Você está na página 1de 26

I •

Capítulo 1

PERSPECTIVAS SOBRE APRENDIZAGEM


E MEMÓRIA

Aprendizagem e Adaptação
A aprendizagem é uma atividade crucial na cultura hu- Por que, então, um comportamento seria adquirido por
mana. A própria existência de uma cultura depende da meio de aprendizagem em vez de ser inatamente deter-
capacidade de os novos membros aprenderem conjun- minado? Alguns ambientes não são estáveisou preditíveis
tos de habilidades, normas de comportamento, fatos, o bastante para permitirem que comportamentos sejam
crenças e daí por diante. As pessoas estabelecem insti- modelados por meio de um processo evolucionário.
tuições de ensino dedicadas à aprendizagem e investem Quando o ambiente se modifica, os comportamentos que
frações substanciais de seus recursos nessas instituições. serviram a uma geração não mais servirão à próxima. Por
Grande parte de suas vidas elas passam aprendendo a exemplo, as abelhas precisam aprender novas rotas para
fazer as coisas, em vez de realizá-Ias de fato. Os seres coleta de alimento todos os anos, e os seres humanos
humanos são excepcionais em termos de flexibilidade precisam adaptar-se às revoluções tecnológicas a cada
comportamental; eles podem aprender a viver no mun- nova geração. O surgimento do automóvel, por exem-
do da Idade da Pedra em que vivem as tribos da Nova plo, exigiu que os seres humanos aprendessem um con-
Guiné, da mesma maneira que conseguem adaptar-se junto de comportamentos que não haviam sido anteci-
ao mundo sem gravidade de um astronauta orbitando a pados na sua história evolucionária. A modelagem dos
Terra.Certamente, os seres humanos não têm o monopó- comportamentos das espécies pela aprendizagem é pro-
lio da aprendizagem. Criaturas mais primitivas também porcional à complexidade. Quanto mais variável é o am-
são capazes de algum grau de aprendizagem, assim como biente, mais plástico o comportamento deve ser.
determinados programas computacionais na atualidade. As espécies podem ser designadas por uma dimen-
são de plasticidade comportamental. Para algumas es-
Todavia,a capacidade é inigualável, no sentido de que não
pécies, a maior parte dos comportamentos é inatamente
há nenhuma outra forma de vida ou coisa artificial que
especificada; outras espécies são capazes de aprender
tenha capacidade de aprendizagem comparável à capaci-
uma grande variedade de novos comportamentos. As
dade humana.
espécies que têm maior capacidade de aprendizagem não
A sobrevivência das espécies exige que os seus mem-
estão necessariamente em vantagem em termos de
bros comportem -se de modo a se adaptarem ao ambi-
capacidadedade de sobrevivência. Tome como exemplos
ente. O comportamento pode se adaptar ao ambiente de
três organismos vivos situados nesse continuum de plas-
duas maneiras. Por meio da evolução, a pressão do ambi-
ticidade comportamental a barata, o rato e o ser huma-
ente seleciona traços comportamentais que são favorá- no. A barata só é capaz de aprender coisas mais simples,
veis naquele ambiente, e esses traços podem ser trans- tais como evitar uma área perigosa; o rato pode aprender
mitidos de geração a geração como parte da herança ge- muito mais sobre a natureza do seu ambiente e, por esse
nética inata das espécies. Por exemplo, os seres huma- motivo, tem sido um animal de laboratório favorito para
nos nasceram com o reflexo de sucção que é ativado quan- os estudos em aprendizagem; a espécie humana é, pro-
do a boca do bebê é colocada próxima ao bico do seio porcionalmente, a mais plástica. A despeito da sua imensa
matemo. Por meio da aprendizagem, que é o segundo diferença quanto à capacidade de aprendizagem, todos
modo de adaptação, o organismo ajusta seu comporta- esses organismos habitam as cidades modernas e ne-
mento para refletir o que aprendeu sobre seu ambiente. nhum deles se mostrou mais bem-sucedido que os ou-
Uma vez que a adaptação por meio de comportamentos tros em termos da sobrevivência de sua espécie. Dentro
inatos capacita o organismo a ingressar em seu ambien- da cidade, a barata, o rato e o ser humano ocupam ni-
te imediatamente pronto para agir, ela é preferível à adap- chos diferentes, que são bastante diferentes em termos
tação realizada por meio de comportamentos adquiri- de possíveis comportamentos. As baratas vivem princi-
dos, que demanda um período de aprendizagem perigo- palmente no interior das paredes e sobrevivem usando
so, durante o qual o organismo não sabe como agir. instintos básicos, tais como esquivar-se com leveza e pro-
l \-,

2 CAPfTIJLo UM

curar refúgio em lugares apertados e apinhados, que lhes crença comum é que a capacidade humana para a apren-
têm servido de abrigo há 320 milhões de anos (e que con- dizagem complexa é responsável pelo uso de ferramen-
tinuam lhes servindo muito bem nos apartamentos mo- tas, mas evidências arqueológicas sugerem o inverso.
dernos). O comportamento dos ratos é mais rico. Os ra- Nossos ancestrais, providos de cérebro menor, iniciaram
tos são capazes de explorar o conhecimento que adqui- o uso de ferramentas. Somente depois de o uso de ferra-
rem sobre seu ambiente, tais como os vários caminhos mentas estar amplamente estabelecido foi que ocorreu
que ligam diferentes lugares e os locais em que o ali- um aumento do tamanho do cérebro de nossos ances-
mento pode ser encontrado. O comportamento dos se- trais evolucionários. O uso de ferramentas criou um am-
res humanos é ainda mais complexo, em particular se biente mais complexo e exigia maior capacidade de
considerarmos o potencial humano para usar uma am- aprendizagem. Uma vez que a capacidade de aprendiza-
pla variedade de artefatos, desde interruptores de ener- gem aumentou, as ferramentas tomaram-se ainda mais
gia elétrica até pesticidas. É a potencial complexidade do complexas, criando, assim, um efeito bola de neve: am-
comportamento que cria a demanda pela aprendizagem. bientes mais complexos demandavam mais aprendiza-
Uma dimensão especialmente importante da comple- gem, o que criava ambientes mais complexos e assim por
xidade no ambiente humano é produzida pelos artefatos diante. Em certo sentido, esse efeito bola de neve fugiu
ou ferramentas criados pelos próprios seres humanos. Os ao controle na sociedade moderna - a tecnologia criou
habitantes das cidades (e, em grande medida, os habi- um ambiente repleto de grandes perigos (drogas, riscos
tantes das áreas rurais) vivem em um ambiente quase ambientais, armas nucleares etc.), os quais não aprende-
totalmente moldado por eles mesmos, e bastante dife- mos a administrar e aos quais não tivemos tempo de nos
rente do ambiente existente apenas 100 anos atrás. Uma ajustar ao longo da evolução.

A aprendizagem é o mecamsmo pelo qual os orgamsmos podem adaptar-se às modificações arnbientais.

Abordagens Behaviorista e Cognitiva


Este livro é intitulado Aprendizagem e Memória. A próxi- gem foi realizado com animais não-humanos devido a
ma seção deste capítulo oferece definições desses dois um determinado número de razões:
termos. Embora tenham relação quanto ao significado
• O behaviorismo surgiu na virada do século XX,
os dois conceitos referem-se a linhas separadas de pes-
quando ainda havia uma grande euforia em tomo
quisa em psicologia. A aprendizagem está associada às
das novas idéias relativas à evolução. Oarwin argu-
abordagens behavioristas da psicologia e a memória está
mentava que os seres humanos estavam em conti-
ligada às abordagens cognitivas da psicologia.
nuidade com outros animais; supunha-se que as
O behaviorismo é uma abordagem da psicologia que
leis da aprendizagem que eram válidas para os ani-
teve início nos Estados Unidos no início do século XX,
mais também o seriam para os seres humanos.
quando os behavioristas buscaram desenvolver teorias
• Os animais permitiriam aos pesquisadores estudar
sobre o comportamento de um organismo sem fazer re-
a aprendizagem de forma pura, ainda não conta-
ferência ao que esta ocorrendo na mente do organis-
minada pela cultura e pela linguagem.
mo. Eles sustentavam que falar sobre coisas que ocorri-
• Os experimentos conduzidos com animais eram
am na mente de organismos inferiores como os ratos
sujeitos a menos restrições de cunho ético do que
não era científico, e consideravam apenas um pouco
aqueles conduzidos com seres humanos.
melhor sobre a atribuição de mente aos seres huma-
nos. O behaviorismo dominou a psicologia americana Uma importante mudança teórica na psicologia teve
durante a primeira metade do século XX.Algumas das início nos anos 1950, baseada, em parte, na crença de que
principais idéias do behaviorismo serão revisadas em os behavioristas haviam criado um retrato excessivamen-
uma seção posterior deste capítulo, que também discu- te simples da cognição humana. O cognitivismo defen-
te sobre alguns dos mais importantes pesquisadores do dia a posição de que processos mentais complexos desem-
behaviorismo. penhavam papel importante na modelagem do compor-
A aprendizagem foi fundamental para a concepção dos tamento humano, e grande parte do domínio de investi-
behavioristas. Eles pensavam que a maior parte do com- gação foi direcionada para o estudo desses processos men-
portamento animal e humano poderia ser compreendi- tais. A pesquisa cognitiva passou a ocupar uma grande
da como resultado de mecanismos de aprendizagem bá- proporção da psicologia a partir de 1950 e, por conseguin-
sicos que operavam nas experiências fornecidas pelo am- te, a pesquisa puramente comportamental passou a ter
biente. Muito da pesquisa behaviorista sobre aprendiza- menor proporção. Os psicólogos cognitivistas estudavam
PERsPECTIVAS SOBRE APRENDIZAGEM E MEMÓRIA 3

a aprendizagem, mas o faziam à guisa dos chamados ex- va, e houve um ressurgimento de mais teorias behavio-
perimentos de memória em sujeitos humanos. Um expe- ristas sobre a aprendizagem na pesquisa sobre memória
rimento típico envolvia solicitar aos sujeitos que estudas- humana.
sem uma seção de um livro-texto, tal como este, e depois Este livro cobre a pesquisa de ambas as tradições, mas
testá-los para ver o que eles poderiam evocar. aborda as sínteses que estão ocorrendo hoje nesse cam-
Essa história resultou em duas tradições para o estu- po. Do começo ao fim do livro, a ênfase concentra-se na
do da aprendizagem. A tradição comportamental enfoca sígnífícância dos resultados da pesquisa para a compre-
a aprendizagem animal, enquanto a tradição cognitiva ensão da aprendizagem e da memória humana. O pro-
enfoca a aprendizagem humana. Grande parte da pes- pósito básico deste capítulo é descrever as abordagens
quisa em aprendizagem humana foi conduzida sob o tí- tradicionais do estudo da aprendizagem e da memória,
tulo de memória humana, como ilustra o próprio título estabelecendo, dessa maneira, a plataforma para os de-
deste livro, Aprendizagem e Memória. A separação dessas mais capítulos, que giram em tomo das informações re-
duas tradições é fundamentalmente artificial e começou veladas por essas abordagens. Antes de prosseguir, te-
a entrar em colapso. Grande parte da pesquisa atual em mos de retomar à espinhosa tarefa de definir os termos
aprendizagem animal tem uma forte orientação cogniti- aprendizagem e memória.

Por razões históricas, a pesquisa em aprendizagem tem sido dividida em estudos da aprendizagem
animal de orientação comportamental e estudos da memória humana de orientação cognitiva.

