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Sistemas de Transmissão Automotivos

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Daniel Martins e Humberto Reder Cazangi

7 de junho de 2004

1 Professor Adjunto – Departamento de Engenharia Mecânica – Universidade


Federal de Santa Catarina
2 Pesquisador – Departamento de Engenharia Mecânica – Universidade Federal

de Santa Catarina
2 SUMÁRIO

3.4 Diagrama Estrutural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50


Lista de Figuras

1.1 Exemplo de curvas caracterı́sticas de um motor (1). . . . . . . 8


1.2 Diagrama de tração de um motor de combustão interna (1). . 9
1.3 Diagrama de tração de um motor de combustão interna com
transmissão de 4 marchas (1). . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
1.4 Parábola dos valores caracterı́sticos de distância entre centros
a relacionados ao torque de saı́da T2 para transmissões de 2
estágios (1). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
1.5 Curva de valores caracterı́sticos de massa mG para transmissões
com carcaça de ferro (ρ = 7.3kg/l) em função do torque de
saı́da T2 e do número de marchas z (1). . . . . . . . . . . . . . 14
1.6 Curva de valores caracterı́sticos da tendência de preços de
venda relativos RSP a uma transmissão referência (RSP =
1,T1 = 200N m, z = 5 e iG,max = 3.85) (1). . . . . . . . . . . . 15

2.1 Estrutura das relações de transmissão existentes em um Trem


de Potência de um veı́culo comercial (1). . . . . . . . . . . . . 18
2.2 Faixa de velocidades abrangidas com e sem transmissão (1). . 19
2.3 Esquema do acoplamento por fricção de uma embreagem (1). 20
2.4 Valores de referência da relação total iG,tot para diversos tipos
de veı́culos (1). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
2.5 Seleção de iA,min para automóveis em três condições de pro-
jeto: 1)ótimo, 2)sobre-rotação e 3)sub-rotação. O excesso de
potência PZ,Ex e as rotações do motores associadas nM são
baseados em v = 170 km/h (1). . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
2.6 Diagrama v/nM de um trem de potência de 8 marchas para
ônibus com motor a diesel (1). . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
2.7 Diagrama Velocidade/Rotação do Motor utilizando a divisão
geométrica entre as relações (1). . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
2.8 Diagrama Velocidade/Rotação do Motor utilizando a divisão
progressiva entre as relações (1). . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

3
4 LISTA DE FIGURAS

3.1 Modelo mais simples de trem de engrenagens (2). . . . . . . . 36


3.2 Vista de um sistema de sincronização de velocidades (anel sin-
cronizador + garfo) (1). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
3.3 Vista de um par de engrenamento deslizante atuado por um
garfo (1). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
3.4 Exemplo de trem de engrenagens serial (2). . . . . . . . . . . . 39
3.5 EGT simples (3). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
3.6 EGT completo (3). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
3.7 Exemplo de EGT (3). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
3.8 CVT de polias cônicas (4). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42
3.9 CVT de cavidade toroidal completa (4). . . . . . . . . . . . . 42
3.10 CVT de cavidade toroidal pela metade (4). . . . . . . . . . . . 42
3.11 Esquema de um trem de engrenagens serial. . . . . . . . . . . 44
3.12 Trem Serial: Primeiro fluxo de torque. . . . . . . . . . . . . . 44
3.13 Trem Serial: Segundo fluxo de torque. . . . . . . . . . . . . . . 45
3.14 Trem Serial: Terceiro fluxo de torque. . . . . . . . . . . . . . . 45
3.15 Trem Serial: Quarto fluxo de torque. . . . . . . . . . . . . . . 46
3.16 Esquema de um trem de engrenagens epicicloidal simples. . . . 47
3.17 EGT: Primeiro fluxo de torque. . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
3.18 EGT: Segundo fluxo de torque. . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
3.19 EGT: Terceiro fluxo de torque. . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
3.20 EGT: Quarto fluxo de torque. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
3.21 Trem de engrenagens serial de 3 estágios. . . . . . . . . . . . . 50
3.22 4 configurações possı́veis para o trem de engrenagens serial de
3 estágios (7). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
Lista de Tabelas

1.1 Ciclo de vida B10 padrão para veı́culos em diferentes condições


de operação (1). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 12

2.1 Coeficiente de atrito estático µH para pneus novos em su-


perfı́cies de asfalto (1). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

3.1 Determinação de p e q para aproximar x. . . . . . . . . . . . . 34


3.2 Determinação de p e q para aproximar x = 0.725. . . . . . . . 35

5
6
Capı́tulo 1

Motivação

1.1 Necessidade da transmissão


Os automóveis dotados de motor de combustão interna deslocam-se uti-
lizando a potência P gerada pelo motor que é levada até suas rodas e con-
seqüentemente é transmitida ao solo sob a forma de tração Fz . No instante
em que é dada a partida, o motor utiliza a potência gerada para vencer sua
inércia e estabilizar seu funcionamento. Em plena atividade, o motor deve
ser capaz de disponibilizar potência suficiente para superar as resistências
mecânicas (rolagem, arrasto aerodinâmico, inércias e eficiências), as cargas
solicitadas pelo terreno e ainda movimentar o veı́culo à velocidade adequada.
Cada motor tem determinada capacidade de gerar potência e torque de
acordo com a rotação n. Na Figura 1.1, este comportamento é traduzido em
duas curvas caracterı́sticas principais: Curva de Potência e Curva de Torque.
A Curva de Potência é baseada no carregamento total (100% de carga
no acelerador) tendo por ápice a potência máxima Pmax , também conhecida
como a potência nominal Pn . A Curva de Torque também é baseada no
carregamento total e distingue o torque máximo Tmax do torque nominal Tn
(torque à potência máxima). Além destas curvas, a Figura 1.1 traz ainda um
adicional que é a Curva de Torque Resistivo que representa as resistências
ao deslocamento do veı́culo.
Utilizando a potência máxima Pmax disponı́vel em um motor de com-
bustão interna em toda a faixa de velocidade v têm-se a chamada “hipérbole
de tração ideal” e acrescentando a eficiência da transmissão ηtot têm-se também
a “hipérbole de tração efetiva” que são obtidas através das eq. (1.1) e eq.
(1.2).

Pmax
Fz,Aid = , (1.1)
v

7
Curva de Potência
P max

P(T max )

T max
Tn

Curva de Torque

Torque Resistivo
n min n( T max ) nn n max

Figura 1.1: Exemplo de curvas caracterı́sticas de um motor (1).

Pmax
Fz,Ae = .ηtot . (1.2)
v
Plotando as hipérboles com a consideração de que há uma tração máxima
suportada entre o pneu e o solo (limite de adesão) e sobrepondo a “curva de
tração disponı́vel no motor” como na Figura 1.2, pode-se verificar que a maior
parte do potencial existente não é utilizado.
Desta forma, há a necessidade de empregar artifı́cios que permitam apro-
veitar todo o potencial disponı́vel. Este ponto fundamenta a aplicação de sis-
temas de variação de velocidade nos veı́culos. Na Figura 1.3 pode-se observar
o efeito provocado pelo aumento no número de marchas (4 neste exemplo),
onde a região de “tração efetiva” é melhor interpolada e explorada.

8
Limite de Adesão

                   

                   

Tração Ideal
                   

                   
Tração Fz

                   

      

Tração Efetiva
            

                   

                   

                   

                   

                   

Tração Disponível no Motor


                   

Velocidade v

Figura 1.2: Diagrama de tração de um motor de combustão interna (1).


Limite de Adesão

                   

                   

Tração Ideal
                   

                   
Tração Fz

                   

                   

1a marcha
                  

                   

  

2a marcha
        
Tração Efetiva
       

                   

    
3a marcha
              

4a marcha
Tração Disponível (Motor+Transmissão)
                   

Velocidade v

Figura 1.3: Diagrama de tração de um motor de combustão interna com


transmissão de 4 marchas (1).

