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A paixão de Michelangelo

Entre os homens que ocuparam lugar em seus pensamentos, o maior foi Tommaso
dei Cavalieri, um patrício amante das artes. Na época, Cavalieri era um jovem de 17 anos
de idade, e Varchi, que também o conheceu, disse que ele que tinha um temperamento
calmo e despretensioso, uma fina inteligência e educação, e uma beleza incomparável, e
por tais qualidades merecia o amor de quantos o conhecessem. Logo após seu primeiro
contato Michelangelo enviou-lhe duas breves cartas. Numa delas, disse:
"Percebo agora que não posso esquecer vosso nome assim como não posso
esquecer a comida com a qual vivo — não! antes eu poderia esquecer a comida com que
vivo, que infelizmente alimenta apenas o corpo, mas não vosso nome, que nutre minha
alma e meu corpo, enchendo ambos de tamanho deleite que me torno imune à tristeza e
ao medo da morte, isso enquanto vossa memória dura em mim. Imaginai se o meu olho
estivesse também fazendo sua parte (uma referência à distância física entre eles) o
estado em que eu me encontraria!".
Em outra carta, para seu amigo Sebastiano del Piombo, disse:
"Se o vires, imploro-te que me recomendes a ele mil vezes, e quando tu me
escreveres diz-me algo a seu respeito para eu ter o que colocar na mente, pois se eu
esquecê-lo creio que no mesmo instante cairei morto".
Para ele Michelangelo escreveu cerca de quarenta poemas, presenteou-o com
desenhos, e foi o único de quem pintou um retrato, uma obra infelizmente perdida. Entre
os desenhos que deu a Tommaso estão um Rapto de Ganimedes, a Queda de Phaeton, a
Punição de Tytus, e um Bacanal de crianças, cujos temas são sugestivos. Ainda que
Cavalieri tenha retribuído o amor do artista em grande medida e o tenha expressado
várias vezes, inclusive em cartas, não parece ter sido apaixonado, e o teria cultivado
dentro da esfera da amizade, o que segundo Ryan foi fonte de muita angústia e
desapontamento para Michelangelo. Entretanto, em uma das cartas que Tommaso enviou
a Michelangelo, encontra-se uma passagem ambígua que reza: "…che Vostra Signoria
torni presto, perché tornando liberarete me di prigione: perché io fuggo le male pratiche, e
volendo fugirle non posso praticare altri che con voi". Uma tradução direta é "...que Vossa
Senhoria volte logo, porque voltando me libertareis da prisão: porque eu fujo das más
práticas, e querendo fugir delas não posso praticar com ninguém mais senão convosco".
Frederick Hartt traduziu praticare como fazer amor, mas vários dicionários consultados
não fazem qualquer associação de praticare com fazer amor, e a traduzem no sentido de
fazer amizade, frequentar, visitar com frequência e conhecer, de modo que a
interpretação desta passagem permanece duvidosa. O que é certo é que sua relação se
transformou em uma sólida lealdade, sobrevivendo a alguns atritos e à transformação do
jovem em um pai de família, perdurando até a morte de Michelangelo.

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