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Eixo 5 – Orçamento, Planejamento e Gestão em Saúde

Atuação do enfermeiro no gerenciamento de órtese, prótese e materiais


especiais

Francisca Fernanda Alves Pinheiro1


Antonio Germane Alves Pinto2
Maria Veronica Sales da Silva3

RESUMO: Objetivo: Descrever os mecanismos de atuação do profissional de


enfermagem no gerenciamento dos recursos materiais, relacionados a utilização de
Órtese, Prótese e Materiais Especiais – OPME, no âmbito hospitalar. Metodologia: Foi
realizada uma revisão bibliográfica. Resultados e discussão: A pesquisa sugere que o
enfermeiro participa da gestão cotidiana dos recursos hospitalares, em nível operacional,
gerando informações que subsidiam a tomada de decisão, porém não participa da gestão
estratégica destes nem define ações e prioridades de alocação de OPME. Conclusão: Os
limites da participação dos enfermeiros na gestão de recursos institucionais se definem em
função da filosofia da instituição nas quais trabalham, nas posições que ocupam no
organograma funcional e de acordo com características dos profissionais que solicitam os
recursos.
Palavras-chave: Órtese e Prótese; Materiais Especiais - OPME; Recursos financeiros
em saúde.

Introdução

A definição de saúde é considerada como um estado de completo bem-estar físico,


mental e social, quer dizer, não apenas a ausência de doenças ou mal-estar (1). A saúde
se evidencia por um emaranhado de características que visa a busca da qualidade de vida
de um ser humano, tornando-se algo de alta complexidade.
Os hospitais são estruturas complexas que promovem a recuperação da saúde dos
pacientes, consumindo, para isso, recursos físicos, humanos, materiais e financeiros.
Torna-se necessária a adequada alocação destes, através de atividades efetivas de
gerenciamento, a partir de ações capazes, de gerar informações apropriadas para captar,
evidenciar e mensurar gastos com a produção do cuidado que, frequentemente, não são

1Discente do Curso de Mestrado profissional Ensino na Saúde da Universidade Estadual do Ceará. E-mail:
nandafortal@hotmail.com
2 Docente do Curso de Mestrado Profissional Ensino em Saúde na Saúde da Universidade Estadual do Ceará
3 Enfermeira. Drª pela Universidade Federal do Ceará - UFC

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medidos ou são ignorados, sobretudo, quando se trata de Órtese, Prótese e Materiais
especiais - OPME.
As ações gerenciais que deveriam ser determinadas pelo conhecimento
administrativo da assistência objetivando a melhoria da qualidade e eficiência na utilização
dos recursos em saúde, nem sempre seguem essa orientação, podendo transformar-se em
conflitos entre os profissionais da instituição (2). Sabe-se atuação do enfermeiro no
gerenciamento de órtese, prótese e materiais ainda é bem restrito.
Assim, a pretensão desse trabalho é analisar a partir do exposto na seguinte
problemática: quais os mecanismos que regem a atuação do enfermeiro no processo da
gestão de OPME, no âmbito das unidades hospitalares? Desta maneira, o trabalho tem o
intuito de, através de um levantamento bibliográfico sobre a temática, apresentar o estado
da arte dessa discussão numa perspectiva crítica.

Método
Este estudo foi realizado a partir de um levantamento bibliográfico, a partir de sites de
buscas de artigos científicos, dos meses de maio e junho de 2017 nas seguintes bases de
dados: Biblioteca Regional de Medicina (BIREME); Literatura latino-americana e do caribe
em ciências da saúde (LILACS); Scientific Eletronic Library Online (SCIELO); Medical
Literature Analysis and Retrieval Sistem on-line (MEDLINE) e Biblioteca Virtual em Saúde
– BVS. O filtro para a busca foram os seguintes descritores: órtese e prótese; materiais
especiais - OPME; Recursos financeiros em saúde.
O trabalho foi dividido em três aspectos relevantes a partir do contexto dos requisitos
do processo para o gerenciamento de OPME: exigências; planejamento - solicitação de
padronização e processo de compra.

Resultados e discussão
A complexidade do hospital exige a provisão e o gerenciamento de materiais e
equipamentos, indispensáveis à realização de procedimentos por parte do enfermeiro.
O entendimento sobre: “a deficiência de materiais tem interferência direta na
assistência ao cliente, constituindo-se numa preocupação para o enfermeiro gerente da
Unidade” (3). Tal precariedade é uma constante, desde os materiais mais simples até os
mais complexos, como órteses, que se refere unicamente aos aparelhos ou dispositivos
ortopédicos de uso provisório, destinados a alinhar, prevenir ou corrigir deformidades ou

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melhorar a função das partes móveis do corpo e prótese, que é o componente artificial que
tem por finalidade suprir necessidades e funções de indivíduos sequelados por
amputações, traumáticas ou não.
O mesmo autor citado anteriormente, fala:

(...) o fato de o enfermeiro participar da implementação de grande parte dos


procedimentos diagnósticos e terapêuticos no hospital, coloca-o na
condição de desempenhar papel importante na administração de materiais.
A introdução de novas tecnologias, novos materiais e equipamentos na
prática assistencial, tem exigido dos profissionais de saúde, em particular do
enfermeiro, a adoção de um esquema que permita o conhecimento e
avaliação dos materiais e equipamentos disponíveis no mercado, no sentido
de garantir uma opção que colabore com a manutenção e elevação da
qualidade da assistência (3. p. 464).

No esforço de melhoria e aumento da complexidade de recursos em saúde, observa-


se o aumento considerável ao longo dos anos, enquanto os recursos se tornam cada vez
mais limitados e os orçamentos, restritos, “a sociedade tem exigido a redução dos gastos
aliada ao aumento da qualidade dos serviços hospitalares no Brasil, o que tem provocado
mudanças também na administração hospitalar” (4).
Nesse sentido, tem-se que, “(OPME), são materiais de alto custo e hoje representam
os produtos da área de saúde que vem gerando maior impacto econômico nas contas
hospitalares.” Compreende-se que o surgimento de novas tecnologias é universal e,
apesar de eficientes, contribuem significativamente para o aumento dos custos (5).
A respeito das exigências o OPME deve ser legalmente registradas na Anvisa,
conforme as disposições da Lei nº 6.360, de 23 de setembro de 1976, que dispõe sobre a
Vigilância Sanitária a que ficam sujeitos os Medicamentos, as Drogas, os Insumos
Farmacêuticos e Correlatos, Cosméticos, Saneantes e Outros Produtos, e dá outras
Providências; dentro de seu prazo de vigência, com indicação técnica de uso registrada na
bula do produto (6). A aquisição de OPME deverá ser realizada por fabricante ou
distribuidor legalmente habilitado para a comercialização no País. A solicitação de OPME a
qualquer fornecedor e o seu recebimento, no estabelecimento de saúde, são atividades
preferencialmente da estrutura administrativa qualificada para tais atos.
Para controle de qualidade e segurança do paciente é necessário que o gestor do
corpo de enfermagem, estabeleça um programa de avaliação de risco, em que deve ser
aplicada a dinâmica dos processos existentes e a percepção de novos procedimentos,

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incluindo-se órtese prótese, sendo que esses atos devem ser analisados de maneira
adequada (7).
O mesmo autor ainda traz ainda reflexões importantes, principalmente, no que tange
aos recursos humanos, pois poderá envolver os seguintes profissionais para atingir sua
eficiência:
a. Diretorias, chefias imediatas e equipes técnicas das áreas usuárias de
OPME, responsáveis pela realização do procedimento.
b. Coordenador do centro cirúrgico.
c. Coordenador do serviço de confecção e dispensação de órteses,
próteses e meios auxiliares de locomoção.
d. Coordenador do centro de material e esterilização (CME).
e. Responsável pelo gerenciamento do almoxarifado central.
f. Colaboradores do almoxarifado central e almoxarifado satélite.
g. Responsável administrativo pelo processo de aquisição de insumos.
h. Responsável pelo setor de faturamento (7. p. 136).

Sabe-se que: “a função do enfermeiro gestor, destaca-se como de organizador,


exercendo um papel administrativo e de planejamento junto à equipe multiprofissional, bem
como no gerenciamento da assistência ao cliente e da equipe de enfermagem” (8).
Nesta mesma linha de pensamento, levando em consideração a temática em
questão torna-se necessário tratar sobre padronização de insumos para saúde.

