cruz, pela
qual ele destruiu a inimizade” (Efésios 2.16).
Em Colossenses 1.15-20, Paulo conclui sua elaborada composição sobre a
supremacia de Cristo declarando que “todas as coisas” são reconciliadas
(Colossenses 1.20). Nesse texto, a reconciliação inclui todo o universo, porém,
Paulo não se refere a salvação universal, pois no parágrafo seguinte, em
Colossenses 1.21-23, ele faz da fé a condição para receber a reconciliação. O que
ele tem em mente aqui é a restauração do universo à harmonia, a “pacificação” de
todas as coisas, que será de grande alegria para alguns, enquanto outros,
derrotados, serão forçados a reconhecer a preeminência de Cristo e a glória de
Deus.48
Paulo sabia que tinha sido inimigo de Deus, e sabia que não poderia ter feito
nada para mudar isso. Sabia que o próprio Deus, pela morte de seu Filho na cruz,
providenciou a reconciliação. Sabia que a paz com Deus, pela fé, era uma dádiva
em Cristo.49 Ele entendeu que a inimizade entre Deus e a humanidade foi desfeita
pela morte reconciliatória de Cristo, e essa reconciliação com Deus também requer a
reconciliação com outros seres humanos que também eram inimigos de Deus.50 Não
por acaso ele ficou conhecido como o apóstolo dos gentios.

1.6 A experiência de Paulo de perder e ganhar em Cristo

Em Filipenses 3, Paulo resume o significado do que para ele era estar em


Cristo. Ele começa com uma advertência aos seus leitores acerca dos falsos
mestres, especialmente os judaizantes, que com seu falso ensino e legalismo
ameaçavam substituir a salvação pela graça de Deus em Cristo, mediante a fé, por
47
LADD, 2003, p. 621.
48
SCHREINER, 2015, p. 207-208.
49
RIDDERBOS, 2013, p. 208.
50
SCHREINER, 2015, p. 177.
24

uma salvação meritória, por meio das obras da lei. A seguir, ele declara que o
verdadeiro povo de Deus é formado por aqueles que adoram pelo Espírito de Deus,
se gloriam em Cristo Jesus e não têm confiança alguma na carne, isto é, em si
próprios, em sua pretensa justiça diante de Deus (Filipenses 3.1-3).51
A partir daí Paulo começa a falar um pouco sobre a sua própria vida, num tom
biográfico. Ele começa dizendo que, se alguém poderia ter razões para confiar em si
mesmo, esse seria ele mesmo, Paulo (Filipenses 3.4). Afinal, ele havia sido
“circuncidado no oitavo dia de vida” e fazia parte do povo de Israel e da tribo de
Benjamim, sendo “hebreu de hebreus”, e, além disso, fariseu (Filipenses 3.5). Havia
perseguido a igreja em seu zelo, sendo irrepreensível no tocante à lei (Filipenses
3.6). Isso deixaria qualquer judeu orgulhoso. De fato, seria considerado como lucro.
Ser circuncidado, israelita da tribo de Benjamim e filho de pais hebreus eram
grandes vantagens, mas ele não as tinha escolhido. Simplesmente tinha nascido
assim. Mas ter escolhido ser fariseu, e fariseu zeloso, observador das minúcias da
lei, era resultado de seu esforço pessoal.52 Porém, para Paulo, tudo isso agora era
perda, “por causa de Cristo” (Filipenses 3.7).
Ele passou a considerar “tudo” como perda, em comparação com a “suprema
grandeza do conhecimento de Cristo Jesus”, o seu Senhor. Chegou a considerar
tudo aquilo do qual outrora se orgulhara como refugo, como “esterco” (Filipenses
3.8).

Refugo (gr. skybala) é um termo vulgar, que significa excrementos humanos, ou restos de
alimento destinados à lata de lixo. A palavra “estrume” (ARC, esterco) transmite o significado,
a um leitor moderno, embora nem mesmo tal termo expresse repugnância, de maneira
enfática. Assim, todos os privilégios cerimoniais, religiosos, do passado, são
desdenhosamente jogados de lado, como lixo.53

A linguagem chocante de Paulo é proposital, a fim de magnificar a


supremacia de Cristo. O que Paulo mais queria era “ser encontrado nele, não tendo
a minha própria justiça que procede da Lei, mas a que vem mediante a fé em Cristo,
a justiça que procede de Deus e se baseia na fé” (Filipenses 3.9). Paulo queria ser
achado em Cristo, pois o amor por Cristo havia substituído o amor por si mesmo.

51
HENDRIKSEN, William. Filipenses. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992, p. 193-199.
52
SHEDD, Russell P.; MULHOLLAND, Dewey M. Epístolas da prisão: uma análise de Efésios, Filipenses,
Colossenses e Filemom. São Paulo: Vida Nova, 2005, p. 167.
53
MARTIN, 1985, p. 145.
25

Queria conhecer a Cristo cada vez mais, inclusive o poder da sua ressurreição e a
participação em seu sofrimento, para, de alguma forma (martírio, morte natural ou
transformação na volta de Cristo) “alcançar a ressurreição dentre os mortos”
(Filipenses 3.10,11).54
Paulo reconheceu que ainda não havia alcançado tudo isso, mas prosseguia
rumo ao alvo, a fim de ganhar o prêmio do seu chamado em Cristo, e ele fazia isso
esquecendo o que ficava para trás e avançando, resolutamente, para adiante
(Filipenses 3.12-14). Esse prêmio não era algo etéreo e inatingível, mas tratava-se
da ressurreição para fora dos mortos, da vida indestrutível que ele receberia um dia,
em Cristo (Filipenses 3.20,21).55
Portanto, Deus chama para a salvação “em Cristo” (Filipenses 3.14), e
concede a justiça aos crentes mediante a fé “em Cristo” (Filipenses 3.9). Por tudo
isso, Paulo exorta seus leitores para que se gloriem somente em Cristo (Filipenses
3.3).56 Para ele, Cristo eclipsa tudo o mais. Estar em Cristo é deixar para trás a velha
vida sem Deus e avançar, com entusiasmo e dedicação, para o prêmio do chamado
celestial de Deus em Cristo. A vida cristã começa em Cristo e avança para Cristo.

1.7 O viver e o morrer em Cristo segundo Paulo

As tradições mais antigas sobre a morte de Paulo mencionam o seu martírio


em Roma.57 Um desses testemunhos antigos é a primeira carta de Clemente de
Roma, escrita por volta do ano 96 d.C.,58 na qual ele menciona a morte de Paulo
seguida pelas mortes de “uma grande multidão de eleitos”, o que poderia indicar o
martírio sob Nero, pouco antes ou mesmo durante a perseguição aos cristãos.59
Roma sofreu um grande incêndio, e as suspeitas de todos recaíram sobre Nero, que
jamais escondera o seu desejo de “reconstruir” a cidade. O imperador, no entanto,

54
SHEDD; MULHOLLAND, 2005, p. 173-176.
55
HAHN; BOOR, 2006, p. 243-247.
56
MARSHALL, I. Howard. Teologia do Novo Testamento: diversos testemunhos, um só evangelho. São Paulo:
Vida Nova, 2007, p. 305.
57
SCHNELLE, 2010, p. 489.
58
Nessa carta Clemente refere-se várias vezes a Paulo, tornando-se uma das fontes antigas a respeito do período
intermediário entre as duas prisões que o apóstolo sofreu em Roma (CAIRNS, Earle E. O cristianismo através
dos séculos: uma história da igreja cristã. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1995, p. 57).
59
BRUCE, 2003, p. 434-435.
26

culpou os cristãos, a fim de desviar as atenções de sobre a sua pessoa,


desencadeando assim uma feroz perseguição.60
O fato é que Paulo foi preso em Roma, por volta de 65 d.C.,61 depois de ter
sido libertado do primeiro encarceramento naquela cidade, descrito no final do livro
de Atos dos Apóstolos.62 Na primeira vez em que foi preso em Roma, pôde ficar
numa casa alugada (Atos dos Apóstolos 28.16,30), mas desta feita foi jogado numa
masmorra, talvez na infame prisão Mamertina, adjacente ao foro romano, onde havia
calabouços de pedra no subterrâneo.63 Por ocasião da sua primeira apresentação
diante dos magistrados, nenhum cristão de Roma apareceu para apoiá-lo, talvez
devido à perseguição, talvez porque a igreja romana não tivesse interesse no velho
apóstolo (“todos me abandonaram”, é a queixa de 2 Timóteo 4.16. Todos menos
Lucas, conforme 2 Timóteo 4.11). O objetivo desse interrogatório inicial era
determinar a identidade do acusado e a validade ou não das acusações contra ele.
Era feito em público e os cidadãos podiam se manifestar durante a audiência.
Quando mais audiências tornavam-se necessárias, o réu era mantido preso até a
sua situação ficar esclarecida. Portanto, Paulo foi mantido em “cadeias” como um
“criminoso” (2 Timóteo 2.9).64
As prisões romanas eram frias, escuras e insalubres. O inverno se
aproximava, e Paulo precisava de roupas quentes. Mas queria mais do que isso,
queria seus livros. Pediu a Timóteo: “Quando você vier, traga a capa que deixei na
casa de Carpo, em Trôade, e os meus livros, especialmente os pergaminhos” (2
Timóteo 4.13). Paulo queria ler. Queria aprender mais do Cristo a quem ele devotara
toda a sua vida.65
Os cristãos eram executados de modo cruel, e os tipos de morte (dilaceração
por animais selvagens, crucificação, morte na fogueira) indicam que muitos deles
não eram cidadãos romanos.66 Certos tipos de execução, como a crucificação, eram
vedados a cidadãos romanos, exceto em situações extremas, como a alta traição.67

60
SCHNELLE, 2010, p. 485.
61
BRUCE, 2003, p. 436. Outros eruditos arriscam datas diferentes, como 62 ou 64 d.C. (SCHNELLE, 2010, p.
491).
62
MURPHY-O’CONNOR, Jerome. Jesus e Paulo: vidas paralelas. São Paulo: Paulinas, 2008, p. 120.
63
MacARTHUR, John. O livro sobre liderança. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 156.
64
MURPHY-O’CONNOR, 2008, p. 124.
65
LOPES, 2009, p. 148-149.
66
SCHNELLE, 2010, p. 489.
67
STOTT, John R. W. A cruz de Cristo. São Paulo: Vida, 2006, p. 22.
27

Paulo era cidadão romano, e, segundo a tradição, foi decapitado num lugar
chamado Aquae Salviae (hoje Tre Fontane), perto do terceiro marco da estrada para
Óstia.68
Foi por meio de Paulo que o evangelho chegou à Europa.69 E foi a Paulo que
Deus confiou a missão de anunciar que em Cristo havia terminado a longa espera
da qual testemunhavam as Escrituras hebraicas, que aspiravam a uma renovação
total do homem e do mundo por meio de uma nova criação. Foi a Paulo que coube
demonstrar que em Cristo se cumpriu a esperança dos profetas.70

68
BRUCE, 2003, p. 437.
69
STOTT, 1994, p. 291.
70
REY, Bernard. Nova criação em Cristo no pensamento de Paulo. São Paulo: Academia Cristã, 2005, p. 313.
28

2 A EXPRESSÃO “EM CRISTO” NAS CARTAS PAULINAS

O objetivo deste capítulo é determinar, com razoável grau de precisão, o


significado teológico da expressão “em Cristo” utilizada por Paulo em suas cartas,
em diversos contextos. Ver-se-á que tal expressão abrange, na verdade, um leque
de significados, todos eles, porém, intrinsecamente conectados entre si, formando
um bloco único, uma poderosa ideia teológica matriz e motriz, que define e
impulsiona o conceito paulino de identidade cristã.

2.1 Reflexões preliminares

Uma simples observação preliminar do uso que Paulo faz dessa expressão,
em contextos variados no desenrolar de suas argumentações em suas diversas
epístolas, já revela elementos importantes e detalhes interessantes. Às vezes a
expressão pode ter mais de um sentido e mais de um significado. Numa das
passagens mais conhecidas em relação a esse tema, por exemplo, no mínimo dois
sentidos podem ser detectados: “Portanto, se alguém está em Cristo, é nova
criação. As coisas antigas já passaram; eis que surgiram coisas novas!” (2 Coríntios
5.17). Ao afirmar que alguém que está em Cristo é uma “nova criação”, Paulo aponta
para o futuro escatológico do crente, cujo corpo será transformado em um corpo
glorificado, plenamente adaptado para a vida na eternidade com Deus, nos novos
céus e nova terra.71 Ao mesmo tempo, porém, não há que se duvidar que o apóstolo
também está pensando – e o contexto, especialmente o versículo anterior, sugere
claramente isso – na vida “aqui e agora” que o cristão deve levar neste mundo ainda
decaído, em seu corpo ainda sujeito à corrupção e à destruição, no sentido de ser
uma “nova criação” porque vive a sua vida de um modo inteiramente novo e em
oposição às pessoas “sem Cristo”, visto que é uma vida que foi renovada,
reconciliada com Deus.

Essa nova criatura não é acrescentada à velha natureza, mas a repõe – ocorre uma
substituição. A pessoa transformada é completamente nova. Contrastando com o antigo amor

71
REY, 2005, p. 306-312.
29

ao mal, o novo ser – a profunda e verdadeira parte de um cristão – agora ama a lei de Deus,
deseja o cumprimento de suas justas reivindicações, odeia o pecado e anseia pela libertação
da carne não redimida em que habita o pecado. O pecado não mais o controla como antes,
mas ainda o tenta a obedecê-lo em vez de ao Senhor.72

Para Paulo, “o viver é Cristo” (Filipenses 1.21), pura e simplesmente. Ele foi
batizado em Cristo (Romanos 6.3); ele fala a verdade em Cristo (Romanos 9.1); se
gloria em Cristo (Romanos 15.17); tem esperança em Cristo (1 Coríntios 15.19); ama
seus irmãos em Cristo (1 Coríntios 16.24); permanece firme em Cristo (2 Coríntios
1.21); fala diante de Deus como alguém que está em Cristo (2 Coríntios 12.19); tem
liberdade em Cristo (Gálatas 2.4); crê em Cristo para ser justificado em Cristo
(Gálatas 2.16); é abençoado sobremaneira em Cristo (Efésios 1.3); espera em Cristo
(Efésios 1.12); assenta-se nos lugares celestiais em Cristo (Efésios 2.6); é criação
de Deus realizada em Cristo (Efésios 2.10); se gloria não em si mesmo, mas em
Cristo (Filipenses 3.3); tem a promessa da vida (eterna) em Cristo (2 Timóteo 1.1);
recebeu graça, desde a eternidade, em Cristo (2 Timóteo 1.9); possui o
conhecimento do supremo bem em Cristo (Filemom 6) e seu coração somente pode
ser reanimado em Cristo (Filemom 20). De fato, Paulo vive e morre para o seu
Senhor Jesus Cristo (Romanos 14.8). Esses são apenas alguns exemplos de como
estar “em Cristo” é absolutamente essencial para o apóstolo. Quem não está em
Cristo ainda está nas trevas, está sob o domínio do pecado e da morte, sem Deus e
sem esperança no mundo. Porque quem não está em Cristo ainda está “em Adão”,
debaixo da condenação que alcançou toda a raça humana.
Além da expressão “em Cristo”, o apóstolo Paulo fala sobre estar “com
Cristo”, uma expressão cognata. Ele a utiliza a fim de demonstrar a centralidade da
obra de Cristo na cruz para a salvação, em passagens nas quais assevera que o
indivíduo crente “morreu com Cristo” (Romanos 6.8; Colossenses 2.20; 2 Timóteo
2.11), tendo sido “crucificado com Cristo” (Gálatas 2.19,20) – com efeito, afirmando
que “o nosso velho homem foi crucificado com ele” (Romanos 6.6). Além disso,
Paulo enfatiza a importância da identificação dos cristãos com a morte de Cristo,
especialmente no batismo (Romanos 6.4; Colossenses 2.12). Ele também identifica
o cristão com a ressurreição de Cristo (Colossenses 2.12; 3.1), devido ao fato de ter

72
MacARTHUR, John. O poder da integridade. São Paulo: Cultura Cristã, 2013, p. 16.
30

sido vivificado juntamente com Cristo (Efésios 2.5; Colossenses 2.13).73 “Com Cristo
é, portanto, uma expressão análoga e complementar à expressão “em Cristo”.

2.2 O uso paulino das expressões “em Cristo” e “em Adão” na carta aos
Romanos

O cristão é justificado em Cristo (Romanos 3.24), batizado em Cristo


(Romanos 6.3), está vivo para Deus em Cristo (Romanos 6.11), recebe
gratuitamente a vida eterna em Cristo (Romanos 6.23), torna-se livre de toda
condenação em Cristo (Romanos 8.1), não pode ser separado do amor de Deus que
está em Cristo (Romanos 8.39). Se fala a verdade, é em Cristo (Romanos 9.1), se
está ligado aos seus irmãos, é porque está em Cristo (Romanos 12.5), se pode
gloriar-se, é somente em Cristo (Romanos 15.17), se colabora na causa do
evangelho, o faz em Cristo (Romanos 16.3,9), se é aprovado, é em Cristo (Romanos
16.10). E se houve genuína conversão, a pessoa está em Cristo (Romanos 16.7).
Desse modo, na carta aos Romanos, Paulo apresenta a vida cristã inteiramente
dependente de Cristo.
Depois de explanar, no início de sua epístola aos Romanos, a situação de
toda a humanidade como pecadora diante de Deus (especialmente em Romanos 1.1
- 3.20), Paulo passa a discorrer, a partir de Romanos 3.21, a respeito daquilo que,
séculos depois, viria a ser conhecido como a doutrina da justificação pela fé, um dos
temas centrais da Reforma Protestante,74 a revolucionária “descoberta evangélica”
de Martinho Lutero.75 Em Romanos 3.24, o apóstolo afirma que os seres humanos
são justificados gratuitamente pela graça de Deus por meio da frase “a redenção
que há em Cristo Jesus”, que

não pode ser reduzida a termos menos significativos do que o resgate obtido por Cristo
através do derramamento de seu sangue e da entrega de sua vida. Em adição a isso,
deveríamos notar que o apóstolo concebe esta redenção como algo que se reveste de
constante permanência em Cristo; é a “redenção que há em Cristo Jesus”. A redenção não
consiste somente naquilo que possuímos em Cristo (Ef 1.7), mas é a redenção da qual Cristo
é a incorporação. A redenção não somente foi realizada por Cristo, mas também reside no

73
MORRIS, Leon. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2003, p. 65.
74
SHELLEY, Bruce L. História do cristianismo ao alcance de todos: uma narrativa do desenvolvimento da
igreja cristã através dos séculos. São Paulo: Shedd, 2004, p. 267.
75
NOLL, Mark A. Momentos decisivos na história do cristianismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2000, p. 177.
31

Redentor em sua plena virtude e eficácia. A redenção concebida desta forma provê o meio
pelo qual a justificação, por intermédio da gratuita graça de Deus, é aplicada.76

Assim, Paulo concebe a justificação pela fé como algo que está “em Cristo” –
fora dele, não existe nenhum outro acesso a tal justificação. É preciso estar em
Cristo, viver em Cristo, para, pela graça de Deus e por meio da fé, alguém ser
justificado perante Deus. Fora de Cristo não há justificação. A espantosa diversidade
de usos que Paulo faz da expressão “em Cristo” pode ser mais bem compreendida
quando contrastada com outra expressão, “em Adão”.77
Em Romanos 5.12-19, Paulo está comparando e contrastando a vida e a obra
de dois homens que afetaram toda a humanidade. O primeiro, Adão, legou para a
sua descendência o pecado e a morte (aqui Paulo segue de perto a narrativa de
Gênesis 3, considerando Adão como já caído em pecado, e não em seu estado
anterior de inocência). O segundo, Cristo, trouxe o perdão, a justiça e a imortalidade.
Em primeiro lugar, Cristo e Adão são apresentados:

Portanto, da mesma forma como o pecado entrou no mundo por um homem, e pelo pecado a
morte, assim também a morte veio a todos os homens, porque todos pecaram; pois antes de
ser dada a Lei, o pecado já estava no mundo. Mas o pecado não é levado em conta quando
não existe lei. Todavia, a morte reinou desde o tempo de Adão até o de Moisés, mesmo sobre
aqueles que não cometeram pecado semelhante à transgressão de Adão, o qual era um tipo
daquele que haveria de vir (Romanos 5.12-14).

