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Euclides Da Cunha - Itamarati e A Amazônia PDF
Euclides Da Cunha - Itamarati e A Amazônia PDF
FU N D AÇÃO A LEX AN D RE D E G U SM ÃO
M inistério dasRelaçõesExteriores
Esplanada dos M inistérios,Bloco H
Anexo II,Térreo,Sala 1
70170-900 Brasília,D F
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Fax:(61)3322 2931,3322 2188
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O Instituto Rio Branco (IRBr),criado em abrilde 1945,é o órgão do M inistério das Relações Exteriores
(M RE)e tem com o finalidadeo recrutam ento,aform ação eo aperfeiçoam ento dosdiplom atasbrasileiros.
O IRBrorganiza,regularm ente,o Concurso de Adm issão à Carreira de D iplom ata,e m antém o Curso de
Form ação,o Curso de Aperfeiçoam ento de D iplom atas (CAD )e o Curso de Altos Estudos (CAE).
E UCLID ES DA CUN H A ,
O ITAM ARATY E A A M AZÔ N IA
Prê m io Azeredo da Silveira - 2º colocado
entre as dissertações apresentadas no
M estrado em D iplom aciado IRBr,2002-2004
BRASÍLIA 2005
Copyright©
Im presso no Brasil2005
Introdução .........................................................................................................7
Conclusões....................................................................................................141
Bibliografia ...................................................................................................147
IN TRO D UÇÃO
IN TRO D U ÇÃO
9
sentim ento nacionalista e o espírito cientificista que perm eiam toda sua
obra deitam raízesnesse período de form ação intelectual.
10
Euclidesfoium dosintelectuaisquefizeram partedo círculo m aispróxim o
ao Chancelerbrasileiro – o que nos rem eterá,novam ente,ao conceito de
cam po intelectual.Em seguida,procede-seà apresentação doseventosque
cercaram sua viagem à Am azônia e dos trabalhos que daíresultaram ,
sobretudo o relatório oficialda com issão de lim itescom o Peru.
11
trabalhou com o cartógrafo na chancelariaentre 1906 e 1909 -,bem com o a
controvérsiacom o Chancelerargentino Estanislau Zeballos,aspecto pouco
conhecido desuabiografiaporém relevanteem suapassagem pelo Itam araty.
D a m esm a form a,o trabalho no Itam araty perm itiu que Euclides
daCunha m antivesse contato com personalidadespolíticase diplom áticas
im portantesem suaépoca,notadam entecom o Barão do Rio Branco.U m a
vez inserido nesse am biente político e intelectual,pôde desenvolverum a
perspectiva própria sobre a República e discutir a inserção do Brasilno
cenário internacional.A recuperação dessasconcepçõesépasso im portante
para um a m elhorcom preensão de sua obra.
12
I-E UCLID ES D A CUN H A
E A PRIM EIRA REPÚBLICA
I.E U CLID ES D A C U N H A
E A PRIM EIRA R EPÚ BLICA
15
norteado pela convicção de que a estrutura é virtualm ente independente,
se com binam com o m om entosnecessáriosdo processo interpretativo” .1
1
Candido,Antonio.Literatura eSociedade.8ª ed.São Paulo,T.A.Q ueiroz,2000;Publifolha,2000,p.5-6.
2
Bourdieu,Pierre.A Economia dasTrocasSimbólicas.São Paulo,Ed.Perspectiva,1974,p.190.
16
com o assinalam aspalavrasdeBourdieu,um agam ade“posiçõesestéticas
ou ideológicas objetivam ente vinculada a estas posições” .Essas posições
consistirão no flertecom asteoriascientíficascentraisem voganaEuropa
e na tentativa de afirm ara nacionalidade brasileira tanto do ponto de vista
territorial(daía adm iração por Rio Branco) com o racial(preocupação
presente tanto em OsSertõescom o nos ensaios am azônicos).Assinale-se
que após a proclam ação da República o grupo a que pertencia Euclides
deixa de sero dos republicanos propriam ente ditos,já que o processo de
m udança de regim e viria a se consum arantesda virada do século,e passa
a ser principalm ente o dos intelectuais e cientistas de classe m édia,
culm inando em suaeleição paraaAcadem iaBrasileirade Letras,em 1903.
3
Cf.item 4.2,infra.
17
O estilo vigoroso de Euclides,constatado principalm ente em seus
artigosnaim prensa,justificam o pseudônim o utilizado nosprim eirostextos
publicados no jornalA Província deS.Paulo:Proudhon.A alusão ao líder
socialista francê s do século XIX revela as aspirações de reform a social
acalentadasporEuclidesdesdesuajuventude.Paraele,Proudhon seria“o
pensadorm aisoriginaldo nosso século” .4
4
Cunha,Euclides da.“Atos e Palavras” .In:Obra Completa,v.1,Rio de Janeiro,Ed.N ova Aguilar,
1995,p.611.
5
M annheim ,K arl.Ideologia eU topia.4ª ed.Rio de Janeiro,Ed.G uanabara,1986,p.82.
18
N ão se trata,assim ,de um a concepção particularde ideologia,peculiarao
pensam ento m arxista,segundo a qual as idéias apresentadas por um
interlocutor“são encaradascom o disfarcesm aisou m enosconscientesda
realnatureza de um a situação,cujo reconhecim ento não estaria de acordo
com os seus interesses” .6 Ao revés,cabe analisaras opiniões de Euclides
não com o representaçõesde interessesparticularesdo escritor,m ascom o
um leque de posiçõesderivadasda visão de m undo de seu grupo social.
6
Ibidem,p.81.
7
Ventura,Roberto.Retrato interrompido da vida de Euclides da Cunha.O rganização de M ário César
Carvalho e José Carlos Barreto de Santana.São Paulo,Ed.Com panhia das Letras,2003,p.74.
8
Ibidem,p.75.
19
A passagem pela Escola M ilitarexerceu,porém ,forte influê ncia na
form ação intelectual de Euclides.O exem plo de Benjam in Constant,
positivista de grande ascendê ncia junto aos alunos,ajudaria a conform ar
suasconvicçõesintelectuais.Com o registraLuizCostaLim a,parao futuro
escritor“Constantserá um dosparadigm aspara a vida ético-profissional,
sendo de se presum ir,talo paralelism o de suasbiografiasarespeito,haver
sido um dosm odelosque para sem pre o m arcou” .9
9
Lim a,Luiz Costa. E uclides da Cunha – contrastes e confrontos do Brasil.Rio de Janeiro, Editora
Contraponto/Petrobrás,2000,p.8.
10
Cunha,Euclides da.“A Pátria e a D inastia” .In:Obra Completa,v.1,cit.,p.597.
11
Ventura,Roberto.Retrato interrompidoda vida deEuclidesda Cunha,cit.,p.78.
12
Cunha,Euclides da.“Revolucionários” .In:Obra Completa,v.1,cit.,p.597.
20
despiu-ado frágilcaráterdeum aopinião partidária,pararevesti-ladafortaleza
dalógicainquebrantáveldeum adedução científica” .13 A adesão aosprincípios
dem ocráticosserám anifestadatam bém em outrosartigos.Euclides,todavia,
não em prega o term o “dem ocracia” para designar,literalm ente,o governo
do povo pelo próprio povo.Em artigo posterior,publicado já em 1889,ele
contesta oscríticosdosrepublicanosque m anejam ,com freqüê ncia,a tese
de que a República é inviávelporque o povo não reúne condições de se
autogovernar.ParaEuclides,adem ocracia,no regim erepublicano,não afasta
o m érito ou a aptidão.Segundo ele,o “governo republicano – digam o-lo
sem tem or– é naturalm ente aristocrático – ospergam inhosdessa nobreza,
porém ,ascendem num acontinuidadeadm irável,dasoficinasà sacadem ias” .
N esse sentido,classifica a República com o “o governo de todosporalguns
– m asestessão fornecidosportodos” .14
N um apredição queserevelariacorreta,Euclidesregistranaspáginas
da Província deSãoPaulo,no início de 1889,que a proclam ação da República
era questão de tem po:“Porque sabem os que a República se fará hoje ou
am anhã,fatalm ente com o um corolário de nosso desenvolvim ento;hoje,
calm a,científica,pelalógica,pelaconvicção:am anhã...Am anhãserápreciso
quebrara espadado senhorConde D ´Eu” .15
13
Ibidem,p.598.
14
Idem.“Atos e Palavras” .In:Obra Completa,v.1,cit.,p.605.
15
Ibidem,p.609.
16
O lím pio de Sousa Andrade pondera que Euclidesé um “falso desiludido” com a República,“pois,
m ais adiante,tentará reacender em sium a cham a qualquer de esperança” .Cf.“Para a Peneira da
H istória” .In:Obra Completa,v.1,cit.,p.590.
21
O vigorquecaracterizaosartigosiniciaisdeEuclidesnaim prensa não
deixa de afetar a qualidade de seus argum entos.Com o ressalta O lím pio de
Souza Andrade,prevalece,em seu noviciado na im prensa,o “gosto pela
generalidadeepelasabstrações,quecaracterizavaasuageração debatalhadores” .
O apego à sidéiasgeraiseabstratasfaziacom queraram entesevoltasse“para
osdetalhes,parao lado objetivo dascoisas,parao concreto darealidade” .17
22
diretordeO EstadodeSãoPaulo:“Aceitando o seu convite,espontaneam ente
feito,paraocuparum lugarno próxim o Congresso Constituintedo Estado,
faço-o principalm enteporqueelepartiu deum velho com panheiro delutas
que,conhecendo-m edesdem enino,sabeperfeitam entequeeu seriaincapaz
de aceitarse m e reconhecesse sem atitude para o cargo” .Aludindo a um
dos traços fundam entais de sua personalidade,a introspecção,Euclides
reporta-se tam bém ao passado de m ilitâ ncia republicana – especialm ente
ao episódio deinsubordinação queprotagonizou naEscolaM ilitar:“Apesar
de um a m ocidade revolucionária,sou um tím ido!Assusta-m e qualquer
conceito dúbio ou vacilante.E está nisto explicada m esm o a anom alia de
terperm anecido engenheiro obscuro atéhoje,num regim ecujapropaganda
m e levou até a revolta e ao sacrifício franco,com o sabe” .E rem ata
m anifestando certo entusiasm o com apré-candidatura:“Adem ais,sabeque
não iludireia sua expectativa.Sereino Congresso o que sou aqui– um
trabalhador” .19 Euclides,porém ,não obteveo núm ero devotosnecessário
para sagrar-se candidato pelo Partido Republicano de São Paulo.
23
fato detercedido aospedidosdeFrancisco Escobarparaselançarcandidato
a deputado federalporCam anducaia,em M inasG erais21,no ano de 1908.
O ito anos após o insucesso de sua pré-candidatura a deputado por São
Paulo,Euclidesaindanutria,m esm o quedeform atê nue,projetoseleitorais.
Ao aceitarapresentarsua candidatura,justifica a nova tentativaa partirdo
rom antism o eidealism o queo singularizavam desdeo período deestudante
daEscolaM ilitar:“N ão resisto à perspectivaquem edescerras!Sou o m esm o
rom â ntico incorrigível.A idealização subm eto-aaosestudosm aispositivos,
envolvo-a no cilício dos algarism os,esm ago-a no peso das indagações as
m ais objetivas – e ela revive-m e,cada vez m aior,e triunfante” .Anuncia,
adem ais, seu otim ism o com a m issão que alm eja desem penhar no
Congresso:“Penso até,num ím peto depecam inosavaidade,quedestruirei
aesterilidadedeum Congresso deresignados,tolhidosportodaespéciede
com prom issos” .22
21
G alvão,W alnice N ogueira,op.cit.,p.176.
22
Carta a Francisco Escobar,em 10 de abrilde 1908.In:Correspondê ncia deEuclidesda Cunha,cit.,p.
358.
23
Carta a Francisco Escobar,em 27 de m aio de 1908.In:Correspondê ncia deEuclidesda Cunha,cit.,p.
363-364.
