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Mauro Guilherme Pinheiro Koury

O LUTO NO BRASIL NO FINAL DO SÉCULO XX

Mauro Guilherme Pinheiro Koury*

Este artigo tem por objetivo contribuir para a compreensão das mudanças comportamentais da popula-
ção brasileira urbana frente ao fenômeno do luto e da perda. É resultado de um grande mapeamento do
comportamento do homem brasileiro, de segmentos médios urbanos, e das mudanças experienciadas
na sua sensibilidade, no decorrer da segunda metade da última década do século XX, tendo o processo
de luto e da perda como mote analítico.
PALAVRAS-CHAVE: Trabalho de luto. Sentimento de perda. Sofrimento. Vergonha. Individualismo. Brasil
urbano.

INTRODUÇÃO abertas.1
Em sua maior parte, os informantes des-
Encontra-se em pleno desenvolvimento, ta pesquisa se constituíram de profissionais li-
no Brasil dos últimos cinquenta anos, um pro- berais, comerciantes, empresários e militares,
cesso de individualização das relações sociais sem esquecer, contudo, uma grande participa-
e nas formas de agir e pensar individuais. Vi- ção de aposentados, donas de casa e estudan-
ver essa experiência parece estar provocando tes. O número maior de respostas, que retratam
nos brasileiros – de segmentos médios urba- o nível de renda, de escolaridade e o perfil das
nos, principalmente – um sentimento de de- profissões dos informantes, assim, vieram de
sorganização e um aumento da tensão pessoal entrevistados situados no que se convencionou

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e grupal. aqui chamar de segmentos médios urbanos.
Define-se como segmentos médios ur- A configuração de um problema sobre a
banos, neste artigo, uma população com renda não similitude da distribuição dos entrevista-
entre 06 e 20 salários mínimos, e com educa- dos segundo as faixas de renda e a escolarida-
ção formal entre o nível médio completo e o de a partir dos padrões existentes na sociedade
superior. Foi essa população que se apresen- brasileira, contudo, revelou-se para este traba-
tou à pesquisa, com um total de 62,87% dos lho um elemento importante de análise. A mo-
indivíduos que responderam e devolveram os tivação dos segmentos médios urbanos em res-
questionários considerados válidos, bem como ponder a esse tipo de questionário tornou-se
se predispuseram a constituir a amostra pos- um dado interessante por, aparentemente, ser
terior para o aprofundamento em entrevistas 1
Durante os anos de 1997 a 1999, foram realizadas, em
todas as vinte e sete capitais de estados brasileiros, para a
pesquisa Luto e Sociedade, então em desenvolvimento no
GREM, Grupo de Pesquisa em Antropologia e Sociologia
* Doutor em Sociologia. Professor do Programa de Pós- das Emoções, da Universidade Federal da Paraíba, aplica-
Graduação em Antropologia da Universidade Federal da ções de questionários com 1304 informantes, e 259 entre-
Paraíba. vistas abertas, com uma segunda amostra a partir dos 1304
Cidade Universitária. Cep: 58051-900. João Pessoa – Para- respondentes, com o sentido de aprofundar as reflexões
íba – Brasil. Caixa-postal: 5144. maurokoury@gmail.com iniciadas nos questionários.

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nesse segmento que se configuram uma maior Já não se aceitam mais as antigas regras
sensibilidade ao novo e uma ambiguidade em relacionais da cultura brasileira vividas até
relação aos padrões de tradição em que poten- meados da década de sessenta do século XX.
cialmente estão inseridos como habitantes de Elas vêm se tornando incômodas e, para mui-
cidades específicas. tos, olhadas até com desprezo, como incultas
Velho (1986, p. 86 e 89), trabalhando com ou incivilizadas, mas, também, não há um sen-
segmentos de classe média da cidade do Rio de timento de adequação aos rumos individualis-
Janeiro, revelou os desencontros dos indivídu- tas que tendencialmente vêm tomando conta
os que a informam diante do domínio público das relações sociais e individuais na sociedade
e uma tendência à centralização em torno de contemporânea.
um conjunto de valores em que a sociabilida- Certa apreensão, não de todo consciente
de de caráter mais intimista é o valor-chave de com a incerteza do mundo atual, parece provo-
compreensão. A tensão entre os espaços públi- car, em outros tantos, uma tentativa de segurar
co e privado parecem nortear, assim, a avalia- as relações tradicionais com as quais estavam
ção do ser sujeito no mundo, através de uma acostumados a viver, mas, ao mesmo tempo,
fragmentação acelerada das esferas de vida so- essa tentativa vem acompanhada de um sen-
cial e cultural em que ele está inserido. timento de que as regras passadas já não mais
Os segmentos médios urbanos, dessa se adéquam às questões do presente. O que faz
forma, ao se disporem prontamente para as aumentar e ampliar a insegurança e a falta de
respostas solicitadas em um questionário so- sentido pessoal.
bre a relação entre luto e sociedade, mais do A ambiguidade nas relações e nos sen-
que as outras de status social mais baixo e mais timentos expressos parece ser, assim, o eixo
alto, parecem manifestar sua inquietação com central por onde devem ser pensadas as rela-
os processos por que passa a sociedade nacio- ções de sociabilidade no Brasil do século XXI.
nal nesses últimos cinquenta anos. São proces- A experiência vivida como um conjunto socie-
sos que os atingem, criam tensões e os colocam tário, porém, nunca é igual para todos os seus
em choque com as regras de etiqueta que pare- membros, e os rumos dessa mudança é sempre
cem não mais satisfazer as práticas cotidianas, assimétrica e desigual. Essa consciência analí-
mas que ainda se encontram consolidadas no tica afigura-se como fundamental para que se
imaginário social e na expectativa de cada um, possa compreender a experiência de ambiva-
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individualmente, como conjunto padrão de lência individual e grupal de uma sociedade


atitudes morais. em processo acelerado de mudança, como a
As rápidas mudanças nesse processo de brasileira.
comportamento emergente vêm causando an- O objetivo central da pesquisa mais am-
siedade e insegurança nas relações sociais e pla na qual este artigo se baseia buscou com-
individuais,2 e uma interrogação permanente preender as atitudes em relação ao fenômeno
sobre o seu significado e se ela está se desen- do luto no Brasil nos anos finais do século XX.
volvendo para uma situação melhor. O senti- Duas inquietações importantes nortearam a
mento afigura-se em ser de desconforto e in- análise: a primeira se refere ao entendimento
quietação sobre as consequências pessoais e de como foi internalizado, como processo sim-
grupais de tal caminho. bólico, o significado social do sofrimento no
2
Weber (1944), na primeira parte do seu livro Economia imaginário brasileiro; e a segunda, por quais
e Sociedade, faz um esforço para caracterizar, no processo
de racionalização social vivido pela sociedade europeia no mudanças tem passado o fenômeno do sofri-
momento de consolidação do capitalismo, a diferenciação mento causado pelo luto, e que reações a esse
estabelecida entre ação social e ação não social, esta últi-
ma conduzida especificamente por construções subjetivas fenômeno tem enfrentado junto aos indivíduos
no interior de sujeitos individuais específicos, descaracte-
rizando-a assim da objetividade social das ações. pertencentes às camadas médias urbanas.

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Interessa a este artigo, assim, verificar e de individualidade extremadas, permeou a


o lado público do sofrimento de quem fica no representação das cidades modernas em mui-
momento seguinte imediato à constatação da tos autores que buscaram estudar e compre-
morte. Compreender as expressões de dor, de ender a modernidade. De Simmel e Tönnies
desespero, de desamparo, ao lado de reuniões a Weber, passando por Durkheim, Marx e a
sociais onde parentes e amigos presentes be- Escola de Frankfurt, nos escritos de Benjamin
bem, comem e conversam o morto. O entendi- e Adorno, foram aferidas nuanças sobre esse
mento desse ritual solitário do sofrimento e do modelo de cidade onde a dissolvência do ho-
ritual social da despedida, se entrecruzando mem público cedia lugar cada vez mais a um
em gestos, expressões e atitudes, em constan- indivíduo interiorizado e preso a um espaço
tes movimentos de mudança e permanência, privado de si mesmo.
fornece a base de inquietações deste trabalho. A polaridade entre a ideia de comuni-
A hipótese inicial de trabalho foi cons- dade e de sociedade ficaria, assim, como um
truída a partir da ideia de que quanto menor o pano de fundo comum à ideia de que peque-
centro urbano mais tradicional seriam os cos- nos grupos societários, a comunidade, seriam
tumes e as expressões locais de sentimentos, um lócus de tradição, ao passo que os grandes
por seus membros se encontrarem envolvidos grupos societários, a sociedade, encarnada
em relações comunitárias intensas e presos, aqui através da forma de metrópole, seriam o
ainda, a fortes tradições familiares, religiosas local ideal para o desenvolvimento do indivi-
ou de cunho moral. Quanto maior o centro ur- dualismo e do indivíduo interiorizado e priva-
bano, ao contrário, as relações individualistas do. Teve-se o cuidado, neste trabalho, porém,
seriam ressaltadas pela população e mais dinâ- de não considerar as referências a maior e a
micas seriam as mudanças nos hábitos locais menor, presentes na hipótese inicial, como
das comunidades e indivíduos estudados, li- dois polos antagônicos, mas de observá-las em
gados ao trabalho de luto e às representações relação, como frutos desiguais de processos de
sobre a morte e o morrer. modernização por que passou e vem passando
Essa hipótese inicial foi sendo modifica- a sociedade brasileira a partir dos anos de 1970
da no decorrer da análise. O dinamismo das re- aos dias atuais.
lações sociais associadas aos grandes núcleos Grande foi a surpresa ao verificar, atra-
urbanos tem por trás um modelo de cidade er- vés dos dados levantados, que não existe um