Definições de Aprendizagem e Memória


A maioria das pessoas imagina conhecer bem o sentido servações. Como iremos discutir nos próximos capítulos,
dos termos aprendizagem e memória. Entretanto, especifi- recentes avanços no campo do registro neural têm pos-
car o significado preciso desses termos pode ser uma ta- sibilitado aos psicólogos "ver" a aprendizagem que está
refa extremamente frustrante. A seguir veja a definição ocorrendo na mente de seus sujeitos.
de aprendizagem mais comumente encontrada: Potencial. Nem tudo que aprendemos tem impacto em
nosso comportamento. Um indivíduo pode aprender o
A aprendizagem é o processo pelo qual modifica-
nome de outra pessoa mas jamais ter oportunidade de
ções duradouras ocorrem no potencial comporta-
usá-Io.Assim, os psicólogos não exigem uma modifica-
mental como resultado da experiência.
ção espontânea no comportamento, mas apenas uma
Vamos examinar os termos-chave dessa definição: modificação no potencial para o comportamento. Os
psicólogos precisam desenvolver um teste comporta-
Processo. A aprendizagem geralmente se refere ao pro-
mental para explorar esse potencial e mostrar que, de
cesso de modificação. A memória, por sua vez, costuma
fato, a aprendizagem ocorreu. Por exemplo, para deter-
se referir ao produto da modificação.
minar se um animal de estimação aprendeu ou não um
Duradouras. A qualificação de que a modificação é re- truque, freqüentemente se faz necessário oferecer ao
lativamente permanente é designada para excluir certas animal uma recompensa. Os psicólogos fazem distin-
modificações transitórias que não se parecem com a ção entre aprendizagem e desempenho: a aprendiza-
aprendizagem. A fadiga é um exemplo simples daquilo gem se refere a uma modificação subjacente e o desem-
que os teóricos da aprendizagem desejam excluir. Uma penho refere-se a uma manifestação comportamental
pessoa que desempenha uma tarefa de maneira repetitiva dessa modificação.
pode ficar cansada e o resultado disso é uma modifica- Experiência. Os potenciais comportamentais se modifi-
ção no desempenho. Descansado, o indivíduo retoma ao cam por outras razões que não a aprendizagem. À medi-
seu nível de desempenho original. da que envelhecemos, nosso corpo se desenvolve e nos-
Comportamental. Até recentemente, os psicólogos pre- so potencial para o comportamento muda, mas não de-
cisavam de alguma manifestação externa da aprendiza- sejaríamos considerar o crescimento físico como apren-
gem no comportamento do indivíduo. Se uma pessoa dizagem. De modo semelhante, um acidente grave pode
aprende alguma coisa mas isso não afeta o seu compor- mudar substancialmente o potencial de uma pessoa para
tamento porque é mantido em segredo, como pode o o comportamento, mas não gostaríamos de considerar
psicólogo saber o que foi aprendido? Até recentemente, um braço quebrado como aprendizagem. O termo expe-
os psicólogos não tinham como observar o interior da riência tem o intuito de separar as modificações compor-
mente dos seus sujeitos; eles podiam apenas observar o tamentais que interessam aos teóricos da aprendizagem
omportamento e fazer inferências a partir de suas ob- daquelas que não estão na sua esfera de interesse.
4 CAPITuLoUM

Consideremos agora uma definição do termo me- gumentava que não existia algo como a memória, e
mória. que as pessoas simplesmente aprendiam modos de
se comportar. Os behavioristas preferiam teorias que
Memória é o registro da experiência que é subja-
fossem expressas somente em termos comportamen-
cente à aprendizagem.
tais e desconfiavam das referências a constructos
Esta definição de memória depende da definição de mentalistas, como é o caso do registro de memória. A
aprendizagem. Todavia, contém um elemento que não relutância em discutir esses constructos de memória
está incluído na definição de aprendizagem. Trata-se do desapareceu quase por completo, uma vez que os pes-
termo registro. O uso desse termo implica a pro- quisadores estão começando a entender as modifica-
posição teórica de que uma modificação mental in- ções neurais que corporifiam os registros de memó-
corpora (embodies) a experiência de aprendizagem. ria. Quando é possível abordar uma modificação neu-
Essa modificação mental é a criação de um registro ral precisa em vez de discutir uma mudança men-
de memória. Os teóricos da aprendizagem nem sem- tal vaga, a desconfiança dos behavioristas em relação
pre estiveram de acordo em que a aprendizagem exi- aos constructos de memória começa a evaporar-se.
ge a criação de registros de memória. John Watson, o Uma parte deste livro é dedicada à discussão da base
fundador da escola behaviorista da aprendizagem, ar- neural da memória.

A aprendizagem refere-se ao processo de adaptação do comportamento à experiência, e a memória


refere-se aos registros permanentes que são subjacentes a essa adaptação.

História da Pesquisa em
Aprendizagem e Memória
A psicologia como campo científico tem pouco mais de estudos conduzidos pelo psicólogo russo Ivan Pavlov,
100 anos de existência. Desde o início, a aprendizagem sobre condicionamento em cães. A terceira foi uma série
tem sido uma area importante de pesquisa. Uma razão de estudos dirigida pelo psicólogo americano Edward
para o interesse inicial pela aprendizagem foi a teoria da Thomdike, sobre a aprendizagem por ensaio e erro em
evolução, elaborada por Charles Darwin. A publicação gatos. Pavlov e Thomdike ajudaram a inspirar o movi-
do seu livro Da Origem das Espécies em 1859 capturou a mento behaviorista americano, que dominou a pesquisa
imaginação do mundo intelectual com sua ênfase em em aprendizagem na primeira metade do século XX.Eb-
como a seleção natural modificou as espécies, de modo binghaus deu início a uma tradição em pesquisa que, após
que elas se adaptassem melhor ao seu ambiente. Os teó- a revolução cognitiva nos anos 1950 e 1960, tomou-se o
ricos da aprendizagem viram as suas pesquisas como uma paradigma dominante no estudo da memória humana.
extensão evidente da pesquisa de Darwin. Enquanto A história da pesquisa sobre aprendizagem nos Estados
Darwin dedicava-se à adaptação através de gerações de Unidos é, na verdade, uma história das tradições de pes-
uma espécie, os teóricos da aprendizagem preocupavam- quisa iniciadas por esses três indivíduos e de como essas
se com a adaptação progressiva de um membro indivi- tradições interagiram com a atmosfera intelectual da psi-
dual de uma espécie ao longo do seu ciclo de vida. A cologia americana.
compreensão da relação entre a adaptação geral das es- As pesquisas desses três pioneiros e de outros psi-
pécies e a aprendizagem individual é ainda hoje um tema cólogos influentes serão apresentadas a seguir. O objetivo
atual de pesquisa. dessa revisão histórica é duplo. Primeiro, ela introduz as
Três linhas de pesquisa iniciadas na virada do século metodologias que fazem parte da prática atual de pesqui-
XXinfluenciaram grande parte da história subseqüente sa. Segundo, estabelece o fundo contra o qual a pesquisa e
da pesquisa em aprendizagem e memória. Uma das li- a teoria contemporâneas podem ser examinadas, em par-
nhas de pesquisa foi uma série de estudos realizados pelo ticular por mostrar que um número de idéias sobre apren-
psicólogo alemão Hermann Ebbinghaus, que usou a si dizagem e memória foi considerado antes de que a área se
mesmo como sujeito único. A segunda foi uma série de estabelecesse sobre as concepções correntes.

A pesquisa em aprendizagem e memória foi iniciada por Ebbinghaus, Pavlov e Thorndike na virada do
século XX.
I'ERsPECITVAS SOBRE APRENDIZAGEM E MEMÓRIA 5

60
Hermann Ebbinghaus (1850-1909)
Ebbinghaus conduziu os primeiros estudos rigorosos so-
bre a memória humana e publicou o tratado Über das "#. 50
Gediichtnis ("Conceming Memory") em 1885. Ebbinghaus 6
usou a si mesmo como sujeito único. Ele ensinou a si mes- ~
·E
mo uma série de sílabas sem sentido que consistiam em o
c 40
trigramas formados por consoante-vogal-consoante, tais 8
como DAX, BUP e LOe. Ebbinghaus pensava que sílabas 'a
"
E
sem sentido constituíam um material experimental melhor ~ 30
porque não tinham associações previamente aprendidas.
Em um experimento, Ebbínghaus aprendeu listas de 13 sí-
labas até o ponto em que se sentia capaz de repetir as listas
200 400 600 800
duas vezes, em ordem, sem errar. Em seguida examinou
Horas de intervalo
sua capacidade de evocar essas listas a intervalos variados.
Ebbinghaus mensurou o montante de tempo de que ne- Fig. 1.1 Função de retenção de Ebbinghaus mostrando o percentu-
cessitava para reaprender as listas segundo o mesmo crité- al de tempo economizado como função do intervalo. Ebbinghaus uti-
rio das duas recitações perfeitas. Em um caso, levou 1.156 lizou intervalos que iam de 20 minutos a 31 dias.
segundos para aprender a lista pela primeira vez e apenas
467 segundos para reaprendê-la. Ele estava interessado em
quão mais fácil era reaprender a lista. Nesse exemplo, ele po, refletindo o aprimoramento da aprendizagem das lis-
economizou 1.156 - 467 = 689 segundos. Ebbinghaus tas.' O gráfico da Fig. 1.2 é designado como curva de
expressou essas economias de tempo como uma percen- aprendizagem. Tal como a curva de retenção da Fig. 1.1,
tagem da aprendizagem original: 689 -:- 1156 = 64,3%. a curva de aprendizagem tem aceleração negativa, com
A Fig. 1.1 exibe essas medidas de retenção como função ganhos menores a cada dia. O formato das curvas de
do intervalo por meio do que se designa curva de reten- aprendizagem é discutido em mais detalhe no Capo 6.
ção. O esquecimento inicial é rápido, mas a taxa de es- As contribuições iniciais de Ebbinghaus foram meto-
quecimento decresce drasticamente ao longo do tempo. dológicas e empíricas. Ele mostrou como a memória hu-
Diz-se que a função mostrada na Fig. 1.1 tem uma acele- mana podia ser rigorosamente estudada, e identificou
ração negativa por causa do rápida decréscimo na taxa algumas importantes relações empíricas, tais como as
de esquecimento. O Capo 7 discutirá em detalhe as cur- curvas de retenção e de aprendizagem, que resistiram ao
vas de retenção. teste do tempo. As explicações teóricas de Ebbinghaus
Em outro experimento, Ebbinghaus reaprendia as lis- para o fenômeno não exercem muita influência na pes-
tas de sílabas sem sentido todos os dias, durante seis dias. quisa de aprendizagem subseqüente.ê Iodavia, ele plan-
A Fig. 1.2 mostra o número de ensaios necessários para a tou as sementes de uma tradição de pesquisa em memó-
reaprendizagem das listas a cada dia. Como se pode ob- ria humana que acabou por se tomar mais proeminente
servar, o número de ensaios decrescia ao longo do tem- do que a pesquisa de aprendizagem em animais.

Ebbinghaus estabeleceu metodologias experimentais para o estudo do fenômeno da memória, tais como
a curva de retenção e a curva de aprendizagem.

Ivan Petrovich Pavlov (1849-1936) A Fig. 1.3 ilustra o condicionamento clássico na situa-
A reconhecida descoberta de Pavlov do reflexo condici- ção experimental conduzida por Pavlov. A metodologia
onado foi um subproduto acidental do estudo em fisio- básica começa com o estímulo não-condicionado
logia da digestão, que lhe possibilitou ganhar o Prêmio (ENC), biologicamente significativo, que evoca reflexi-
Nobel. Como parte de sua pesquisa, Pavlov colocou pó vamente uma resposta não-condicionada (RNC). O
de carne na boca de um cão e mensurou a salivação. alimento, por exemplo, é um ENC e a salivação é uma
Descobriu que, depois de algumas sessões, a mensura- RNe. O ENC é emparelhado a um estímulo condicio-
ção exata era impossível, porque os cães salivavam as- nado (E C) neutro, tal como uma campainha. Após um
sim que os condutores do experimento entravam na sala. número de emparelhamentos desse tipo, o EC adquire a
Pavlov começou a fazer experimentos com esse fenô- capacidade de evocar a resposta por si mesmo. Quando
meno, que é conhecido como condicionamento clás- ocorre a resposta ao EC, ela é denominada resposta con-
sico. dicionada (RC).
6 CAPITuLo UM

500 re a capacidade de evocar uma piscadela, na ausência de


um ENC original. O condicionamento palpebral também
é um paradigma freqüente com não-humanos.
j 400
Um paradigma do condicionamento clássico, que foi
amplamente enfocado por pesquisas nas últimas déca-
das, envolve a resposta emocional condicionada (REC).
Quando um animal, tal como o rato, está diane de um
estímulo repugnante, como, por exemplo, um choque de
200
média voltagem, ele responde de modo característico: o
batimento cardíaco se acelera, a pressão arterial se eleva
100 e o animal libera certos hormônios. O rato também ten-
de a se paralisar e interromper qualquer resposta que
oL--L __ ~~L--L __ ~~
estiver executando. Partes desse padrão de resposta po-
234 5 dem ser condicionadas a um EC, tal como um sinal so-
Dias de prática noro. Para mensurar a REC, os pesquisadores treinam um
animal para que desempenhe alguma tarefa, tal como
Fig. 1.2 Dados de prática de Ebbinghaus, mostrando o número total
pressionar uma alavanca para obter alimento. O grau em
de ensaios necessários para se dominar um conjunto de listas como
que o animal se paralisa e, em seguida, reduz a taxa de
função do número de dias de prática.
pressão da alavanca quando o EC é apresentado é consi-
derado uma medida da força da REC.
O Capo2 discute a pesquisa contemporânea e as ques-
Embora a pesquisa original de Pavlov envolvesse ali-
tões que envolvem o paradigma do condicionamento
mento e salivação, uma variedade de ENCs e RNCs foi clássico, mas alguns dos fenômenos básicos estabeleci-
usada para o desenvolvimento dos RCs. Um paradigma
dos por Pavlov (1927) merecem destaque. São eles:
freqüentemente utilizado com seres humanos implica
condicionar uma piscadela (RNC) que ocorre em resposta 1. Aquisição. A magnitude da resposta condicionada
a um sopro de ar nos olhos (ENC). Uma luz ou um sinal pode ser mensurada como função do número de
sonoro repetidamente pareados com o sopro de ar adqui- pareamentos entre o ENC e o EC. A RC não apare-

Tempo -----------------~ ••

(a) Pareamento inicial

Seqüência de apesentação
pelo pesquisador

Resposta do organismo:
EC
(campainha)
ENC
(alimento)

