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GRANDE DO SUL
Ijuí (RS)
2016
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Ijuí (RS)
2016
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AGRADECIMENTOS
À minha mãe e meu pai, pelo apoio, compreensão e dedicação em fazer eu me sentir
amparada em todos os momentos, especialmente nos mais conturbados.
À minha orientadora, Joice, com quem eu pude compreender por qual caminho eu
quero seguir após o término da graduação, me apoiando na escolha do tema, sempre
disponível e preocupada com a qualidade da pesquisa.
Aos meus queridos e queridas, amigos e amigas, que tanto me ouviram falar sobre
gênero, desconstrução e sexualidade, e me incentivaram a escrever sobre o que gosto.
Especialmente nos momentos finais, nos quais me fiz um pouco impaciente e mesmo assim
tive apoio.
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RESUMO
A presente pesquisa monográfica faz uma análise de como, ao longo do tempo, foram
produzidos uma série de padrões comportamentais que deveriam ser seguidos pelas pessoas
em relação a questões de sexualidade, padrões corporais e de gênero, configurando-se um
longo processo de normalização das condutas. Este processo histórico é perpassado por
relações de poder. Desta forma, objetiva-se compreender, a partir da obra do filósofo francês
Michel Foucault, a vinculação entre o Poder e o Direito, enquanto instrumento de
manifestação que normatizaram os padrões de conduta, permitindo aqueles considerados
‘normais’ e criminalizado aqueles tidos como desviantes. Nesse sentido, o primeiro capítulo
abordará o estudo do Poder em Michel Foucault, primeiramente enquanto microfísica e
posteriormente enquanto biopolítica. O segundo capítulo analisará de que forma o poder foi
instituído e manifesto no controle do corpo e da sexualidade, analisando de que modo este
poder interfere na constituição das identidades e das subjetividades de gênero de cada um,
criando de padrões de identidade que desrespeito a subjetividade do sujeito. A metodologia
utilizada baseou-se em pesquisa bibliográfica, principalmente nas obras de Michel Foucault e
em analises atuais sobre as implicações das mesmas em nosso mundo atual.
ABSTRACT
This paper aimes to make an analysis of how, over time, have been produced a series
of behavioral patterns that should be followed by people in relation to issues of sexuality,
body patterns and gender, configuring a long process of normalization of conducts. This
historic process is filled by power relations. In this way, the objective is to understand, from
the work of the french philosopher Michel Foucault, the binding between the power and the
Law, as an instrument of manifestation that normalized standards of conduct, allowing those
considered 'normal' and criminalised those taken as deviatings. In this sense, the first chapter
will discuss the study of power in Michel Foucault, first while microphisics and subsequently
while biopolitics. The second chapter will examine how the power was instituted and manifest
in the control of the body and of sexuality, analyzing how this power interferes in the
constitution of identities and of gender subjectivities of each one, creating standards of
identity that disregard the subjectivity of the subject. The methodology used was based on a
bibliographic search, mainly in the works of Michel Foucault and in current analyzes on the
implications of the same in our world today.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.........................................................................................................................9
CONCLUSÃO............................................................................................................... ..........40
INTRODUÇÃO
Para que este trabalho fosse concluído foram realizadas pesquisas bibliográficas em
meio eletrônico e físico, principalmente nas obras do filósofo francês Michel Foucault e em
análises atuais sobre as implicações destas em nosso mundo atual. Também foi realizada uma
pesquisa do tipo genealógica, na qual se faz uma análise tomando como referência a dimensão
histórica para que seja possível compreender as formas que o discurso se instaurou e de que
maneira isto ocorreu.
O segundo momento foi destinado para abordar em forma de análise a forma com que
o poder foi instituído e se manifestou no controle do corpo e da sexualidade, buscando
compreender de que maneira o poder interfere na constituição das identidades e das
subjetividades de gênero de cada indivíduo. Apesar de Foucault não ter se referido
especificamente ao gênero, o desenvolvimento de seus estudos foi crucial para os posteriores
desdobramentos da teoria feminista. Ao controlar o corpo, a sexualidade e as subjetividades
de cada indivíduo, as relações de poder também perpassam e moldam as construções de
gênero de nossa sociedade patriarcal.
Com base nesses estudos se observa nítidas contribuições para que seja feita uma
reflexão sobre uma nova ética, a partir da problemática foucaultiana, que tem respaldo na
contestação dos discursos de normalização, indo contra uma constante submissão que o
sujeito sofre pela moralidade religiosa e/ou legal.
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Não devemos nos enganar: se falamos do poder das leis, das instituições ou das
ideologias, se falamos de estruturas ou mecanismos de poder, é apenas na medida
em que supomos que ‘alguns’ exercem um poder sobre os outros. (FOUCAULT,
1995, p.40).
