Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Processo: 6150-06.2TBALM.L1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: RELAÇÕES DE VIZINHANÇA
DIREITO DE PROPRIEDADE
DEVER DE PREVENÇÃO GERAL
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
Data do Acordão: 29-03-2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES/ RESPONSABILIDADE CIVIL - DIREITOS REAIS
Doutrina: -ALONSO PEREZ, Las relaciones de vecindad, em Anuário de Derecho Civil, tomo XXXVI, Abril-Junho de 1983, págs. 357 e segs..
-ANTUNES VARELA, Comentário ao Ac. do STJ de 26-3-80, Revista de Legislação e Jurisprudência, 114.º.
-COSMAS YOCAS, em Les Troubles de Voisinage (Paris 1966).
-GUY COURTIER, em “Travaux de Bâtiment et dommmages au voisinage”, pubicado na revista “Responsabilité Civile et Assurances”, Março de 2000, pág. 6.
-HUBERT GROUTEL, Travaux immobiliers et troubles de voisinage, em Responsabilité Civile et Assurance, 16º ano, Julho de 2003, págs. 4 e 5.
-JEAN-VICTOR BOREL, em La Semaine Juridique, nº 51-52, págs. 35 e segs..
-J. ALBERTO GONZALEZ, Restrições de Vizinhança, págs. 118 e 209.
-OLIVEIRA ASCENSÃO, Revista da Ordem dos Advogados, ano 67º, págs. 7 e segs..
-MENEZES CORDEIRO, Da Boa Fé no Direito Civil, pág. 831, nota 669.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 483.º, 492.º, 493.º, 1346.º, 1348.º, 1350.º, 1360.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
1. Os arts. 1346º e segs. do CC não esgotam nem as restrições, nem os deveres impostos aos proprietários de prédios em relação de vizinhança.
2. Para além da responsabilidade que pode decorrer de acções ou omissões ao abrigo dos arts. 492º e 493º do CC, nas normas dos arts. 1346º e
seguintes aflora um princípio geral que rege as relações de vizinhança e que pode gerar, em determinadas circunstâncias, um dever de
restabelecimento do equilíbrio imobiliário perturbado pela actuação de um dos proprietários ou mesmo um dever geral de prevenção de danos,
cuja violação se inscreve no art. 483º do CC.
3. Tendo o proprietário de uma moradia procedido à demolição da parede correspondente à empena que confinava com a empena da moradia
contígua, ficando, por causa disso, desguarnecida durante os dois anos em que a obra de reconstrução esteve parada na laje do 1º andar, por
falta de licenciamento, são-lhe imputáveis os danos derivados das infiltrações de águas pluviais e de humidades para o interior da moradia,
através da referida empena que durante aquele período se manteve sem qualquer protecção.
A.G.
Decisão Texto Integral:
III - Decidindo:
1. Suscita o recurso de revista a questão da responsabilização do proprietário de uma moradia geminada por danos derivados da realização de
obras que afectaram a moradia contígua, o que nos remete para um litígio conexo com relações de vizinhança.
Na sentença da 1ª instância a R. foi condenada pelos referidos danos, com fundamento na existência dos pressupostos da responsabilidade civil
extracontratual. Já no acórdão recorrido considerou-se que, apesar de as infiltrações que afectaram a moradia dos AA. terem a sua causa
próxima nas obras executadas na moradia da R., esta não devia ser responsabilizada, uma vez que se limitou a proceder à demolição da parede
encostada à parede da outra moradia e não tinha o dever de zelar pela sua impermeabilização, sendo irrelevantes as demais actuações.
2. A situação em que se encontravam as duas moradias é recorrente nas áreas urbanas em que a necessidade de aproveitamento do espaço para
edificação leva a que se construam edifícios em linha.
O proprietário de qualquer dos edifícios confinantes goza dos poderes gerais, entre os quais se inclui o de demolição e de reconstrução de
acordo com as normas urbanísticas ou as regras de direito privado que emergem dos arts. 1360º do CC. Mas na execução dessas ou de outras
obras necessariamente terão de ser tomadas em consideração tanto as circunstâncias anteriormente existentes, como as consequências que
previsivelmente possam afectar o edifício confinante.
A situação de vizinhança e mais ainda a existência de construções confinantes implica algumas limitações ao exercício do direito de
propriedade, como bem o evidenciam designadamente as normas dos arts. 1346º, 1348º ou 1350º do CC.
Todavia, nenhum dos preceitos que formalmente descrevem os deveres dos proprietários regula especificamente a realização de obras que, não
sendo em si mesmas directamente determinantes de danos no prédio contíguo, constituem causa mediata da ocorrência de infiltrações através
da parede confinante.