24
Sua participação política vaise concentrar na colaboração com a
im prensa e no contato com personagensproem inentesda época,já que a
passagem pela vida partidária foi efê m era. Seu trâ nsito nos círculos
intelectuais perm itiu-lhe o acesso a políticos e burocratas im portantes.A
ligação com o Barão do Rio Branco, por exem plo, surgiu devido à
interm ediação de intelectuais renom ados,com o José Veríssim o,e de
diplom atasque ocupavam altoscargos,com o O liveiraLim ae D om ício da
G am a.U m outro exem plo dessa conexão com oscírculosde poderpode
ser encontrado na nom eação de Euclides para o cargo de professor de
Lógicado Colégio Pedro II,obtidaduassem anasantesdesuam orte.M uito
em boratenhaficado em segundo lugarno concurso,superado pelo filósofo
Farias Brito,foio nom eado pelo governo,em razão da intervenção de
am igoscom o Rio Branco eo escritoredeputado Coelho N eto,quetinham
influê ncia junto ao presidente N ilo Peçanha.24
24
Ventura,Roberto.“M em ória Seletiva -À Frente da H istória” .In:CadernosdeLiteratura Brasileira,
núm eros 13 e 14.São Paulo,Instituto M oreira Salles,2002,p.37.
25
Bourdieu,Pierre,op.cit.,p.191.
25
através de sua integração funcionalno sistem a internacionalde forças
políticas” .26
26
Sevcenko,N icolau.Literaturacomomissão:tensõessociaisecriaçãoculturalnaPrimeiraRepública.4ªed.São
Paulo,Editora Brasiliense,1999,p.46.
26
sem elhantes espalhados por todo o país,pessoas que se com preendiam
porqueestavam nam esm asituação” .27 Euclides,decisivam enteinfluenciado
pelas concepções científicas m odernas,é um exem plo de com o esse
conjunto de idéias redundaria na defesa,no plano político,de reform as
políticasesociais,lançando m ão deargum entosm uitasvezesfrágeis,dada
adisparidadeentreseu arcabouço ideológico earealidadebrasileira.Ainda
assim ,convém registrar que o projeto dos intelectuais brasileiros m ais
afinados com os centros europeus era prom over,com esteio nas novas
correntes filosóficas,a m odernização do país, do ponto de vista político,
sociale cultural.
27
Elias,N orbert.O Processo Civilizador– U ma H istória dosCostumes.v.1.Rio de Janeiro,Jorge Zahar
Editor,1994,p.36.
28
Ibidem,p.78-79.
29
Ibidem,p.79.
27
1.2 -E U CLID ES E A S CIÊN CIA S
30
Sodré,N elson W erneck.“Revisão de Euclides da Cunha” .In:Obra Completa,v.2,cit.,p.32.
28
contradições.Em OsSertõesfica patente essa transição:a visão negativa da
figura do sertanejo se transm uda,ao finalda obra,na célebre assertiva de
que ele m esm o,o sertanejo,é o “cerne de nossa nacionalidade” .Tam bém
em À M argem daH istória,conform eressaltarem osposteriorm ente,Euclides
abandona a visão preconceituosa do im igrante nordestino que vai à
Am azônia (referindo-se à s levas de im igrantes com o o “rebotalho das
gentes” )para enaltecer,páginas depois,o destem ore resistê ncia que tem
à s adversidades. A ssim , a aceitação do evolucionism o convive,
problem aticam ente,com a necessidade que sente em revelaro interiordo
Brasile louvarseuspersonagensprincipais,com o o sertanejo e o caboclo.
31
Ibidem,p.40.
29
Convém ,logo,resgatar o histórico da relação de Euclides com as
ciê ncias, tem a que desperta, na interpretação de sua obra, diversas
controvérsias,com o a relativa à ideologia do colonialism o.
32
Santana,José CarlosBarreto de.Euclidesda CunhaeasCiênciasN aturais.São Paulo-Feira de Santana,
Ed.H ucitec e U niversidade Estadualde Feira de Santana,2001,p.47.
33
Clóvis M oura observa que Euclides,apesar de se am parar “num cabedalde conhecim entos que
não o ajudava adesvendarosvéusquecobriam asolução dosproblem asbrasileiros” ,era um escritor
“sensívelaosproblem asdasociedadebrasileira” .Cf.M oura,Clóvis.IntroduçãoaopensamentodeEuclides
da Cunha.Rio de Janeiro,Editora Civilização Brasileira S.A.,1964,p.10.
34
Cunha,Euclides da.“O BrasilM ental” .In:Obra Completa,v.1,cit.,p.452.
30
Euclidesassevera,assim ,que“um am inoriadim inutíssim aaceitou todasas
conclusões do pontífice.A m aioria perm aneceu autônom a.É escusado
dem onstrar.Bastaaafirm ativaincontestáveldeque em nossasindagações
científicaspreponderam ,exclusivosem todaalinha,o m onism o germ â nico
e o evolucionism o inglê s” .35
AsreflexõesdeEuclidessalientam ,porconseguinte,queacorrente
prevalecenteno Brasil,sobretudo entreaintelligentsiadeclassem édia,erao
evolucionism o, verificando-se, adem ais, um a aceitação parcial do
positivism o.Essagam adeidéiasdeveriaserinterpretadaà luz darealidade
brasileira,já que a nossa história seria peculiar,caracterizando-se pela
presença de “tipos étnicos em ergentes do cruzam ento de raças m ui
diversas” .36 A existê ncia de raças diferentes e sua fusão na form ação da
nacionalidade brasileira poderiam ser explicadas,segundo Euclides,com
esteio nos conceitos das correntes determ inistas e evolucionistas.Assim ,
citando Ludwig G um plovicz,um a de suas m aiores influê ncias,Euclides
assenta que
35
Ibidem.
36
Ibidem,p.455.
37
Ibidem.
38
Ibidem,p.443.
31
essa assertiva de Euclides resulta da circunstâ ncia de que os intelectuais
brasileiros pugnavam ,no finaldo século X IX ,pela gestação de idéias
explicativas sobre o Brasile seus problem as,com o passo decisivo para a
form ação de um a nacionalidade independente.
39
Idem.OsSertões.4ª ed.Rio de Janeiro,Record,2001,p.113.
40
Ibidem,p.115.
41
Costa Lim a,Luiz,op.cit.,p.16-17.
32
interiorbrasileiro,que lhetrouxe im pressõescapazesdeinfirm arosjuízos
sum áriosem itidoscom base apenasnospostuladosevolucionistas.
42
CartaaAraripeJúnior,em 27 defevereiro de1903.In:Correspondê nciadeEuclidesdaCunha,cit.,p.151.
43
Cf.item 3.1,infra.
44
Sodré,N elson W erneck,op.cit.,p.45-46.
33
oposições cam po/cidade, branco/m estiço, rico/pobre, cosm opolita/
brasileiro,im igrante/nacional...” .Ainda segundo Bosi,“variam no tem po
eno espaço asincidê nciasdessastensões:osdesequilíbriosdizem respeito
ora a problem asregionais,que acabam envolvendo o podercentral,ora à
estrutura m esm a da sociedade,feita de classes e grupos de status que
integram de m odo assim étrico e injusto o sistem a da nação” .45 É lícito,
nessesentido,atribuirm osaEuclidesacondição deintérpretedasociedade
brasileira,tendo ele efetuado um trabalho sociológico pioneiro,m uito
em boranão tenhaproduzido textospropriam enteacadê m icos,esim dado
form a literária a questões que se colocavam em prim eiro plano na
consolidação do regim e republicano.
34
em m ístico dequalquerteoriadesuperioridadederaça” .48 Conquanto Freyre
reconheça em Euclides“exagerosetnocê ntricosna análise e interpretação
da nossa sociedade” 49,tem o cuidado de observar que “em Euclides da
Cunha o pessim ism o diante da m iscigenação não foiabsorvente.N ão o
afastou detodo daconsideração edaanálisedaquelaspoderosasinfluê ncias
sociais a cuja som bra se desenvolveram ,no Brasil,condições e form as
feudaisdeeconom iaedevidajám ortasnaEuropaocidental(...)” .50 N esse
sentido,o acolhim ento do evolucionism o surgido naEuropa não im pediu
quesalientasse– eprocurasseafirm ar– osaspectosespecíficosdaform ação
da nacionalidade brasileira.
48
Freyre,G ilberto.PerfildeEuclideseoutrosperfis.Rio de Janeiro,Livraria José O lym pio Editora,1944,
p.41.
49
Ibidem,p.40.
50
Ibidem,p.42.
35
II-O IN G RESSO N O ITAM ARATY
II.O IN G RESSO NO ITAM ARATY
39
persistem nacartade12 deM arço,endereçadaao historiadorM ax Fleiuss:
“Aquiestou à s voltas com o m eu triste ofício de engenheiro.Q uer isto
dizer que bem pouco tem po m e sobra para cuidar de coisas m ais altas.
Calcule a m inha revolta contra essa situação lastim ável:chum bado à
profissão ingrata que m e desvia tanto dosestudosprediletos...” .53
53
Carta a M ax Fleiuss,em 12 de M arço de 1904.In:Correspondê ncia deEuclidesda Cunha,cit.,p.198.
54
Ventura,Roberto.“M em ória Seletiva -À Frente da H istória” ,cit.,p.31.
55
Carta a LuísCruls,em 20 de Fevereiro de 1903.In:Correspondê ncia deEuclidesda Cunha,cit.,p.149.
40
apoio à causa republicana,a colocação que m elhor lhe conviesse na
burocracia estatal.56 A recusa trouxe-lhe orgulho, m as tam bém
conseqüê ncias danosas,fazendo com que sofresse com as incertezas de
suaprofissão.ParaLuizCostaLim a,o repúdio à ofertadeFloriano engendra
um evidente ressentim ento em Euclides:“Com o se ele dissesse:se eu não
fosse tão rígido,sofreria m enosapertos” .57
56
A revelação constadecorrespondê ncianão datadaaLúcio deM endonça,em 1904.In:Correspondê ncia
deEuclidesda Cunha,cit.,p.193-194.
57
Lim a,Luiz Costa,op.cit.,p.09.
58
Carta a Vicente de Carvalho em 27 de Abrilde 1904.In:Correspondê ncia deEuclidesda Cunha,cit.,p.
204.
41
do Alto Purus.Euclides não recuou,no entanto,a ponto de buscar,
pessoalm ente, sua nom eação, preferindo utilizar a interm ediação de
Veríssim o e tam bém de O liveira Lim a.Este últim o assinalou em suas
m em órias:“(...)fuieu queum pouco depoiso fez,porseu desejo,escolher
para a com issão do Alto-Purus” .59 Todavia,porrazões pessoais,O liveira
Lim a transferiu a incum bê ncia de conversar com Rio Branco a José
Veríssim o.60 N acartaaJoséVeríssim o Euclideséexplícito no queconcerne
à sua objeção ao pleiteam ento de cargos no Estado:“N ão escreverei
diretam ente ao Barão do Rio Branco” .61
59
Apud:Venâ ncio Filho,Francisco.Rio Branco e Euclides da Cunha.Rio de Janeiro,M inistério das
Relações Exteriores/Im prensa N acional,1946,p.15-16.
60
Venâ ncio Filho,Francisco.“Retrato H um ano de Euclides da Cunha” .In:Cunha,Euclides.U m
Paraíso Perdido:reunião deensaiosamazônicos.Brasília,Senado Federal,Conselho Editorial,2000,p.73.
61
Carta a José Veríssim o em 24 de Junho de 1904.In:Correspondê ncia deEuclidesda Cunha,cit.,p.207.
62
Venâ ncio Filho,Francisco,RioBrancoeEuclidesda Cunha,cit.,pp.11-13.
63
Apud:Venâ ncio Filho,Francisco,RioBrancoeEuclidesda Cunha,cit.,p.19.
42
Algum as sem anas após o encontro foipublicada a nom eação de
Euclidescom o chefe da com issão de reconhecim ento do Purus.Iniciava-
se,assim ,um período decinco anosdetrabalho no Itam araty.Seu ingresso
nainstituição,com o se vê ,apresentaespecificidadesque vão serefletirem
suaobra.Euclideseraum intelectualaserviço do Estado,ligado diretam ente
ao Barão do Rio Branco.O stextosqueresultarão desuaviagem à Am azônia,
inclusive o relatório oficialda m issão,revelam um a visão com plexa da
região,concatenando a perspectiva geográfica que interessava à com issão
com análises sociológicas originais à época.Seus estudos são,tam bém ,
propositivos.À sem elhança do que ocorrera com Os Sertões,Euclides,
coerente com sua visão republicana,preocupava-se sobretudo com a
integração daAm azôniaao Brasil.Essaintegração,transcendendo aquestão
de lim ites,dependia de políticaspúblicasde desenvolvim ento e de auxílio
à spopulaçõeslocais.É o conjunto dessasanálisesepropostasqueperm ite
aquilataro valordostextosde Euclidessobre a região.
64
CartaaD om ício daG am aem 15 deAgosto de1907.In:Correspondê nciadeEuclidesdaCunha,cit.,p.335.
