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Ambivalências na concepção artística de Michelangelo

Até mesmo suas descrições de gênero sexual são ambíguas, em várias de suas
pinturas e esculturas as mulheres são quase tão musculosas quanto os seus homens e a
única diferença visível é a presença de seios e ausência de um pênis. Por outro lado,
algumas de suas figuras masculinas têm uma languidez e afetação postural só
encontradas na representação feminina de seu tempo. Mesmo que em várias imagens
seja aparente um androginismo, é amplamente reconhecida sua preferência pelo corpo
masculino, especialmente nu, que é fio condutor de toda a sua produção artística, e
abunda mesmo em suas composições sacras. O nu masculino aparece desde a sua
primeira escultura autenticada, a Centauromaquia, numa de suas primeiras pinturas, o
Tondo Doni, continua pela sua carreira afora, no Baco, no David, no Cristo Redentor, nos
Escravos e nos Cativos, no Gênio da Vitória, no Jovem ajoelhado e várias outras
esculturas, toma a vasta maioria de seus desenhos, é tema de suas poesias e se
multiplica nas pinturas A Batalha de Cascina, no teto e no Juízo Final da Sistina. Tal
frequência desde aquele tempo tem provocado reações negativas em setores da Igreja, a
ponto de o Papa Paulo IV mandar cobrir as genitálias expostas de várias figuras nos
afrescos da Sistina, e o Cristo Redentor em mármore sofrer o mesmo destino, recebendo
um manto de bronze.
Seu estilo e iconografia nos últimos dois séculos têm sido objeto do mais acalorado
debate entre os críticos e historiadores, a ponto de Barolsky ter dito ironicamente que a
copiosa bibliografia produzida sobre ele é ela mesma "michelangelesca", e embora
Michelangelo seja em geral contado na mais alta estima, pouco consenso sobre pontos
específicos pôde ser conseguido. Entretanto, em sua poesia ele deixou muitas pistas
sobre suas ideias artísticas e sobre a vida, e nela, conforme foi sugerido por escritores
como Erwin Panofsky e Carlo Argan, parece transpirar o Neoplatonismo como uma
influência preponderante, da forma como ele foi interpretado pelos humanistas e poetas
cristãos italianos como Marsilio Ficino, Pico della Mirandola, Dante Alighieri e Petrarca.
Martin Weinberger, de inclinação formalista, rejeitou a explicação transcendental e
assinalou que não se pode atribuir com certeza a uma escola definida de pensamento
ideias que pertenciam à cultura renascentista como um todo e estiveram sujeitas a uma
multiplicidade de correntes. Também disse que Michelangelo dificilmente teria colocado
sua arte acima da natureza, e que sua obra requer um estudo mais dentro do domínio da
arte pura — seu tratamento dos materiais, a evolução de suas formas e de sua linguagem
plástica. É possível que uma síntese de ambas as visões seja o caminho mais adequado
para se compreender melhor sua produção. De fato a interpretação de uma peça
específica muito dificilmente pode ser circunscrita a qualquer fonte individual, mas em
linhas gerais a explicação transcendental parece permanecer a tendência mais forte entre
a crítica para interpretar seu estilo e motivações como um todo. Parece bastante claro que
para Michelangelo a busca da transcendência foi uma força propulsora em todo o seu
trabalho, como foi documentada de várias maneiras, mas estava firmemente inspirada na
beleza que ele via no mundo físico, transformada pelo poder do Amor residente na alma
em algo, então sim, divino.

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