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guido nos finais do século XIX e que se conso- processo de equivalência entre maior centro
lidou durante todo o século XX. Nesse modelo, urbano e menor número de respostas favorá-
o espetáculo do anonimato pelo e através do veis a práticas ritualísticas ligadas ao luto e
grande conglomerado populacional quebrava aos processos da morte e do morrer ou presas
barreiras da tradição pela destruição de práti- à tradição, ou vice-versa. As respostas envia-
cas rituais comunitárias, libertando os indiví- das pelos diversos centros urbanos brasileiros,
duos das amarras sociais e os fazendo encarar capitais dos vinte e sete estados que compõem
ou enfrentar a sociedade como um desafio a a nação, são muito próximas nas suas indaga-
ser vencido por e através de suas próprias for- ções, inquietações ou indignações a respeito
ças e representações. dos costumes e hábitos ligados à prática do
A ideia de metrópole como um espaço luto e da morte no Brasil, o que encaminhou
onde as tradições seriam constantemente des- o trabalho para o abandono da hipótese ini-
feitas e remontadas em novidades crescentes, cial e para um novo tipo de indagação sobre o
e onde existia uma tendência a uma presentifi- processo em que se debate a população urbana
cação das relações sociais que, por sua vez, se brasileira em seu conjunto, em relação ao uso
encontravam sujeitas a uma lógica de mercado de hábitos e costumes e suas representações

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ligadas ao ritual da dor e da morte. Este artigo, contudo, se prenderá mais


Esse novo conjunto de indagações dei- do que nas possibilidades de adaptação dos
xou de lado as relações entre os conceitos de sentimentos e indagações comuns a cada local,
tradicional e moderno e buscou ressaltar as nas próprias expectativas e experiências reais e
conformações e os modos de vida nacional imaginárias do homem urbano brasileiro con-
como expectativas de uma população urbana temporâneo, tomado como um todo. Não se de-
sujeita aos mesmos estímulos e práticas de terá no colorido local de cada cidade, a não ser
ação, e as adequações locais e regionais expe- quando necessário para exemplificar alguma
rimentadas e assumidas por cada capital em atitude ou reação particular e específica.
função de sua formação específica como cida- O campo de análise investigado estará
de e como origem. delimitado, assim, às estruturas comuns in-
Após os anos de 1970 e, principalmente, formadas pelas respostas dos entrevistados às
após os anos de 1980, o Brasil passa por uma questões formuladas. Anotam-se, aqui, mais as
série de transformações estruturais e culturais semelhanças das inquietações que norteiam o
que tornam comuns as expectativas e o con- desvendar do homem urbano nas cidades bra-
junto de experiências reais e imaginárias so- sileiras de hoje, do que as formas de apreensão
bre regras de comportamento e ação a todo o desse sentimento comum e as adaptações pos-
complexo urbano da nação. A posição frente síveis por região, estado ou cidade específica.
à vida e os hábitos e costumes da população
permitem pensar em um padrão nacional, em-
bora com coloridos e especificidades comuns a A DISCRIÇÃO
cada região e a cada cidade específica.
As conformações urbanas, assim, res- Neste artigo, procurar-se-á identificar
pondem aos mesmos estímulos e frequentam o como os brasileiros urbanos, de segmentos
mesmo imaginário, remetendo-o, por sua vez, médios, estão vendo essas mudanças e inquie-
para as cores e padrões específicos locais. Local tações sobre o prisma do comportamento de
e nacional, desse modo, vivem uma constante uma pessoa que sofreu uma perda, ou em re-
inter-relação e um estado de reformulação con- lação a outras que a experimentaram. Nele se
tínua que, se, de um lado, enfraquece as bases discutirá o processo de ação social e a constru-
da tradição como elemento sentimental de res- ção de significados e tentativas de nomeação,
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guardar práticas específicas locais, por outro reais, imaginárias e relacionais, sobre a perda,
lado, refere-se cada vez mais a práticas especí- o luto e o sofrimento, a partir dos depoimentos
ficas locais para pensar o nacional e o mundo. de informantes, como entrevistados ou que se
A modernidade, desse modo, parece dignaram a responder o questionário-padrão
configurar práticas e pensamentos cada vez desta pesquisa.
mais intricados em uma rede nacional de re- Um dos pontos de partida será o de ana-
ferência comum, porém pensados e agendados lisar como pensam os informantes que respon-
a partir de cada tecido organizacional local, deram ao questionário-padrão e às entrevistas
seja como choque ou conflito inevitável com abertas desta pesquisa sobre o comportamento
o costume e a moral sedimentados, seja ainda de uma pessoa que sofreu uma perda. As res-
como conformação de novos hábitos e práticas postas à questão podem ser divididas em três
impessoais da sociabilidade emergente nos úl- categorias analíticas. A primeira, “Ser discreto”,
timos trinta anos no país. Um e outro servem obteve 77,60% das respostas; a segunda, “Se-
como contraponto às formas de compreensão guir a tradição”, 15,34%, e a terceira, por fim,
possíveis das configurações atuais do homem “Não existe comportamento ideal”, 7,06%.
urbano brasileiro. A discrição, assim, parece movimentar

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a ação imaginária dos informantes sobre o pa- de reintegração ao trabalho e à vida social ativa
pel comportamental de um sujeito que sofreu também eram estimulados de forma pública a
uma perda. Como já se vem analisando ao lon- quem perdesse alguém caro em termos de pro-
go deste trabalho, desde o final do século XIX ximidade e afeto.
vem ocorrendo uma diminuição da demons- As demonstrações públicas do sofrimen-
tração ativa de sentimentos no momento do to, dessa maneira, embora em declínio e me-
trespasse do morto, ou do sofrimento causado nos acentuadas do que no final do século XIX,
nos entes queridos vivos. permaneceram por várias décadas do século
O morrer e a morte vêm sendo retirados XX, até aproximadamente o decorrer dos anos
progressivamente do ritual público que os cir- de 1960, entre os habitantes urbanos brasilei-
cundava, o que é movido, em parte, pela emer- ros. Largas parcelas da população pareciam
gência de um novo discurso de poder, o poder ainda se guiar na tradição de guardar, velar e
médico, junto a ações de políticas públicas sa- sofrer pelos seus mortos sob uma regência pú-
nitárias e higiênicas para as cidades, e também blica, bem como até a dialogar com eles, como
pela emergência da insalubridade causada lembra DaMatta (1987). O apoio da sociedade
pelas doenças e pela morte, no imaginário po- para a superação do sofrimento e reintegração
pular. As representações sociais sobre a mor- social era, também, esperado.
te e o morrer parecem ter tido sua mudança Com a modernização brasileira dos anos
acionada, assim, principalmente, através do setenta e, principalmente, com o esvaziamen-
medo causado pelas inúmeras epidemias que to progressivo do campo no Brasil, tem início
tomaram de assalto as cidades brasileiras nas uma transformação mais intensa no compor-
últimas décadas do século XIX, e pelo discurso tamento e hábitos da população brasileira, es-
de autoridades sanitárias de controle da saúde pecificamente de segmentos médios urbanos.
pública e pessoal. Antigos hábitos são rapidamente deixados
Os enterros, os cortejos e os velórios tor- para trás por não serem considerados urbanos,
naram-se progressivamente mais rápidos, com principalmente no que diz respeito às relações
o morto e a morte identificados como poluido- familiares.
res e, pior, transmissores de doenças, embora, A família extensa tendeu progressiva-
ainda na metade do século XX, expressões de mente a diminuir de tamanho e a ser conside-
dor e demonstrações objetivas de luto fizessem rada apenas como e através do núcleo familiar

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parte do cotidiano da população brasileira. O básico, composto do pai, da mãe e dos filhos.
vestir preto, o resguardo dos enlutados, a abs- Nos anos setenta, também, teve início o pro-
tinência de alguns alimentos e de uma vida so- cesso – que já vinha ocorrendo na Europa e
cial ativa, ainda eram esperados dos familiares nos Estados Unidos –, da saída mais cedo dos
do morto. Era esperado, também, o acompa- filhos e filhas adultos jovens de casa, para uma
nhamento mais de perto de parentes e amigos, vida mais independente da casa paterna, prin-
e de outras instituições sociais, que funciona- cipalmente entre os de classe média.3
vam como instâncias pessoalizadas, tais como 3
É importante salientar, porém, que uma tendência à per-
manência maior dos filhos, chegando às vezes até os trinta
a Igreja – através de um discurso sobre a outra anos de idade, na residência dos pais, parece ter aconte-
vida e o conforto aos que ficam –, ou socieda- cido entre os jovens de classe média no Brasil, nos anos
noventa do século XX, e que parece prosseguir agora, na
des secretas, tipo a Maçonaria, por exemplo, primeira década do século XXI. Esse fato, contudo, não
parece ter vindo acompanhado de uma restauração de um
que amparavam as viúvas e filhas solteiras e hábito do passado, rompido pelos jovens dos anos seten-
ta; pelo contrário, essa nova forma de organização familiar
menores, nos primeiros meses após o trespas- parece ganhar espaço entre os jovens como uma forma de
se, ou se solidarizavam com seus membros ampliação do espaço de individualidade e segurança para
o enfrentamento do mundo, talvez pelo aumento do tem-
masculinos pela perda de um ente querido, po de especialização e formação profissional, talvez pelo
apelo aos prazeres da vida e à formação de uma poupança
apoiando-os em seu sofrimento. Mecanismos pessoal, talvez, enfim, pelo conforto e descompromisso de