9
Como salientado anteriormente, outra desvantagem do motor de com-
bustão interna é que este precisa vencer suas próprias resistências e estabilizar
seu funcionamento antes de disponibilizar potência às rodas. Isto fica evi-
dente na Figura 1.3 na estreita faixa hachurada anterior à região de tração
disponibilizada pelo sistema motor e transmissão. A presença desta faixa
justifica a necessidade de um sistema de desacoplamento entre o motor e a
transmissão, como p. ex. um conversor de torque ou uma embreagem, para
desacoplar o motor durante o perı́odo de partida e equilı́brio de seu trabalho.
A introdução do sistema de transmissão entre o motor e as rodas permite
o controle da entrega de potência ao veı́culo de acordo com as necessidades
de potência e torque.
O sistema formado pela adição do sistema de transmissão ao motor, cha-
mado trem de potência, permite o controle da entrega de potência e torque
ao veı́culo de acordo com a demanda, sendo as variações de comportamento
enumeradas de acordo com a quantidade de marchas disponı́veis.
Como visto, o número de marchas está relacionado à discretização do
comportamento do motor, ampliando sua faixa de trabalho. Ocorre que
para cada marcha o trem de potência exprime um comportamento diferente,
abrangendo uma área mais ampla de trabalho com condições de torque e
rotação caracterı́sticos e independentes das outras marchas. Quanto melhor
discretizado for o comportamento do motor, ou seja, maior o número de
marchas, melhor será o comportamento do veı́culo, uma vez que os gastos
energéticos (combustı́vel) serão menores. Isso acontece em virtude das mar-
chas serem mais adequadas às circunstâncias envolvidas. A condição mais
favorável é a de uma transmissão com tantas marchas que a curva de tração
disponı́vel seria confundida com a curva de tração efetiva, fato que ocorre
com as transmissões continuamente variáveis no intervalo de velocidades su-
portado.
Resumidamente, o sistema de transmissão é composto por um mecanismo
variador de velocidades, um conversor de torque e um sistema de controle
(interface com o usuário) e tem como funções principais:

• Permitir ao veı́culo partir de seu estado parado em diferentes condições


(plano, aclive, etc.);

• Permitir ao veı́culo parar, com o motor em funcionamento;

• Desconectar o motor das rodas durante as trocas de marchas;

• Permitir ao veı́culo mudar bruscamente de condição de funcionamento


(do plano para uma subida ı́ngreme);

10
• Ampliar a faixa de trabalho dos motores, abrangendo melhor suas cur-
vas caracterı́sticas;

• Permitir ao veı́culo movimentar-se no sentido oposto, ou seja, marcha-


à-ré;

• Variar a relação de transmissão entre o motor e as rodas do veı́culo;

• Multiplicar o torque do motor conforme necessário.

1.2 Caracterı́sticas principais de um projeto


de transmissão
As transmissões, bem como a maioria dos produtos, devem ser proje-
tadas para suprir as necessidades dos consumidores. Para tanto, existem
caracterı́sticas fundamentais para o sucesso de um projeto de transmissão:

• preço de venda;

• eficiência;

• confiabilidade;

• facilidade de operação;

• baixo peso;

• baixo nı́vel de ruı́do.

O desenvolvimento de uma transmissão deve atender a estes atributos


para tornar-se competitivo no mercado. Lechner e Naunheimer (1) apresen-
tam algumas formas de estimar parte destas informações básicas a partir do
estudo das transmissões já existentes, como está demonstrado na seqüência
deste texto.

1.2.1 Confiabilidade
O ciclo de vida B10 de uma transmissão dependente do tipo de veı́culo a
qual será empregada. É interessante ressaltar que um pequeno aumento na
robustez do projeto produz um efeito bem maior no ciclo de vida da trans-
missão, sendo a confiabilidade um dos requisitos mais importantes também
quanto à questão custo x benefı́cio. Na Tabela 1.1 pode-se verificar os princi-
pais ciclos de vida para veı́culos em diversas condições de operação. O estudo

11
Condições de operação Ciclo de vida B10 [km]
Carros de passeio ≥ 150.000
Caminhões
Todo terreno ≥ 300.000
Tráfego urbano ≥ 400.000
Longas distâncias ≥ 800.000

Tabela 1.1: Ciclo de vida B10 padrão para veı́culos em diferentes condições
de operação (1).

da confiabilidade é muito importante e leva em consideração diversos fato-


res como: tipo de carregamento, modelo da transmissão, estilo de direção,
confiabilidade de cada componente, materiais utilizados entre outros.

1.2.2 Valor caracterı́stico a: distância entre centros de


uma transmissão
A distância entre centros a é o principal parâmetro no pré-projeto de
uma transmissão, pois através de seu conhecimento aliado ao torque de saı́da
T2 é possı́vel estimar a dimensão total da transmissão. A distância entre
centros é determinada pelo par de engrenamento com a maior relação de
transmissão iG,max . Através de estudos realizados com diversas caixas de
transmissão comerciais de 2 estágios foi possı́vel avaliar a eq. empı́rica (1.3)
que estima uma relação considerada ótima entre a [mm] e T2 [Nm]. Foi
plotado um gráfico para uma região factı́vel das variáveis relacionadas que
pode ser observado na Figura 1.4, ressaltando o comportamento da curva
indicando que a tende a variar menos quanto maior a capacidade de torque
da transmissão.

a = 60 + 2.08 ∗ T20.44 . (1.3)


Atenta-se ao fato desta estimativa valer apenas para um pré-projeto, ca-
bendo o detalhamento completo durante o desenvolvimento do projeto.

1.2.3 Valor caracterı́stico mG : massa de uma trans-


missão
A massa mG de uma transmissão é outro parâmetro fundamental no pro-
jeto da transmissão, pois influi diretamente no comportamento dinâmico do
veı́culo durante sua operação. Quanto menor a interferência da transmissão,
em funções não relacionadas a esta, melhor para o desempenho global do

12
veı́culo. Bem como a distância entre centros a, também foi gerada uma eq.
empı́rica (1.4) que descreve a relação entre mG , torque de saı́da T2 e o número
de marchas z de uma transmissão. A equação é baseada no estudo de di-
versas transmissões com carcaça de ferro existentes e seus parâmetros, sendo
gerada a melhor curva admissı́vel (Figura 1.5).

mG = 0.49 ∗ T20.58 ∗ z 0.29 . (1.4)


As informações contidas na Figura 1.5 possibilitam antecipar o peso de
uma transmissão já idealizada com torques, número de marchas e relação de
transmissão total. Além disso, também é possı́vel avaliar o grau de competi-
tividade de uma transmissão já existente.

1.2.4 Valor caracterı́stico RSP : preço relativo de venda


de uma transmissão
Um dos parâmetros principais de um sistema de transmissão, assim como
em qualquer produto, é seu preço de venda. Assim como a massa mG , foram
estudadas diversos tipos de transmissões comerciais existentes e seus preços,
chegando-se a uma eq. empı́rica (1.5) de custo relativo de venda RSP . A
referência (RSP = 1) utilizada é uma transmissão com torque de entrada T1
da ordem de 200 Nm, z = 5 marchas e maior relação de transmissão iG,max
igual a 3.85. A curva plotada na Figura 1.6 permite ao projetista estimar
a relação custo x benefı́cio de sua transmissão, além de avaliar o mercado
potencial que pode ser atingido pelo seu produto.

RSP = 0.035 ∗ (iG,max ∗ T1 )0.45 ∗ z 0.225 . (1.5)


Os preços baseados na Figura 1.6 são válidos apenas para transmissões
convencionais, pois as transmissões automáticas tem seu custo elevado pela
necessidade de maior confiabilidade e pelo menor número de produtos fabri-
cados. Estes dados foram baseados em veı́culos produzidos e vendidos em
1997 na Alemanha.

13
200
Distância entre centros (a) [mm]

150

100

50

0
0 2000 4000 6000 8000 10000 12000
a
Torque de saída (T2 ) em 1 marcha [Nm]

Figura 1.4: Parábola dos valores caracterı́sticos de distância entre centros a


relacionados ao torque de saı́da T2 para transmissões de 2 estágios (1).

400
Massa da transmissão (m G) [kg]

350

300

250

200

150

100

50

0
0 10000 20000 30000 40000 50000 60000 70000 80000 90000
Valor característico (T 2.z 0.5 )

Figura 1.5: Curva de valores caracterı́sticos de massa mG para transmissões


com carcaça de ferro (ρ = 7.3kg/l) em função do torque de saı́da T2 e do
número de marchas z (1).

14
Preço relativo de venda da transmissão (RSP)

0
0 10000 20000 30000 40000 50000 60000 70000 80000 90000

Valor característico (T 2 .z 0.5 )

Figura 1.6: Curva de valores caracterı́sticos da tendência de preços de venda


relativos RSP a uma transmissão referência (RSP = 1,T1 = 200N m, z = 5
e iG,max = 3.85) (1).