(...) sua finalidade, é diminuir o número de itens no estoque em aspectos


técnicos e econômicos; simplificar os materiais, eliminando os tipos
ineficientes, evitando o desperdício; simplificar os materiais, eliminando os
tipos ineficientes, evitando o desperdício; permitir a compra em grandes
lotes; otimizar o trabalho do Setor de Compras; diminuir os custos de
estocagem. Tem como objetivo, reduzir a quantidade de itens estocados;
adquirir materiais com maior rapidez; evitar a diversificação de materiais de
mesma aplicação; obter maior qualidade e uniformidade (8. p. 2).

Já no Manual de Boas Práticas, de Gestão das Órteses, Próteses e Materiais


Especiais, podemos observar questões importantes sobre o planejamento.

(...) as aquisições de que trata este Manual, deverão ser precedidas de


planejamento que estabeleça as especificações técnicas e os parâmetros
mínimos de desempenho e qualidade das OPME, além da definição das
quantidades a serem adquiridas em função do consumo e da utilização
prováveis (9. p. 14).
Observa-se por vezes formação de categorias que expressam a influência da gestão
de material médico-hospitalar no processo de trabalho dos atores envolvidos, sendo: 1)
Ausência de autonomia na escolha do material médico-hospitalar; 2) Falta de manutenção
de equipamentos e material médico-hospitalar; 3) Burocracia no processo de compra; 4)

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Falta de qualidade de alguns materiais e 5) Ausência de envolvimento profissional na
gestão de material médico-hospitalar (10). Destaca-se, no entanto, que estas categorias
formadas envolvem aspectos positivos e negativos do processo de trabalho, durante a
tarefa. Nesse sentido, a ausência de autonomia na escolha do material médico-hospitalar
nem sempre, há centralização na tomada de decisão do profissional que compra os
materiais, caracterizando o sentimento de submissão quanto ao poder de decidir qual seria
a melhor escolha.
No que diz respeito à compra de insumos de saúde, um hospital, dentre seus
objetivos, tem por missão conseguir uma maior confiabilidade em todos os serviços em
que oferece à população. Para alcançar suas metas, deve evitar todo tipo de desperdício:
de material hospitalar; de esforços desnecessários, com o uso indevido do tempo; com o
próprio trabalho empregado em uma atividade (quando há o retrabalho), com processos
ineficientes dentre outros.
Sobre este assunto, destaca-se na pesquisa abaixo, a importância que os
enfermeiros,

(...) participem do processo de seleção e compra de materiais, pois têm


como avaliar se a quantidade e a qualidade do produto condizem com as
necessidades da clientela e de sua equipe, que deve ser treinada
constantemente, a fim de evitar desperdícios e, consequentemente, o
aumento do custo hospitalar por uso indevido desses materiais (11. p. 318).

Compreendeu-se que o enfermeiro deve ter o cuidado de não transformar o trabalho


por ele desenvolvido, em uma atividade burocrática que vise unicamente à manutenção
dos interesses financeiros da instituição, mas sim como uma conquista que destaca a
importância de uma boa atuação na dimensão técnico-administrativa, que faz parte dos
processos de cuidar e gerenciar.
Desvendar essas questões torna-se relevante para situar o enfermeiro no processo
decisório do hospital, como participante ativo que utiliza os recursos assistenciais em
grande escala e participa das definições ou como cumpridor de decisões de outras
instâncias. O estudo mostra que o enfermeiro gerencia recursos institucionais, mas é
pouco explorada no sentido de elucidar o tipo de participação do mesmo nos níveis
estratégicos e operacionais. Compreende-se, portanto, que, o tipo de participação do
enfermeiro na gestão de recursos do hospital, pode contribuir para aumentar a autonomia

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profissional, satisfação no trabalho e possibilidade de realizar atendimentos, conforme as
demandas, sem improvisações muitas vezes desnecessárias.

Conclusão
Constatou-se que as órteses, próteses e materiais especiais – OPME são avanços
que representam melhoria na qualidade de vida das pessoas. Em contrapartida,
proporcionam impacto nos gastos em saúde, independente da complexidade, visto serem
considerados produtos de alto custo. O processo envolvendo esses itens, apesar de
bastante complexo, mostrou ter uma boa relação custo-benefício. Embora apresente
alguns gargalos, como o custo e o tempo despendido durante o fluxo de OPME, o hospital
consegue ter um controle do fluxo e do estoque desse processo, que promovem a
viabilidade e os benefícios da utilização de processos gerenciais específicos na
administração de OPME, a partir de recurso humanos preparados para este contexto.
Compreendeu-se que o enfermeiro participa ativamente da utilização de recursos
assistenciais em grande escala e atua nas definições ou como cumpridor de decisões de
outras instâncias. O estudo mostra que o mesmo gerencia recursos institucionais, mas é
pouco explorado no sentido de elucidar o tipo de participação do mesmo nos níveis
estratégicos e operacionais. Compreende-se, portanto, que, o tipo de participação da
enfermagem na gestão de recursos do hospital, pode contribuir para aumentar a
autonomia profissional, satisfação no trabalho e possibilidade de realizar atendimentos,
conforme as demandas de forma a garantir a segurança do paciente.
Considera-se ainda a relevância da pesquisa, pela possibilidade da aplicação
prática dos resultados, visando à organização e melhoria da gestão hospitalar pautada no
gerenciamento eficiente de custos e na distribuição equitativa dos recursos disponíveis,
considerando que ainda existem oportunidades de melhorias nos processos assistenciais
já estabelecidos.

Referências
1. World Health Organization. 2006. Disponível em: <http://www.afro.who.int/pt/oms-em-
africa/missao-e-funcoes-essenciais.html >. [Acesso em: 25 maio 2017].

2. NARDINO, S. Controle de Estoque de OPME. São Paulo: Rev. Science in Health,


2011:2(2)113-9.

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3. STUMM, Eniva Miladi Fernandes et al. Dificuldades enfrentadas por enfermeiros em
um centro cirúrgico. Rev. Texto Contexto Enfermagem, Florianópolis, 2010 Jul-Set;
15(3): 464-74

4. SOUZA, A. A. Gestão Financeira e de Custos em hospitais. São Paulo: Editora Atlas,


2013.
5. BRASIL, Ministério da Saúde. Manual de Boas Práticas de Gestão das Órteses,
Próteses e Materiais Especiais (OPME) - Capítulo 2 - Requisitos do Processo. Brasília
– DF 2016.

6. ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária, 2010. Portal ANVISA. Disponível


em: https://blog.gestaoopme.com.br/conheca-os-recursos-do-portal-anvisa-com-
br/Acesso em 23 jul. 2017.

7. SAMARITAN, Georgette. Ambulatory Surgical Centers - Management Insurance and


risk concerns. Disponível em:
http://periodicos.feevale.br/seer/index.php/revistagestaoedesenvolvimento/article/viewF
ile/1004/1378. Acesso em: 2 jun. 2017.

8. SOARES N. V.; LUNARDI V. L. Desrespeito aos direitos dos trabalhadores e,


consequentemente, aos direitos do cliente. Texto Contexto Enfermagem, Florianópolis,
SC, v. 9, p. 35-46, maio/ago. 2009.

9. BRASIL, Ministério da Saúde. Manual de Boas Práticas de Gestão das Órteses,


Próteses e Materiais Especiais (OPME) - Capítulo 2 - Requisitos do Processo. Brasília
– DF 2016.

10. CUNHA, Kátia de Carvalho. Perfil de competência do enfermeiro para a liderança e


supervisão na enfermagem. São Paulo, SP: Martinari, 2008.

11. Aguiar AB et al. Gerência dos serviços de enfermagem um estudo bibliográfico.


Revista Eletrônica Enfermagem. [periódico na internet]. 2010. 7(3):318-26. Disponível
em: http:// www.fen.ufg.br/revista/revista7_3/original_09.htm.