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O ritmo de vida, por outro lado, tornou- Os estados brasileiros, as cidades e, es-
se gradativamente mais acelerado, afastando os pecificamente, as capitais de estado, através de
indivíduos uns dos outros e os tornando mais seus habitantes de classe média, viveram uma
reservados perante as próprias emoções e in- exposição maior dessa concentração. Os hábi-
comodados com a expressão pública de senti- tos comportamentais, os desejos e buscas de
mentos de outros. Outro fator bastante interes- realização ficaram cada vez mais concentrados
sante é o desenvolvimento da psicanálise no em um único eixo, o Rio de Janeiro e São Pau-
Brasil, também ocorrida nos anos setenta, junto lo, o que aumentou, assim, um aparentemente
a segmentos médios urbanos intelectualizados. único desempenho comportamental, embora
A autoanálise e o divã do psicanalista segmentado internamente, entre os indivíduos
progressivamente atraem a atenção dos mem- de classe média, em todo o Brasil.
bros urbanos de classe média, principalmente Uma estratificação no interior dessa
adultos jovens, numa faixa que vai dos 18 aos centralização se faz visível, com fortes compo-
35 anos. Essa tendência associa-se ao desape- nentes de uma ampliação do preconceito sobre
go aos valores tradicionais de comportamento estratos, de acordo com a inserção do cidadão
vividos e questionados por esses jovens, e a em um núcleo urbano mais perto ou mais lon-
falência progressiva, nos anos oitenta, de pa- ge, mais rico ou mais pobre, do Brasil, assim
radigmas norteadores de uma esperança em como, internamente a cada capital, de acordo
um mundo melhor no futuro, ou em instâncias com as formas de vida que levem os grupos e
pessoalizadas, como a própria família tradicio- segmentos diferenciados de sua população.
nal, a religião, o partido político e outras mais. Isso parece fazer aumentar ainda mais
Não se pode esquecer também da impor- o sentimento de solidão do homem urbano de
tância crescente de uma competitividade no classe média brasileira. O “ser discreto” parece
mercado de trabalho, o que amplia a margem representar, assim, a forma que vem assumin-
da disputa e dispersão de uma parcela jovem do a “economia de afetos” (Elias, 1990, p. 49)
da população urbana recente brasileira. da cultura urbana brasileira dos últimos trinta
Os anos setenta e oitenta do século XX, anos, principalmente aqui, no tratamento da
desse modo, estabelecem o grande marco da questão da cultura funerária.
transformação por que passaram e ainda pas- As convenções de estilo, as formas de
sam os habitantes urbanos no Brasil. Inde- intercâmbio social e o controle social das emo-
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pendentemente do tamanho populacional das ções parecem viver, no Brasil urbano, princi-
cidades, aqui se tratando especificamente das palmente junto aos segmentos médios urba-
capitais de estados brasileiros, esses marcos nos, uma transformação intensa. Tal transfor-
servem como norteadores da identificação e mação se evidencia numa maior economia dos
modificação ocorrida no comportamento do gestos, da postura, do decoro corporal externo,
brasileiro urbano de classe média, em especial. nas formas do olhar das pessoas, da expressão
Isto porque, progressivamente também, a par- facial, entre outras atitudes comportamentais.
tir dos anos sessenta, e principalmente setenta Essa mudança caminha aceleradamente
dos novecentos, ampliou-se a margem de con- para a composição de um estilo de vida e de
centração política, econômica e comunicacio- uma forma de expressão da autoimagem indi-
nal do país. vidual através de uma ação de autodistancia-
afazeres domésticos do cotidiano que a casa dos pais pos- mento, onde a vergonha e o sentir-se embara-
sibilita. Em todos os casos, porém, não parece refletir em
uma volta ou em um maior apego a tradições culturais per- çado constituem-se em uma viga mestra para
didas, mas em um aumento do individualismo como espa- um maior controle emocional – seja pela re-
ço de consumo e lazer, e como espaço de competitividade
no ambiente societário formal das relações, econômicas, pressão das atitudes espontâneas de sentimen-
políticas, ou ligadas às esferas sociais da hierarquização
e do status. to e pela internalização na pessoa da subjeti-

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vidade, como uma ação não social,4 seja pela suas demonstrações de afeto, como se elas pu-
autodisciplina. dessem comprometê-lo, ou pôr em risco o seu
O “ser discreto”, desse modo, caracteriza desempenho social.
o modus operandi por onde se pode compre- Nesses dois motivos expressos, assim,
ender a construção social do indivíduo urbano parece posta em evidência uma tendência ao
brasileiro de classe média, hoje. O comporta- sentimento de envergonhar-se frente às difi-
mento pessoal de discrição perante as expres- culdades de chegar ao outro, seja através do
sões das próprias emoções é sentido também agir com discrição, presente na categoria do
nas informações contidas no questionário aqui “ser discreto”, como um dever ser moral para
analisado, na relação desse sujeito individual todos aqueles atingidos por uma perda, seja
com os outros. Em outra questão levantada no pela busca de não intromissão, cristalizada na
questionário, perguntou-se qual deveria ser o categoria analítica de “não importunar” aque-
comportamento dos outros, isto é, da sociedade, les em sofrimento.
em relação às pessoas que sofreram uma perda. Nas duas formas do como se comportar
Três categorias foram elaboradas a partir frente à perda, pessoal ou de outros, fica evi-
das respostas obtidas dos informantes. A pri- dente o medo de não saber como enfrentar a
meira categoria afirma que o comportamento situação, e a culpa por ele provocada, o que
deveria ser o de “dar apoio”, com 18,71% das parece aumentar o sentimento de isolamento
respostas. A segunda categoria alega que a ati- e desamparo vivido pelo indivíduo urbano de
tude das pessoas em relação à outra que sofre segmentos médios brasileiros na contempora-
uma perda, deveria ser a de “não importunar”, neidade.
com 72,01% do total, a terceira categoria, por
sua vez, com 9,28% das respostas, diz que a
forma de comportar-se, em uma situação como ECONOMIA DE EXPRESSÕES DE
esta, “depende do caso”. AFETOS
As respostas a essa questão são signifi-
cativas para a análise aqui realizada, por dois Goffman (1967, p. 9), analisando as expres-
motivos principais. O primeiro, por estabele- sões faciais, descreve a expressão “perder a face”
cer, com o “não importunar”, uma esfera de (to lose face) como o receio de não saber como
pudor de chegar-se ao outro, como se uma ex- se referir ou representar em uma situação deter-

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pressão de solidariedade ou apoio pudesse ser minada. Ele fala do medo do indivíduo de poder
compreendida pelo indivíduo objeto da ação possibilitar uma impressão errada nos outros, ou
como uma espécie de invasão de privacidade. de poder vir a ser avaliado com um desempenho
Constrangido em sua dor e em seu sofrimento fraco, ou péssimo, na demonstração de sua incre-
pessoal pela perda recente, o indivíduo pode- dulidade ou de sua capacidade de suportar a rea-
ria, segundo essa categoria, sentir-se ofendido lidade que se apresenta. Ou mesmo de sentir-se
pela tentativa de aproximação do outro, reti- envergonhado e indisposto na situação vivida em
rando-o e comprometendo o seu espaço indi- um momento relacional específico.
vidual no social. Esse receio de perder a face, trabalhado
O segundo motivo diz respeito à ideia de por Goffman (1967, p. 9), parece agir nos indi-
contaminação social pelo sofrimento do outro. víduos em relação através de uma economia
O medo do envolvimento emocional através gestual das emoções. Economia de gestos que
da demonstração de atitudes de solidariedade possa garantir aos sujeitos a “capacidade de
e apoio ao outro configura o ator em persona- suprimir e ocultar qualquer tendência a ficar
gem tímido e, consequentemente, retraído nas envergonhado durante os encontros com os
4
Ver a nota 2. outros”. E, dessa forma, impossibilitar qual-

