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HILL, Christopher. O Mundo de Ponta-Cabeça.

Companhia A obra de Christopher Hill, O mundo de ponta cabeça, no seu


das Letras, 1987. capítulo 2 em tela mostra como estava a Inglaterra antes de se
iniciar a revolução. É nítido as tensões ocasionadas pelas
1-Credenciais da Autoria John Edward Christopher Hill, medidas da corte. Tal embate foi sumamente relevante para o
historiador inglês, nasceu no dia 6 de fevereiro de 1912. desenrolar deste processo. “O pano de fundo” inglês, isto é, o
Lecionou em Oxford onde desenvolveu seus estudos sobre a momento de transformação, no âmbito da política (sai a
Revolução Inglesa, a Guerra Civil e da Era de Oliver Cromwell. dinastia Tudor e entra a Stuart), no setor econômico (com o
Dentre seus ensaios pode-se destacar: “Os Eleitos de Deus”, advento ou, com o germe do capitalismo) e, porque não dizer
“O Mundo de Ponta-Cabeça”, “Origens Intelectuais da também no seio religioso (declínio do catolicismo e emergir de
Revolução Inglesa”, entre outras obras. Suas formulações e, seitas) fez com que a classe popular ao sofrer as maiores
ou, suas concepções à de um grupo de historiadores marxistas consequências dessas políticas de monopólio, com o
ingleses dos quais se pode mencionar Eric Hobsbawn e desenvolvimento do capitalismo, além de vítimas de política de
Edward Palmer Thompson. É válido ressaltar neste contexto cerceamentos das propriedades viessem a ser temido por
que ele foi militante do partido comunista britânico. Veio a esses grupos dominantes.
falecer em 23 de fevereiro de 2003 aos 91 anos.
É perceptível isso quando “antes de começar a guerra civil,
Capítulos esses intitulados O Pergaminho e o Fogo, Homens Carlos I advertira aos partidários do parlamento quanto ao
sem Senhor, Seekers e Ranters, bem como também Ranters e perigo de que, ‘finalmente, o povo comum’, pudesse ‘proclamar
Quacres. Neste diapasão, ainda conforme as formulações do as suas pretensões, chamar e de liberdade à paridade e a
historiador Hill, em A Revolução Inglesa de 1640, “o independência, destruir todos os direitos e propriedades…’. ”.
parlamento venceu o rei porque pôde apelar para o apoio (p.41). Nessa ordem de ideias, o embate provocado por essas
entusiástico das classes mercantis e industriais na cidade e no distinções, por esses choques de interesses fazia com que os
campo, para os pequenos proprietários rurais e a pequena parlamentares e os realistas, representando então, às duas
nobreza progressiva e para as massas mais vastas da classes antagônicas (se bem que o termo não corresponde
população, sempre que, pela livre discussão, estas se bem quanto a essas duas forças, haja vista que ambas não
tornavam capazes de compreender as causas reais da luta. ” modificaram estrutura social quando tiveram no poder),
(HIL, 1977: 11-12). Partindo desse ponto, fica claro o jogo de temessem que o povo viesse a compor uma terceira força.
interesses que permeou todo o desenrolar da Revolução
Inglesa e, que será analisado nos capítulos já mencionados. Dentro deste contexto ainda é válido frisar as diversas
Antes de adentrar diretamente nesses capítulos, faz-se concepções no seio religioso, concepções estas oriundas das
necessário então entender a conjuntura política da Inglaterra, classes baixas, do povo comum. Tais ideologias professadas
bem como também as mudanças econômicas pela qual ela por eles encontraram eco no sistema social vigente. Esses
vinha passando, haja vista que a partir disso e, ou, das grupos podem ser relatados a partir dos familistas, ou como
situações oriundas dessas questões que permitem que alguns costumam chamar de Família do Amor, denominações
entendamos as lutas, os choques de interesses entre os estas que, para o clero, enquadrava-se no campo das
grupos dominantes (o rei, a aristocracia e a religião), os que heresias. Se assim for, faz-se necessário que percebamos que
queriam compor o setor de predominância, seja ela política, tais ensinamentos, em especial a do familismo que