-. RNC
(salivação)

(b) Resposta condicionada

Seqüência de apresentação
pelo pesquisador

Resposta do organismo:
EC

-.
(campainha)

RC
(salivação)
ENC
(alimento)

~RNC
(salivação)

-,
(e) Extinção

Seqüência de apresentação EC
pelo pesquisador (capainha)

Resposta do organismo: RC
(salivação)

Fig. 1.3 Procedimento experimental no condicionamento clássico: (a) o EC está pareado ao ENC, que evoca uma RNC; (b) como resultado, o
EC adquire a capacidade de evocar uma RC; (c) o EC pode continuar a evocar a RC algum tempo após o ENC ter sido removido, mas,
eventualmente, ele irá extinguir-se.
PERSPECITVAS SOBRE APRENDIZAGEM E MEMÓRIA 7

Pavlov observando o condicionamento de um cão.

ce subitamente a plena força. A Fig. 1.4 ilustra que para as funções de condicionamento (ou curvas)
a força da RC cresce gradualmente com a repeti- obtidas no condicionamento clássico com curvas
ção. Isso é denominado processo de aquisição. A de aprendizagem, tais como aquelas obtidas por Eb-
curva de condicionamento típica obtida durante binghaus (Fig. 1.2). Elas são semelhantes mas não
a aquisição mostra um pequeno crescimento inici- iguais, uma vez que a função do condicionamento
al, seguido de um crescimento maior, até que al- geralmente se inicia com uma mudança lenta, en-
gum nível assintótico seja alcançado. A partir daí, a quanto a curva de aprendizagem quase sempre exi-
taxa de crescimento começa a cair.O padrão de con- be a sua mudança mais rápida logo de início.
dicionamento inicialmente lento, depois rápido e 2. Extinção. O que acontece quando o ENC não está
novamente lento é freqüentem ente sintetizado na mais pareado com o EC? A Fig. 1.4 mostra que a
expressão curves em forma de S. O Capo6 com- magnitude da resposta condicionada decresce gra-

15

Ü 10
UJ
g
o
oc"

.~
~ 5

I I I I I I I I
1 2 3 4 5 6 7 B 9 10 11 12 13 14 15 16 1 2 3 4 5 6 7 B 9 10

Ensaios de aquisição Ensaios de extinção

Fig. 1.4 Aquisição e extinção de uma resposta condicionada. (Segundo Pavlov, 1927.) Fonte: De Introduction to Psychology, 8" ed., por Rita
L. Atkinson, Richard C. Atkinson e Emest R. Hilgard. Copyright © 1983 by Harcourt Brace & Company. Reproduzido com permissão dos
editores.
8 CAPlluLo UM

dualmente, de acordo com o número de ensaios sujeito não depende da ordem em que as duas pa-
em que não ocorre ENC Isso é designado como lavras são estudadas.
processo de extinção. A função de extinção para o
Pavlov especulou sobre a base neural do condicionamen-
condicionamento é semelhante à função de esque-
to clássico. Propôs que a excitação neural fluía de um cen-
cimento ou retenção para a memória (por exern-
tro anterior e mais fraco do cérebro para um centro poste-
pIo, Fig. 1.1). Entretanto, tal como acontece com a rior e mais forte; e que a excitação neural do centro do
relação entre as funções de aquisição para a me- cérebro que é excitado pelo estímulo condicionado, fluía
mória e o condicionamento, existem diferenças. A para o centro do cérebro que é excitado pelo estímulo não-
mais importante é uma diferença metodológica condicionado. A excitação do EC evocava a resposta quan-
entre os experimentos que geram as duas funções. do chegava ao centro do ENC Pavlov enfeitou sua propo-
A função de esquecimento é obtida pela espera, sem sição fisiológica com várias idéias especulativas que pos-
a apresentação de um estímulo; mas a extinção exi- teriormente encontraram pouco apoio. Várias análises te-
ge a apresentação de um EC sem o ENC óricas alternatives surgiram ao longo dos anos. Embora
3. Recuperação Espontânea. Algum tempo depois discordassem de Pavlovem muitos detalhes, os pesquisa-
(por exemplo, um dia) de uma série de ensaios de dores tenderam a considerar o condicionamento clássico
extinção, o EC pode ser novamente apresentado um reflexo direto dos processos neurais automáticos de
sem o ENC A magnitude da RC geralmente evi- associação. Por ser considerado o reflexo da aprendiza-
dencia alguma recuperação. Essa recuperação es- gem automática, o condicionamento clássico tem sido o
pontânea é uma diferença entre esquecimento e paradigma favorito nos estudos que visam a compreender
extinção, porque é raro ocorrer alguma recupera- a base neural da aprendizagem, como motramos no Capo
ção espontânea do esquecimento. 2. O condicionamento clássico também ganhou populari-
4. Ordenamento Temporal. O condicionamento é dade nesse tipo de pesquisa fisiológica porque pode ser
mais forte quando o EC precede o ENC, e, às vezes aplicado em organismos primitivos, que são, muitas vezes,
falha em ocorrer se o ENC antecede o EC Por exem- sujeitos mais fáceis para estudo fisiológico. O Capo2, por
plo, o condicionamento palpebral fracassa quando exemplo, traz uma discussão do condicionamento da
o EC (sinal sonoro) acompanha o ENC (sopro). Aplysia, cujo sistema nervoso é muito mais fácil de ser es-
Dependendo da resposta, o intervalo ótimo entre o tudado do que o sistema nervoso dos mamíferos.
EC e o ENC pode variar de 0,5 s a 30 s ou mais. A A despeito da tendência de se olhar o condicionamen-
dependência da ordem do condicionamento não é to clássico como reflexivo e automático, o Capo2 mostra
observada nos resultados de um experimento de que a compreensão moderna do fenômeno geralmente o
memória típico. Em um experimento de memória, considera sob uma luz mais cognitiva e menos reflexiva.
o sujeito pode ter que aprender a dizer uma pala- Contudo, mesmo hoje o condicionamento clássico é fre-
vra, tal como cão, em resposta a uma outra palavra, qüentemente visto como o paradigma de escolha para o
tal como creme. A aprendizagem desse fato pelo estudo dos processos de aprendizagem simples e básicos.

Pavlov descobriu que, quando um estímulo neutro (EG) é pareado com um estímulo biologicamente
significativo (ENG), o EG adquire a capacidade de evocar respostas associadas ao ENG.

Edward L. Thorndike (1874-1949) ando e assim por diante, até que, acidentalmente en-
Thorndike estudou uma situação de aprendizagem bas- contrassem o dispositivo de abertura. Durante os ensai-
tante diferente daquela estudada por Pavlov. Sua pes- os, o comportamento aleatóric diminuía gradualmente
quisa original foi relatada em 1898. A Fig. 1.5 ilustra o conforme os gatos encontravam cada vez mais rapida-
aparato experimental de Thorndike, denominado caixa- mente o mecanismo de abertura e, assim, eram capazes
problema. Thorndike colocou um gato faminto dentro da de sair da caixa mais cedo. Thorndike se referiu a esse
caixa e, do lado de fora, colocou alimento. Se o gato pres- processo como aprendizagem por ensaio e erro. A Fig.
sionasse um dispositivo de abertura (por exemplo, um 1.6 mostra curvas de aprendizagem típicas relacionando
aro de metal), a porta se abria e o gato podia escapar e o número de ensaios e o tempo necessário para sair da
comer o alimento. Os gatos foram submetidos a repeti- caixa.
dos ensaios dessa tarefa, e Thorndike estava interessado Persiste a argumentação sobre se os gatos de
em descobrir com que rapidez eles aprendiam a sair da Thorndike aprendiam gradualmente (ao longo de uma
caixa-problema. A observação de Thorndike era que, de série de ensaios) a sair da caixa, ou se saiam da caixa
início, os gatos se comportariam mais ou menos aleato- subitamente e aprendiam em um único ensaio.
riamente, transitando dentro da caixa, arranhando-a, mi- Thorndike decidiu observar a progressão gradual nes-
PERSPECTIVAS SOBRE APRENDIZAGEM E MEMÓRIA 9

Fig. 1.5 Uma das quatro caixas-problema usadas por Thorndike na sua tese de doutorado.

sas curvas de aprendizagem e propôs que a resposta passou a dominar as outras respostas aleatórias. Thorn-
correta de pressionar o dispositivo de abertura para sair dike pensou que esse processo de fortalecimento fosse
era gradualmente fortalecida pela situação de estímulo automático e que não exigisse qualquer atividade cog-
de o gato estar na caixa-problema, de modo que esta nitiva da parte dos gatos.

120

M[ 60

o o
<i)
o
"O
c:
::>
O>
Q) 180
.!!!.
'"
O>
.2
Q)
"O

sE
M[
o 120
~

60

Ensaios Ensaios

Fig. 1.6 Curvas de aprendizagem para cinco gatos nas caixas-problemas de Thorndike. Fonte: De Psychological Monographs, volume 2 (de
uma série de 8), por E. L. Thorndike, Animal intelligence: An experimental study of the associa tive processes in animals. Copyright © 1898 by
The Macrnillan Company. Em domínio público.
10 CAPITuLo UM

o tipo de processo de aprendizagem estudado por ele reconsiderou esta afirmação e argumentou que
Thorndike é denominado condicionamento instru- o exercício puro não traz qualquer benefício e que
mental, em contra partida ao condicionamento clássico só o exercício recompensado produzia a aprendi-
de Pavlov. Em ambos os casos, uma resposta é aprendi- zagem. Thorndike apontou para experimentos tais
da a partir de uma situação de estímulo. No condicio- como o de Trowbridge e Cason (1932), em que os
namento clássico, o estímulo é o EC e a resposta é a RC. sujeitos praticavam o desenho de linhas de cerca
Nas caixas-problema de Thorndike, o estímulo é a cai- de 10 centímetros sem receberem qualquer feedback
xa-problema e a resposta é a ação apropriada de aber- e falharam em aprimorar sua precisão. Entretanto,
tura da caixa. Os dois tipos de aprendizagem demons- em muitas situações, a prática não-reforçada pare-
tram o fenômeno da prática, da extinção e da recupera- ce levar ao aprimoramento - por exemplo, a repe-
ção espontânea. No condicionamento instrumental, a tição da material para um teste. Com efeito, como
resposta é executada com vistas a obter o reforço de discutiremos no Capo6, a prática parece ser uma
escapar e obter alimento. O reforçador (alimento, fuga) variável fundamental na aprendizagem e na me-
pode ser visto como análogo ao ENC do condiciona- mória.
mento clássico, uma vez que é um estímulo biologica- 3. Princípio da Pertinência. Em 1933, Thorndike
mente significativo. Todavia, o ENC precede a resposta aceitou a noção de que algumas coisas são mais
no condicionamento clássico, enquanto no condiciona- fáceis de associar do que outras, porque pertencem
mento instrumental obter o reforçador está condicio- umas às outras. Isso era uma concessão aos psicó-
nado à resposta. Algumas pessoas vêem o condiciona- logos gestaltistas da época, que argumentavam que
mento instrumental como um tipo de aprendizagem é mais fácil associar coisas se elas são percebidas
mais volitivo, mas muitos compartilham da crença de como pertinentes umas às outras. Thorndike acei-
Thorndike de que cada fração do condicionamento ins- tava o princípio da pertinência com certa relutân-
trumental é tão automática quanto a do condicionamen- cia,pois este parecia envolver um componente cog-
to clássico. nitivo no processo mecânico de formar uma asso-
Thorndike continuou sendo um pesquisador e um teóri- ciação. Essa idéia de pertinência desempenhou um
co ativo durante toda a sua vida. Ele estava especialmen- papel proeminente nas modernas teorias de apren-
te interessado nas aplicações da teoria da aprendizagem dizagem e memória. Os animais têm certas predis-
à educação e seu nome está vinculado a um determina- posições biológicas para associar coisas. Os ratos,
do número de princípios de aprendizagem. Os três prin- por exemplo, como veremos no Capo2, estão espe-
cípios listados a seguir são particularmente importantes cialmente preparados para associar o paladar a en-
e identificam questões que continuam fundamentais nos
venenamento. Além disso, no domínio da memó-
dias de hoje. ria humana, a maneira pela qual o material é orga-
1. Lei do Efeito. Thorndike acreditava que o reforça- nizado afeta a sua facilidade de associação; por
dor era fundamental para a aprendizagem. Con- exemplo, como mostra o Capo6, a memorização de
forme encontra-se originalmente formulado em sua um par de palavras é bastante ampliada se as pala-
lei do efeito, reforçadores como o alimento forta- vras forem imaginadas dentro de uma imagem vi-
leciam as conexões (ou associações) entre estímulo sual interativa.
e resposta, e a punição, tal como o choque elétrico,
as enfraquecia. Evidências posteriores convenceram Thorndike e Pavlov transmitiram consideravelmente sua
Thorndike de que a punição era relativamente ine- inspiração para o movimento behaviorista que dominou
ficaz no enfraquecimento das respostas, mas ele a psicologia americana na primeira metade do século xx.
manteve sua crença de que o reforço era absoluta- Ambos eram tidos como precursores da teoria segundo
mente fundamental para a aprendizagem." A posi- a qual a aprendizagem poderia ser entendida como uma
ção de que o reforço era necessário para a aprendi- associação direta entre estímulo e resposta sem o postu-
zagem' comum a muitas teorias da aprendizagem lado da intervenção de processos mentais. Essa idéia con-
da época de Thorndike, provocou inúmeras tenta- duziu à crença de que todo comportamento pode ser con-
tivas de refutação experimental. Os mais notáveis siderado em termos de conexões entre estímulo e res-
esforços de pesquisa foram os experimentos de posta. [ohn Watson, o mais famoso dos primeiros beha-
aprendizagem latente, que discutiremos mais adi- vioristas, foi bastante influenciado porThorndike e Pavlov.
ante neste capítulo na seção que trata do trabalho Watson argumentava que os constructos mentais, tais
de Edward Tolman. como a tomada de decisão e a memória, eram excesso de
2. Lei do Exercício. Thorndike propôs originalmente bagagem e que todo comportamento humano pode ser
que a prática repetida de uma associação estímu- compreendido como resultado de associações aprendi-
lo-resposta fortalecia tal associação. Posteriormente, das entre estímulo e resposta.
I'ERSPEOlVAS SOBRE APRENDIZAGEM E MEMÓRIA 11

Thornclike pensava que uma conexão estímulo-resposta seria formada sempre que um reforço se se-
guisse à emissêo de uma resposta na presença do estímulo.