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Análise da Judicialização da Saúde no Mandado de Segurança nº 5213458-TJ-
GO

Alalysis of The Judicialization of Health on the lawsuit nº 5213458-TJ-GO

Danilo Di Paiva Malheiros Rocha1

RESUMO: O presente trabalho pretende compreender o fenômeno da Judicialização do


acesso à Saúde Pública a partir da análise de um caso concreto no Estado de Goiás
(Mandado de Segurança) que ainda não teve decisão definitiva, mas com decisões
liminares de somenos importância, inclusive com manifestação do Supremo Tribunal
Federal, assim como analisar o entendimento dos juízes, desembargadores e ministros
que manifestaram nos autos para prolatarem decisões através do método indutivo,
partindo do estudo de caso concreto para as conclusões gerais. A saúde é um direito
humano que foi positivado pela Constituição Federal de 1988 como prioridade e como
supedâneo à vida e à dignidade da pessoa humana. Devido à crescente demanda de
pedidos judiciais de distribuição de medicamentos, tornou assunto discutido nas diversas
áreas de conhecimento, uma vez que as políticas públicas estão sendo geridas por
decisões judiciais indo de encontro dos orçamentos públicos limitados. O caminho tomado
pelas autoridades judiciais, Ministério Público e defensorias públicas, não contribui para a
justiça distributiva e igualitária de medicamentos, desconsiderando a limitação
orçamentária e deixando as políticas públicas direcionadas ao cumprimento das decisões
judiciais.
Palavras-chave: Saúde; Judicialização; Políticas Públicas; Medicamentos

ABSTRACT: The present work intends to understand the phenomenon of Judicialization of


access to Public Health from the analysis of a Goiás’ concrete case (Lawsuit) that has not
yet had a final decision, but with injunctions of minor importance, including with
manifestation of the Brazilian Supreme Court, as well as to analyze the understanding of
the judges, ministers that have manifested in the records to show decisions through the
inductive method, starting from the concrete case study for the general conclusions. Health
is a human right that was affirmed by the Brazilian Federal Constitution of 1988 as a priority
and as subordinate to the life and dignity of the human person. Due to the increasing
demand for legal requests for drug distribution, it has become a topic discussed in the
various areas of knowledge, since public policies are being managed by judicial decisions
against limited public budgets. The path taken by the judicial authorities, public prosecutors
and public defenders, does not contribute to the distributive and egalitarian justice of
medicines, disregarding the budgetary limitation and leaving the public policies directed to
the fulfillment of judicial decisions.
Keywords: Health; Judicialization; Public policy; drugs

Introdução

1 Universidade Federal de Goiás – UFG. E-mail: danilo_gestor@yahoo.com.br

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A Saúde Pública brasileira tornou-se um tema de grandes debates transcendendo o
enfoque simplesmente médico e diagnóstico para atingir estudos das Ciências
Econômicas, Jurídicas e Administração. Chegou-se num determinado patamar em que é
indiscutível a necessidade de um planejamento prévio da gestão da saúde pública a fim de
atender à demanda.
Além dos pedidos administrativos de distribuição de medicamentos e assistência à
saúde (consultas, exames, cirurgia e próteses), há a intervenção do Poder Judiciário
nestas políticas públicas em escala crescente em detrimento à escassez de verba pública.
O objetivo geral do presente trabalho é compreender o fenômeno da Judicialização
do acesso à Saúde Pública a partir da análise de um caso concreto (Mandado de
Segurança) que ainda não teve decisão definitiva, mas com decisões liminares de
somenos importância, inclusive com manifestação do Supremo Tribunal Federal. E,
especificamente, busca-se analisar o entendimento dos juízes, desembargadores e
ministros que manifestaram nos autos assim como os argumentos utilizados para dar
sustentáculo às suas decisões. Este artigo está organizado da seguinte maneira: além da
Introdução, o tópico “2” trata do Direito Humano à Saúde; o tópico “3” se refere à Saúde no
Ordenamento Jurídico Brasileiro; o tópico “4” explicita a metodologia empregada no
presente estudo; o tópico “5” trata da análise ao Mandado de Segurança 5213458-TJ-GO;
o tópico “6” contém os resultados encontrados, e por fim, o tópico “7” se refere à discussão
dos resultados e conclusão.

O Direito Humano à Saúde


Quando se fala em direito humano à saúde é necessário mencionar os seguintes
textos internacionais: a Declaração Universal dos Direitos Humanos, os Pactos de 1966 e
a Declaração de Viena de 1993. A primeira delas foi aprovada unanimemente por 48
países (1)
O direito humano à saúde está inserido nos direitos humanos por ser uma
decorrência do direito à vida, em 1948, na Declaração Universal de Direitos Humanos, no
artigo 25 que assegura:

Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e
à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação,
ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos
serviços sociais necessários, o direito à segurança, em caso de

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desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda
dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. (2)
Existem outros dispositivos que, indiretamente, podem ser considerados direitos
vinculados à saúde, como a proibição à tortura (art. 5º) e outros.
Uma definição ampla e visionária da saúde é estabelecida no preâmbulo da
Constituição da Organização Mundial de Saúde (OMS): “[…] um estado de completo bem
estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de
enfermidade.” (3)
Esta visão holística da saúde enfatiza o fato de que muitas das políticas que
determinam a saúde são feitas fora do setor convencional da saúde e afetam as
determinantes sociais da saúde.

A Saúde no Ordenamento Jurídico Brasileiro


O direito à saúde foi inserido na Constituição Federal de 1988 no título destinado à
ordem social, que tem como objetivo o bem estar e a justiça social. Nessa perspectiva, a
Constituição Federal de 1988, no seu Art. 6º, estabelece como direitos sociais
fundamentais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social,
a proteção à maternidade e à infância. (4)
O Art. 196, a Constituição Federal de 1988 reconhece a saúde como direito de todos
e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução
do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (4)
No que pertine à legislação infraconstitucional, foi editada a Lei Federal 8.080, de 19
de setembro de 1990, que dispõe sobre as atribuições e funcionamento do Sistema Único
de Saúde. (5)
O Decreto Federal nº 7.508, de 28 de junho de 2011, que regulamentou a Lei Federal
8080/90, para definir a assistência farmacêutica do SUS. (6)
Em 2012 passou a vigorar a Lei Complementar Federal n. 141, que dispõe sobre os
valores mínimos a serem anualmente aplicados na saúde pela União, Estados, Distrito
Federal e Municípios, estabelecendo, ainda, os critérios de rateio dos recursos de
transferências para a saúde e as normas de fiscalização, avaliação e controle das
despesas com saúde. (7)

Metodologia

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A metodologia utilizada para o presente estudo foi o método indutivo, partindo do
estudo de caso concreto para as conclusões gerais contemplando quatro etapas: a
observação e o registro de todos os fatos; a análise e a classificação dos fatos; a derivação
indutiva de uma generalização a partir dos fatos; e a verificação.
Análise ao Mandado de Segurança 5213458 -TJ-GO
O presente estudo trata da análise ao Mandado de Segurança 5213458-TJ-GO e
seus recursos decorrentes no qual a impetrante, uma criança do sexo feminino de dez
meses de idade (representada por sua mãe) considera ter o direito líquido e certo de
receber do Estado de Goiás o medicamento Spinraza, princípio ativo nusinersn.
Impetrado diretamente no Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, por ter
competência originária determinada pelo art. 14, inciso I, alínea “b” do Regimento Interno
do Tribunal de Justiça de Goiás, a petição inicial foi subscrita por advogada particular que
contém a informação de que a requerente encontrava-se à época internada na Unidade de
Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) por portar Atrofia Muscular Espinhal (AME). Colacionou
relatório médico contendo a confirmação da doença prescrevendo o uso do medicamento
SPINRAZA, medicamento não regulamentado pela Agência Nacional de Vigilância
Sanitária (ANVISA), razão pela qual foi negada seu fornecimento via Sistema Único de
Saúde (SUS). Na via administrativa tal pedido foi negado devido à falta de registro do
referido medicamento na ANVISA. Fundamentou a petição alegando este ser o único
medicamento capaz de salvar a vida da criança, juntamente com jurisprudências pátrias
que desconsideram a lista da ANVISA priorizando a vida/saúde dos requerentes. Por fim
pediu deferimento da liminar para fornecimento imediato do medicamento; concessão da
gratuidade da justiça; fixação de astreintes em caso de indeferimento; e, concessão do
medicamento na decisão definitiva.
O pedido liminar foi julgado monocraticamente pelo Desembargador Kisleu Dias
Maciel Filho. Na ocasião considerou presentes os requisitos da fumaça do bom direito e do
perigo da demora e deferiu a liminar concedendo 48 horas para a entrega do
medicamento.
O Estado de Goiás, via sua procuradoria, interpôs Agravo Regimental no qual pede
ao Desembargador Relator reconsidere a decisão ou que seja remetido ao colegiado,
alternativamente. Argumentou o Agravante a ausência de exame comprobatório da
doença, recurso limitado do Estado e que os artigos 6º e 196 da Constituição Federal de