15
16
Capı́tulo 2

Seleção de Marchas

2.1 Trem de Potência


Os veı́culos que utilizam motores de combustão interna necessitam de
sistemas auxiliares para aproveitar melhor a potência gerada. Por isso, ao
motor são adicionados o sistema de acoplamento, a caixa de transmissão e
a transmissão final formando o conjunto denominado “Trem de Potência”
(Figura 2.1).
Este conjunto produz uma relação de transmissão total iA que é direta-
mente dependente dos três sistemas auxiliares:
• relação de acoplamento iS ,

• relação da caixa de transmissão iG e

• relação final iE .
A relação de transmissão total é calculada pela eq.(2.1).

iA = iS .iG .iE . (2.1)


O trem de potência é capaz de converter potência sob a forma de rotação
n e torque T . A conversão de rotação ν é definida como rotação de saı́da
n2 sobre a rotação de entrada n1 (eq. (2.2)). Já a conversão de torque µ é
dada pela divisão do torque de saı́da T2 pelo torque de entrada T1 do trem
de potência (eq. (2.3)). “
n2
ν= . (2.2)
n1
T2
µ= . (2.3)
T1

17
MOTOR CAIXA DE TRANSMISSÃO
TRANSMISSÃO FINAL

ACOPLAMENTO

TRANSFERÊNCIA

DIFERENCIAL
REDUÇÃO

REDUÇÃO
PRINCIPAL

CAIXA DE
CAIXA

PÓS
T M (n M ) PRÉ

i G,V i G,H i G,N i E,V i E,A

iS iG iE

iA

Figura 2.1: Estrutura das relações de transmissão existentes em um Trem de


Potência de um veı́culo comercial (1).

Para o caso de uma relação de transmissão i 6= 1 têm-se obrigatoriamente


conversão de rotação ν e de torque µ. Se µ > 1, que é o caso mais comum
em transmissões automotivas, então a relação i é dada como a divisão entre
a rotação de entrada n1 pela rotação de saı́da n2 (eq. (2.4)).

1 n1
i= = . (2.4)
ν n2

2.2 Relações de Transmissão


O trem de potência deve flexibilizar o uso do veı́culo de forma a permitir
que este trafegue nas mais diversas condições como:

• partir em situações difı́ceis como em aclive ou em pista escorregadia;

• atingir uma velocidade máxima adequada;

• adequar o trabalho do motor para determinadas faixas de consumo de


combustı́vel;

18
Os critérios que definem a faixa de relações de transmissão são baseados
nestas três condições. A máxima relação de transmissão iA,max é obtida pelo
estudo da pior circunstância admitida para o veı́culo partir do repouso. A
segunda condição define a relação para máxima velocidade iA,vmax . A mı́nima
relação de transmissão iA,min é dada pelo estudo das faixas de eficiência de
combustı́vel nos mapas de desempenho do motor. Na Figura 2.2 pode-se
verificar a influência da inserção da transmissão no intervalo de relações de
transmissão disponibilizado pelo trem de potência.
Velocidade (v)

i A,min Acréscimo na
faixa de velocidades
com transmissão

Faixa de velocidades
sem transmissão
i A,max

n min Rotação do motor (n) n max

Faixa de rotação do motor

Figura 2.2: Faixa de velocidades abrangidas com e sem transmissão (1).

Quanto maior a região em cinza, mais adaptado é o veı́culo às condições de


operação. No entanto, as leis de trânsito têm limitado bastante as faixas de
operação dos veı́culos, o que influi também no projeto das transmissões. Atu-
almente busca-se desenvolver veı́culos com grande potencial de aceleração, já
que o tráfego tem se tornado cada vez mais congestionado.

2.2.1 Relação da Acoplamento iS


Como visto no capı́tulo 1, os motores de combustão interna possuem uma
rotação mı́nima para garantir seu funcionamento. Em razão desta rotação
mı́nima e da descontinuidade de transmissão no momento da troca de relação
(especialmente em trens de engrenagens), faz-se necessário um sistema de
acoplamento entre a caixa de transmissão e o motor para combinar a rotação
de ambos. Enquanto desacoplado, o motor deve vencer as próprias inércias
rotativas para estabilizar-se numa rotação acima de sua rotação mı́nima

19
nM,min . Na fase de acoplamento, a demanda no motor aumenta, exigindo
maior torque para vencer também as inércias da transmissão. Considerando
a potência disponibilizada constante, a rotação do motor diminui enquanto
a rotação da transmissão aumenta gradativamente até que haja o acopla-
mento nM = nG . Quando acoplado, o sistema deve ser capaz de vencer as
inércias de todo o trem de potência e ainda entregar a potência necessária de
operação. Um esquema simplificado da seqüência de acoplamento pode ser
visualizado na Figura 2.3.

Rotação Redução de
do Motor rotação do motor
n M,0
nM
n M=n G
Rotação (n)


n M,min
                     
n M,min
  

nG

Rotação da
Transmissão Tempo de
n G,0 acoplamento t R

Tempo (t)
desacoplado acoplamento acoplado

Figura 2.3: Esquema do acoplamento por fricção de uma embreagem (1).

Como sistema de acoplamento são utilizados normalmente dois tipos


de componentes: a embreagem ou o conversor de torque. A embreagem
(iS = 1.0) converte apenas rotação através do princı́pio da fricção, tanto à
seco quanto imerso em fluido, sendo o padrão em transmissões manuais a
embreagem à seco. Já os conversores de torque (iS ≥ 1.0) são capazes de
converter ambos, rotação e torque, baseados nos princı́pios da hidrodinâmica,
sendo bastante empregados em transmissões automáticas.
Os conversores de rotação ainda apresentam outras caracterı́sticas impor-
tantes:
• o torque de saı́da é igual ao de entrada: T2 = T1 ;
• a rotação de saı́da é menor ou igual à rotação de entrada: n2 ≤ n1 ;

20
• sempre há perda de potência entre a entrada e a saı́da: P2 = P1 −Pperda .

Existem ainda outros tipos de sistemas de acoplamento menos utilizados


que aplicam princı́pios como magnetismo, hidrostática, eletrostática, eletro-
dinâmica entre outros.

2.2.2 Relação Total iG,tot


A relação total da transmissão iG,tot ou faixa de relações da transmissão
é obtida pela divisão da máxima relação pela mı́nima (eq. (2.5)).
iG,max
iG,tot = . (2.5)
iG,min
O projeto da faixa de relações é influenciada pela potência especı́fica
Pmax /mtotal do veı́culo, pela faixa de rotação admitida pelo motor e pelas
condições de operação. Assim, um veı́culo comercial que tem potência es-
pecı́fica baixa deve ter uma iG,tot bastante ampla, o mesmo ocorrendo para
veı́culos com motor diesel devido a sua pequena faixa de rotação. Valores de
referência para o intervalo de marchas para vários veı́culos são mostrados na
Figura 2.4.

Caminhão > 16t

Caminhão < 16t

Ônibus, longas distâncias

Automóvel, consumo e acel. ótimos Futuro ?

Automóvel, Motor Diesel

Automóvel, motor de ignição por centelha

Automóvel: automático

Ônibus Urbano: automático

0 2 4 6 8 10 12 14 16 18
Faixa de relação i G,tot

Figura 2.4: Valores de referência da relação total iG,tot para diversos tipos de
veı́culos (1).

No caso de automóveis é importante considerar que por mais ampla


que seja a relação total, a transmissão só pode operar sobre a hipérbole

21
de potência demandada. O regime de trabalho do motor sob a curva de
maior economia de combustı́vel muitas vezes não é empregado devido à baixa
potência demandada se comparada à potência disponibilizada pelo motor. Há
ainda de se considerar o uso de relações com i < 1.0 (em inglês overdrive) que
também reduzem a eficiência da transmissão mas cujo termo tem atualmente
forte apelo de marketing.

2.2.3 Maior Relação de Transmissão iA,max


A maior relação de transmissão iA,max do trem de potência é baseada
na maior demanda de torque exigida para tracionar o veı́culo. Devem-se
considerar algumas restrições fı́sicas como o limite de adesão (ver Figuras
1.2 e 1.3) entre o pneu e o solo, definido através do atrito estático µH e
que está exemplificado na Tabela 2.1 e na eq.(2.6) . Outra restrição fı́sica
é a resistência do ar, porém esta pode ser desconsiderada devido à baixa
velocidade admitida quando a relação iA,max for empregada.

Velocidade Coeficiente de atrito estático µH


km/h pista seca pista molhada
50 0.85 0.65
90 0.80 0.60
130 0.75 0.55

Tabela 2.1: Coeficiente de atrito estático µH para pneus novos em superfı́cies


de asfalto (1).

FZ,A ≤ FZ,max = µH .R , (2.6)


onde R é a força normal entre o pneu e o solo.
Avaliando todas as considerações, têm-se na roda a seguinte situação:
a máxima tração disponı́vel FZ,A deve ser igual à máxima tração
demandada FZ,B .
Substituindo as variáveis nesta igualdade, obtém-se a eq. (2.7).