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quer forma de avaliação, a não ser a que objeti- cotidiano comportamental do homem brasilei-
vamente quer expressar. ro urbano. As expressões comportamentais ou-
Essa economia de expressões de afetos, trora presenciadas pelos próprios sujeitos, ou
assim, parece se realizar através de uma pos- relatadas por parentes, ou visualizadas através
tura de distanciamento ou de afastamento da de experiências presentes ainda no hoje, atra-
situação experienciada na relação com o outro. vés da imprensa ou por próprio testemunho,
Trata-se de uma atitude de leve indiferença aos tornam-se aparentemente estranhas ao cotidia-
outros sociais, seja quando o indivíduo sente- no do sujeito, como arcaísmos de uma estrutu-
se evocado como objeto da ação, onde a exi- ra mental e emocional diferente.
gência de um autocontrole pela discrição é a Trata-se de movimentos narrativos es-
certeza de não apresentar-se constrangido por tranhos que parecem incomodar o homem
constranger o próximo; seja também quando o moderno brasileiro, como parte de uma es-
indivíduo seja ou apareça como o sujeito da trutura de um passado que se quer esquecer,
ação, onde o não incomodar alivia a dificulda- ou melhor, distanciar-se, por incivilizado ou
de de expressão de sentimentos. não moderno. Há um receio também de que
Rezam as regras de etiqueta no Brasil sua presença, pelo excesso emocional presen-
urbano contemporâneo, que, em uma situação te, contamine a si mesmo e as relações sociais
de sofrimento, na qual um indivíduo não pode de onde emergiram, paralisando o presente da
ausentar-se de todo, mas que também não quer modernidade vivida pela vergonha de validar,
invadir a privacidade de quem a experimenta, num outro qualquer, uma imagem avaliativa
ele deve enviar um cartão, flores, ou algo se- que comprometa pessoal ou em grupo seu de-
melhante. Através deles, deve expressar con- sempenho e seu estatuto de urbano.
dolências ou solidariedade ao outro, e, mesmo Autores como Van Gennep (1978), Jun-
assim, após alguns dias do fato ocorrido, ou queira, (1985), entre outros, buscaram, em seus
quando houver uma cerimônia, como a missa trabalhos, demonstrar que as marcações, os rit-
de sétimo dia, por exemplo, fazer-se presente mos e os ritos são essenciais ao movimento co-
e, se próximo, cumprimentar o outro, na fila de tidiano de toda sociedade. Que nenhuma forma
condolências, com uma expressão contida, e ir de sociabilidade flui sem qualquer tipo de passa-
embora, deixando ao outro a possibilidade de gem, ou, como afirma DaMatta (1983, p. 39), “[...]
introjetar sua dor privadamente. é a própria passagem que constitui o polo talvez
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O mesmo se aplica para quem sofre a mais básico da própria idéia de mudança”.
perda. Cabe-lhe manter a dignidade e o contro- Quando a mudança é acelerada, po-
le de suas emoções, aceitando as condolências rém, os ritmos que regulam a passagem pare-
com um ar contido, e com uma ligeira indife- cem embaralhados. Se, por um lado, eles são
rença no olhar. vistos, através de atitudes de estranhamento,
Ambos parecem refletir a atitude blasé, como resquícios incômodos de um passado
diagnosticada por Simmel (1967) no início do presente, por outro lado, o lidar com as novas
século, para expressar a leve indiferença no formas emergentes não parece ser fácil, o que
olhar e no gestual do homem citadino na me- ocasiona um mal estar crescente em quem se
trópole contemporânea, e o processo de mul- vê obrigado – por ter acontecido consigo, ou
tidão e anonimato em que parece emergir a por estar envolvido em uma situação específi-
afirmação da individualidade no momento de ca – ou intimado a participar de cenários onde
consolidação do capitalismo. possíveis elementos de passagem – a morte, o
Essa busca de ocultação da face ou a morrer, o sofrimento, o luto, aqui trabalhados
leve indiferença presente na atitude blasé tor- – se configuram.
nam-se, cada vez mais, expressões em uso no O receio de contaminação, por parte de

600
Mauro Guilherme Pinheiro Koury

quem sofre uma perda, ou por parte de quem Eu fiquei sem saber o que fazer com o choque enor-
acompanha um processo de luto, por exemplo, me que senti quando minha mãe morreu. Eu fiz pra
mim uma máscara dura, uma fortaleza, para acom-
faz com que haja um retraimento nas formas
panhar todos os preparativos para as exéquias. Des-
de etiqueta, para uma quase ausência de gestos de a liberação do corpo até a marcação do lugar do
e emoções. Um “ocultar a face” (hide face), nos velório, o próprio velório, a compra de um lugar no
dizeres de Goffman (1967), por medo de “per- cemitério, o enterro, a missa de corpo presente, o
der a face” (to lose face), configura-se como retorno para casa, até a missa de sétimo dia, eu pa-
uma espécie de escudo protetor de ambos os recia não ser eu mesma. Não entendia onde pude
achar tanta força para fazer tudo e não desmoronar
lados de um processo interativo, o que ocasio-
[...] Chorava e gritava por dentro, mas, por fora, me
na dificuldades e incômodos de lado a lado esforçava para não demonstrar o que se passava
das relações, por não saber como se comportar, dentro de mim. Claro que devia estar com a cara ar-
ou não estar preparado para o exercício de um rasada [...] É até natural nas circunstâncias que vivi
dado e específico papel, pois, possivelmente, naquele momento, mas parecia calma, segura, tran-
as emoções e as validações da face e de gestos quila e ativa. Comandei toda a situação, para que
nada faltasse à minha mãe na hora de sua despedida
serão objetivamente analisadas e avaliadas pe-
[...] Atendi a todos com atenção, até a alguns paren-
los demais presentes. tes que não eram muito chegados e que apareceram
O medo de não saber se expressar e se com aquelas costumeiras e horríveis cenas de choro
comportar em uma situação específica, como em excesso [...] Confesso que, em alguns momentos,
a morte e o luto, por exemplo, funciona como tive que intervir delicadamente, para que eles não
uma regra de convivência que sobrepõe, so- nos matassem de vergonha, que se controlassem [...]
Pareciam vindo sei lá de onde [...] Constrangendo
bre a mesma ação, elementos de uma estuda-
todos os presentes com aquele excesso, falso, pare-
da indiferença facial frente aos elementos da cia falso, como que querendo aparentar uma emoção
relação e uma busca interna de saber-se, ou que não estavam a sentir. Eu, que sou eu, que perdi
melhor, querer-se encontrado por outro. Indi- minha única amiga e confidente, a minha mãe, es-
ferença e procura se mesclam em uma atitude tava controlada, por que eles não deveriam também
que parece incomodar e isolar ainda mais os de estar [...] Uma das coisas que fiquei magoada, po-
rém, foi a falta de atenção de algumas pessoas que
indivíduos envolvidos em uma relação.
eu considerava [...] Não que não estivessem pre-
É uma ambiguidade presente em sensa- sentes em algum momento da despedida de minha
ções aparentemente contraditórias, pois elas se mãe, mas por não verem o meu sofrimento intenso,
revelam, de um lado, associadas a uma espécie a dor que despedaçava o meu íntimo [...] Queria ser

CADERNO CRH, Salvador, v. 27, n. 72, p. 593-612, Set./Dez. 2014


de desprezo do passado, embora sejam asso- buscada, consolada, que me vissem como eu era [...]
ciadas a ele. O passado é visto pejorativamente Mas não, eram condolências frias, distantes, conti-
das, como se quisessem se ver livres daquele espetá-
como cenário de costumes de uma época cai-
culo [...] Eu até, passado algum tempo, conversando
pira ou de tradição rural, ou do Brasil de an- com uma amiga a respeito dessa solidão grande que
tigamente. Ao mesmo tempo, por outro lado, eu senti, e ainda sinto, ela me pareceu assombrada
sofre-se idealmente de uma forma de saudade com a minha “cobrança” – foi assim que ela definiu
do passado, agora visto de forma glamorosa, o meu sentimento –, pois, segundo ela, eu estava tão
como algo que se perdeu e que trazia mais so- forte que até ela se intimidou, por não se achar tão
forte como eu e me constranger com a sua pieguice
lidariedade e conforto.
[...] Antigamente não devia ser assim, conforme mi-
Isso pode ser visto no depoimento de nha mãe falava e os da época dela falavam; parecia
uma informante5 que perdeu a mãe, com quem existir uma atenção especial que envolvia as pesso-
tinha afinidade e a considerava como sua úni- as e as tornava mais solidárias umas com as outras.
ca confidente e amiga: O entendimento do que se passava no ser de alguém
era como que sintonizado por todos os presentes,
que o confortavam e o amparavam. Agora é só so-
5
50 anos, professora universitária e natural da cidade de lidão de todos os lados, ninguém parece, ou quer,
Salvador.

601
O LUTO NO BRASIL NO FINAL DO SÉCULO XX

compreender ninguém [...] Cada um que viva a sua ração da morte e do despacho do corpo, e um
dor sozinho, e pronto! (Entrevista n. 27). evitar aparente de sentimentos no lidar com o
fato. Quando muito, ele se expressa no interior
Nesse depoimento se tem, de um lado, de uma solidariedade formal e constrangida de
uma espécie de asco, quase repugnância a ges- ambos os lados da relação, entre o que sofreu a
tos demasiados por parte de presentes, em um perda e os outros.
processo de despedida de alguém morto. O ex- Tal contexto parece aumentar o senti-
cesso parece incomodar e causar vergonha e, mento de culpa e o desconforto de não saber
inclusive, também, denota um fingimento de como se situar e se apresentar em cada situa-
sentimentos, na verdade ausentes, em quem ção específica. Parece, assim, que as relações
pranteia e se expõe em demasia. sociais se tornam relações de constrangimento
O excesso de emoção em público parece e pudor. Configuram-se num elaborar cons-
vir à tona e ser entendido pelos parceiros da tante da face, para que ela não apresente ou-
relação como falsidade. Fazem parte de atitu- tra coisa além de uma indiferença presente,
des de possíveis relações sociais de um pas- construída para a ocasião, e que também reve-
sado sequer lembrado, a não ser pela falta de le, para alguns poucos, uma ansiedade de ser
decoro e de pudor nele expresso no hoje, e que olhado mais a fundo, no interior de sua face, e
se quer esquecer e, se possível, negar que exis- ser encontrado, e apoiado e tomado como re-
tiu, a não ser pela falta de educação inerente a almente se é, o que não acontece e aumenta a
tal gestuário. solidão e o constrangimento pessoal de todos.
De outro lado, esse depoimento reve-
la também o seu contrário: a solidão dos in-
divíduos prisioneiros do pudor, e a vontade, OS SENTIDOS DA PERDA
ou mesmo necessidade de alguém que os veja
além da máscara de contenção com que repri- O que será perda, ou melhor, como foi
mem seus sentimentos. O passado, então, é re- definida a noção de perda para os informantes
lembrado como um tempo de solidariedade e do questionário-padrão? Uma questão sobre o
compreensão das emoções. É rememorado em significado do termo “perda” foi elaborada entre
uma visão nostálgica de algo que se perdeu ir- as várias outras constantes, pedindo, inclusive,
remediavelmente e que condena ao isolamento no seu desenvolvimento, uma separação entre
CADERNO CRH, Salvador, v. 27, n. 72, p.593-612, Set./Dez. 2014

de cada sujeito dos demais, em seu sofrimento. perda e sofrimento, entre perda e luto, e entre
Tal ambiguidade parece ser comum à perda e morte. Para os informantes, a perda
maioria dos indivíduos de classe média entre- poderia ser definida em quatro categorias ana-
vistados nesta pesquisa. Ela parece fazer parte, líticas: como “ausência”, para 32,75%, como
também, desse momento de transição vivido “desaparecimento”, em um conjunto de 21,01%
pelo povo brasileiro nesses últimos cinquenta das respostas, como “perda de si”, para 38,42%
anos, tornando difusas as fronteiras que deli- e, como “dano”, para 7,82% das respostas.
mitam a marcação e os ritmos sociais de cada O sentido de “perda de si”, elaborado a
passagem, ao transportá-los para o íntimo dos partir de um conjunto de 38,42% das respostas
sujeitos como expressões não sociais. à questão, parece possuir o significado amplo
A objetividade das relações amplia a ne- de perda de referenciais que permitiam aos su-
cessidade de autocontrole e a separação radical jeitos se localizarem em uma situação social
entre indivíduo e sociedade. O ritual vem sen- determinada, tornando-os retraídos e inseguros
do suprimido ou abreviado de tal forma, que até dos seus próprios papéis no mundo. Apa-
apenas deixa aparente, no caso das cerimônias recem, nessa categoria de apreensão da noção
fúnebres, o essencial e higiênico da configu- de perda: a ruptura com o passado e o viver o