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1988 se referem a Direitos Sociais e não Individuais, uma vez que a obrigação de entrega
do medicamento orçado em 3 milhões de reais resultaria em desabastecimento de
medicamento para grande parcela da população goiana.
Diante das negativas por parte do Poder Judiciário, o Estado de Goiás solicitou a
Suspensão de Segurança (SS 5192 MC) ao Supremo Tribunal Federal (STF) por se tratar
de medicação importada, sem registro na ANVISA e despida de comprovação consistente
de eficácia e segurança. Outro argumento foi o de que o alto custo do medicamento
implicaria risco de lesão à ordem, à segurança, à economia e à saúde do Estado de Goiás.
Ao apreciar o pedido, a Ministra Presidente Cármen Lúcia mencionou decisão em
caso similar na qual o Ministro Cezar Peluso foi relator e ressaltou que o alto custo do
medicamento não seria, por si só, motivo suficiente para caracterizar a ocorrência de grave
lesão à economia e à saúde públicas, pois a política pública de fornecimento de
medicamentos excepcionais “tem por objetivo contemplar o acesso da população
acometida por enfermidades raras aos tratamentos disponíveis”. Por fim, decidiu
justificando que a concessão da medida “configuraria dano inverso” e poderia levar à morte
da menor, que nasceu em setembro do ano passado. (8)
O processo objeto de estudo encontra-se em tramitação no Supremo Tribunal Federal
com vista à Procuradoria Geral da República (PGR) em 08/09/2017 para posterior decisão
da Presidência.

Resultados Encontrados
Dos resultados encontrados verificou-se que, embora não se tenha decisão definitiva
no caso em tela, diante das jurisprudências e fundamentos apresentados, a tendência do
julgamento é seguir o entendimento esposado. As decisões analisadas se referem
priorizam a saúde da requerente em detrimento da limitação do orçamento público, da
ausência de estudos sobre a eficácia do medicamento e do tratamento isonômico aos
dependentes das políticas públicas de distribuição de medicamentos.

Discussão dos resultados e Conclusão


Do presente estudo, concluímos que o fenômeno da judicialização da saúde é
assunto de extrema complexidade, pois está em discussão a vida de pessoas que
necessitam de assistência. Entretanto, não se pode perder de vista que uma decisão
judicial deve conter critérios rigorosos em sua análise por ter influência direta no Poder

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Executivo e Legislativo, principalmente quando assume a função de distribuição de
Políticas Públicas sem considerar os limites de recursos.
Do que se viu das decisões analisadas no caso em estudo, nenhuma recorreu à
solicitação de áreas específicas da saúde. Consabido que o julgador tem conhecimento
limitado à legislação, ou seja, conhecimento jurídico não é capaz de sobrepor ao
conhecimento técnico de outras áreas de conhecimento, tais como, farmacêuticos. Ciente
desta situação, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já se manifestou sobre o tema com
recomendações de que os juízes ouçam, quando possível, os gestores públicos antes de
decidir questões relacionadas à saúde. (9)
Especificamente no Estado de Goiás foi instituída a Câmara da Saúde, composta por
diversos técnicos da área da saúde para auxiliar os juízes em casos similares ao ora em
estudo e não foi verificada nenhuma consulta ao referido colegiado, desprovendo as
decisões judiciais de fundamentos técnicos necessários para a solução do problema. (10)
Diante do exposto, constatamos que o problema da saúde no país está longe de ser
resolvido, pois o caminho tomado pelas autoridades judiciais, ministério público e
defensorias públicas, que buscam a judicialização particular de distribuição de
medicamentos não contribui para a justiça distributiva e igualitária de medicamentos,
desconsiderando a limitação orçamentária e deixando as políticas públicas direcionadas ao
cumprimento exclusivo das decisões judiciais.

Referências
1. PIOVESAN. Flávia. Os Direitos Humanos e o direito constitucional Internacional. 7ª Ed.
São Paulo: Saraiva, 2006, p. 130.

2. DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS. Assembleia Geral das


Nações Unidas em Paris. 10 dez. 1948. Disponível em: . Acesso em: 26 jun. 2017.

3. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS). Constituição da Organização Mundial


da Saúde (OMS/WHO) - 1946. Disponível em:
<http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/OMSorganiza%C3%A7%C3%A3o-
Mundial-da-Sa%C3%BAde/constituicao-da-organizacao-mundial-da-saude-
omswho.html>. Acesso em: 15 maio 2017.

4. Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF, 5 de


out.1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm [Acesso
em: 12 agosto. 2017.]

627
5. Brasil. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a
promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos
serviços correspondentes e dá outras providências. (Lei Orgânica da Saúde). Diário
Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 20 set. 1990. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8080.htm . [Acesso em: 12 agosto. 2017.]

6. BRASIL. Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011. Regulamenta a Lei no 8.080, de


19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde
- SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa,
e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-
2014/2011/decreto/D7508.htm [Acesso em: 12 agosto. 2017.]

7. BRASIL. Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012 Regulamenta o § 3o do


art. 198 da Constituição Federal para dispor sobre os valores mínimos a serem
aplicados anualmente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios e dá outras
providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp141.htm

8. Suspensão de Segurança 4.316/RO, Relator o Ministro Cezar Peluso, decisão


monocrática, DJe 13.6.2011).

9. Conselho Nacional de Justiça – CNJ; Recomendação Nº 31 de 30/03/2010.


Recomenda aos Tribunais a adoção de medidas visando a melhor subsidiar os
magistrados e demais operadores do direito, para assegurar maior eficiência na
solução das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde. DJE/CNJ nº
61/2010, de 07/04/2010, p. 4-6.

10. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás. Portaria nº 13/2012. o Comitê Executivo


Estadual do Fórum Nacional, com o apoio do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás
(TJGO), criou a Câmara de Saúde do Judiciário (CSJ), cujas atividades iniciaram-se no
dia 31 de janeiro de 2012, instalada na sala 713, do Fórum da Comarca de Goiânia.
Disponível em http://www.tjgo.jus.br/index.php/home/imprensa/noticias/119-
tribunal/11009-esperar-autorizacao-medicamentos-sao-as-principais-demandas-que-
chegam-a-camara-de-saude [Acesso em: 12 agosto. 2017.]

628
A importância da triagem nutricional no adulto hospitalizado

Thaisy Correia Guerra Delgado1


Rita de Cássia da Silva2
Gustavo Goldzveig3

RESUMO: A desnutrição hospitalar ainda é bastante frequente nos dias de hoje. Neste
contexto, todo esforço deve ser realizado para reconhecer e identificar precocemente, os
pacientes com risco nutricional, por meio de triagem nutricional, que identifica indivíduos
desnutridos ou em risco de desnutrição. A manutenção do estado nutricional é
imprescindível para a preservação e recuperação da saúde.
Palavras chave: Desnutrição Hospitalar, Triagem Nutricional, Risco Nutricional

ABSTRACT: Hospital malnutrition is still common today. In this context, every effort should
be made to recognize and early identify patients at nutritional risk through nutritional
screening that identifies individuals malnourished or at risk of malnutrition. The
maintenance of nutritional status is essential for the preservation and restoration of health.
Keywords: Hospital Malnutrition, Nutrition Screening, Nutritional Risk

Introdução
No Brasil e no mundo, vários estudos têm apontado a alta prevalência de desnutrição
em pacientes internados. (1)
Este distúrbio relaciona-se em grande parte com aumento de complicações clínicas e
mortalidade, além de contribuir para prolongar o tempo de hospitalização, e aumentando
assim os custos hospitalares. (2)
A manutenção do estado nutricional é imprescindível para a preservação e
recuperação da saúde. A identificação precoce do risco nutricional possibilita uma
intervenção e cuidado nutricionais mais adequados. (3)
Neste contexto, todo esforço deve ser realizado para reconhecer e identificar
precocemente, os pacientes com risco nutricional, por meio de um método efetivo de
triagem nutricional, visando a prevenção da deterioração do estado nutricional. (4)
A Associação Dietética Americana (ADA), o Comitê das Organizações de Saúde
(JCHO) e a Iniciativa de Triagem Nutricional (NSI) definiram triagem nutricional como o