FZ,A = FZ,B ,

1
TM,max .iA,max .ηtot . = mF .g.(fR . cos αSt + sin αSt ) + mF .λ.a . (2.7)
rdyn

22
onde: 

 TM,max − torque máximo do motor;
ηtot − eficiência total.




rdyn − raio dinâmico da roda;




mF − massa do veiculo;



g − aceleração da gravidade;
fR − coeficiente de resistência à rolagem;




αSt − gradiente de inclinação;




λ − coeficiente de inércia rotacional;




a − aceleração.

A máxima relação iA,max depende principalmente da taxa de potência


especı́fica [kW/t] do veı́culo. Deve-se verificar duas condições extremas:

• o gradiente máximo de aclive que pode ser superado com aceleração


nula (a = 0 [m/s]);

• e a máxima aceleração no plano.

No caso de automóveis e veı́culos comerciais, a iA,max projetada para


máxima graduação, da eq. (2.7), é:

rdyn .mF .g.(fg . cos αSt + sin αSt )


iA,max = , (2.8)
TM,max .ηtot
onde: 

 rdyn − raio dinâmico da roda;
mF − massa do veiculo;




 g − aceleração da gravidade;


fR − coeficiente de resistência à rolagem;
αSt − gradiente de inclinação;




T − torque máximo do motor;

 M,max



ηtot − eficiência total.

O desempenho do veı́culo quanto à aceleração depende também de quão


próximas da hipérbole de tração (ver Figura 1.3) estão as marchas proje-
tadas. Além disso, a aerodinâmica do veı́culo é fundamental no estudo da
aceleração devido ao arraste.
Em veı́culos comerciais, a máxima relação de transmissão depende bas-
tante da especificação de uso do veı́culo, e.g., veı́culos empregados em cons-
truções ou de grande carga que se movimentam muito lentamente (vcrawl ).

23
2.2.4 Menor Relação de Transmissão iA,min
A menor relação de transmissão iA,min é dada, assumindo que não há
escorregamento entre pneu e solo e que a velocidade máxima vmax (nominal)
é alcançada na rotação máxima do motor nM,max , pela eq. (2.9).
π
3, 6 30 nM,max rdyn
iA,min = , (2.9)
vmax
onde nM,max é em [1/min], rdyn em [m] e vmax em [km/h].

Veı́culos Comerciais
Este tipo de veı́culo, além de ter uma legislação bastante rı́gida quanto a
seus limites de velocidade, também é limitado pela estreita faixa de rotação
dos motores à diesel que são empregados na categoria. Nas rodovias brasi-
leiras, a velocidade máxima permitida a caminhões e ônibus é de 90 km/h
(5).

Automóveis
Os automóveis têm algumas peculiaridades que devem ser levadas em con-
sideração quando se projeta sua relação iA,min . Uma delas é o grande tempo
em que o veı́culo permanece na marcha mais alta, o que pode representar
mais de 80% do seu tempo de uso.
O tipo de projeto desejado pode ser dividido em:

1) Ótimo O projeto de transmissão é dito ótimo quando se deseja utilizar


toda a potência disponı́vel para alcançar a maior velocidade possı́vel no carro
(iA1,min = iA,vmax ). Desta forma, a curva de potência demandada PZ,B deve
interceptar a curva de potência disponı́vel PZ,A max = Pn no ápice desta.
Este ponto é chamado A e pode ser observado na Figura (2.5), que também
demonstra a velocidade máxima vmax1 e o excesso de potência PZ,Ex1 . O
excesso de potência PZ,Ex1 serve como parâmetro da reserva de aceleração
disponı́vel para p. ex. uma emergência. Ainda é possı́vel verificar o consumo
de combustı́vel através da rotação do motor nM . A velocidade máxima con-
siderada é sob as condições teóricas de movimento no plano e sem ação do
vento.

2) Sobre-rotação (Overrevving ) O projeto de transmissão é dito de


sobre-rotação (overrevving) quando a velocidade máxima é alcançada numa
rotação acima daquela que provê potência máxima. Observa-se que no ponto

24
B (Figura 2.5) a máxima velocidade atingida vmax2 é menor que no caso
anterior vmax1 .
Este tipo de projeto apresenta uma relação mı́nima iA2,min maior que a
anterior iA1,min , ou seja, uma relação mais curta. Isto pode ser feito de duas
formas: aumentando a última relação iZ ou a relação final iE . Devido à alta
rotação na qual vmax2 é atingida, este modo é o que mais consome combustı́vel
dentre os três tipos de projeto avaliados. Com um grande excesso de potência
PZ,Ex2 , o projeto de sobre-rotação é preferı́vel para carros esportivos.

3) Sub-rotação (Underrevving ) O projeto de transmissão é dito de


sub-rotação (underrevving) quando a velocidade máxima é alcançada numa
rotação abaixo daquela que provê máxima potência. Está apresentada na
Figura 2.5 pelo ponto C, onde a curva de potência demandada PZ,B intercepta
a de potência disponı́vel PZ,A e têm uma relação iA3,min menor que a de
projeto ótimo iA1,min . O trunfo deste tipo de projeto é a redução da rotação
do motor, que por conseqüência diminui o consumo de combustı́vel.
Esta configuração pode ser obtida através:

• do aumento de iG,tot (mantendo o mesmo número de relações),

• da redução da relação final iE ou

• do aumento da relação total iG,tot devido ao aumento do número de


relações.

Partindo de um projeto ótimo, o aumento da relação total iG,tot sem


alterar o número de relações provoca um aumento no intervalo do torque de
saı́da, reduzindo o desempenho na aceleração do veı́culo. Caso a modificação
feita seja o aumento da relação final iE (em inglês long axle design) mantendo
a mesma iG,tot , o efeito é a redução de iA,max , levando a uma queda de
desempenho em subidas e aumentando a tensão no acoplamento do motor
com a transmissão. Por isso os fabricantes atualmente adicionam uma quinta
relação (chamada overdrive) nas caixas convencionais de quatro relações,
reduzindo a rotação do motor em 10% a 20%.
A adição da quinta, sexta e até sétima relações às caixas de transmissão
manuais têm por intuito reduzir a rotação do motor. No entanto, também
podem ser utilizadas para discretizar melhor o intervalo entre as relações
para caixas de transmissão esportivas, aproximando-se assim à hipérbole de
tração (ver Figuras 1.2 e 1.3) e aumentando o desempenho.

25
110
P Z,Amax =P max n tot A
kW

B
90
P Z,Ex2

P Z,A para: C
Potência P

v max1
P Z,Ex1

i A2,min =3.7 v max2


P Z,Ex3

70
i A1,min =3.25 Legenda:
1)ótimo
v max3

i A3,min =2.7 2)sobrerotação


P Z,B
3)subrotação
50
110 130 150 170 190 210 km/h 250
Velocidade v
n M1 3161 3736 4310 4885 5460 6034 1/min
n M2 3599 4253 4907 5562 6216
n M3 2626 3104 3581 4058 4536 5014 5491 5968
Rotação do motor n M

Figura 2.5: Seleção de iA,min para automóveis em três condições de projeto:


1)ótimo, 2)sobre-rotação e 3)sub-rotação. O excesso de potência PZ,Ex e as
rotações do motores associadas nM são baseados em v = 170 km/h (1).

26
2.2.5 Marcha-a-ré
Em uma relação de transmissão, se o número de pares de engrenamento
for par, o sentido de rotação da saı́da é igual ao de entrada. Já se o número
de pares de engrenamento for ı́mpar, então o sentido de rotação da saı́da é
oposto ao de entrada.
A marcha-a ré é normalmente obtida pela inserção de uma engrenagem
extra ao fluxo de torque. Com isso, o total de pares de engrenamento pre-
sentes na relação de transmissão passa de um número par para um número
ı́mpar, garantido a saı́da reversa.
O projeto para a marcha-a-ré é baseado ao baixo tempo de uso comparado
às outras relações. Existem duas formas básicas de inserir a engrenagem extra
no sistema:

• engrenagem deslizante entre o eixo princpipal e o contra-eixo;

• um terceiro eixo auxiliar.

Devido às caracterı́sticas e condições de uso, as engrenagens de marcha-


a-ré usualmente são construı́das com dentes retos e materiais mais baratos.

2.2.6 Relação Final iE


A relação final iE é bastante importante no projeto de um trem de
potência, pois esta relação adapta a dirigibilidade e o consumo de combustı́vel
para a função desejada do veı́culo, sendo particularmente mais importante
à veı́culos comerciais. Ônibus e caminhões que trafegam normalmente em
terrenos mais planos têm iE menor que aqueles que trafegam por regiões
mais acidentadas, implicando em rotações menores do motor à velocidade de
trabalho e também menor excesso de tração em todas as marchas.
A faixa de relação final possı́vel em uma só redução varia entre 2 ≤ iE ≤ 7,
sendo necessários estágios adicionais caso a relação necessária seja maior.