econômica e, ou, religiosa (o parlamento) e, claro, as massas compreende certo grau de ceticismo das classes baixas, a uma
camponesas que almejavam uma situação que atendessem as forma de pensamento que não comungava com as pretensões,
suas necessidades, massas essas que eram os setores da com as doutrinas pregadas pelo clero. Diante desse ponto,
sociedade que mais sofriam com o sistema de governo. surgem denominações às classes inferiores vindas exatamente
O próprio Hill, ainda tomando como base a sua obra A das corporações dos sacerdotes, se estendendo, dessa forma,
Revolução Inglesa de 1640, afirma ao discorrer os interesses para o campo sócio-político. Para que possamos entender a
das classes em disputa pelo controle político que, a revolução dimensão de tais propensões como às formuladas pela Família
foi um conflito não só no âmbito da política, mas também no do Monte que tinha ideias mais agitada, mais complexas, faz-
setor econômico e religioso que a priori, foi e, ou, teve a se necessário que relatemos aqui: “dos seus membros diziam-
iniciativa de uma classe que vinha se desenvolvendo a medida se que recusavam a rezar e que negavam a ressurreição do
que o capitalismo (ou como alguns historiadores costumam corpo. Punham em dúvida que existisse céu ou inferno
dizer) a forma primitiva de acumulação de capital vinha se separados dessa vida: céu é quando homens riem e estão
ampliando e que, para satisfazer os seus anseios não viam o alegres, inferno é pesar, pena e dor”. (p.44).
poder então implantado, ou melhor, passam a vislumbrar que
para alcança-lo fazia-se necessário uma dissolução do governo Ora, é preciso que tenhamos em mente que tais discursos
real. No entanto, é válido frisar que os setores mais sofridos dessas classes baixas (em termos de poder econômico e
com as medidas desempenhadas pelo sistema feudal, ou político) não eram simplesmente discursos religiosos, uma vez
melhor, pelo governo real inglês tanto na Dinastia Tudor, bem que só podemos compreender essas propensões religiosas se
como na Stuart foram usadas pelas classes em disputa pelo considerarmos o momento pelo qual a Inglaterra vinha
poder, a burguesia por um lado e o governo real por outro. Se passando. Tal embate é sumamente relevante para
assim for, não irei tecer as formas dessa utilização do povo desmistificar e, para não chegarmos ao ponto de afirmar
como um todo, uma vez que não é o objetivo desse ensaio. erroneamente que as agitações mencionadas anteriormente
Mas que possamos entender a presente situação é preciso era uma luta de cunho essencialmente religiosa. O teor era
discorrer que ambos os setores se valeram dos grupos mais religioso, mas o pano de fundo tinha pressupostos políticos.
sofridos, não porque lutavam para favorecer os seus Assim, as diversas doutrinas como as evidenciadas pelo Hill,
interesses, isto é, o do povo, haja vista que os grupos ao qual “havia uma tradição familistas, segundo ao qual cristo estava
representavam eram, evidentemente, outros. Como bem afirma presente em cada fiel; havia a tradição separatista de oposição
o Hill, fazendo alusão a monarquia de Carlos I que o setor ao a uma igreja oficial, aos dízimos que sustentavam os seus
qual ele defendia não era o povo, mas “representava os nobres ministros e ao sistema de clientela que assegurava a classe
proprietários de terras, e a sua política era influenciada por um dominante o direito de nomear os sacerdotes”. (p. 51 – 52). No
clique de corte...” (HIIL, 1977: 16). O mesmo pode-se dizer da decorrer de todo o processo da revolução tais ideias foram
burguesia. Percebe-se, então, que a partir desse conjunto propagadas por esses setores, ideias essas que partia da
emerge diversas ideologias que irão incomodar os que queriam religião e desembocaria no campo político em busca de seus
a permanências de seus privilégios e, que tomando isso como interesses.
base passa a elaborar seus próprios discursos.

3 — O Pergaminho e o Fogo

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