43
do país.Rio Branco,com o atorpolítico,teveê xito nadefesadaintegridade
do território nacional,escudando-seem argum entoshistóricosegeográficos
carosaEuclides.Este,porseu turno,fixou em seustextosascontradições
quem arcavam aRepúblicanatransição parao século XX,trazendo apúblico
os problem as das populações do interior do Brasil.A convergê ncia de
interesses e o partilham ento de um a certa cosm ovisão parece haver
colaborado,assim ,para a aproxim ação entre Euclidese Rio Branco.
65
Venâ ncio Filho,Alberto.“O Barão do Rio Branco e Euclides da Cunha” .In:Cardim ,Carlos
H enrique e Alm ino,João (orgs.).Rio Branco – a A mérica do Sule a M odernização do Brasil.Rio de
Janeiro,EM C,2002,p.214.
66
Cf.item 5.7,infra.
sobreaAm azônia.Em cartaaFrancisco Escobar,escritaem 1906,quando
ostrabalhosda com issão que chefiou já haviam sido encerrados,Euclides
não poupou adjetivos para m anifestar sua adm iração pelo chefe da
diplom acia brasileira.Assinalou que o Barão era “o único grande hom em
vivo desta terra” ,reunindo diversas qualidades:“é lúcido,é gentil,é
trabalhador,e traça na universalchateza destes dias um a linha superiore
firm edeestadista.N inguém poderiasubstituí-lo.(...)asubstituição do Rio
Branco porquem querque seja será um a calam idade” .67 N a m esm a carta,
Euclidesobservaquearesolução dosdiversoslitígioscom ospaísesvizinhos
exigiam um a gam a de conhecim entos que poucos,além de Rio Branco,
possuíam .A gravidade da situação,que poderia levarà perda de até “um
quinto daAm azôniaopulentíssim a” 68,im punha,segundo ele,acontinuidade
de Rio Branco na chancelaria,a despeito da m udança de presidente que
ocorreria naquele ano.
67
Carta a Francisco Escobar,em 13 de junho de 1906.In:Correspondê ncia deEuclidesda Cunha,cit.,p.305.
68
Ibidem,p.306.
69
Bourdieu,Pierre,op.cit.,p.191.
especialm ente no que diz respeito a Euclides,sua capacidade de pensar
criticam ente os rum os do novo regim e.Essa dualidade na relação dos
escritores com a classe dom inante -ora de proxim idade,ora de crítica -é
reconhecidatam bém porBourdieu,queaexplicaapartirdaassertivadeque
70
Ibidem,p.192.
46
próprio Estado.A biografiadeEuclidesnosdáum exem plo dafragilidade
dessa intelligentsia de classe m édia:m uito em bora deplore alguns aspectos
daRepúblicarecém -instituída,especialm enteanecessidadedefavorparaa
obtenção de colocações,Euclidesvaiterde lançarm ão dessa m esm a rede
de relações pessoais (no â m bito específico de seu grupo intelectual)para
logrartanto um aposição no Itam aratycom o,no finaldavida,um cargo de
professorno Colégio Pedro II.
47
III-A A M AZÔ N IA N A A G EN D A D E
PO LÍTICA E XTERIO R D O BRASIL
III.A A M AZÔ N IA N A A G EN D A D E
PO LÍTICA E XTEIO R D O B RASIL
Além das divergê ncias com o Brasil,o Peru tam bém m antinha
pendê ncias territoriais com a Bolívia.Com o verem os posteriorm ente,
Euclidesvaiescreverum livro sobreo assunto,PeruversusBolívia,publicado
em 1906,no qualdeclina argum entos favoráveis à posição boliviana.D e
71
Jorge,ArthurG uim arãesde Araújo.RioBrancoeasfronteirasdoBrasil:uma introduçãoà sobrasdoBarão
doRioBranco.Brasília,Senado Federal,1999,p.121.
51
acordo com Álvaro Lins,o Peru estava,à época,num m om ento deaspiração
expansionista,reivindicando territóriosao Brasil,à Bolívia,ao Equadoreà
Colôm bia.72 Seu governo viacom receio osentendim entosentrebrasileiros
ebolivianosem torno do Acre,tendo,inclusive,pleiteado um anegociação
tripartite,o que foirechaçado porRio Branco.73
72
Lins,Álvaro.RioBranco.São Paulo,Ed.Alfa-O m ega/Fundação Alexandre de G usm ão,1996,p.292.
73
Ibidem,p.291.
74
Viana Filho,Luís.A V ida do Barão do Rio Branco.Brasília,Senado Federal/Fundação Alexandre de
G usm ão,1996,p.336.
75
Lins,Álvaro,op.cit.,p.292.
76
Antesdostextosescritosem m aio de 1904 Euclidespublicara o artigo “FronteiraSuldo Am azonas.
Q uestão de Lim ites” ,trazido a público em 14 de novem bro de 1898 no jornalO Estado deSão Paulo.
Trata-se,no entanto,de um texto que não travarelação com aspreocupaçõescentraisque m anifestaria
em 1904-1905,quando se ocupa da viagem à Am azônia.In:Obra Completa,v.1,cit.,pp.531-535.
52
Inevitável” ,destacaasincursõesperuanaseavançatesesqueexplicariam o
m ovim ento de nacionaisdo paísvizinho naregião do Acre.ParaEuclides,
asincursõesnão consubstanciariam apenas“aavidezdealgunsaventureiros
doudam enteferretoadosdaam bição queosarrebataà sparagensriquíssim as
dos seringais” .O fluxo de peruanos obedeceria a um im perativo m aior,
seguindo as“leisfísicasinvioláveisde toda aquela zona” .77
77
Cunha,Euclides da.“Contrastes e Confrontos” .In:Obra Completa,v.1,cit.,p.179.
53
passo um a saída para o A tlâ ntico e um cenário m ais fecundo à s
atividades” .78
78
Ibidem.
79
Sodré,N elson W erneck,op.cit.,p.41.
80
Cunha,Euclides da.ContrasteseConfrontos,cit.,p.180.
81
Ibidem.
54
queam iscigenação teriatrazido aum paísvizinho.Euclidesalm ejava,com
seusargum entos,darforosde cientificidade à noção de que a desordem e
o caudilhism o prevaleciam na m aiorparte das repúblicas sul-am ericanas.
O ingresso de peruanos no território brasileiro seria consectário do
m ovim ento tum ultuário deum a“sociedadeincaracterística” ,m arcadapela
aleatória m istura de diferentesetnias.
82
Ibidem,p.181-182.
83
Ibidem,p.182.
55
dem aio de1904,apenasoito diasapósapublicação de“Conflito Inevitável” .
N ele Euclidesse am para,novam ente,em tesesetnográficaspara destacar
asespecificidadesda guerra que poderia ocorrerna selva am azônica.
84
Ibidem.
85
Ibidem,p.184.
86
Ibidem,p.185.
56
A conclusão do artigo revela que Euclidesnão estava defendendo,
portanto,um recuo nam ilitarização do conflito.M asnão écorreto seinferir,
daí,quepreconizasseo recurso à força.N averdade,nota-se,nasentrelinhas
do texto,queEuclidesreceiao conflito bélico,sejaporelem entosobjetivos,
com o asdificuldadesdeacesso à região,sejaporqueaindaestavam abertas
as portas do diálogo e da diplom acia.O entusiasm o com que louva as
virtudes físicas do jagunço e as críticas que desfere contra a instabilidade
política e contra a “m iscigenação dissím il” do paísvizinho resultam m ais
do estado de â nim osdaépocaedascaracterísticasbásicasde um artigo de
im prensa do que de um a análise detida do conflito.
87
Ibidem,p.188.
88
Ibidem.
57
ao Brasil.Com o terem osoportunidadedesalientarposteriorm ente,Euclides
desenvolveu um a visão estratégica sobre a Am azônia,propugnando por
sua integração física ao Brasil.Fazendo um a analogia com os Estados
U nidos,ponderou que essa integração física passa pela engenharia e pelo
estabelecim ento decanaiseficientesdecom unicação entreo Acreeo resto
do país.D aíaim portâ nciadepolíticaspúblicasqueatendam aesseobjetivo:
“As novas circunscrições do Alto Purus,do Alto Juruá e do Acre devem
refletir a ação persistente do governo em um trabalho de incorporação
que,na ordem prática,exige desde já a facilidade das com unicações e a
aliança dasidéias,de pronto transm itidase traçadasna inervação vibrante
dostelégrafos” .89 D o contrário,“a Am azônia,m aiscedo ou m aistarde,se
destacarádo Brasil,naturalm entee irresistivelm ente,com o se despegaum
m undo de um a nebulosa – pela expansão centrífuga do seu próprio
m ovim ento” .90
89
Ibidem,p.189.
90
Ibidem.
91
Ibidem,p.192.
92
Ibidem.
93
Ibidem.
e m arcadosporum a espécie de “seleção naturalinvertida” ,conseqüê ncia
de um “darwinism o pelo avesso aplicado à história” .94
94
Ibidem,p.191.
com issão resultou do acordo brasileiro-peruano celebrado em 12 deJulho de
190495,consoante o qualosdoispaísestom ariam providê nciaspara que um a
expedição reconhecesse o Alto Purus, produzindo um relatório que
fundam entasseadiscussão sobreadelim itação defronteiras.A com issão,assim ,
eram ista,com postadebrasileiroseperuanos.A com issão brasileiraerachefiada
porEuclidesetinha,entreseusm em bros,o fotógrafo EgasChavesFlorence
eoengenheiro Arnaldo Pim entadaCunha,prim o deEuclides,nom eado auxiliar
técnico.96 D o lado peruano acom issão erachefiadapelo capitão Pedro Alejandro
Buenaño.97 Posteriorm ente Euclidesviria aqueixar-se dosperuanos,pornão
reconhecernelesum interesseem acelerarostrabalhos:“são quíchuas,quíchuas
m orbidam ente preguiçosos quando se trata de partir” .98 O acordo de 12 de
Julho tam bém criou um acom issão m istaparao reconhecim ento do Alto Juruá,
presididano lado brasileiro pelo generalBelarm ino deM endonça.99
95
Jorge,ArthurG uim arãesde Araújo,op.cit.,pp.123-124;Lins,Álvaro,op.cit.,pp.294-295;Braga,
Robério.Euclidesda Cunha noA mazonas.M anaus,Editora Valer/Fundação Lourenço Braga,2002,p.
29.
96
Para a com posição da com issão,cf.Venâ ncio Filho,Francisco.“Retrato H um ano de Euclides da
Cunha” ,cit.,p.75.
97
Ventura,Roberto,“M em ória Seletiva – À Frente da H istória” ,cit.,p.32-33.
98
Cartaa José Veríssim o,em 19 de m arço de 1905.In:Correspondê nciadeEuclidesdaCunha,cit.,p.274.
99
Jorge,ArthurG uim arães de Araújo,op.cit.,p.124.
100
Ventura,Roberto,“M em ória Seletiva – À Frente da H istória” ,cit.,p.32.
101
Carta a M anuelR.Pim enta da Cunha,em 25 de Agosto de 1904.In:Correspondê ncia deEuclidesda
Cunha,cit.,p.224.
U ltim ados os preparativos,Euclides parte em 13 de dezem bro e
chega a M anaus no dia 30,após escalas,dentre outros lugares,em Recife
(onde encontra ClóvisBevilácqua)e Belém (onde visita Em ílio G oeldi).102
Sua prim eira im pressão da cidade não foipositiva,em função sobretudo
do clim aquenteeúm ido.Recém -chegado,alude,em cartaaAfonso Arinos,
a um “perm anente banho de vapor” ,reportando-se à cidade com o a
“ruidosa, am pla, m al-arranjada, m onótona e opulenta capital dos
seringueiros” .103 M anifesta o m esm o juízo posteriorm ente,influenciado
destaveznão som entepelo desconforto propiciado pelo clim a,m astam bém
pelasdificuldadesque encontra para organizara partida ao Purus.
O stranstornostrazidospelasdificuldadesem prepararapartida da
expedição fazem com queEuclidesdesabafecom JoséVeríssim o,afirm ando
que o exploradoringlê sChandless,quando chegou a M anaus,“encontrou
da parte do G overno provinciale até do povo o m ais eficaz e poderoso
auxílio” ,ao passo que“nós,brasileiros,revestidosdeum acom issão oficial,
encontram osem peçosindescritíveis!” .106
61
correspondê nciaao Barão do Rio Branco.N ela,precisando asdificuldades
dacom issão,afirm aqueam issão oficialenfrentadificuldadesfinanceirase
que vaipartir,em função do atraso,num m om ento im próprio,em face da
vazante do rios.107
107
Venâ ncio Filho,Francisco,Rio Branco eEuclidesda Cunha,cit.,p.24-25.