2.2.7 Relações Intermediárias


As relações intermediárias são obtidas pela melhor interpolação do inter-
valo entre a menor iA,min e a maior iA,max relação. Para tanto, determina-se
a variação entre as relações vizinhas para medir cada passo ϕ de relação
(eq. (2.10)).

in−1 nmax
ϕ= ≤ . (2.10)
in nTmax

27
O passo da relação deve ser suficiente para que a mudança de relação
ocorra sempre que se atinja a rotação de torque máximo nTmax , sem exceder
a rotação máxima do motor nM,max .
Alguns aspectos devem ser levados em conta no projeto das relações in-
termediárias:

• Sabe-se que quanto maior o número de relações, melhor é a eficiência


da transmissão aproximando-se à hipérbole de tração. Contudo, o au-
mento do número de marchas induz à elevação da freqüência da troca
de relação (maior tempo desacoplado) e normalmente ao aumento no
tamanho da caixa de transmissão;

• Pequena faixa de uso para as relações menores;

• A faixa de uso de uma determinada relação depende da potência es-


pecı́fica de saı́da [kW/t], do percurso, das condições de tráfego e do
comportamento do condutor no trânsito;

• Quanto menor o passo da relação ϕ, mais confortável se torna a troca


de relação;

• O aquecimento nos anéis sincronizadores é proporcional ao quadrado


do passo da relação.

A fim de atender a esses aspectos, dois métodos são aplicados na obtenção


das relações intermediárias:

• divisão geométrica;

• divisão progressiva geométrica ou simplesmente progressiva.

Para tanto, é necessário conhecer o “Diagrama Velocidade/Rotação do


Motor” (Figura 2.6) que apresenta de forma objetiva as relações de trans-
missão e sua operação. Também é chamado de plano de relações (ou Saw
Diagram, em inglês) e demonstra todas as relações de transmissão, os passos
de relação, as rotações apropriadas do motor e as trocas de relação.
No caso da Figura 2.6, a caixa de transmissão é geometricamente dividida.
Existem duas faixas de troca de marcha: a primeira (baixa rotação) indica
a rotação mı́nima para que seja possı́vel mudar de marcha sem o motor
“morrer” (nM < nM,min ); a segunda (alta rotação) indica a rotação máxima
para que seja possı́vel mudar de marcha sem que o motor ultrapasse seu
limite máximo de rotação nM,max . A vmax é atingida em 8a marcha, já na
região controlada do motor à diesel.

28
140
[km/h]
v max Relações: passo:
120 i8 1.00
1.35

n Tmax
100 passo
i7 1.35
Velocidade v

80 passo 1.38
i6 1.86
60 1.37
i5 2.54
40 1.35
i4 3.44
i3 4.63 1.35
20 i2 6.38 1.38
i1 8.73 1.37
0
500 1000 1500 2000 2500
[1/min]
Rotação do motor n M
n M,min n M,max

Figura 2.6: Diagrama v/nM de um trem de potência de 8 marchas para


ônibus com motor a diesel (1).

Divisão Geométrica
O passo de relação ϕ entre duas relações teoricamente deve ter o mesmo
valor (eq. (2.11)) quando utilizada a divisão geométrica (Figura 2.7).
p
z−1
ϕ= iG,tot , (2.11)
onde z é o número total de relações.
Individualmente as relações passam a ser dadas pela eq. (2.12):

in = iz .ϕz−n , (2.12)
onde n é o número de cada relação.
Na prática o passo de relação ϕ varia um pouco do valor teórico devido
à dificuldade em projetar o número de dentes correto de cada engrenagem
para todas as relações (ver Seção 3.1). A aproximação da hipérbole de tração
FZ,Ae é igualmente boa para todas as marchas.
Este tipo de divisão é mais aplicado em caixas de transmissão de veı́culos
comerciais devido ao fato da potência especı́fica ser baixa e as relações terem
o mesmo peso.

29
3
10
v 1/2 v 2/3 v 3/4 v 4/5
1/min n max
6
M
5
Rotação do motor n

3
2
1 n min

0
0 50 100 150 km/h 250
Velocidade v

Figura 2.7: Diagrama Velocidade/Rotação do Motor utilizando a divisão


geométrica entre as relações (1).

Divisão Progressiva
O passo de relação ϕ progressivo entre duas relações diminui conforme
se aumenta a marcha (Figura 2.8). Isto implica que a distância entre as
primeiras relações é maior que entre as últimas. Este tipo de divisão é comu-
mente aplicado a caixas de transmissão de automóveis, pois melhora a troca
de relação (menor ϕ) e o desempenho na aceleração do veı́culo.
A hipérbole de tração FZ,Ae é melhor aproximada pelas últimas relações,
sendo maior o intervalo entre as relações iniciais. O excesso de potência à
velocidades mais baixas torna estes grandes intervalos aceitáveis.
Dados a relação total iG,tot e o fator de progressão ϕ2 , o passo de relação
ϕ1 pode ser calculado através da eq. (2.13) e as relações podem ser obtidas
pela eq. (2.14).
s
1
ϕ1 = z−1 0.5(z−1)(z−2) .iG,tot . (2.13)
ϕ2
(z−n) 0.5(z−n)(z−n−1)
in = iz .ϕ1 .ϕ2 . (2.14)
Esta formulação permite calcular valores iniciais para as relações. En-
tretanto, estes valores precisam ser adaptados ao veı́culo por processos de

30
3
10
v 1/2 v 2/3 v 3/4 v 4/5
1/min n max
6
M

5
Rotação do motor n

3
2
1 n min

0
0 50 100 150 Km/h 250
Velocidade v

Figura 2.8: Diagrama Velocidade/Rotação do Motor utilizando a divisão


progressiva entre as relações (1).

ajustes finos envolvendo testes de bancada, testes de estrada e simulação


computacional. Muitas vezes, deve-se considerar ainda os efeitos de consumo
de combustı́vel e emissão de poluentes nestes cálculos. Os valores usuais de
ϕ1 variam entre 1.1 e 1.7, enquanto ϕ2 varia entre 1.0 e 1.2.

2.3 Transmissões Continuamente Variáveis


As transmissões continuamente variáveis (CVT´s) são, ao mesmo tempo,
conversores de velocidade e de torque onde as relações podem ser variadas
continuamente, em uma faixa limitada, sem interrupção do fluxo de torque.
Este tipo de transmissão é a que mais se aproxima da hipérbole de tração
FZ,Ae , porém usando uma faixa de trabalho em geral bastante limitada com
5 ≤ iG,tot ≤ 6. Atualmente os CVT´s de corrente (ou correia) têm uma
limitação de torque de entrada T1 da ordem de 300 Nm, o que acarreta outra
limitação, a de torque e por sua vez potência de entrada.
A velocidade do ajuste da transmissão ṅ (eq. (2.15)), e assim o curso
do pistão e o comprimento da biela, são fatores decisivos na suavidade de
funcionamento.

31
dnM di
ṅ = = noutput . (2.15)
dt dt
Se ṅ é muito alta, a operação se torna menos suave. O balanço de energia
demandado para fazer o ajuste é obtido da energia cinética do veı́culo. Isto
pode reverter o sinal da aceleração e provocar um “solavanco” inconfortável
aos passageiros.
Caso ṅ seja muito baixa, a suavidade da operação é acentuada, mas o
veı́culo perde em reposta na aceleração.

