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ASPECTOS PSICOLÓGICOS

E EVOLUÇÃO HUMANA

Autor: Francisco B. Assumpção Jr.

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INTRODUÇÃO

No processo evolutivo do homem, a mente teve papel importante em


virtude das possibilidades que trouxe. O homem passou a interagir
com o ambiente, não apenas pelos processos migratórios, mas
também por sua manipulação consciente. Esta aula tem o propósito
de fazer uma reflexão sobre essa evolução.

PANORAMA HISTÓRICO

Há cerca de 2 milhões de anos, um antropoide, parente dos macacos


do Velho Mundo, passou por alterações anatômicas, as quais lhe
proporcionaram maior capacidade adaptativa. Alterando o ângulo do
acetábulo, pôde ficar ereto e, a partir dessa nova postura, liberar os
membros superiores.

Ao se tornar bípede e liberar os membros superiores, foi possível


deslocar o polegar em oposição ao indicador, de modo a adquirir uma
ferramenta de preensão em pinça. Essa habilidade permitiu carregar e
segurar objetos, proporcionando uma vantagem competitiva no
cuidado e na proteção dos filhotes. O macho podia carregar o
alimento, liberando a fêmea desse encargo, permitindo mais tempo
para que ela cuidasse dos filhotes.

Essas mudanças, transmitidas por meio dos genes, selecionaram


traços e características físicas, favoráveis ou desfavoráveis,
dependendo das demandas e necessidades do ambiente. Assim, o
bipedalismo deve ser pensado como uma característica que
proporcionou vantagens ao homem primitivo, pois a seleção natural
organizou seus genes de forma que essas características fossem

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mantidas, considerando a eficiência locomotora e a proporção de
calorias gastas em relação às distâncias percorridas.

Entretanto, o bipedalismo, o qual trouxe inúmeras facilidades,


também trouxe a perda de outras habilidades. Em contraposição à
estabilidade ganha e ao aumento de eficiência na caminhada, os
antropoides perderam a eficiência em relação às escaladas. As
mudanças na coluna vertebral, em relação às suas curvaturas —
necessárias para a manutenção da postura ereta — ocasionaram
dificuldades maiores no canal de nascimento e, assim, o bebê
humano nasce em uma posição que, contrariamente à dos outros
antropoides, dificulta o contato da mãe na resolução de eventuais
problemas na hora do parto. Além disso, essas mudanças também
demandaram uma série de movimentos que complicam o próprio
trabalho de parto, demandando assistência de outrem (Stanford,
2004).

O deslocamento dos olhos da face lateral da cabeça para a


anterior foi outra alteração anatômica sofrida pelo antropoide
ancestral do ser humano. A visão binocular de profundidade
permitiu calcular, de maneira mais eficaz, a distância de suas
presas ou de seus predadores.

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PONTO BÁSICO DA
HUMANIZAÇÃO

Ao alterar estruturas cerebrais, o homem começou a trabalhar com


símbolos. Essa nova habilidade lhe possibilitou solucionar problemas
na ausência concreta deles, bem como independer dos mecanismos
motores e de tentativa-erro passando a, ao se valer de operações
mentais, estabelecer passos na solução de problemas de maneira
mais simples e rápida, obtendo maior eficácia sob o ponto de vista
adaptativo.

Essa modificação cerebral permitiu o estabelecimento de


comportamentos cada vez mais específicos que, segundo Zwang
(2000), podem ser considerados:

 Comportamentos individuais propriamente ditos.


 Comportamentos desenvolvidos diante de um ambiente
específico.
 Comportamentos similares aos congêneres, e ligados à
reprodução e à sociabilidade.

Esse animal, provavelmente em virtude de sua fragilidade, é também


um ser social, vivendo em bandos, inclusive por questões de
sobrevivência biológica. Surge então a necessidade de construir
sistemas de regras (explícitas e implícitas) que lhe permitissem
sobreviver enquanto indivíduo, perpetuar a espécie e marcar, de
maneira própria, seu status diante do grupo em questão. Para essa
sociabilidade, habilidades mentais específicas se fizeram necessárias,
como o conhecimento social do outro (quem é amigo e quem não é)
e a capacidade de inferir estados mentais de cada um desses
indivíduos.

