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transmissão, mas não enquanto defini- objetivada em sua cultura material, seu
dores de grupos corporados perpétuos, conhecimento, seus saberes, sua expres-
mas sim como marcadores de prestígio e sividade técnica e estética” (:98) que, ao
distintividade pessoal e coletiva. No en- entrarem no sistema, transformam-se
tanto, até aqui, Gordon dá conta somente em valores distintivos constituintes das
do segundo momento da relação com a pessoas. Não há necessidade, portanto,
alteridade: seu processamento, ou seja, da destruição de corpos.
o caráter centrípeto da sociedade Xikrin. “Armado” com essas elaborações teó-
Antes disso, precisaria conceitualizar o ricas, Gordon irá dedicar seus capítulos
momento da aquisição desses bens, o ao processo de aquisição dos bens e à
caráter centrífugo. sua circulação no interior da sociedade
É assim que o autor de Economia Mebêngôkre. O autor intenta dar conta
selvagem problematiza a tipologia idea- de um duplo movimento: primeiro, as
lizada por Carlos Fausto, segundo a qual relações de predação da alteridade no
as sociedades Jê seriam predominante- exterior da sociedade e, segundo, sua
mente centrípetas. Nelas, a produção significação realizada no interior: atra-
de pessoas é fundada na acumulação e vés da confirmação ritual desses signos
na transmissão interna de capacidades relacionais, cuja função (cru) é marcar
e riquezas simbólicas que confirmam a alteridade e/ou a distintividade no
diferenças sociológicas. Ali predominaria interior da sociedade, ou por meio da
a idéia de uma fundação em que as con- sua circulação cotidiana, cuja função
dições de reprodução social são dadas (cozido) é a produção da identidade,
de uma vez por todas, ao contrário dos ou seja, da construção de um corpo
sistemas centrífugos, em que a produção de parentes através da ampliação das
depende necessariamente da reposição relações de cuidado, troca, partilha e
contínua de novos elementos adquiridos convívio.
no exterior. O livro, no entanto, é um tanto de-
Gordon, no entanto, irá insistir no ca- salentador na medida em que elucida
ráter centrífugo da sociedade Xikrin, pois as contradições do modo de vida xikrin.
na economia política de pessoas e no sis- Se, por um lado, o acesso fácil aos
tema de personificação ou subjetivação, bens dos brancos permite aos Xikrin a
o processo de circulação imprime uma realização de muitas festas de confir-
perda progressiva de valor dos nékrets mação dos nomes bonitos, produzindo
e dos objetos, dinamizando a natureza mais identidade onde se deveria estar
expansionista e o caráter centrífugo do produzindo mais alteração, por outro, a
sistema. Além disso, outra problemá- diferença é buscada em outro nível, qual
tica que Gordon coloca em relação às seja, no consumo diário dos bens dos
elaborações de Fausto diz respeito ao brancos, o que aumenta, para os Xikrin,
conceito de consumo produtivo para a o risco de virarem kuben (branco). Daí
guerra ameríndia, que enfatiza o caráter a necessidade de novas confirmações
destrutivo de corpos como impulsionador rituais e, por conseguinte, mais consu-
da produção social de pessoas. Na pre- mo. A questão é que esse ciclo vicioso
dação mebêngôkre, o que interessa não retroalimenta-se cada vez mais da
são as propriedades imediatamente cor- fome, inflacionando sempre o sistema
póreas do inimigo; a ênfase está menos e afligindo, nas palavras do autor, os
na morte que no butim. Destina-se antes “irredutíveis Xikrin”.
a “absorver a diferença do estrangeiro