Uma situação como a dos autos não obtém regulação específica nos arts. 492º e 493º do CC, normas que abarcam outras realidades: o art. 492º,
as situações de ruína, de vício de construção ou de incumprimento de dever legal ou contratual de conservação de imóvel; o art. 493º, os danos
causados pelos próprios imóveis, a par do incumprimento do dever de vigilância, e os danos resultantes de actividades perigosas pela sua
própria natureza ou pela natureza dos meios, o que não inclui a actividade normal de construção civil.
Porém, a apreciação da concreta situação ou, nas palavras de MENEZES CORDEIRO, a “normatividade dos factos”, cuja “ponderação
dogmática pela necessidade reconhecida de redução dos problemas, passa pelo sistema”,[2] cria a convicção de que os danos que ocorrerem na
moradia dos AA. são de imputar à actuação ou omissão da R., reclamando do sistema uma solução que sustente a sua responsabilização.
3. A integração jurídica de situações que, como a dos autos, se mostram merecedoras de protecção semelhante à que aflora em determinados
preceitos que regulam o exercício do direito de propriedade sobre imóveis tem conduzido ao seu aprofundamento teórico.
A problemática foi objecto de apreciação no Ac. do STJ, de 26-3-80 (com comentário favorável de ANTUNES VARELA na RLJ 114º) que
inscreveu a responsabilização do proprietário do prédio vizinho na violação de deveres emergentes de um princípio geral que envolveria as
relações de vizinhança de que os arts. 1346º e segs. do CC constituiriam afloramentos.
Tratava-se de uma situação, muito próxima da sub judice, de demolição de um prédio, com a especificidade de que, até certa altura, a parede
era comum ao prédio contíguo, daí se elevando paredes autónomas, mas encostadas, uma das quais sofreu danos provocados por trepidações
subsequentes ao derrube da outra parede. Concluiu-se no referido aresto que, apesar de o proprietário do prédio demolido ter agido ao abrigo do
seu direito de propriedade, deveria responder pelos danos causados pelo não acatamento de um dever de protecção justificado
diversificadamente a partir da violação de deveres de diligência e da ponderação da relação de vizinhança.[3]
A problemática foi ainda apreciada, mas sem incidência tão precisa relativamente a uma situação como a dos autos, por J. ALBERTO
GONZALEZ, na monografia intitulada “Restrições de Vizinhança”, onde alude a um dever geral de prevenção cuja violação, em determinadas
circunstâncias, pode sustentar a obrigação de indemnizar com base na responsabilidade civil (págs. 118 e 209).
Para MENEZES CORDEIRO, a resposta para uma situação do género encontra apoio nas regras sobre o abuso de direito. No entender deste
civilista, “um edifício contíguo a um outro traz-lhe desvantagens, mas, também, alguns benefícios”, de modo que “destruir o edifício contíguo
sem tomar as precauções para proteger a casa vizinha, excede manifestamente os limites impostos pela boa fé”. Argumentos resumidos que
servem para fundar um direito à protecção correspondente ao “dever de tomar as precauções necessárias para que, em consequência de
desaparecer o edifício contíguo, não ocorram danos no edifício subsistente” (ob. cit., pág. 831).[4] Tal é feito mediante a enunciação de um
princípio geral que enformaria as disposições específicas dos arts. 1346º e segs. do CC e que, para além das concretas situações reguladas,
sustentaria ainda outros vínculos submetidos ao mesmo princípio.
Já segundo OLIVEIRA ASCENSÃO, as relações de vizinhança envolvem um princípio geral que, aflorando em diversas disposições
reguladoras do direito de propriedade, geram para cada um dos proprietários de prédios vizinhos ou confinantes deveres de “manutenção do
equilíbrio imobiliário”, implicando a necessidade de compressão e de actuação mútua no sentido da manutenção do statu quo que, por razões
subjectivas ou objectivas, tenha sido modificado, causando uma forte perturbação na relação vicinal.
