A despeito do sucesso da Revolução Russa de 1917, o novo governo soviético
encarou a difícil tarefa de controlar todos os setores da vida. Como outras indústrias, os sistemas da produção e distribuição cinematográficos levaram anos para se desenvolverem a um ponto aonde eles pudessem conseguir uma produção substancial que se adequasse aos anseios do novo governo. Apesar da indústria cinematográfica pré-revolucionária russa não figurar entre as proeminentes no mundo do cinema, existiam algumas companhias privadas de produção operando em Moscou e Petrogrado. Essas companhias resistiram à mudança feita logo após a Revolução nacionalizar todas as propriedades, inclusive as empresas privadas. Com a maioria das importações canceladas durante a guerra, tornava-se mais fácil realizar filmes para o mercado doméstico. Essas companhias cinematográficas simplesmente se recusavam a suprir filmes para os cinemas operando sobre o controle do governo. Em julho de 1918 a subseção para o cinema da Comissão de Educação do Estado manteve controle rígido sobre o fornecimento dos estoques de filme virgem. Como resultado, os produtores passaram a controlar seus estoques; muitos pegaram todo o equipamento que conseguiram e fugiram para outros países. Algumas companhias realizaram filmes encomendados pelo governo, enquanto esperavam que os Vermelhos perdessem a Guerra Civil e as coisas retornassem às condições pré- revolucionárias. A despeito da falta de equipamentos e das difíceis condições de sobrevivência, alguns jovens realizadores fizeram tentativas de mudança que iriam resultar no desenvolvimento de um cinema nacional. Dziga Vertov iniciou trabalhando em documentários de guerra; com vinte anos, foi posto no comando de todos os cine- jornais. Lev Kulechov, ensinando na recém-fundada Escola de Estado para a Arte Cinematográfica, realizou uma série de experiências com material de edição proveniente de diferentes fontes resultando em um conjunto que cria uma impressão de continuidade (nesse sentido, Kulechov foi talvez o mais conservador dos jovens realizadores soviéticos, já que basicamente tentava sistematizar princípios de edição similares às práticas de continuidade do cinema clássico hollywoodiano). Ainda antes deles se tornarem capazes de realizar filmes, os jovens realizadores estavam trabalhando na primeira escola de cinema do mundo e escrevendo ensaios teóricos sobre a nova forma de arte. Essa capacitação na teoria seria a base para o estilo de montagem. Em 1920 Serguei Eisenstein trabalhou brevemente em um trem carregando propaganda para as tropas na Guerra Civil; ele retornou nesse mesmo ano a Moscou para trabalhar no novo teatro dos trabalhadores, o Proletkult. Em maio de 1920 Vsevolod Pudovkin realizou sua estréia como intérprete em uma peça apresentada pela Escola de Cinema do Estado de Kulechov. Ele havia se inspirado para seguir a carreira na realização de filmes assistindo Intolerância de Griffith, que teve sua primeira exibição em grande circuito na Rússia em 1919. Os filmes americanos, particularmente os de Griffith, Douglas Fairbanks e Mary Pickford foram uma tremenda influência sobre os realizadores do emergente movimento soviético. Nenhum dos importantes realizadores do estilo de montagem eram veteranos da indústria pré-revolucionária. Todos vieram de outros campos (p.ex., Eisenstein da engenharia, Pudovkin da química) e descobriram o cinema em meio a efervescência da Revolução. Os realizadores estabelecidos que faziam filmes na Rússia dos anos 20 tendiam a serem fiéis às velhas tradições. Um diretor popular do período, Yakov Protazonov saiu do país por um certo período, porém voltou a fazer filmes cujo estilo e forma não deviam quase nada à teoria e à prática dos novos realizadores. O retorno de Protazonov coincidiu com o afrouxamento generalizado das restrições do governo sobre os negócios privados. Em 1921 o país estava vivenciando tremendas dificuldades, incluindo uma fome generalizada. Para facilitar a produção e distribuição de bens, Lênin instituiu a Nova Política Econômica (NPE) que, por poucos anos, permitiu o manejo privado dos negócios. Para o cinema, tal fato significou uma súbita reaparição de filme virgem e equipamento para os produtores que não haviam emigrado. Em 1923 o governo foi capaz de criar um monopólio soviético sobre a produção cinematográfica, através da nacionalização permanente da indústria. “De todas as artes, para nós o cinema é a mais importante”, Lênin constatou em 1920. Já que Lênin observava o cinema como um mecanismo poderoso para a educação, os primeiros filmes apoiados pelo governo foram documentários e cine- jornais como a série de cine-jornais Kino-Pravda (Cinema Verdade) de Vertov, iniciada em maio de 1922. Filmes ficcionais eventualmente os seguiram. Um filme georgiano de 1923, Red Imps foi o primeiro filme soviético a competir com sucesso com a predominância de filmes estrangeiros nas telas soviéticas (em 1924 somente 28,5% de todos os filmes exibidos na União Soviética eram de origem soviética; um ano depois essa estatística alcançava os 30%). O estilo de montagem soviético apresentou suas tentativas iniciais em 1924, com a turma de Kulechov da Escola de Cinema do Estado filmando As Extraordinárias Aventuras de Mr. West na Terra dos Bolcheviques. Esse delicioso filme, juntamente com o seguinte de Kulechov, O Raio da Morte (1925), demonstrava que os diretores soviéticos podiam aplicar princípios de montagem em divertidas sátiras ou excitantes aventuras comparáveis ao produto de Hollywood. O primeiro longa-metragem de Eisenstein, A Greve (1924), foi lançado somente nos idos de 1925 e iniciou propriamente o movimento. Seu segundo filme, Potemkin, lançado posteriormente em 1925, chamou a atenção de outros países para o novo movimento. Nos próximos anos Eisenstein, Pudovkin, Vertov e o ucraniano Alexander Dovjenko, criaram uma série de filmes que são clássicos [referenciais] pelo estilo de montagem. Eisenstein havia escrito: “Nós todos chegamos ao cinema soviético quando ele era ainda inexistente. Nós não nos deparamos com nenhuma cidade construída.” Os escritos teóricos e a prática de filmagem desses diretores era baseada na montagem. Todos eles declaravam que um filme não existe em seus planos individuais, porém somente em sua combinação em um todo, através da montagem. Nós devemos lembrar que desde o cinema primitivo, nenhum estilo nacional de cinema que havia aparecido fora dependente do plano longo; os grandes filmes que inspiraram esses realizadores soviéticos, como Intolerância, foram maciçamente baseados em justaposições de montagem. Nem todos dos jovens teóricos concordavam exatamente sobre como essa montagem era para ser realizada. Pudovkin, por exemplo, acreditava que os planos eram como tijolos, para serem unidos construindo uma seqüência [necessitavam ser unidos para construir uma seqüência]. Eisenstein discordava, dizendo que um efeito maior poderia ser conseguido se os planos não fossem dispostos juntos de forma perfeita, mas sim se eles criassem um sobressalto no espectador; ele também concordava que a justaposição de planos criava um conceito, como já vimos com sua técnica de “montagem intelectual”. Vertov discordava de ambos, defendendo um “cinema-olho” próximo de registrar e ordenar a realidade documental. Nós já observamos exemplos de montagem soviética em nossa análise de uma seqüência de Outubro, no cap.7. Tempestade Sobre a Ásia (1927), de Pudovkin, proporciona uma comparação. Em uma cena, um oficial britânico (como um representante imperial na Mongólia) e sua esposa, vestidos em elegantes trajes, participam de uma cerimônia em um templo budista. Pudovkin interconectou planos do casal e seus acessórios com planos da preparação no templo. Pelo uso da montagem, Pudovkin cria um paralelismo que aponta o absurdo dos rituais britânicos. Outros exemplos famosos do estilo de montagem soviético nesse filme são o momento em que o herói cai sobre um tanque de peixes (sendo a queda restituída com muitos planos fechados de várias fases da ação) e a “tempestade” final, com montagem acelerada conduzindo a implacável devastação das tropas mongóis. A aproximação soviética da forma tornou-o destacado do cinema de outros países. As narrativas dos filmes soviéticos tendiam a minimizar a psicologia dos personagens enquanto motivo; pelo contrário, as forças sociais forneciam os principais motivos. Os personagens tornavam-se interessantes pelo modo que essas causas sociais afetavam suas vidas. Nós já mencionamos (no capítulo 4) que os filmes do movimento de montagem soviético nem sempre possuíam um protagonista individual; que grupos maiores podiam formar um herói coletivo, como nos filmes de Eisenstein antes de O Velho e o Novo. Ao seguirem o princípio de não enfatizar as personalidades individuais, os realizadores soviéticos freqüentemente evitavam atores reconhecidos, preferindo procurar amadores para a escolha do elenco. Essa prática foi chamada de “tipagem”, já que os realizadores buscavam indivíduos cuja aparência parecia ser conveniente ao tipo de personagem que ele ou ela interpretava. Exceto pelo herói, Pudovkin utilizou amadores para interpretar todos os mongóis em Tempestade Sobre a Ásia. Por volta do final dos anos 20, cada uma das figuras de proa do movimento haviam feito cerca de quatro filmes importantes. O declínio do movimento não foi causado, prioritariamente, como na Alemanha e na França, por fatores industriais e econômicos. Antes de tudo, as pressões políticas do governo exerceram um forte controle que desencorajava a utilização do estilo de montagem. Pelo final dos anos 20, Eisenstein e Dovjenko foram criticados por sua tendência excessivamente formal e “esotérica”. Em 1929 Eisenstein foi a Hollywood estudar as novas técnicas do som; na época de seu retorno, em 1932, a atitude da indústria cinematográfica havia se modificado. Enquanto ele estivera fora, alguns jovens realizadores levaram suas experiências com a montagem para o cinema sonoro, no princípio dos anos 30. Porém as autoridades soviéticas, sobre a direção de Stalin, encorajaram os realizadores a criarem filmes simples que pudessem ser compreendidos com facilidade pelas grandes platéias; qualquer experimentação estilística ou temática não realista era criticada ou censurada. Essa tendência culminou em 1934, quando o governo instituiu uma nova política para as artes chamada Realismo Socialista. Essa ditava que todos os trabalhos artísticos deveriam descrever o desenvolvimento revolucionário através de princípios firmados no “realismo”. Os grandes diretores soviéticos continuaram a realizar filmes, ocasionalmente obras-primas, porém os experimentos com a montagem dos anos 20 foram descartados ou transformados. Eisenstein continuou seu trabalho sobre montagem, porém ocasionalmente se deparando com a ira das autoridades até sua morte em 1948. Como movimento, o estilo de montagem soviético pode ser dado como morto por volta de 1933, com o lançamento de certos filmes como Entusiasmo (1931) de Vertov e Desertor (1933) de Pudovkin.
Tradução extraída do livro Film Art- An Introduction, de David
Bordwell/Kristin Thompson, Nova York, Knopf, 1986.