história como a visão altiva e profunda do filósofo ao olhar de toupeira do cientista; ela se
opõe, ao contrário, ao desdobramento meta-histórico das significações ideais e das
indefinidas teleologias. Ela se opõe à pesquisa da ‘origem’. (FOUCAULT, 1979, p. 16)
Em palavras foucaultianas (2004, p. 175), o poder “não se dá, não se troca nem se
retoma, mas se exerce, só existe em ação”, o poder é principalmente manutenção e reprodução
das relações econômicas, mas acima de tudo uma “relação de força”. Essa maneira como o
filósofo trata o poder é inovadora. O que realmente importava, então, não era a criação de um
novo conceito, mas sim a análise do poder como prática social, que foi constituído
historicamente, e suas inúmeras formas de exercício na sociedade. Para Foucault, de acordo
com Rocha, (2010), não importava a criação de um novo conceito fechado e estatizado, mas
sim um estudo feito de forma analítica. Segundo o autor,
Não que haja propriamente uma teoria geral do poder em Foucault, mas ele o
percebe como uma prática social historicamente constituída (episteme) que precisa
ser entendida em sua dinâmica de desenvolvimento na realidade crua das relações
humanas. Pois, a genealogia de poder de Foucault vai além do costumeiramente
trabalhado em direito que é o Estado como produtor, institucionalizador e
mantenedor do poder. Há formas de exercício do poder diferentes do Estado, a ele
articuladas de maneiras variadas e que são indispensáveis inclusive pra sua
sustentação e atuação eficaz. (ROCHA, 2010, p.105).
Deste modo,
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O conceito de poder para Foucault não deve ser equivalente aos conceitos de
repressão, lei, soberania, instituições e aparelhos do Estado, como comumente é
analisado. Foucault não se refere a uma forma de sujeição realizada por leis e regras,
nem a um sistema de dominação de uns sobre outros. Ao contrário, poder é
entendido como multiplicidade de correlações de forças, como jogo, como
estratégias móveis. Ou seja: poder visto como potencialidade criadora, própria do ser
humano, que se faz aparecer nas práticas e nas relações humanas. Falamos de poder
enquanto relação de forças, enquanto prática, enquanto poder circulante, não estático
nem centralizado em um ponto. Falamos de exercício de poder e não de aquisição do
mesmo. O poder também não pertence a alguém, isto é, não provem de uma relação
entre dominados e dominadores; não é uma instancia dual, binária mas sim uma
instancia onipresente, isto é, se produz a cada instante, em todos os pontos, em todas
as relações. (BOFF, 2008, p. 190).
No mesmo sentido, afirma Duarte (2008), este mesmo poder é sempre plural, exercido
através de práticas distintas e que se transformam, mesmo dentro de instituições sócias. Deste
modo, o poder se dá em um conjunto de relações e práticas sociais historicamente
constituídas, que atuam por meio de dispositivos estratégicos dos quais ninguém escapa, pois
não há espaço da vida em que estes poderes não atuem por meio de seus mecanismos. O que
cabe indagar, portanto é, quais “[...] quais são, em sem seus mecanismos, em seus efeitos, em
suas relações, os diversos mecanismos de poder que se exercem a níveis diferentes da
sociedade, em domínios e com extensões tão variados? (FOUCAULT, 1981, p.174).
É o contexto daquelas sociedades que surge o poder disciplinar, “que nasce como uma
tecnologia de poder que trata o corpo do homem como uma máquina, objetivando adestrá-lo
para transformá-lo em um instrumento útil aos interesses econômicos” (DINIZ E OLIVEIRA.
2014, p. 144). Concomitantemente surge o biopoder, cujo foco não é o corpo individualizado,
mas o corpo coletivo. O biopoder, segundo os autores, não se diferencia somente do poder
disciplinar, mas também do poder soberano, pois enquanto na soberania havia um direito do
soberano “deixar viver” ou “fazer viver”, no biopoder haverá uma tecnologia de poder voltada
para o “fazer viver” e o “deixar morrer”, que será um poder que vai se encarregar da
preservação da vida, eliminando tudo aquilo que ameaça a preservação e o bem estar da
população. Esta é a genealogia do poder que analisaremos adiante.
A ideia de um sujeito útil e dócil é uma concepção positiva utilizada por Foucault para
dissociar os termos repressão e dominação que definiam a intervenção violenta do Estado
sobre os cidadãos (DINIZ; OLIVERA. 2014). Foucault mostrará com isso que se a dominação
capitalista fosse baseada somente na repressão, ela não se manteria por muito tempo. A
princípio é fundamental entender que “a disciplina é um tipo de organização do espaço. É
uma técnica de distribuição dos indivíduos através da inserção dos corpos em um espaço
individualizado, classificatório, combinatório” (MACHADO, 2009, p. 173). Essa disciplina é
um mecanismo que propiciará uma transformação do sujeito, tirando da “força do corpo” sua
“força política” e tornando máxima sua “força útil”. Todavia, apesar de se falar muito em
força, “o poder disciplinar não será imposto com uma forma de violência explicita, mas
totalmente discreto e sutil, para que não seja percebido, sobretudo pelo fato de já ter existido
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métodos violentos que não alcançaram resultados tão eficazes como a disciplina” (DINIZ;
OLIVEIRA, 2014, p. 150).
A disciplina segundo Foucault tem seu marco histórico na medida em que surge com
ela uma arte do corpo humano (FOUCAULT, 2010) que não está preocupada somente com a
sujeição e o aumento das habilidades do sujeito, mas preocupa-se, sobretudo, com uma
relação formada a partir de mecanismos que irão tornar o sujeito tanto mais obediente quanto
mais útil. Formar-se-á, segundo Diniz e Oliveira (2014), uma política de coerção partindo de
um trabalho minucioso que manipulará de forma calculada os gestos, comportamento e outros
elementos do corpo humano inserindo-o em uma espécie de maquinaria do poder que irá
esquadrinha-lo, desarticulando-o para que o mesmo seja recomposto. Esse processo chamado
de “anatomia política” ou “mecânica do poder”, será o responsável por fazer funcionar as
operações com a rapidez e a eficácia que se espera e funcionará como a fabricação de corpos
exercitado, submissos e acima de tudo, dóceis. É a partir dessa experiência fundada na
disciplina que Foucault analisará o que ele chama de “fabricação dos indivíduos máquina”
(Idem).