602
Mauro Guilherme Pinheiro Koury

futuro como uma presentificação alucinada, a voam como nada a minha cabeça, e, às vezes, eu
falta de amarras, e até o menosprezo expresso me sinto louca e enlouquecida de solidão, de não
ter com quem desabafar![...] Mas finjo bem. Sei pa-
pela reminiscência de formas culturais consi-
recer falsa como todos esses que circulam ao meu
deradas arcaicas e não condizentes com um pa- redor! Quando eles me visitam, eu pareço a pessoa
drão – indefinido, é bom frisar – de urbanidade. mais leve e feliz do mundo; nunca fui e, agora, cada
Por ela é possível considerar o alto grau vez mais, não sou de demonstrar meus sentimentos.
de ruptura vivido pelos segmentos médios ur- Mas a minha vontade era de gritar, chorar, passar
banos no Brasil nesta entrada do século XXI, na cara de todos a minha solidão e a brutalidade do
mundo que parece a todos constranger e que todos
com as construções categoriais de uma tradi-
parecem negar. Busco fugir de mim, mas me refugio
ção cultural que parece não mais satisfazê-los. cada vez mais nesta casca oca que me restou e que
Entretanto, ao mesmo tempo, eles não têm tento esconder e negar para todos e até [...] Ah, se eu
ideia de uma nova forma de apropriação social pudesse, para mim mesma [...] (Entrevista n. 37).7
de si mesmos com a qual pudessem contar em
Na definição de perda como “ausência”,
momentos de crise ou perigo, como os vividos
os 32,75% que assim a apreenderam parecem
por uma passagem brusca ocasionada por um
ter presente, na sua constituição, a ideia de
processo de perda qualquer.
uma distância temporal e espacial de algo ou
O risco ocasionado por esse processo de
alguém que funcionasse como o ponto modal
perda é a perda de si mesmo, uma definição
de uma rede de significados necessários ao
dramática que isola o indivíduo da sociedade.
processo integrativo do sujeito consigo mes-
O indivíduo é visto como um ser completo e
mo e com os outros. A noção de perda, através
indivisível, fora e em conflito permanente com
da expressão “ausência”, parece estar ligada
o social; e a sociedade, por seu turno, é enten-
ao processo referencial onde se estabelece o
dida como um conjunto de regras que busca
sentido da memória. Os indivíduos, na sua au-
constrangê-lo a uma situação passiva e alheia
sência, estão ameaçados de privação de uma
de sentimentos, ideias e volições.
faculdade que parecia segura e inerente a si
Parece ser esse o caso expresso nos frag-
mesmos, que Benjamin (1985, p. 198) chamará
mentos de narrativas que se seguem:
de “a faculdade de intercambiar experiências”.
Quando vi o corpo de meu pai no centro de um ve- Desse modo, tem a ausência, aqui, o
lório com um bando de pessoas que nem ao menos
sentido de um sentimento de vazio ocasionado

CADERNO CRH, Salvador, v. 27, n. 72, p. 593-612, Set./Dez. 2014


falavam com ele quando vivo, por ser considerado
por uma relação para a qual o sujeito não se
velho e doente, senti a hipocrisia toda do mundo.
Era algo que eu já sentia e não sabia bem o que era encontra preparado, e de que sente falta. Mas,
[...] Na minha frente, aquelas pessoas me deram simultaneamente, não ousa declarar o que sen-
bem a dimensão da farsa humana a que sou obriga- te, por receio de não ser entendido.
do a viver e testemunhar. Minha vontade era de sair, A ausência do ponto modal que a perda
desaparecer, perder-me até de mim, não ter a cons-
provoca aliena ainda mais a experiência como
ciência da banalidade e da falsidade das relações.
troca e solidariedade, como construção. A ex-
Hoje, já se passaram três anos, e eu vejo, cada vez
mais com nitidez e desprezo as pessoas e a socieda- periência, pelo contrário, parece caminhar
de. Não tenho mais crédito em nada, vivo por viver, para uma dissolução e, consequentemente, ter
indiferente. É a minha forma de dizer o meu despre- seu valor decaindo até seu desaparecimento
zo, e, ao mesmo tempo, um despreparo absoluto de total.
fazê-lo [...] (Entrevista n. 44).6
Isso parece ameaçar os indivíduos com a
Eu vivo sozinha, trancada, não ouso falar, e, se pu-
impossibilidade de comunicação. A possibili-
desse, nem ousava pensar, mas os pensamentos po-
dade do inominável ressoa como uma ameaça
6
Informante com 29 anos, solteiro, natural e residente na
7
cidade de São Paulo, vendedor autônomo, que perdeu o Informante de 52 anos, aposentada, viúva recente, sem
pai, de 65 anos, vítima de uma longa doença degenerativa. filhos, natural e residente na cidade do Rio de Janeiro.

603
O LUTO NO BRASIL NO FINAL DO SÉCULO XX

eloquente, onde, aparentemente, apenas resta é construída, por sua vez, através da ideia de
o anseio nostálgico de um retorno para algo “desaparecimento”. Essa categoria correspon-
que se perdeu, agora atemporal, para alguma de a 21,01% do total de respostas.
coisa cada vez mais difícil de expressão, a não A ideia de “desaparecimento”, aqui, mais
ser a de um grito mudo, abafado que, se che- do que a ideia de “ausência”, parece alcançar
ga a ser ouvido por outros, é escutado como o significado de uma construção melancólica
e através de fragmentos incompreensíveis que sobre o processo de perda. Nessa construção,
ampliam a solidão e ameaçam os indivíduos os sentimentos para com o social e para con-
de destruição e isolamento. sigo mesmo aparentam tender para um tipo de
É o que parecem revelar os seguintes diluição de sentidos. A perda pessoal do su-
fragmentos de narrativa: jeito é visualizada através de um processo de
ambivalência resultante da vergonha como in-
Tenho dentro de mim uma espécie de nó, que me
dói, às vezes até sinto falta de ar. Tudo começou dividuação, e da reprovação ou estranhamento
quando eu perdi a minha filha mais velha. Parece público, como uma consequência, enfim, de
que o meu mundo caiu, foi à lona, como diz meu sua subjetivação e da falta de expressão no so-
filho... Tento disfarçar, mas acho que não consigo
[...] Tento falar e não posso, algo me agarra por den-
cial. O que parece constituir-se, assim, como
tro e me deixa sem palavras e gestos [...] Por mim, tendência, em uma crença ilusória de expecta-
ficava o dia todo sozinha com os meus pensamen- tivas e no estabelecimento de um grave confli-
tos. Penso no tempo em que minha filha ficava per-
to de sentimentos ambivalentes. É resultante
to de mim, de como conversávamos, de como ela
era bonita e independente, de como é impossível da falta de esperança e do sentimento de que
a vida sem ela [...] Queria dizer isso para os meus, algo esteja prestes a acontecer e eminente a de-
mas não consigo; tentei falar, mas eles entenderam sabar sobre si, do qual, no dizer de Abraham
como se eu estivesse doente e queriam me levar à
(1976, p. 100), só se pode fugir, voltando para
força a um médico [...] Então desisti! Fico só com a
minha filha e o meu sofrimento, e levo a vida como si próprio a hostilidade e a amorosidade que
posso. Aprendi a ser hipócrita, acho, fingida, o que originalmente sentia em relação a seu objeto.
só aumenta ainda mais o meu sofrimento e a minha O depoimento de um senhor de 70
solidão [...] Me ponho formal, distante, mas cum- 10
pridora das minhas obrigações... Ninguém parece se
anos sobre o sentimento de desilusão pro-
importar comigo, se eu estou aparentando firmeza, vocado pela morte de sua esposa exemplifica
mas estou solitária e frágil, só as lembranças me bem essa ideia de desaparecimento, como per-
botam em pé [...] E choro, choro, trancada [...] Mas
da. Para ele:
CADERNO CRH, Salvador, v. 27, n. 72, p.593-612, Set./Dez. 2014

ninguém nota ou quer notar o meu sofrimento [...]