Clark L. Hull (1884-1952) D - Impulso.' De acordo com HulI, o comportamento


De cerca de 1930 a 1970, a psicologia americana foi do- não era simplesmente uma função da força do hábito,
minada por uma série de grandes teorias da aprendiza- como na lei do efeito de Thorndike. Um rato, saciado após
gem. Essas teorias passaram a obscurecer as idéias de muitas experiências reforçadas, não mais percorreria o
Thorndike e Watson, que eram, em comparação, consi- labirinto em busca de alimento. Hull propunha que o
derados intelectualmente superficiais. Certamente, a mais estado de impulso do organismo era um enegizador para o
grandiosa delas foi a teoria comportamental de Hull. Esta hábito. Se o impulso fosse zero, nem a totalidade da for-
teoria não só era impressionante por seus próprios méri- ça do hábito conseguiria produzir comportamento. Ob-
tos, como também transformou-se em ponto de referên- serve que o impulso e a força do hábito se multiplicam
cia para novas teorias nos vinte anos que se seguiram à na equação mostrada.
morte do seu idealizador. Um grupo de teóricos da apren- K - Motivação de Incentivo. A força do hábito e o im-
dizagem, chamados de neo-hullianos (por exemplo, pulso continuavam não sendo suficientes para incitar ao
Abram Amsel, Frank Logan, Neal Miller, O. H. Mowrer, comportamento. Um rato treinado para percorrer um la-
Kenneth Spence e Allan Wagner), tentou de várias ma- birinto à procura de alimento logo pararia de correr -
neiras ampliar a teoria de Hull. não importando se conhecesse bem o caminho, ou quão
O objetivo básico de Hull e dos outros teóricos era de- faminto estivesse - caso o alimento fosse retirado. Se a
senvolver uma teoria sistemática do condicionamento clás- quantidade de alimento fosse diminuída, o desempenho
sico e do condicionamento instrumental para explicar a to- do rato declinaria; se a quantidade de alimento fosse au-
talidade do comportamento - humano e animal. Os de- mentada, o desempenho do rato melhoraria. A motiva-
talhes de suas teorias têm apenas interesse histórico, mas ção de incentivo foi tomada como medida do montante
os conceitos e questões por eles definidos permanecem im- e do retardo na recompensa. Observe que a motivação
portantes para a pesquisa em aprendizagem. A teoria fi- de incentivo também mantém uma relação de multipli-
nal de Hull (Hull, 1952a) envolvia muitas equações ela- cação com o potencial de reação.
boradas, mas pode ser sintetizada na seguinte equação: I- Inibição. A inibição refletia tanto os ensaios de fadi-
ga, como os ensaios de efeito de extinção, em que o refor-
E = (H X D X K) - I çador não era mais fornecido. A inibição se refere a uma
Cada símbolo nesta equação reflete um constructo fun- supressão ativa de um comportamento que poderia, de
damental da teoria de Hull, e vale a pena explorar cada outra maneira, vir a ocorrer. O conceito de inibição origi-
um deles em separado. nou-se com Pavlov e continua a desempenhar um papel
importante nas modernas teorias da aprendizagem. Na
E- Potencial de Reação. O objetivo último da teoria equação de Hull a inibição é subtraída do efeito dos ou-
hulliana era predizer o que se denominou potencial de tros fatores.
reação, que determinava a probabilidade, a velocidade e A questão fundamental com que Hull e outros teóri-
a força com que um comportamento seria desempenha- cos da aprendizagem se depararam foi como relacionar
do em resposta a um estímulo. O organismo era visto aprendizagem e motivação. A aprendizagem não era su-
como portador de uma série de respostas potenciais, cada ficiente para incitar um comportamento; precisava haver
qual com sua própria força ou potencial de reação, bus- motivação. Hull, um behaviorista, não podia conceber que
cando tomar-se o comportamento real do organismo na- um organismo pudesse considerar e avaliar mentalmen-
quela situação. Assim, ao correr em um labirinto, um rato te suas opções antes de tomar uma decisão. A equação
poderia apresentar as respostas potenciais de virar à es- aqui apresentada foi proposta para relacionar os vários
querda, virar à direita e parar para coçar-se. A resposta fatores.
com maior potencial de reação seria aquela que o rato Hull aspirava a elaborar uma teoria da aprendizagem
exibisse. De acordo com a equação anterior, esse poten- bastante formal. Ele propôs uma série de postulados bá-
cial de reação existia como função dos fatores de contro- sicos da aprendizagem e depois tentou derivar predições
le - o H, o D, o K e o I das equações de Hull. desses postulados. Os esforços de Hull e de outros como
H - Força do Hábito. Uma força de associação foi cons- ele foram recebidos com grande entusiasmo no campo
truída entre o estímulo e a resposta por meio de ensaios da psicologia, uma vez que foram considerados um sinal
anteriormente reforçados. Logo, a teoria de Hull abarca- claro de que a psicologia havia passado ao estágio de ci-
va a lei do efeito de Thorndike sustentando que o reforço ência verdadeira. Em retrospecto, esses esforços foram
era necessário para a aprendizagem. incompletos e falhos como exercício lógico. Sua incon-
12 CAPtruLo
UM

sistência e sua incompletude tomaram -se evidentes com acerca do comportamento. Mesmo assim, as modernas
o desenvolvimento de computadores capazes de proces- teorias de aprendizagem e memória ainda exibem influ-
sar todas as derivações e alcançar previsões específicas ências das teorias de Hull.

Hull tentou elaborar uma teoria formal que pudesse predizer o comportamento como função da história
do reforço, do impulso e do incentivo.

Edward C. Tolman (1886-1959) o alimento foi introduzido no 11. dia. A Fig. 1.7 ilustra o 0

As teorias da aprendizagem, tais como as de Hull e desempenho dos ratos em termos de quantas escolhas
Thorndike, não deixaram de ter seus críticos. O mais in- errôneas eles fizeram antes de chegar ao final do labirin-
fluente crítico da época foi Edward Tolman. Ele vinha do to. O grupo ao qual foi dado alimento no 11. dia melho- 0

campo behaviorista e, portanto, falava uma linguagem rou radicalmente seus escores no 12. dia, e chegou a al- 0

que os outros behavioristas compreendiam e realizou pes- cançar um resultado ligeiramente melhor do que o gru-
quisas com as quais eles podiam estabelecer associações. po que recebeu reforço contínuo. De acordo com Tolman,
Todavia, a principal conclusão de Tolman foi uma ques- os ratos não-reforçados estavam aprendendo o tempo
tão cognitiva - de que o comportamento era mais bem todo. Todavia, a aprendizagem deles estava latente; so-
compreendido como resposta a uma meta. Duas de suas mente quando foi introduzida uma meta é que a
mais famosas demonstrações envolviam aprendizagem aprendizagem se traduziu em desempenho. Assim, para
em labirintos por ratos, que era o paradigma experimen- Tolman, o reforço não era necessário para a aprendiza-
tal em voga na época. gem, mas sim para o desempenho.
A primeira demonstração de Tolman envolvia a apren- Uma segunda demonstração (Iolman, Ritchie & Kalish,
dizagem latente, mencionada anteriormente em rela- 1946,1947)procurava mostrar que o que havia sido apren-
ção à lei do efeito de Thorndike. O experimento básico dido não era um conjunto específicode associações de estí-
de Tolman e Honzik (1930b) envolvia três grupos de ra- mulo-resposta' mas, em vez disso, um modelo do ambiente
tos correndo em um labirinto com 14 pontos de escolha. em que o organismo pudesse escolher agir.No caso dos la-
Os ratos foram colocados em uma extremidade do labi- birintos, tal modelo foi denominado mapa cognitivo; ele
rinto e retirados quando chegavam à outra extremidade. incluíainformações sobre a configuraçãoespaciale não ape-
Todos os ratos percorreram o labirinto uma vez ao dia. nas rotas específicas.A existência de um mapa cognitivo foi
durante 17 dias. Para um grupo, o alimento era colocado demonstrada em experimentos de aprendizagem de lugar,
sempre no final do labirinto; para outro, o alimento nun- outro famoso conjunto de demonstrações de Tolman.A Fig.
ca estava no final do labirinto; e, para um terceiro grupo, 1.8 ilustra o labirinto usado em um dos experimentos. O

10

,- ..•.,
\
,, Sem recompensa de alimento

4 ,.....•.,,'...
....••...••....•. - .....
...•.•.
- Regularmente recompensado
2

Nenhuma recompensa
alá o 11' dia

1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17
Dias

Fig. 1.7 Número médio de escolhas incorretas para os três grupos de ratos que estão percorrendo um labirinto. Fonte: De E. C. Tolman e C.
H. Honzik, "Introduction and remova! of reward and maze perforrnance in rats." University of California Publications in Psychology. Copyright
© 1930 by University of Califomia Press. Reproduzido com permissão.
PERSPECTIVAS SOBRE APRENDIZAGEM E MEMÓRIA 13

5,

~/
Cortina preta

C
Cortina

-.
preta

5,

Fig. 1.8 Labirinto usado para testar a relativa facilidade de aprendizagem tanto da resposta que traz recompensa quanto do local em que a
recompensa é encontrada. Fonte: De E. C. Tolman e D. Kalish. JournaJ of Experimental Psychology, Studies in Spatial Learning II. Place
earning versus response learning. Copyright © 1946 by American Psychological Association. Reproduzido (ou adaptado) e traduzido com
permissão do editor e do autor. A American Psychological Association não se responsabiliza pela precisão desta tradução.

rato era colocado em 51 ou 52' e o alimento estava disponível A principal contribuição de Tolman foi a demonstra-
em FIou F2• Um grupo de ratos sempre encontrava alimento ção de que não é o comportamento que é aprendido, mas
quando virava à direita. Dessa maneira, se esse grupo de sim o conhecimento que pode ser usado para orientar o
ratos iniciasseo caminho em 51' encontraria alimento em FI, comportamento. Ele propôs que os organismos aprendi-
enquanto que, se iniciassem o caminho em 521 encontrariam am aquilo que ele denominou prontidões meios-fins
alimento em F2• O outro grupo de ratos sempre encontrou (means-ends readinesses), ou MERs. Uma MER era a ex-
alimento em FI' independentemente de onde havia come- pectativa de que certas ações podiam levar a determina-
çado. Esse grupo tinha que alternar virar à direita ou à es- dos resultados. Por exemplo, os ratos dos experimentos
querda, dependendo do seu ponto inicial.Tolman et alodes- em labirintos aprendiam que ir para um local específico
cobriuque os ratos desse segundo grupo,que estavam apren- poderia levá-Ios à caixa-meta. Essas expectativas perma-
dendo a chegar a um local,aprenderam muito mais rapida- neciam passives até alguma meta energizá-las para a ação.
mente do que os ratos do primeirogrupo,que estavam apren- Essas metas e MERs anteciparam muitas das idéias da
dendo uma resposta constante. Assim,Tolman argumentou era cognitiva, mas o problema fundamental da teoria de
que respostas espeáficas não são aprendidas; em vez disso, Tolman era que ele jamais explicou como as metas
o que ocorre é que o rato aprende as localizações em um energizavam essas MERs. Esse problema levou Edwin
mapa cognitivo.Alguns pesquisadores replicaram esse re- Guthrie (1952), outro teórico da aprendizagem daquela
sultado, mas outros observaram que os ratos que haviam época, a criticar que Tolman deixara seus ratos enterra-
recebido aprendizagem de resposta apresentavam um de- dos em pensamentos dentro do labirinto. Em uma seção
sempenho melhor. Restle (1957)sugeriu que os ratos pode- posterior deste capítulo, descreveremos como a teoria da
riam aprender a responder tanto a pista-lugar como a um simulação computacional da resolução de problemas, ela-
rumo direcionado. A escolha mais fácilviria a depender da borada por Newell e Simon, forneceu o elo que faltava
relativa saliência ou proeminência das duas pistas. na teoria de Tolman.