1.2 O Biopoder
Foi apenas no final do percurso genealógico de sua investigação que Foucault chegou
aos conceitos de biopoder e biopolítica, tendo em vista explicar o aparecimento, ao longo do
século 18 e, sobretudo, na virada para o século 19, de um poder disciplinador e normalizador
que já não se exercia sobre os corpos individualizados, nem se encontrava disseminado no
tecido institucional da sociedade, mas se concentrava na figura do Estado e se exercia a título
de política estatal com pretensões de administrar a vida e o corpo da população (DUARTE,
2008). Este emergiu como um complemente ao poder disciplinar. Nas palavras do autor “Pois
essa técnica não suprime a técnica disciplinar simplesmente porque é de outro nível, está em
outra escala [...] e é auxiliada por instrumentos totalmente diferentes”. (FOUCAULT, 2000, p.
289.).
A partir do século XVIII o homem passa a perceber que é de fato possuidor de um
corpo e com isso se reconhece como alguém que pertence a uma espécie. Essa iluminação deu
origem a questões que envolvem a vida do homem como algo que deve ser preservado, em
um novo cenário que abriu espaço para uma biopolítica voltada para a regulamentação dos
processos das massas (DINIZ E OLIVEIRA, 2014). Consequentemente a biopolítica
apresentará uma tecnologia e de dispositivos que devem assegurar a vida da população, pois
sua meta é controlar aquilo que possa limitar a vida do homem não em particular, mas no
conjunto da espécie humana. Para que isso aconteça será usado um dispositivo de poder que
Foucault chamará de “Biopoder”, uma ferramenta fundamental para a tecnologia de poder que
irá controlar as massas. A respeito do biopoder Foucault diz o seguinte:
(...) essa série de fenômenos que me parece bastante importante, a saber, o conjunto
dos mecanismos pelos quais aquilo que, na espécie humana, constitui suas
características biológicas fundamentais vai poder entrar numa política, numa
estratégia política, numa estratégia geral de poder. Em outras palavras, como a
sociedade, as sociedades ocidentais modernas, a partir do século XVIII, voltaram a
levar em conta o fato biológico fundamental de que o ser humano constitui uma
espécie humana. É em linhas gerais o que chamo, o que chamei, para lhe dar um
nome, de biopoder. (FOUCAULT, 2008, p. 3)
saúde e o bem estar da população. E para que esses fatores sejam preservados, será iniciada
uma política de policiamento para evitar tudo àquilo que possa ameaçar a vida da população.
Vários procedimentos são efetivados para alcançar este objetivo de preservar a vida da
população, como por exemplo, “[...] uma medicina que vai ter, agora, a função maior de
higiene pública, com organismos de coordenação dos tratamentos médicos, de centralização
da informação, de normalização do saber [...] e da medicalização da população.”
(FOUCAULT, 1999, p. 291). Essas medidas são importantes para que se tenha um certo
controle de problemas como o da natalidade e da mortalidade, e esse controle é um dos
mecanismo de poder do “biopoder”.
Segundo Foucault,
Deixando de exercer seu direito de impor a morte, o poder soberano garantia a vida.
Tratava-se aí da forma de atuação de um poder soberano adaptado à figura de uma sociedade
na qual o poder se exercia por meio do confisco, apoderando-se de bens, dos corpos e da
própria vida dos súditos. Em suma, afirma Duarte (2008), opera-se aí um importante
deslocamento de ênfase: se antes o poder soberano exercia seu direito sobre a vida na medida
em que podia matar, de tal modo que nele se encarnava o “direito de fazer morrer ou de deixar
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viver”, a partir do século 19 se opera a transformação decisiva que dá lugar ao biopoder como
nova modalidade de exercício do poder soberano, que agora será um “poder de ‘fazer’ viver e
‘deixar’ morrer.
Com isso, haverá por parte da biopolítica a preocupação com as relações entre a
espécie humana e o meio em que ela vive (FOUCAULT, 1999). Sua importância ocorre em
função da população necessitar de boas condições do ambiente para preservar sua existência.
Os problemas climáticos e geográficos – assim como as epidemias e outras mazelas – vão
afetar diretamente a população. Portanto, é a partir das taxas de natalidade e mortalidade,
vinculadas às diversas incapacidades biológicas que a biopolítica vai conseguir extrair o
conhecimento necessário para a definição de qual área ela deve intervir com seu poder. Esse
poder extraído será fundamental para aperfeiçoar os mecanismos de poder que serão baseados
numa espécie de previdência, que tem por objetivo – além de alcançar a baixa da morbidade e
a alta da natalidade – prolongar a vida da espécie humana. Para isso serão estabelecidos
mecanismos reguladores com o intuito de manter o equilíbrio da população. Um exemplo
claro desta regulamentação é o controle da sexualidade, visto que é empecilho entre corpo-
população, necessitando de disciplina e regulamentação, ou seja, norma. Ilustra o autor:
Se a sexualidade foi importante, foi por uma porção de razões, mas em especial
houve estas: de um lado, a sexualidade, enquanto comportamento exatamente
corporal, depende de um controle disciplinar, individualizante, em forma de
vigilância permanente; e depois, por seus efeitos procriadores, em processos
biológicos amplos que concernem não mais ao corpo do indivíduo mas a esse
elemento, a essa unidade múltipla constituída pela população. A sexualidade está
exatamente na encruzilhada do corpo e da população. Portanto, ela depende da
disciplina, mas depende da regulamentação. (FOUCAULT, 2011, p. 289).