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Construíram-se, assim, programas individuais que foram equilibrados
e que, embora com substrato biológico, diferenciam-se de indivíduo
para indivíduo em função de suas motivações (derivadas de um
sistema simbólico específico e dependentes da análise pessoal das
experiências prévias).

Partindo-se da teoria de seleção natural de Darwin, teríamos uma


sequência de cinco fatos e três inferências que são de extrema
importância (Darwin apud Mayr, 2009):

Fato 1: as populações são tão fecundas que tendem a aumentar


exponencialmente na ausência de restrições. As restrições poderiam
ser representadas pela diminuição de alimentos, doenças, predadores
e competidores, eventos todos que a espécie humana, no decorrer de
sua caminhada sobre o planeta, aprendeu a controlar.

Fato 2: o tamanho de uma população, exceto por flutuações sazonais,


tende a permanecer estável (estabilidade a longo prazo). Em nossa
espécie, o controle das restrições anteriores, principalmente nos
últimos séculos, proporcionou um enorme aumento populacional.

Fato 3: os recursos disponíveis para uma espécie são limitados. Apesar


de até o presente não termos nos defrontado com as limitações
previstas e imaginarmos que com o decorrer do tempo
conseguiremos controlar essas variáveis, faz-se necessário pensar que
o próprio planeta apresenta limites de espaço, água e alimentos.

Fato 4: não existem dois indivíduos iguais em uma população.

Fato 5: muitas diferenças entre os indivíduos de uma população são


hereditárias.

Consequentemente, temos de pensar que existe uma imensa


competição (luta pela sobrevivência) entre os membros de uma
espécie (Inferência 1). Como não existem dois indivíduos iguais em
uma população, não existem também dois indivíduos em uma
população com a mesma probabilidade de sobrevivência (seleção
natural – Inferência 2).

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Portanto, em uma espécie que tem como principal característica o
processamento diferenciado de informações, as perdas nesse
processamento ocasionam menores probabilidades de sobrevivência.
Como muitas diferenças entre os indivíduos de uma população são
hereditárias, tem-se então seleção de indivíduos a partir das suas
próprias possibilidades adaptativas e, por isso, quando uma população
é submetida durante muitas gerações à seleção natural, temos a
evolução (Inferência 3).

O processo evolutivo consiste primeiramente na produção de


variações que possibilitam a maior diversidade possível para,
em um segundo passo, levar à eliminação, com aspectos não
aleatórios de sobrevivência e reprodução, determinada pela
superioridade de certos fenótipos no enfrentamento dos
desafios do ambiente.

É preciso pensar na constituição biológica, enquanto característica de


espécie, visando maior adaptabilidade do animal em questão, como
uma série de processos especializados voltados para comportamentos
específicos que permitem um conhecimento do mundo, já ao
nascimento, de forma que esse animal possa sobreviver, ainda que de
modo incipiente (Mithen, 1998). A cultura altera esses processos,
enriquecendo-os e melhorando-os de modo que o processo
adaptativo se torne mais eficaz. Ela permite ao indivíduo humano a
possibilidade de imitar descobertas úteis que facilitem sua adaptação.
Ele passa, então, a ser cada vez menos dependente da variabilidade
natural.

A complexidade do ser humano, fruto de sua maleabilidade e


plasticidade ao nascimento, o faz profundamente frágil, constituindo-

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se em imensa possibilidade de alterações e dificuldades durante seu
processo de desenvolvimento. Entretanto, longe de fazê-lo um animal
pouco adaptado, é a base para o seu crescimento e a sua
disseminação, uma vez que lhe permitiu criar mecanismos
adaptativos para imensas variabilidades naturais e artificiais. Assim, o
que perde em estabilidade, ganha em plasticidade.

O ser humano altera e é alterado pelo ambiente, o que lhe permite


flexibilidade e adaptabilidade para sobreviver em ambientes hostis.
Estabeleceram-se redes de processamento de informações que
propiciaram maior eficácia nesse processo com conexões, algumas
delas determinadas de maneira genética e outras construídas a partir
da experiência. Muitas dessas conexões se desenvolvem antes do
nascimento, e outras provavelmente são programadas pela
experiência. Elas funcionam de forma precisa, com um disparo em
função de um determinado estímulo.