Tolman argumentou que os animais aprendem as prontidões meios-fins independentemente do reforço


e que os reforçadores energizam essas prontidões meios-fins.

B. F. Skinner (1904-1990) radical, por ter levado o behaviorismo ao seu extremo.


B. F. Skinner foi um behaviorista ruja abordagem era a Não só Skinner era desprovido de tolerância em relação
mais diferente que se possa imaginar da estratégia de a constructos mentalistas, tais como a memória, como
Tolman. A influência de Skinner permaneceu viva muito também ele tinha pouca paciência com muitos dos
depois dos tempos áureos do behaviorismo. Em razão constructos teóricos que ocupavam a atenção de outros
de seus livros populares, Walden Two (1948) e Beyond behavioristas. Por exemplo, Skinner criticava os concei-
Freedom and Dignity (1971), ele tomou-se sinônimo de tos de impulso e força do hábito que eram parte da teoria
behaviorismo em grande parte da cultura popular. Fre- hulliana, porque referiam-se a estados internos, em vez
qüentemente, Skinner é classificado como behaviorista de estímulos e respostas observáveis.
14 CAPITULo UM

Rato pressionando uma barra em uma caixa de Skinner.

Pombo bicando uma chave em


uma câmara operante.

Skinner deu suas principais contribuições ao estudo estímulo externo definia uma situação em que os ope-
do condicionamento instrumental ou, como ele preferia rantes (as respostas) poderiam ocorrer. Os estímulos que
denominar, ao condicionamento operante. Ele consi- determinavam quais operantes iriam ocorrer eram co-
derava que a idéia de associação estímulo-resposta - a nhecidos como estímulos discriminativos; ou seja, servi-
pedra angular de muitas teorias behavioristas - não pas- am para discriminar uma situação da outra. Dizer que
sava de mera fantasia teórica. Skinner observou que os um estímulo definia a situação para uma resposta mas
animais emitiam respostas em situações sem qualquer não era associado a ela pode parecer uma distinção sutil,
estímulo aparente que os controlasse. Essas respostas mas tipifica a abordagem de Skinner. A ele interessava
eram denominadas operantes livres. Assim, um rato saber qual seria o comportamento dos organismos em
dentro de uma caixa poderia andar pela caixa, arranhar- várias situações de estímulo, e não quais eram os meca-
se, pressionar uma alavanca, tentar sair da caixa e assim nismos internos que mediavam comportamento.
por diante. A aprendizagem modificou a freqüência rela- A pesquisa mais representativa de Skinner talvez te-
tiva dessas várias respostas; se o pressionar da alavanca nha sido seu trabalho com esquemas de reforço (por
fosse acompanhado pelo alimento, ela se tornaria a res- exemplo, Ferster & Skinner, 1957), que é examinado com
posta mais dominante. algum detalhe no Capo 4. Esse trabalho tratava de como
Skinner é famoso por desenvolver a caixa de Skinner, as várias contingências entre reforço e resposta afetavam
para o estudo de ratos. Essa caixa, à prova de som, con- a freqüência com que uma resposta era emitida. No exem-
tém uma alavanca que os ratos podem pressionar para plo conhecido como reforço de intervalo fixo, deu-se a
liberarem uma bolinha de alimento. A medida depen- um rato uma bolinha de alimento para a próxima res-
dente típica era a freqüência com que o rato pressionava posta decorridos 2 minutos de ele ter recebido sua últi-
a alavanca. Um artefato similar, em que o animal tinha ma bolinha. A Fig. 1.9 ilustra um esquema de intervalo
de bicar uma tecla para obter alimento, foi desenvolvido fixo em que o reforço é entregue a cada 2 minutos. Ob-
para pombos. Alguns fenômenos behavioristas impor- serve que o número total de respostas aumenta com a
tantes foram descobertos nesses ambientes, e muitos dos passagem do tempo. A figura exibe essa informação como
dados discutidos nos Caps. 3 e 4 deste livro são originá- um registro cumulativo de resposta, que é uma ma-
rios do uso desses artefatos ou de variações deles. neira comum de se registrarem os dados na pesquisa
Embora negasse o papel desempenhado pelas associ- skinneriana. Este fornece um registro do número total
ações de estímulo-resposta, Skinner teve que consentir de respostas que foram emitidas em um ponto específi-
em que o estímulo externo exercesse alguma função no co no tempo. A função aumenta a uma taxa que reflete o
controle do comportamento. De acordo com Skinner, o número de respostas que estão sendo emitidas no mo-
PERSPEOlVAS SOBRE APRENDIZAGEM E MEMÓRIA 15

40
ção de curvas acumuladas. Skinner não estava inte-
ressado na razão pela qual o organismo se comportava
dessa maneira; a ele bastava saber que tipo de compor-
U> 30 tamento se poderia esperar de muitos organismos dife-
*
o
o.
U>
~
rentes (incluindo os seres humanos) dado esquema
de intervalo fixo.
"
"O
20 A Fig. 1.10 é uma ilustração admirável da generalida-
~ de das análises skinnerianas. Weisberg e Waldrop (1972)
e
"E
."
plotaram o número de projetos de lei que foram aprova-
z
10 dos pelo Congresso americano como função do mês do
ano. Eles argumentaram que o adiamento era o principal
reforço para os congressistas; assim, deveria ocorrer uma
o L- -'-- -'- -' elevação no comportamento dos mesmos (aprovação de
2 4 projetos de lei) pouco antes do reforço. De fato, o com-
Minutos
portamento dos congressistas mostrou a mesma forma
Fig.1.9 Comportamento hipotético de um organismo sob um es- de curva acumulada demonstrada dos ratos em uma cai-
quema de reforço de intervalo fixo, em que o organismo recebe um xa de Skinner. Exatamente os mesmos mecanismos
reforço a cada 2 minutos. operantes dos ratos não poderiam estar operando no
Congresso, mas Skinner não estava interessado em me-
canismos - mas apenas na generalidade das leis com-
portamentais.
mento atual. Na medida em que se aproxima o momen- Para Skinner, a compreensão não se concentrava em
to de outro reforço, o organismo aumenta a sua taxa de tomo da explicação do que acontecia no interior do or-
respostas; uma vez fornecido o reforço, a taxa de respos- ganismo. Uma pessoa não compreendia um compor-
tas decresce. Esse tipo de função é designado como fun- tamento a menos que soubesse como treinar um orga-

1~ ,-------------------------, 1~

BO!' Congresso
Janeiro de 1947 - Agosto de 1948

750 750

~
"o
"O
U> U>
~ :3
·00
~ c:
0.0
OlU
"O o
~8. 500 500

~~
E '"
" o
o >
~ g.
E
."
z

250 250

JFMAMJJASONDJFMAM JJASOND

1! sessão I I 2! sessão I
Meses

Fig.1.10 Número cumulativo de projetos de lei aprovados pelo Congresso americano. Fonte: De P. Weisberg e P. B. Waldrop. Fixed-interval
work habits of Congresso Copyright © 1972 by Joumal of Applied Beneviot Analysis. Reproduzido com permissão.
16 CAPITULo UM

nismo para desempenhar tal comportamento. A ênfase Essas demonstrações estabeleceram um ponto impor-
estava em compreender como o comportamento era tante. Skinner concluiu que todo comportamento com-
controlado e como ele poderia ser modificado. Muito plexo, incluindo o comportamento humano, era apenas
do conhecimento prático sobre como controlar o com- uma questão de modelagem e encadeamento da respos-
portamento veio dos laboratórios de Skinner e seus alu- ta produzidos por esquemas de reforço adequados. Os
nos. princípios de Skinner foram aplicados à muitos domíni-
Um conceito importante foi o da modelagem da res- os, tais como educação e psicoterapia, nos quais a meta é
posta; ou seja, um comportamento existente poderia ser modelar o comportamento humano apropriado. Parte da
gradualmente modelado em uma forma desejada por popularidade do trabalho de Skinner resultou do seu su-
meio de um esquema de reforço adequado. Por exemplo, cesso prático, mas ele também redundou em controvér-
ao reforçar seletivamente a mais alta pressão de uma sia, porque muitas pessoas achavam que ele ignorava
barra, um rato poderia ser treinado a pressionar com mais aspectos essenciais da personalidade e da emoção hu-
força uma alavanca. Em primeiro lugar, as pressões que manas, tentando inadequadamente transformar seres hu-
excedessem o nível mínimo de força seriam recompen- manos em robôs.
sadas; na medida em que o rato pressionasse com mais O principal problema científico com a abordagem de
força, o critério de recompensa seria elevado. Gradual- Skinner, contudo, foi o seu fracasso em estender-se à com-
mente, a resposta do rato seguiria em direção à resposta plexa cognição humana. Esse problema veio à tona com a
desejada. publicação do livro Verbal Behavior (1957),em que Skinner
À idéia de modelagem da resposta acrescentou-se a tentou fornecer uma análise da linguagem e da aquisição
idéia de encadeamento da resposta. Skinner considerava da linguagem. O lingüista Noam Chomsky (1959) publi-
que os comportamentos mais complexos eram uma se- cou uma crítica muito influente desse trabalho, argumen-
qüência de respostas, cada qual estabelecendo o contex- tando que a teoria era incapaz de levar em conta as com-
to para a resposta seguinte. Embora a modelagem da res- plexidades da linguagem humana. Chomsky mostrou que
posta se preocupasse em obter o formato certo de uma os princípios skinnerianos não conseguiam explicaro com-
única resposta, o encadeamento da resposta estava inte- plexo controle gramatical que os seres humanos exercem
ressado em obter a seqüência correta das respostas. No sobre seu discurso e argumentou que muitas das tentati-
encadeamento da resposta, supõe-se que a seqüência vas de explicação de Skinner eram vagas e metafóricas.
comece logo no primeiro passo e ensine cada elemento Skinner jamais respondeu à crítica de Chomsky, embora
da cadeia até que toda a seqüência tenha sido aprendida. outros o tenham feito (por exemplo, MacCorquodale,
Combinando-se a modelagem da resposta e o encadea- 1970), e viveu para ver a abordagem cognitiva suplantar a
mento da resposta, foram produzidos segmentos verda- abordagem behaviorista, em parte devido à crítica de
deiramente impressionantes de comportamento animal. Chomsky. Skinner reclamou amargamente no fim que as
Por exemplo, um porco foi treinado para executar uma críticas eram injustas e que a psicologia cognitiva era re-
rotina matinal completa, que incluía preparar o café da pleta de mecanismos extravagantes que fracassavam em
manhã, recolher roupas sujas e passar o aspirador de pó alcançar o controle do comportamento que, segundo ele,
(Breland & Breland, 1951).5 era a verdadeira medida da compreensão científica.

Skinner estudou de que maneira as contingências de reforço afetavam a distribuição das respostas em
uma situação.

o Solucionador Geral de Problemas" suas teorias da cognição humana, ao mesmo tempo em


que incorporaram idéias extraídas de suas teorias sobre a
(N ewell & Simon, 1961)
cognição humana aos seus trabalhos em inteligência ar-
Mais ou menos na época em que o behaviorismo come- tificial.
çou a enfrentar dificuldades, um novo método de cons- Newell e Simon trouxeram para o campo da psicolo-
trução teórica, baseado na simulação computacional, sus- gia uma nova definição de rigor que mudou o nível da
citava atenção no campo da psicologia. Essa nova abor- teorização mesmo entre aqueles que deles discordavam.
dagem foi introduzida por Allen Newell e Herbert Simon, Mostraram como era possível determinar com precisão
dois colaboradores da Camegie Mellon University. Eles as predições de uma teoria sem depender de argumen-
também eram os líderes no campo da inteligência arti- tos verbais imprecisos que antes caracterizavam a teoria
ficial, que se ocupa de fazer com que os computadores psicológica. As teorias matemáticas anteriores eram 10-
se comportem de maneira inteligente. Newell e Simon gicamente imperfeitas, como a de Hull, ou muito sim-
incorporaram muitas idéias da inteligência artificial às ples, como as teorias descritas em um livro influente de
PERSPECTIVAS SOBRE APRENDIZAGEM E MEMÓRIA 17