Assim, o que se produz por meio da atuação específica do biopoder não é mais apenas
o indivíduo dócil e útil, mas é a própria gestão calculada da vida do corpo social. Deste modo,
afirma Duarte, compreende-se porque o sexo se torna o alvo de toda uma disputa política: a
partir do século 19, ele é o foco de um controle disciplinar do corpo individual, ao mesmo
tempo em que está diretamente relacionado aos fenômenos de regulação das populações,
conferindo um acesso do poder soberano à vida da própria espécie. A sexualidade, tal como
produzida por toda uma rede de saberes e poderes que agem sobre o corpo individual e sobre
o corpo social, isto é, o sexo como produto do que Foucault chamou de dispositivo da
sexualidade, será então a chave para a análise e para a produção da individualidade e da
coletividade.
Ao falar da história da sexualidade, Foucault busca abordar este assunto através de três
formas. A primeira é o questionamento das práticas de discurso e de como os saberes se
formaram e se desenvolveram, desde estudos referentes à reprodução até níveis
comportamentais. A segunda se dá com uma análise dos sistemas de força que regulamentam
as práticas sexuais e instalam regramentos e normas amparadas pelas instituições, como as
pedagógicas, médicas, religiosas e judiciárias. Por último, mas não de forma definitiva, é feita
uma interpretação da maneira através da qual os indivíduos passam a valores suas condutas,
sentimentos, sensações, prazeres, se reconhecendo como sujeitos desse objeto de estudo, a
sexualidade (FOUCAULT, 2001).
A busca por apresentar uma história da sexualidade dos três últimos séculos, nos quais
houve uma repressão do discurso sobre o sexo em contrapartida com a propagação de
discursos que resultariam em uma ciência sexual (scientia sexualis), a qual vai
exponencialmente diversificar e condenar as formas que seriam consideradas não naturais da
sexualidade. Desenvolve-se, também, uma nova concepção de poder, que se torna sinônimo
de repressão, mas realiza, além de tudo, uma provocação mascarada. Ao final se tem a
tentativa de libertar o sexo, ou da ideia de que fazemos do sexo, de uma opressiva
escravização social, mostrando que essa tentativa nada mais é do que um notável mecanismo
de poder, que objetiva nos prender em seu próprio pano.
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Já esse aspecto genealógico do discurso pode ser percebido quando é tomada por base
a dimensão histórica para que se possa compreender as formas de proliferação no caminho da
sociedade ocidental. Logo nas primeiras páginas de A Vontade de Saber, Foucault nos faz
perceber que sua crítica seria que ao se pensar em teorias sobre determinado assunto o risco
de que este assunto perdesse o tom de simplicidade é alto, podendo este mesmo assunto
ganhar arabescos a partir de um destaque falso. E dessa maneira, diz:
Diz-se que no início do século XVII ainda vigorava uma certa franqueza. As práticas
não procuravam o segredo; as palavras eram ditas sem reticência excessiva e, as
coisas, sem demasiado disfarce; tinha-se com o ilícito uma tolerante familiaridade.
Eram frouxos os códigos da grosseria, da obscenidade, da decência, se comparados
com os do século XIX. Gestos diretos, discursos sem vergonha, transgressões
visíveis, anatomias mostradas e facilmente misturadas, crianças astutas vagando,
sem incômodo nem escândalo, entre os risos dos adultos: os corpos “pavoneavam”.
Um rápido crepúsculo se teria seguido à luz meridiana, até as noites monótonas da
burguesia vitoriana. A sexualidade é, então, cuidadosamente encerrada. Muda-se
para dentro de casa. A família conjugal a confisca. E absorve-a, inteiramente, na
seriedade da função de reproduzir. (FOUCAULT, 2001, p. 9).
Toda a base de crítica foucaultiana se deita sobre a construção de uma ciência do sexo,
sob uma perspectiva científica e de repressão, estando o discurso sobre a sexualidade
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entrelaçado com as relações de poder. Dessa forma que este primeiro livro é gerado, a partir
de um relacionamento entre poder, sexualidade e saber.
O início de sua argumentação traz a imagem da moral vitoriana, sociedade que vive,
desde meados do século XVIII, com a sexualidade permeada pela hipocrisia, mudez e freios.
A família modelo conjugal incita o silêncio e se resume a sua função de reprodução para fins
de procriação, tudo que não tangesse as linhas de dentro desse modelo era visto como era
negado e jogado ao silêncio.
