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RESUMO
Introdução
Dentre as quatro competências (ouvir, falar, ler e escrever) geralmente tomadas como
base para o ensino de línguas estrangeiras, pode-se considerar que a mais difícil de ser bem
desenvolvida é a que compete à habilidade de fala proficiente. Enquanto as outras podem
ser bem tratadas de forma individual pelo esforço do próprio aluno, a fala depende
inteiramente da interação comunicativa com outra pessoa.
Durante muitos anos, os quadrinhos foram marginalizados em relação ao ambiente
escolar, por serem considerados como fator de distração que poderia afastar os estudantes
da prática da leitura de outros gêneros textuais. No Brasil, este cenário mudou com a
inclusão das HQ na Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional (LDB) de 1996, que
apontava a necessidade de inserção de novas linguagens e manifestações artísticas nos
ensinos fundamental e médio (VERGUEIRO, 2009). Esta mudança abriu as portas para um
trabalho que só viria a crescer entre os professores e escolas do país, especialmente após a
inserção das HQ nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de 2008, que mencionam
especificamente “a necessidade de o aluno ser competente na leitura de histórias em
quadrinhos e outras formas visuais” (VERGUEIRO, 2009 p.10) e no Programa Nacional
Biblioteca na Escola (PNBE), a partir de 2006, ano em que o governo distribuiu pela
primeira vez publicações em quadrinhos para as instituições públicas brasileiras. Este foi
um grande passo para uma nova visão docente em relação às HQ, especialmente porque um
dos objetivos do PNBE é “permitir aos estudantes o acesso à cultura e à informação e
estimular o hábito pela leitura” (VERGUEIRO, 2009 p.12), o que vai de encontro ao
pensamento consolidado por tanto tempo na comunidade escolar.
Atualmente, as HQ podem ser consideradas como ferramentas para uma perspectiva
lúdica do ensino, o que pode auxiliar na regulagem positiva do filtro afetivo do aluno,
especialmente os estrangeiros que buscam as aulas de PLNM, com relação a uma nova
língua e uma nova cultura, fazendo com eles se sintam mais motivados na aprendizagem.
Porém é imprescindível que o professor saiba regular a ludicidade das atividades de acordo
com o seu público para que a aula não se transforme em uma grande brincadeira sem
objetivos pedagógicos definidos.
A partir dessas definições, é possível começar a refletir sobre a utilidade desse material
no ensino de línguas estrangeiras (LE), uma vez que ele permite a realização de atividades
que abordam tanto a modalidade escrita da língua quanto a oralidade presente de forma
inevitável nas falas das personagens. Assim como as HQ permitem também um trabalho
que abarque alguns aspectos culturais (inclusive da cultura subjetiva, ou seja, cultura
relacionada aos hábitos e costumes mais profundos de uma sociedade) que aparecem
refletidos no cenário, nas vestimentas, no comportamento social e interacional que há entre
as personagens das histórias. Nos dias atuais, é de amplo conhecimento que o ensino de
uma nova língua deve ser feito por meio da união dos elementos linguísticos e estruturais
do idioma com os elementos culturais da sociedade em que ele é usado.
Bennett (1998) mostra que a cultura de um povo pode ser classificada em dois
aspectos: a cultura objetiva e a cultura subjetiva. A cultura objetiva se refere às instituições
mais visíveis em uma sociedade, e geralmente ela é abordada em cursos de línguas
estrangeiras e em livros didáticos como a representação da cultura de um país, ela se refere
à: arte, literatura, música, dança, peças de teatro, sistemas econômico e político. Apesar de
serem temas de importância no estudo sobre uma nova língua e sua sociedade, esse
conhecimento não oferece nenhum auxílio no momento da comunicação interacional em si,
pois ela não gera necessariamente competência linguístico-comunicativa (MEYER, 2016).