No artigo intitulado “A previsão do equilíbrio imobiliário como princípio orientador das relações de vizinhança” (ROA, ano 67º, págs. 7 e
segs.), tece pertinentes considerações que podem ser transpostas para o caso, considerando que aquele princípio releva dos arts. 1346º, e segs.
do CC, sendo susceptível de “expandir a regulação jurídica a casos não previstos”. Assevera que “cada titular está vinculado, não só a abster-se
da prática de actos que quebrem o equilíbrio imobiliário, como a reparar a falta de execução normal do seu direito, quando pela omissão desse
exercício o equilíbrio imobiliário possa da mesma forma vir a ser quebrado” (pág. 25). Defendendo a legitimidade para assacar ao proprietário
o dever de reconstituir o equilíbrio imobiliário perturbado, sustenta no referido princípio “a aplicação a outras situações em que o princípio
justificativo for o mesmo “ (pág. 30), para concluir, tal como se fizera no caso que foi apreciado no citado Ac. do STJ, de 26-3-80, que “a
demolição provoca uma ruptura do equilíbrio imobiliário que surte por si o efeito de impor ao titular do prédio onde se originou a
reconstituição daquele equilíbrio (pág. 28, nota 30).[5]
4. Vejamos agora o caso concreto.
As moradias dos AA. e da R. foram edificadas no âmbito do mesmo licenciamento camarário, há cerca de 60 anos, sendo geminadas através de
uma das empenas que, durante esse período, exerceram simultaneamente a função de delimitação de cada moradia e de protecção mútua contra
os efeitos das intempéries, designadamente, das chuvas.
A R. executou obras na sua moradia que incluíram a demolição da parede encostada à empena da outra moradia, a qual ficou temporariamente
sem outro resguardo. Num segundo momento, iniciou a reconstrução da moradia mas, por falta de licenciamento, a obra ficou parada quando se
encontrava ao nível da laje do 1º andar e assim se manteve durante dois anos, até ser autorizada a reconstrução.
Logo ao proceder à demolição da parede da sua moradia a R. provocou a ocorrência de danos na parede da moradia dos AA., ficando abertos
buracos que deixavam ver o seu interior. Apesar de os AA. terem exigido da R. a sua reparação, esta não o fez, tendo sido aqueles a proceder à
tapagem dos referidos buracos.
Também houve arrancamento parcial da tela de isolamento.
Em todo este processo, a R. não adoptou as cautelas que a relação de vizinhança objectivamente impunham.
Nestas múltiplas actuações e omissões da R. assomam diversos aspectos a que deve atribuir-se relevo:
a) A directa afectação da parede da moradia dos AA. sem o cuidado necessário na prevenção dos danos;
b) A recusa na realização de obras de reparação dos danos que directamente foram provocados;
c) A objectiva violação de regras de vizinhança, deixando exposta durante dois anos uma parede que até então estava naturalmente protegida
pela parede da moradia demolida;
d) A alteração de uma relação de equilíbrio que durante cerca de 60 anos se manteve; o arrastamento da situação durante dois anos por
motivos unicamente imputáveis à R., agravando a ocorrência de infiltrações pela parede desguarnecida;
e) Enfim, resumindo, a omissão de deveres de prevenção de danos que a conjugação de diversas circunstâncias - a conduta ilícita, o facto de as
paredes serem e continuarem a ser contíguas ou as regras da boa fé - exigiam.
5. É verdade que a infracção às regras urbanísticas ligadas ao licenciamento, em princípio, não seria invocável pelos AA., por traduzir o não
acatamento de normas que tutelam interesses de ordem pública. Porém, no caso, tal infracção foi causal da demora na reconstrução da moradia,
levando a que essencialmente ao nível da laje do 1º andar, onde a obra paralisara, ocorressem infiltrações que danificaram o interior da casa dos
AA.
Também quanto à abertura de buracos na parede da moradia dos AA. se poderia porventura invocar que, uma vez que se substituíram à R. na
execução da correspondente reparação, sanada teria ficado a situação, a exigir apenas o eventual reembolso das despesas. Porém, sem embargo
dessa iniciativa dos AA., a R. não poderia ter-se desinteressado definitivamente da situação que provocara, tanto mais que, como veio a
verificar-se, também houve alguma interferência daquela conduta nas infiltrações que se vieram a verificar, situação agravada pela demora na
reconstrução do edifício por razões unicamente imputáveis à R.
Obviamente que o facto de as paredes das empenas de ambas as moradias estarem encostadas não afectava a possibilidade de qualquer dos
respectivos proprietários proceder à sua demolição, com ou sem reconstrução da respectiva empena, com as mesmas ou com outras
características. Mas o programa que a própria R. traçara era claro: à demolição da empena seguir-se-ia a sua reconstrução, mantendo-se
encostada à moradia dos AA.
Também quanto à tela de isolamento, ainda que esta apenas tenha sido retirada da zona de confluência entre a empena da moradia dos AA. e a
anterior empena da moradia da R., também aí houve uma modificação do statu quo relacionado com a protecção contra infiltrações de que a R.,
como interessada nesse arrancamento, não deveria alhear-se.