Ao exemplo das crianças, vistas como não detentoras de sexo, volta-se a incitação ao
silêncio e os olhos são vendados toda vez que a sexualidade fosse se manifestar. Esse
comportamento proibidor é trazido por Foucault como hipótese repressiva:
Isso seria próprio da repressão e é o que distingue das interdições mantidas pela
simples Lei Penal: a repressão funciona, de certo, como condenação ao
desaparecimento, mas também como injunção ao silêncio, afirmação da inexistência
e, consequentemente, constatação de que, em tudo isso, não há nada para dizer, nem
para ver, nem para saber. Assim mancharia, com sua lógica capenga, a hipocrisia de
nossas sociedades burguesas. (FOUCAULT, 2001, p. 10)
Foucault (2001, p. 17), chega a questionar se existiu mesmo uma ruptura entre a Idade
da repressão e a análise crítica da repressão, logo em seguida. Ao fazer esse questionamento,
temos que pensar que o filosófico não teve a intenção de refutar a existência da hipótese
repressiva e os reflexos dela, que remetem a termos como proibição, silenciamento, repressão,
censura. Mas criar uma crítica de que a ideia da história da sexualidade e do sexo se reduziu a
estes termos, dificultando a produção do saber.
instrumento de incitação. A partir disto, não se fala mais em perspectiva de restrição, mas
uma perspectiva de instigação, que fomenta o discurso produzindo o saber.
O poder possui uma eficácia produtiva, uma riqueza estratégica, uma “positividade”.
E é justamente esse aspecto que explica o fato de ele ter como alvo o corpo humano,
não para sucitá-lo, adestrá-lo. Não se explica inteiramente o poder quando se
procura caracterizá-lo por sua força repressiva. (2006, p. 172)
É-nos chamada a atenção para o sexo, para as técnicas que são usadas pelo poder e por
quais meios de discurso a sexualidade pode regular o indivíduo. Reiterando, Foucault nega a
interdição, pois, para ele, os termos negativos como silêncio e censura são uma produção
discursiva. Falando desses meios de discurso temos diversos exemples que apenas
intensificam a sexualidade. A igreja, por meio das confissões, já que até em pensamentos o
sexo é revelado; a literatura que traz o sexo detalhado, com exemplo no escritor Marquês de
Sade; a medicina em conjunto com a psiquiatria e o judiciário, ao estudar perversões; e a
própria racionalidade, que vê a “necessidade de regular o sexo por meio de discursos úteis e
públicos e não pelo rigor da proibição”. (FOUCAULT, 2001, p. 31).
Falando em racionalidade, podem ser citados outros variados exemplos que são
lembrados nesse primeiro título A Vontade de Saber, como controle de natalidade, economia
política da população, interditar o sexo das crianças, sexo adolescente como sendo um
problema público, demografia. A valorização do segredo em torno do sexo é uma
característica das sociedades modernas.
ginecomastos, mulheres disparêunicas, entre outros. Mesmo que já existissem, apenas agora
seriam pauta no discurso:
A identificação do indivíduo (é) foi feita, por muito tempo, com referência aos
vínculos que este tem com outros indivíduos (família, por exemplo). Em seguida, pelo
discurso que era capaz de criar sobre si mesmo, sua verdade. E nesse aspecto, de autenticação
do indivíduo, a confissão, já citada, é um instrumento usado pelo poder. Portanto, por um lado
temos a “interdição” (ou obrigatoriedade) de esconder o sexo, temos por outro o “dever” de
confessá-lo. Ao tratar da confissão, o autor traz desde uma codificação clínica do “fazer falar”
até a medicalização dos efeitos da confissão.
originam e cujo esforço geral ou cristalização institucional toma corpo nos aparelhos
estatis, na formalação de leis, nas hegemonias sociais. (1988, p. 102-103).
O poder é algo complexo e não se resumo em uma única ação ou força, porém este é o
ponto mais nebuloso dessa obra. Logo há uma tentativa de equilíbrio ao trazer uma construção
histórica de estratégias ligadas à sexualidade, como a histerilização do corpo da mulher, o
poder pedagógico do sexo da criança, condutas sociais de procriação e psiquiatria do poder
sobre perversões. Dois dispositivos são postos face a face, o da aliança e o da sexualidade. No
da sexualidade se tem toda uma estratégia de vigilância e no outro uma ligação direta com o
que é considerado lícito e tradicional.
Foucault (2001, p.139) apresenta, então, um conceito para sexualidade, como sendo
um conjunto de efeitos produzidos nos corpos, nos comportamentos, nas relações sociais, por
um certo dispositivo pertencente a uma tecnologia política complexa. O que ocorre na difusão
desse dispositivo é que o elemento repressor vai gerar uma separação de classes.
Quando a hipótese repressiva é refutada pelo filósofo, é por motivo de não ser o centro
de sua análise. Mas volta a aparecer quando se fala dessa difusão do dispositivo da
sexualidade, dizendo que a diferenciação social não se afirmará pela qualidade sexual do
corpo, mas pela intensidade de sua repressão (FOUCAULT, 2001, p.141). Repreende-se,
justamente, o que fora incitado. Surge uma nova organização sobre a vida, que podemos
chamar de biopoder, onde a sociedade normaliza a vida e o corpo. O dispositivo sexualidade é
o precursor para que questões como desejo e sexo fossem levantadas. E nesse contexto, o
filósofo usa a palavra “sexo” como propriamente da relação sexual.
Quer dizer que, o fato de que o desejo e as relações são frutos da construção social. Ao
final desse primeiro título sobre sexualidade, Foucault (2001) ainda diz não acreditar que, ao
se dizer sim ao sexo, se esteja dizendo não ao poder; ao contrário, se está seguindo a linha do
dispositivo geral da sexualidade.