Nessa apresentação, Paulo descreve Adão como prefigurando (o “tipo”)


alguém que “haveria de vir”. Além disso, o pecado e a morte surgiram na raça
humana a partir de Adão. Cristo, aqui, embora seu nome não seja expressamente
citado, é mencionado como “aquele que haveria de vir”, ou seja, aquele a quem
Adão prefigurava, ou, na linguagem que Paulo utiliza aqui, “tipificava”.
Em segundo lugar, Cristo e Adão são contrastados. Paulo afirma que a obra
de Adão não é como a obra de Cristo, e que a obra de Cristo é “muito mais” bem-
sucedida do que a obra de Adão. Por meio de Adão, o pecado e a morte reinaram;
por meio de Cristo, a graça e a justiça reinaram.

Entretanto, não há comparação entre a dádiva e a transgressão. De fato, muitos morreram


por causa da transgressão de um só homem, mas a graça de Deus, isto é, a dádiva pela

76
MURRAY, John. Romanos. São José dos Campos: Fiel, 2003, p. 143.
77
LADD, 2003, p. 654.
32

graça de um só, Jesus Cristo, transbordou ainda para muitos! Não se pode comparar a
dádiva de Deus com a consequência do pecado de um só homem: por um pecado veio o
julgamento que trouxe condenação, mas a dádiva decorreu de muitas transgressões e trouxe
justificação. Se pela transgressão de um só a morte reinou por meio dele, muito mais a
aqueles que recebem de Deus a imensa provisão da graça e a dádiva da justiça reinarão em
vida por meio de um único homem, Jesus Cristo (Romanos 5.15-17).

Finalmente, Adão e Cristo são comparados, pois Paulo começa a utilizar as


expressões “assim como” e “assim também”. Através de um só feito de um único
homem (a desobediência de Adão ou a obediência de Cristo) muitos foram
amaldiçoados ou abençoados. Uma só transgressão resultou no pecado e na
condenação. Um só ato de justiça resultou na justificação e na vida eterna.

Consequentemente, assim como uma só transgressão resultou na condenação de todos os


homens, assim também um só ato de justiça resultou na justificação que traz vida a todos os
homens. Logo, assim como por meio da desobediência de um só homem muitos foram feitos
pecadores, assim também, por meio da obediência de um único homem muitos serão feitos
justos. (Romanos 5.18,19).78

Desse modo, em Romanos 5.12-19, Adão e Cristo são colocados lado a lado
um com o outro, porém com diferenças singulares e significativas entre si.Em
primeiro lugar, Paulo deixa claro que o pecado e a morte vieram ao mundo por meio
de Adão, do qual descende toda a espécie humana. Em segundo lugar, Paulo
observa que enquanto muitos morreram devido à transgressão de um só homem
(Adão), por outro lado muitos são justificados por outro homem (Cristo). Em terceiro
lugar, Paulo compara o ato de desobediência de Adão, que condenou toda a
humanidade, com o ato de obediência de Cristo, que traz justificação. A
humanidade, portanto, está imersa em Adão, mas pode ser resgatada em Cristo. A
diferença entre estar em Adão ou estar em Cristo é uma diferença de vida ou
morte.79
Ao menos duas outras diferenças são pertinentes. A primeira consiste em que
toda a raça humana é condenada pelo pecado de Adão – não apenas por
imputação, mas porque, de acordo com a Bíblia, cada ser humano, de fato, já nasce
pecador (Salmo 51.5; Romanos 3.10-18; 5.12; entre outros) e inimigo de Deus

78
A ideia da apresentação, contraste e comparação entre Cristo e Adão em Romanos 5.12-19 encontra-se em
STOTT, John R. W. A mensagem de Romanos. São Paulo: ABU, 2000, p. 173-174.
79
BRUCE, F. F. Romanos: introdução e comentário. 5. ed. São Paulo: Vida Nova, 1988, p. 105-108.
33

(Romanos 1.30; 5.10; Colossenses 1.21). Em suma, todos os seres humanos


merecem a condenação (Salmo 51.4; Romanos 1.32; 6.23a), pois:

É evidente que pecamos por opção, por causa de nossa natureza pecaminosa. Alguém pode
alegar que não somos responsáveis por nosso pecado porque a natureza decaída nos foi
impingida, ou que fomos criados para nos conformar a um contexto social corrupto. Paulo,
porém, insiste que nossa natureza pecaminosa é consequência da escolha que fizemos com
Adão (Rm 5.12). O fato é que ninguém nos força a pecar. Pelo contrário, escolhemos cedo e
de bom grado dentre os pecados que são colocados à nossa frente (Tg 1.14,15).80

Mas a justiça de Cristo resgata os que nele creem de outro modo: mesmo
sem serem justos em si mesmos, a justiça de Cristo lhes é imputada (como numa
decisão judicial) ou creditada (como numa transação financeira) por Deus pela fé
(esse é o argumento paulino em Romanos 3.21-26). Ou seja, se o ser humano é
merecidamente condenado pelos seus pecados, ele é imerecidamente justificado
por Deus, em Cristo, pela fé. O pecado é algo intrínseco a todo ser humano; a
justiça de Deus é algo exterior, que é concedida aos que creem pela graça de Deus
em Cristo. O indivíduo não se torna justo ao crer, mas sim justificado – ele é tratado
como se fosse justo. O tornar-se justo – o processo da santificação – começa na
justificação, mas se perpetua por toda a vida. Justificação é“o ato de Deus pelo qual
Ele declara justo aquele que crê em Cristo”,81 ou seja, “é um ato instantâneo e legal
da parte de Deus pelo qual ele (1) considera os nossos pecados perdoados e a
justiça de Cristo como pertencente a nós e (2) declara-nos justos à vista dele”.82 É,
portanto, um ato judicial, que não produz mudança interior na pessoa. É um ato
externo que modifica a posição legal do indivíduo perante Deus, mas não transforma
o caráter do indivíduo. Santificação, por outro lado, é “a obra contínua de Deus na
vida dos cristãos, tornando-os realmente santos (...) é o processo pelo qual a
condição moral de uma pessoa é levada à conformidade com sua posição legal
diante de Deus”.83 A justificação tem a ver com a situação legal do indivíduo perante
Deus, enquanto a santificação tem a ver com o caráter do indivíduo perante Deus.
A segunda diferença é o meio pelo qual cada ser humano obtém de Adão e
de Cristo, respectivamente, condenação e justificação. Desde o primeiro homem

80
STURZ, 2012, p. 365.
81
THIESSEN, Henry Clarence. Palestras introdutórias à teologia sistemática. São Paulo: Batista Regular do
Brasil, 1987, p. 346.
82
GRUDEM, Wayne. Teologia sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999, p. 604. Itálicos no original.
83
ERICKSON, Millard J. Teologia sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 938.
34

(isto é, Adão), o pecado e a condenação se transmitem, de algum modo, para toda a


humanidade. Teólogos reformados, por exemplo, ensinam a “doutrina da
depravação total”, segundo a qual:

O homem não nasce moralmente neutro ou bom. Nasce corrompido e culpado. Ele herda a
sua corrupção de Adão por transmissão natural, através dos seus progenitores; e o pecado e
a culpa por imputação legal, em virtude da solidariedade do gênero humano com Adão.
Portanto, o pecado e a culpa de Adão são considerados nossos. Além disso, somos culpados
por nossos próprios pecados individuais.84

Porém, para alguém ser inserido na graça de Deus que traz a justificação e o
perdão dos pecados, precisa exercer fé consciente e genuína em Cristo. A fé não é
obra, “porque a fé não é trabalho, nem mérito, nem esforço; mas sim a interrupção
de todas essas coisas e, em lugar dessas coisas, a aceitação daquilo que foi
realizado por outro”.85 Isso exclui a muitos indivíduos, “pois a fé não é de todos” (2
Tessalonicenses 3.2), isto é, nem todos são capazes de abrir mão de seus supostos
méritos a fim de crer somente em Cristo e seus méritos, confessando-o como
Senhor e Salvador. Em Adão encontra-se toda a humanidade, mas em Cristo se
encontram tão-somente aqueles que “nasceram de novo” ou “nasceram do alto”
(parafraseando João 3.3).86
Assim, pode-se dizer que há duas humanidades: aquela que está em Adão e
aquela que está em Cristo, em virtude da fé. A primeira está condenada, a segunda
está redimida. Nem mesmo a lei pode prover redenção àqueles que estão em Adão,
somente Cristo pode.

É por isso que a Bíblia ensina claramente que estar bem com Deus não é questão de
guardar a lei. “Ninguém será justificado diante dele por obras da lei” (Rm 3.20). “O
homem não é justificado por obras da lei, e sim mediante a fé em Cristo Jesus” (Gl2.16). Não
existe esperança de estar em paz com Deus por guardar a lei. A única esperança está no
sangue e na justiça de Cristo, que é nossa somente pela fé. “Concluímos, pois, que o homem
é justificado pela fé, independentemente das obras da lei” (Rm 3.28).87

Em Romanos 5, especialmente nos versículos 12 a 21, há duas


considerações pertinentes ao tema da justificação. A primeira delas é um contraste

84
ANGLADA, Paulo Roberto Batista. Imago Dei: antropologia reformada. Ananindeua: Knox, 2013, p. 126.
85
BONAR, Horatius. A justiça eterna: como o homem será justo diante de Deus? São José dos Campos: Fiel,
2012, p. 73-74.
86
CALVINO, João. Romanos. 2. ed. São Paulo: Parakletos, 2001, p. 201-202.
87
PIPER, John. A paixão de Cristo. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2014, p. 86.
35

entre a antiga e a nova aliança. Na antiga aliança, a lei de Moisés não conseguiu
suprimir o pecado. O motivo disso é a incapacidade humana de cumprir a lei de
Deus, como Paulo deixa bem claro em diversas passagens, tais como Romanos
8.3,4: “Porque, aquilo que a Lei fora incapaz de fazer por estar enfraquecida pela
carne, Deus o fez, enviando seu próprio Filho, à semelhança do homem pecador,
como oferta pelo pecado. E assim condenou o pecado na carne, a fim de que as
justas exigências da Lei fossem plenamente satisfeitas em nós, que não vivemos
segundo a carne, mas segundo o Espírito”. A lei não pode salvar não porque seja
falha ou imperfeita, mas porque o indivíduo pecador não consegue cumpri-la.88 Na
nova aliança, no entanto, é apresentada ao pecador a graça de Deus em Cristo,
fundamentada em sua encarnação, morte e ressurreição, a qual proporciona o
perdão dos pecados e a justificação, levando os que creem à vida eterna.
A segunda consideração diz respeito à morte obediente de Cristo na cruz, a
qual venceu o pecado e a morte, provendo para a humanidade justificação e vida
espiritual no presente, e vida eterna no futuro. Em contraste, a desobediência de
Adão, em vida, gerou morte espiritual e eterna para a antiga humanidade, com ele
identificada.89
O argumento central do apóstolo, em Romanos 5.12-19, é que estar em
Cristo é essencial e infinitamente superior do que estar em Adão. Estar em Cristo
não apenas supera todas as deficiências e resolve todos os problemas de estar em
Adão, mas faz muito mais do que isso, dotando o indivíduo em Cristo de uma nova
natureza, muito diferente da velha natureza em Adão.90
Uma afirmação surpreendente em Romanos 5é a seguinte: “Portanto, da
mesma forma como o pecado entrou no mundo por um homem, e pelo pecado a
morte, assim também a morte veio a todos os homens, porque todos pecaram”
(Romanos 5.12). Uma interpretação que condiz com o texto de Romanos 5.12-19
sugere que todos pecaram em Adão,91 que todos estavam presentes em Adão
quando ele pecou, uma vez que toda a natureza humana existia, sem divisões, no

88
HENDRIKSEN, William. Romanos. São Paulo: Cultura Cristã, 2001, p. 327.
89
PATE, C. Marvin. Romanos. São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 132.
90
POHL, Adolf. Carta aos Romanos. Curitiba: Esperança, 1999, pp. 98-99.
91
STOTT, 2001, p. 175-182. Ver também CALVINO, 2001, p. 193; MURRAY, 2003, pp. 208-213; e BRUCE,
1988, pp. 105-106. Para opiniões divergentes, consultar PATE, 2015, pp. 123-124; CRANFIELD, C. E. B.
Comentário de Romanos versículo por versículo. São Paulo: Vida Nova, 2005, p. 116; e HENDRIKSEN, 2001,
pp. 233-237.
36

primeiro casal.92 De qualquer modo, o fato é que Adão, por meio de sua
desobediência, envolveu toda a humanidade em seu pecado e culpa. Por isso toda a
raça humana é visualizada estando “em Adão”, compartilhando com ele não
somente seu pecado e sua culpa, mas também a morte resultante desse pecado. É
por isso que o texto afirma que “a morte reinou desde o tempo de Adão até o de
Moisés, mesmo sobre aqueles que não cometeram pecado semelhante à
transgressão de Adão” (Romanos 5.14), isto é, que não desobedeceram a uma
ordem específica de Deus como Adão desobedeceu. Além disso, a lei divina havia
sido inscrita no “coração” humano, sendo constantemente transgredida pelo mesmo
motivo pelo qual a lei mosaica era transgredida: a natureza pecaminosa do ser
humano (Romanos 2.14,15).
Adão é o cabeça da humanidade caída; Cristo é o cabeça da humanidade
redimida. A partir daqui o contraste entre ambos torna-se cada vez mais evidente, ou
seja: todos os que estão em Adão estão condenados, assim como todos os que
estão em Cristo estão justificados, perdoados e livres de condenação. Além disso,
Paulo deixa claro que a graça e a dádiva da justiça em Cristo trazem consequências
muito superiores à transgressão de Adão sobre aqueles que recebem tais dons de
Deus (Romanos 5.16,17). A humanidade em Cristo não somente recupera o estado
de inocência que Adão desfrutou antes da queda – ao contrário, recebe muito mais:
recebe a justiça de Cristo. Ela não é colocada num estado de neutralidade diante de
Deus, mas num estado de perfeita justiça, a justiça de Cristo. Em toda essa
passagem fica evidente a superioridade da graça de Deus em Cristo sobre as
consequências do pecado de Adão.93

2.3 O uso paulino das expressões “em Cristo” e “em Adão” nas cartas
aos Coríntios

Em 1 Coríntios 15.21,22, em meio à discussão sobre a ressurreição, o


apóstolo novamente compara e contrasta Cristo e Adão: “Visto que a morte veio por
meio de um só homem, também a ressurreição dos mortos veio por meio de um só
homem. Pois da mesma forma como em Adão todos morrem, em Cristo todos serão

92
STURZ, 2012, p. 353-357.
93
HENDRIKSEN, 2001, p. 252-253.
37

vivificados”. Desde 1 Coríntios 15.12, ele vem argumentando a favor da realidade da


ressurreição, a qual estava sendo posta em dúvida por alguns em Corinto. Ele
observa que se Cristo não ressuscitou literalmente dos mortos, a pregação e a fé em
Cristo são inúteis, e os que pregam a ressurreição de Cristo não passam de
impostores. Se não há ressurreição física e literal, se Cristo não ressuscitou física e
corporalmente, a salvação não é possível e todos ainda estão perdidos em seus
delitos e pecados diante de Deus. Se não há ressurreição, a esperança cristã é inútil
e irracional (1 Coríntios 15.19). “Mas de fato”, Paulo afirma, “Cristo ressuscitou
dentre os mortos” (1 Coríntios 15.21), e ao estabelecer a verdade da ressurreição do
corpo, ele a compara com a verdade da morte. Como a morte veio aos homens? Por
meio de um só homem. Como veio a ressurreição? Por meio de um só homem. Em
1 Coríntios 15.22, ele expõe o contraste: da mesma forma como em Adão todos
morrem, em Cristo todos serão vivificados.

A palavra “ser vivificado” contém aquela expressão para “vida” (zoe) que por si só pode
designar no NT, até mesmo sem a adição de “eterna”, a vida verdadeira, genuína, que não é
refém da morte. Também os “perdidos” precisam “continuar vivendo” após sua morte física,
porém essa vida “lá fora” (Ap 22.15) nas “trevas” (Mt8.12; 22.13; 25.30), “banidos da face do
Senhor e da glória do seu poder” (2Ts 1.9) não é verdadeira “vida”, e sim morte eterna.94

Em 1 Coríntios 15.22, a raça humana é claramente tratada como uma


unidade e apresentada numa solidariedade de culpa com Adão. Mas assim como o
pecado trouxe consequências devastadoras para toda a humanidade, também a
obra expiatória de Cristo trouxe consequências extraordinárias, no sentido oposto
(salvação no lugar de perdição, justificação no lugar de condenação, vida eterna no
lugar de morte eterna, entre outras). No entanto, não existe, aqui, nenhum suporte
ao universalismo, a crença de que haverá salvação para todos os seres humanos,
indistintamente. O termo “todos”, em 1 Coríntios 15.22 (na primeira metade do
versículo), refere-se, realmente, a toda a humanidade, pois todos os seres humanos
estão “em Adão”. Mas na segunda metade de 1 Coríntios 15.22, é necessário fazer
uma distinção, pois “todos”, ali, se refere a todos os que estão “em Cristo”, ou seja,
apenas uma parcela da humanidade, e não toda ela (em 1 Coríntios 15.23 se

BOOR, 2004, p. 248.