(Entrevista n. 102).8 O mundo deixou de existir quando ela morreu [...]
Só vivo das lembranças dele. O mundo já não me Me culpo a todo o momento porque ela e não eu que
importa. Fico em casa, quem quiser que venha me
se foi. O seu desaparecimento provocou em mim um
procurar. Recebo bem, mas indiferente. Todos pen-
vendaval de questionamentos que não sei respon-
sam que virei uma bruxa, mas é só dor, só sofrimen-
der, a não ser me culpando de não ter dado a aten-
to o que me move [...] É só a ausência dele em mim.
Vivo das recordações do tempo em que era feliz [...] ção merecida quando de sua presença, de não ter
Me basta, pois a dor é a minha sina [...] (Entrevista ficado o tempo todo com ela quando de sua doença,
n. 70).9 de não a ter visto na hora de sua morte, na urgência
do hospital [...] Por não ter morrido com ela [...] Me
A terceira categoria que expressa a vi- culpo, me culpo o tempo todo, mas sou um covar-
são dos informantes sobre a noção de perda de e não consigo findar minha vida. Se eu tivesse a
certeza de que iria me encontrar com ela, poderia,
8
Informante de 63 anos, casada, três filhos, uma mulher e quem sabe, ganhar coragem e ir à sua procura, ficar
dois homens, aposentada, natural da cidade de Limoeiro,
interior de Pernambuco, e desde os vinte anos moradora ao seu lado [...] Mas não, não posso afirmar e tenho
da cidade do Recife. Perdeu a filha única vítima de um quase certeza de que, na morte, se encerra tudo [...]
enfarte “fulminante”, nas suas palavras.
9 10
Informante de 48 anos, viúva, um filho, doméstica, na- Informante natural e residente na cidade de Maceió. En-
tural de Macapá. Perdeu o marido que, segundo ela: “era genheiro aposentado, pai de dois filhos homens que admi-
tudo para mim, a minha vida, o meu sonho [...]”. nistram suas propriedades, e quatro netos.

604
Mauro Guilherme Pinheiro Koury

Então me tranco, me fecho, não quero nada, nem dele retirado, sem ter claro o que ou quem foi
ninguém [...] Meus filhos chegam e eu vou para o retirado, ou o que ou quem o retirou. Sente-se
meu quarto [...] Não quero que ninguém me veja,
logrado, inseguro dos seus gestos, de não saber
tenho receio de ser objeto de estranheza e de falsos
interesses sobre mim [...] (Entrevista n. 53).
como se comportar ou o que esperar da ava-
liação dos outros em relação à sua atitude, ou
Intercessão entre o desespero e o tédio, que atitude tomar a respeito das performances
a dor da perda subjetivada e sem expressão no possíveis dos outros.
social parece reproduzir-se, assim, na narra- O sentimento de logro moral que o dano,
tiva acima, como ausência de projeto. O pro- como definição de perda, parece provocar diz
cesso de perda como desaparecimento tende a respeito, assim, a uma espécie de desequilíbrio
tornar-se melancolia. das relações entre o indivíduo e a sociedade.
O processo de individuação do sujeito Os ritos de passagem, que conformam um ser
que sofre a perda – através da ocultação da face moral, aparentemente, deixam de ser sentidos
e da busca de demonstração de leve indiferen- como efetivos, e o questionamento sobre eles
ça às formas culturais de representação do so- cria um hiato entre as marcações das sequên-
frimento e da morte tradicionalmente usadas cias cerimoniais que assinalam os movimentos
– revela, de um lado, uma tendência social, no de um estado socialmente expresso a outro. In-
Brasil atual, de escamoteamento da expressão forma uma entrevistada11 residente na cidade
pública dos sentimentos (Mauss, 1980). De- de Recife.
nota, também, a valorização da interiorização Ele não poderia ter feito isso comigo: ir embora as-
como subjetividade ou espaço da intimidade, sim, sem mais nem menos, me deixando louca, com
ou do privado, e, dessa maneira, ela é senti- filhos para criar, sem ter uma profissão definida e só
ter vivido a vida como se só a dele importasse [...]
da pelo sujeito como não social, por definição.
Mas se foi, e pronto! [...]
Além disso, ela cria uma disposição prévia e
permanente no indivíduo para a desconfian- E continua:
ça no outro, e, por extensão, no social (Koury,
E aqui estou eu, passados quase sete anos, tendo
1999; 2003; 2011).
que me virar, tendo que fazer de tudo para suportar
A quarta categoria construída para ca- a humilhação de me apresentar sem ele, sem a figu-
racterizar o significado de perda por 7,82% ra forte e de apoio que era ele para mim [...] Só não

CADERNO CRH, Salvador, v. 27, n. 72, p. 593-612, Set./Dez. 2014


dos informantes é a de “dano”. O termo “dano” morro pelos filhos, mas estou como morta por den-
é empregado, segundo o Dicionário Aurélio, tro. Me sinto roubada da minha vida, me sinto cons-
no sentido de um prejuízo moral. É entendido trangida de enfrentar o mundo pelos meus filhos,
quando o que queria é ficar na minha, trancada nos
também como um mal ou ofensa pessoal cau-
meus pensamentos, em minha vontade de dizer a
sado a alguém através da deterioração, da da- ele que ele acabou com a minha vida quando ele se
nificação ou da inutilização efetiva, eventual foi [...] Se eu pudesse adivinhar, não teria aceito dar
ou iminente de algo pertencente a esse sujeito, a minha vida assim não [...] Mas agora é tarde, e só
seja ele individual ou coletivo. me resta ter que aguentar o desprezo do mundo e o
A perda como “dano”, desse modo, é meu desprezo por ele também. Dói moço [...] É uma
dificuldade todo dia que amanhece e eu ter que en-
sentida como uma ofensa moral e um senti-
frentar tudo outra vez [...] (Entrevista n. 109).
mento de inutilidade ou deterioração real ou
virtual, como se o indivíduo que revelasse tal Pelo trecho transcrito acima, é o despre-
conceito visse ou vivesse cada dia o seu pre- paro para o mundo que parece ocasionar a re-
sente como incerteza, id est, recheado de re- volta pela perda do ente querido, e do próprio
ceios e medos de que algo ou alguém lhe seja 11
Informante de 42 anos, mãe de dois filhos menores,
tomado, ou está virtualmente próximo de ser funcionária pública. Marido morreu vítima de distúrbios
cardíacos.

605
O LUTO NO BRASIL NO FINAL DO SÉCULO XX

ser, que se foi também. Trata-se da revolta por ou neutralização de inconsistências do jogo re-
ter sido desamparada, tendo de sobreviver em lacional. Elas possibilitam, também, o entendi-
um mundo para o qual não se considera adap- mento sobre as formas pelas quais se estabele-
tada e o percebe como cruel. Isso parece cau- cem, entre o indivíduo e os outros relacionais,
sar um mal estar crescente, por não saber ela elementos de insegurança e descrédito pessoal
como se comportar frente a cada movimento e societário, na vivência de um sentimento de
de uma marcação social, vista como passagem perda, criando um campo de vulnerabilidade
relacional de tempos e espaços regulados e re- entre as partes em interação, fechando-as, ao
guladores das transmutações de uma sociabili- mesmo tempo, dentro de cada sujeito, no inte-
dade determinada. rior de cada gesto e representação, através de
Descrentes do papel das marcações, em uma atitude blasé simmeliana, de indiferença
um movimento de rejeição por sentirem-nas social. Os sentimentos introjetados configu-
como inadequadas, mas ao mesmo tempo so- ram-se como uma expressão subjetiva e não
frendo pela perda do valor social de cada pas- social. Impõem-se, enfim, como uma máscara
sagem, os indivíduos que afirmaram a perda para o outro, ou como uma ocultação da face,
como “Dano” parecem se sentir como logrados, no dizer de Goffman (1967), para a proteção
vítimas de um estorvo moral acontecido ou pessoal em uma situação de risco, na vivência
prestes a acontecer, o que os deixa em estado compulsória de um social que não satisfaz.
de latência, paralisados e sem ação sobre que Parece que se cria um vazio entre se-
conduta tomar a cada movimento cotidiano gredos que são, ao mesmo tempo, negados e
que lhes impõe participação. permeados da ânsia de serem descobertos e
A perda, considerada como “ausência”, conquistados. Cada segredo – ou melhor, os
“desaparecimento”, “perda de si” ou “dano”, complexos de segredos, ou, melhor ainda, os
dessa forma, como foi visto até agora, constitui portadores de segredos, isto é, os indivíduos –
um conjunto compreensivo de categorias atra- comporta a nuance de uma individualidade e
vés das quais se pode inferir o sentimento do os vazios dos espaços de relações sociais a que
brasileiro urbano de classe média, atual. É cla- se submete e nos quais se conflitua.
ro que essas quatro categorias, para efeito de A individualidade, assim, se põe contrá-
análise, têm de ser vistas como interrelaciona- ria ao social e, ao mesmo tempo, nele busca
das, uma influenciando e sendo influenciada situar-se como indiferença para melhor poder
CADERNO CRH, Salvador, v. 27, n. 72, p.593-612, Set./Dez. 2014

pelas demais, por fazerem parte de um mesmo usufruir das relações de opacidade em que se
universo societário e relacional. transformaram, ou parecem ter-se transfor-
Cada uma delas, porém, expressa uma mado, as relações sociais para os sujeitos em
tônica diferencial que, analiticamente, tor- relação. A individualidade, porém, ao mesmo
na possível sua diferenciação. Gradações en- tempo, anseia ser tocada, experienciada, vis-
tre receios e significados morais na vivência lumbrada, descoberta, encantada e, como tal,
da cidade parecem ser os elementos tônicos se põe à espera.
nos quais uma busca compreensiva tem de se As quatro categorias com que os infor-
apoiar para verificação e alcance de sua sim- mantes pensam a noção de perda parecem se
bologia. constituir, em nuanças, nessa ambiguidade.
Tais categorias abrem espaços para veri- São todas regidas por graus de receio e medo
ficação de como o conjunto de regras e etique- de exposição dos indivíduos, mas também do
tas e a habilidade social e a perceptividade são seu contrário: medo de não serem descobertos.
sentidas como expressão de diferenças de for-
mas de transmissão e avaliações do outro e de
si mesmo, isto é, como manutenção, prevenção