108
Ventura,Roberto,“M em ória Seletiva – À Frente da H istória” ,cit.,p.33.
109
Cunha,Euclides.“O s Trabalhos da Com issão Brasileira de Reconhecim ento do Alto Purus” .
Entrevista ao JornaldoCommercioem 29 de O utubro de 1905.In:Obra Completa,v.1,cit.,p.554.
110
Ibidem,p.555.
111
Ibidem,p.556.
62
percorriam . D e resto, Euclides reporta-se à pequena quantidade de
m antim entosdisponíveis112 eao esforço despendido paraquesealcançasse,
com ê xito,a cabeceira do Purus.Concluiasseverando que,ao atingir o
ponto pretendido,“o que eu principalm ente distingui,irrom pendo de trê s
quadrantes dilatados e trancando-nos inteiram ente – ao sul,ao norte e a
leste – foia im agem arrebatadora da nossa Pátria que nunca im agineitão
grande” .113
112
Ibidem.Euclidesobservou que “fom osà m eia ração” e faz um a listada quantidade de cadaum dos
víveres (carne seca,farinha,açúcar,arroz,“restos de bolacha esfarinhada” e leite condensado)com
o intuito de dar relevo, m ais um a vez, à s diversas dificuldades enfrentadas pela com issão:
“Propositadam ente apresento esta lista.É eloqüente” .
113
Ibidem,p.558.
114
Idem.O RioPurus.In:ObrasCompletas,v.1,cit.,p.753.
63
N essedocum ento oficialatrajetóriadaexpedição ganhacontornos
m aisdetalhados,eEuclidessente-seà vontadeparaapresentarcom entários
sobre a região.D e início,não se furta a reforçar as adversidades que
encontrou na organização da m issão.Registra o “atraso das Instruções,
recebidaspoucosdiasantesda partida,de sorte que o tem po despendido
em M anausnosdesalentava,tornando problem ático o chegarm osao term o
da viagem de que nos encarregáram os,sobre aum entar grandem ente as
suas dificuldades” .115 Corrobora, assim , as im pressões e críticas que
m anifestaranascartasqueenviou deM anausduranteo intervalo entresua
chegada,em dezem bro de1904,eapartidadaexpedição,em abrilde1905.
115
Ibidem.
116
Ibidem,p.779.
117
Ibidem.
64
O seringueiro,porseu turno,“éporforçasedentário efixo.Enleiam -
no,prendendo-o para sem pre ao prim eiro lugar em que estaciona,as
própriasestradasqueabriu,convergentesnasuabarraca,equeelepercorrerá
durante a sua vida toda” .118 A despeito da distinção traçada,Euclides é
cristalino ao destacara contribuição dos dois grupos para o povoam ento
do Alto Purus.Sua apreciação do tem a esgota-se,por conseguinte,na
definição das duas “sociedades” e no contraste entre o nom adism o dos
caucheirose o sedentarism o dosseringueiros.A análise prosseguirá em À
M argem da H istória,m om ento em que Euclides vaidar m aior ê nfase ao
caráterdo caucheiro eà precáriasituação socialdaspopulaçõesqueviviam
da exploração da borracha.
118
Ibidem.
119
Sevcenko,N icolau,op.cit.,p.134.
120
Cunha,Euclides da.O RioPurus,cit.,p.801.
65
sum aria,em linhasgerais,asdiversasdescriçõesda região e o equívoco de
cronistas e viajantes que não citavam o Purus e suas populações.Assim ,
para Euclides o desconhecim ento e o “abandono” do Purus se deviam
sobretudo à s “lacunas lam entáveis das nossas tradições” .121 O fato de o
Purusm ostrar-sepouco conhecido teriam otivado aRoyalG eographicalSociety
de Londresa designarem 1864 um de seusm em bros,W illiam Chandless,
paraexploraro rio am azônico.M asChandless,adm irado efreqüentem ente
citado porEuclides,não foio prim eiro a percorrero Purus no intuito de
conhecerseu traçado easpopulaçõesqueo m argeavam .O crédito caberia
aum brasileiro,M anuelU rbano daEncarnação.Euclideso descrevecom o
“um cafuz destem eroso e sagaz,[que]tinha,a par do â nim o resoluto e
sobranceiro aosperigos,um avivacidadeintelectual,agreatnaturalintelligence,
no dizerde Chandless,que m uito contribuiu para o ascendente que teve
sobretodasastribosribeirinhas,eparaque se abrisse naquelasbandasum
dosm elhorescapítulosda nossa história geográfica” .122
121
Ibidem,p.780.
122
Ibidem,p.783-784.
123
Ibidem,p.785.
124
Ibidem,p.784.
125
Ibidem,p.779.
66
perem ptório ao assinalarque Chandless“realizou a m aisséria entre todas
asexploraçõesdo grande rio” .126 A despeito dosobstáculosim postospela
região,pôdesolucionardiversasquestõesqueperm aneciam irrespondidas,
dem onstrando principalm ente que o Purus não se confundia com o rio
M adre de D ios,constituindo um a bacia independente.127
126
Ibidem,p.786.
127
Ibidem,p.788.
128
Ibidem,p.789.
129
Ibidem,p.801.
67
que “o rude seringueiro é duram ente explorado” ,m ostrando-se “quase
um servo” .130
130
Ibidem,p.801-802.
131
Ibidem,p.802.
68
IV -E UCLID ES D A CUN H A E A A M AZÔ N IA
IV.B RASIL E M U N D O AN TE O SÉCU LO XXI
132
H ardm an,Francisco Foot.“A vingança da H iléia:ossertõesam azônicosde Euclides” .In:Revista
TempoBrasileiro,n.144,jan/m ar2001,p.31.
71
expedição ao Am azonaseao Acre,redigido parao Itam araty,contém apenas
o em brião da crítica sociale daspropostasde integração da Am azônia ao
Brasil.Essesdoisaspectosganham vulto em À M argem da H istória.
133
Furtado,Celso.Formaçãoeconômica doBrasil.24ª ed.São Paulo,Editora N acional,1991,p.131.
72
era,assim ,um arespostaà escassezdem ão-de-obranaregião.Ascondições
detrabalho queosaguardavam ,contudo,não eram propíciasà prosperidade.
Celso Furtado destacaria,posteriorm ente,o contraste entreasituação dos
im igranteseuropeusenordestinos.O im igranteeuropeu chegavaao Brasil
“com todos os gastos pagos,residê ncia garantida,gastos de m anutenção
asseguradosaté a prim eira colheita” ,ao passo que o im igrante nordestino
na Am azônia encontrava situação bem distinta:“com eçava sem pre a
trabalharendividado,poisviaderegraobrigavam -no areem bolsarosgastos
com a totalidade ou parte da viagem ,com os instrum entos de trabalho e
outras despesas de instalação” .134 Essa difícil situação do seringueiro,
confrontado com asdívidase com a insalubridade da região am azônica,é
retratada com detalhesem À M argem da H istória.
134
Ibidem,p.133-134.
135
Ventura,Roberto.“Os Sertões entre dois centenários” .In:M adeira,Angélica e Veloso,M ariza.
D escobertasdo Brasil.Brasília,Editora U niversidade de Brasília,2001,p.122-123.
136
Cunha,Euclides.À M argem da H istória.São Paulo,Ed.M artins Fontes,1999,p.1.
73
Euclidesaludiaespecificam enteà im pressão visualque aAm azônia
causa no visitante.A uniform idade da vegetação,a longa extensão dos
rios,a m agnitude da floresta,tudo geraria no observadorum a espécie de
entorpecim ento dos sentidos.A igualdade daquele cenário,em toda sua
vasta extensão,resultaria no que Euclides denom inou de “m onotonia” .
Esclareceessesentim ento apartirdeum aanalogiacom osm ares:“(...)em
poucashoraso observadorcedeà sfadigasdem onotoniainaturávelesente
que o seu olhar,inexplicavelm ente,se abrevia nos sem -fins daqueles
horizontesvaziose indefinidoscom o osdosm ares” .137
137
Ibidem,p.2.
138
Ibidem,p.3.
139
“É um a constante em sua obra a ê nfase sem pre reincidente sobre os contrastes,as antíteses,os
choques,osconfrontos,osdesafios,oscotejos,asoposições,osantagonism os” .In:Sevcenko,N icolau,
op.cit.,p.136.
140
Cunha,Euclides da.À M argem da H istória,cit.,p.4.
74
O scontrastespresentesnaprosaeuclidianasão indicativosdo estilo
expressionistaidentificado porG ilberto Freyreno autordeOsSertões.Para
Freyre,Euclideséum estilistadalinguagem ,habituado aconferirà spalavras
um tratam ento escultural,“exagerando então osalongam entos,osâ ngulos,
os relevos” .141 A com posição desse estilo distancia-se m uitas vezes da
preocupação em apresentar um a descrição objetiva e sintética dos
fenôm enosnaturais.Ao assinalarque“à sinduçõesavantajam -sedem asiado
oslancesda fantasia” Euclidescorrobora essa tese,e justifica seu próprio
estilo expressionista.
141
Freyre,G ilberto,op.cit.,p.27.
142
Ibidem,p.30.
75
Em À M argem daH istóriaessedualism o entrefantasiae objetividade,entre
o literário e o científico,será um a dasforçasm otrizesdo texto.
143
Cunha,Euclides.À M argem da H istória,cit.,p.3.
144
Ventura,Roberto.“OsSertõesentre doiscentenários” .In:M adeira,Angélica e Veloso,M ariza,op.
cit.,p.118.
145
Cunha,Euclides.À M argem da H istória,cit.,p.3
76
H arttteria resistido à tentação de am parar-se no sonho e na im aginação,
asseverando:“ -N ão sou poeta.Falo a prosa da m inha ciê ncia.Revenons!” .
Todavia,o esforço cientificistateriaresultado infrutífero.Euclidesconclui
o com entário sobreo relato deH arttdestacando queasm aravilhasnaturais
da Am azônia im pedem que o observador m antenha um a posição de
distanciam ento e neutralidade: “[H artt] Escreveu: encarrilhou-se nas
deduções rigorosas.M as decorridas duas páginas não se forrou a novos
arrebatam entosereincidiu no enlevo...É que o grande rio,m algrado asua
m onotoniasoberana,evocaem tantam aneirao m aravilhoso,queem polga
porigualo cronistaingê nuo,o aventureiro rom â ntico eo sábio precavido” .146
146
Ibidem.
147
H ardm an,Francisco Foot,op.cit.,p.40.
148
Cunha,Euclides da.À M argem da H istória,cit.,p.5.
77
o denom ina de “o m enos brasileiro dos rios” 149, e, fiel a seu estilo
expressionista, encerra suas ponderações de form a m etafórica: “(...)
sem pre desordenado,e revolto,e vacilante,destruindo e construindo,
reconstruindo e devastando, apagando num a hora o que erigiu em
decê nios – com a â nsia,com a tortura,com o exaspero de m onstruoso
artista incontentávela retocar,a refazere a com eçarperpetuam ente um
quadro indefinido” .150
149
Ibidem,p.6.
150
Ibidem,p.9.
151
Ibidem,p.12.
152
Ventura,Roberto.Retrato interrompido deEuclidesda Cunha,cit.,p.248.
78
escrita exuberante,fortem ente im agética e figurativa,do que no tom
m issionário da denúncia social” .153
153
Ibidem.
154
Zilly,Berthold.“A barbárie:antítese ou elem ento da civilização ? D o Facundo de Sarm iento a Os
Sertõesde Euclides da Cunha” .In:Revista Tempo Brasileiro,n.144,janeiro-m arço 2001,p.124.
79
incom patibilidadedediscursos-o queseadm iteatítulo deargum entação -,é
certo queessaincom patibilidadesedá,detodam aneira,entreduasvertentes:
de um lado a defesa do progresso;de outro,a da denúncia social.Assim ,
m esm o quevenhaacontradizerapregação do desenvolvim ento econôm ico,a
denúnciasocialcontinuaasefazerpresentenaspáginasdosensaiosdeEuclides
(um a eventualcontradição não elim inaria suascríticassobre ascondiçõesde
vida no interior am azônico).É lícito,igualm ente,assinalar que na obra de
Euclideso desenvolvim ento daAm azônia-suainserção nahistória-apresentar-
se-iajustam entecom o form aderedução dasdiscrepâ nciaseinjustiçassociais.