1 Mestrando do Curso de Direito da Saúde da Universidade Santa Cecília


2 Mestrando do Curso de Direito da Saúde da Universidade Santa Cecília
3 Mestrando do Curso de Direito da Saúde da Universidade Santa Cecília

629
processo de identificação das características que se sabe estarem associadas a problemas
dietéticos ou nutricionais. (5)
A Aspen (AmericamSociety Parenteral and Enteral Nutrition) considera que a perda
de peso, presença de doenças crônicas, aumento das necessidades nutricionais e
alterações dietéticas são fatores de risco que podem comprometer o estado nutricional do
paciente. (6)
A triagem nutricional é um procedimento que tem como objetivo identificar pacientes
desnutridos ou em risco de desnutrição, com o intuito de analisar a necessidade de uma
avaliação complementar mais detalhada.
A detecção precoce auxilia no cuidado nutricional e na prevenção de complicações,
deve ser realizada até 72 horas da admissão do paciente, podendo ser realizada por
qualquer profissional de saúde. Segundo a Aspen, em unidades de terapia intensiva essa
detecção precoce deve ocorrer em até 24 horas. (6)
O ministério da Saúde tem reconhecido a importância do rastreamento do processo
de desnutrição, por isso em 7 de março de 2005, entrou em vigor a portaria 343 que tornou
obrigatória a implantação de protocolos de triagem e avaliação nutricional para o
acompanhamento desses pacientes nos hospitais do SUS. (7)
Mesmo sabendo que com a detecção precoce do risco nutricional, é possível
minimizar ou prevenir a deterioração do estado nutricional, percebe-se na prática clínica,
muitos poucos hospitais utilizando o processo de triagem nutricional
Diante disso, o presente estudo tem como objetivo mostrar a importância da Triagem
Nutricional.

Objetivo
Analisar a importância da Triagem Nutricional.

Metodologia
A fundamentação teórica foi realizada por meio de revisão bibliográfica de artigos
científicos publicados nos últimos cinco anos, na base de dados ScientifcElectronic Library
Online (SciELO), United States National Library of Medicine (PubMed) e Medical Literature
Analysis and Retrieval System Online (MedLine), livros e portarias do Ministério da Saúde.
A estratégia de busca utilizou as seguintes palavras-chave: Desnutrição Hospitalar,
Triagem Nutricional e Risco Nutricional.

630
Discussão
A prevalência de desnutrição hospitalar tem crescido muito no Brasil. Atualmente
diversos estudos têm correlacionado a evolução clínica com o estado nutricional, pois a
capacidade de reagirmos a patologia depende em grande parte de um adequado estado
nutricional.(1,2)
O sistema imunológico e as funções cognitivas tornam-se comprometidos, tornando-
se fator de risco para complicações infecciosas, delírios, reações adversas a medicações e
cicatrização prejudicada (8)
Outros estudos correlacionam a desnutrição, com o aumento de complicações
clínicas e mortalidade, aumento dos custos hospitalares e maior tempo de internação.
Além disso, quanto maior o período de permanência no hospital, maior é o risco de se
agravar a desnutrição. (9)
Os pacientes hospitalizados estão sujeitos a apresentarem alterações nutricionais,
que, se não diagnosticados e tratados precocemente, acarretam um quadro de
desnutrição. São assim, por diversos fatores, entre eles o aumento das necessidades
energéticas, diminuição da capacidade de digestão e absorção dos nutrientes, períodos
prolongados de jejum, o próprio ambiente hospitalar, no qual o paciente não esta
familiarizado, o próprio preconceito do paciente em relação a alimentação servida que é
tida como de baixa qualidade (10)
A avaliação nutricional e a determinação do diagnóstico nutricional no início da
internação permitem identificar indivíduos desnutridos ou em risco de desnutrir-se e instituir
terapia nutricional adequada que vise à recuperação do estado nutricional e à prevenção
de complicações relacionadas à desnutrição.
Por tudo isso, é fundamental a identificação precoce do risco nutricional, por meio de
um método efetivo de triagem, visando a prevenção da desnutrição ou promovendo sua
recuperação. (3)
A inserção de um método de triagem nutricional para identificação de risco nutricional
tem sido recomendada, nacional e internacionalmente, por organizações de especialistas,
com o objetivo de avaliar efeitos físicos e fisiológicos adversos de pacientes com doenças
crônicas degenerativas e/ou lesões agudas. (6)
O risco nutricional se refere ao risco do paciente desenvolver complicações em
decorrência do estado nutricional prejudicado. Portanto, a avaliação do risco nutricional é o

631
primeiro passo no processo de cuidados nutricionais, pois possibilita ao profissional de
saúde intervir antes do agravamento do estado nutricional. (4)
A triagem nutricional é um procedimento simples e rápido, que consiste na realização
de um inquérito ao paciente ou seus familiares com a finalidade de identificar o risco
nutricional. (2,11).
O principal objetivo da triagem nutricional é identificar rapidamente indivíduos que se
encontrem em risco nutricional, sinalizando aqueles pacientes que poderiam beneficiar-se
da terapia nutricional. Esta identificação deve ser realizada nas primeiras 24 horas a no
máximo 72 horas após a internação. (11)
Considerando a relevância da Triagem Nutricional, o Ministério da Saúde através da
portaria GM/MS Nº 343, de 07 de março de 2005 instituiu mecanismos para organização e
implantação de Unidades de Assistência e Centros de Referência de Alta Complexidade
em Terapia Nutricional, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, estabeleceu normas
técnicas e operacionais para regulamentar a aplicação desta prática. (7)
Para a identificação precoce de pacientes desnutridos e consequente intervenção,
além de prevenção da desnutrição, o ideal seria promover a conscientização dos
profissionais de saúde quanto aos aspectos nutricionais, implantando a triagem nutricional
como atividade de rotina nos hospitais, e tornando real a cobertura do Sistema Único de
Saúde (SUS) dos custos provenientes de avaliação do estado nutricional, assim como dos
materiais e equipamentos necessários à aplicação da terapia nutricional Cabe aos
profissionais de saúde instituir iniciativas educacionais para esclarecer as equipes de
saúde e a população sobre a importância do diagnóstico e do tratamento da desnutrição
hospitalar.

Conclusão
Conclui-se que a triagem nutricional deve ser, portanto, parte da atenção primária de
todos os pacientes, para maior sobrevida ao paciente a fim de prevenir a desnutrição
hospitalar e suas consequências.
A escolha do método de triagem nutricional ideal deve considerar o contexto no qual
o paciente está inserido, além de aspectos como recursos humanos e físicos disponíveis.
O melhor método será aquele que contemplar fácil acesso, baixo custo e bom prognóstico.

632
Referências
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avaliação nutricional: uma revisão acerca da sensibilidade e especificidade. Com.
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no âmbito do SUS, mecanismos para a implantação da assistência de Alta Complexidade
em Terapia Nutricional. Brasília; 2005. [capturado em 2014 fev. 01]. Disponível em:
http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2005/GM/GM- 343.htm.
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em pacientes adultos hospitalizados.Rev Grad 2012;(5)
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malnutrition on admission to hospital Acute and elective general surgical patients . e-
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referrals: Are we doing a good enough job? Nutrition & Dietetics. V. 66, p 206-211, 2009.