Grécia Antiga. Logo em seguida entra a religião, representada pelo cristianismo alterando o
cenário quando faz a ligação entre o sexo e o pecado. O estudo genealógico do filósofo gira
em torno de como o indivíduo, homem ocidental, se tornou um sujeito de desejo.
No projeto inicial foi feita uma correlação entre campos de saber, exemplos de
normatividade e formas das quais o sujeito forma sua subjetividade. Já no segundo momento,
o foco é em como os sujeitos se reconhecem como sexuais. Enfatiza-se, porém, que o objetivo
não é uma descrição de condições práticas ou regras que representem o comportamento
sexual, mas sim uma investigação de como indivíduos se reconheceram como sujeitos
portadores de uma sexualidade. Portanto, a ênfase é em homens enquanto sujeitos sexuais
que produzem a história como é vista hoje.
O objetivo primordial foi estudar esse campo histórico vasto e complexo, onde
indivíduos dotados de moral são convocados a serem sujeitos morais da conduta sexual. E,
ainda, é questionado como houve a transição e transformação desse pensamento grego à
doutrina cristã. Esse título indica como o pensamento médico e filosófico, ao longo da
história, catalogou esse uso dos prazeres e formou temas severos sobre relações com o corpo,
com a esposa, com rapazes e com a verdade. Relacionado ao último se encontra a sabedoria,
ocorrendo um transpasse na ligação desejo e verdade pela sexualidade. Assim, começa-se a
compreensão da tríade foucaultiana saber-poder-prazer. (FOUCAULT, 2007)
Para o filósofo não há existência do sujeito sem noção de poder. A sexualidade, por si
só, é uma construção onde se entrelaçam a preocupação com a moral, com a ética e as
técnicas e as práticas em relação a si próprio. Assim o Uso dos Prazeres segue uma construção
a partir da interação de jogos de verdade com regras de conduta. Então, para os gregos antigos
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o ato sexual era visto como algo positivo. Já para os cristãos, era algo associado ao mal,
passaram a excluir uma série de atitudes ao verem a queda na infidelidade, homossexualismo
e na não-castidade. A partir daí, pregou-se uma abstenção, rigidez e respeito à interdição,
sujeitado o individuo ao requisito cristão em torno do sexo.
Em relação aos rapazes, havia inquietamento quanto ao uso dos prazeres. Os homens
gregos podiam escolher livremente entre qualquer dos sexos (gênero), pois o
homossexualismo era permitido pela lei e pela opinião pública, havendo uma grande
tolerância. Um dos únicos questionamentos existentes era em torno do relacionamento de
homens com idades diferentes, pois a passividade era mal vista no homem adulto, já,
supostamente, dotado de uma formação moral e sexual. A homossexualidade tinha seu papel,
também, na pedagogia, explica-se: a condução do aprendiz pelo mestre, o homem mais vivido
e sábio. Dentro da sociedade havia a homossexualidade, que estava ligada à corte, como uma
relação aberta, que configurava amor, já que sem a regulação de uma instituição, a conduta
estava na relação em si. O casamento era restrito ao espaço menos nobre.
2.1.3 O cuidado de si
Nessa referência délfica, segundo Foucault, não havia relação com fundamentos da
moral e nem com os deuses, pois para ir a Delfos, além de prudência, o indivíduo necessitava
lembrar-se que, sendo ser mortal, deveria conhecer a si mesmo. De forma que não devia
contar demais com sua própria força nem afrontar-se com as potências que são as da
divindade. Olhando por uma perspectiva histórica, coube, então a Sócrates estabelecer bases
para que a noção do cuidado de si tivesse espaço no campo filosófico (FOUCAULT, 1985)
Como citado anteriormente, a ideia de epimeleia heautou (ideia grega) foi usada como
base para a noção do cuidado de si. Esta ideia se referia a uma atividade geral, seria uma
forma de atenção, a forma como nos modificamos e purificamos para que possamos nos
transformar e transfigurar. Um conjunto de práticas e requisitos que funcionavam como
exercícios, que definiriam os destinos, quais sejam: da cultura, da filosofia, da moral e, ainda,
da espiritualidade ocidentais.
Enfim, com a noção de epimeleia heautou, tem-se todo um corpus definindo uma
maneira de ser, uma atitude, formas de reflexão, práticas que constituem uma
espécie de fenômeno extremamente importante, não somente na história das
representações, nem somente na história das noções ou das teorias, mas na própria
história da subjetividade ou, se quisermos, na história das práticas da subjetividade.
(FOUCAULT, 1985, p.15)
ainda o termo que surgia dos gregos, gnothi seauton, tão prestigiado em detrimento da
expressão epimeleia heautou.
conhecimentos. Pois, por um lado acaba por interrogar sobre as práticas discursivas que
articulam o saber e, por outro, sobre as relações múltiplas, estratégias e técnicas que articulam
o exercício dos poderes. Em um último momento, redireciona seu estudo, então, para as
formas e modalidades da relação consigo mesmo, por meio das quais o indivíduo se constituía
e se reconhecia como sujeito (FOUCAULT, p. 195). Basicamente, o sujeito deve conhecer a
si mesmo para que, assim, possa saber como modificar sua relação consigo mesmo e com os
outros, numa incessante busca pelo que é a verdade.