94
38

encontra a confirmação, quando Paulo escreve que serão vivificados em Cristo “os
que lhe pertencem”, qualificando, assim, os “todos” do versículo anterior).95
De fato, “em Adão” descreve o estado da pessoa não regenerada (o indivíduo
não nascido de novo, sem Cristo e sem o Espírito), ainda sob a escravidão do
pecado e espiritualmente morta (inimiga de Deus, conscientemente ou não),
absolutamente incapaz de agradar a Deus. Quando Adão pecou, toda a raça
humana caiu com ele, passando a herdar a natureza destruidora do pecado: a
ausência de Deus na vida e a contaminação da corrupção na totalidade da natureza
humana. Isso não significa que o ser humano é totalmente perverso à parte de
Cristo, mas que a totalidade da natureza humana está contaminada, em maior ou
menor grau, pelo pecado.96 A consequência do pecado é a morte, em três aspectos:
morte física (separação de alma e corpo), morte espiritual (indiferença a Deus,
ausência de comunhão com Deus) e finalmente, para aqueles que passam pela
morte física sem Cristo, a morte eterna (ausência eterna e definitiva de comunhão
com Deus).97
“Em Cristo”, porém, descreve a posição da pessoa remida, livre da tirania do
pecado (1 Coríntios 10.13). Tal pessoa está capacitada para amar e obedecer a
Deus voluntariamente, sendo participante de todos os benefícios da pessoa e da
obra de Cristo e receptora do dom do Espírito e da vida eterna.98
Novamente, em ambas as expressões – “em Adão” e “em Cristo” – denota-se
o conceito da unidade da raça, do fazer parte integrante de uma coletividade de
morte ou de vida. Todos os seres humanos estão “em Adão”, até que passam a
estar “em Cristo”. Obviamente, nem todos passam por essa transição, pois basta
pertencer à espécie humana para estar “em Adão”, mas é preciso algo mais para
estar “em Cristo”: a fé.
Os que estão “em Cristo” se relacionam com ele por meio da fé. Desse modo,
ele se torna seu representante e faz por eles e neles o que eles próprios jamais
poderiam fazer por si mesmos. Romanos 5.8 diz: “Mas Deus demonstra seu amor
por nós: Cristo morreu em nosso favor quando ainda éramos pecadores”, isto é, ele

95
MORRIS, Leon. 1 Coríntios: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1981, p. 172.
96
FERREIRA, Franklin. Curso Vida Nova de teologia básica: teologia sistemática. São Paulo: Vida Nova,
2013, p. 110-111.
97
COSTA, Hermisten Maia Pereira da.Creio: no Pai, no Filho e no Espírito Santo. São José dos Campos: Fiel,
2014, p. 333.
98
MacARTHUR, John. Sociedade sem pecado. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 125.
39

favoreceu aqueles que lhe pertencem quando eles ainda eram incapazes de ajudar
a si próprios, pois eram “pecadores”. Papel semelhante é desempenhado por Adão,
o arquétipo de todos os homens, por ser o primeiro. Ele comprometeu toda a sua
descendência – toda a humanidade – na velha era, enquanto Cristo veio para
inaugurar uma nova era para aqueles que “lhe pertencem” (1 Coríntios 15.23).99
Verifica-se, portanto, o entendimento paulino das duas humanidades, uma em
Adão por nascimento e a outra em Cristo pela fé (“não por obras”, como Paulo deixa
claro em Efésios 2.9).100 Cada uma dessas duas humanidades forma uma unidade
orgânica, uma comunidade viva e única. Tal conceito pode parecer estranho para o
indivíduo pós-moderno,101 mas faz todo o sentido no pensamento paulino e bíblico,
calcado no pensamento semítico tal como encontrado no Antigo Testamento.102 Os
antigos hebreus reconheciam e valorizavam sua individualidade, mas ao mesmo
tempo eram cientes de pertencer a uma entidade maior, seja a família, o clã, a tribo
ou a nação, muitas vezes partilhando dos mesmos sonhos, aspirações e até do
mesmo destino de sua comunidade.103 Paulo, portanto, não está criando novos
conceitos, mas utilizando as Escrituras a fim de explicar o fenômeno Cristo.104

Vivemos numa época que enfatiza o indivíduo e a responsabilidade individual. Por causa
disso, é difícil aceitar a idéia de que o pecado de Adão nos torna pecadores. Queremos
pensar que as ações e decisões das outras pessoas não podem nos afetar. Mas isso não é
verdade. As ações do pai afetam a família. As ações do pastor afetam a igreja. Cada dia, de
milhares de diferentes maneiras, fazemos diferença para o bem ou para o mal na vida das
outras pessoas. (...) Quando nos perguntamos por que todos pecam é difícil evitar a
conclusão de que alguma coisa aconteceu, quando Adão pecou, que tornou o pecado uma
parte inevitável da vida de cada pessoa. Realmente não temos a mesma escolha que Adão
teve. Parece injusto para nossa época individualista, mas podemos dizer a mesma coisa
sobre a morte de Cristo em nosso lugar. Precisamos aceitar que não podemos existir

99
SHEDD, Russell P. A solidariedade da raça: o homem em Adão e em Cristo. São Paulo: Vida Nova, 1995, p.
110.
100
“Toda a Bíblia ensina claramente que a justificação é pela fé somente, sem obras” (CULVER, 2012, p. 979).
101
O pós-modernismo, embora surgido no âmbito do modernismo, é uma rejeição a este e a seus valores. Em
síntese, o pensamento pós-moderno sustenta que não existem absolutos, que a realidade não possui somente um
significado e nenhum centro transcendente. Cada indivíduo possui sua própria perspectiva da realidade, a qual
lhe confere um significado, que se torna válido para ele a despeito de outras perspectivas e significados que
outros indivíduos possam reivindicar. Cf. GRENZ, Stanley J. Pós-modernismo: um guia para entender a
filosofia do nosso tempo. São Paulo: Vida Nova, 1997, pp. 15-28. Para SCHNELLE (2010, p. 772) o pós-
modernismo tem em comum, com o iluminismo e o modernismo, o fato de definir-se “desde um ponto de vista
antropocêntrico”.
102
MERRILL, Eugene H. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Shedd, 2009, pp. 188-201.
103
WOLFF, Hans Walter. Antropologia do Antigo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2007, pp. 323-333.
104
SHEDD, 1995, p. 121-122.
40

sozinhos. Adão teve um lugar especial, mas nós também afetamos uns aos outros, e este é
um fato da vida.105

De modo coerente com sua herança judaica e seu conhecimento das


Escrituras, o apóstolo chega à conclusão de que a humanidade é uma coletividade
cujos componentes compartilham a mesma natureza – seja a velha natureza para a
velha humanidade que está em Adão, seja a nova natureza para a nova humanidade
que está em Cristo. Isso não significa que os seres humanos sejam exatamente
iguais uns aos outros, pois cada um tem a sua personalidade, seu caráter, seu
histórico de vida, suas peculiaridades e características. Mas todos compartilham da
mesma natureza essencial, daquilo que os torna seres humanos. Em Cristo houve
uma divisão no organismo primário. Aqueles que estão em Cristo não estão mais em
Adão; antes, formam uma coletividade inteiramente distinta. E para explicar isso,
Paulo utiliza uma linguagem derivada do Antigo Testamento. Ao chamar o povo de
Deus de “igreja”, por exemplo, ele toma emprestada uma palavra da Septuaginta (a
tradução grega das Escrituras hebraicas), que se refere, geralmente, à congregação
de Israel. Paulo enxerga a igreja de Cristo não apenas como uma continuidade do
povo da antiga aliança, mas como uma sucessão genuína daquele povo. Assim, o
significado da palavra “igreja”, em sua origem, é o de uma “assembleia popular”,106
um povo “convocado para fora”, uma assembleia convocada por Deus.107 Com a
nova humanidade em Cristo, segundo Paulo, ocorre praticamente o mesmo. Embora
formada por indivíduos, a igreja como um todo é objeto da graça de Deus em Cristo.
Em Cristo, Deus continua escolhendo e salvando um povo, uma comunidade, para
si.108
Assim como a antiga humanidade em Adão é composta de judeus e gentios
indistintamente, a nova humanidade em Cristo também o é. A diferença é que a
antiga é unida pelo pecado e pela morte, a nova é unida pela fé em Cristo. Os
crentes em Cristo são os membros da nova humanidade, formam um todo orgânico,
mas nem por isso monolítico e despersonalizante, pois Paulo entende e trabalha

105
FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia sistemática: uma análise histórica, bíblica e apologética para
o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007, p. 454.
106
MOULTON, Harold K. Léxico grego analítico. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p. 132.
107
MULHOLLAND, Dewey. Teologia da igreja: uma igreja segundo os propósitos de Deus. São Paulo: Shedd,
2004, pp. 23-25.
108
FEE, Gordon D. Paulo, o Espírito e o povo de Deus. São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 93-95.
41

com as diferenças pessoais. “A unidade do corpo de Cristo, segundo ele, não deve
ser entendida como igualdade dos membros, mas como aquela solidariedade que
resiste à tensão existente entre a sua diversidade, os seus dons e as suas
fraquezas”.109
Havia outro motivo para a existência de uma nova humanidade em Cristo. De
algum modo, Israel havia falhado em seu propósito para com Deus. Adão introduziu
o pecado e a morte no mundo ao transgredir o mandamento divino, e todos os seres
humanos, na condição de descendentes de Adão, encontram-se sob o domínio do
pecado e da morte, e Israel não era, nem é exceção. Vivendo sob o jugo romano e
ainda esperando as promessas de libertação e salvação, sem dúvida Israel fazia
parte integrante da velha humanidade em Adão. Por isso, Paulo afirma que Jesus, o
Cristo, é o novo Adão, que inaugura uma nova era de ressurreição e vida para os
que lhe pertencem, formando um novo Israel, uma nova humanidade. Adão
inaugurou a era da morte, Cristo inaugurou a era da ressurreição (não somente no
sentido escatológico, mas no sentido de uma nova vida). A ressurreição era uma das
promessas que Israel esperava no futuro escatológico. Mas a era futura invadiu a
era presente na ressurreição de Cristo, sinalizando os tempos do fim, os últimos
dias. Porém, os crentes em Cristo ainda morrem e aguardam a ressurreição futura,
quando serão “vivificados em Cristo” (1 Coríntios 15.22).110 Portanto, os coríntios
estavam equivocados ao afirmar que não há ressurreição. Paulo demonstra que os
que estão em Cristo triunfarão sobre a morte, ao contrário daqueles que estão em
Adão.111
Mesmo uma leitura superficial das epístolas de Paulo aos Coríntios torna
manifesto o fato de que alguns membros daquela igreja discordavam do apóstolo em
diversas questões. Mais do que isso, alguns nem mesmo estavam de acordo com
Paulo em suas reivindicações apostólicas. 1 Coríntios foi escrita para responder a
vários questionamentos e objeções que os membros da igreja de Corinto haviam
apresentado a Paulo.112 Dentre esses questionamentos, estava a doutrina da
ressurreição dos mortos, algo deveras problemático para pessoas oriundas da
cultura greco-romana. Para elas, a morte nada mais era do que a libertação da alma

109
KÄSEMANN, Ernst. Perspectivas paulinas. 2. ed. São Paulo: Teológica, 2003, p. 14-15.
110
DUNN, 2003, p. 528-535.
111
SCHREINER, 2015, p. 139-140.
112
BOOR, 2004, p. 22-23.
42

dos grilhões do corpo, o despojar da matéria inferior. Talvez os coríntios cogitassem


que a “ressurreição” consistiria apenas da conversão, na qual os espiritualmente
mortos recebem uma nova vida. Mas para um grego a concepção de um corpo
morto voltar à vida era repugnante, além de absurda. A resposta de Paulo constitui-
se no mais elaborado capítulo sobre a ressurreição em todo o Novo Testamento.113
Ele começa demonstrando que a ressurreição de Cristo é parte integrante e
fundamental do verdadeiro evangelho, que ele e os demais apóstolos pregam.
Elenca as testemunhas da ressurreição e afirma que se os mortos não ressuscitam,
a própria fé cristã seria inútil, pois tratar-se-ia de uma fraude.

Não podemos negar a ressurreição física de Cristo sem impugnar a veracidade dos
escritores da Escritura, visto que, sem dúvida, eles a descrevem como um fato. Quer dizer
que afeta a nossa crença na veracidade da Escritura. Além disso, a ressurreição de Cristo é
descrita como tendo valor de prova. É prova culminante de que Cristo foi um mestre enviado
por Deus (o sinal de Jonas), e de que ele é o verdadeiro Filho de Deus, Rm 1.4. É também o
supremo atestado do fato da imortalidade. Mais importante ainda, a ressurreição entra como
um elemento constitutivo da própria essência da obra de redenção e, portanto, do Evangelho.
É uma das grandes pedras do alicerce da Igreja de Deus. Se, afinal, a obra expiatória de
Cristo devia ser eficaz, tinha de terminar, não na morte, mas na vida. Além disso, foi o selo do
Pai aplicado à obra consumada de Cristo, foi a declaração de que ele a aceitou. Nela, Cristo
saiu de sob a lei. Finalmente, foi seu ingresso numa nova vida, como ressurreta e exaltada
Cabeça da Igreja e Senhor universal. Isto o habilitou a fazer aplicação dos frutos da sua obra
redentora.114

Paulo discute a necessidade absoluta da ressurreição de Cristo para o perdão


dos pecados e para a esperança cristã nas promessas de Deus. Desenvolve o
raciocínio de que a ressurreição de Cristo é a primeira fase no processo da
ressurreição geral de todos os que estão em Cristo, porque a união com Cristo é tão
poderosa que a ressurreição dele garante a ressurreição dos que estão nele. Além
disso, argumenta que a conduta cristã não faria sentido se não existisse a
ressurreição e a vida além da morte.115
O apóstolo, então, passa a comparar a ressurreição dos mortos com o
processo da semeadura e da colheita. Da mesma forma que um grão de trigo
precisa “morrer” para germinar, assim os corpos “semeados” na morte e na
humilhação serão ressuscitados em glória e poder. Haverá uma continuidade e uma
descontinuidade, pois o corpo “psíquico” ou “natural” será ressuscitado como um

113
THIELMAN, 2007, pp. 357-361.
114
BERKHOF, Louis. Teologia sistemática. 4. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 321.
115
MARSHALL, 2007, p. 231-232.
43

corpo “espiritual” – não um fantasma etéreo e sem substância, mas um corpo físico,
plenamente adaptado para a vida eterna, capacitado pelo enchimento total do
Espírito, um corpo semelhante ao do Cristo ressurreto (1 Coríntios 15.35-49).

O presente corpo, semeado na morte, é um corpo natural, ou seja, um corpo psíquico


governado pela alma e limitado pela vida física que temos em comum com a criação animal.
Na ressurreição, o corpo deve ser um corpo espiritual, ou seja, governado pelo espírito que
será animado totalmente pelo Espírito de Deus, e assim o corpo será o veículo perfeito e
ilimitado da manifestação da personalidade redimida e transformada do crente. Quanto à
natureza daquele corpo, ele é descrito como semelhante ao corpo glorificado de Cristo.116

É nessa altura da discussão que, em 1 Coríntios 15.45-49, ele insere a


comparação e o contraste entre Adão e Cristo. Adão, o primeiro ser humano criado,
era um “ser vivente” (ecoando Gênesis 2.7); o segundo Adão, que é Cristo, é um
“espírito vivificante”. O espírito tem primazia sobre a alma (aqui não se trata de um
argumento no debate sobre a tricotomia e a dicotomia, mas da primazia do espiritual
sobre o natural, o psíquico, o material).117 O primeiro Adão veio do pó da terra; o
segundo, do céu. Os que pertencem ao primeiro Adão são semelhantes a ele; os
que pertencem ao segundo, são semelhantes ao segundo. Os cristãos tiveram a
imagem do primeiro, mas um dia terão (ou devem ter, ainda nesta era, com sua vida
e conduta, mesmo que parcialmente) a imagem do segundo.
Paulo usa o mesmo verbo, “tornou-se”, para Adão e para Cristo. Quando
Deus criou Adão, ele tornou-se um ser vivo. Ao pecar, porém, ele passou a transmitir
a morte. Mas quando Cristo entrou no mundo, tornou-se um “espírito vivificante”, isto
é, um espírito que dá vida. Ele tornou-se a fonte da vida eterna a todos os que estão
nele.118
Adão foi o progenitor da raça humana, estampando nela suas características.
Cristo, o último Adão, é o progenitor de uma raça humana espiritual, e igualmente
estampa suas características nessa nova raça, tornando-se o ser humano padrão da

116
HUGHES, Archibald. Um novo céu e uma nova terra: estudo introdutório ao segundo advento do Senhor
Jesus Cristo. São Paulo: PES, 2009, p. 178.
117
A perspectiva teológica de que alma e espírito não são duas partes, mas nomes diferentes para a mesma coisa,
sendo o ser humano constituído de corpo e alma/espírito, é chamada de dicotomia. A perspectiva de que alma e
espírito são duas coisas diferentes, sendo o ser humano constituído de corpo, alma e espírito, é chamada de
tricotomia. Cf. CULVER, Robert D. Teologia sistemática: bíblica e histórica. São Paulo: Shedd, 2012, p. 372.
118
KISTEMAKER, Simon J. Comentário do Novo Testamento: exposição da primeira epístola aos coríntios.
São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 798.
44

nova humanidade.119 Os cristãos já tiveram a imagem do primeiro Adão, e um dia


terão a imagem do segundo Adão. Essa imagem começa a ser formada em suas
vidas pelo processo da santificação. Por essa razão, existem, desde a vinda desse
último Adão, duas linhagens ou divisões na humanidade, ou duas humanidades. Por
natureza todo ser humano faz parte da primeira humanidade terrena e traz em si
mesmo a semelhança de Adão (em seu estado decaído). Contudo, quando alguém
passa a pertencer a Cristo, torna-se uma nova criação (2 Coríntios 5.17) e uma
mudança extraordinária passa a acontecer em sua vida. Em vários lugares Paulo
tenta descrever esse processo de mudança para aqueles que passaram de estar em
Adão para estar em Cristo: se revestem da nova pessoa criada segundo Deus
(Efésios 4.24; Colossenses 3.10); ressuscitam com Cristo (Colossenses 3.1); são
transformados, “de glória em glória”, na própria imagem de Cristo (2 Coríntios 3.18);
são elevados aos lugares celestiais, onde assentam-se com Cristo (Efésios 2.6). Por
isso ele diz, “os que são dos céus [são semelhantes] ao homem celestial” (ver 1
Coríntios 15.48). Os que estão em Cristo terão a imagem do homem celestial assim
como tiveram a imagem do homem terreno. O último Adão terá uma humanidade à
sua imagem, assim como teve o primeiro Adão.120
O contraste utilizado por Paulo entre o “primeiro Adão” e o “segundo Adão”,
entremeado na discussão sobre a ressurreição de 1 Coríntios 15, alavanca o
conceito de duas humanidades, ou de uma humanidade bifurcada. Os que estão em
Cristo ainda retêm traços de Adão, mas aqueles que estão em Adão nada têm em si
mesmos que seja proveniente de Cristo, no que tange à salvação e a seus efeitos.121
Os que estão em Adão são semelhantes a Adão (têm a imagem do homem terreno),
os que estão em Cristo são semelhantes a Cristo (têm a imagem do homem
celestial). Os dois grupos também têm destinos diferentes. Os que estão em Adão
retornarão ao pó; os que estão em Cristo pertencem ao céu. Aqueles pertencem ao
reino do transitório e da morte; estes pertencem ao reino da eternidade e da
imortalidade.