Atkinson, Bower e Crothers (1965) em teoria mate- 1972). O GPS era uma simulação computacional que usa-
mática da aprendizagem. Newell e Simon mostraram que va um modo de organizar o conhecimento na resolução
a simulação computacional poderia usar os poderes do de problemas, denominadas análise de meios e fins. Os
computador para obter as predições de teorias científi- passos básicos na aplicação da análise de meios e fins
cas complexas. As técnicas de simulação computacional são os seguintes:
exerceram efeito profundo no caráter da teorização em
1. Identificar as principais diferenças entre a situação
psicologia. Assim como em todos os campos da ciência,
atual e a meta; ou seja, foco no fim.
esses técnicas de simulação permitiram a exploração de
2. Selecionar alguma ação que seja relevante para eli-
complexidades que antes tinham sido ignoradas. Muitas
minar essa diferença; ou seja, selecionar alguns
teorias modernas discutidas neste livro dependem de téc-
meios que sejam importantes para aquele fim.
nicas de simulação computacional, entre elas as teorias
Newell e Simon usavam o termo operador para se
sobre condicionamento animal, sobre a memória huma-
referirem à ação ou aos meios. Um operador é pa-
na e sobre a base neural da aprendizagem.
recido com o operante da teoria de Skinner.
Todavia, o uso que Newell e Simon fizeram do com-
3. Se o operador puder ser aplicado, aplique-o. Caso
putador foi mais do que uma mera simulação. Influen-
contrário, faça com que a meta capacite o operador
ciados pelos avanços no campo da inteligência artificial,
e comece novamente do passo 1; ou seja, faça dos
eles chegaram a descrever a cognição humana como se
meios o novo fim.
fosse um computador. O aspecto metafórico do compu-
tador em suas teorias permanece controverso, e sua acei- Newell e Simon (1972) deram o seguinte exemplo corri-
tação é difícil para a maioria dos psicólogos, que acredi- queiro da análise de meios e fins:
tam que o cérebro humano é muito diferente de um com-
Eu gostaria de levar meu filho ao jardim-de-infância.
putador e que as teorias baseadas em analogias com os
Qual é a diferença entre o que tenho e o que desejo?
computadores tendem a ser enganosas (por exemplo,
A distância. O que modifica a distância? Meu carro.
Rumelhart & McClelland, 1986).
Meu carro não funciona. O que é preciso para fazê-Io
A influência de Newell e Simon levou ao desenvolvi-
funcionar? Uma bateria nova. Onde existem baterias
mento de algumas simulações da cognição e da aprendi-
novas? Em uma oficina mecânica. Eu quero que a ofi-
zagem na Camegie Mellon University e em outros luga-
cina mecânica coloque uma nova bateria no meu car-
res. Todavia, sua maior contribuição não foi ao estudo da
ro; mas a oficina não sabe que eu preciso de uma ba-
aprendizagem em si, mas sim à resolução de problemas.
teria nova. Qual é a dificuldade? Dificuldade de co-
Uma dificuldade das teorias da aprendizagem anteriores
municação. O que possibilita a comunicação? O tele-
era determinar a relação entre conhecimento (o que o
fone ... e assim por diante (p.416).
organismo aprende a partir da experiência) e comporta-
mento. Como a aquisição de um novo conhecimento por A característica crucial à qual a análise de meios e fins
parte de um ser vivo se relaciona com o comportamen- deve o nome é o passo 3, que permite que o operador
to? Como já indicamos, alguns behavioristas, tais como escolhido no passo 2 tome-se a meta. No exemplo de
Thorndike e Hull, mesclaram as duas questões e argu- Newell e Simon, o foco passa da meta de levar o filho ao
mentaram que as tendências comportamentais eram jardim-de-infância para o meio, que no caso é fazer o
aprendidas - que não havia diferença entre conheci- carro funcionar. Assim, o meio se toma, temporariamen-
mento e comportamento. A principal crítica de Tolman te, o fim. Esse passo, denominado submeta, pode orga-
foi direcionada contra essa posição, mas ele foi incapaz nizar o comportamento coerente em resposta a uma si-
de deduzir uma alternativa coerente. Newell e Simon tuação complexa, e representa um importante avanço
mostraram, em sua teoria da resolução de problema, sobre o conceito de encadeamento da resposta de
como o conhecimento poderia estar separado do com- Skinner. O estabelecimento de submetas é discutido em
portamento e ainda assim resultar em comportamento. maior profundidade no Capo 9, que analisa em detalhes a
Ao longo do caminho, eles demonstraram que teorias do resolução de problemas. Podem existir seqüências com-
comportamento exatas e rigorosas poderiam permitir plexas de submetas. No exemplo citado, levar o filho ao
constructos mentalistas. Mais do que tudo, essa demons- jardim-de-infância tem como submeta um carro que fun-
tração destruiu as proibições contra o mentalismo que cione, que, por sua vez, tem como submeta uma bateria;
Watson havia introduzido 50 anos antes. Ao eliminar es- esta tem como submeta uma oficina mecânica; que, por
sas proibições, Newell e Simon estabeleceram as bases sua vez, tem o telefone como submeta.
para a revolução cognitiva que transformou todo o cam- O GPS resolveu em grande parte muitos problemas
po da psicologia, incluindo a teoria da aprendizagem. que se mostraram impossíveis para outras teorias, inclu-
A peça fundamental do trabalho de Newell & Simon indo problemas de álgebra, cálculo e lógica. Newell e
era o General Problem Solver, ou GPS (Newell e Simon, Simon (1972) mostraram que seu programa não só era
18 CAPITULo UM

capaz de resolver problemas de lógica bastante comple- dores relevantes para o alcance dessa meta. Cada curva
xos, como também seguia os mesmos passos emprega- no labirinto pode ser vista como um operador que os
dos pelos seres humanos para resolver tais problemas. O leva para mais perto, ou mais longe, da meta. Dado o
GPS concretizou um nível de inteligência jamais alcan- conhecimento desse operador, o GPS poderia planejar
çado pelas teorias anteriores em psicologia. uma rota pelo labirinto de modo a alcançar as metas.
Embora o GPS não tivesse uma relação específica com Portanto, o GPS oferece um mecanismo para se fazer a
o tema da aprendizagem, é bem clara a concepção de transição de conhecimento para comportamento. É isso
aprendizagem no interior desta teoria. A aprendizagem que Tolman foi incapaz de fazer.
envolve adquirir os operadores em que a teoria se ba- Pode-se questionar se os ratos correspondem, ou não,
seia. Os operadores são como os MERs de Tolman, uma ao método de meios e fins, de resolução de problema,
vez que codificam conhecimento potencialmente útil que como veremos no Capo9, é mais adequado para a
sobre o mundo. Na situação de aprendizagem latente descrição da cognição humana (e talvez dos primatas).
de Tolman, os ratos podiam aprender que fazer uma certa Entretanto, o GPS demonstrou que o conhecimento pode
curva no labirinto modificaria a posição deles dentro do ser traduzido em comportamento, por meio dos méto-
mesmo. Todavia, na ausência de quaisquer metas, esse dos de resolução de problema. Nos últimos anos, foram
conhecimento permanece adormecido e latente. Quan- propostos muitos métodos de resolução de problemas. O
do percebem que há alimento em um determinado lo- Capo9 discute um outro método, a redução da diferença,
cal, os ratos têm, então, uma meta - chegar ao alimen- que parece mais adequado à modelagem de organismos
to - e podem tratar seus conhecimentos como opera- inferiores.

Newell e Simon mostraram que a simulação computacional podia ser usada para modelar rigorosamen-
te processos cognitivos complexos e que os métodos de resolução de problema podiam converter co-
nhecimento em comportamento.

Um Modelo de Memória (Atkinson & mória de longo prazo era considerada um repositório
Shiffrin, 1968) de conhecimento mais permanente, sem quaisquer limi-
tações de capacidade aparentes, embora a entrada do co-
RichardAtkinson e Richard Shiffrin publicaram, em 1968,
nhecimento nessa memória fosse vista como uma fun-
uma teoria sobre memória humana que captava todo o
ção difícil.Em geral se pensava que o conhecimento pre-
saber vigente na época sobre a natureza da memória hu-
cisava ser repetido na memória de curto prazo para que
mana. O trabalho deles representa muito da pesquisa da
pudesse entrar na memória de longo prazo.
era moderna, e influenciou desenvolvimentos subseqüen-
Essas idéias básicas sobre a distinção entre memória
tes tanto na aprendizagem animal quanto na aprendiza-
de curto prazo e memória de longo prazo já existiam ha-
gem humana. Havia uma evidência cada vez maior de via alguns anos; Broadbent (1957) foi um dos primeiros
dois tipos de armazenamento na memória humana: a a descrevê-Ias. Atkinson e Shiffrin cristalizaram essas idéi-
memória de curto prazo e a memória de longo prazo. A as em uma teoria exata, expressa tanto como modelo ma-
memória de curto prazo era vista como um sistema de temático quanto como modelo de simulação computaci-
armazenamento temporário que poderia reter um pe- onal, e demonstraram que a teoria poderia responder
queno montante de informação. O exemplo clássico de pelos resultados de vários experimentos em andamento
memória de curto prazo é o lembrar-se um número sobre o estudo da memória humana.
de telefone recém-ouvido. Imaginava-se que a memória A Fig. 1.11 ilustra a teoria básica. A informação chega
de curto prazo tinha uma capacidade de armazenamen- do ambiente à memória de curto prazo por maio de vári-
to pouco maior do que sete dígitos - o suficiente para os processos perceptivos. A memória de curto prazo tem
guardar um número de telefone, apenas. A maioria das vários slots, em geral cerca de quatro, nas quais pode guar-
pessoas consegue lembrar de um número de telefone de sete dar esses elementos. O sujeito se envolve em um pro-
dígitos, mas experiencia dificuldade quando tem que cesso de repetição da informação guardada na memória
acrescentar a esse número um código de área de três dí- de curto prazo. Toda vez que a informação é repetida há
gitos. Esse armazenamento é temporário; o número de uma outra chance de que ela seja transferida para a me-
telefone é rapidamente esquecido se a pessoa for distra- mória de longo prazo. Assim, o aumento da repetição da
ída. A maneira de reter a informação é repeti-Ia conse- informação resulta em aumento da probabilidade de
cutivamente para si mesmo, enquanto ela reside na me- retenção a longo prazo. Uma vez que só existe um nú-
mória de curto prazo. Esse processo de repetição da in- mero limitado de slots para repetição na memória de cur-
formação para si mesmo é denominado repetição. A me- to prazo, toda vez que o sujeito decide abrir espaço para
PERSPECTIVAS SOBRE APRENDIZAGEM E MEMÓRIA 19

Repetição

MefTlÓriade Memória de
Informação que entra Transferência longo prazo
curto prazo

Fig. 1.11 Teoria de Atkinson e Shiffrin (1968), relacionando memória de curto prazo e memória de longo prazo. Os itens que chegam entram
na memória de curto prazoo e podem ser mantidos lá por repetição. Na medida em que um item é repetido, a informação sobre ele é transfe-
rida para a memória de longo prazoo. Outro item que chega pode tomar o lugar de um item existente na memória de curto prazo.

repetir um novo item, um item antigo é deslocado e per- no momento em que evocavam essas palavras.) Observe
dido. que a recordação é melhor no começo da lista, e muito
Um dos paradigmas que orientaram o estudo dessa melhor no final da mesma. O nível de recordação é rela-
teoria foi a recordação livre, um paradigma experimen- tivamente constante entre o começo e o fim. O bom de-
tal em que os sujeitos lêem uma lista de palavras a uma sempenho no começo da lista é designado como efeito
taxa fixa, como, por exemplo, 2 segundos por palavra, e de primazia e o bom desempenho no final da lista é
depois são solicitados a evocar as palavras em qualquer designado como efeito de recência.
ordem. Esse experimento resulta no que se denominou A teoria de Atkinson e Shiffrin responde pela forma
curva de posição serial, ilustrada na Fig. 1.12a para uma dessa curva de posição serial. A teoria supõe que os su-
lista de 20 palavras. A figura plota a probabilidade de evo- jeitos preencham o seu buffer de curto prazo com pala-
cação de uma palavra, calculada como a média entre su- vras na medida em que lêem as palavras e as repetem.
jeitos e listas de palavras, como função da posição da pa- Quando o buffer está cheio e uma nova palavra é encon-
lavra na lista que era lida pelos sujeitos. (Os sujeitos não trada, o sujeito escolhe uma palavra para deletar, a fim
eram obrigados a obedecer à ordem das palavras na lista de estudar a nova palavra.