606
Mauro Guilherme Pinheiro Koury

PERDA E SOFRIMENTO ponderam positivamente, contra 22,70% de


respostas negativas. O interessante a observar
Estabelece-se, então, algo, como uma es- é que aqueles que afirmaram não haver rela-
pécie, pelo menos em aparência, de um movi- ção (22,70%) assim o fizeram por acreditar que
mento ritual, novo e ainda inseguro nos seus não existe diferença entre os dois termos. Para
passos. Marcado pela discrição de gestos e eco- os informantes, a perda e o sofrimento são a
nomia de afetos, esse movimento que se gesta única face de uma moeda – não uma e outra,
parece não habitar no respeito ao outro e a seu mas a mesma face. A perda é sofrimento e o so-
segredo, mas, e principalmente, como informa frimento é, inevitavelmente, produto de uma
Simmel (1950, p. 321), no respeito a tudo o perda, seja lá que origem um e outro tenham.
que o outro não nos revela em expressão, e que Para eles, assim, é impossível pensar uma re-
deve ser mantido, a todo custo, à distância do lação, que implica, em seus cálculos, uma for-
conhecimento de cada indivíduo em relação, ma de interação entre dois. Pois uma é a outra
mesmo que isso possa provocar uma reação em e vice-versa. Pensar a perda remete sempre
cadeia, e o próprio segredo contido em um ser ao sofrer, e pensar o sofrimento implica uma
venha a correr o risco de não ser jamais revela- referência à perda. Trata-se de um umbilical
do. Ansiado e, ao mesmo tempo, preservado, o processo, que parece remeter inevitavelmente
segredo reside nessa ambiguidade insatisfeita para a mesma sensação de impotência, de pre-
do medo de contaminação. enchimento pelo outro e resguardo de si.
O perigo de não ser entendido constran- Entretanto, os 77,30% que responderam
ge, ao mesmo tempo em que o conjunto de mal haver uma relação entre sofrimento e perda,
entendidos a que se expõe ou poderá se expor por seu turno, estabeleceram três níveis dife-
um sujeito em relação o inibe e o isola. E, nes- rentes para expressar essa relação: o primeiro
se movimento ambivalente, parece haver uma se refere à diferença de intensidade entre perda
espécie de anseio, sem um conhecimento cla- de pessoas e de objetos; o segundo indica que
ro sobre o porquê, a um retorno mágico a um perda provoca o sofrimento; e o terceiro, por
tempo e a um espaço perdido, em algum lugar fim, se expressa como um sentimento de perda
do passado, cuja memória se nega a enquadrar. eterna.
Tempo e espaço onde seria possível estabele- Assim, 21,53% dos informantes caracte-
cer um encontro sem correr o risco da perda de rizaram essa relação através de uma diferença

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si mesmo, ou do desaparecimento do outro da de intensidade entre perda de pessoas e de ob-
relação. O que poderia até causar danos morais jetos. A perda objetivada de objetos ou pesso-
pela ausência sentida, ansiada, mas, ao mesmo as parece, assim, provocar sofrimento em um
tempo, pelo seu lado mágico e distante, evita- indivíduo. Esse sofrimento é uma espécie de
da, por ser diagnosticada como agente de po- consequência graduada e motivada pelo senti-
luição e causadora de sofrimentos. mento de posse, ou seja, de não mais possuir
A relação entre perda, como sentimento os elementos objetais perdidos pelo desapare-
moral, e sofrimento parece ser evidente entre cimento ou pela desapropriação.
os 1304 informantes do questionário geral des- A gradação na intensidade de sentimen-
ta pesquisa. Mas, como eles compuseram a re- tos envolvidos em uma perda específica, assim,
lação entre esses dois termos? É possível uma se vincula ao conteúdo de posse ou de aproxi-
comparação entre eles, ou apenas o sofrimento mação entre o sujeito que perdeu algo e o ob-
engloba o sentimento de perda como uma es- jeto ou pessoa perdida. É uma relação objetiva,
pécie de inevitabilidade irremediável? ocasionada pela ausência e pela impossibilida-
Perguntados sobre a existência de uma de, momentânea ou definitiva, de possuir algo
relação entre perda e sofrimento, 77,30% res- ou alguém significativo. Assim, a perda parece

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O LUTO NO BRASIL NO FINAL DO SÉCULO XX

estar mais próxima das relações de mercado, sofrimento é a forma de expressão desse sen-
onde o valor do objeto é medido através da in- timento disperso que agride e que acompanha
tensidade de ansiedade gerada no sujeito que os indivíduos em sua jornada, como uma sina
o possui ou que o perdeu. O sofrimento pode da qual não se tem forma de escapar.
ser medido e quantificado, e diferenciado em De um lado, a perda faz parte de uma
intensidade nas gradações entre pessoas e obje- tradição judaico-cristã, situada na perda da
tos, entre proximidade e apropriação. inocência e do paraíso, cuja recuperação se re-
A segunda relação estabelecida entre aliza através da abdicação de uma vida terrena
sofrimento e perda é expressa por 47,82% dos em prol de uma vida espiritual, plenamente
informantes através da afirmativa: a perda completa na pós-vida, após a morte. Mas, por
provoca o sofrimento. Para esses informantes, outro lado, parece realizar-se muito mais pela
o sofrimento é uma consequência da perda, desilusão do mundo, por não mais sequer situ-
um movimento que parece ser provocado pela ar o objeto perdido, o paraíso ou a inocência,
ruptura ocasionada pela ausência ou desapa- em um lugar mítico ou real do passado, por
recimento, definitivo ou parcial, porém con- não ter mais lugar onde originar a perda e o
creto, do objeto ou da pessoa amada. Reflete sofrimento dela consequente.
o estado de fragilidade em que a pessoa que Assim, o sujeito é destinado a vagar como
sofreu uma perda se encontra no momento de um ser sofredor de uma perda acontecida em
tomada de consciência do que perdeu. algum momento ou em algum lugar indefini-
O sofrimento seria, desse modo, um tipo do, da qual ele quer se lembrar, se reapropriar,
de dor moral e física, pela somatização de uma mas cada tentativa o coloca mais distante, e os
perda objetiva no indivíduo e, ao mesmo tem- sentimentos se tornam mais pulverizados, ga-
po, um sentimento de impotência ante a pes- nhando maior intensidade o seu sofrer.
soa perdida ou um objeto, e a conscientização As três possibilidades de interpretação
dessa perda. da existência de uma relação entre sofrimento
A terceira alternativa para a relação en- e perda transmitidos pelos informantes, assim,
tre sofrimento e perda é expressa por 30,65% situam essa relação entre um produto de uma
dos informantes. Essa terceira relação, porém, perda objetivada, concreta – onde o sofrimento
é estabelecida de um modo mais difuso, atra- aparece como uma consequência quase natural
vés da afirmação de que o sofrimento é um da tomada de consciência de um ator de algo
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sentimento de perda eterna. ou alguém que se foi, ou de quem se ficou pri-


Esse modo de referenciar a relação entre vado – e um produto de uma perda difusa, ina-
sofrimento e perda não parece circunscrever a re- tingível em sua origem, que parece gerar uma
lação a uma perda definida e objetiva, como pare- espécie de nostalgia de algo ou alguém de al-
ce expressar a primeira e a segunda forma de re- guma forma extraviado de sua presença e cuja
lações propostas pelos informantes. Expressa, ao sensação é de um aniquilamento e irremediá-
contrário, a relação com um sentimento estilha- vel condenação a um sofrimento a ela inerente.
çado, pulverizado, disperso no interior do sujeito. Ricoeur (1994, p. 60-61), em seu estudo
Parece referir-se a algo ou a alguém não de todo sobre o sofrimento, estabelece diferentes de-
objetivado, como uma espécie de condenação ou graus da manifestação de uma crise de sepa-
desilusão de mundo a que todos e qualquer um ração. O primeiro é visto como se o sofredor
estão destinados a percorrer. fosse único e insubstituível. O segundo degrau
A perda passa a ser alguma coisa presen- aponta para o sofredor como um solitário, cujo
te, irremediavelmente enraizada no interior sofrimento é incomunicável e inapreensível
dos sujeitos, que parece ultrapassá-los pela pelos outros, os quais não podem compreender
plenitude e eternidade de sua constância. E o ou ajudar. No terceiro degrau, o outro se apre-