6. Conquanto a figura do “abuso de direito” possa estar presente em alguns conflitos de vizinhança, como aquele que foi objecto de apreciação
no citado Ac. do STJ, de 28-10-08, sobre um caso de actuação que injustificadamente prejudicava a natural insolação de um dos prédios, não
existe necessidade de se seguir essa via, ajustando-se às circunstâncias do caso a alternativa apresentada por OLIVEIRA ASCENSÃO, em
desenvolvimento da problemática que foi correctamente integrada pelo Supremo Tribunal de Justiça no citado aresto paradigmático de 26-3-80.
Traduzindo uma faceta de desenvolvimento do direito que melhor corresponde às necessidades da vida corrente, essa via segue a linha já
anunciada por ANTUNES VARELA, para quem as normas dos arts. 492º, 493º, 1347º e 1348º do CC representam “afloramentos especiais de
um princípio geral de recorte mais amplo” em que se funda, além do mais, “o dever de adopção das medidas destinadas a evitar o perigo criado
pelo proprietário”.
Sendo seguro que entre os poderes do proprietário de imóvel se incluiu o de demolição e reconstrução de acordo com as pertinentes regras
urbanísticas ou das que emergem dos arts. 1360º do CC, no exercício dessas faculdades necessariamente teriam de ser tidas em consideração as
concretas circunstâncias anteriormente existentes, tal como deveriam ter sido ponderadas as consequências para o proprietário do edifício
confinante.[6]
Assim, a matéria de facto apurada permite identificar a existência de um dever de prevenção que incidia sobre a R., relativamente às
consequências que a sua conduta (demolição, reconstrução e paralisação da construção da moradia) provocou e continuou a provocar na
moradia dos AA., dever esse que não é sustentado apenas num abstracto princípio de vizinhança, nem num princípio que obrigaria ao
restabelecimento do equilíbrio imobiliário, emergindo da associação de múltiplos factores, numa espécie de concurso de pretensões.
A exposição duradoura da empena da moradia dos AA. ficou a dever-se ao incumprimento de um dever geral de diligência envolvendo, assim,
a prática de um ilícito culposo gerador de responsabilidade civil, nos termos do art. 483º do CC.
Responsabilidade que, com mais precisão, assoma ainda no facto de a R. ter aberto buracos na parede da moradia dos AA. e ter procedido ao
levantamento de uma parte da tela de protecção, sem se preocupar nem com a reposição da situação, nem com a observação dos danos que aí
encontraram também uma causa, ainda que não a única, nem a mais importante.
Neste particular, não vale a justificação apresentada pela R. quanto à alegada impossibilidade de efectuar os trabalhos de isolamento, os quais
de modo algum poderiam considerar-se vedados pelo facto de não haver licenciamento, pois este dizia respeito à reconstrução da sua moradia e
não aos trabalhos de reparação de danos causados na parede da moradia dos AA. ou para concretizar a sua impermeabilização.
Também não encontra justificação a alegação da R. de que deveriam ser os AA. a realizar todas as obras de impermeabilização da sua empena,
pois que, como se disse, a existência de uma mútua protecção lateral aproveitava a ambas as moradias, devendo ser o proprietário da moradia
objecto de intervenção urbanística a preocupar-se pela manutenção de condições semelhantes às que anteriormente se verificavam, no período
transitório, mas prolongado, da reconstrução, a fim de evitar a ocorrência de danos no edifício vizinho.
Atentas as circunstâncias que rodearam quer a demolição da parede, quer a reconstrução da moradia, as relações de vizinhança estabeleciam
para os dois imóveis uma situação de equilíbrio, envolvendo da parte da R. o dever de agir de modo diverso, dever esse que se integrou no
respectivo direito de propriedade.
Por isso, tendo sido a R. a causadora da situação determinante do risco para a moradia dos AA., sobre si recaía o dever de agir no sentido da
prevenção da ocorrência de danos, repondo a situação de equilíbrio imobiliário que no seu exclusivo interesse e por sua inteira
responsabilidade foi perturbado.
Se o nosso sistema não prevê de forma generalizada um dever de prevenção de danos na esfera de terceiros, circunstâncias existem - e as
relações de vizinhança são especialmente propícias a tal - em que esse dever se inscreve no campo de actuação, como bem o explicaram
ANTUNES VARELA e OLIVEIRA ASCENSÃO nos locais citados, o qual surge também evidenciado no caso apreciado nos Acs. do STJ, de
2-6-09 (AZEVEDO RAMOS) e de 8-7-03 (AFONSO CORREIA), ambos em www.dgsi.pt.[7]
Não tendo a R. agido como devia e tendo, com essa inércia, causado danos na moradia dos AA., é possível descobrir também neste processo
fundamento multifacetado para a sua responsabilização, quer com a simples invocação de que tal obrigação se integrou no direito real, quer
com fundamento na responsabilidade decorrente de omissão ilícita (OLIVEIRA ASCENSÃO, ob. cit., pág. 28, e J. ALBERTO GONZALEZ,
ob cit., pág. 118).