119
MORRIS, 1981, p. 183.
120
BOOR, 2004, p. 264-265.
121
Considera-se, naturalmente, o Adão “pós-Queda”, já em pecado e como pecador.
45

2.4 Principais diferenças entre os que estão “em Cristo” e os que estão
“em Adão” nas cartas aos Romanos e aos Coríntios

A esta altura, antes de prosseguir elencando as demais aparições da


expressão “em Cristo” nos escritos paulinos, é necessário examinar as principais
diferenças entre aqueles que estão “em Adão” e aqueles que estão “em Cristo”, pois
Paulo trabalha com esse tema nas cartas aos Romanos e aos Coríntios.
Em primeiro lugar, cada grupo de indivíduos leva a imagem daquele que o
gerou. A unidade da antiga humanidade deriva de Adão, a unidade da nova
humanidade deriva do último Adão, Cristo. Paulo desenvolve esse contraste entre o
primeiro e o último Adão mais especificamente em Romanos 5 e 1 Coríntios 15. O
primeiro era da terra e o segundo é do céu. Todos nascem com a imagem do
primeiro; os que estão em Cristo recebem a imagem do segundo.122
Em segundo lugar, os relacionamentos são reavaliados e mudados na nova
humanidade. As diferenças étnicas, sociais, econômicas e outras mais, permanecem
(até certo ponto), mas não são mais relevantes como na velha humanidade. Elas
não podem mais causar divisões entre aqueles que estão em Cristo, como causam
naqueles que estão em Adão, porque “os que são dos céus” são semelhantes “ao
homem celestial” (1 Coríntios 15.48,49), estão em paz com Deus (Romanos 5.1),
passando pelo mesmo processo (Romanos 5.19).
De fato, Paulo insiste na unidade dessa nova raça humana, em seu conceito
de igreja como “corpo de Cristo” (1 Coríntios 12, por exemplo). Tal corpo é
constituído de judeus e gentios, homens e mulheres, escravos e livres. Nesse corpo
– a igreja – desaparecem tais distinções, tão importantes na velha humanidade em
Adão.123
Em terceiro lugar, a velha humanidade foi arruinada pela desobediência de
Adão, enquanto a nova humanidade foi restaurada e regenerada pela obediência de
Cristo (Romanos 5.19).O pecado, a condenação e a morte entraram no mundo por
meio de um único homem, Adão. Igualmente, a graça, a justiça (incluindo a
justificação) e a vida eterna entraram no mundo por meio de um único homem,
Jesus Cristo. O primeiro tornou a redenção necessária; o segundo concretizou e

122
STURZ, 2012, p. 319.
123
STURZ, 2012, p. 319.
46

assegurou a redenção. Por isso, os que estão em Adão perecerão, mas os que
estão em Cristo viverão para sempre.124 A justiça de Cristo está unida aos que
pertencem a ele.125
Em quarto lugar, a humanidade em Adão está “na carne”, enquanto a
humanidade em Cristo está “no Espírito”. A discussão paulina em Romanos 8.1-17
deixa isso bem claro. Estar “na carne” significa viver num estado de inimizade contra
Deus, enquanto viver “no Espírito” significa viver num estado de total reconciliação
com Deus, o que permite andar em obediência e santidade.
Estar “na carne”, em Romanos 8, é pertencer à velha era do pecado, da
escravidão e da morte. Nesse estado encontram-se aqueles que estão em Adão.
Por outro lado, os que estão “no Espírito” pertencem à nova era de paz com Deus
(Romanos 5.1) onde não há mais condenação (Romanos 8.1) nem escravidão ao
pecado (Romanos 6.11,14; 8.9). Esses que estão no Espírito estão, igualmente, em
Cristo (Romanos 8.9). Em vez da escravidão ao pecado que caracteriza os que
estão em Adão, os que estão em Cristo recebem um espírito de adoção (Romanos
8.5). Os primeiros são escravos do pecado em Adão e por causa de Adão, os
últimos são filhos de Deus em Cristo e por causa de Cristo.126
Em quinto lugar, como foi observado acima, a velha humanidade em Adão e a
nova humanidade em Cristo habitam num mesmo mundo, mas pertencem a eras
diferentes. O ser humano em Adão é o ser humano da velha era, da velha ordem de
coisas que está fadada a desaparecer. O novo ser em Cristo, no entanto, pertence à
nova era que permanecerá para sempre. Atualmente vive-se numa justaposição das
duas eras, mas esse é um estado temporário que deixará de existir quando Cristo
voltar. Em outras palavras: não há futuro para quem está “em Adão”, porque entre
Adão e Cristo (e consequentemente entre aqueles que estão em Adão e aqueles
que estão em Cristo) reina uma oposição existencial, limitada e restringida pelo
tempo e pelo espaço (não para sempre, não em todo o universo). O caráter do ato
de Adão é um caráter de fatalidade, pois determina implacavelmente todo um modo
de vida que se encaminha, invariavelmente, para a finitude, para a transitoriedade e
finalmente para a morte. Essa é a característica da velha era, mergulhada na

124
MURRAY, 2003, p. 233-234.
125
CERFAUX, Lucien. Cristo na teologia de Paulo. São Paulo: Teológica, 2003, p. 187-188.
126
LADD, 2001, p. 450-451.
47

futilidade e na precariedade. Mas em Cristo inaugura-se uma era de vida


escatológica, vida que se prolonga além da presente era, estendendo-se
indefinidamente pela eternidade.127
Para Paulo, a divisão entre essas duas eras em que vivem aqueles que estão
em Adão e aqueles que estão em Cristo ocorreu no sacrifício de Cristo na cruz
(Romanos 8.2-4). Desse modo, os que estão em Cristo não vivem mais na antiga
era do pecado, da lei mosaica, da carne e da morte, mas foram transportados para a
era do Espírito, do cumprimento da lei de Cristo, da expectativa da ressurreição e da
vida eterna.128 “Para o apóstolo Paulo, o espírito humano está adormecido ou morto
enquanto não é trazido à vida pelo Espírito de Deus. Daí, andar “segundo o pneuma”
implica na ação do espírito humano em resposta à orientação do Espírito divino”.129
Há ainda uma grande diferença a ser considerada entre aqueles que estão
em Cristo e aqueles que estão em Adão: seus destinos. Os filhos de Adão
compartilham organicamente de sua corrupção. Como seus herdeiros, a
desobediência de Adão lhes é imputada, bem como sua condição de caído. As
exigências da justiça divina não são cumpridas pelos filhos de Adão, como também
são ativamente suprimidas e transgredidas. O destino de Adão – a morte – é
também o destino daqueles que estão em Adão. Por outro lado, aqueles que estão
em Cristo compartilham também do destino de Cristo – a vitória sobre a morte, a
ressurreição, a plena aceitação diante de Deus. O veredito do juízo final invade a era
presente e decreta a sua sentença (Romanos 8.1).130
Em passagens como Romanos 5.10-20 e 1 Coríntios 15.20-22, Paulo declara
que os que estão em Adão experimentam a consequência do pecado de Adão, ao
passo que os que estão em Cristo experimentam a consequência da obra redentora
de Cristo. O destino dos primeiros (sempre que permanecerem “em Adão” até o
momento da morte física) é a perdição eterna; o destino dos últimos é a salvação e a
vida eterna.131

127
SCHNELLE, 2010, p. 414-415.
128
THIELMAN, 2007, p. 435-436.
129
BRUCE, 1988, p. 132.
130
HORTON, Michael. Bom demais para ser verdade: encontrando esperança num mundo de ilusões. São José
dos Campos: Fiel, 2013, p. 151.
131
FERNANDO, Ajith. A supremacia de Cristo: uma apologética ao alcance de todos. São Paulo: Shedd, 2002,
p. 179-180.
48

2.5 O uso paulino da expressão “em Cristo” na carta aos Gálatas

Para Paulo, as igrejas da Judeia estão em Cristo (Gálatas 1.22) como


certamente está a igreja em Jerusalém, pois “em Cristo Jesus nem circuncisão nem
incircuncisão têm efeito algum, mas sim a fé que atua pelo amor” (Gálatas 5.6). Não
importa se é judeu ou gentio, o que importa é estar em Cristo. Numa discussão
acerca da obrigatoriedade ou não da circuncisão para crentes gentios, o apóstolo
começa o capítulo 5 de sua carta aos Gálatas contrapondo a liberdade cristã ao jugo
da lei, argumentando que procurar ser justificado pela lei é “cair da graça” (v. 4),
afastar-se de Cristo. O que realmente importa é a fé que, “mediante o Espírito”
(Gálatas 5.5), aguarda a justiça. Por meio do Espírito e pela fé, o crente antegoza o
dia em que sua justiça em Cristo será declarada publicamente.132 Em toda essa
epístola, Paulo demonstra a realidade da justificação pela fé em Cristo,
independentemente das obras da lei. O crente tem liberdade em Cristo (Gálatas
2.4), é justificado pela fé em Cristo, não pelas obras da lei (Gálatas 2.16-21), e até
mesmo o crente gentio recebe as bênçãos prometidas a Abraão, pois está em Cristo
(Gálatas 3.14). Aquele que está em Cristo é receptáculo de todas essas bênçãos,
mesmo não sendo judeu, visto que:

Todos vocês são filhos de Deus mediante a fé em Cristo Jesus, pois os que em Cristo foram
batizados, de Cristo se revestiram. Não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem
nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus. E se vocês são de Cristo, são descendência
de Abraão e herdeiros segundo a promessa (Gálatas 3.26-29).

Em Gálatas 3.19-25, Paulo havia comparado a lei a um tutor, alguém que


coibia a liberdade das pessoas sob a sua guarda. Mas agora, em Cristo, a
maturidade havia chegado, e com ela a filiação plena. Voltar à lei mosaica seria dar
um passo para trás, seria recuar da condição de filho para a condição de servo.133 A
comunhão com Jesus Cristo, no entanto, “inclui a participação em sua relação filial
com o Pai”.134 O crente em Cristo é “adotado” por Deus. Todos os que estão em
Cristo são “filhos de Deus”. Além disso, a libertação em Cristo alcança todos os

132
HENDRIKSEN, William. Gálatas. São Paulo: Cultura Cristã, 1999, p. 285.
133
BRUCE, 2003, p. 177.
134
PANNENBERG, Wolfhart. Teologia sistemática. Volume III. Santo André, São Paulo: Academia Cristã,
Paulus, 2009, p. 294.
49

aspectos da vida humana: nacional, racial, social, rompendo até mesmo barreiras de
gênero ou condição econômica. No entanto,

É preciso acrescentar uma palavra de cautela. Essa grande declaração do versículo 28 não
significa que as diferenças raciais, sociais e sexuais foram de todo apagadas. Os cristãos não
são literalmente “daltônicos”, a ponto de não perceberem se a pele de uma pessoa é negra,
morena, amarela ou branca. Nem tampouco são inconscientes dos antecedentes culturais e
educacionais das pessoas. Também não ignoram o sexo de uma pessoa, tratando as
mulheres como se fossem homens ou os homens como se fossem mulheres. É claro que
cada pessoa pertence a uma determinada raça e nação, foi criada em uma determinada
cultura, e é homem ou mulher. Quando dizemos que Cristo aboliu essas diferenças, não
queremos dizer que elas não existem, mas que não importam. Continuam existindo, mas já
não criam barreiras à comunhão. Reconhecemo-nos como iguais, irmãos e irmãs em
Cristo. Pela graça de Deus, resistimos à tentação de desprezar uns aos outros, pois
sabemos que somos “todos... um só” por estarmos “unidos com Cristo Jesus”.135

Em sua carta aos Gálatas, Paulo aprofunda a doutrina da adoção dos crentes
por Deus. A adoção é efetivada graças à revelação do Filho (Gálatas 4.4) e ao
recebimento do Espírito (Gálatas 4.6). “Cristo é aquele, no qual, para todos os que
nele foram incluídos, foi concedido esse novo estado redentor”.136 Por isso, as
distinções humanas, embora ainda existentes, já não podem impedir a comunhão
dos filhos de Deus (Gálatas 6.15).

2.6 O uso paulino da expressão “em Cristo” na carta aos Efésios

Esta carta, “essencialmente teológica”,137 começa afirmando que os santos


crentes (ou fiéis) estão “em Cristo” (Efésios 1.1), e desenvolve esse pensamento em
todas as suas implicações. O Deus e Pai de Jesus Cristo abençoou seu povo com
todas as bênçãos espirituais nas regiões celestiais em Cristo (Efésios 1.3), todos os
que foram escolhidos “nele” (Efésios 1.4). É nele, igualmente, que se pode obter a
redenção e o perdão dos pecados (Efésios 1.7; 4.32). O propósito de Deus foi
estabelecido em Cristo para fazer convergir em Cristo todas as coisas (Efésios
1.9,10. “Todas as coisas” inclui todos os que estão em Cristo, vivos ou mortos, bem
como a criação que será renovada e libertada do cativeiro da corrupção. Não existe
a divisão entre “sagrado” e “secular” na Bíblia, visto que todas as coisas pertencem

135
STOTT, 2007, p. 93.
136
RIDDERBOS, 2013, p. 221.
137
COSTA, Hermisten Maia Pereira da. Efésios: o Deus bendito. São Paulo: Cultura Cristã, 2011, p. 17.
50

a Cristo).138 Os crentes foram escolhidos ou feitos herança em Cristo (Efésios 1.11)


e esperam a consumação em Cristo (Efésios 1.12). Foram selados em Cristo
(Efésios 1.13) com o Espírito Santo. O mesmo poder que opera nos crentes foi
exercido em Cristo (Efésios 1.20) na ressurreição. O crente está unido a Cristo
desde a eleição divina até a consumação escatológica. Ele é escolhido em Cristo,
redimido e perdoado em Cristo, selado em Cristo pelo Espírito, e objeto do poder de
Deus em Cristo.
Em Cristo os crentes são elevados a posições de honra nos lugares celestiais
(Efésios 2.6), onde receberão toda a bondade de Deus em Cristo (Efésios 2.7). Eles
são uma criação especial de Deus em Cristo (Efésios 2.10). Quando estavam sem
Cristo, estavam separados de Deus e do povo de Israel, mas agora foram
aproximados em Cristo e mediante o sangue de Cristo (Efésios 2.11-13; 3.6). Todas
as separações que excluíam os gentios das promessas do povo de Israel foram
eliminadas por Cristo e em Cristo. Estrangeiros foram transformados em
concidadãos, e todos juntos passam a formar um só povo em Cristo.139 Essa
proximidade com Deus somente é possível em Cristo e pelo sangue de Cristo, isto é,
pela união pessoal com Cristo hoje e pela morte sacrificial de Cristo na cruz.140
Talvez em nenhum outro local Paulo enfatize tanto as diferenças entre as
duas humanidades (aqueles que estão em Adão e aqueles que estão em Cristo)
quanto na carta aos Efésios. Em Efésios 2.1-10, o apóstolo começa dizendo que
seus leitores estavam “mortos” em suas transgressões e pecados, nos quais
andavam outrora, de acordo com esta era mundana ou a era em que este mundo se
encontra e obedecendo ao príncipe da autoridade do ar, o espírito que opera nos
filhos da desobediência (Efésios 2.1,2). Ele afirma que anteriormente todos os
cristãos eram assim, participavam desse estado, sendo igualmente destinados à ira
divina (Efésios 2.3).
O argumento central da passagem de Efésios 2.1-10 é que tanto o judeu
(absolutamente convicto de que poderia salvar-se por meio da obediência à lei de
Moisés) quanto o gentio (com sua vida imoral pelos padrões judeus) estão

138
LOPES, Hernandes Dias. Efésios: igreja, a noiva gloriosa de Cristo. São Paulo: Hagnos, 2009, p. 29.
139
HAHN; BOOR, 2006, p. 57.
140
STOTT, 2007, p. 65.
51

“andando”, isto é, vivendo, nas concupiscências da carne. Ambos são escravos do


pecado, porque ambos estão em Adão.141
Mas então o próprio Deus interveio e, pela graça e por amor, deu vida aos
cristãos com Cristo (Efésios 2.4,5). Seu poder é tão imensurável que os cristãos –
mesmo os que ainda habitam neste mundo - são descritos como assentados nos
lugares celestiais “em Cristo” (Efésios 2.6), de onde será demonstrada, nos tempos
eternos, a suprema e inexaurível bondade divina (Efésios 2.7). A salvação, afinal, é
pela graça, para que ninguém se glorie diante de Deus, não por obras, mas pela fé
(Efésios 2.8,9), e se torna possível porque Deus faz com que os cristãos sejam uma
nova criação em Cristo Jesus, a fim de que andem num novo e vivo caminho, o
caminho das boas obras (e até mesmo essas boas obras são uma dádiva de Deus,
preparada desde a eternidade para os que estão em Cristo, Efésios 2.10).
Agora, pois, em Cristo Jesus, os leitores de Paulo não são mais gentios nem
forasteiros, nem estão separados do verdadeiro Israel, nem estão sem Cristo e
alheios às alianças da promessa, nem sem esperança e sem Deus no mundo
(Efésios 2.11-13). Ao contrário, agora os cristãos fazem parte de uma nova
comunidade, a família de Deus, graças ao que Cristo fez na cruz (Efésios 2.14-22).
Essa nova comunidade é constituída de judeus e gentios igualmente, cujas
diferenças empalidecem diante da extraordinária sabedoria da graça de Deus em
Cristo (Efésios 3.1-13). Por isso, os cristãos devem se esforçar para manter sua
união uns com os outros e crescer em Cristo (Efésios 4.1-16), não mais vivendo
segundo o “velho homem” (Efésios 4.17 – 5.14), mas segundo Cristo, cheios do
Espírito (Efésios 5.15 – 6.9). Nessa nova vida, os poderes espirituais hostis a Cristo
já não são mais obedecidos, mas combatidos (Efésios 6.10-20).
Mais uma vez deve-se ressaltar a importância da cruz de Cristo, que criou
uma nova humanidade estabelecendo a paz entre judeus e gentios e reconciliando
ambos com Deus.142 Assim reconciliados, formam um único povo, um novo povo no
qual todos têm acesso a Deus em e por meio de Cristo.143 Logo, quem não está em
Cristo não pode ter acesso a Deus nem pode ser reconciliado com Deus.

141
HENDRIKSEN, William. Efésios e Filipenses. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2004, p. 137.
142
STOTT, 2007, p. 69.
143
REY, 2005, p. 167.
52

Assim, deduz-se que os que pertencem à velha humanidade ainda estão


mortos em seus pecados; ainda são parte integrante da presente era perversa (a
velha era) e seguem seu príncipe em sua desobediência a Deus; ainda são “filhos
da ira” e velha criação. Continuam estrangeiros e forasteiros, completamente alheios
à família de Deus, “sem esperança e sem Deus no mundo”, longe demais da nova
humanidade, além de qualquer esperança de salvação. Não têm acesso ao Pai e
não conseguem entender a sabedoria da graça de Deus. Por isso, nada podem
fazer além de andar na vaidade e na futilidade de seus próprios pensamentos
inúteis, na escuridão da ignorância e na dureza de coração, afastados e desprovidos
do entendimento de Deus, presos à mentira e ao diabo, escravos da maledicência,
da maldade e da idolatria, pois são “filhos da desobediência”. Continuam nas mais
profundas trevas e em suas obras infrutíferas. Em vez de encher-se do Espírito,
enchem-se de males, escravizados pelos poderes hostis a Cristo. Obviamente, os
que estão “em Adão” ainda assim são capazes de fazer algum bem a si mesmos e à
sociedade. Porém, à luz da nova era inaugurada por Cristo, é ainda mais doloroso
para Paulo perceber a situação desastrosa dos tais. Eles são totalmente incapazes
de cumprir suas responsabilidades para com Deus, ao mesmo tempo em que se
encontram submissos a poderes grandes demais para serem vencidos pela carne
adâmica.144

2.7 O uso paulino da expressão “em Cristo” na carta aos Filipenses

A carta começa e termina com a lembrança da segurança dos santos, que


estão “em Cristo” (Filipenses 1.1; 4.21). Não apenas isso, mas eles também exultam
em Cristo e sofrem por Cristo (Filipenses 1.29). É por também estar em Cristo que
Paulo se julga no direito de exortá-los (Filipenses 2.1), lembrando-lhes da obrigação,
oriunda de sua vida comum em Cristo, de trabalhar juntos em amor e harmonia,145
abandonando o egoísmo e a vida centrada no eu.146 Quem está em Cristo não pode
ser egoísta, pois não tem confiança nenhuma em si mesmo, mas tão-somente em

144
SHEDD, 1995, p. 119.
145
MARTIN, 1985, p. 99.
146
SHEDD; MULHOLLAND, 2005, p. 133.
53

Cristo (Filipenses 3.3). Sabe que não tem justiça própria, mas confia na justiça que
vem mediante a fé em Cristo (Filipenses 3.9).