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Mauro Guilherme Pinheiro Koury

senta, ou parece apresentar-se como o inimi- como espaço de criação de uma temporalidade
go do indivíduo que sofre. No quarto e último artificial que permita ao sujeito remeter-se a
degrau, enfim, como condicionado e condicio- um cotidiano contínuo e repetitivo de “mesmi-
nante dos demais, o sofrimento aparece para dade”. Não, desse modo, para a existência de
o indivíduo que o sofre como uma espécie de uma finalidade; não, também, para uma pos-
predestinação, como de ter sido escolhido para sibilidade de salvação; e não à existência de
sofrer. Esses degraus ricoeurianos parecem as- outra coisa a não ser de si mesmo.
sentar-se bem nas expressões utilizadas pelos Nesta eterna repetição, o indivíduo pa-
informantes desta pesquisa. rece recriar-se em cada momento de seu sofri-
O sofrimento que informam parece ul- mento, como um ser sempre já perdido e im-
trapassar a própria vida do sujeito, exteriori- possível de realizar a ânsia por um fim, como
zando-se em eternidade, prendendo-se em uma reparação, o que parece provocar um senti-
atemporalidade sem passado e sem futuro, for- mento de vergonha de si mesmo e dos outros
mada pela presentificação contínua e repetiti- em relação a tal sofrimento. Aprisionando, o
va do não olvidar, mas, também, não saber ao indivíduo fica envergonhado na busca de um
certo o que e o como esqueceu. O “porquê eu?” autocontrole que evite do olhar a instabilidade
é a pergunta e o reflexo do inferno do suportar e a tensão. Embora, e ao mesmo tempo, sinta
a dor (Ricoeur, 1994, p. 61). Ser um ser que uma ânsia, na intimidade do seu segredo, cada
sofre, predestinado ao sofrimento torna-se um vez mais escondido a sete chaves, ou a neces-
estado que parece tomar conta do sujeito que, sidade do conforto e do repouso.
sem resposta, parece cair ou em uma forma de Os sentimentos de culpa e de vergonha
conformismo fantasmático ao sofrimento a ele parecem satisfazer, assim, os parâmetros por
destinado, ou a um ceticismo nas formas de onde se compreende a relação por eles esta-
olhar os outros sociais em relação. belecida entre sofrimento e perda. Os senti-
Tanto o conformismo fantasmático quan- mentos de vergonha e culpa, ao serem toma-
to o ceticismo parecem ser, assim, as formas dos como dois sentimentos diferenciais (Lynd,
de enfrentar o mundo, nessa relação entre a 1961) – o segundo como um sentimento mais
perda, o sentimento difuso de perda e o sofri- individualista, e o primeiro como que ainda
mento a ela inerente. O mundo apresenta-se, encoberto por uma malha por onde se espelha
assim, sem confiabilidade, a não ser a da con- a tecedura de uma coletividade – podem ser

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fiança em não ter confiança legítima nas insti- usados para pensar a sociabilidade urbana bra-
tuições e coisas públicas da ordem social. sileira, principalmente entre os segmentos mé-
Regras e etiquetas de uma sociabilidade dios urbanos, que vivem uma transformação
são, dessa forma, vistas com uma espécie de na esfera do comportamento e da mentalidade
desdém e descrédito. A perda é sentida, de um dos seus atores.
lado, como algo a ser reparado pelo ator, que se A principal característica dessa mudan-
culpa pela sua efetivação e, ao mesmo tempo, ça comportamental reside em, ou tem por seu
cria uma escala de gradações por onde possa ex- núcleo ou centralidade, um desapego crescen-
piar a sua dor. E, como tal, a dor é sempre pes- te ao passado e às suas tradições, de um lado;
soal, como sofrimento reparador de culpa, o que e, de outro, um se lançar a um novo modelo
individualiza o sujeito e o constrange, ou parece cujos hábitos, não de todo claros e não de todo
assim fazer, ante o mundo e os outros sociais. incorporados, apresentam-se como constrangi-
De outro lado, porém, a perda é vista mento pessoal.
pelo seu lado atemporal. É sentida como uma Apresentam-se como uma espécie de não
espécie de condenação impossível de ser re- saber agir, ou de não ver como colocar-se em
parada, e cujo enfrentamento é o de retomá-la situações de passagens, onde os elementos de

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O LUTO NO BRASIL NO FINAL DO SÉCULO XX

ruptura ou de transição ficam mais acentuados, isso pudesse contagiar o outro e desvendar a
provocando mal estar, incerteza, e uma dose si mesmo, tornando o eu e os outros frágeis,
maior de disfarce e máscara, de indiferença, fechados cada um no seu íntimo, individual,
para melhor esconder a face, e, com ela, ausen- e fora dele, ou melhor, excluídos do social.
tar-se ou negar o enfrentamento direto com as Concomitantemente, porém, também como
situações de risco que o cotidiano lhe impõe. movimento de intimidade, vê-se um desejo de
O conformismo fantasmático, o ceticis- se ser descoberto e acalentado pelo outro, o
mo social das coisas públicas e a descrença que aumenta a ambiguidade das ações entre os
pessoal nas instituições asseguradoras da cul- homens. A sociedade brasileira parece, assim,
tura e do social como tradição parecem, desse caminhar para uma esfera de relações cada vez
modo, se ampliar. Tudo isso faz os indivíduos mais mercantilizadas e formais, e o individua-
tornarem-se, ao mesmo tempo, eternos seres à lismo tende a se estabelecer como a nova forma
procura de algo ou de alguém, a que ou a quem da sensibilidade do homem urbano, de classe
se possa amparar, mesmo sob a capa céptica média, no Brasil do século XXI, mesmo com
com que aparecem vestidos. É o movimento de regras de etiqueta comportamentais frágeis e
um processo ambíguo, que provoca mais pes- ambíguas, o que aumenta o sofrimento social
simismo, mesmo que transfigurado em uma do não saber como agir entre os que sofrem a
alegria carnavalesca, ou em um tudo qualquer perda e os que têm de lidar com ela em relação
que vira piada na mesa de um bar. aos relacionais em luto.

Recebido para publicação em 30 de outubro de 2012


CONCLUSÕES Aceito em 06 de novembro de 2013

Este artigo teve como principal objetivo


a compreensão das mudanças comportamen- REFERÊNCIAS
tais da população brasileira urbana frente ao
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técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense. 1985. v. 1.
nos, e das mudanças experimentadas na sua
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DaMATTA, Roberto. A questão da posse: tempo, sociedade


sensibilidade, no decorrer da segunda metade ritual e estado no Brasil. Humanidades, São Paulo, v.1, n.
2, p. 36-45, jan./mar. 1983.
da última década do século XX, tendo o pro-
_______. A casa & a rua: cidadania, mulher e morte no
cesso de luto e da perda como “mote” analítico. Brasil. Rio de Janeiro: Guanabara. 1987.
Em primeiro plano, trata da ambivalên- ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos
costumes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1990. v. 1.
cia vivida por esses indivíduos nas formas de
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1967. p. 05- 45,
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em que se observa uma disposição para uma infância. São Paulo: Summus, 1985.
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do luto. Petrópolis: Vozes. 2003.
o aumento da solidão individual e um refrea-
_______. Luto e sociedade no Brasil do final do século XX:
mento das formas de solidariedade. o imaginário sobre a morte, a dor e a perda na cidade de
Uma espécie de vergonha de expres- João Pessoa, Paraíba, Brasil. Revista Latinoamericana de
Estudios sobre Cuerpos, Emociones y Sociedad, Córdoba, v.
são dos sentimentos parece emergir, como se 3, n. 5, p. 6-14, abr./Jul. 2011.

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Mauro Guilherme Pinheiro Koury

LYND, Helen. On shame and the search for identity. New _______. A metrópole e a vida mental. In: Velho, Otávio
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MAUSS, Marcel. A expressão obrigatória no indivíduo
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RICOEUR, Paul. La Souffrance n’est pas la Douleur. In: experiência de geração. Rio de Janeiro: Zahar. 1986.
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Autrement. 1994. WEBER, Max. Economía y sociedad. 4 vols. Buenos Aires:
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SIMMEL, Georg. Discretion. In: WOLFF, Kurt H. (Org).
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O LUTO NO BRASIL NO FINAL DO SÉCULO XX

MOURNING IN BRAZIL AT THE END OF THE LE DEUIL AU BRÉSIL À LA FIN DU XXe SIÈCLE
20TH CENTURY

Mauro Guilherme Pinheiro Koury Mauro Guilherme Pinheiro Koury

This article aims to contribute for the understanding L’objectif de cet article est d’apporter une
of the behavioral changes in the urban Brazilian contribution à la compréhension des changements
population regarding mourning and loss. It is the de comportement de la population brésilienne
result of a broad mapping of the behavioral of urbaine face au phénomène de deuil et de perte.
Brazilians from average urban segments, and of the Il résulte d’un quadrillage du comportement
changes experienced in their sensibility during the de l’homme brésilien, de segments de la classe
second half of the 20th century, using mourning and moyenne urbaine, et des changements qui ont
loss as a guide for analysis. eu lieu au niveau de sa sensibilité au cours de
la deuxième moitié de la dernière décennie du
XXe siècle, le processus de deuil et de perte en
constituant un attribut analytique.

KEYWORDS: mourning, loss, bereavement, shame, MOTS-CLÉS: Travail de deuil. Sentiment de perte.
individualism, urban Brazil. Souffrance. Honte. individualisme, Brésil urbain.
CADERNO CRH, Salvador, v. 27, n. 72, p.593-612, Set./Dez. 2014

Mauro Guilherme Pinheiro Koury – Doutor em Sociologia. Professor do Programa de Pós-Graduação em


Antropologia da Universidade Federal da Paraíba. Coordenador do Grupo de Pesquisa em Antropologia e
Sociologia das Emoções (GREM). Trabalha com temas relacionados à área de Antropologia e Sociologia,
com ênfase nas linhas de pesquisas em Sociologia e Antropologia das Emoções; em Sociologia e
Antropologia Urbana; e em Sociologia e Antropologia da Imagem e do Visual. Seus trabalhos de pesquisa
atuais ligam-se às temáticas: Fotografia e Sociedade, Medos Urbanos, Sociologia e Antropologia Urbana,
Cidade e Cotidiano, Sociologia e Antropologia da Imagem e Sociologia e Antropologia das Emoções.
Publicações recentes: Estilos de vida e individualidade . Curitiba: Appris, 2014; Práticas instituintes e
experiências autoritárias. Rio de Janeiro: Garamond, 2012; Amor e dor. Recife: Edições Bagaço, 2005;
Sociologia da emoção: o Brasil urbano sob a ótica do luto. Petrópolis: Vozes, 2003.

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