633
Emenda Constitucional nº 95/2016: instrumento de afastamento da equidade
no Sistema Único de Saúde

Kammilla Araújo1

RESUMO O presente trabalho objetiva tecer breves comentários sobre o impacto da


Emenda Constitucional (EC) nº 95/2016 que institui um novo regime fiscal e limitou
despesas primárias dos três Poderes, pelos próximos 20 anos, especialmente, no âmbito
da Saúde Pública. Para tanto, utilizou-se de pesquisa bibliográfica sobre os temas que
envolvem o assunto. O prognóstico que se faz sobre os impactos dessa EC nº 95/2016 é
de que haverá queda de recursos destinados a saúde em relação ao PIB, assim como,
impossibilidade de investimentos e, consequentemente, o sucateamento do Sistema Único
de Saúde (SUS) que é política pública social e instrumento de superação das
desigualdades. Assim, estaria posta a realidade futura de limitação e, mais
especificamente, de redução de recursos destinados à saúde em razão desse regime fiscal
e o aprofundamento das iniquidades em saúde.
Palavras-chave: Limitação – Orçamento – SUS - Emenda Constitucional Introdução

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CR/88) consagrou o direito


à saúde como um direito social e redefiniu as prioridades da política do Estado na área da
saúde pública. Nesse momento, a sociedade brasileira fez opção por um sistema de saúde
característico de um Estado de bem-estar e substituiu o sistema excludente e desigual,
anterior à CR/88, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), gratuito e sob os princípios,
notadamente, da universalidade, da integralidade, da equidade, entre outros. Todo esse
processo posicionou o SUS como a maior política de inclusão social implantada sob o
regime democrático no Brasil e permite afirmar, hodiernamente, que o seu fundamento
legal é a CR/88(1).
Diante disso, estão postos o maior consumo de recursos e o custo social mais
elevado, somados ao aumento da expectativa de vida ao nascer quanto ao envelhecimento
da população brasileira, que geram novas demandas de saúde e, inevitavelmente, a
adaptação do sistema de saúde quanto as suas ações de cuidados de saúde.
Desconexo a esse cenário, em 15 de dezembro de 2016, foi promulgada em sessão
solene do Congresso Nacional a Emenda Constitucional (EC) nº 95/2016 (2). Esta modifica
parte dos artigos dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) e institui
um novo regime fiscal no Brasil, a partir de 2017, que limita as despesas primárias dos três
Poderes pelos próximos 20 anos. Além disso, estabelece o teto dos gastos públicos com

1 Universidade de Coimbra. E-mail: kamilaearaujo.bhz@gmail.com

634
base àqueles realizados no exercício de 2016 com reajuste, para os próximos vinte anos,
de acordo com o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), apontado pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Destaca-se que tal regime fiscal
permanecerá inalterado até o décimo ano de vigência da EC. Após esse intervalo de
tempo, será possível proceder a alterações sobre o método de correção dos limites, por
meio de Projeto de Lei Complementar do Presidente da República.
Nesse contexto é possível inferir que ao longo dos próximos anos haverá a realidade
de limitação e, mais especificamente, de redução de recursos destinados à saúde e,
inevitavelmente, desrespeito ao princípio da equidade apregoado pelo SUS. O presente
trabalho pretende tecer breves comentários sobre o afastamento da equidade na Saúde
Pública como consequência da EC nº 95/2016.

Metodologia
Trata-se de um estudo exploratório e qualitativo com interpretação, atribuição de
significados e análise hipotético-indutiva (3).
A pesquisa exploratória mostrou-se proveitosa, resultando na análise e na revisão da
literatura de documentos, entre artigos científicos, manuais, legislação e documentos
institucionais. Além disso, utilizou-se da consulta de dados institucionais do IBGE, Banco
Mundial e Ministério da Saúde, Portal da Transparência.

Resultados
De acordo com as projeções do IBGE (4), a alteração da estrutura etária brasileira é
considerável, nos últimos anos, e mais expressiva, se comparados os dados do ano de
2000 para o de 2036. A população entre 15 e 24 anos de idade teve uma queda de 7,6
pontos percentuais. Já a população com idade compreendida entre 25 a 59 anos teve um
aumento de oito pontos percentuais. A população acima de sessenta anos quase triplicou,
apresentando um aumento de 13,3 pontos percentuais. Em termos absolutos, a população
acima de 60 anos passará de 14,2 milhões, em 2000, para 48,9 milhões habitantes em
2036.
Nesse contexto destaca-se que os gastos de saúde da população idosa,
sabidamente, são maiores em relação ao restante da população demandando,
consequentemente, mais investimento principalmente se considerado um aumento
populacional tão expressivo. Conforme dados da Pesquisa Nacional de Saúde de 2013 (5),

635
mais de cinquenta por cento da população entrevistada, com idade acima de 65 anos,
referiu diagnóstico de hipertensão, quase 20%, de diabetes e 25% de colesterol alto.
Doenças crônicas que, se não controladas inevitavelmente, geram ainda mais custos à
saúde.
No caso da saúde, de acordo com os dados do Portal da Transparência (6), nos
últimos cinco anos, o maior percentual de aplicação ocorreu em 2015 e não ultrapassou a
casa dos 13,7% da Receita Corrente Líquida (RCL), ou seja, a União não aplicou o mínimo
constitucional. Não será no ano de 2017 que conseguirá aplicar os mínimos 15% para
elevar os gastos com a saúde a patamares considerados, minimamente, aceitáveis, para
um congelamento de gastos pelo período de vinte anos

Tabela 01: Gasto Público Primário Federal em Saúde em % da RCL

Fonte: Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União

Em relevante trabalho, publicado pelo IPEA, Vieira e Benevides (7) apresentaram


uma projeção dos impactos da EC nº 86/2015 e da EC nº 95/2016 para os próximos anos.
O Gráfico 01 apresenta o resultado das projeções sobre a participação dos limites mínimos
de ações e serviços públicos de saúde em relação ao PIB. A projeção já parte de um valor
inferior ao patamar atual, devido à queda no primeiro ano de vigência da EC nº 95/2016.
Enquanto, durante a vigência da EC nº 29/2000, o financiamento federal do SUS se situou
na faixa entre 1,6% e 1,7% do PIB.Com a previsão, para 2016, o valor seria de 1,71% do
PIB, mas, para 2017, o limite mínimo para aplicação em ASPS seria de 1,47% do PIB e,
com a manutenção da regra da EC nº 86/2015, seria de 1,51% do PIB.

636
Gráfico 01: Projeção do impacto da EC nº95/2016 sobre o gasto federal com saúde em
comparação com a manutenção da regra da EC nº 86/2015 – em % do PIB (Hipóteses:
piso da PEC 241 = 13,2% da RCL de 2016; e RCL 2016 = R$ 689 bilhões).

Fonte: Vieira e Benevides, 2016b

Não se pode afastar a realidade de que, de acordo com os dados do Banco Mundial
(8), em 2014, o gasto público no custeio da saúde representou 45,5 e atendeu,
exclusivamente, a 75% da população brasileira, com a oferta integral de bens e serviços de
saúde, ou seja, sem cobertura da saúde suplementar. Além disso, bens e serviços de
vigilância em saúde (sanitária e epidemiológica), vacinação, tratamentos de alto custo não
cobertos pelos planos de saúde, nomeadamente, o oncológico e o transplante de órgãos,
são atendidos, na sua totalidade, pela rede pública de serviços de saúde (9).

Discussão

Aspectos orçamentários do direito à saúde no ordenamento constitucional


brasileiro

A CR/88 assegurou a todo cidadão o direito aos serviços públicos de saúde e à


assistência social e instituiu o financiamento do SUS e da Seguridade Social, baseado no
modelo de Beveridge. Nos termos dos artigos 195 e 198 da CR/88, o financiamento do
SUS é responsabilidade comum da União, do Distrito Federal, dos estados e dos
municípios. (10)

637
O processo de busca de fontes de financiamento e as inúmeras crises também
fizeram parte do processo de construção do SUS. A vinculação de recursos para o SUS já
constava da proposta da Comissão Nacional da Reforma Sanitária e pretendia vincular à
saúde recursos equivalentes a 10% do PIB. No entanto, tal vinculação só ocorreu 12 anos
mais tarde, com a Emenda Constitucional n. 29 (EC n. 29/2000), de 13 de setembro de
2000, que estabeleceu a vinculação das receitas da União, dos estados, dos municípios e
do Distrito Federal (11).
A EC n. 29/2000 (12) estabeleceu a base de cálculo e os percentuais mínimos de
recursos orçamentários que a União, o Distrito Federal, os estados e os municípios
tornaram-se obrigados a aplicar em ações e serviços públicos de saúde. Mas a efetividade
dessa emenda exigia a regulamentação, por Lei Complementar (LC), nos termos do
parágrafo terceiro que previa a reavaliação dos percentuais mínimos, pelo menos a cada
cinco anos, desde a data de promulgação da Emenda. Após mais doze anos, em 2012, a
LC n. 141/2012 manteve a mesma regra da EC n. 29/2000 e não adicionou mais recursos.
A LC n. 141/2012 (13) regulamentou o Art. 198 da CR/88 e definiu: a) valor mínimo e
normas de cálculo da quantia mínima a ser aplicada, anualmente, pela União; b)
percentuais mínimos do produto da arrecadação de impostos a serem aplicados,
anualmente, pelos estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios; c) critérios de rateio
dos recursos da União (destinados aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios) e
dos estados (destinados aos seus respectivos municípios para redução progressiva de
desigualdades regionais); d) normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas
nas esferas federal, estadual, distrital e municipal. Em 16.10.2012, foi publicado o Decreto
n. 7.827 (14) que regulamentou a LC n. 141/2012 e estabeleceu os procedimentos de
condicionamento e restabelecimento das transferências constitucionais, além dos
procedimentos de suspensão e restabelecimento das transferências voluntárias da União,
nos casos de descumprimento da aplicação dos recursos em ações e serviços públicos de
saúde dos quais trata a LC n. 141/2012.
Em 2015, a EC n. 86 (15) alterou o inciso I, do §2º, do Art. 198 da CR/88, referente ao
valor mínimo e às normas de cálculo da quantia mínima a ser aplicada, anualmente, pela
União e definiu o cumprimento progressivo, em cinco anos, a partir de 2016. Além disso,
revogou o inciso IV do §3º do mesmo artigo que previa a possibilidade de o percentual
mínimo da União ser reavaliado, por Lei Complementar, pelo menos a cada cinco anos, e