Aqueles cujos corações – e bem assim os lábios e os ouvidos – foram circuncidados, se


gloriam no Senhor, e tão-somente nele. E os que assim se gloriam, descansam
inteiramente em Cristo Jesus, o Ungido Salvador, em sua pessoa e em sua obra.
Gloriam-se em sua cruz, isto é, em sua expiação, como a única base para sua salvação.147

Quem está em Cristo desfruta da extraordinária paz de Deus (Filipenses 4.7),


sabendo que tudo o que necessita lhe será ricamente suprido em Cristo (Filipenses
4.19). Pode alegrar-se no Senhor (Filipenses 3.1). Não olha para trás como a mulher
de Ló,148 mas avança para frente, rumo ao seu prêmio – o prêmio de seu chamado
celestial em Cristo. Por estar em Cristo e conhecer a Cristo, o crente tem uma
percepção da profundidade do amor e da abundância da graça de Deus à sua
disposição em Cristo, e consequentemente não ficará impressionado com a riqueza
nem desesperado com o sofrimento.149

2.8 O uso paulino da expressão “em Cristo” na carta aos Colossenses

Cada vez mais, Paulo deixa claro em seus escritos que os que creem estão
em Cristo (Colossenses 1.2) e que sua fé deve estar, igualmente, em Cristo
(Colossenses 1.4; 2.5). É isso o que o apóstolo deseja, apresentar “todo homem
perfeito em Cristo” (Colossenses 1.28), isto é, maduro, adulto, e que pode conduzir
outros à maturidade.150 A maturidade cristã é para todos os que estão em Cristo, e
não somente para uma elite.
Em Colossenses 2, Paulo argumenta que Cristo deve ser o único e suficiente
objeto da fé dos colossenses, pois ele é superior à filosofia mundana, ao

147
HENDRIKSEN, 1992, p. 198.
148
Na narrativa de Gênesis 19, Deus destrói duas cidades, Sodoma e Gomorra, devido à sua impiedade. Mas
antes envia anjos para retirar de Sodoma a Ló, sobrinho de Abraão, e sua família. Ao sair da cidade, porém, a
mulher de Ló olha para trás, algo que os anjos haviam dito para não fazer (v. 17). No mesmo instante, ela é
transformada numa coluna de sal (v. 26). Do mesmo modo, o crente é chamado para sair do mundo (a velha vida
sem Deus) sem hesitar, avançando para a nova vida em Cristo Jesus. Essa história tornou-se proverbial também
no sentido de o indivíduo não ficar se lamentando pelo passado, mas de avançar rumo às coisas novas que a vida
oferece.
149
CHANDLER, Matt; WILSON, Jared C. Viver é Cristo, morrer é lucro. São Paulo: Vida Nova, 2016, p. 215-
216.
150
SHEDD; MULHOLLAND, 2005, p. 245-246.
54

cerimonialismo judaico, à adoração aos anjos e ao ascetismo.151 A expressão “em


Cristo” aparece duas vezes, em Colossenses 2.8 (“Tenham cuidado para que
ninguém os escravize a filosofias vãs e enganosas, que se fundamentam nas
tradições humanas e nos princípios elementares deste mundo, e não em Cristo”) e
Colossenses 2.9 (“Pois em Cristo habita corporalmente toda a plenitude da
divindade”). Ele está combatendo ideias religiosas que se infiltraram na igreja de
Colossos, uma mistura de filosofia grega e religiões orientais com conceitos do
judaísmo.152 Essa “heresia colossense” menosprezava a pessoa de Cristo, ao
mesmo tempo em que alardeava um ar exclusivista de segredo e superioridade (daí
a insistência do apóstolo de que em Cristo todos os crentes atingem a
maioridade).153 Ensinava que existem seres e forças espirituais intermediárias entre
a divindade e a humanidade e que o espírito era essencialmente bom, enquanto a
matéria era essencialmente má.154 Por isso, em Colossenses 2.9 Paulo afirma que
“em Cristo habita corporalmente toda a plenitude da divindade” e no versículo
seguinte, diz que os cristãos já estão aperfeiçoados em Cristo de uma vez por todas,
não necessitando de quaisquer outros poderes, celestiais ou terrenos.155 Até mesmo
os procedimentos do judaísmo haviam sido ultrapassados por Cristo – não
passavam de “sombras”, por assim dizer, do “corpo” de Cristo: eram prenúncios e
indícios de uma realidade muito mais poderosa e gloriosa encontrada única e
exclusivamente em Cristo.156

2.9 O uso paulino da expressão “em Cristo” na primeira carta aos


Tessalonicenses

No início da primeira carta aos Tessalonicenses, Paulo afirma que as igrejas


de Deus estão em Cristo (1 Tessalonicenses 2.14). Individual e coletivamente, os
remidos estão em Cristo – até mesmo aqueles que já morreram (1 Tessalonicenses
4.16). Eles terão a precedência quando Cristo voltar, juntando-se a ele antes dos

151
HENDRIKSEN, William. 1 e 2 Tessalonicenses, Colossenses e Filemom. São Paulo: Cultura Cristã, 2007, p.
362.
152
MARSHALL, 2007, p. 317.
153
GUNDRY, Robert Horton. Panorama do Novo Testamento. 3. ed. São Paulo: Vida Nova, 2008, p. 505-506.
154
MARTIN, Ralph P. Colossenses e Filemon. São Paulo: Vida Nova, 1984, p. 89-90.
155
LOPES, 2013, p. 63.
156
HAHN; BOOR, 2006, p. 338-339.
55

crentes que estiverem vivos na ocasião. Estando “em Cristo” e tendo morrido como
nele viveram, nada pode separá-los dele, nem mesmo a morte.157 Paulo esperava
que, na volta gloriosa de Cristo, os cristãos mortos ressuscitariam e os cristãos vivos
seriam transformados, uns e outros recebendo um “corpo espiritual”, adaptado para
a vida eterna, a fim de estarem para sempre com Cristo.158 Até que isso aconteça,
os cristãos devem se alegrar, orar constantemente e dar graças em toda e qualquer
circunstância, pois essa é a vontade de Deus para eles “em Cristo Jesus” (1
Tessalonicenses 5.16-18). Até mesmo a vontade de Deus se revela e se manifesta
na vida dos crentes “em Cristo Jesus”.

2.10 O uso paulino da expressão “em Cristo” nas cartas a Timóteo

Pode-se observar nas cartas a Timóteo que salvação, fé, graça e amor
somente podem ser encontrados “em Cristo” (1 Timóteo 1.14; 3.13; 2 Timóteo
1.9,13; 2.1,10; 3.15). A “promessa da vida”, termo análogo à salvação e à vida
eterna, também só pode ser encontrada em Cristo (2 Timóteo 1.1).159 A vida piedosa
somente existe em Cristo, e Paulo deixa claro que isso inclui algum grau de
perseguição (2 Timóteo 3.12), sendo parte integrante da união do crente com ele.160
Porém, também inclui a promessa da vida eterna para aqueles que permanecem
“em Cristo” apesar de todo o sofrimento e perseguições que o mundo possa lhes
causar.161

2.11 O uso paulino da expressão “em Cristo” na carta a Filemom

Em sua mais breve carta canônica, o apóstolo ainda tem algo a dizer sobre a
vida em Cristo: ela produz comunhão (Filemom 6)162 e passa por cima de antigas
barreiras sociais (Filemom 16). Ela concede a Paulo o direito ou a “liberdade” de até
157
WILSON, Geoffrey B. 1 & 2 Tessalonicenses: compilação de comentários reformados. São Paulo: PES,
2013, p. 75.
158
KÜMMEL, Werner Georg. Síntese teológica do Novo Testamento. 3. ed. São Leopoldo: Sinodal, 1983, p.
270.
159
STOTT, John R. W. A mensagem de 2 Timóteo. 5. ed. São Paulo: ABU, 2001, p. 15.
160
KELLY, J. N. D. I e II Timóteo e Tito: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1983, p. 183-184.
161
STOTT, 2001, p. 99.
162
Nas citações de um livro bíblico não dividido em capítulos, como Filemom, só é indicado o número do(s)
versículo(s) (GUNDRY, 2008, p. 500).
56

mesmo ordenar a Filemom que receba Onésimo, o escravo fugitivo, de volta como
irmão em Cristo (Filemom 8-10). Se o fizer, reanimará o coração do velho apóstolo
“em Cristo” (Filemom 20). É justamente por estarem todos em Cristo – Paulo,
Filemom, Onésimo – que o apóstolo não usa de sua autoridade numa questão tão
delicada e pessoal, mas apela para a comunhão que há em Cristo, chamando
Filemom de “irmão” e tratando-o como um igual, e não como um subalterno. Se
Filemom atender ao pedido de seu irmão Paulo e receber Onésimo não como um
escravo fugitivo, mas como outro irmão em Cristo, “o conforto fluirá das experiências
de Filemom no Senhor e trará ânimo e consolo àqueles cuja vida está oculta em
Cristo”.163 O perdão e a reconciliação entre Filemom e Onésimo somente pode ser
possível pelo fato de ambos terem sido transformados por Cristo.

163
SHEDD; MULHOLLAND, 2005, p. 309.
57

3 O INDIVÍDUO EM CRISTO SEGUNDO PAULO: A CONSTRUÇÃO DE


UMA IDENTIDADE

O apóstolo Paulo é considerado por muitos como o maior teólogo do


cristianismo.164 É autor de um quinto de todas as cartas do Novo Testamento, o
maior e mais influente pensador do cristianismo primitivo, e aquele de quem existe o
maior número de informações biográficas.165 Notória é a centralidade de Cristo na
teologia paulina, a pessoa de Jesus, a salvação fundada por ele na cruz, a sua
ressurreição e exaltação como Senhor.166 Pensador profundo, dono de uma mente
analítica, Paulo esforçou-se para registrar a grandiosidade da vida e da obra de
Cristo.167 A proposta deste capítulo é buscar subsídios para a construção de uma
identidade cristã a partir do entendimento paulino da expressão “em Cristo”.

3.1 O entendimento paulino sobre Jesus Cristo

Convencido de que aquele cujos seguidores ele perseguira era, de fato, o


Messias prometido, o Senhor ressurreto e o Filho de Deus, Paulo transformou-se
num pregador incansável do evangelho.168 Ficou conhecido como o “apóstolo dos
gentios” porque entendeu e pregou um evangelho para todos, judeus e gentios,
homens e mulheres, ricos e pobres, escravos e livres, um evangelho de alcance
global,169 de tal modo que o ensino de Paulo sobre Jesus Cristo é essencial para um
entendimento correto da fé cristã, no que tange à sua história e às suas doutrinas.170
Em 2 Coríntios 5.16, Paulo declara: “Assim que nós, daqui por diante, a
ninguém conhecemos segundo a carne; e, se antes conhecemos Cristo segundo a
carne, já agora não o conhecemos deste modo”.171 Paulo, em 2 Coríntios 5.16,
estaria dizendo que não reconhecia Cristo “segundo a carne”, isto é, como um ser

164
DUNN, 2003, p. 25.
165
KÜMMEL, 1983, p. 157.
166
BORNKAMM, 2009, p. 187-188.
167
BALL, 1998, p. 69.
168
LOPES, 2009, p. 31-33.
169
WARFIELD, Benjamin B. El Salvador del mundo. Moral de Calatrava: Peregrino, 2006, p. 107-111.
170
HURTADO, L. W. Senhor Jesus Cristo: devoção a Jesus no cristianismo primitivo. Santo André, São Paulo:
Academia Cristã, Paulus, 2012, p. 121-130.
171
Bíblia Sagrada. Versão Revista e Atualizada de João Ferreira de Almeida. Barueri: Sociedade Bíblica do
Brasil, 1993.
58

humano? Ou que a humanidade de Cristo já não lhe importava mais? Paulo de fato
pouco fala sobre a atuação terrena de Jesus, antes da ressurreição (como em 1
Coríntios 7.10; 9.14), mas a melhor interpretação para 1 Coríntios 5.16 é que a
expressão “segundo a carne” não deve ser atribuída a Cristo, mas ao entendimento
paulino a respeito de Cristo. Paulo não julga a Cristo como o mundo o julga (como
um reles criminoso morto na cruz), mas julga a Cristo como o Senhor ressurreto e
exaltado, o Filho de Deus.172
Que Jesus Cristo era um ser humano, Paulo deixou isso bem claro em seus
escritos. Mais do que isso: para Paulo, Cristo é o ser humano de fato, o modelo
perfeito, o ideal supremo, o único critério pelo qual toda a humanidade deve ser
julgada.173 Como ser humano perfeito, Jesus morreu (embora não devesse morrer)
por todos, revelou o verdadeiro amor e viveu como a imagem perfeita de Deus.174
Paulo entendia que Cristo veio ao mundo como homem, “nascido de mulher,
nascido debaixo da Lei” (Gálatas 4.4), aquele que, “como homem, era descendente
de Davi” (Romanos 1.3). Ele sabia que Deus enviara seu Filho em carne, “à
semelhança do homem pecador” (Romanos 8.3); sabia, inclusive, que ele e Jesus
tinham aproximadamente a mesma idade.175 Para Paulo, era absolutamente
necessário que Jesus Cristo fosse plenamente humano, a fim de levar a bom termo
a obra de salvação. Ele nascera “de mulher” e “debaixo da Lei” para redimir a
humanidade, que estava debaixo da lei.176 Em sua carta aos Filipenses, o apóstolo
explorou ainda mais o conceito da humanidade de Jesus Cristo,

que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus. Mas aniquilou-se a
si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens; e, achado na
forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte e morte de
cruz(Filipenses 2.6-8).177

Em Filipenses 2.6-8, Paulo assume, em primeiro lugar, que Jesus Cristo é


plenamente Deus. A palavra “forma”, que aparece em Filipenses 2.6, ao contrário do

172
HÖRSTER, 2009, p. 123.
173
MURPHY-O’CONNOR, Jerome. A antropologia pastoral de Paulo: tornar-se humanos juntos. São Paulo:
Paulus, 1994, p. 45-57.
174
MURPHY-O’CONNOR, 1994, p. 47-48.
175
MURPHY-O’CONNOR, 2008, p. 11-19.
176
CERFAUX, 2003, p. 132.
177
Bíblia Sagrada. Versão Revista e Corrigida de João Ferreira de Almeida. Barueri: Sociedade Bíblica do
Brasil, 1995.
59

que se pensa, não transmite a ideia de ago exterior, como o contorno ou o aspecto
de algo, mas transmite o oposto disso, como nas “formas” de Platão (as substâncias
da realidade última, tais como beleza, verdade, justiça), as quais ele pensava que
existissem eternamente de modo imaterial. Assim, entende-se que “forma”, em
Filipenses 2.6, significa “a substância interior ou a própria natureza de uma coisa, e
não a sua aparência ou forma exterior”.178 Cristo é Deus (pois somente Deus é igual
a Deus), mas também é o único representante humano (além do primeiro casal
antes de cair em pecado) da verdadeira imagem de Deus. Ele é o preexistente e a
pura imagem de Deus, o homem perfeito.179 Ele assumiu a plenitude da natureza
humana e, como homem, aceitou as limitações humanas, inclusive a obediência
humilde ao Pai, a vida de servo e a morte numa cruz romana.180 Em tudo ele foi
humano – exceto no pecado, como Paulo deixou claro em 2 Coríntios 5.21: “Deus
tornou pecado por nós aquele que não tinha pecado, para que nele nos tornássemos
justiça de Deus”. Paulo tinha consciência do fato de que Jesus não possuía uma
natureza pecaminosa, e isso era justamente o que o qualificava para redimir a
humanidade.

Assim, esse homem entrou na raça humana para redimi-la. Paulo conceituou Jesus como um
ser igual a nós, e ao mesmo tempo diferente de nós: Deus enviou “seu próprio Filho em
semelhança da carne do pecado” (Rm 8.3). Aqui, “carne do pecado” refere-se à natureza
humana caída que todos os filhos de Adão têm. Jesus assumiu essa natureza humana, mas
não na forma decaída. Nós todos já nascemos com nossa natureza decaída. Aos Filipenses,
Paulo indica que, na encarnação, Jesus se tornou “semelhante aos homens” (Fp 2.7). A
semelhança consiste justamente em não assumir a natureza caída. Assim, ele é ao mesmo
tempo igual e bem diferente!181

Paulo tem muito mais a dizer, em suas cartas, sobre a natureza divina de
Cristo. Aos Colossenses, ele fala de Jesus Cristo como “a imagem do Deus invisível”
(Colossenses 1.15), aquele por meio de quem tudo foi criado e é mantido na
existência (Colossenses 1.16,17), aquele em quem “foi do agrado de Deus que nele
habitasse toda a plenitude” (Colossenses 1.19), isto é, aquele em quem “habita
corporalmente toda a plenitude da divindade” (Colossenses 2.9). Paulo também
apresenta Jesus como o juiz de toda a humanidade (2 Timóteo 4.1), fala do “tribunal

178
WARE, Bruce. Cristo Jesus homem: reflexões teológicas sobre a humanidade de Cristo. São José dos
Campos: Fiel, 2013, p. 24-25.
179
CULLMANN, Oscar. Cristologia do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2008, p. 232-233.
180
WARE, 2013, p. 35-40.
181
STURZ, 2012, p. 274.
60

de Cristo” (2 Coríntios 5.10), provavelmente ecoando o Antigo Testamento (Gênesis


18.25, onde Abraão se refere a Deus como o “juiz de toda a terra”, e Joel 3.12, onde
Deus afirma que julgará as nações).182 Em suma, para Paulo, Cristo é plenamente
Deus assim como é plenamente homem.
Como Deus-homem, Cristo é o Senhor de tudo. Paulo, assim como os
primeiros cristãos, transfere o título “Senhor”, utilizado nas Escrituras para referir-se
a Deus, para Jesus Cristo. Esse título também era utilizado pelos imperadores
romanos a fim de fomentar, por meio da religião estatal, a lealdade de seus súditos.
Mas para Paulo, só há um Senhor, Jesus Cristo (1 Coríntios 8.5,6), cujo poder e
autoridade abrangem todos os aspectos da vida (Romanos 14.7-9), e que é o
conteúdo da proclamação do apóstolo (2 Coríntios 4.5). Finalmente, Jesus voltará
como Senhor para julgar o mundo e chamar os que lhe pertencem para a sua glória.
Enquanto isso, como Senhor, ele governa a igreja por meio do Espírito.183
Sendo Senhor, ele é também Salvador. Paulo pregava “Jesus Cristo, e este
crucificado” (1 Coríntios 2.2). O evangelho pregado pelo apóstolo era “a palavra da
cruz” (1 Coríntios 1.18), que traz salvação para os que creem (1 Coríntios 1.24). O
evangelho de Cristo é o poder de Deus que resulta em salvação (Romanos 1.16),
cujo grande tema é a morte reconciliatória de Cristo, a sua obra na cruz (Romanos
3.22-26).184 Além disso, Cristo, o Senhor e Salvador, é o Filho de Deus que revela o
Pai ao mundo: Deus envia o Filho, se reconcilia com a humanidade por meio do
Filho, entroniza o Filho, transfere os cristãos para o Reino do Filho, envia o Espírito
de seu Filho aos corações dos que lhe pertencem e os faz esperar pelo Filho que
virá dos céus (Romanos 8.3; Gálatas 4.4; Romanos 5.1; Gálatas 1.16; 4.6;
Colossenses 1.13; 1 Tessalonicenses 1.10).185

3.2 O entendimento paulino sobre o ser humano justificado em Cristo

Como os seres humanos poderiam ser considerados justos diante de Deus?


O próprio Paulo, citando as Escrituras, chegara à conclusão de que ninguém é justo
diante de Deus, seja judeu, seja gentio (Romanos 3.9-18). A lei não podia salvar
182
ERICKSON, 2015, p. 663.
183
SCHNELLE, 2010, p. 563-565.
184
SCHREINER, 2015, p. 175.
185
KÜMMEL, 1983, p. 184-185.
61

(Romanos 3.19,20) e a justiça de Deus precisava ser satisfeita (Romanos 2.2).


Então, Paulo escreve:

Mas agora se manifestou uma justiça que provém de Deus, independente da Lei, da qual
testemunham a Lei e os Profetas, justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo para todos
os que creem. Não há distinção, pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus,
sendo justificados gratuitamente por sua graça, por meio da redenção que há em Cristo
Jesus. Deus o ofereceu como sacrifício para propiciação mediante a fé, pelo seu sangue,
demonstrando a sua justiça. Em sua tolerância, havia deixado impunes os pecados
anteriormente cometidos; mas, no presente, demonstrou a sua justiça, a fim de ser justo e
justificador daquele que tem fé em Jesus (Romanos 3.21-26).