Afinal,com o ponderaVentura,“foradahistóriaedageografia,o sertão tornou
possíveisatosde violênciaebarbárie,com o o m assacredosconselheiristas,o
cárcere dos seringueiros e a destruição das m atas e das florestas” .155 Assim
sendo,a inserção na história não perm itiria tão-som ente o desenvolvim ento
econôm ico,m as tam bém a m elhoria na vida da população local.D e resto,
im põe-se adm itir-com o verem os m ais adiante -que Euclides incorreu em
algunserrosdeanálise,derivados,m aisum avez,desuavisão daquestão racial
edo exacerbado em prego deargum entoscientíficos.
155
Ventura,Roberto.“OsSertõesentre doiscentenários” .In:M adeira,Angélica e Veloso,M ariza,op.
cit.,p.113.
156
“Fizera-se um republicano e,por fim ,sentindo-se desprezado pela República,apelara para o
socialism o m arxista” .In:Rabelo,Sílvio.Euclidesda Cunha,op.cit.,p.463.
80
de,com o verem os,recusar alguns dos princípios basilares da doutrina,
com o aidéiaderevolução.Em “U m Velho Problem a” ,desfere críticasao
sistem a capitalista e não esconde sua adm iração pelas proposições do
socialism o científico voltadas à proteção do trabalhador. Contudo,
com partilham os o entendim ento de que a aceitação apenas fragm entária
das teses dos autores socialistas im pede que se considere Euclides um
m arxista.157
157
“N ão se pode afirm ar,em sã consciê ncia,haver sido Euclides da Cunha um socialista,m uito
m enos um m arxista” .Cf.M oura,Clóvis,op.cit.,p.109.
158
Cunha,Euclides.ContrasteseConfrontos,cit.,p.217.
159
Ibidem,p.218.
81
N esse sentido,aponta as características que reputava fundam entais no
socialism o científico:“N ada de idealizações:fatos;e induçõesinabaláveis,
resultantesdeum aanáliserigorosadosm ateriaisobjetivos;eaexperiê ncia
e a observação,adestradas em lúcido tirocínio ao través das ciê ncias
inferiores;e a lógica inflexíveldosacontecim entos(...)” .160
160
Ibidem.
161
Ibidem.
162
Ibidem,p.219.
163
Ibidem.
164
Ibidem.
82
socialista.Em suaopinião,o poderdostrabalhadoresseriaenorm e,bastando
quecruzem osbraçospara“abalaraterrainteira” .165 Contudo -eesteéum
ponto fundam entalquando sediscuteseo escritoreraou não efetivam ente
m arxista - Euclides dem onstra preferê ncia pelos processos reform istas,
não se m ostrando adepto de revoluçõese insurreiçõesviolentas.Em suas
palavras,“o caráter revolucionário do socialism o está apenas no seu
program a radical.Revolução:transform ação.Para a conseguir,basta-lhe
erguera consciê ncia do proletário” ,já que o seu triunfo seria “inevitável” .
Essetriunfo seriagarantido pelas“leispositivasdasociedadequecriarão o
reinado tranqüilo das ciê ncias e das artes” .166 A m obilização dos
trabalhadoresseriao passo fundam entalparaam elhoriadesuascondições
de vida.
165
Ibidem,p.220.
166
Ibidem.
167
Sevcenko,N icolau,op.cit.,p.151.
83
quaissedestacam princípiosdebasesocialista.Euclidespropõe“im postos
diretosepesadíssim ossobrearenda” ,defendeacriação detribunaisarbitrais
“paradecidirasquestõesentrepatrõeseoperários” ,propugnapelajornada
diária de oito horas e proibição do trabalho noturno,prega a edição de
“leisrepressivascontraosusurários” ea“nacionalização do crédito” ,além
de propora “reivindicação dosbensdo clero para a com unhão social” .168
N a “M ensagem aosTrabalhadores” ,Euclides refere-se à “reabilitação do
proletariado” pelavalorização do trabalho esuajustarem uneração.Reitera,
ainda,que o propósito do clube “Filhosdo Trabalho” – responsávelpela
edição do jornalO Proletário– é o de “divulgarosprincípiosessenciaisdo
program a socialista,em penhando-se em difundi-losentre todasasclasses
sociais” .169
168
Cunha,Euclidesda.“Program ade O ProletárioeM ensagem aosTrabalhadores” .In:ObraCompleta,
v.1,cit.,p.578-579.
169
Ibidem,p.579.
84
sem i-escravidão.A violê ncia pareceu a Euclides a linguagem básica das
relaçõessociaisno interioram azônico.Segundo o escritor,é à entrada de
M anausqueo im igranteefetuariaatransição parasuanovacondição social.
A ida à Am azônia não representaria um a etapa m elhorde sua vida,daía
referê nciaaM anauscom o sendo um “lazareto dealm as” ,ondeo nordestino
abdicaria das ilusões que m otivaram sua viagem :“À entrada de M anaus
existeabelíssim ailhadeM arapatá– eessailhatem um afunção alarm ante.
É o m aisoriginaldoslazaretos– um lazareto dealm as!Ali,dizem ,o recém -
vindo deixa a consciê ncia” .170
170
Idem.À M argem da H istória,cit.,p.12.
171
Celso Furtado realça asdifíceiscondiçõesde vida dosseringueiros:“Entre as longascam inhadas
naflorestaeasolidão dascabanasrudim entaresondehabitava,esgotava-sesuavida,num isolam ento
quetalvez nenhum outro sistem aeconôm ico hajaim posto ao hom em .D em ais,osperigosdafloresta
e a insalubridade do m eio encurtavam sua vida de trabalho” .In:Furtado,Celso,op.cit.,p.134.
172
Cunha,Euclides da.À M argem da H istória,cit.,p.13.Euclides volta a m encionar a crueldade do
sistem a de trabalho à pág.35,valendo-se de term os sem elhantes:“Aguardava-as e ainda as aguarda,
bem que num a escala m enor,a m ais im perfeita organização do trabalho que ainda engenhou o
egoísm o hum ano” .
173
Ibidem.
85
Euclidesprocede,então,à enum eração dosm ecanism osqueenredam
o seringueiro num sistem aem que seu trabalho,porm aisintenso que seja,
não o livradacondição dedevedor.D esdesuapartidaéobrigado acontrair
dívidas com o patrão: transporte, habitação, alim entação, vestuário,
instrum entos de trabalho,tudo passa a ser contabilizado com o passivo
perante o barracão senhorial.As dificuldades para saldar o débito se
avolum am em razão dascaracterísticasclim áticasdaregião,cujasenchentes
obstam aextração do látex duranteparteconsideráveldo ano.A conjugação
dessesfatoressubjugao seringueiro e o vinculaao com ando dossenhores
da borracha.
174
Ibidem,p.14.
175
Ibidem,p.16.
86
o funcionam ento do sistem a de exploração do seringueiro,o escritornão
seescusadeensaiarum aexplicação etnográficaparaasm azelasdo im igrante
nordestino.Trata-se de um esboço de explicação,porque Euclidesdedica-
lhepassagensepisódicas.A prim eiradelasconstadas“Im pressõesG erais”
que abrem À M argem da H istória.
176
Ibidem,p.14.
87
do quesignificaam igração do sertanejo:jánailhadeM arapatá,próxim aa
M anaus,o viajanteabandonariasuaconsciê ncia.Com o sepercebeao longo
da obra,essa abdicação da consciê ncia é um m ecanism o que propiciará a
adaptação do im igrante ao isolam ento e à sua própria “escravização” .
D espojado de sua consciê ncia,o nordestino sofreria paulatinam ente com
o enfraquecim ento de suasforçasm orais.
177
Ibidem,p.28.
178
Ibidem,p.30.
im igração.Euclidesressaltaque“não seconhecenahistóriaexem plo m ais
golpeante de em igração tão anárquica,tão precipitada e tão violadora dos
m ais vulgares preceitos de aclim am ento,quanto o da que desde 1879 até
hojeatirou,em sucessivaslevas,aspopulaçõessertanejasdo território entre
a Paraíba e o Ceará para aquele recanto da Am azônia” .179
179
Ibidem,p.33.
180
Ibidem.
181
Ibidem.
o Brasil” ,poderiam encher as cidades do litoralnordestino.182 A política
governam entalconsistiria em se desvencilhar do problem a rem etendo a
população excedente do N ordeste para a Am azônia:“Abarrotavam -se,à s
carreiras,os vapores,com aqueles fardos agitantes consignados à m orte.
M andavam -nosparaaAm azônia– vastíssim a,despovoada,quaseignota–
o que equivalia a expatriá-losdentro da própria pátria” .183
182
Ibidem.
183
Ibidem.
184
Ibidem,p.29-30.
185
Ibidem,p.34.
186
Ibidem.
90
fixam ,vinculadas ao solo;o progresso dem ográfico é surpreendente – e
dascabeceiras do Juruá à confluê ncia do Abunã alonga-se,cada vez m ais
procurada,a terra da prom issão do N orte do Brasil” .187 Ao afirm ar a
possibilidadedepovoam ento daAm azônia,apesardo clim apouco propício,
refutava o juízo de Chandless,que via com pessim ism o as condições de
habitabilidade da região.188
187
Ibidem.
188
Reis,ArthurCézarFerreira.A A mazônia ea integridadedoBrasil.Brasília,Senado Federal,Conselho
Editorial,2001,p.122.
91
obstáculosgeográficos,notadam ente osAndes,para atingiro Alto Purus.
Suasdificuldadesnão secingiam ,porém ,à superação dasbarreirasnaturais,
jáqueasáreasdeexploração do caucho eram povoadasportribosindígenas
que se antagonizavam com osperuanos.O com bate aosíndiosm odelava
o caráter do caucheiro,visto por Euclides com o dotado de bravura e
coragem .O interesse pela figura do caucheiro não decorria apenas da
circunstâ ncia de ser ele o sím bolo da penetração dos peruanos no Acre.
Em verdade, ali transcorreria um em bate de m aiores proporções,
envolvendo o queEuclidesdenom inade“civilização” (representadapelos
brasileiros,peruanose bolivianos)e astribosindígenas.
189
Cunha,Euclides da.À M argem da H istória,cit.,p.42.
92
por m eio da própria civilização, que deve incorporar elem entos das
com batidas culturas tradicionais” .190
190
Zilly,Berthold,op.cit.,p.128-129.
191
Cunha,Euclides da.À M argem da H istória,cit.,p.45.
192
Rouanet,Sérgio Paulo.“O Sertão da D ialética N egativa” .In:Folha deSãoPaulo,Caderno “M ais” ,
1º de D ezem bro de 2002,p.12.
193
Ibidem,p.12-13.
93
supostam ente civilizatórias com o m otorda barbárie,o que em À M argem
da H istória se revela tanto no caucheiro que dizim a a floresta e ataca as
tribosindígenascom o no senhordaborrachaqueexploraim piedosam ente
a força de trabalho do seringueiro.
194
Zilly,Berthold,op.cit.,p.123.
195
Cunha,Euclides da.À M argem da H istória,cit.,p.43.
94
H istóriaselim itarem à aplicação assistem áticadetesesevolucionistasà quela
região.O cientistaperdeu espaço,nestem om ento,ao crítico social.O autor
deixaclaro que o dram ahum ano que se desenrolanasáreasde exploração
do caucho edaborracharequerum apercepção queváalém dafriautilização
dospressupostosdarwinistase determ inistas.
196
Ibidem,p.47.
197
Ibidem.
95
palavras:“Realm ente,o caucheiro não éapenasum tipo inédito nahistória.
É,sobretudo,antinôm ico e paradoxal.N o m ais porm enorizado quadro
etnográfico não há um lugarpara ele.A princípio figura-se-nos um caso
vulgar de civilizado que se barbariza,num recuo espantoso em que lhe
apagam oscaracteressuperioresdasform asprim itivasda atividade” .198
198
Ibidem,p.48.
96
da m aisrefinada galanteria à m áxim a brutalidade,deixando em m eio um
sorriso cativante e um a m esura im pecável,para saltarcom um rugido,de
cuchillorebrilhanteem punho,sobreo cholodesobedientequeo afronta” .199
199
Ibidem,p.48-49.
200
Ibidem,p.49.
201
Ibidem,p.48.
202
Ibidem,p.50.
97
dos povoados,errante de rio em rio,de espessura em espessura,sem pre
em busca de um a m ata virgem onde se oculte ou se hom izie com o um
foragido da civilização” .203
4.5 – O JU DA S A H A SV ERU S
203
Ibidem,p.67.