638
determinou a inclusão, para fins de cumprimento do montante mínimo aplicado pela União,
dos recursos destinados para a área de saúde, oriundos da exploração de petróleo e do
gás natural e das emendas individuais.
Por fim, a EC nº 95 estabelece limites para gastos aplicando, na prática, um montante
inferior aos 15% constitucionalmente determinados.

A EC nº 95/2016 na prática

O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão conceitua despesas primárias


como “aquelas que pressionam o resultado primário, alterando o endividamento líquido do
Governo (setor público não financeiro) no exercício financeiro correspondente” (16).
Além do teto das despesas primárias, decorrente da EC nº 95/2016, desde 2000, o
Brasil possui um teto estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (17) que decorre de
meta de superávit primário. Assim, as despesas primárias serão duplamente penalizadas,
já que, além dos limites impostos pela referida emenda constitucional, deverão submeter-
se ao superávit primário. Em outras palavras, pode-se dizer que, quanto maior a meta de
superávit primário, a cada ano, mais baixo será o teto para as despesas primárias, ou seja,
para os gastos sociais (18).
Nesse contexto, torna-se importante esclarecer que o valor previsto para a saúde foi
menor, em termos reais, em relação ao último ano de vigência da EC nº 29/2000. Ou seja,
a regra desta EC resguardava o orçamento federal do SUS, através da correção pela
variação nominal do PIB, que incorpora a inflação e o crescimento real do PIB. Diferente
do novo regime fiscal que corrige o orçamento apenas pela inflação (IPCA).
A EC nº 95/2016 estabeleceu a RCL de 2016 a qual apresentou queda real, devido à
redução da atividade econômica no país. Especificamente, em relação à saúde, houve
exceção que, em pouco, altera a realidade de limite de gastos. O Art. 198 da CR/88,
estabelece que a União não poderia aplicar menos de 15% da RLC. E, no Art. 212, a União
aplicará até 18%, mas os estados, o Distrito Federal e os municípios aplicarão 25% do
resultado de impostos e transferências para a educação. (19)
No entanto, essa medida é pouco efetiva para se garantir o necessário investimento.
Mesmo se, em 2017, o custeio da saúde alcançasse os 15% em relação à RCL, ainda
estaria longe do ideal. De acordo com dados do Ministério da Fazenda (20), o custeio já é
inferior ao desejável, tendo em vista que não ultrapassou os1,7% em relação ao PIB, nos

639
últimos dez anos. A proposta dos sanitaristas, desde a Reforma, era de, no mínimo, dez
por cento em relação ao PIB, para que se garantisse o atendimento adequado de uma
política de saúde como se quer o SUS: universal, integral, equânime e gratuito a toda a
população brasileira.

Tabela 02: Gasto Público Primário Federal em Saúde em % do PIB

Fonte: Ministério da Fazenda, 2016

A EC nº 86/2015 já foi considerada penalizante para o financiamento, quando o


desvinculou do PIB. Não restam dúvidas de que a EC nº 95/2016 significará o desmonte
do SUS. O Gráfico 02 abaixo, elaborado por Vieira e Benevides (21), realiza um
comparativo simulado entre os gastos de saúde, em relação ao PIB, sob a vigência da EC
nº 29/2000 e da EC n° 95/2016, no período de 2003 a 2015. O custeio da saúde, sob a
vigência da EC nº 95/2016, seria superior ao proposto pela EC nº 29/2000 e, no final do
período simulado, haveria uma queda significativa de 0,99 pontos percentuais a qual
geraria um investimento em saúde de 1,01% do PIB, ou seja, quase metade em relação à
EC nº 29/2000.

Gráfico 02: Simulação do impacto da ECnº95/2016 sobre o Gasto Federal do SUS caso
vigorasse desde 2003, em % do PIB

Fonte: Vieira e Benevides, 2016

Sob a análise do panorama da saúde no Brasil, tais considerações, embasadas em


argumentos econômicos, relevam um prognóstico preocupante no que tange aplicação de
recursos na saúde.

640
A EC nº 95/2016 e a equidade

O Movimento da Reforma Sanitária, sob a crítica do sistema de saúde vigente,


pretendia não apenas garantir direito à saúde a todos, mas também apropriar-se da noção
de equidade no tocante à distribuição mais ampla dos recursos da saúde exigindo tanto
organizar um sistema de saúde de maneira eficaz quanto atender às diversas
necessidades da população frente aos escassos recursos (22).
Em um contexto de desigualdades, a equidade permite o melhor atendimento, se
observada a diversidade. Um dos princípios fundamentais, norteadores do SUS no Brasil,
a equidade, positivada no inciso VII, Art. 7o da lei 8.080, abarca o acesso universal e
igualitário e a ação sobre os determinantes dos níveis de saúde (23). Para tanto,
ultrapassar as desigualdades em saúde implica redistribuição, inclusive, do perfil da oferta
de ações e serviços. Enfim, é reconhecer que as desigualdades devem ser superadas de
forma a minimizar diferenças.
Acredita-se que o regime fiscal posto se apresenta como entrave para a efetivação do
direito à saúde, em razão da perda de recursos, em relação à regra vigente e à redução do
gasto público com a saúde (se verificado o PIB), uma vez que não haverá partilha dos
ganhos decorrentes do crescimento econômico durante vinte anos. Além disso,
aprofundará as iniquidades em saúde na medida que os mais vulneráveis estarão sujeitos
à insuficiência da oferta, a escassez ou precária qualidade de serviços públicos de saúde
enquanto aqueles que dispõem de recursos financeiros para o mercado privado terão
acesso as melhores ações e serviços de saúde e tecnologias mais avançadas. (24)
Conclui-se, portanto, que, de acordo o novo regime, não será possível efetuar o
aumento de despesas totais e reais acima da inflação, mesmo se a economia do país
estiver em crescimento, o que, inevitavelmente, acarretará a redução de investimentos,
sucateamento do SUS, a queda da qualidade de vida da população que está envelhecendo
e exigindo aumento de recursos. A EC nº 95/2016 reforça o subfinanciamento da saúde
pública, o excesso de incentivos governamentais para o mercado privado e contribui para a
redução do gasto público no total das despesas com a saúde. Um cenário paradoxal para
sistema universal e equânime de saúde. (25)

641
Conclusão
A construção histórica do SUS, especialmente a partir do Movimento Sanitário,
resultou na ruptura de um sistema contratualista, excludente e de financiamento seletivo
por um sistema que se quer universal, gratuito e equânime. Apesar de todas as
dificuldades para a sua implementação, o SUS tem, hoje, um impacto social de grande
importância, como sistema de proteção social, em razão dos resultados obtidos e da
abrangência da cobertura alcançada.
O sistema de saúde brasileiro se apresenta como política pública social e instrumento
de superação das desigualdades, por meio da equidade institucionalizada nas políticas
públicas que são um importante meio de ação estatal em prol do desenvolvimento social,
impulsionadas pelos conflitos e disputas.
O gasto público com a saúde que se impõe com a EC º 95/2016 mostra-se em
desacordo com a política do SUS que visa um atendimento universal e integral para
redução das desigualdades. Ter 54% do custeio da saúde com despesas privadas permite
inferir que, em razão de falhas estruturais, parte da população recorre aos planos e
seguros de saúde, acentuando ainda mais as iniquidades no país, à medida que cria um
atendimento desigual àqueles com maior poder aquisitivo, permitindo-os usufruir de
melhores serviços, tendo como contrapeso um serviço de diferenciada qualidade aos
usuários do SUS. Enfim, o gasto privado maior, por meio de desembolso direto, ou por
meio de aquisição de planos e seguros de saúde, e a menor participação de recursos
públicos no setor concretizam a forma mais iniqua e excludente de financiamento.