Aqui, Paulo declara que Cristo morreu a fim de que Deus justificasse os
pecadores sem deixar de ser justo. Em Cristo, o pecado dos remidos foi castigado,
pública e definitivamente. Em Cristo, Deus remove dos remidos a ira judicial de Deus
(“propiciação” é um sacrifício que remove a ira) ao sofrer o castigo pelo pecado no
lugar deles, inclusive daqueles que aparentemente haviam ficado “impunes” no
passado, antes da morte de Cristo na cruz.186 Justificação é “a aceitação de crentes
como justos à vista de Deus, pela justiça de Jesus Cristo lançada em seu favor”.187 É
o ato instantâneo e legal da parte de Deus pelo qual ele considera os pecados dos
que estão em Cristo perdoados e a justiça de Cristo como pertencente a eles,
declarando-os justos.188 Trata-se de um termo legal ou jurídico, oriundo da
linguagem forense. O contrário de justificação é condenação. Os dois são
pronunciamentos de um juiz. No contexto cristão eles são os veredictos finais,
escatológicos, que Deus anunciará no dia do juízo. Mas em Cristo, Deus antecipa
seu julgamento, trazendo para o presente o que faz parte da consumação dos
séculos.189
Houve, portanto, uma “troca” na cruz,190 a qual Paulo descreve em 2 Coríntios
5.21: “Deus tornou pecado por nós aquele que não tinha pecado, para que nele nos
tornássemos justiça de Deus”. Isso “significa que Deus fez um julgamento a nosso
favor, e colocou-nos em comunhão perfeita consigo mesmo”, e também “significa
que Deus fez um julgamento contra Cristo (porque o Senhor levou sobre si mesmo o

186
LEITER, Charles. Justificação e regeneração. São José dos Campos: Fiel, 2015, p. 37-38.
187
LOVELACE, Richard F. Teologia da vida cristã: as dinâmicas da renovação espiritual. São Paulo: Shedd,
2004, p. 66.
188
GRUDEM, 1999, p. 604.
189
STOTT, 2000, p. 124.
190
BOOR, 2004, p. 399-400.
62

peso de nossos pecados, cf. Is 53:4-6, 12)”.191 “O inocente é morto, porque leva a
nossa carne pecadora; é odiado e amaldiçoado por Deus e pelos homens, feito
pecado por causa de nossa carne. Nós, porém, encontramos, em sua morte, a
justiça de Deus”.192
Segundo o entendimento protestante (evangélico) tradicional, a justificação,
sendo um ato legal ou jurídico de Deus (pelo qual ele, graciosamente, declara os
pecadores justificados em Cristo, mediante a fé), não altera a condição dos
pecadores, mas sim a sua posição ou estado diante de Deus. Envolve o perdão dos
pecados e a posição de justos diante de Deus (Romanos 5.1; 8.1). A justificação
acontece de uma vez por todas, não se repete e não é um processo.193

3.3 O entendimento paulino sobre o ser humano santificado em Cristo

Paulo toma o conceito veterotestamentário de Israel como povo santificado,


isto é, separado para Deus, e o aplica à igreja (1 Coríntios 1.2; 6.11), como
pertencente a Deus e dedicada a ele. No entanto, Paulo não se limita apenas ao
privilégio da igreja de ser o povo de Deus, mas vai além, considerando também a
santidade como a condição moral que serve de resposta ao chamado de Deus em
Cristo e que vem por meio do Espírito Santo.194 A santificação é a consequência
direta da justificação, do novo nascimento e da adoção em Cristo.195 “É
simplesmente uma vida consistente a partir da nossa relação filial com Deus, para
onde o evangelho nos leva. É apenas uma questão de o filho de Deus ser fiel ao seu
chamado, fiel ao seu Pai, ao seu Salvador e a si mesmo”.196
Tradicionalmente, os teólogos têm chamado a atenção para dois aspectos da
santificação, encontrados nas Escrituras e, sobretudo, nas cartas paulinas. O
primeiro aspecto refere-se à santidade posicional, pela qual o cristão é considerado
puro e santo aos olhos de Deus. Por isso é comum a utilização, no Novo
Testamento, do termo “santos”, atribuído aos que pertencem ao povo de Deus.

191
KRUSE, 1994, p. 138.
192
BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. 3. ed. São Leopoldo: Sinodal, 1989, p. 172.
193
BERKHOF, 2012, p. 473-474.
194
RIDDERBOS, 2013, p. 295.
195
MURRAY, John. Redenção consumada e aplicada. São Paulo: Cultura Cristã, 2010, p. 127.
196
PACKER, J. I. O conhecimento de Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 2014, p. 204.
63

Paulo fala desse tipo de santificação em diversas passagens, tais como 1 Coríntios
1.30 (“É, porém, por iniciativa dele que vocês estão em Cristo Jesus, o qual se
tornou sabedoria de Deus para nós, isto é, justiça, santidade e redenção”) e 1
Coríntios 6.11 (“Assim foram alguns de vocês. Mas vocês foram lavados, foram
santificados, foram justificados no nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito de
nosso Deus”).197
O segundo aspecto, que aparece em outros contextos, é o da santificação
como um processo pelo qual os justificados em Cristo tornam-se, de fato, justos.198
Em Romanos 6, Paulo exorta seus leitores a morrer para o pecado e viver para
Deus em Cristo Jesus, a libertarem-se da escravidão do pecado e tornarem-se
escravos da justiça de Deus, que leva à santidade.

Como Romanos 6 esclarece, o alicerce da santificação é nossa união com Cristo em sua
morte e ressurreição, na qual a velha natureza foi destruída e uma nova natureza foi criada,
com o poder de crescer em novidade de vida. O Espírito Santo começa, na regeneração, a
aplicar essa obra completa na vida do crente e continua a fazer isso numa esfera
progressivamente maior de renovação da personalidade. Essa renovação será completa só
na ressurreição final.199

Em Tito 2.11-14, observa-se que a graça de Deus em Cristo é transformadora


na vida do crente, e que a transformação final acontecerá quando Cristo voltar.
Enquanto isso já é possível conhecer a presença de Cristo na vida diária, a qual vai
purificando o caráter do indivíduo.200 Segundo Paulo, a santificação, assim como a
justificação e todos os demais aspectos da salvação, somente é possível “em
Cristo”.201
Não é possível apropriar-se da obra justificadora de Cristo sem reivindicar, ao
mesmo tempo, seu poder de livramento para a santificação. Em outras palavras, o
processo de santificação segue necessariamente após a obra instantânea de Deus
na justificação. Paulo escreve: “Pois o amor de Cristo nos constrange, porque
estamos convencidos de que um morreu por todos; logo, todos morreram. E ele
morreu por todos para que aqueles que vivem já não vivam mais para si mesmos,

197
GARDNER, Calvin. Soteriologia: a doutrina da salvação. Presidente Prudente: Palavra Prudente, 2012, p.
189-190.
198
SHEDD, Russell P. Lei, graça e santificação. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 56.
199
LOVELACE, 2004, p. 73.
200
BENTON, John. Cómo enderezar una iglesia centrada en sí misma. Moral de Calatrava: Peregrino, 2000, p.
122-123.
201
RYLE, J. C. Santidade: sem a qual ninguém verá o Senhor. 2. ed. São José dos Campos: Fiel, 2009, p. 44-46.
64

mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou” (2 Coríntios 5.14,15). A fé
justificadora é a mesma fé santificadora.202 Quem está em Cristo foi justificado e está
sendo santificado.

3.4 A vida em Cristo segundo Paulo

Aquele que está em Cristo foi justificado, regenerado, adotado e foi/está


sendo santificado. Mas isso não significa que lhe seja impossível pecar. A luta contra
o pecado continua, embora o domínio do pecado tenha sido rompido.203 Por um
lado, os crentes ainda estão em Adão, pois continuam adoecendo, envelhecendo e
morrendo, além de serem suscetíveis à tentação e ao pecado. Por outro lado, no
entanto, estão em Cristo, e isso significa que ingressaram numa nova existência, na
vida da nova era inaugurada por Cristo.204 Essa é a tensão do “já, mas ainda não”,205
de um mundo novo que irrompe em Cristo, num mundo velho que ainda não passou
de todo.206 Em Cristo o indivíduo começa a participar do novo mundo, ou da nova
era, ainda no presente. O velho ainda persiste, e o novo não chegou inteiramente.
Em passagens como 2 Coríntios 5.17 (“Portanto, se alguém está em Cristo, é nova
criação. As coisas antigas já passaram; eis que surgiram coisas novas!”), Paulo
enfatiza a novidade de vida em Cristo, e não as limitações e tensões do indivíduo
que ainda faz parte da velha criação.207 Em nenhum momento ele ignora as
dificuldades vividas pelos que estão em Cristo na luta contra a velha natureza
carnal, pecaminosa.208 Ao contrário, Paulo constantemente exorta seus leitores a
“mortificar”, de uma vez por todas, a velha natureza pecaminosa deles, e a se
revestirem do novo homem, Cristo (por exemplo, Colossenses 3.5-11).
Para o apóstolo, todos os que estão em Cristo morreram e ressuscitaram com
Cristo, de modo que a vida antiga de pecado, culpa e vergonha foi terminada e teve
início uma vida completamente nova de santidade, perdão e liberdade. Desse modo,
o indivíduo em Cristo deve estar ciente de que deve “mortificar” a velha natureza

202
LOVELACE, 2004, p. 192.
203
SCHREINER, 2015, p. 237-239.
204
LADD, 2003, p. 655.
205
SCHREINER, 2015, p. 232-233.
206
HEYER,2009, p. 157.
207
KRUSE, 1994, p. 134.
208
REY, 2005, p. 139-144.
65

pecaminosa dentro de si: “os que pertencem a Cristo Jesus crucificaram a carne,
com as suas paixões e os seus desejos” (Gálatas 5.24). Isso equivale à
“mortificação”, a determinação contínua, em Cristo e pelo poder do Espírito Santo,
de fazer morrer os feitos e os desejos da carne, a fim de viver em comunhão com
Deus.209

Paulo descreve o antigo estilo de vida como algo desaparecido, morto e sepultado, de acordo
com a simbologia do batismo (Rm 6.1-4): “Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu
quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de
Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2.20). Paulo se refere à nova condição como
“Cristo nele”, “em Cristo”, “no Espírito” e com o Espírito de Deus habitando nele (Rm 8.9).
Paulo reúne as alterações nessas palavras e imagens, e todas elas se referem a passar da
vida “segundo a carne” para a vida “de acordo com o Espírito” (Rm 8.4), da lei para a graça,
da morte para a vida, das trevas para a luz e da perda para o ganho. Mediante o Espírito
Santo, Deus torna todas essas mudanças possíveis.210

A vida em Cristo é, para Paulo, vida no Espírito. É o Espírito Santo que aplica
no crente todos os benefícios da salvação em Cristo.211 É ele quem capacita o
indivíduo a viver em Cristo. Como isso acontece? Paulo trabalha, em suas epístolas,
com a noção de que aqueles que recebem a salvação em Cristo passam a viver de
acordo com o caráter de Cristo. Às vezes isso é chamado de o indicativo e o
imperativo segundo Paulo. O indicativo é o dom gratuito da salvação dada por Deus
em Cristo. O imperativo é a tarefa de cada cristão de viver uma vida consagrada a
Cristo. As afirmações de Paulo sobre a atuação de Deus no ser humano estão no
indicativo, e as afirmações sobre as respostas do ser humano estão no imperativo.
O indicativo fundamenta o imperativo.212 Ou, dito de outra forma, o imperativo deriva
do indicativo e essa ordem não pode ser invertida.213 Alguns exemplos: em
Romanos 6.2, Paulo argumenta que aqueles que morreram para o pecado não
podem continuar vivendo no pecado. A seguir, ele exorta seus leitores a
considerarem a si mesmos mortos para o pecado (Romanos 6.11s). Ele afirma aos
cristãos de Roma que a lei do Espírito de vida o libertou da lei do pecado e da morte
(Romanos 8.2), ao mesmo tempo em que os desafia a mortificarem os atos

209
STOTT, 2006, p. 282-283.
210
WELLS, David F. Volte-se para Deus: a conversão cristã como única, necessária e sobrenatural. São Paulo:
Shedd, 2016, p. 66.
211
FERREIRA, Franklin. Avivamento para a igreja: o papel do Espírito Santo e da oração na renovação da
igreja. São Paulo: Vida Nova, 2015, p. 37-38.
212
SCHNELLE, 2010, p. 705-707.
213
RIDDERBOS, 2013, p. 289.
66

pecaminosos do corpo, para que vivam (Romanos 8.13). Ele assegura aos gálatas
que os mesmos se revestiram de Cristo (Gálatas 3.27), e aos romanos ele ordena
que se revistam de Cristo (Romanos 13.14). Aos filipenses, ele resume o conceito
da seguinte forma: “(...) ponham em ação a salvação de vocês com temor e tremor,
pois é Deus quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com
a boa vontade dele (Filipenses 2.12,13).214
Desse modo, Paulo lembra seus leitores de que eles ainda vivem no velho
mundo do pecado e da morte, o que fatalmente os levará a conflitos e provações,
mas agora, em Cristo, eles possuem a capacitação do Espírito para que possam
viver de acordo com o caráter de Cristo. Não estão isentos de pecado, mas também
não são pecadores incorrigíveis. Paulo não é perfeccionista, mas ao mesmo tempo
não aceita que o pecado continue dominando aqueles que estão em Cristo porque
agora, pelo Espírito, eles possuem mecanismos para se libertar dos velhos hábitos
da vida sem Deus.

Ao salvar-nos por meio de Cristo e do Espírito, Deus criou um povo escatológico, que vive a
vida do futuro no presente, uma vida que reflete o caráter de Deus, o qual se fez presente
primeiro em Cristo e depois por seu Espírito. Como presença renovada de Deus, o Espírito,
tendo dado vida a seu povo, agora o conduz pelos caminhos da retidão por amor de seu
nome.215

O Espírito atua naqueles que estão em Cristo, capacitando-os a oferecer suas


vidas ao serviço de Deus e dos seres humanos (Romanos 12.3-8), a amarem uns
aos outros (Romanos 12.9-16) e até mesmo a seus inimigos (Romanos 12.17-21).
Tudo isso acontece graças à renovação de suas mentes (Romanos 12.1,2), no
intenso esforço de reconhecer e cumprir a vontade de Deus em todas as áreas da
vida, diante das leis humanas (Romanos 13.1-7), diante da lei de Deus (Romanos
13.8-14), diante dos irmãos em Cristo (Romanos 14) e na convivência com cristãos
de características diferenciadas (Romanos 15).216 Assim, para Paulo, quem está em
Cristo está no Espírito, não apenas subjetivamente, mas também objetivamente, e
não apenas individualmente, mas também coletivamente, como igreja, o povo de
Deus. Ao passar a fazer parte do corpo de Cristo, o indivíduo passa a fazer parte do

214
HÖRSTER, 2009, p. 281-282.
215
FEE, 2015, p. 130.
216
HÖRSTER, 2009, p. 283-284.
67

Espírito como aquele que preenche o corpo (1 Coríntios 12.13). Pertencer ao corpo
de Cristo significa ter parte no Espírito.217 A vida em Cristo é ao mesmo tempo
individual e corporativa. Por isso Paulo insiste no amor fraternal, condição
indispensável para a vida daqueles que estão em Cristo (Romanos 12.10-13;
Filipenses 2.3,4; 1 Tessalonicenses 4.9). Esse amor se revela na prática,
compartilhando os recursos com os necessitados (2 Coríntios 8.1-5) e praticando a
hospitalidade (Romanos 12.13; 1 Timóteo 3.2; Tito 1.8).218
O indivíduo em Cristo é capacitado pelo Espírito Santo a viver uma nova vida.
Porém, a obra de Deus em Cristo não anula a responsabilidade individual. O
indicativo é a base do imperativo, e Paulo exorta seus leitores a viver em Cristo e
segundo o caráter de Cristo.219

3.5 A identidade cristã a partir da expressão paulina “em Cristo”: uma


proposta de construção

A plenitude da humanidade de Cristo foi reconhecida e ensinada por Paulo,


em passagens como Romanos 1.3 (fazendo alusão a Cristo “que, como homem, era
descendente de Davi”) e 1 Timóteo 2.5 (“Pois há um só Deus e um só mediador
entre Deus e os homens: o homem Cristo Jesus”).220 Além disso, para Paulo, Cristo
é o modelo, o padrão pelo qual todos os cristãos são conformados. Novamente
pode-se perceber a noção paulina do indicativo (o que Deus realiza nos crentes) e
do imperativo (o que os crentes devem fazer em suas vidas em resposta à ação
divina) em diversas passagens. Primeiro, o indicativo, aquilo que Deus realizou na
vida dos cristãos, sem qualquer cooperação da parte deles: “Pois aqueles que de
antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu
Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos” (Romanos 8.29); “E
todos nós, que com a face descoberta contemplamos a glória do Senhor, segundo a
sua imagem estamos sendo transformados com glória cada vez maior, a qual vem
do Senhor, que é o Espírito” (2 Coríntios 3.18); “Não mintam uns aos outros, visto
que vocês já se despiram do velho homem com suas práticas e se revestiram do

217
RIDDERBOS, 2013, p. 248-249.
218
MacARTHUR, 2013, p. 112-113, 118-119.
219
SCHREINER, 2015, p. 248.
220
WARE, 2013, p. 48.
68

novo, o qual está sendo renovado em conhecimento, à imagem do seu Criador”


(Colossenses 3.9,10). Segundo, o imperativo, aquilo que os cristãos devem realizar
em suas vidas, esforçando-se conscientemente para isso: “Tornem-se meus
imitadores, como eu o sou de Cristo” (1 Coríntios 11.1); “Portanto, sejam imitadores
de Deus, como filhos amados, e vivam em amor, como também Cristo nos amou e
se entregou por nós como oferta e sacrifício de aroma agradável a Deus” (Efésios
5.1,2); “Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus” (Filipenses 2.5). As
passagens no modo indicativo indicam a determinação divina em conformar os
crentes à imagem de Cristo, e as passagens no modo imperativo indicam a
responsabilidade individual de cada um no assemelhar-se, cada vez mais, a Cristo.
Obviamente, a semelhança perfeita somente será alcançada no futuro, na
consumação escatológica (Filipenses 3.20,21; Colossenses 3.4).221 Enquanto isso,
cabe ao indivíduo em Cristo imitar a vida de Cristo. Ele é o padrão e o modelo a ser
seguido. Para essa finalidade homens e mulheres integram o corpo de Cristo, de
modo a serem transformados para que possam atingir “a medida da plenitude de
Cristo” (Efésios 4.13).222 Esse objetivo é tão claro que Paulo pôde dizer: “Fui
crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A
vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e se
entregou por mim” (Gálatas 2.20). Aquele que está em Cristo, Cristo está nele, e ele
vive constantemente confiando em seu Salvador.223 Sabe que somente Cristo pode
tornar possível essa transformação interior.