98
com um naIdadeM édia,envolveum personagem – Ahasverus– condenado
a um a vida errante até o fim dos tem pos, resultado de “um a culpa
irrem issível, ou do gesto im piedoso para com aquele que ia m orrer
crucificado” .204 M ilton H atoum sublinha que a vida errante de Ahasverus
guarda sem elhança com a vida de Euclides,cuja â nsia por m ovim ento e
novasparagensfoidecisivaem suaviagem aCanudose à Am azônia.D ois
aspectos da lenda de Ahasverus teriam interessado a Euclides:o pecado
sem redenção e a fatalidade do destino.205
204
H atoum ,M ilton.“Expatriadosem suaprópria pátria” .In:CadernosdeLiteratura Brasileira,nos.13/
14.São Paulo,Instituto M oreira Salles,2002,p.322.Francisco FootH ardm an salienta que o Judas
Ahasveruséum personagem queseassocia“ao m ito do Judeu Errante,condenado ao eterno degredo
e a não m orrerantes do Juízo final,porterblasfem ado contra o Cristo a cam inho do calvário” .Cf.
H ardm an,Francisco Foot,op.cit.,p.47.
205
Ibidem.
206
Cunha,Euclides.À M argem da H istória,cit.,p.52.
99
de purgações enseja a analogia entre a vida do seringueiro e a paixão de
Cristo.N o caso do seringueiro,todavia,ossofrim entosnão seconcentrariam
num a sem ana, m as se estenderiam ao longo de sua existê ncia: “E
consideram ,absortos,que esses sete dias excepcionais (...)lhes são,ali,a
existê ncia inteira,m onótona,obscura,dolorosíssim a e anônim a,a girar
acabrunhadoram ente na viadolorosa inalterável,sem princípio e sem fim ,
do círculo fechado das “estradas” ” .207 O seringueiro viveria
perm anentem enteossofrim entosquesão lem bradosnaquelasem anasanta.
A paixão deCristo éum aoportunidade dedarvazão ao acúm ulo depenas
a que se subm ete durante todo o ano.
207
Ibidem.
208
Ibidem,p.53.
209
Ibidem.
100
praticando um avingançacontrasim esm o.Suaam bição – queo trouxedo
N ordesteem buscadariqueza– redundou em fracasso,eavingançacontra
o Judas é sobretudo um a vingança contra sua im previdê ncia:“É um
doloroso triunfo.O sertanejo esculpiu o m aldito à sua im agem .Vinga-se
de sim esm o:pune-se,afinal,daam bição m alditaque o levou à quelaterra;
e desafronta-se da fraqueza m oralque lhe parte os ím petos da rebeldia
recalcando-o cada vez m ais ao plano inferior da vida decaída onde a
credulidadeinfantilo jungiu,escravo,à glebaem pantanadadostraficantes,
que o iludiram ” .210
210
Ibidem,p.55-56.
211
H atoum ,M ilton,op.cit.,p.334.
101
o habitante da Am azônia está à m argem porque sofre com o abandono a
que é relegado pelo poderpúblico,m asseussofrim entossão concretos,e
derivadosdainserção daAm azôniano processo histórico de expansão do
capitalism o.
212
Carta a José Veríssim o,em 10 de M arço de 1905.In:Correspondê ncia deEuclidesda Cunha,cit.,p.268.
102
necessidade histórica,porquanto o país vizinho am bicionava um a saída
parao Atlâ ntico,eo acesso ao rio Am azonaspassavapelo dom ínio deseus
afluentes,em especialo Puruse o Juruá.
213
Cunha,Euclides.À M argem da H istória,cit.,p.62.
214
Ibidem,p.66.
215
Ibidem,p.69.
103
abandono aparteinteriordaregião.A solução paraesseproblem aconsistiria,
segundo ele,na“ligação transversadeseusgrandesvales” ,isto é,nacriação
de“varadouros” :“O varadouro – legado daatividadeheróicadospaulistas
com partido hoje pelo am azonense,pelo boliviano e pelo peruano – é a
vereda atabadora que vaiporterra de um a vertente fluvialà outra” .216
216
Ibidem,p.73.
217
Ibidem,p.76.
218
Ibidem,p.79.
219
Ibidem,p.82-83.
220
Ibidem,p.84.
104
A enunciação de propostas de integração física da Am azônia ao
resto do Brasilnão se exaure,em À M argem da H istória,nos dois artigos
m encionados,“Brasileiros” e“Transacreana” .Jáno início do livro Euclides
tececonsideraçõessobreosproblem asqueacom etem asprincipaisviasde
com unicação da região,osrios.É no artigo “Rios do abandono” que são
desenvolvidasreflexõessobreo potencialdo Rio Purus,aindainexplorado
pelo governo central.N este artigo resta evidenciada a instrum entalização
do trabalho científico – Euclides lança m ão de term inologia técnica e de
núm eros para fundam entar suas observações sobre as características
hidrográficasdo Purus– em proldaproposição de políticasque deveriam
seradotadaspelo governo central.Com o com issário brasileiro deexploração
do Alto Purus,Euclides não se cingiu ao registro burocrático e à m era
descrição dosaspectosnaturaism aisrelevantesdo rio.O cupou-se,tam bém ,
deindicarpossibilidadesdem elhoraproveitam ento dasviasdecom unicação
disponibilizadaspelanatureza,em borao papeldacom issão fosseapenaso
de harm onizar,com osperuanos,os dados geográficossobre a região de
fronteira.
221
Ibidem,p.25.
222
Ibidem,p.26.
105
As condições para a exploração do Purus estariam dadas pela
natureza,tendo em vista suas “adm iráveis condições estruturais” e sua
excelente hidráulica fluvial,o que conduz Euclidesa afirm ar:“O Purusé
um a das m aioresdádivas entre tantas com que nosesm aga um a natureza
escandalosam ente perdulária” .223 N a linha da preocupação social que
perpassaÀ M argem daH istória,procurasalientarqueo quadro deisolam ento
da Am azônia e as dificuldades vividas por seus habitantes não decorre
senão da situação de abandono a que foirelegada pelo governo central.
ParaEuclides,apreservação daintegridadeterritorialiriaalém ,no entanto,
da celebração de acordosde lim ites,já que enquanto não se prom ovesse a
inclusão da A m azônia e de sua população na pauta de políticas de
desenvolvim ento do poder central,a soberania brasileira sobre a região
persistiria am eaçada.O litígio com o Peru,intensificado logo após a
celebração do Tratado dePetrópolis,dem onstravaafragilidadedapresença
brasileira na área do Alto Puruse Alto Juruá.
223
Ibidem.
224
Ibidem,p.28.
225
Ibidem.
106
Fielao reform ism o quem arcasuacondição deintelectualdeclassem édia,
Euclidesdefendeum papelativo do Estado naproteção do território edas
populações m ais afastadas.A proposta de criação da Transacreana e os
argum entosem proldo m elhoram ento do rio Purusdem onstram que sua
reflexão é coerente com o panoram atraçado na parte inicialdo livro:um a
vez constatado o abandono do Purus e das populaçõeslocais,tornava-se
prem ente a concepção de propostasque pudessem m inorarosproblem as
regionais.Com o texto sobre a Transacreana Euclides encerra um a obra
queapresentafundam entalm entetrê sníveisdistintosdeanálise.O prim eiro
desses níveis é descritivo, alicerçado na apresentação dos dados
fundam entais – geográficos,geológicos,hidrográficos – da região que
percorreu com o chefedaCom issão deExploração do Purus.N ão setrata,
porém ,deum adescrição puraesim ples,um avezque,com o assinalou nos
capítulos iniciais de À M argem da H istória,o contato com a natureza da
Am azônia provoca no observadoracessosde im aginação e de fantasia.O
texto de Euclides é revelador dessa particularidade:m uito em bora se
verifiquem lam pejos cientificistas,no m ais das vezes a apresentação das
características físicas do rio Am azonas e da floresta é acom panhada de
liberdadesm etafóricas.
107
m aiorclareza a pretensão de Euclides de efetuarum a síntese abrangente
daregião,contem plando osdiversosaspectos– inclusiveo social– daquele
território ainda pouco conhecido pelo podercentral.
É por esta razão que Péricles M oraes inicia sua obra Intérpretesda
A mazônia com a assertiva de que Euclidesfoio prim eiro grande pensador
dosproblem asda região:
226
M oraes,Péricles.Os intérpretes da A mazônia.M anaus,Editora Valer e G overno do Estado do
Am azonas,2001,p.15-16.
108
V -E UCLID ES D A CUN H A
E A PO LÍTICA IN TERN ACIO N AL
V -E U CLID ES D A C U N H A E
A PO LÍTICA IN TERN ACIO N AL
111
form a,asdisputasdefronteiraentrePeru eBolívia,quepoderiam afetaro
Brasil,levaram Euclides a escrever,a pedido de Rio Branco,o livro Peru
versusBolívia,publicado em 1906,em que declina argum entosfavoráveisà
posição boliviana.
112
de reflexões sobre o cenário político sul-am ericano e a influê ncia norte-
am ericana na região.O volum e ContrasteseConfrontos,com o vim os,traz o
artigo “Solidariedade Sul-Am ericana” ,em que Euclides apresenta a idéia
de “concorrê ncia vital” entre povos.Ainda nesse artigo,preconiza a
superioridade brasileira sobre os vizinhos, geralm ente vistos com o
repúblicas desordenadas e dadas ao belicism o.Refere-se,assim ,a noções
evolucionistas com o a de “seleção naturalinvertida” e “darwinism o pelo
avesso” ,aplicando-as à situação vigente nas repúblicas sul-am ericanas de
línguaespanhola.Curiosam ente,veráo Brasilcom o sendo dotado deum a
certa superioridade com relação aospaísesfronteiriços,o que não ocorre
quando refletesobreaação depotê nciascom o EstadosU nidoseAlem anha
no continente:nesse caso,seríam os todos nações frágeis e tem erosos da
“vanguarda da civilização” .
227
Cunha,Euclides da.ContrasteseConfrontos,cit.,p.190.
228
Ibidem,p.192.
113
disputa já estivesse sob o controle de brasileiros.H averia,assim ,um a
incom preensão geraldospaísesdelínguaespanholacom relação ao Brasil.
A diligê nciadaRepúblicainstaladaem 1889 em travarasm elhoresrelações
possíveis com as nações sul-am ericanas esbarraria num a espécie de
prevenção perm anentecontraasaspiraçõesbrasileiras.D essem odo,“essa
solidariedadesul-am ericanaéum belíssim o idealabsolutam enteirrealizável,
com o efeito único de nos prender à s desordens tradicionais de dois ou
trê s povos irrem ediavelm ente perdidos,pelo se incom patibilizarem à s
exigê nciasseverasdo verdadeiro progresso” .229
D o ponto devistadapolíticaexterior,paraEuclides,aRepúblicateria
trazido inconvenientesparao Brasil,inserindo-o,aosolhosdaopinião pública
externa,no contexto dedesordenseconflitosquepeculiarizavam osdem ais
229
Ibidem,p.193.
230
Ibidem,p.190.
114
paísessul-am ericanos.Tornava-se necessário,assim ,que o Brasilenvidasse
esforçosno sentido dedesvencilhar-sedaim agem atribuídaaseusvizinhos.
Euclidesobservaqueum a“guerrilhadedescrédito” estariasendo m obilizada
contra o Brasil,colocando-o na m esm a posição de paísescom o o Paraguai
(“convalescente” ),a Bolívia (“dilacerada pelos m otins e pelas guerras” ),a
Colôm bia (em conjunto com a “abortíciarepublícola que há m eseslhe saiu
dosflancos” )eo U ruguai(“aestahoraabalado pelascavalariasgaúchas” ).231
231
Ibidem,p.191.
232
Ibidem,p.193.
115
entre osEstadosU nidose outraspotê ncias– notadam ente a Alem anha –
pelahegem oniasobreo continenteam ericano.Com o Barão do Rio Branco
à frente da chancelaria,e a consolidação da aliança estratégica com os
Estados U nidos,os debates sobre política internacionalpassam a fazer
parte da ordem do dia.Testem unhava-se,à época,o debilitam ento da pax
britannica e o robustecim ento da econom ia norte-am ericana nas relações
internacionaisde troca.
233
Bueno,Clodoaldo.Política externa da Primeira República:osanosdeapogeu (1902 a 1918).São Paulo,
Paz e Terra,2003,p.35.
116
yankee” .234 Entretanto,o m edo das potê ncias seria apenas o m edo da
“civilização” :“N ão é o bárbaro que nos am eaça,é a civilização que nos
apavora.Esta últim a consideração é expressiva.M ostra que osreceiossão
vãos” .235 Apesarde vernos Estados U nidos e na Alem anha sím bolos de
progresso,Euclides form ulou algum as críticas à política desses países,
persistindo, porém , na tese de que a am eaça im perialista carecia de
concretude para o Brasil.Trata-se,novam ente,de um a am bigüidade:ao
m esm o tem po em que vislum bra as duas potê ncias em ergentes com o
sím bolos de evolução e progresso econôm ico,m ostra-se receoso de suas
pretensõesim perialistas.