32
Capı́tulo 3

Conceitos

3.1 Método das Frações Contı́nuas


O intuito da apresentação deste método é facilitar a obtenção do número
de dentes das engrenagens de forma a garantir a relação de transmissão de-
sejada.
O matemático e astrônomo alemão Chirstian Huygens (1629-1695) publi-
cou o primeiro artigo demonstrando uma aplicação prática do método das
frações contı́nuas para selecionar o número de dentes de um par de engrena-
mento que melhor aproximasse à relação de transmissão desejada.
Por volta da metade do século XIX, Moritz Abraham Stern publicou um
artigo sobre teorias numéricas para encontrar médias e utilizar uma seqüência
de médias para encontrar números racionais. Na mesma época, porém sem
conhecer o trabalho de Stern, Achille Brocot produziu um artigo sobre a
aplicação prática de métodos numéricos para gerar frações que melhor apro-
ximam as relações utilizadas nas engrenagens de relógios.
Um número real x, considerado positivo e não nulo para o caso de relação
de transmissão, pode ser representado da seguinte forma:

x = a1 + u1 , (3.1)
onde n é um número inteiro e u é um número fracionário. Caso x seja inteiro,
u = 0. Como 0 ≤ u < 1, têm-se:
1
= a2 + u 2 . (3.2)
u1
Aplicando a eq.(3.2) na eq.(3.1), têm-se que:
1
x = a1 + . (3.3)
a2 + u 2

33
Este processo é recursivo, gerando a expansão em frações contı́nuas de x,
eq. (3.4):

a 1
x= = a1 + . (3.4)
b 1
a2 +
1
a3 +
... 1
+
ak + u k
Muitas vezes, a fração contı́nua é representada da forma x = [a1 , a2 , a3 , . . . , ak ],
onde cada componente é chamado de termo ou quociente parcial.
Caso uk = 0, a expansão é considerada finita, enquanto uma expansão
simples ocorre quando todos os termos são inteiros positivos.
A partir da definição dos quocientes parciais da expansão de x, pode-se
avaliar pi e qi que são respectivamente numerador e denominador da i-ésima
razão que aproxima x. As eq. (3.5) e eq. (3.6) descrevem as funções que
determinam os coeficientes da razão, estando provadas em (6).

pi = ai .pi−1 + pi−2 , (3.5)

qi = ai .qi−1 + qi−2 , (3.6)


onde i ≥ 0 indica o i-ésimo coeficiente Ci (eq.(3.7)) que aproxima x.
pi
Ci = . (3.7)
qi
Sabe-se que o valor desejado x está situado entre 0 e ∞. Por isso define-se
0 1
as primeiras aproximações C−1 = = 0 ( p−1 = 0 e q−1 = 1) e C0 = = ∞
1 0
( p0 = 1 e q0 = 0).
Assim, pode-se criar a Tabela (3.1) para avaliar os C utilizando os termos
n da expansão em frações contı́nuas e as eq. (3.5) e eq. (3.6).

a1 a2 a3 ···
0 1 p1 p2 ···
1 0 q1 q2 ···
Tabela 3.1: Determinação de p e q para aproximar x.

Em casos de expansões infinitas ou muito longas (muitos quocientes par-


ciais), se ai+1 > ai pode-se interpolar entre Ci e Ci+1 obtendo um valor
intermediário Ci,i+1 , da seguinte forma:

34
n.pi+1 + pi
Ci,i+1 = , (3.8)
n.qi+1 + qi
ai+1
onde n deve ser um numero inteiro, pertencente ao intervalo ≤ n < ai+1 ,
2
representando um peso na interpolação.
A seguir, é demonstrado um exemplo de como se obter a expansão em
frações contı́nuas finita de uma relação de transmissão x = 0.725 (eq.(3.9)).
Os passos iniciais para obtenção da fração contı́nua finita de x = 0.725
são:

x = 0 + 0.725
1
= 0+
1.379310344827586
1
= 0+
1 + 0.379310344827586
1
= 0+ ,
1
1+ ···
2.636363636363638
até chegar ao resultado:

1
x = 0.725 = 0 + , (3.9)
1
1+
1
2+
1
1+
1
1+
1
1+
3
onde x = [0, 1, 2, 1, 1, 1, 3].
Montando a tabela para x = 0.725 = [0, 1, 2, 1, 1, 1, 3] têm-se:

0 1 2 1 1 1 3
0 1 0 1 2 3 5 8 29
1 0 1 1 3 4 7 11 40
Tabela 3.2: Determinação de p e q para aproximar x = 0.725.

Neste exemplo (x = 0.725), o número é racional e a fração exata que o


representa é dado por C7 = 29/40 = 0.725 = x. É importante perceber que

35
os valores aproximados Ci (1 ≤ i ≤ 6) são sempre um valor intermediário
entre Ci−1 e Ci+1 , refinando o resultado a cada iteração até chegar à razão
perfeita.
Nesta aplicação, o numerador pi e o denominador qi implicam nos números
de dentes das engrenagens presentes no par de engrenamento.

3.2 Conceitos de Mecanismos Variadores de


Velocidades
Um variador de velocidades é um mecanismo que, acoplado a um motor,
permite alterar sua rotação de saı́da disponibilizando o torque e a velocidade
necessários ao veı́culo. Também conhecido como caixa de transmissão, cabe
a si as funções descritas no item 1.1. Divide-se em trens de engrenagens e
variadores contı́nuos de velocidade.

3.2.1 Trens de Engrenagens


Os trens de engrenagens são mecanismos variadores de velocidade com-
postos basicamente por eixos, pares rotativos e engrenagens. Neste tipo
de variador existe um número limitado de relações de transmissão que são
obtidas através do engrenamento entre um ou mais pares de engrenagens, ha-
vendo a necessidade de engatar cada uma das marchas. Durante a mudança
de marcha, o sistema motor é desconectado do variador de velocidades e con-
seqüentemente das rodas, havendo a interrupção da transmissão. O modelo
mais simples (Figura 3.1) de trem de engrenagens é um par de engrenamento
composto por duas engrenagens de diferentes tamanhos e seus respectivos
eixos, havendo apenas uma única relação de transmissão.

Figura 3.1: Modelo mais simples de trem de engrenagens (2).

As engrenagens podem ser fabricadas com dentes retos ou helicoidais,

36
tendo cada par de engrenamento as mesmas caracterı́sticas. No caso de en-
grenagens de dentes retos, as engrenagens podem ser deslizantes na direção
axial permitindo o engrenamento e desengrenamento de um par de engrena-
gens, porém seu trabalho é em geral muito ruidoso. No caso de engrenagens
de dentes helicoidais, o deslizamento é praticamente impossı́vel devendo o par
de engrenagens permanecer sempre engrenado. Entretanto este tipo de dente
permite um engrenamento mais suave e menos ruidoso, além de aumentar a
resistência dos dentes aos torques envolvidos.
Normalmente as engrenagens formam pares rotativos com os eixos que as
sustentam, ou seja, rotacionam livremente sobre seus eixos. Para que haja
transmissão de torque é necessário acoplar as engrenagens aos respectivos
eixos, sendo esta a função dos garfos e sincronizadores.
Os sincronizadores (Figura 3.2) são elementos que acoplam uma engrena-
gem a seu eixo, sincronizando a velocidade entre os dois corpos. Geralmente
são corpos anulares e estão fixos ao eixo, paralelamente à engrenagem que
será atuada. O efeito de sincronização de velocidades entre dois corpos pode
se dar bruscamente, através de um engate rápido, ou ocorrer de forma gradual
como por exemplo num sistema por fricção. O sincronizador é normalmente
fixo ao eixo rotativo e a medida que é atuado, acopla com a engrenagem
tornando os três elementos (eixo, sincronizador e engrenagem) e solidários.

Figura 3.2: Vista de um sistema de sincronização de velocidades (anel sin-


cronizador + garfo) (1).

Os garfos (Figuras 3.2 e 3.3) são elementos que têm como função deslocar
axialmente (paralelamente ao eixo) sincronizadores ou engrenagens deslizan-
tes. São ligados ao sistema de comando, por exemplo a alavanca de câmbio
nos automóveis, formando o elo entre a decisão da troca de relação e o fato
consumado internamente no variador de velocidades.

37
O par de engrenamento pode ser fixo ou deslizante; neste segundo caso
(Figura 3.3) as engrenagens devem ter dentes retos. Para que o torque flua
no interior da caixa de transmissão é necessário que as engrenagens estejam
engrenadas e acopladas a seus respectivos eixos.

Figura 3.3: Vista de um par de engrenamento deslizante atuado por um


garfo (1).

Fluxo de torque é o nome dado ao caminho que o torque percorre da


entrada até a saı́da do trem de engrenagens quando uma marcha está enga-
tada, sendo muito importante para o dimensionamento e controle da caixa de
transmissão. Algumas vezes há a possibilidade de obter a mesma relação de
transmissão através de dois ou mais caminhos diferentes e a escolha do me-
lhor é baseada no fluxo de torque, que indica os valores máximos atingidos em
cada componente. Assim pode-se dizer que um trem de engrenagens possui
diversos fluxos de torque, porém nem todos representam marchas diferentes.
Os estágios ou escalões são as transições do fluxo de potência entre eixos,
da entrada até a saı́da do trem serial. A transmissão de potência de um eixo a
outro ocorre através do par de engrenamento, implicando numa determinada
relação de transmissão. Quando o trem de engrenagens tem mais de um
estágio, a relação de transmissão final é determinada pelo produto de todas
as relações intermediárias que fazem parte do fluxo de potência. Para cada
estágio, pode haver uma ou mais relações disponı́veis, porém apenas uma é

38
utilizada a cada fluxo de potência.
Os trens de engrenagens tem elevada eficiência devido à natureza de seus
engrenamentos, porém pecam pela necessidade de descontinuidade de trans-
missão durante a mudança da relação de transmissão.
Para evidenciar as caracterı́sticas relacionadas a trens de engrenagens,
dividiu-se em duas seções: trens de engrenagens seriais e trens de engrenagens
epicicloidais.