1.0 13

0,9
11

o 0.8
'50 ,~ 9
o-
'"
'E

.,
~ 0.7 I.,
'O
'O
o 7
~
'"
:l!1 0.6 1e
.,
1
a..
0.5
.5z 5

3
0,4

5 5 10 15 20
Posição do input seria! Posição do input seria!
(a) (b)

Fig. 1.12 (a) Probabilidade média de recordação como função de sua posição serial no input, e (b) número médio de repetições de um item.
(De: Rundus, 1971.)
20 CAPITuLo UM

o efeito de recência é mais fácil de ser explicado den- perimento de recordação livre. Eles refletiram um retomo
tro da teoria de Atkinson e Shiffrin. As últimas palavras às modalidades de paradigmas experimentais introduzi-
tendem a permanecer no buffer de curto prazo e, assim, das por Ebbinghaus quase cem anos antes. Na medida em
são mais facilmente recordadas. As palavras que entra- que experimentos mais complexos foram executados, cres-
ram por ultimo ficam temporariamente guardadas no ceram as dúvidas a respeito da teoria de Atkinson e Shiffrin.
buffer até serem deletadas para acomodar a última. O Novas evidências questionavam a distinção entre memó-
decréscimo da recordação, na medida em que a palavra ria de curto prazo e memória de longo prazo. A teoria de
se afasta do final, reflete a probabilidade decrescente de Atkinson e Shiffrinsobre memória de longo prazo ignorou
que o item ainda esteja na memória de curto prazo. muitas questões importantes, tais como o papel da organi-
Segundo a teoria de Atkinson e Shiffrin, o efeito da zação e das condições de recuperação. À medida que as
primazia ocorre porque as primeiras palavras de uma lis- pessoas começaram a examinar a memória em situações
ta têm maior probabilidade de serem armazenadas na mais realistas, esses problemas tomaram -se cada vez mais
memória de longo prazo. As palavras do começo da lista evidentes. O Capo5 revê especificamente algumas das evi-
estão em uma posição de vantagem porque, inicialmen- dências contra a teoria de Atkinson e Shiffrin.
te, não precisam competir com outras palavras para se- Embora poucos pesquisadores ainda acreditem na te-
rem repetidas na memória de curto prazo. Dessa manei- oria original de Atkinson e Shiffrin (se é que ainda há
ra, elas sofrem mais repetição e são retidas por mais tempo algum pesquisador que acredite) ela permanece muito
antes de serem empurradas para fora por uma palavra influente.Variações dela podem ser encontradas em mui-
interveniente. Rundus (1971) solicitou aos sujeitos que tas teorias atuais, incluindo a mais recente teoria desen-
repetissem em voz alta e, assim, pôde demonstrar que a volvida por Shiffrin, denominada SAM (Gillund &
probabilidade de recordação de uma palavra poderia ser Shiffrin, 1984), que será discutida no Capo6. O fato de
predita pelo número de vezes que ela era repetida. Como que os psicólogos tenham encontrado problemas na te-
postularam Atkinson e Shiffrin, as palavras do começo oria original de Atkinson e Shiffrin e, por conseguinte,
da lista foram alvo de maior número de repetições. Os tenham proposto teorias melhores representa um triun-
resultados de Rundus são mostrados na Fig. 1.12b, que fo para a psicologia moderna. Isso mostra que a psicolo-
ilustra que o número de repetições é mais elevado para a gia foi além de sua forma indecisa e de seus argumentos
primeira palavra e depois decresce rapidamente. verbais na direção de declarações precisas que possibili-
Os paradigmas de pesquisa em que essa teoria foi base- taram que as teorias fossem testadas e rejeitadas. Junto
ada eram experimentos bastante simples, tais como o ex- com a precisão teórica vem o progresso científico.

A teoria de Atkinson e Shiffrin estabelecia que a informação era repetida em uma memória de curto prazo
de capacidade limitada, e depois transferida para uma memória de longo prazo, de alta capacidade.

Base Neural da Aprendizagem e da Memória

Uma vez que a aprendizagem obviamente ocorre no siste- A maior parte dos capítulos deste livro discute um certo
ma nervoso, o leitor pode achar estranho que o capítulo número de pesquisas relevantes sobre a base neural da
não tenha feito quase nenhuma alusão à discussão da base aprendizagem e da memória. Essas discusses supõem a
neural da aprendizagem, nas teorias de aprendizagem e existência de uma familiaridade com o sistema nervoso.
memória aqui apresentadas. Até recentemente, não se co- Sendo assim, na conclusão deste capítulo encontraremos
nhecia o suficiente o sistema nervoso para que esse tópico uma breve revisão do sistema nervoso a partir da pers-
pudesse ser abordado. Todavia,rápidos avanços em nossa pectiva presente na pesquisa sobre aprendizagem e me-
compreensão do sistema nervoso e nas técnicas de pes- mória.
quisa que capacitam essa compreensão resultaram em uma
avalanche de pesquisas nessa área. Essa nova linha de pes-
quisa é um dos motives do recente ressurgimento da pes- o Sistema Nervoso
quisa em aprendizagem com foco em animais e da pesqui- O sistema nervoso dos organismos superiores engloba
sa de memória com foco nos seres humanos. Os pesquisa- um sistema nervoso central, que consiste em medula es-
dores da memória humana se conscientizaram de que po- pinhal e cérebro, e um sistema nervoso periférico, que
dem começar a compreender a base neural da memória, consiste em nervos sensoriais, que levam a informação
mas que, para fazerem isso, precisam contar em grande dos receptores, e nervos motores, que enviam comandos
medida com a pesquisa com sujeitos não- humanos. para os músculos. Quase toda a aprendizagem ocorre no
PERSPECTIVAS SOBRE APRENDIZAGEM E MEMÓRIA 21

cérebro. A Fig. 1.13 mostra o cérebro de vários organis- Muitas dessas áreas inferiores fornecem suporte para as
mos. O cérebro humano tem cerca de 1.300 centímetros funções básicas. Por exemplo, a medula controla a respi-
cúbicos de volume, ou seja, é muito grande, particular- ração, a deglutição, a digestão e os batimentos cardíacos.
mente em relação ao tamanho do corpo humano. Uma O cerebelo está envolvido no movimento e na coorde-
das dificuldades na compreensão do cérebro é que ele nação motores, como veremos no Capo9. O hipotálamo
apresenta uma estrutura tridimensional; muitas áreas im- regula a expressão dos impulsos básicos, como discuti-
portantes estão ocultas dentro dele. As Figs. 1.14 e 1.15 remos no Capo4. O sistema límbico refere-se a partes do
apresentam duas pespectivas do cérebro: a Fig. 1.14 cérebro que estão na fronteira entre o córtex e estas es-
mostra a parte externa e a Fig. 1.15 exibe a parte interna truturas inferiores. O sistema límbico, e em particular o
de um cérebro dividido ao meio, de modo que é possível hipocampo, que está inserido no lobo temporal, são im-
visualizar algumas das estruturas internas. portantes para a memória, serão discutidos em muitos
O cérebro pode ser dividido em córtex cerebral e áreas capítulos. O hipocampo não é mostrado na Fig. 1.14 nem
subcorticais. Considera-se que o córtex esteja envolvido na Fig. 1.15 porque não é nem uma estrutura exterior
na maior parte das funções cognitivas superiores. Seu ta- nem tampouco uma estrutura central; na verdade, ele está
manho aumenta significativamente com a elevação da localizado no interior do lobo temporal, entre as estrutu-
escala filogenética. O córtex humano tem uma área su- ras centrais e a superfície do córtex.
perficial que mede 2.200 a 2.400 em" Para que possa se O córtex pode ser dividido por dobras principais em
ajustar ao crânio humano, ele tem que ser dobrado, o quatro regiões, mostradas na Fig.1.14. O lóbulo occipital
que explica as muitas dobras que distinguem o cérebro é responsável principalmente pela visão. O lobo tempo-
humano dos outros cérebros mostrados na Fig. 1.13. ral responde pelas áreas auditivas primárias e também
O córtex engloba muitas das estruturas cerebrais in- está ligado ao reconhecimento de objetos. O lobo parie-
feriores, de modo que estas são invisíveis do lado de fora. tal está ligado a algumas funções sensoriais de nível su-
As partes inferiores do cérebro tendem a ser encontra- perior, incluindo o processamento espacial. O lobo fron-
das em espécies mais primitivas que não possuem cór- tal pode ser dividido em córtex motor, que está envolvi-
tex, ou possuem um córtex cerebral pouco desenvolvido. do com o movimento, e córtex prê-frontal. O córtex pré-

Fig. 1.13 Cérebros representativos de cliferentes animais mostram quanto o cérebro humano é grande em comparação com o cérebro de
outros animais. Fonte: De Compara tive Psychology; A Modem SUIVey by Donald A. Dewsbury, 1973, by McGraw-Hill, Inc. Reproduzido com
permissão da McGraw-Hill Companies.
22 CAPlniLo UM