A partir do relato feito até o momento, relatando a genealogia do poder e sua relação
com o controle da sexualidade, percebe-se os processos denominado de normalização das
condutas. Na verdade, Foucault já vai perceber, a partir da sua obra A História da
Sexualidade, que a forma mais ‘fácil’ de controlar as pessoas era através do controle de seu
corpo, e vai demonstrar como isto aconteceu ao longo da história. Este controle do corpo e da
alma, da subjetividade vai impor um padrão de conduta socialmente aceitável, tornando
desviante os padrões de condutas e comportamentos que não se adequarem neste padrão.
Ao longo dos tempos as condutas são manipuladas sem que sequer percebamos. A
submissão aos instrumentos de poder é feita de forma silenciosa. Se trouxermos isso de forma
mais palpável temos o exemplo mais corriqueiro na sociedade contemporânea, que é a
invasão na vida dos sujeitos através das redes sociais. Não estar presente nesse meio pode
fazer com o sujeito seja considerado “fora do normal” e, até mesmo, excluído. Confrontamos
pelo consumo excessivo e a necessidade de cada vez maior visibilidade, nos flagramos com
uma reformulação das identidades como formas de assegurar princípios como inclusão e
exclusão, que são produtos do mercado (BAUMAN, 2008 apud SILVA, p. 3, 2012).
Enfim, apesar dos estudos sobre normalidade, não se define de forma definitiva um
conceito do mesmo. A genealogia dos anormais indica que, sobretudo após a configuração das
noções de normal e de anormal no seio do saber e das práticas da psiquiatria, enquanto poder,
é que será possível a difusão maciça das tecnologias do poder de normalização para todas as
outras instâncias da sociedade.
A constante busca pelo que tornou a identidade do sujeito o que é hoje e como o
processo histórico influenciou, e influencia, nesse processo é traço característico nos estudos
de Michel Foucault.
(...) todas estas lutas contemporâneas giram em torno da questão: quem somos nós?
Elas são uma recusa a estas abstrações, do estado de violência econômico e
ideológico, que ignora quem somos individualmente, e também uma recusa de uma
investigação científica ou administrativa que determina quem somos.
Em suma, o principal objetivo destas lutas é atacar, não tanto ‘tal ou tal’ instituição
de poder ou grupo ou elite ou classe, mas, antes, uma técnica, uma forma de poder.
Esta forma de poder aplica-se à vida cotidiana imediata que categoriza o indivíduo,
marca-o com sua própria individualidade, liga-o à sua própria identidade, impõem-
lhe uma lei de verdade, que devemos reconhecer e que os outros têm que reconhecer
nele. É uma forma de poder que faz dos indivíduos sujeitos. Há dois significados
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para a palavra ‘sujeito’: sujeito a alguém pelo controle e dependência, e preso à sua
própria identidade por uma consciência ou autoconhecimento. Ambos sugerem uma
forma de poder que subjuga e torna sujeito a. (FOUCAULT, 1995, p.235).
A sexualidade seria uma forma de buscar definir a identidade de quem somos, nossa
subjetividade. Quando o objeto sexo surge como produto do dispositivo, vão começar a serem
identificadas as práticas de suporte desse discurso, como os atos homossexuais, que apesar de
já existirem na história não eram definidos como uma “condição diferenciada”. Assim,
passam a categorizar grupos e indivíduos, variados sujeitos da sexualidade.
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Para Foucault não existe subjetividade e sim processos de subjetivação. Mas o que
seriam processos de subjetivação? Machado L. (1999: 214) esclarece: que
acreditamos ser nossa personalidade, nosso mais íntimo desejo, são expressões-em-
nós da história de nossa época. A própria necessidade de acreditarmos que temos
coisas que nos são particulares e que nos diferenciam do resto do mundo é uma
produção própria do momento que vivemos hoje. Nós somos atravessados por toda
uma complexa teia de aspectos desejantes, políticos, econômicos, científicos,
tecnológicos, familiares, culturais, afetivos, televisivos... Entretanto, cada um de nós
tem uma história de vida que é singular, mas que não é interior. (Souza; Machado;
Bianco, 2008, p. 20 – 21).
O que pode ser absorvido dos estudos de Foucault sobre o processo de construção da
identidade do sujeito é o fato desse processo ser um movimento além do que é visto em seu
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momento histórico. Pois sempre busca mostrar onde as forças de poder estão realmente
presentes, onde parece não existir dominação ou onde parece ser absoluta. Assim, temos as
práticas de liberdade, a renovação contínua do sujeito em sua identidade, que cria novas
singularidades e, logo, novas formas de pensar a vida e seus propósitos. Os conceitos
trabalhados em Foucault também não devem ser considerados estáticos, visto o trabalho
histórico e ligação íntima com as relações de poder, que são, na verdade, microrrelações
(PEZ, 2010, p.6).
A impossibilidade de ter uma perspectiva imediata de nossos corpos e das forças que o
moldam é crítica, porque nos é apresentado um leque de interpretações agradáveis sobre essas
forças, como elas podem ser positivas e convincentes buscando que melhoremos sempre, sem,
sequer, nos lembrarmos que é necessária uma discussão sobre isso, já que é considerado algo
da “normalidade”.