Esse indivíduo sofre impacto dos eventos que lhe ocorrem, o que
constitui a experiência emocional humana. Assim, faz sentido pensar
que certas reações aumentem as chances de sobrevivência e, por isso,
ainda são presentes.

EMOÇÕES NO PROCESSO DE
HUMANIZAÇÃO

As mudanças nas atividades cotidianas podem provocar alterações na


resposta emocional nos níveis (Buck, 1987):

 Da adaptação corporal.
 Da comunicação social.
 Da experiência subjetiva.

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No primeiro nível, denominado Emoção I, a meta é o corpo, e a
função deve regular o meio corporal interno. Este envolve
mecanismos de homeostase e de adaptação do organismo às
mudanças externas visando à manutenção de condições mais ou
menos homogêneas. A esse processo ligam-se reações de ataque-
defesa, fuga e outros.

O segundo, denominado Emoção II, refere-se a um sistema de códigos


com características pré-linguísticas, o qual dá a percepção, de modo
não consciente, dos estados emocionais envolvidos no estímulo.

O terceiro sistema, Emoção III, vinculado à cognição, permite que


sejam identificadas as emoções antes que cheguem a pontos
incontroláveis, permitindo que soluções possam ser encontradas, de
maneira adaptada.

É indissolúvel a ligação afetividade-inteligência, pois são as


motivações com caráter afetivo que impulsionam a
inteligência, e ela lapida e adequa os impulsos afetivos às
necessidades do organismo, permitindo o processo de
adaptação. Quando os estímulos são muito frequentes, cria-se
um hábito que não favorece o desencadeamento da resposta e
que, às vezes, engendra situações conflituosas que justificam
aquilo que pensamos enquanto motivações momentâneas e
que, às vezes, inibem temporariamente uma sequência
esperada.

Os dados obtidos a partir de ambos os sistemas são armazenados de


maneira organizada durante toda a existência, e vários deles serão
generalizados para que os complexos processos de socialização e
determinação de território possam ser organizados em nossa espécie.

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Os mais relevantes são selecionados em uma determinada situação
para que o indivíduo se concentre nele e estabeleça o aprendizado
desses comportamentos.

São importantes os mecanismos atencionais e de memória, os quais


permitem o controle seletivo dos estímulos, bem como a preservação
de informações que constituirão conteúdos relevantes. A memória,
antes de ser permanente, de estocagem, é uma memória de trabalho
que permite a preservação de uma informação enquanto outra se
processa dentro de um aspecto modular para que conteúdos
relevantes se mantenham temporariamente dentro do campo de
consciência.

Esse mecanismo, de extrema importância, engloba a função


executiva central (habilidade para encontrar soluções — ou
estratégias — adequadas para um determinado problema, visando um
objetivo futuro) (Castellanos et al, 2000), para que o indivíduo possa se
envolver, eficazmente, em um comportamento próprio, autônomo e
sob seu próprio controle (Barkley, 2000). Para isso, necessitam regular
o fluxo de informações necessário e recuperar da memória de
estocagem as informações que se fizerem necessárias. Portanto,
necessita-se uma série de habilidades que envolvem a aprendizagem,
os mecanismos de regras, o raciocínio e os mecanismos atencionais
orientados para um objetivo final.

A ideia evolucionista não pode ser considerada nova, embora tenha


sido colocada sob uma base científica por Darwin e esteja
diretamente ligada ao número de descendentes que irão representar
um indivíduo em um conjunto deles que existirá posteriormente. Se
um indivíduo é geneticamente mais adaptado que outro, sob o ponto
de vista biológico, o número de seus descendentes será maior
posteriormente em função dos mecanismos seletivos. Parte então da
premissa de que as espécies são mutáveis e que descendem,
teoricamente, de um ancestral comum (teoria da evolução
ramificada), processando-se de forma continuada, com tendência a se
multiplicar e privilegiar uma melhor adaptação, originando
diversidade.

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Todos os indivíduos estariam sujeitos a esses mecanismos de seleção
natural (Mayr, 2009), porém, em alguns casos, indivíduos
determinados, ainda que não mais adaptados do que outros, podem
se constituir por meio de mecanismos diversos (como, por exemplo, a
imigração) na população dominante em um determinado habitat,
alterando esses mecanismos evolutivos. Assim, o papel do ambiente é
importante, pois um determinado habitat provoca a adaptação
populacional que favorece a proliferação de determinados indivíduos
mais adaptados. No caso do homem, essa interação habitat versus
organismo é presente de maneira indiscutível.