234
Cunha,Euclides da.ContrasteseConfrontos,cit.,p.196.
235
Ibidem,p.197.
236
Ibidem,p.133.
237
Ibidem,p.133-134.
238
Ibidem,p.134.
117
Alem anha” ,o artigo é m ais cristalino no julgam ento depreciativo do
im perialism o teutônico.O ponto departidadaanáliseéum artigo publicado
narevistaContemporaryReview,cujo autorassevera,naspalavrasdeEuclides,
“que som os um povo sem juízo,e a vitalidade germ â nica,em breve,nos
absorverá” .239
239
Ibidem,p.137.
240
Ibidem,p.140.
241
Bueno,Clodoaldo,op.cit.,p.35.
118
N essa esteira,Euclides,conquanto não acreditasse na hipotética
incorporação do Brasilao im pério alem ão,não se furtava a alertarpara os
perigosque a política pangerm anista poderia trazerpara o país.Cita,assim ,
diversosautoresalem ães,porele classificadosde “foliculáriosassanhados” ,
quedefendiam explicitam enteapossedo sulbrasileiro.A om issão do governo
brasileiro poderia provocar,advertia,nossa inserção na órbita de poderda
Alem anha.242 D aía necessidade de que fossem form uladase concretizadas
políticasdeocupação do território brasileiro edeexploração desuasriquezas.
Afinal,se de um lado a Alem anha,em função de seu acelerado progresso e
dasreduzidasdim ensõesdeseu território,via-secom pelidaabuscarrecursos
em outroscontinentes,deoutro o Brasil,adespeito desuaspotencialidades,
apenas contem plava “as nossas virgens bacias carboníferas,as nossas
m ontanhas de ferro,as nossas cordilheiras de quartzito,os nossos litorais
douradospelasareiasm onazitas,eo estupendo dilúvio canalizado denossos
rios,e oscerroslastreadosde ouro dasgrupiaras(...)” .243
242
Cunha,Euclides da.ContrasteseConfrontos,cit.,p.139.
243
Ibidem,p.137.
244
Bueno,Clodoaldo,op.cit.,p.41.
119
eConfrontos.O título do texto é o m esm o do livro que Euclidesse dedica
aresenhar,escrito pelo presidente norte-am ericano Theodore Roosevelt.
Para o autorde À M argem da H istória,Rooseveltnão se m ostra um bom
escritor(“Roosevelté um estilista m edíocre” ),e suas teses não trazem
nada de inovador (“o seu últim o livro, o Ideal americano, é um a
sistem atização de truísm os” 245).Todavia,a obra do presidente norte-
am ericano traria conclusões relevantes para os países sul-am ericanos,
que são retratados de form a negativa no livro,apresentando-se com o
nações “de segunda” .246
245
Cunha,Euclides da.ContrasteseConfrontos,cit.,p.193.
246
Ibidem,p.194.
247
Ibidem,p.196.
248
Ibidem.
249
Ibidem.
250
Ibidem,p.194.
120
D esse m odo, o Brasil deveria se acautelar diante das forças
im perialistas,m asnão porm eio dainvocação deprincípiosjurídicosou da
condenação abstrata do expansionism o das grandes potê ncias.Em seu
ponto devista,o “darwinism o” entrenaçõesdeveriasertrabalhado apartir
deum aleiturapragm áticado cenário internacional:senão aperfeiçoássem os
nossas instituições,fortalecendo nossa soberania,estaríam os sujeitos à s
vicissitudes das forças im perialistas: “Roosevelt com para de m odo
pinturesco essaconcorrê nciaform idávelaum vasto eestupendo footballon
thegreen:o jogo deveserclaro,franco,enérgico edecisivo;nadadedesvios,
nadadetortuosidades,nadadereceios,porqueo triunfo éobrigatoriam ente
do lutadorque histthelinehard!” .251
251
Ibidem,p.196.
252
Ibidem,p.197.
253
Sevcenko,N icolau,op.cit.,p.142.
121
Para Euclides,o verdadeiro perigo não era o im perialism o,m as o
“perigo brasileiro” :adesorganização política,afragilidadeeconôm ica,um
“federalism o incom preendido” ,o “dom ínio im pertinente da velha tolice
m etafísica” 254,dentre outros m ales.Rem atando suas reflexões sobre o
im perialism o norte-am ericano e alem ão,Euclides não vê ,ao m enos no
curto prazo,perigos palpáveis para a soberania brasileira.As potê ncias
estrangeirasnão seriam inim igasdo Brasil,antesrepresentariam avanguarda
da civilização e do progresso (em bora nutrissem ,tam bém ,pretensões
im perialistas).Tem ê -lasim portariaem tem eraprópriacivilização:“Verem os,
então,m elhor,todo o infundado de receiosou de im aginosas conquistas,
que são até um a calúnia e um a condenávelafronta a nacionalidades que
hoje nosassom bram ,porque progridem ,e que nosam eaçam pelo m otivo
único de avançarem triunfante e civilizadoram ente para o futuro” .255
254
Cunha,Euclides da.ContrasteseConfrontos,cit.,p.199.
255
Ibidem.
122
interessesbrasileirosfossem afetadospelo desfecho dapendê nciaterritorial
entre osdoispaísesvizinhos.256
256
Tocantins,Leandro.Euclidesda Cunha eoParaísoPerdido.Rio de Janeiro,Record,1968,p.186-187.
257
Carta a Francisco Escobar,em 13 de junho de 1906.In:Correspondê ncia deEuclidesda Cunha,cit.,p.
305.
258
Carta a Firm o D utra,em 7 de julho de 1906.In:Correspondê ncia deEuclidesda Cunha,cit.,p.307.
123
Além disto ireicom pletar as m inhas observações,ainda falhas,sobre a
Am azônia” .259
259
Carta a M anoelRodriguesPim enta da Cunha,em 24 de julho de 1906.In:Correspondê ncia deEuclides
da Cunha,cit.,p.310.
260
Ventura,Roberto.RetratointerrompidodeEuclidesda Cunha,cit.,p.245.
261
CartaaFirm o D utra,em 30 de setem bro de1906.In:Correspondê nciadeEuclidesdaCunha,cit.,p.314.
262
Cunha,Euclidesda.Peru versusBolívia.In:Obra Completa,v.1,cit.,p.811.
263
Ibidem,p.812.
124
poderia servista com o sendo apenas um a desinteligê ncia acerca da linha
lim ítrofe entre osdoispaíses.Asdim ensõesda área em disputa indicavam
queo processo dearbitragem em curso em BuenosAirespoderiavulnerar
interessesde outrospaísesdo continente.
264
Ibidem,p.813.
125
representaria,de acordo com Euclides,um “grande salto m ortalde cem
anos,flagrantem ente violadorde toda a continuidade histórica” .265
265
Ibidem.
266
Ibidem,p.814.
267
Ibidem,p.819-820.
268
Ibidem,p.818.
126
Aforaosargum entospropriam entejurídicos,Euclidesnão deixade
se reportar à s “características da raça” que diferenciavam a colonização
portuguesa da espanhola.Assim ,os lim ites previstos originalm ente no
Tratado de Tordesilhas e de M adrisucum biram à ação desbravadora dos
brasileiros,e de seu tipo m ais representativo:o bandeirante.Procedendo
ao contraste,sublinha que enquanto a “som bria legislação castelhana
enclausurava os colonos no círculo intransponíveldos distritos,sob a
disciplina dos corregedores,vedando-lhes novos descobrim entos,ou
entradas” ,osportugueses“avançavam m illéguaspelo Am azonasacim a,e
nas bandas do sulos nossos extraordinários m estiços sertanejos iam do
Iguaçu à sextrem asdo M ato G rosso,perlongando o valo tortuoso elongo
do rio Paraguai” .270
269
Ibidem,p.820.
270
Ibidem,p.815.
271
Ibidem,p.816.
272
Ibidem.
273
Ibidem,p.821-822.
127
dePetrópolisviesseaserim pugnado no caso deum laudo arbitralfavorável
ao Peru.O s argum entos m anejados por Euclides na defesa da posição
boliviana am param -se na m inuciosa análise de docum entos históricos e
jurídicosrelativosà questão.D einício,ponderaqueascolôniasespanholas
foram divididas pela corte em audiê ncias e provincias mayores.N o que
concerne ao Vice-Reinado do Peru,surgiram duas audiê ncias:a de Lim a,
hojePeru,eadeCharcas,abarcando o território hojepertencenteà Bolívia.
274
Ibidem,p.830-831.
275
Ibidem,p.831.
128
frente à expansão portuguesa.A possibilidade de um ainvasão portuguesa
fez com que o território boliviano se apresentasse com o um a frente de
detenção à ação de Portugal: “A s forças, que no litoral peruano se
dispersavam e dispartiam em tum ultos e revoltas intestinas, ali se
com punham num m ovim ento gerale instintivo de defesa” .276
276
Ibidem,p.833.
277
Ibidem,p.849.
129
objetivo do governo do Peru de recuperar o dom ínio sobre as áreas em
disputa,sob o argum ento deque osterritóriosestariam sujeitos,duranteo
período colonial,à jurisdição da audiê ncia de Lim a.
Por fim ,Euclides invoca os term os do tratado de lim ites firm ado
entre Brasile Peru em 1851,que supera o Tratado de Santo Ildefonso e
recusa a linha m édia M adeira-Javaricom o sendo a linha fronteiriça entre
osdoispaíses.Ao contrário,segundo osterm osdo tratado,apenaso Javari
seria o lim ite naturalentre Brasile Peru.279
278
Ibidem,p.864.
279
Ibidem,p.890-891.
280
Ibidem,p.892.
281
Tocantins,Leandro,op.cit.,p.226.
130
indiferença com que seu livro foirecebido no Brasil:“Espero dentro de
poucosdias-traduzido para o espanhol,em BuenosAires,porEleodoro
Villazon,m inistro boliviano,-o m eu “Peru versusBolívia” .Com o vê s,o
estrangeiro entendeu que deve aproveitaraquele trabalho,-recebido com
indiferença pelospatrícios...” .282
282
Carta a Alberto Rangel,em 20 de setem bro de 1908.In:Correspondê ncia deEuclidesda Cunha,cit.,p.
377.
283
Bueno,Clodoaldo,op.cit.,p.254.
284
Ibidem.
131
em queserefereaum docum ento secreto,“provainstrum ental” dosperigos
quesofreriaaRepúblicaArgentina.Essedocum ento secreto seriaum texto
de Rio Branco contra a Argentina285.Pressionado a tornar público o
conteúdo do docum ento em questão,Zeballospublicaartigo em setem bro
de 1908 em que transcreve um telegram a que teria sido enviado porRio
Branco para as representações diplom áticas do Brasilem Buenos Aires,
Assunção,M ontevidéu,LaPaz,Santiago,Lim aeW ashington.O telegram a
determ inaria à s legações brasileiras que em preendessem um a cam panha
contraa Argentina,divulgando que sua política externa visava à conquista
dospaísesm aisfracosda Am érica do Sul.286
285
Lins,Álvaro,op.cit.,p.383.
286
Ibidem,p.384.
287
Ibidem,pp.385-389.
132
autor propositadam ente para m e docum entar,e tenho em m eu poder a
resposta à m inha carta” .288 A suposta carta de Euclides daria a Zeballos,
segundo o próprio ex-Chancelerargentino,preciosasinform açõessobre a
políticaexternabrasileira,o quepoderiaconfigurarcrim edetraição.Euclides
chegou a com parar-se, naquele m om ento, com o capitão D reyfus,
injustam enteacusado detraição naFrança,cujo caso tornou-secélebreno
início do século XX .
288
Rabelo,Sílvio,op.cit.,p.414.
289
Carta aEstanislau Zeballos,em novem bro de 1908.In:Correspondê nciadeEuclidesdaCunha,cit.,p.387.
290
Ibidem.
291
Rabelo,Sílvio,op.cit.,p.415.
292
Ibidem,p.415-416.
133
quetentou enlear-m enassuastraficâ ncias,ou transform ar-m eem Capitão
D reyfus do M inistério do Exterior!...D ei-lhe,com o vistes,a pancada
bem no alto da cuia,e o bruto (por um telegram a que m e m andou,
lam entoso) gem eu deveras!” .293 A controvérsia foi dirim ida com a
publicação da versão oficialdo telegram a núm ero 9 e com o silê ncio de
Zeballosacercado pedido depublicação dacorrespondê nciaquerecebera
de Euclides.