Esta competência pode ser desenvolvida por meio do estudo da cultura subjetiva de
um povo, pois ela abarca os aspectos menos evidentes do comportamento de uma
sociedade, servindo como uma orientação para a adequação do aprendiz na comunidade
linguística em que ele deseja ser inserido. Ela se refere às características psicológicas que
definem um grupo de pessoas: suas crenças, valores, formas de interagir em diferentes
esferas sociais, moralidade. Essa camada mais profunda da cultura é mais difícil de ser
percebida até por falantes nativos, portanto pode ser um obstáculo para o aprendiz de PLE e
deve ser bem trabalhada em sala de aula, evitando que os alunos façam uma interpretação
equivocada dos hábitos dos brasileiros e tenham algum choque cultural.
2.2 Cultura de alto e baixo contexto
Entrando no âmbito da pragmática, esta teoria é de grande valor para a aula de PLNM,
uma vez que ela leva em consideração a razão de um falante produzir uma enunciação de
acordo com os seus objetivos, ou seja, ela supera o âmbito estrutural das expressões
linguísticas e volta a sua atenção para o melhor e mais adequado uso que o aprendiz pode
fazer delas.
Austin (1962) desenvolve sua linha de pensamento pautando-se na noção de que os
enunciados proferidos pelas pessoas fazem mais do que apenas nomear e informar, pois, ao
serem usados, eles refletem uma ação e uma reação dos falantes, baseadas nos seus
propósitos discursivos. Ele compreende, portanto, que as pessoas realizam ações quando
falam, e estas ações podem ser realizadas por meio de três dimensões básicas que ocorrem
simultaneamente em um ato de fala:
a) Atos locucionários: enunciação de uma sentença com sentido e referências
determinados;
b) Atos ilocucionários: realização de um ato ao dizer algo;
c) Atos perlocucionários: produção de certos efeitos sobre os sentimentos,
pensamentos ou ações dos ouvintes.
Adiante, as teorias aqui apresentadas serão aplicadas em uma breve análise e em
propostas de trabalho pedagógico que objetivam o desenvolvimento da interação social e da
construção discursiva, fazendo uso de HQ como material de apoio em aulas de PLNM.
3. Situações interacionais em aulas de PLNM
Já no exemplo 4 (Fig.4), Rolo chega duas horas atrasado no novo encontro e tenta se
justificar (CHEN, 2001), usando a estratégia de contradição, dizendo que o carro quebrou
novamente. Sua expressão facial marca sua condição de sinceridade na explicação, mas
desta vez ele não consegue reparar a sua face e sua namorada acha que é apenas uma
desculpa esfarrapada. Essa situação é interessante para uma aula, pois os alunos poderiam
tentar criar, em uma atividade oral, outras estratégias discursivas para ajudar o Rolo a
convencê-la de que se atrasou por uma circunstância externa verdadeira e obter o seu
perdão.
4. Conclusão
O que pode ser observado a partir do exposto até o momento é que a prática didática das
situações interacionais é uma parte integrante de um projeto metodológico que visa à
comunicação dos aprendizes. Para que esse trabalho possa ser bem desenvolvido, o
professor pode fazer uso de diversos materiais didáticos e usar as HQ como recurso auxiliar
para as suas aulas, sabendo que este material não deve ser usado apenas com o público
infanto-juvenil. Apesar do grande preconceito que ronda o uso pedagógico de HQ, cursos
de línguas do mundo todo já fazem uso delas, não apenas como fontes linguísticas, mas
também como uma espécie de vitrine cultural, onde é possível perceber alguns aspectos da
cultura subjetiva, que são pouco evidentes para um estrangeiro que quer aprender a língua
e, consequentemente, a cultura do Brasil.
O estudo das teorias apresentadas serve como esclarecimento para que o professor
consiga entender a razão das diferentes formações estruturais e, assim, consiga levar para a
sala de aula explicações teoricamente bem embasadas, embora adaptadas para uma aula de
língua estrangeira. Pensar sobre o ensino das estruturas em conjunto com as teorias voltadas
para o interacionismo e para a cultura, é um elemento diferencial do ensino do português
como língua materna, onde os alunos já têm algum conhecimento inerte sobre os hábitos da
cultura subjetiva brasileira, aspecto que os alunos estrangeiros precisam de orientação, para
que possam desenvolver suas habilidades linguísticas e se integrar melhor à sociedade
brasileira por meio de uma comunicação bem realizada.
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