Córtex motor

Córtex
-f------f'->r-4::-'.- associativo
parietotemporoccipital

Córtex
associativo
pré-frontal Lobo occipital

~~~~~Wl..., Sulco pré-occipítal

Córtex
auditivo primário

Fig. 1.14 Visão lateral do córtex cerebral. Fonte: E. R. Kandel, J. H. Schwartz e T. M. Jessell. Principies ofneuraJ science. 3." edição. Copyright
© 1991 by Appleton and Lange. Reproduzido com permissão da McGraw-Hill Companies.

frontal é muito maior nos prima tas do que nos outros lução de problemas. Vamos discutir seu papel no Capo5,
animais, maior nos símios (tais como os chimpanzés) do na parte que trata da memória, e no Capo9, ao abordar-
que nos outros primatas (tais como os macacos), e maior mos a resolução de problemas. Considera-se que a mai-
nos humanos do que nos símios. Considera-se que o cór- oria das áreas do córtex seja capaz de fornecer suporte a
tex pré-frontal é importante no planejamento e na reso- vários tipos de aprendizagem.

o córtex cerebral e as áreas subcorticais podem ser divididos em diferentes regiões que cumprem
diferentes funções.

Fig. 1.15 Principais componentes do cérebro. (De Keeton, 1980.) Fonte: Reproduzido de BioiogicaJ science, 3." edição, por William T. Keeton,
ilustrado por Paula DiSanto Bensadoun, com permissão de W. W. Norton & Company, Inc. Copyright © 1980, 1979, 1978, 1972, 1967 by W. W.
Norton & Company, Inc.
PERSPECTIVAS SOBRE APRENDIZAGEM E MEMÓRIA 23

o Neurônio de mil ou mais axônios. Assim, o sistema nervoso se


As células mais importantes do sistema nervoso, do pon- caracteriza por uma grande quantidade de interconexões
to de vista do processamento da informação, são os neu- entre os neurônios.
rônios. Estima-se que o cérebro humano tenha 100 bi- O axônio de um neurônio comunica-se com outro
lhões de neurônios. Os neurônios apresentam-se em neurônio ao liberar substâncias químicas denominadas
muitas formas e tamanhos; a Fig. 1.16 mostra algumas neurotransmissores. Quando alcançam o outro neu-
dessasvariações.A maioriados neurônios consisteem alguns rônio, os neurotransmissores modificam o potencial elé-
componentes básicos, que estão ilustrados na Fig. 1.17. trico na membrana do neurônio onde o axônio faz
Cada neurônio tem um corpo celular com ramificações sinapses. A parte interna do neurônio é, em geral, cerca
que emanam dele, denominadas dendritos. Uma outra de 70 mV (milivolts) mais negativa do que a parte ex-
estrutura também típica dos neurônios é uma extensão terna. A diferença se deve ao fato de que a concentra-
longa e fina denominada axônio. O axônio vai de uma ção de substâncias químicas da parte interna do neurô-
parte a outra do sistema nervoso. Em comprimento, os nio difere da concentração da parte externa da mem-
axônios variam de poucos milímetros a 1 metro. (Os mais brana. Do lado de fora do neurônio há uma concentra-
longos axônios estendem-se do cérebro a vários locais ção de íons de sódio positivos e íons de cloreto negati-
na medula espinhal.) vos; dentro há uma concentração de íons de potássio
Os axônios entram em contato com outros neurôni- positivos e proteínas com carga negativa. As distribui-
os por meio de ramificações (ramos minúsculos) locali- ções não são iguais, e o interior tem carga negativa em
zadas em suas extremidades. Em geral eles entram em comparação com o exterior. Dependendo da natureza
contato com dendritos de outros neurônios. Na verdade, do neurotransmissor liberado pelo axônio, a diferença
eles não chegam a se tocar; há uma hiância (gap)de potencial pode aumentar ou diminuir. Os neurotrans-
cerca de 10 a 15 nanômetros (nm; um nanômetro equi- missores que diminuem a diferença potencial são de-
vale a um bilionésimo de metro). Esse ponto de proxi- nominados excitatórios, e os neurotransmissores que
midade de contato é denominado sinapse. No adulto aumentam essa diferença são os inibidores.
maduro, um axônio pode estabelecer sinapses com mil Se ocorrer inputs excitatórios suficientes no corpo ce-
ou mais neurônios, e um neurônio pode receber sinapses lular e nos dendritos de um neurônio e a diferença no

Dendrito

Célula
receptara

Corpo celular

Ramo
periférico

Axônio

! Bainha de mielina

Célula de Schwann

Nado

Junção
neuromuscular

Fig. 1.16 Algumas das variedades de neurônios. (De Keeton, 1980.) Fonte: Reproduzido de BiologicaJ science, 3." edição, por William T.
Keeton, ilustrado por Paula DiSanto Bensadoun, com permissão de W.W.Norton & Company, Inc. Copyright © 1980, 1979, 1978, 1972, 1967 by
W. W. Norton & Company, Inc.
24 Cxrtnn,o UM

Corpo celular

Fig. 1.17 Representação esquemática de um neurônio típico. Fonte: De The nerve impulse, de B. Katz. Copyright © 1952 by Scientific
American, Inc. Todos os direitos reservados.

potencial elétrico for reduzida para cerca de 50 mV, a Os neurônios podem ser considerados mais, ou menos,
membrana se torna subitamente permeável aos íons de ativos.O nível de atividade refere-se tanto ao grau de redu-
sódio e estes penetram no neurônio, fazendo com que o ção na diferença potencial na membrana quanto à taxa à
interior deste se torne mais positivo do que o exterior. qual os impulsos neurais são enviados pelos neurônios. A
Todo esse processo pode levar apenas 1 ms, antes de re- taxa à qual os impulsos neurais são gerados ao longo do
verter e voltar ao normal. Essa mudança súbita é deno- axônio é denominada taxa de disparo; em geral considera-
minada potencial de ação. Ela começa no terminal do -se que o número de disparos, e não o padrão temporal dos
axônio e percorre todo o axônio.A taxa à qual um poten- disparos, é que tem importância. Os neurônios podem dis-
cial do axônio percorre todo o axônio varia de 0,5 m/s a parar à taxa de 100/s ou mais. De modo geral, quanto mais
130 m/s, dependendo da característica do axônio. Por ativo for um neurônio, mais forte é a mensagem por ele en-
exemplo, quanto mais mielina (mielina é um isolante viada. Por exemplo, a maneira como um neurônio motor
natural em tomo do axônio) o axônio tiver, mais rapida- ordena a um músculo que aumente a forçada sua ação se dá
mente o potencial de ação percorre o axônio. Quando por meio da elevação da sua taxa de disparo.
esse potencial de ação em movimento, denominado im- A aprendizagem envolve uma modificação no com-
pulso neural, alcança o final do axônio, ele faz com que portamento e, portanto, deve envolver modificação no
o axônio libere neurotransmissores, dando início a um modo como os neurônios se comunicam. Atualmente,
novo ciclo de comunicação entre neurônios. O tempo que supõe-se que modificações em tal comunicação envol-
uma informação leva para chegar do dendrito de um neu- vam modificações nas conexões sinápticas entre os neu-
rônio, passando pelo seu axônio e daí para o dendrito de rônios. A aprendizagem se dá pela constituição de cone-
outro neurônio, é de cerca de 10 ms. xões sinápticas mais eficientes. O axônio pode emitir mais
Estima -se que todo o processamento da informação no de um neurotransmissor, ou a membrana celular pode
sistema nervoso envolvaessa passagem de sinais entre neu- tomar-se mais responsiva ao neurotransmissor. Lembre-
rônios. Enquanto você está lendo esta página, seus neurôni- se de que os neurotransmissores podem ter tanto influ-
os estão enviando sinais dos seus olhos para o seu cérebro. ências excitatórias, reduzindo a diferença de potencial da
Quando você escreve, são enviados sinais do seu cérebro membrana, quanto influências inibitórias, aumentando
para os seus músculos. O processamento cognitivo envolve a diferença; as influências inibitórias podem ser tão im-
o envio de sinais entre os neurônios que estão no interior do portantes quanto as influênci 1S excitatórias. Muitas cé-
cérebro. A qualquer momento, bilhões de neurônios estão lulas têm taxas de disparo espontâneas, e a aprendiza-
em atividade, enviando sinais uns para os outros. gem pode envolver o decréscimo dessas taxas.

Os neurônios comunicam-se uns com os outros por meio de conexões sinápticas nas quais um neurônio
pode inibir ou excitar a atividade neural de outro neurônio.

Explicações Neurais e Explicações em crânio humano e que só podem ser observadas ao mi-
Processamento da Informação croscópio. Contudo, os cientistas descobriram várias
É impossível estudar diretamente o que ocorre em 100 maneiras de fazer inferências sobre o que ocorre em ní-
bilhões de células que estão totalmente comprimidas no vel neural. Em um método, os estudos examinam ações
PERSPECTIVAS SOBRE APRENDIZAGEM E MEMÓRIA 25

em massa em regiões de células. Isto pode ser feito por mória. Assim, a maior parte deste livro dedica-se aos
meio da mensuração dos potenciais elétricos no couro ca- estudos comportamentais de aprendizagem e da memó-
beludo ou por meio da mensuração das modificações no ria e aos tipos de teorias que tais estudos possibilitam.
fluxo sanguíneo com novas técnicas de imageamento.Tais Essas teorias são freqüentemente denominadas teorias do
técnicas possibilitam que os pesquisadores observem quais processamento da informação, uma vez que tratam do
regiões do cérebro tendem a ser mais ativas em determi- processamento da informação de maneira abstrata. Por
nadas tarefas. Por exemplo, durante uma tarefa de raciocí- exemplo, em uma discussão sobre como a experiência for-
nio espacial, áreas do cérebro que desempenham o racio- talece uma pequena parte do conhecimento, de modo que
cínio especial mostraram -se mais ativas. Em um outro mé- este seja processado com mais rapidez e fidedignidade,
todo, os cientistas inserem eletrodos em animais inferio- pode não haver menção às possíveis realizações neurais
res para registrarem o que está acontecendo em determi- do conhecimento ou seu fortalecimento. As teorias elabo-
nadas células. Em seguida, fazem inferências a partir de radas nesses termos sempre fizeram parte do campo da
padrões registrados em cerca de cem células sobre o que aprendizagem e da memória, embora antes do advento
está acontecendo nos demais neurônios daquela região. da abordagem cognitiva não fossem denominadas teori-
Outra metodologia empregada com organismos inferio- as do processamento da informação.
res é a remoção seletiva de áreas do cérebro. Por exemplo, As explicações neurais e em processamento da infor-
como veremos no Capo3, muito se tem aprendido sobre o mação oferecem dois níveis de descrição, ambos neces-
papel do hipocampo na memória, através do estudo de sários para a compreensão da aprendizagem e da memó-
organismos dos quais se extraiu o hipocampos. Seres hu- ria. Os teóricos do processamento da informação inte-
manos que sofreram danos em regiões específicas do cé- ressam-se por idéias sobre as realizações neurais de suas
rebro, por lesão acidental, também podem ser estudados. teorias, enquanto os pesquisadores da base neural da
Por fim, os cientistas podem estudar as conexões entre os aprendizagem e da memória buscam por teorias do pro-
neurônios e como os neurônios interagem uns com os cessamento da informação que os ajudem a entender me-
outros. A partir dessa informação, é possível desenvolver lhor os dados. Informações sobre o que ocorre em uns
modelos de simulação coputacional dos possíveis pa- poucos neurônios, ou em uma determinada região do
drões de interação entre subconjuntos de neurônios. cérebro, não são úteis sem que haja um quadro mais
O estudo do cérebro é uma das áreas em psicologia amplo no qual se possa localizar essa interpretação. Por-
que avançam rapidamente e tem fornecido insights so- tanto, o progresso da pesquisa em aprendizagem e me-
bre o que está subjacente ao fenômeno da aprendiza- mória depende do avanço tanto das teorias neurais quan-
gem. Todavia, ainda estamos longe de compreender ade- to das teorias do processamento da informação, e da com-
quadamente a base neural da aprendizagem ou da me- preensão de suas inter-relações.

As teorias do processamento da informação procuram compreender as modificações gerais trazidas


pela aprendizagem, enquanto as teorias neurais procuram compreender como essas modificações são
implementadas no cérebro.

Panorama do Livro
Este capítulo forneceu uma revisão básica dos fundamen- vos dos seres humanos. O Capo2 examina o condiciona-
tos necessários para a compreensão da pesquisa atual no mento clássico, que fornece uma análise básica de como
campo da aprendizagem e da memória. O restante do as associações são formadas. Os Caps. 3 e 4 enfocam o
livro apresenta o que se conhece hoje sobre aprendiza- condicionamento instrumental, que trata de como a
gem e memória. Os próximos três capítulos dedicam-se aprendizagem é usada para o alcance de metas biológi-
amplamente à pesquisa em animais, que apresenta cer- cas fundamentais.
tas vantagens sobre a pesquisa em seres humanos. O pes- Durante a leitura desses capítulos sobre aprendiza-
quisador pode exercer um controle mais completo sobre gem animal, deve-se ter em mente quatro questões cen-
a história da aprendizagem de um organismo infra-hu- trais. Em primeiro lugar, até que ponto a aprendizagem
mano - controlando seu ambiente desde o nascimento animal se assemelha à aprendizagem humana? Existem
e sujeitando-o a manipulações que poderiam contrariar alguns pontos em comum nas manifestações comporta-
a ética caso os sujeitos fossem humanos. Além disso, à mentais da aprendizagem. Em segundo lugar, o que re-
proporção que o organismo é mais simples, o pesquisa- almente ocorre com o animal durante um experimento
dor pode examinar uma forma mais pura de aprendiza- de aprendizagem? A perspectiva tradicional de que o que
gem, sem os complexos processos e estratégias cogniti- ocorre são processos de aprendizagem simples vem sen-
26 CAPtruLoUM

do amplamente substituída pela visão segundo a qual os dificada na memória de longo prazo. O Capo 7 analisa de
animais buscam adaptar-se ao seu ambiente. Em terceiro que maneira a informação é retida, e o Capo 8 discute como
lugar, o que acontece no sistema nervoso para que tal ela é recuperada. Embora a maioria das pesquisas apre-
aprendizagem seja produzida? Aqui, a pesquisa animal está sentadas tenha sido realizada com seres humanos, esses
em uma posição consideravelmente vantajosa em relação capítulos mostram que muitas delas se aplicam a outros
à pesquisa com seres humanos, porque certos experimen- animais. Assim, os princípios da memória, ainda que se-
tos fisiológicos que podem ser executados com animais jam mais fáceis de serem estudados em seres humanos,
não podem ser conduzidos com seres humanos. Por fim, também podem ser aplicados a muitas espécies.
qual é a relação entre aprendizagem e motivação? Esta é Os três últimos capítulos do livro consideram impor-
uma questão central na psicologia da aprendizagem. tantes extensões da pesquisa sobre aprendizagem e me-
Os Caps. 5 a 8 analisam os conceitos atuais de memó- mória. O Capo 9 considera aprendizagem de habilidades,
ria, que se baseiam amplamente na pesquisa com sujeitos tais como a aprendizagem envolvida na operação de um
humanos. A pesquisa com seres humanos apresenta duas sistema de computadores, e mostra que modificações pro-
vantagens sobre a pesquisa com animais. Os seres huma- fundas ocorrem em uma habilidade na medida em que ela
nos podem seguir instruções complexas e, portanto, levar é intensamente praticada - fato que as pesquisas mais
a dados mais elaborados sobre o processo de aprendiza- tradicionais sobre aprendizagem e memória ignoram. O
gem; além disso, os resultados obtidos parecem mais pró- Capo 10 examina a aprendizagem indutiva, que está relaci-
ximos daquilo em que supostamente estamos interessa- onada com a maneira como fazemos inferêncías, tais como
dos, ou seja, a aprendizagem humana for a do laboratório. o que é, ou não, um cão, ou o que é, ou não, uma estrutura
Os Caps. 5 a 8 apresentam o que se sabe sobre o modo sintática correta em uma nova língua. As questões de apren-
como o conhecimento é codificado, armazenado, retirado e dizagem indutiva despertam grande interesse não só no
recuperado. O Capo 5 discute a memória sensorial e a me- campo da psicologia, mas também nos campos da filoso-
mória de trabalho, que são sistemas de codificação da in- fia, da lingüística e da inteligência artificial. O capítulo fi-
formação que estão sendo processados atualmente. O Cap. nal do livro discute as aplicações da pesquisa sobre apren-
6 discute o modo como a informação é originalmente co- dizagem e memória aos problemas educacionais.

Leituras Adicionais
Vários livros narram a história da psicologia, entre eles zagem. Kandel, Schwartz e Jessel (1991) trazem uma dis-
Leahey (1992) e Wertheimer (1979). Boring (1950) conti- cussão abrangente sobre o sistema nervoso e a base neural
nua sendo uma revisão clássica da história inicial da psico- da aprendizagem e do comportamento. Gazzaniga, Ivry &
logia experimental. Bower e Hilgard (1981) oferecem uma Mangun (1998), e Banich (1997) proporcionam uma visão
excelente discussão sobre as principais teorias da aprendi- geral sobre a base neural da cognição.

Notas
INúmeros menores implicam melhor desempenho na Fig. 1.2, em que se utiliza uma medida dependente dos ensai-
os de reaprendizagem; os números maiores implicam melhor desempenho na Fig. LI, que faz uso de uma medida
dependente do percentual de tempo economizado. (N.A.)

2A teoria de Ebbinghaus das associações remotas foi uma exceção. Foi a teoria dominante sobre aprendizagem serial
de listas até a época moderna, quando foi substituída pela hipótese de agrupamento (Chunking) (ver o Capo 6). Uma
série de artigos sobre as contribuições de Ebbinghaus foi publicada em 1985 no Journal ofExperimental Psychology,
por ocasião do centenário da publicação do seu tratado. (N.A.)

3Como discutiremos no Capo 4, as afirmações de Thorndike sobre o reforço e sobre a ineficácia da punição estavam
incorretas. (NA)

4Do inglês drive. (N.E.)

SEu gostaria de ser tão eficiente assim no treinamento dos meus filhos. (N.A.)

6Em inglês, The General Problem Solver. (N.E.)

Você também pode gostar