Trens de Engrenagens Seriais

Os trens de engrenagens seriais (Figura 3.4) caracterizam-se por possui-


rem eixos rotativos fixos à mesma estrutura estacionária (carcaça) e mais de
um par de engrenamento como os da Figura 3.1.

Figura 3.4: Exemplo de trem de engrenagens serial (2).

Isto implica que as engrenagens e os eixos têm movimento de rotação


apenas ao redor si. Pode haver um ou mais estágios, definindo as marchas
através da combinação entre diversos pares de engrenamento.
O torque entra por um eixo, passa pelas engrenagens que estão ativas
(engrenadas e acopladas) e sai por outro eixo que pode até ser concêntrico
ao de entrada, mas não solidário. A vantagem deste tipo de trem de engre-
nagens fica por conta da robustez do mecanismo. Por outro lado, no caso
da necessidade de muitas marchas sua disposição longitudinal implica num
variador muito comprido.

39
Trens de Engrenagens Epicicloidais
Os trens de engrenagens epicicloidais EGTs (Figuras 3.5, 3.6 e 3.7) caracterizam-
se por possuirem engrenagens dos tipos sol, anel e planeta, elos ou braços
e eixos rotativos divididos em nı́veis. Neste caso, apenas o eixo principal é
sempre fixo à base enquanto os outros são móveis. As engrenagens que são
concêntricas ao eixo principal são chamadas de engrenagem anel quando o
engrenamento é externo, e são chamadas de engrenagem sol quando o en-
grenamento é interno. Já as engrenagens que são excêntricas ao eixo central
principal são chamadas de engrenagem planeta ou satélite. A engrenagem
planeta descreve um movimento de rotação ao redor de seu próprio eixo e
um movimento translacional ao redor do eixo principal, onde o contato en-
tre os dentes desta engrenagem e da engrenagem sol descreve o movimento
chamado epiciclóide, daı́ o nome trem de engrenagens epicicloidais ou trem
de engrenagens planetárias. Além de eixos e engrenagens, os trens de en-
grenagens planetários possuem elementos de ligação chamados braços. Um
braço é um elo que une dois eixos rotativos paralelos não coincidentes. Para
identificar todos os eixos de um EGT é comum dividı́-los em grupos de eixos
paralelos coincidentes. Cada grupo é denominado nı́vel, desta forma pode-se
definir alternativamente braço como sendo o elemento que vincula engrena-
gens cujos eixos se situam em nı́veis distintos.

Figura 3.5: EGT sim- Figura 3.6: EGT com- Figura 3.7: Exemplo
ples (3). pleto (3). de EGT (3).

Neste tipo de trem de engrenagens não é comum o uso de engrenagens


deslizantes, sendo praticamente todos os engrenamentos fixos. Por este mo-
tivo, as marchas são obtidas através da sincronização das engrenagens com
seus eixos e do freio de algum elemento do trem de engrenagens epicicloidal,
formando os fluxos de torque. Um sistema de freios torna-se necessário pois
para cada marcha deve haver um dos corpos parado em relação à estrutura
fixa (carcaça), no caso de um EGT como os das Figuras 3.6 e 3.7. Para

40
EGTs mais complexos, deve-se fazer uma análise dos graus de liberdade dos
mecanismos para conhecer o número de elementos a serem freiados para a
obtenção de uma marcha.
A entrada de torque se dá usualmente pela engrenagem sol e a saı́da de
pela engrenagem anel. Ainda há a possibilidade de variar a entrada e saı́da
de torque utilizando-se para tanto o braço, sendo esta opção muito pouco
aplicada.
Existe a opção de inserir simetricamente mais engrenagens satélites no
trem de engrenagens planetário para dividir o fluxo de torque, aumentando
a resistência às solicitações de carga.

3.2.2 Variadores Contı́nuos de Velocidades


Os variadores contı́nuos de velocidade (CVT) têm como principal ca-
racterı́stica a continuidade da transmissão de potência durante a mudança
de relação de transmissão. Ocorre que estes mecanismos transmitem o tor-
que por atrito entre superfı́cies de formas suaves, não existindo engrenagens.
Neste caso não há um número especı́fico de marchas, mas sim um intervalo
contı́nuo de relações de transmissão que é disponibilizado para as rodas.
O funcionamento dos CVTs é baseado na variação contı́nua de diâmetro
dos componentes motores e movidos.
Os CVTs mais comuns são normalmente constituı́dos de correias e polias
cônicas ou semi-esféricas de diâmetro variável. Como pode ser observado na
Figura 3.8, a variação do vão interno das polias faz com que a correia altere
seu raio de contato da seguinte maneira:

a) Quando a polia aumenta o vão interno, a correia escorrega em direção ao


centro, reduzindo o raio de contato.

b) Quando a polia reduz o vão interno, a correia é comprimida transversal-


mente sendo forçada em direção oposta ao centro, aumentando o raio
de contato.

Outro modelo de CVT introduzido recentemente (1999) são os variadores


contı́nuos toroidais que baseiam-se na variação de diâmetro de contato entre
dois corpos que contêm cavidades toroidais. As cavidades podem ser um
toróide completo (Figura 3.9) ou mesmo metade de um toróide (Figura 3.10).
O elemento de contato entre as cavidades é um disco com bordas arre-
dondadas capaz de variar sua posição, alterando os pontos de contato entre
os toróides. Consegue-se assim as relações de transmissão sem cessar a trans-
missão de potência.

41
Figura 3.8: CVT de polias cônicas (4).

Figura 3.9: CVT de cavidade Figura 3.10: CVT de cavidade toroidal


toroidal completa (4). pela metade (4).

Contudo há questões importantes a serem avaliadas. Os CVTs, por se-


rem baseados em transmissão por fricção entre superfı́cies de formas suaves,
não são tão eficientes quanto os trens de engrenagens. Sempre há escorrega-
mento entre as superfı́cies resultando em perda de potência. Além disso, os
componentes utilizados necessitam de alta tecnologiajustamente por utilizar
componentes de elevada tecnologia (materiais, processos de fabricação, pre-
cisão, manutenção, etc.) para suportarem as condições de uso exigidas. Isto
revela-se altamente custoso para um mecanismo variador de velocidades.

3.3 Análise Cinemática


A análise cinemática tem como função avaliar os movimentos impostos
aos corpos dos trens de engrenagens e suas relações. Serão evidenciados os
cálculos cinemáticos sem considerar os efeitos de aceleração. Serão tratados
os cálculos das velocidades lineares v e angulares ω relacionadas aos movi-
mentos rotativos de corpos como engrenagens, eixos e braços. A velocidade

42
angular normalmente é tratada sob forma de rotação n.
O estudo cinemático objetiva encontrar as relações de transmissão i de
variadores de velocidade para cada marcha. Para tanto, deve-se conhecer
os fluxos de torque possı́veis para o mecanismo, determinando os pares de
engrenamento participantes. Cada relação de transmissão é o produto das
relações de transmissão intermediárias.
A velocidade (eq. (3.10)) no ponto de contato entre os dentes do par de
engrenamento é função da velocidade angular ω e do raio r de cada engre-
nagem. Como a velocidade linear v é igual para ambas as engrenagens no
ponto de contato, verifica-se na eq. (3.11), que a relação de transmissão pode
ser expressa como a razão dos raios r das engrenagens. Cada par de en-
grenamento tem uma constante caracterı́stica chamada de “módulo” m que
r
é a relação entre o número de dentes z e diâmetro das engrenagens d =
2
(eq. (3.12)). Assim, é possı́vel demonstrar que a relação de transmissão pode
ser expressa também como relação do número de dentes z de cada engrena-
gem (eq. (3.13)).

v = ω.r (3.10)

v1 = v2
ω1 .r1 = ω2 .r2
ω1 n1 r2
= =
ω2 n2 r1
r2
i= (3.11)
r1
r
d= = m.z (3.12)
2
r2 z2
i= = (3.13)
r1 z1
Para explicar melhor como isto ocorre, toma-se dois exemplos: um trem
de engrenagens serial e um trem de engrenagens epicicloidal simples.