293
Carta a O taviano da Costa Vieira,em 5 de novem bro de 1908.In:Correspondê ncia deEuclidesda
Cunha,cit.,p.388.
294
Tocantins,Leandro,op.cit.,p.231.
134
5.5 – O TRA BA LH O D E A D ID O E OS D ILEM A S D E U M M EM BRO DA
IN TELLIG EN TSIA D E CLA SSE M ÉD IA
295
Rabelo,Sílvio,op.cit.,p.408.
296
Ibidem.
135
A referê nciaà debilidadedaintelligentsiadeclassem édiaesuarelação
am bíguacom o poderpodeexplicarasdificuldadesenfrentadasporEuclides
na m anutenção de sua posição no aparelho de Estado.
297
Cartaa Francisco de Escobar,em 26 de dezem bro de 1906.In:Correspondê nciadeEuclidesdaCunha,
cit.,p.321.
298
Rabelo,Sílvio,op.cit.,p.417.
299
Venâ ncio Filho,Francisco,RioBrancoeEuclidesda Cunha,cit.,p.68.
300
Rabelo,Sílvio,op.cit.,p.418.
136
dessa colaboração:um cartógrafo pouco diferia de um desenhista.E o
pioré que ninguém estranhavaadesproporção entreo que poderiarender
com o engenheiro ou com o intelectuale o que realizava com o sim ples
desenhista de um M inistério que não prim ava pela eficiê ncia ou pela
capacidade dosseusfuncionários” .301
301
Ibidem,p.421.
302
Carta a O taviano da Costa Vieira,em 15 de novem bro de 1908.In:Correspondê ncia deEuclidesda
Cunha,cit.,p.393-394.
137
torturado dedesconfianças,própriasdestaíndoledecaboclo” .Em seguida,
relem bra o caso com Zeballos,episódio que dem onstraria “osperigosda
m inha posição de Com issário in-partibus, condenado à prisão num a
Secretaria” .Reitera,adem ais,sua insatisfação com a posição ocupada no
m inistério:
303
CartaaO liveiraLim a,em 13 de novem bro de1908.In:Correspondê nciadeEuclidesdaCunha,cit.,p.392.
304
Ventura,Roberto.Retrato interrompidoda vida deEuclidesda Cunha,cit.,p.254.
138
parecendo explicaro fato de nunca teraproveitado Euclydesda Cunha –
em certa época tão desejoso de irà Europa que pensou ingenuam ente em
serprofessorem Paris– (...)senão em m issõessul-am ericanas” .305
305
Freyre,G ilberto.Ordem eProgresso.4ª ed.Rio de Janeiro,Ed.Record,1990,p.CL.
306
Venâ ncio Filho,Francisco,Rio Branco eEuclidesda Cunha,cit.,p.60-61.
139
CO N CLUSÕ ES
C O N CLU SÕ ES
143
eÀ M argem daH istória.Prosseguiu,adem ais,nacolaboração com aim prensa,
o que resultou em artigosrelevantespara o conjunto de sua obra.
A especificidade dessa produção intelectualposterior a Os Sertões
perm ite,assim ,que se singularize essescinco anosda vida de Euclides.O
m om ento de seu ingresso no Itam araty,em 1904,m arca o início de um a
novaetapa.Abandonando arotinadeengenheiro,pôdeviajarà Am azônia
e direcionar sua produção para tem as que,em bora já freqüentassem sua
produção literária,não eram dom inantes:a Am azônia,problem as de
fronteira e questões de política internacional.É nesse m om ento que se
estreita,além disso,suaredederelaçõescom o cam po intelectualpolarizado
porRio Branco.
D o ponto devistabiográfico,doisaspectosm erecem realceno exam e
do período 1904-1909:a relação de Euclidescom o Barão do Rio Branco
eaviagem à Am azônia.N o tocanteà srelaçõescom o Barão,restaclara,da
leitura da correspondê ncia pessoal de Euclides, sua adm iração pelo
Chancelerbrasileiro.EuclidesserefereaRio Branco com o um dosgrandes
personagensdesuaépoca,o único,porexem plo,capazdepreservar,pelos
canaisdiplom áticos,aintegridadeterritorialdo Brasil.O conceito de“cam po
intelectual” nos perm itiu esclarecer m elhor essa relação,já que um dos
elem entos estruturantes dessa noção,segundo Bourdieu,é o exam e da
posição de intelectuais e artistas na classe dirigente,o que se m ostra
fundam entalno caso de Euclides,pois sua relação com um a das figuras
m aisim portantesdaestruturade poder– Rio Branco – vailhe abrirnovas
perspectivasprofissionais.A viagem à Am azônia,porseu turno,ensejaráa
produção de artigosqueposteriorm entedarão origem ao segm ento inicial
do livro À M argem daH istóriaeligarão Euclidesdiretam enteaosproblem as
de lim ites em que o Brasilestava envolvido.A viagem ao Am azonas e ao
Acre e ostextosque escreveu com base em sua experiê ncia na região são
ospontos altosde sua passagem pelo Itam araty,porquanto o trabalho de
cartógrafo que desenvolveu a partir de 1906 trazia-lhe,com o confessou
renitentem ente em sua correspondê ncia a am igos,m ais dissabores que
entusiasm o.
D os ensaios am azônicos de Euclides se depreende a preocupação
com apreservação daintegridadedo território brasileiro.Tanto sob o ponto
de vista sociológico,com o sob o â ngulo dasconsideraçõesgeopolíticas,o
tem aque subjaz aostextossobre aAm azôniaé am anutenção do dom ínio
brasileiro sobrearegião.A recuperação dos“expatriados” quelátrabalham
– o seringueiro sim boliza asdifíceiscondiçõesde vida da população local
144
– e a ocupação efetiva do território,por m eio da integração física e da
criação de viasde com unicação com o resto do Brasil,são propostasque
dão contornospolíticosaosensaiosde Euclides.
Cabe notar que a leitura feita pelo escritor dos problem as da
Am azônia reveste-se de evidente atualidade.Asquestõesporele expostas
– basicam ente o abandono da região,que conduz tanto à porosidade das
fronteiras com o ao agravam ento da situação social– constituem ,ainda
hoje,ostem asbásicosde reflexão sobre a região.Seusensaiossão vistos,
poresta razão,com o textos fundadores da reflexão sociológica acerca da
Am azônia.Euclides pensou,do ponto de vista da diplom acia,os fatores
estratégicos que se relacionavam à ação do poder público na região,
acrescentando,à discussão sobre o território,a variávelsocial.Para a
diplom acia brasileira seus textos ainda oferecem novas perspectivas de
leitura.Além de sua im portâ ncia historiográfica,porretratara situação da
Am azônia no início do século X X,durante o ciclo borracha,perm ite um a
leitura renovada dos problem as de fronteiras,de integração física e de
inclusão social,enfatizando a relevâ ncia dessas trê s dim ensões para a
form ulação da política externa brasileira.
N o que concerne à sua visão da política internacional, resta
evidenciadaainfluê nciado cientificism o quepeculiarizou o seu pensam ento.
A referê ncia à s repúblicas sul-am ericanas vizinhas está carregada,por
exem plo,de equívocos resultantes de um a visão de m undo assentada no
evolucionism o.A instabilidadepolíticadessespaísespoderiaserexplicada,
segundo Euclides,a partir da m istura de raças que m arca sua form ação
social.O evolucionism o tam bém se prestaria a elucidar a confrontação
interim perialista travada porEstados U nidos e Alem anha na Am érica do
Sul.Assim ,os países m ais desenvolvidos disputariam entre sio controle
dasriquezasdenaçõesm aisfracasedesorganizadas,com o assul-am ericanas.
O instrum entaldo evolucionism o vaiser em pregado tam bém no
discurso etnográfico sobre o seringueiro.Em bora Euclides,à sem elhança
do que aconteceu com o sertanejo em OsSertões,m anifeste inicialm ente
um avisão negativado im igrante nordestino (considerado em certo trecho
de À M argem da H istória com o o “rebotalho das gentes” ),não deixa,por
outro lado,de explicitar sua adm iração pela tenacidade e vigor físico do
trabalhadordaAm azônia,queresisteà sintem périesem buscadem elhores
condições de vida.A adm iração que nutre pelo personagem convive,em
verdade, com os erros de interpretação derivados da interpretação
evolucionista de Euclides.
145
N essesentido,aaplicação dedoutrinascientíficasà análisedosm ais
diversos tem as -do seringueiro à política internacional-retira m uito da
consistê nciadealgunsdosargum entosdeEuclides,ao sim plificaraanálise
de certosfenôm enos,com o a im igração para a Am azônia e o acirram ento
do im perialism o.D o ponto devistaliterário,contudo,osestudoscontidos
em À M argem da H istória e os artigos de ContrasteseConfrontostê m grande
valor por duas razões basilares:representam um docum ento im portante
deeventoshistóricosquem arcaram o início daRepúblicaeconsubstanciam
um exem plo da originalidade do trabalho de Euclides,voltado sobretudo
para questõesrelativasà constituição da nacionalidade.
D os ensaios am azônicos e dos textos sobre política internacional
analisados no presente trabalho resta evidenciada,portanto,a relevâ ncia
dos trabalhos do autorde OsSertõespara a interpretação da Am azônia e
para um a com preensão geraldos problem as enfrentados pela Prim eira
República.O processo deconsolidação dasfronteirasnacionaisearelação
do Brasilcom ospaísessul-am ericanose com potê nciascom o osEstados
U nidos e a Alem anha são tem as que se fazem presentes nos ensaios e
artigos de Euclides,inserindo-se no quadro de sua “literatura m ilitante” .
Testem unha de seu tem po,a obra de Euclides é um instrum ento de valia
para o entendim ento dosproblem asque se apresentavam para o governo
republicano no lim iardo século XX .
146
B IBLIO G RAFIA
TextosdeEuclidesda Cunha
a)Livros
À M argem da H istória.São Paulo,M artinsFontes,1999.
ContrasteseConfrontos.In:Obra Completa,v.1,pp.123-245.
OsSertões.4ª ed.Rio de Janeiro,Record,2001.
Peru versusBolívia.In:Obra Completa,v.1,pp.811-893.
b)Artigos
“A Pátria e a D inastia” .In:Obra Completa,v.1,pp.595-597.
“Atose Palavras” .In:Obra Completa,v.1,cit.,pp.603-615.
“O BrasilM ental” .In:Obra Completa,v.1,cit.,pp.441-456.
“O Inferno Verde” ,prefácio ao livro deAlberto Rangel.In:ObraCompleta,
v.1,cit.,pp.492-499.
“O sTrabalhosdaCom issão BrasileiradeReconhecim ento do Alto Purus” .
Entrevista ao Jornaldo Com m ercio em 29 de O utubro de 1905.In:Obra
Completa,v.1,pp.553-558.
“Program a de O Proletário e M ensagem aos Trabalhadores” .In:Obra
Completa,v.1,cit.,p.578-579.
“Revolucionários” .In:Obra Completa,v.1,cit.,pp.597-601.
c) R elatório oficial da C om issão M ista B rasileiro-Peruana de
Reconhecim ento do Alto Purus
“O Rio Purus” .In:Obra Completa,v.1,cit.,pp.753-810.
Bibliografia geral
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H istória G eralda Civilização Brasileira – O BrasilRepublicano:Sociedade e
Instituições(1889-1930).v.II,t.III.3ª ed.São Paulo,D ifel,1985.
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H ATO U M ,M ilton.“Expatriados em sua própria pátria” .In:Cadernos
deLiteratura Brasileira,nos.13/14.São Paulo,Instituto M oreira Salles,
2002.
REIS,ArthurCézarFerreira.A A mazôniaeaintegridadedoBrasil.Brasília,
Senado Federal,Conselho Editorial,2001.
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CiênciasN aturais.São Paulo:H ucitec – Feira de Santana:U niversidade
Estadualde Feira de Santana,2001.
SEVCEN K O ,N icolau.Literaturacomomissão:tensõessociaisecriaçãocultural
na Primeira República.São Paulo,Brasiliense,1999.
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Completa,v.2,cit.,pp.11-59.
__________.RetratointerrompidodavidadeEuclidesdaCunha.O rganização
de M ário CésarCarvalho e José Carlos Barreto de Santana.São Paulo,
Ed.Com panhia das Letras,2003.
150
Livro Euclidesda Cunha,oItamaratyea A mazônia
M ancha gráfica 11 x 18 cm