Desta forma, será o sexo biológico o definidor que pré determinará as expectativas
sociais e econômicas do sujeito, a partir das dicotomias masculino/feminino, também é
esperada a coerência entre corpo, comportamento, vestimenta, carreira profissional, gênero,
práticas sócias, entre outras. Deste modo, a partir do controle dos corpos, realizado por meio
das instituições que se prestam ao exercício do poder, como o direito, são estabelecidas as
determinações de gênero (SCOTT, 1990).
A partir da teoria de poder e dos estudos sobre sexualidade Foucault é que são
constituídas as atuais definições de gênero, como a de Joan Scott (1990), para quem este é a
organização social da relação entre os sexos, presentes em todas as relações sociais, em todas
as sociedades e épocas, sendo, portanto, atemporais e universais. É, de acordo com a autora,
tanto um elemento constitutivo das relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas
entre os sexos, quanto uma maneira primária de significar relações de poder, cuja construção
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apresenta três características principais: uma dimensão relacional, a construção social das
diferenças percebidas entre os sexos e um campo primordial onde o poder se articula.
A (i)legitimidade das condutas se torna cada vez mais evidente com o passar dos anos,
especialmente com a evidencia de que o ordenamento jurídico adotou um gênero em suas
normas, anormalizando condutas que não se encaixem perfeitamente. O grande clímax chega
quando a realidade evidencia que os corpos, na verdade, não são dóceis, e que a definição de
gênero é, como ensina Butler (2008), uma complexidade cuja totalidade é permanentemente
protelada, jamais plenamente exibida em qualquer conjuntura considerada, uma assembleia
que permita múltiplas convergências e divergências, sem obediência a um telos normativo e
definidor.
Como fonte de estudo, temos Judith Butler (2008), em sua obra Problemas de gênero:
feminismo e subversão da identidade, filósofa pós-estruturalista e considerada, também, pós-
feminista, faz os questionamentos sobre as noções de gênero e sexualidade, verdades prontas,
e, também, sobre o corpo, pois, para a autora, não existe corpo anterior ao choque cultural,
predeterminado, apenas como resultado biológico, mas sim produzido pelas mesmas
tecnologias discursivas que amparam sexos, gêneros e sexualidades.
Não se pode deixar de lado que em Foucault, Butler (2008) afirma que o sexo não
corresponde ao ambiente politicamente neutro sobre o qual a cultura se insere, mas que é um
resultado de discursos que expressam determinados interesses, sejam eles políticos e sociais.
Assim, a concepção de sexo como um dado natural/biológico é um efeito da construção
cultural de que devemos esperar certos comportamentos dos sujeitos, pois, só assim, seriam
adequados as regras sociais.
CONCLUSÃO
Saber a diferença entre os termos sexo e gênero é muito importante para que se possa
fazer uma desconstrução de discursos usados durante séculos. Esses discursos se limitam a
categorizar as diferenças em características anatômicas, estereótipos entre masculinidade e
feminilidade e, ainda, sobre papeis de gênero, o caráter domiciliar e familiar ligado ao
feminino, por exemplo.
Enfim, a pesquisadora Guacira Louro aponta que “serão sempre as condições histórias
específicas que nos permitirão compreender melhor, em cada sociedade específica, as relações
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de poder que estão implicadas nos processos de submetimento dos sujeitos” (1997, p. 53). A
construção da identidade de gênero é processo histórico, moldada pela época e pelas
microrrelações de poder a que está submetida, é um reconhecimento de si que o sujeito
carrega, sendo mais fácil modificar sua forma anatômica (sexo) do que sua constituição
psicológica (gênero).
Deste modo, do que depreende-se dos estudos de Michel Foucault, especialmente com
relação à sexualidade, é que ele ajuda a desmistificar os argumentos arcaicos mas ainda
existentes de que comportamentos de gênero e de sexualidade são atribuições naturais,
essenciais de cada ser humano. Não há essências, mas sim histórias, individualidades, corpos
e subjetividades construídas a partir de uma inserção histórica, perpassada por relações
patriarcais de poder. Com Foucault podemos dizer sim, que sexualidade e gênero não são
destinos naturais, mas construções históricas e sociais que diferenciam e discriminam as
pessoas. Do mesmo modo, permanece a esperança porque, enquanto construções culturais,
podem bem ser desconstruídas em prol da igualdade.
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REFERÊNCIAS
DINIZ, Francisco Rômulo Alves; OLIVEIRA, Almeida Alves de. Foucault: Do Poder
Disciplinar ao Biopoder. Disponível em:
<http://www.faculdade.flucianofeijao.com.br/site_novo/scientia/servico/pdfs/VOL2_N3/FRA
NCISCOROMULOALVESDINIZ.pdf>. Acesso em 20 out 2015.
_________. Os anormais. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
FONSECA, Márcio Alves da. Michel Foucault e a constituição do sujeito. 2ª ed. São Paulo:
EDUC, 2011.
FONSECA, Márcio Alves da. Foucault e o Direito. São Paulo: Max Limonad, 2002.
PEZ, Tiaraju Dal Pozzo. Pequena análise sobre o sujeito em Foucault: A construção de
uma ética possível. Disponível em: <www. uel. br/eventos/sepech/arqtxt/resumos-
anais/TiarajuDPPez. pdf>. Acesso em, v. 1, n. 07, p. 2010, 2010.
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. In: Mulher e Realidade:
mulher e educação, Porto Alegre: Vozes, v. 16, n. 2, jul./dez. 1990.