IV - Face ao exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a revista e, assim, revoga-se o acórdão recorrido, o qual se substitui
pela condenação da R. no pagamento da quantia de € 3.210,00, com juros de mora desde a citação, acrescida da quantia de € 10.000,00
a título de danos não patrimoniais.
Custas da acção e dos recursos a cargo dos AA. e da R. na proporção do decaimento.
Notifique.
Lisboa, 29-3-12
Abrantes Geraldes
Bettencourt de Faria
Pereira da Silva
--------------------
[1] É esta a resposta que resulta da reapreciação da matéria de facto feita pela Relação, nos termos que constam de fls. 548, e não a que foi inscrita no relato de factos provados a fls. 555.
[2] (Da Boa Fé no Direito Civil, pág. 831, nota 669).
[3] Dever que também surge na fundamentação do Ac. do STJ, de 8-7-03, www.dgsi.pt (AFONSO CORREIA), tratando-se neste caso de infiltrações causadas pela acumulação de entulhos no prédio
contíguo que causaram infiltrações no prédio contíguo.
Cfr. ainda o Ac. do STJ, de 2-6-09, www.dgsi.pt (FONSECA RAMOS) e o Ac. do STJ, de 28-10-08, www.dgsi.pt (SEBASTIÃO PÓVOAS), este sobre um caso de edificação de um muro que
prejudicava a insolação, actuação considerada em abuso de direito.
[4] Trata-se de uma solução que acaba por ser sustentada num dever geral de prevenção cuja descoberta constitui, no seu entender, um “prenúncio feliz de um activar definitivo das potencialidades
contidas no Código de 1966” (ob. cit., pág. 829).
[5] A extracção de consequências para um dos proprietários decorrentes da perturbação - posto que lícita - do princípio geral do equilíbrio imobiliário é corrente na jurisprudência e doutrina francesas,
como refere COSMAS YOCAS, em Les Troubles de Voisinage (Paris 1966) e JEAN-VICTOR BOREL, em La Semaine Juridique, nº 51-52, págs. 35 e segs., e HUBERT GROUTEL, Travaux
immobiliers et troubles de voisinage, em Responsabilité Civile et Assurance, 16º ano, Julho de 2003, págs. 4 e 5.
Relativamente ao ordenamento jurídico espanhol cfr. ALONSO PEREZ, Las relaciones de vecindad, em Anuário de Derecho Civil, tomo XXXVI, Abril-Junho de 1983, págs. 357 e segs.
[6] Segundo MENEZES CORDEIRO, “em consequência do facto «contiguidade», teriam surgido deveres mútuos tendentes a evitar que, da supressão repentina do facto, causada por uma pessoa,
derivem danos” (ob. cit., pág. 831, nota 669).
[7] Refere-se neste último aresto que “situações de conflito que extravasam da órbita do abuso de direito e institutos afins são regulados pelo princípio geral do dever de prevenção do perigo de que
«sobre cada um de nós recai o dever (geral) de não expor os outros a mais riscos ou perigos de dano que são, em princípio, inevitáveis”. Afirma-se ainda que algumas disposições “vão, sem dúvida,
até ao ponto de imporem ao dono do prédio a obrigação de reparar os danos sofridos pelo proprietário vizinho, mesmo no caso de terem sido tomadas as medidas consideradas necessárias para os
prevenir. Mas tal circunstância não obsta a que de todas elas resulte o dever de adopção das medidas destinadas a evitar o perigo criado pelo proprietário ou pelas coisas ou animais que lhe pertencem.
Nesse aspecto não repugna considerar tais disposições como simples afloramentos especiais dum princípio geral de recorte mais amplo, semelhante ao que tem sido aceite na jurisprudência e, em
seguida, na doutrina germânica”.
O mesmo juízo é comum na doutrina e jurisprudência francesas em que se admite o princípio de que “ninguém deve causar a outrem perturbações que excedam os inconvenientes normais da
vizinhança” (cfr. GUY COURTIER, em “Travaux de Bâtiment et dommmages au voisinage”, pubicado na revista “Responsabilité Civile et Assurances”, Março de 2000, pág. 6.