O homem depois da queda não pode reencontrar nem reassumir a imagem de Deus. Por isso
existe somente um caminho: O próprio Deus assume a forma de homem e vem a ele. O Filho
de Deus, subsistindo em forma de Deus junto ao Pai, renunciou a essa sua forma de
subsistência, assumiu a forma de servo e assim vem aos homens (Fp 2.5ss). A metamorfose
da forma, impossível no homem, realiza-se no próprio Deus. (...) Em Jesus Cristo se fez
presente, em nosso meio, a imagem de Deus, na semelhança da forma da carne
pecaminosa. Sua imagem revela-se em sua doutrina, em suas obras, em seu viver e morrer.
Nele Deus criou nova sua imagem na terra. Encarnação, palavra e obra de Jesus e sua morte
na cruz, fazem inseparavelmente parte dessa imagem. É uma imagem diferente da de Adão
na original maravilha do Paraíso. É a imagem daquele que se coloca no meio do mundo do
pecado e da morte, que toma sobre si a miséria da carne humana, que, em humildade, se
sujeita à ira e ao juízo de Deus sobre o pecado, que, na morte e no sofrimento, permanece
em obediência à vontade de Deus, o nascido em pobreza, o amigo e conviva dos publicanos

221
ANGLADA, 2013, p. 280-282.
222
STURZ, 2012, p. 282.
223
MacARTHUR, John. Colunas do caráter cristão. São Paulo: Cultura Cristã, 2015, p. 17.
69

e pecadores, o que, na cruz, é rejeitado e abandonado por Deus e pelos homens – isso é
Deus na forma de homem, esse é o homem como nova imagem de Deus!224

Jesus Cristo é o verdadeiro e perfeito exemplar de ser humano, com quem


todos os que estão em Cristo devem se parecer. No entanto, ele é mais do que um
exemplo, e Paulo sabe disso. Paulo apela a seus leitores não somente para que
imitem Cristo, mas para que morram, sejam sepultados e ressuscitem com Cristo.
Uma vez em Cristo, o indivíduo deve agir em conformidade com ele, diariamente
mortificando a injustiça e produzindo o fruto de sua união com Cristo. Novamente,
sempre antes de dar um imperativo, Paulo faz menção do indicativo: a obra
salvadora de Cristo já operou no coração humano redimido.225 Ele escreve (no
imperativo) exortando seus leitores a renovarem suas mentes (Romanos 12.2) a fim
de pensarem como Cristo (Filipenses 2.5), passando a ver as coisas através de sua
perspectiva, porque, afinal (indicativo), quem está em Cristo tem a mente de Cristo
(1 Coríntios 2.16).226

A obra do Espírito de unir-nos a Cristo faz de nós não meros imitadores, mas membros vivos
do seu corpo. Nós somos incorporados – batizados – na morte, sepultamento e ressurreição
de Cristo. Paulo não diz: “Sê como Jesus”. Ele diz: “Tu és como Jesus. Ele é a cabeça, e tu a
parte de seu corpo; ele é as primícias e tu, o resto da colheita. Como vai a cabeça, também
vão os membros. Foste agora arrebatado pelo teu precursor para a nova criação. Então,
como podes continuar vivendo como se nada disso tivesse acontecido?”.227

Para Paulo, tudo está “em Cristo”. Somente depois de estabelecer essa
verdade é que ele emite o imperativo de viver uma vida que seja consistente com
isso. Mais ainda, por estar em Cristo, o cristão pode experimentar de modo
antecipado a vida futura com Cristo. O estado futuro, para o cristão, é a ressurreição
num corpo físico semelhante ao do Cristo ressurreto (Filipenses 3.20,21). O futuro
povo de Deus será formado por pessoas reais, seres humanos genuínos. O Cristo já
está assentado nos lugares celestiais – e os que estão em Cristo também já se
encontram lá, diz Paulo (Efésios 2.6). Assim, o estilo de vida que devem ter no
presente é o da vida futura que terão com Cristo, e que, num certo sentido, já

224
BONHOEFFER, 1989, p. 190.
225
HORTON, Michael. A vida segundo o evangelho. São Paulo: Cultura Cristã, 2012, p. 142.
226
STOTT, John R. W. Mentalidade cristã. 5.ed. São Paulo: Vinde, 1997, p. 55.
227
HORTON, 2012, p. 142.
70

possuem agora, em Cristo.228 A nova vida em Cristo, portanto, implica numa


transformação radical, mediante a qual os cristãos devem trazer a imagem do que é
celestial (Cristo) assim como anteriormente trouxeram a imagem do que é terreno (1
Coríntios 15.49). Paulo entende que, à medida que são transformados (2 Coríntios
3.18), os cristãos vão se tornando semelhantes à imagem do Filho de Deus
(Romanos 8.29).229 “Deus quer que o seu povo se torne como Cristo, pois
semelhança com Cristo é a vontade de Deus para o povo de Deus”.230
Isso significa que o cristão pode, então, desejar obedecer a seu Pai celestial
(Romanos 1.5; 6.17; 16.19, 26; 1 Coríntios 7.19; 2 Coríntios 9.13; 10.5),231 firmando
um compromisso radical com ele. Esse compromisso envolve uma mente renovada
em Cristo, a obediência aos mandamentos de Cristo, o engajamento social a fim de
fomentar os valores de Cristo e a proclamação do evangelho de Cristo ao mundo.232
O cristão é, finalmente, um indivíduo integrado a uma comunidade. Continua
sendo um indivíduo, uma pessoa particular, mas agora faz parte de algo maior, uma
“família da fé” (Paulo utiliza a expressão “família da fé” em Gálatas 6.10), um corpo,
como pode ser observado no texto de Romanos 12.5: “Assim também em Cristo nós,
que somos muitos, formamos um corpo, e cada membro está ligado a todos os
outros”. Paulo vê os crentes desfrutando da vida de Cristo porque são membros do
corpo de Cristo (1 Coríntios 10.17; Efésios 4.11-16; Colossenses 2.19). Assim como
os membros do corpo humano vivem somente enquanto formam parte do corpo (um
braço amputado, por exemplo, não possui mais o dom da vida), assim Paulo
considera como “mortos” aqueles que não fazem parte do corpo de Cristo (2
Coríntios 2.16), porque estão separados de Cristo (Gálatas 5.4). O cristão, portanto,
faz parte de uma comunidade viva, o corpo de Cristo. Nesse corpo, ele depende de
Cristo para viver e crescer e dos demais membros do corpo para se expressar e
desenvolver (Efésios 4.15,16).233 Paulo exorta seus leitores para que se esforcem a
fim de manter essa união (Efésios 4.1-3), pois “há um só corpo e um só Espírito,
assim como a esperança para a qual vocês foram chamados é uma só; há um só
228
WRIGHT, N. T. Eu creio. E agora? por que o caráter cristão é importante. Viçosa: Ultimato, 2012, p. 145-
146.
229
RIDDERBOS, 2013, p. 252.
230
STOTT, John R. W. O discípulo radical. Viçosa: Ultimato, 2011, p. 23.
231
DAVIS, Jimmy. Cruciforme: vivendo uma vida com a forma da cruz. São Paulo: Vida Nova, 2012, p. 79.
232
DUDLEY, Timothy. Cristianismo autêntico: 968 textos selecionados da obra de John Stott. São Paulo: Vida,
2006, p. 326.
233
MURPHY-O’CONNOR, 1994, p. 180-185.
71

Senhor, uma só fé, um só batismo, um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos,
por meio de todos e em todos” (Efésios 4.4-6). A vida em Cristo é enriquecida pela
comunhão com os membros do corpo de Cristo.
Quem é, então, o indivíduo em Cristo? Que tipo de ser humano ele é? Qual a
sua identidade? Um breve resumo do que foi exposto acima pode começar a
responder essas questões:
Em primeiro lugar, a identidade cristã tem sua origem no próprio Jesus Cristo.
Paulo ensina que esse é o fruto da operação de Deus na vida dos cristãos (o
indicativo, Romanos 8.29; 2 Coríntios 3.18; Colossenses 3.9,10) e que eles devem
esforçar-se conscientemente para que isso aconteça em suas vidas (o imperativo, 1
Coríntios 11.1; Efésios 5.1,2; Filipenses 2.5).
Em segundo lugar, o engajamento na missão da igreja é essencial na vida
daquele que está em Cristo. “O mundo atual está aguardando o aparecimento de
crentes autênticos, e deles precisa desesperadamente”.234 Paulo não aconselha a
abandonar o mundo ou a fugir dele. Ele sabe que tudo aqui é transitório, mas espera
que os crentes sejam cidadãos responsáveis e úteis para a sociedade. Não devem
tentar transformar este planeta num paraíso, porque isso acontecerá somente
quando Cristo voltar. Mas também não devem cruzar os braços diante da injustiça e
da desigualdade. Mais importante ainda, devem sempre levar a mensagem da
salvação em Cristo a todas as pessoas, sem medir esforços, como o próprio Paulo
sempre fez.235 Para ele, cada cristão deve evangelizar, discipular, aconselhar e
ensinar as Escrituras às pessoas (Romanos 15.14; Colossenses 3.16; 1
Tessalonicenses 1.6-10).236 Isso promove um ambiente de confiança mútua, onde as
pessoas aprendem a cuidar e amar umas às outras, como indivíduos que se
propõem a buscar entender, juntos, as implicações de viver em Cristo e para
Cristo.237
Em terceiro lugar, a pessoa em Cristo é parte de uma comunidade viva, da
qual recebe inúmeros benefícios ao mesmo tempo em que doa e entrega seus dons
e talentos para a mesma. Direitos lhe são outorgados, e responsabilidades lhe são

234
LLOYD-JONES, D. Martyn. Estudos no sermão do monte. 4. ed. São José dos Campos: Fiel, 1999, p. 17.
235
SCHREINER, 2015, p. 379-382.
236
KELLER, Timothy. Igreja centrada: desenvolvendo em sua cidade um ministério equilibrado e centrado no
evangelho. São Paulo: Vida Nova, 2014, p. 328.
237
DEVER, Mark; ALEXANDER, Paul. Igreja intencional: edificando seu ministério sobre o evangelho. 2. ed.
São José dos Campos: Fiel, 2015, p. 53.
72

exigidas. Nessa comunidade viva, ou corpo, como Paulo a chama, os membros


aprendem a vivenciar o evangelho à medida que interagem uns com os outros e
com a sociedade ao redor. Aprendem a sair de suas zonas de conforto a fim de
buscar com zelo e diligência soluções para os problemas de outras pessoas, às
vezes até de desconhecidos (Filipenses 2.3-5). Aprendem a amar, a perdoar e a
buscar a paz.238
A identidade cristã é multifacetada. O apóstolo Paulo expressou nitidamente,
em sua vida e em seus escritos, o que significa estar em Cristo. Bloco a bloco, como
se estivesse construindo uma casa ou um templo (1 Coríntios 3.10-15), ele
estabelece, em suas cartas, as marcas da identidade cristã. O cristão é alguém que
pertence a Cristo, morreu com Cristo e foi ressuscitado com Cristo, para viver em e
para Cristo.239

238
DEVER, Mark. Igreja: o evangelho visível. São José dos Campos: Fiel, 2015, p. 88-90.
239
RIDDERBOS, 2013, p. 235-242.
73

CONCLUSÃO

O capítulo 1 descreveu como o encontro com Cristo transformou radicalmente


a vida de Paulo. A partir desse encontro com Cristo, toda a trajetória de Paulo
contribuiu para a formação de seu conceito de viver ou estar “em Cristo”. Desse
modo, ele pôde declarar: “Se alguém está em Cristo, é nova criação. As coisas
antigas já passaram; eis que surgiram coisas novas!” (2 Coríntios 5.17). Paulo
estava consciente de ter recebido uma nova vida em Cristo, por meio do Espírito de
Deus, nova vida que resultou em um comportamento completamente transformado.
De perseguidor da igreja, ele se tornou seguidor de Cristo, pregador, missionário e
apóstolo. Ele descreveu sua antiga maneira de viver como algo desaparecido para
sempre, morto e sepultado, utilizando, como exemplo, o batismo: “Portanto, fomos
sepultados com ele na morte por meio do batismo, a fim de que, assim como Cristo
foi ressuscitado dos mortos mediante a glória do Pai, também nós vivamos uma vida
nova” (Romanos 6.4). Ele ousou dizer: “Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou
eu quem vive, mas Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela
fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gálatas 2.20). Ele se
referiu à nova vida como “em Cristo”, “Cristo em mim”, “no Espírito” e com o Espírito
de Deus habitando nele e nos cristãos (Romanos 8.9). Todas essas expressões são
utilizadas para descrever o passar da vida “segundo a carne” (em Adão) para a vida
“segundo o Espírito” (em Cristo). Ainda assim, ele sabia que no tempo presente a
nova vida em Cristo implica numa mudança contínua.240 Paulo constata, no entanto,
que o ato de reconciliação de Deus com os homens, em Cristo, tem como
consequência o morrer para o antigo modo de vida e a nova criação em Cristo: “Pois
o amor de Cristo nos constrange, porque estamos convencidos de que um morreu
por todos; logo, todos morreram. E ele morreu por todos para que aqueles que
vivem já não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e
ressuscitou” (2 Coríntios 5.14,15).241

240
WELLS, 2016, p. 65-66.
241
KÜMMEL, 1983, p. 245.
74

Por um lado, em virtude de sua comunhão com Cristo, os crentes pertencem à nova criação,
foram redimidos da era presente e passaram para o reino de Cristo (2Co 5.17; Gl 1.4; Cl
1.13); por outro lado, ainda estão na carne e, consequentemente, com seu atual modo de
existência pertencem ao mundo presente (Gl 2.20; 1Co 5.10). Fica claro que essa relação
dupla da igreja com o mundo no qual ela vive, também deve determinar sua conduta ética.242

Paulo baseia sua concepção de estar “em Cristo” na fé. Cristo reina no crente
pelo Espírito por meio da fé, o que habilita o crente a fazer atos justos.243 A
identidade cristã, portanto, é baseada na nova vida em Cristo por meio da fé. Essa
identidade se manifesta no trato com o mundo (a “era presente”) mediante a
liberdade que o crente desfruta em Cristo e mediante o processo contínuo de
mudança que essa nova vida produz, ou seja, a santificação (tanto positiva, no
sentido de dedicação cada vez maior a Deus, quanto negativa, no sentido de
abandonar cada vez mais os velhos hábitos pecaminosos).244 O crente em Cristo
pertence à era futura, mas ainda vive na era presente. Este é o tempo da fé. Por
isso, Paulo fundamenta todas as suas exortações éticas naquilo que Deus fez em
Cristo pelos crentes, recordando-lhes que foram batizados na morte de Cristo
(Romanos 6.3), são membros do corpo de Cristo (1 Coríntios 12.27) e que devem
fazer bom uso de sua liberdade, pois a liberdade em Cristo não insiste em seus
próprios direitos, mas está sempre pronta a renunciá-los por amor às outras
pessoas, especialmente aos crentes mais fracos na fé (Romanos 14.1 – 15.6; 1
Coríntios 8.1-13; 10.23-33).245
Igualmente, o indivíduo em Cristo não deve ter qualquer comunhão com as
obras das trevas (Efésios 5.11), porque agora ele é luz no Senhor (Efésios 5.8).246
Deve fazer morrer o que pertence à natureza terrena, pecaminosa, porque já morreu
e ressuscitou com Cristo (Colossenses 3.1-11).
Assim, pois, o indivíduo em Cristo vive pela fé, mas essa fé encontra a sua
expressão numa vida transformada, completamente diferente da antiga forma de
viver sem Cristo.
O capítulo 2 discutiu o uso paulino da expressão “em Cristo” em suas cartas.
Estar “em Cristo” ou “em Cristo Jesus” é, segundo o apóstolo Paulo, o fundamento

242
RIDDERBOS, 2013, p. 333.
243
KÜMMEL, 1983, p. 249-251.
244
RIDDERBOS, 2013, p. 333.
245
BORNKAMM, 2009, p. 317-318.
246
RIDDERBOS, 2013, p. 336.
75

de toda a vida cristã, individual e coletiva, no Novo Testamento. Obviamente era um


conceito caro a Paulo, além de ser muito útil para seus propósitos, pois lançou mão
dele em todas as suas epístolas, de Romanos a Filemom, na ordem canônica (isto
é, a ordem oficial em que os livros da Bíblia são alistados). Paulo compreendeu
muito bem a dinâmica da luta interior entre a nova natureza em Cristo e a velha
natureza em Adão, entre o novo homem e o velho homem. Muito do que ele
escreveu reflete essa luta. Em Romanos 8.5-8, o apóstolo estabelece a diferença
entre duas formas de pensar e se conduzir na vida: a mente da carne e a mente do
Espírito. Os que andam, ou vivem, segundo a carne, permitem que suas vidas sejam
basicamente determinadas pelo pecado e pela alienação de Deus. Seus interesses
giram em torno de questões a respeito de coisas pertencentes à natureza humana
pecaminosa. Os que vivem segundo o Espírito submetem-se ao senhorio de Cristo,
buscando o que é agradável a Deus.247
De acordo com Paulo, não se pode viver simultaneamente sob a carne e sob
o Espírito, ou em Adão e ao mesmo tempo em Cristo. Por isso, ele insta seus
leitores a viverem sob o Espírito, se realmente estão em Cristo (Romanos 8.9-14).
Paulo também encoraja seus leitores por meio de uma verdade fundamental: o
Espírito que eles receberam é o de adoção, pois foram adotados por Deus em
Cristo. Valerá a pena participar de seus sofrimentos (inclusive aqueles causados
pela renúncia aos prazeres e hábitos pecaminosos), a fim de participar, futuramente,
de sua glória (Romanos 8.15-17).
Em contraste com o pensamento predominante daqueles que estão em Adão,
aqueles que estão em Cristo devem saber que o sofrimento é o necessário prelúdio
da glória futura. As mesmas aflições e privações que se abatem sobre a
humanidade em Cristo constituem o meio pelo qual o Espírito emprega para renovar
o “homem interior” e eliminar os resquícios do velho homem em Adão (2 Coríntios
4.16-18).248
Assim, a vida em Cristo, na nova era inaugurada por sua morte e
ressurreição, não é totalmente isenta, neste mundo decaído e que ainda vive sob a
antiga era, em e sob Adão, de lutas, dores e sofrimentos. Muda-se, entretanto, a
natureza e o propósito do sofrimento. Ele identifica o cristão que sofre com Cristo.

247
HENDRIKSEN, 2001, p. 329-330.
248
BRUCE, 1988, p. 136.
76

Os que creem que o propósito de Deus é tornar a vida humana mais tolerável
e confortável acabam por baratear o que Cristo fez na cruz. Afinal, ele poderia ter
agido de outro modo, se quisesse simplesmente tornar a vida mais agradável para
os seres humanos. No entanto, seu propósito é tornar seu povo cada vez mais
parecido com Cristo, para o louvor de sua glória (2 Coríntios 3.18; Efésios 1.4-6).
Isso modifica bastante a perspectiva humana sobre o sofrimento nesta vida, pois
tudo o que acontece, acontece para tornar os que estão em Cristo mais parecidos
com Cristo.249 Dessa forma, o crente está capacitado a enfrentar o sofrimento, não
com um otimismo pueril, irreal, mas com a força de uma esperança arraigada em
Cristo.
De fato, para os que estão em Cristo, será um privilégio sofrer pelo seu
Mestre (ver, por exemplo, Atos dos Apóstolos 5.41). Tal perspectiva já os diferencia
sobremaneira daqueles que estão em Adão. “Quando a mente está cheia de
pensamentos sobre as glórias ora invisíveis da eternidade com Cristo, é então
possível entender que até esse sofrimento é ‘momentâneo’ (2 Coríntios 4:17)”.250
No entendimento de Paulo, a vida em Cristo na presente era é caracterizada
por contradições. O mundo ainda está debaixo da maldição do pecado, e por isso
não é o lugar ideal para se viver.
Ainda há outros fatores que Paulo aponta como causadores de dificuldades
na vida em Cristo, nesta que ele chama de “presente era perversa” (Gálatas 1.4).
Paulo não ensina que o mundo seja mau em si mesmo (ver 1 Coríntios 10.26, onde
ele cita o Salmo 24.1: “Do Senhor é a terra e tudo o que nela existe”), mas ele é
perspicaz o suficiente para compreender que alguma coisa está terrivelmente errada
com a criação (Romanos 8.20-22, por exemplo).251 Ele sabe que este mundo, esta
era, não é nenhum acampamento de férias, mas um campo de batalha (Efésios
6.10-18). Todo aquele que está em Cristo deve estar ciente disso também, sabendo
que lutas e dificuldades sempre existirão, e mais: que é um privilégio sofrer por
Cristo e em Cristo (Filipenses 1.29).252

249
TOZER, A. W. A vida crucificada: como viver uma experiência cristã mais profunda. São Paulo: Vida, 2013,
p. 227-228.
250
OWEN, John. Pensando espiritualmente. São Paulo: PES, 2005, p. 37.
251
MORRIS, 2003, p. 78.
252
PIPER, John; TAYLOR, Justin. O sofrimento e a soberania de Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p. 74.
77

