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Posteriormente, contudo, ele próprio aponta a moral laica, em que “se proíbe
qualquer empréstimo às religiões reveladas”, como falhas, pois “esta moral [...] parece ter
perdido a sua ‘força’. ‘Empobrecida, descorada’, ela ministra uma educação moral sem
prestígio de vida’”. Ele justifica a “impotência para o cumprimento de seu papel” no fato de
que “falta ao educador ‘aquilo que o levantava acima dele próprio e lhe comunicava um
suplemento de energia’”, característico da religião, e que seria preciso, então, substituir, não
apenas suprimir. Assim, “para funcionar como cimento de uma nova sociedade, a moral deve
revestir-se de uma aura religiosa”. Para tal, dedica-se à redação das “Formas Elementares da
Vida Religiosa”. Ele vê, por fim, a “necessidade [...] da permanência da ‘religião’, [...] uma
religião que não repita simplesmente as religiões do passado e, sobretudo, que não pretenda
anular a progressiva e definitiva investida triunfante da ‘razão’”. Essa “religião do futuro”,
um misto de religião e ciência, ou melhor, uma “religião positivista”, que teria certas
peculiaridades apontadas por ele.
O segundo aspecto é de que, sendo “ação” e “vida”, são, antes de mais nada,
“coletivas”; trata-se da “coletividade”. Os elementos dessa coletividade (“ideações”,
“consciência”, “representações”), quando de fato coletivos, “precedem o indivíduo e impõem-
se a ele”, porém são essenciais à sua vivência. “Deus sive societas”, Deus ou sociedade; tal
equiparação aponta ambos como “não somente uma autoridade de que dependemos, [mas]
também uma força sobre a qual se firma nossa força”. Ele vê a necessidade do “símbolo”, na
medida em que “a vida social [...] não é possível senão graças a um vasto simbolismo; [...]
nasce então um universo-para-o-homem, além daquilo que o universo ‘é’”, ou seja, os
símbolos, apontados como o que está entre deus e a sociedade, seriam “representações
coletivas [que] fazem existir o universo, ‘acrescentando’ à sua materialidade [...] uma
dimensão ‘delirante’, que [...] confere às coisas uns ‘poderes que agem como se fossem reais
e determinam a conduta do homem com a mesma necessidade de forças físicas’”. O
“sagrado” seria um objeto em que a força religiosa se fixa, e que seria uma qualidade
“superacrescentada”, investida pelos processos “ideais” (chamado de “idealismo temperado”).
Desse acréscimo vê-se a origem da hierarquização das coisas, uma escada que vai desde o
“sagrado” até o “profano”.
O quarto ponto a ressaltar é o “rito”. Para o autor, trata-se de “um tipo particular de
ações sociais, [instaurado] no coração do fenômeno religioso”. Os ritos são responsáveis por
“reavivar recorrentemente o acesso criador e coletivo à emergência do sagrado, quando o
grupo ‘exalta-se acima de si próprio’, [...] terão de assegurar em permanência ‘o
renascimento parcial e enfraquecido da efervescência das épocas criadoras’”. Acerca disso,
ele aponta a igreja como “administradora do sagrado”, na medida em que possui
“potencialidade de permanência trans-histórica e [...] aderências pesadamente sócio-
históricas”.
No quinto ponto, aponta o rito como “uma coleção dos meios pelos quais a fé se cria
e se recria periodicamente; [...] não diz respeito somente ao culto, mas ao complexo inteiro
de crenças, sentimentos, emoções, gestos, que se constituem em emergência social do
sagrado. A religião é fato social”. O rito seria uma forma de a sociedade se expressar, falar
de si, se fazer e se refazer enquanto sociedade. Disso pode-se concluir que a “sociedade
perecerá se ela não gestar uma ‘religião’ que seja a sua. Pois uma sociedade não emerge
simplesmente da natureza, [...] nem nasce da coleção de indivíduos que a compõem. Mas
existe constituindo-se em supersociedade, imagem ‘ideal’ dela própria, que paira acima dela,
a define e a faz subsistir”. É possível ver, assim, uma ultrapassagem ao positivismo, na
medida em que não se atém unicamente a um processo puramente lógico, empírico, mas se
lança na investigação dos símbolos, do sagrado; chega a ousar tanger o pensamento social, e
leva o mesmo a se equiparar ao real. Disso, fala que “o pensamento social acrescenta ao real
ou subtrai-lhe parte dele próprio”. Dá, então, um novo sentido ao sagrado – “ele é
superacrescentado ao real”.
Disso tudo, pode-se ver que o pensamento de Durkheim vai além de manter coesa a
sociedade, de mantê-la em estado de nomia, “mas, mais radicalmente, de proporcionar a um
grupo de homens a condição fundamental para que, ultrapassando a simples soma do seu
número, possam conhecer o laço social”. Nesse sentido, ele aponta o influxo de surgimentos
e rupturas, de “nascimentos” e “mortes”, tanto dos sagrados quanto das sociedades por eles
sustentados.
Uma possível falha no pensamento aqui exposto é de que sua teoria se baseou
unicamente na reflexão acerca do comportamento de uma única tribo australiana – “A
explicação da natureza e da origem da religião por parte de Durkheim foi duramente criticada
por alguns eminentes etnólogos. Goldenweiser salientou que as tribos mais simples não têm
clã nem totem” (MONDIN, 1980, p. 239)1, é muito impreciso tal generalização de todo ser
humano.
1
MONDIN, Battista. O homem, quem é ele: Elementos de Antropologia Filosófica. 1.ed. São Paulo:
Paulinas, 1980.