3.3.1 Cálculo cinemático de um trem de engrenagens


serial
O variador esquematizado na Figura 3.11 é composto por dois eixos pa-
ralelos coincidentes, onde há uma engrenagem no eixo de entrada e três en-

43
grenagens no eixo de saı́da, e um eixo paralelo (contra-eixo) não coincidente
onde situam-se quatro engrenagens.

Figura 3.11: Esquema de um trem de engrenagens serial.

Neste caso tem-se quatro fluxos de torque, onde as relações de transmissão


estão representadas pelas eq. (3.14), eq. (3.15), eq. (3.16) e eq. (3.17).

1. O primeiro (Figura 3.12) ocorre quando a entrada de torque se dá no


primeiro eixo, passando pelo engrenamento entre as engrenagens 1 e
5, sendo esta acoplada ao contra-eixo e a seguir o torque passa pelo
engrenamento entre as engrenagens 6 e 2, sendo esta acoplada ao eixo
de saı́da.

Figura 3.12: Trem Serial: Primeiro fluxo de torque.

z1 z6
i1 = . (3.14)
z5 z2

44
2. O segundo (Figura 3.13) ocorre quando a entrada de torque se dá no
primeiro eixo, passando pelo engrenamento entre as engrenagens 1 e
5, sendo esta acoplada ao contra-eixo e a seguir o torque passa pelo
engrenamento entre as engrenagens 7 e 3, sendo esta acoplada ao eixo
de saı́da.

Figura 3.13: Trem Serial: Segundo fluxo de torque.

z1 z7
i2 = . (3.15)
z5 z3
3. O terceiro (Figura 3.14) ocorre quando a entrada de torque se dá no
primeiro eixo, passando pelo engrenamento entre as engrenagens 1 e
5, sendo esta acoplada ao contra-eixo e a seguir o torque passa pelo
engrenamento entre as engrenagens 8 e 4, sendo esta acoplada ao eixo
de saı́da.

Figura 3.14: Trem Serial: Terceiro fluxo de torque.

z1 z8
i3 = . (3.16)
z5 z4

45
4. O quarto (Figura 3.15) ocorre quando a entrada de torque se dá no pri-
meiro eixo, sendo este acoplado ao eixo de saı́da, transmitindo o torque
diretamente sem a influência de nenhuma engrenagem na chamada to-
mada direta.

Figura 3.15: Trem Serial: Quarto fluxo de torque.

i4 = 1 (3.17)

Ao final basta comparar as relações de transmissão entre si e verificar


quantas marchas diferentes este mecanismo variador de velocidades disponi-
biliza.

3.3.2 Cálculo cinemático de um trem de engrenagens


epicicloidal
O EGT mostrado na Figura 3.16 é um modelo simples composto por uma
engrenagem anel 1, uma engrenagem planeta 2, uma engrenagem sol 3, um
braço 4 e um eixo central 5. O anel 1, o sol 3 e o braço 4 são corpos rotativos
ao eixo central 5, enquanto o planeta 2 é rotativo ao braço 4. As engrenagens
presentes neste trem de engrenagens epicicloidal têm o mesmo módulo m.
Para formar um fluxo de torque é necessário que haja sempre um elemento
freiado em relação à estrutura fixa (não ilustrada). O eixo central deve ser
dividido em três segmentos distintos, sendo acoplados quando necessário para
que haja o fluxo de torque.
Os cálculos são baseados no equilı́brio de velocidades lineares v que ocorre
nos pontos de engrenamento, e neste caso temos quatro fluxos de torque, onde
as relações de transmissão estão representadas pelas eq. (3.18), eq. (3.19),
eq. (3.20) e eq. (3.21).

46
Figura 3.16: Esquema de um trem de engrenagens epicicloidal simples.

1. No primeiro fluxo de torque (Figura 3.17) o eixo central é desacoplado


entre o anel 1 e o sol 3, sendo o braço 4 o corpo freiado em relação à
estrutura fixa. O torque entra pelo primeiro segmento do eixo central
5a e passa para o anel 1 que por sua vez está engrenado com o planeta
2, estando este também engrenado no sol 3 que finalmente entrega o
torque ao segundo segmento do eixo central 5b e 5c que é o eixo de
saı́da de torque.

Figura 3.17: EGT: Primeiro fluxo de torque.

n4 = 0; n5a = n1 ; n5b = n5c = n3

 
v1 = v2 = v3 n1 .r1 = n3 .r3

47
n5a n1 r3 z3
i1 = = = = (3.18)
n5b n3 r1 z1
2. No segundo fluxo de torque (Figura 3.18) o eixo central é desacoplado
entre o anel 1 e o sol 3, sendo o sol 3 o corpo freiado em relação à
estrutura fixa. O torque entra pelo primeiro segmento do eixo central
5a e passa para o anel 1 que por sua vez está engrenado com o planeta
2, este rotacionando ao redor do sol 3, promovendo a rotação do braço
4 que finalmente entrega o torque ao terceiro segmento do eixo central
5c que é o eixo de saı́da de torque.

Figura 3.18: EGT: Segundo fluxo de torque.

n3 = 0; n5a = n1 ; n5b = n5c = n4 ; r 4 = r 3 + r2


 
v1 = v2 + v4 n1 .r1 = n2 .r2 + n4 .r4
v3 = v4 − v2 0 = n4 .r4 − n2 .r2
n5a n1 2.r4 2.(z3 + z2 )
i2 = = = = (3.19)
n5c n4 r1 z1
3. No terceiro fluxo de torque (Figura 3.19) o eixo central é desacoplado
entre o sol 3 e o braço 4, sendo o anel 1 o corpo freiado em relação à
estrutura fixa. O torque entra pelo primeiro segmento do eixo central
5a e 5b e passa para o sol 3 que por sua vez está engrenado com o
planeta 2, este rotacionando ao redor do sol 3, promovendo a rotação
do braço 4 que finalmente entrega o torque ao terceiro segmento do
eixo central 5b que é o eixo de saı́da de torque.

n1 = 0; n5c = n4 ; n5a = n5b = n3 ; r 4 = r 3 + r2

48
Figura 3.19: EGT: Terceiro fluxo de torque.
 
v3 = v4 − v2 n3 .r3 = n4 .r4 − n2 .r2
v1 = v2 + v4 0 = n2 .r2 + n4 .r4
n5a n3 2.r4 2.(z3 + z2 )
i3 = = = = (3.20)
n5c n4 r3 z3
4. No quarto fluxo de torque (Figura 3.20) o eixo central 5 está todo aco-
plado como um eixo único, não havendo nenhum elemento conectado a
ele ou freiado em relação à estrutura. Esta situação chama-se “tomada
direta” ocorrendo o fluxo de torque apenas pelo eixo central 5.

Figura 3.20: EGT: Quarto fluxo de torque.

n5a = n5b = n5c


n5a
i4 = =1 (3.21)
n5c

49
Ao final basta comparar as relações de transmissão entre si e verificar
quantas marchas diferentes este mecanismo variador de velocidades disponi-
biliza.

3.4 Diagrama Estrutural


O “Diagrama Estrutural” é uma representação gráfica de todos os estágios
e possibilidades de relação de transmissão de um trem de engrenagens. Pode-
se conhecer os fluxos de torque, a influência dos passos de relação utilizados,
os torques e as rotações atingidas.

Figura 3.21: Trem de engrenagens serial de 3 estágios.

Na Figura 3.21, têm-se um trem de engrenagens serial com três estágios.


Os pares de engrenamento produzem as seguintes relações:
a nII1
uI1 = = ,
b nI
c nII2
uI2 = = ,
d nI
e nII3
uI3 = = ,
f nI
g nIII1 nIII2 nIII3
uII1 = = = = ,
h nII1 nII2 nII3

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i nIII4 nIII5 nIII6
uII2 = = = = .
k nII1 nII2 nII3
As relações de transmissão produzidas pelos diferentes fluxos de torque
são:
nIII1 nIII4
e1 = uI1 .uII1 = , e4 = uI1 .uII2 = ,
nI nI
nIII2 nIII5
e2 = uI2 .uII1 = , e5 = uI2 .uII2 = ,
nI nI
nIII3 nIII6
e3 = uI3 .uII1 = , e6 = uI3 .uII2 = .
nI nI
Através da definição do passo de relação, da configuração dos estágios
e da divisão empregada entre as relações, é possı́vel construir o diagrama
estrutural deste trem de engrenagens. Considerando que o passo de relação
é ϕ, têm-se quatro combinações diferentes para o mecanismo (Figura 3.22).

Figura 3.22: 4 configurações possı́veis para o trem de engrenagens serial de


3 estágios (7).

51
52
Referências Bibliográficas

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fundamentals, selection, design and application. [S.l.]: Springer, 1999.

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