Paulo sabe que o mundo foi criado por Deus e é sustentado por Deus
(Colossenses 1.17). A corrupção e a maldade que grassam no mundo não fazem
parte de sua essência (1 Timóteo 4.4). O que torna o mundo perverso é o pecado,
que afetou o mundo.253 Na era por vir, o mundo será redimido assim como aqueles
que estão em Cristo (Romanos 8.19-21).254 Até lá, os que estão em Cristo não
devem voltar a assumir a forma deste mundo em suas vidas. Embora pertençam a
Cristo, sua transformação ou submissão total a Deus ocorre à medida que adotam
novas formas de pensar, alicerçadas na Bíblia. Precisam ser informados pela
verdade das Escrituras, de modo que possam compreender e obedecer a vontade
de Deus. Há um aprendizado que leva tempo, o qual varia de indivíduo para
indivíduo. Enquanto isso, os que estão em Adão continuam adorando a criatura em
lugar do Criador, alheios em seu entendimento daquele que é o verdadeiro Deus e a
vida eterna.255 A experiência cristã, portanto, é viver em Cristo, mas ainda no mundo
de Adão. A perfeição ainda não chegou, por isso a pregação paulina está repleta de
apelos à vigilância e avisos para que os cristãos se preparem para o sofrimento e as
provas.256
As igrejas cristãs fariam bem em ensinar seus membros a respeito desses
aspectos do sofrer em Cristo, a fim de os fortalecer e capacitar para os desafios da
vida.
O capítulo 3 mostrou que o ponto de partida de Paulo, na construção da
identidade cristã, é o próprio Cristo. A identidade cristã se desenvolve no estar em
Cristo, no viver em Cristo. O que é, então, viver em Cristo, ou estar em Cristo,
segundo Paulo? A vida em Cristo, para Paulo, evita tanto a submissão ao mundo
quanto a fuga do mundo. A fé liberta o fiel do mundo, mas ao mesmo tempo o obriga
a dar testemunho ao mundo. Em virtude de ser uma nova criação e viver uma nova
vida, o crente não pertence mais ao mundo, às potências e seduções mundanas
(Gálatas 1.4), mas sim a Cristo crucificado e ressuscitado (Romanos 14.7-9).257

Paulo nos ensina que, da mesma forma que Deus nos incluiu na morte de Cristo, e assim
morremos para o pecado, ele nos incluiu na sua ressurreição, para que agora “andemos nós

253
SHEDD, Russell P. O mundo, a carne e o diabo. São Paulo: Vida Nova, 1995, p. 11-12.
254
SHEDD, Russell P. Escatologia do Novo Testamento. 3. ed. São Paulo: Vida Nova, 2006, p. 40.
255
SCHREINER, 2015, p. 232-233.
256
BORNKAMM, 2009, p. 363.
257
BORNKAMM, 2009, p. 319.
78

também em novidade de vida”, ou seja, para que, agora, vivamos a nova vida de ressurreição
em Cristo (Rm 6.4). Tais verdades nos remetem ao fato de que, no momento em que cremos,
morremos para a velha vida – ao sermos unidos com Cristo na semelhança da sua morte – e
ressuscitamos para uma nova vida – ao sermos unidos com ele na semelhança de sua
ressurreição.258

O presente mundo – a presente era má – não durará para sempre. O homem


e a mulher em Cristo sabem que todas as coisas são transitórias. Portanto, devem
preparar-se para o mundo vindouro. Nem relacionamentos, nem experiências de
alegria e de tristeza serão permanentes aqui. As posses, igualmente, são
passageiras. Paulo não conclama os crentes a saírem do mundo, ele espera que
eles sejam bons maridos, boas esposas, pais amorosos e filhos obedientes,
senhores justos e escravos dedicados. Não acreditarão que todas as promessas em
Cristo já tenham se cumprido em suas vidas, mas também não se deixarão consumir
pelos papéis e posições deste mundo, embora procurem fazer o maior bem possível
enquanto estão no mundo. Descartarão todo sistema utópico, sabendo que a ordem
do presente mundo jamais será purificada antes da vinda do Senhor. Mas
trabalharão com afinco para melhorar a vida das pessoas ao seu redor.259
Como o entendimento paulino de viver em Cristo pode contribuir na
construção de uma identidade cristã? Para Paulo, a em Cristo constrói sua
identidade a partir de Cristo, como o próprio Paulo declarou: “Tornem-se meus
imitadores, como eu o sou de Cristo” (1 Coríntios 11.1); “já não sou em quem vive,
mas Cristo vive em mim” (Gálatas 2.20). Por isso é justificável falar na “construção”
de uma identidade cristã, porque se trata de uma tarefa para toda a vida. “Sem
dúvida haverá lapsos em razão da nossa humanidade, mas, contudo, haverá
evidências da semelhança de Cristo na vida do verdadeiro crente”.260
A pessoa em Cristo é submissa à lei de Cristo, isto é, ao amor cristão, que
ultrapassa a barreira da individualização e alcança o próximo. Esse processo de
alcançar o outro em amor é o que caracteriza a vida em Cristo – o crente foi
alcançado pelo amor de Deus em Cristo, e agora ele alcança o outro com o amor de
Cristo. “Porque em Cristo Jesus nem circuncisão nem incircuncisão têm efeito

258
FERREIRA, 2013, p. 177.
259
SCHREINER, 2015, p. 380.
260
MacARTHUR, John. Crer é difícil. São Paulo: Cultura Cristã, 2009, p. 123.
79

algum, mas sim a fé que atua pelo amor” (Gálatas 5.6).261 Caem todas as barreiras
sociais, raciais, políticas, econômicas e religiosas.
A pessoa em Cristo depende do Espírito Santo, no qual foi selada em Cristo
(Efésios 1.13), batizada em Cristo (1 Coríntios 12.13) e adotada por Deus em Cristo
(Romanos 8.15-17). É guiada pelo Espírito (Romanos 8.12-14) e inserida no corpo
de Cristo pelo Espírito (1 Coríntios 12.12-27). Portanto, viverá integrada a uma
comunidade viva e interdependente, dinamizada pelo Espírito.
Portanto, as igrejas devem incentivar seus membros a serem pessoas
dependentes de Cristo e não do mundo, amantes de Cristo e não do mundo, a
seguirem o exemplo de Cristo em cada pequeno gesto ou hábito do cotidiano,
vivendo cheias de uma esperança viva, arraigada nas promessas de Deus em
Cristo.
Para Paulo, a união com Cristo em sua morte e ressurreição, o habitar de
Cristo e o habitar do Espírito nos crentes, o dom da vida eterna e a paz com Deus,
são diferentes maneiras de descrever a mesma coisa, a saber, a real situação
daqueles que, pela fé, tornaram-se nova criação em Cristo e entraram na nova era
da salvação e da vida. O desempenho prático dessa vida se dá na tensão entre o
indicativo e o imperativo, entre o que foi feito na pessoa em Cristo e o que a pessoa
faz, como ela deve viver, em Cristo. A morte do “velho homem” não quer dizer que
ele não deve ser levado em conta na experiência cristã. O indivíduo em Cristo nunca
será a pessoa que ele deseja ser – livre da tentação, da luta contra o pecado e da
tensão que ela provoca. O velho ego sempre estará presente, a carne adâmica
ainda está aí, e somente pode ser sobrepujada por meio de um constante andar no
Espírito, viver deliberadamente em Cristo e para Cristo.262 O cristão vive para o outro
– para Deus, para Cristo, para outros seres humanos, assim como Paulo pregou e
viveu: “Mas não pregamos a nós mesmos, mas a Jesus Cristo, o Senhor, e a nós
como escravos de vocês, por causa de Jesus” (2 Coríntios 4.5).

261
BORNKAMM, 2009, p. 335.
262
LADD, 2003, p. 664-666.
80

REFERÊNCIAS

ANGLADA, Paulo Roberto Batista. Imago Dei: antropologia reformada. Ananindeua:


Knox, 2013.

BALL, Charles Ferguson. A vida e os tempos do apóstolo Paulo. Rio de Janeiro:


CPAD, 1998.

BENTON, John. Cómo enderezar una iglesia centrada en sí misma. Moral de


Calatrava: Peregrino, 2000.

BERKHOF, Louis. Teologia sistemática. 4. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

Bíblia Sagrada.Nova Versão Internacional. São Paulo: Sociedade Bíblica


Internacional, 2000.

Bíblia Sagrada. Versão Revista e Atualizada de João Ferreira de Almeida.


Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993.

Bíblia Sagrada. Versão Revista e Corrigida de João Ferreira de Almeida.


Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1995.

BONAR, Horatius. A justiça eterna: como o homem será justo diante de Deus? São
José dos Campos: Fiel, 2012.

BONHOEFFER, Dietrich. Discipulado. 3. ed. São Leopoldo: Sinodal, 1989.

BOOR, Werner de. Cartas aos Coríntios. Curitiba: Esperança, 2004.

BORNKAMM, Günther. Paulo: vida e obra. Santo André: Academia Cristã, 2009.

BRUCE, F. F. Paulo: o apóstolo da graça, sua vida, cartas e teologia. São


Paulo:Shedd, 2003.

_____. Romanos: introdução e comentário. 5. ed. São Paulo: Vida Nova, 1988.

CAIRNS, Earle E. O cristianismo através dos séculos: uma história da igreja


cristã. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1995.

CALVINO, João. Romanos. 2. ed. São Paulo: Parakletos, 2001.

CERFAUX, Lucien. Cristo na teologia de Paulo. São Paulo: Teológica, 2003.


81

CHANDLER, Matt; WILSON, Jared C. Viver é Cristo, morrer é lucro. São Paulo:
Vida Nova, 2016.

COSTA, Hermisten Maia Pereira da. Creio: no Pai, no Filho e no Espírito Santo. São
José dos Campos: Fiel, 2014.

_____. Efésios: o Deus bendito. São Paulo: Cultura Cristã, 2011.

CRANFIELD, C. E. B. Comentário de Romanos versículo por versículo. São


Paulo: Vida Nova, 2005.

CULLMANN, Oscar. Cristologia do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2008.

CULVER, Robert D. Teologia sistemática: bíblica e histórica. São Paulo: Shedd,


2012.

DAVIS, Jimmy. Cruciforme: vivendo uma vida com a forma da cruz. São Paulo:
Vida Nova, 2012.

DEVER, Mark; ALEXANDER, Paul. Igreja intencional: edificando seu ministério


sobre o evangelho. 2. ed. São José dos Campos: Fiel, 2015.

DEVER, Mark. Igreja: o evangelho visível. São José dos Campos: Fiel, 2015.

DUDLEY, Timothy. Cristianismo autêntico: 968 textos selecionados da obra de


John Stott. São Paulo: Vida, 2006.

DUNN, James D. G. A teologia do apóstolo Paulo. São Paulo: Paulus, 2003.

ERICKSON, Millard J. Teologia sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2015.

FEE, Gordon D. Paulo, o Espírito e o povo de Deus. São Paulo: Vida Nova, 2015.

FERNANDO, Ajith. A supremacia de Cristo: uma apologética ao alcance de todos.


São Paulo: Shedd, 2002.

FERREIRA, Franklin. Avivamento para a igreja: o papel do Espírito Santo e da


oração na renovação da igreja. São Paulo: Vida Nova, 2015.

_____. Curso Vida Nova de teologia básica: teologia sistemática. São Paulo: Vida
Nova, 2013.
82

FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan.Teologia sistemática: uma análise histórica,


bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007.

GARDNER, Calvin. Soteriologia: a doutrina da salvação. Presidente Prudente:


Palavra Prudente, 2012.

GRENZ, Stanley J. Pós-modernismo: um guia para entender a filosofia do nosso


tempo. São Paulo: Vida Nova, 1997.

GRUDEM, Wayne. Teologia sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999.

GUNDRY, Robert Horton. Panorama do Novo Testamento. 3. ed. São Paulo: Vida
Nova, 2008.

HAHN, Eberhard; BOOR, Werner de. Cartas aos Efésios, Filipenses e


Colossenses. Curitiba: Esperança, 2006.

HENDRIKSEN, William. 1 e 2 Tessalonicenses, Colossenses e Filemom. São


Paulo: Cultura Cristã, 2007.

_____. Efésios e Filipenses. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2004.

_____.Filipenses. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992.

_____. Gálatas. São Paulo: Cultura Cristã, 1999.

_____. Romanos. São Paulo: Cultura Cristã, 2001.

HEYER, C. J. den. Paulo: um homem de dois mundos. São Paulo: Paulus, 2009.

HÖRSTER, Gerhard. Teologia do Novo Testamento. Curitiba: Esperança, 2009.

HORTON, Michael. A vida segundo o evangelho. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

_____. Bom demais para ser verdade: encontrando esperança num mundo de
ilusões. São José dos Campos: Fiel, 2013.

HUGHES, Archibald. Um novo céu e uma nova terra: estudo introdutório ao


segundo advento do Senhor Jesus Cristo. São Paulo: PES, 2009.

HURTADO, L. W. Senhor Jesus Cristo: devoção a Jesus no cristianismo primitivo.


Santo André, São Paulo: Academia Cristã, Paulus, 2012.
83

KÄSEMANN, Ernst. Perspectivas paulinas. 2. ed. São Paulo: Teológica, 2003.

KELLER, Timothy. Igreja centrada: desenvolvendo em sua cidade um ministério


equilibrado e centrado no evangelho. São Paulo: Vida Nova, 2014.

KELLY, J. N. D. I e II Timóteo e Tito: introdução e comentário. São Paulo: Vida


Nova, 1983.

KISTEMAKER, Simon J. Comentário do Novo Testamento: exposição da primeira


epístola aos coríntios. São Paulo: Cultura Cristã, 2003.

KRUSE, Colin G. II Coríntios: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova,


1994.

KÜMMEL, Werner Georg. Síntese teológica do Novo Testamento. 3. ed. São


Leopoldo: Sinodal, 1983.

LADD, George Eldon. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos, 2003.

LEITER, Charles. Justificação e regeneração. São José dos Campos: Fiel, 2015.

LLOYD-JONES, D. Martyn. Estudos no sermão do monte. 4. ed. São José dos


Campos: Fiel, 1999.

LOPES, Augustus Nicodemus. A supremacia e a suficiência de Cristo: a


mensagem de Colossenses. São Paulo: Vida Nova, 2013.

LOPES, Hernandes Dias. Efésios: igreja, a noiva gloriosa de Cristo. São Paulo:
Hagnos, 2009.

_____. Paulo: o maior líder do cristianismo. São Paulo: Hagnos, 2009.

LOVELACE, Richard F. Teologia da vida cristã: as dinâmicas da renovação


espiritual. São Paulo: Shedd, 2004.

MacARTHUR, John. Colunas do caráter cristão. São Paulo: Cultura Cristã, 2015.

_____. Crer é difícil. São Paulo: Cultura Cristã, 2009.

_____. O livro sobre liderança. São Paulo: Cultura Cristã, 2009.

_____. O poder da integridade. 2. ed.São Paulo: Cultura Cristã, 2013.


84

_____. Sociedade sem pecado. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.

MARSHALL, I. Howard. Atos dos apóstolos: introdução e comentário. São Paulo:


Vida Nova, 1982.

_____. Teologia do Novo Testamento: diversos testemunhos, um só evangelho.


São Paulo: Vida Nova, 2007.

MARTIN, Ralph P. Colossenses e Filemon: introdução e comentário. São Paulo:


Vida Nova, 1984.

_____. Filipenses: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1985.

MERRILL, Eugene H. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Shedd, 2009.

MORRIS, Leon. 1 Coríntios: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1981.

_____. Teologia do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2003.

MOULTON, Harold K. Léxico grego analítico. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.

MULHOLLAND, Dewey. Teologia da igreja: uma igreja segundo os propósitos de


Deus. São Paulo: Shedd, 2004.

MURPHY-O’CONNOR, Jerome. A antropologia pastoral de Paulo: tornar-se


humanos juntos. São Paulo: Paulus, 1994.

_____. Jesus e Paulo: vidas paralelas. São Paulo: Paulinas, 2008.

MURRAY, John. Redenção consumada e aplicada. São Paulo: Cultura Cristã,


2010.
_____. Romanos. São José dos Campos: Fiel, 2003.

NOLL, Mark A. Momentos decisivos na história do cristianismo. São Paulo:


Cultura Cristã, 2000.

OWEN, John. Pensando espiritualmente. São Paulo: PES, 2005.

PACKER, J. I. O conhecimento de Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 2014.

PANNENBERG, Wolfhart. Teologia sistemática. Volume III. Santo André, São


Paulo: Academia Cristã, Paulus, 2009.
85

PATE, C. Marvin. Romanos. São Paulo: Vida Nova, 2015.

PIPER, John; TAYLOR, Justin. O sofrimento e a soberania de Deus. São Paulo:


Cultura Cristã, 2008.

PIPER, John. A paixão de Cristo. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2014, p. 86.

_____. Em busca de Deus: a plenitude da alegria cristã. 2. ed. São Paulo: Shedd,
2008.

POHL, Adolf. Carta aos Romanos. Curitiba: Esperança, 1999.

REY, Bernard. Nova criação em Cristo no pensamento de Paulo. São Paulo:


Academia Cristã, 2005.

RIDDERBOS, Herman. A teologia do apóstolo Paulo: a obra clássica sobre o


pensamento do apóstolo dos gentios. 2. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2013.

RYLE, J. C. Santidade: sem a qual ninguém verá o Senhor. 2. ed. São José dos
Campos: Fiel, 2009.

SCHNELLE, Udo. Paulo: vida e pensamento. Santo André, São Paulo: Academia
Cristã, Paulus, 2010.

SCHREINER, Thomas R. Teologia de Paulo: o apóstolo da glória de Deus em


Cristo. São Paulo: Vida Nova, 2015.

SHEDD, Russell P.; MULHOLLAND, Dewey M. Epístolas da prisão: uma análise de


Efésios, Filipenses, Colossenses e Filemom. São Paulo: Vida Nova, 2005.

SHEDD, Russell P. A solidariedade da raça: o homem em Adão e em Cristo. São


Paulo: Vida Nova, 1995.

_____. Escatologia do Novo Testamento. 3. ed. São Paulo: Vida Nova, 2006.

_____. Lei, graça e santificação. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 1998.

_____. O mundo, a carne e o diabo. São Paulo: Vida Nova, 1995.

SHELLEY, Bruce L. História do cristianismo ao alcance de todos: uma narrativa


do desenvolvimento da igreja cristã através dos séculos. São Paulo: Shedd, 2004.

STOTT, John R. W.A cruz de Cristo. São Paulo: Vida, 2006.


86

_____. A mensagem de 2 Timóteo. 5. ed. São Paulo: ABU, 2001.

_____. A mensagem de Atos: até os confins da terra. São Paulo: ABU, 1994.

_____. A mensagem de Efésios. 2. ed. São Paulo: ABU, 2007.

_____. A mensagem de Gálatas: somente um caminho. São Paulo: ABU, 2007.

_____. A mensagem de Romanos. São Paulo: ABU, 2000.

_____. Mentalidade cristã. 5. ed. São Paulo: Vinde, 1997.

_____. O discípulo radical. Viçosa: Ultimato, 2011.

STURZ, Richard J. Teologia sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2012.

SWINDOLL, Charles R. Paulo: um homem de coragem e graça. São Paulo: Mundo


Cristão, 2003.

THIELMAN, Frank. Teologia do Novo Testamento: uma abordagem canônica e


sintética. São Paulo: Shedd, 2007.

THIESSEN, Henry Clarence. Palestras introdutórias à teologia sistemática. São


Paulo: Batista Regular do Brasil, 1987.

TOZER, A. W. A vida crucificada: como viver uma experiência cristã mais


profunda. São Paulo: Vida, 2013.

WARE, Bruce. Cristo Jesus homem: reflexões teológicas sobre a humanidade de


Cristo. São José dos Campos: Fiel, 2013.

WARFIELD, Benjamin B. El Salvador del mundo. Moral de Calatrava: Peregrino,


2006.

WELLS, David F. Volte-se para Deus: a conversão cristã como única, necessária e
sobrenatural. São Paulo: Shedd, 2016.

WILSON, Geoffrey B. 1 & 2 Tessalonicenses: compilação de comentários


reformados. São Paulo: PES, 2013.

WOLFF, Hans Walter. Antropologia do Antigo Testamento. São Paulo: Hagnos,


2007.
87

WRIGHT, N. T. Eu creio. E agora? por que o caráter cristão é importante. Viçosa:


Ultimato, 2012.

Você também pode gostar