A evolução não pode ser pensada a partir de uma fórmula pré-


estabelecida com finalidade específica prévia, pois uma mudança
comportamental pode precipitar uma mudança anatômica e vice-
versa. Essa evolução privilegiou diferenças e diversidades, sempre com
uma finalidade adaptativa, sem um progresso linear (Stanford, 2004).
A variedade de constituições genéticas é hereditária e é a variedade
biológica herdada que constitui o que denominamos genótipo, o qual
determina o potencial adaptativo do indivíduo em um determinado
habitat.

Como o homem é um ser sexuado, seu genótipo é constituído por


características de ambos os genitores, havendo oportunidade, a cada
geração, de recombinações que facilitem (ou não) os processos
adaptativos. Podem ocorrer mutações a todo o momento, com novas
possibilidades de seleção visando melhor adaptação. Isso porque,
como são ao acaso, em grandes populações, a recombinação de
genes as tornam cada vez mais adaptadas e especializadas. Grandes
alterações no habitat produzem mudanças significativas, propiciando
indivíduos mais adaptados.

Com a evolução da espécie humana, circuitos cerebrais foram


selecionados para processamento de problemas referentes a áreas
específicas, ocasionando melhor padrão adaptativo e propiciando um
desenvolvimento das coletividades em uma relação na qual o
ambiente alterou o padrão neuronal selecionando-o, e este alterou o
ambiente em um continuum constante.

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Por meio de recombinações gênicas, a evolução estimulou
uma maior fecundidade nos indivíduos mais adaptados,
atuando a partir dos fenótipos e constituindo-se como um
padrão de organização ao aproveitar o material genético,
convergindo-o para determinadas características dentro de
um habitat específico.

As formas de vida adaptadas aumentam seu número, embora nunca


em excesso, tendendo a permanecer mais ou menos estáveis devido
aos fatores limitantes. O homem, por suas características adaptativas,
passou a alterar o ambiente. Ao desenvolver uma linguagem
complexa, organizou estruturas sociais também complexas, capazes
de abrigar um número cada vez maior de indivíduos, criando novos
mecanismos adaptativos.

O processador mental é a maior e mais eficaz ferramenta de


sobrevivência do filhote humano, que deve ser pensado em seu
desenvolvimento biológico com aspectos genéticos e ambientais.
Assim, alterações que o afetem ocasionam um prejuízo adaptativo
significante que não pode ser desconsiderado.

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CONCLUSÃO

Para se pensar a doença mental na criança é imprescindível pensar


em seu desenvolvimento ontogenético, o qual só pode ser
compreendido a partir do desenvolvimento filogenético, uma vez que
é em função de seu processador mental que essa espécie se
diferencia, sob o ponto de vista adaptativo, das demais.

Exatamente por isso é que seu comprometimento, longe de ser mera


questão teórica, corresponde ao comprometimento daquilo que
temos de mais importante, uma vez que se relaciona à sobrevivência.
Em consequência, sua investigação é o estudo daquilo que caracteriza
a espécie humana: a capacidade e a eficácia no processamento de
informações, ainda em seu início, o que determinará, na melhor das
hipóteses, a própria sobrevivência da espécie.

REFERÊNCIAS

Barkley RA. Genetics childhood: XVII. ADHD, part 1: the executive


functions and ADHD. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000
Aug;39(8):1064–7.

Buck R. The psychology of emotion. In: Ledoux J, Wirst W. Mind and


Brain. Cambridge: Cambridge University Press; 1987.

Castellanos EX, Marvasti FF, Ducharme JL, Walter JM, Israel ME, Krain
A, et al. Executive function oculomotor tasks in girls with ADHD. J Am
Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000 May;39(5):664–50.

Mayr E. O que é a evolução. Rio de Janeiro: Rocco; 2009.

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Mithen WS. A pré-história da mente. São Paulo: UNESP; 1998.

Stanford C. Como nos tornamos humanos. Rio de Janeiro: Elsevier;


2004.

Zwang G. Les comportments humains: éthologie humaine. Paris:


Masson; 2000.

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