Referências

1. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.


Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em
14.10.2017
2. Brasil. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 95 de 16 de dezembro de 2016.
Altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime
Fiscal, e dá outras providências.
3. SERAPIONI, Mauro. “Métodos qualitativos e quantitativos na pesquisa social em
saúde: algumas estratégias para a integração” Ciência & Saúde Coletiva. 5(1), 187192.
4. IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2017). Disponível em
http://www.ibge.gov.br. Acesso em: 10 de junho de 2017.

642
5. IBGE. Pesquisa Nacional de Saúde 2013 - Percepção do estado de saúde, estilos de
vida e doenças crônicas, 2013. IBGE: Rio de Janeiro, 2014. Disponível em:
https://ww2.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/pns/2013/default.shtm Acesso em:
10 de junho de 2017.
6. Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria Geral da União “Portal da
Transparência”. Disponível em http://www.portaldatransparencia.gov.br. Acesso em:10
de junho de 2017.
7. VIEIRA, Fabiola S.; BENEVIDES, Rodrigo P. S. “Os impactos do novo regime fiscal
para o financiamento do sistema único de saúde e para a efetivação do direito à saúde
no brasil”. Nota técnica nº 28. Brasília: IPEA, 2016.
8. Banco Mundial. Disponível em: https://data.worldbank.org/. Acesso em: 10 de junho de
2017.
9. VIEIRA, Fabiola S.; BENEVIDES, Rodrigo P. S. “O Direito à Saúde no Brasil em
Tempos de Crise Econômica, Ajuste Fiscal e Reforma Implícita do Estado” Revista de
Estudos e Pesquisas sobre as Américas. (3). Disponível em:
http://dx.doi.org/10.21057/repam.v10i3.21860. Acesso em: 10 de junho de 2017. 10.
Ibidem
10. VIANNA, Solon M.“A Seguridade Social e o SUS: re-visitando o tema” In: Saúde e
Sociedade. 14(1), 7-22.
11. BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 29 de 13 de setembro de
2000. Altera os arts. 34, 35, 156, 160, 167 e 198 da Constituição Federal e acrescenta
artigo ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para assegurar os recursos
mínimos para o financiamento das ações e serviços públicos de saúde.
12. BRASIL. Lei Complementar nº 141 de 13 de janeiro de 2012. Regulamenta o § 3o do
art. 198 da Constituição Federal para dispor sobre os valores mínimos a serem
aplicados anualmente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios em ações e
serviços públicos de saúde; estabelece os critérios de rateio dos recursos de
transferências para a saúde e as normas de fiscalização, avaliação e controle das
despesas com saúde nas 3 (três) esferas de governo; revoga dispositivos das Leis nos
8.080, de 19 de setembro de 1990, e 8.689, de 27 de julho de 1993; e dá outras
providências.
13. BRASIL. Decreto nº 7.827 de 16 de outubro de 2012. Regulamenta os procedimentos
de condicionamento e restabelecimento das transferências de recursos provenientes
das receitas de que tratam o inciso II do caput do art. 158, as alíneas “a” e “b” do inciso
I e o inciso II do caput do art. 159 da Constituição, dispõe sobre os procedimentos de
suspensão e restabelecimento das transferências voluntárias da União ,nos casos de
descumprimento da aplicação dos recursos em ações e serviços públicos de saúde de
que trata a Lei Complementar nº 141, de 13 de janeiro de 2012, e dá outras
providências.
14. BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 86 de 18 de março de 2015.
Altera os arts. 165, 166 e 198 da Constituição Federal, para tornar obrigatória a
execução da programação orçamentária que especifica.

643
15. BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Glossário. Disponível em:
<http://www.orcamentofederal.gov.br/glossario1/glossario_view?letra=D>. Acesso em
10 de junho de 2017.
16. BRASIL. Lei Complementar 101 de 4 de maio de 2012. Estabelece normas de
finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras
providências.
17. Instituto de Estudos Socioeconômicos (2017) Orçamento 2017 prova: teto dos gastos
achata despesas sociais e beneficia sistema financeiro. Disponível em:
<ttp://www.inesc.org.br/noticias/noticias-do-inesc/2017/marco/orcamento-2017prova-
teto-dos-gastos-achata-despesas-sociais-e-beneficia-sistema-financeiro>. Acesso em
10 de junho de 2017.
18. Ibidem
19. Ministério da Fazenda (2016) “Relatório de Análise Econômica dos Gastos Públicos
Federais Evolução dos Gastos Públicos Federais no Brasil: Uma análise para o
período 2006-15” Secretaria de Politica Econômica. Brasília: Ministério da Fazenda
Disponivel em: http://www.spe.fazenda.gov.br/notas-
erelatorios/relatorio_gasto_publico_federal_site.pdf. Acesso em:10 de junho de 2017.
20. Ibidem
21. VIANA, Ana Luiza d'Ávila; FAUSTO, Márcia Cristina Rodrigues; LIMA, Luciana Dias de.
Política de saúde e eqüidade. São Paulo Perspec., São Paulo , v. 17, n. 1, p. 58-68,
Mar. 2003 . Available from
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010288392003000100007&ln
g=en&nrm=iso>. access on 14 Oct. 2017. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-
88392003000100007.
22. BRASIL. Lei nº 8080 de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a
promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos
serviços correspondentes e dá outras providências.
23. ROCHA, Luciano V. (2017) A EC 95/16 entre o teto e o assoalho do estado. Disponível
em:
http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI251944,11049A+EC+9516+entre+o+teto+e+
o+assoalho+do+estado Acesso em : 10 de junho de 2017.
24. PIOLA, Sérgio F. et. al. Estruturas de financiamento e gasto do sistema público de
saúde. A saúde no Brasil em 2030 - prospecção estratégica do sistema de saúde
brasileiro: estrutura do financiamento e do gasto setorial. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2013

644
Participação ou privatização nos serviços públicos de saúde: Uma análise das
Organizações Sociais e dos Contratos de gestão.

Fabrícia Helena Linhares Coelho da Silva Pereira1


Ana Carolina Da Costa De Mesquita

RESUMO: O presente trabalho objetiva, por método dedutivo e utilizando-se de pesquisa


bibliográfica com base na literatura jurídica e legislação de direito administrativo,
constitucional e sanitário, analisar a transferência da execução dos serviços públicos de
saúde no Brasil por meio do Contrato de Gestão e os meandros que envolvem esse tipo
gestão de saúde e dos mecanismos mais adequados à participação e ao controle social na
gestão do SUS, identificando que o argumento de maior participação da sociedade na
Administração Pública não foi cumprido e que há de forma velada uma privatização na
execução desse serviço público.
Palavras-chave: Gestão dos serviços públicos de saúde. Organização social.
Participação Social.

Introdução
A noção de serviços públicos para promoção de atividades estatais visando ao
interesse público são ideias que surgem com a criação do Estado Social, como resposta às
preocupações mais individualistas do Estado Liberal. Na Constituição Federal de 1988 é
possível encontrar a perspectiva de justiça social por meio do modelo de Estado de Bem-
Estar Social, mas tal fato não impediu as mudanças que ocorreriam após a sua
promulgação nesse quesito.
A ideia de um estado provedor logo sofreu mudanças em razão das perspectivas
neoliberais, que trouxeram as concepções de um Estado insuficiente na execução dos
serviços públicos. Com a concepção de Estado gerencial fomentou-se a criação do
chamado terceiro setor, partindo-se da premissa de que os serviços não essenciais
poderiam ser destinados a execução por parte da sociedade civil, fazendo-lhe participar da
execução desses serviços.
Assim, sob as premissas de uma concepção de Estado eficiente, as Organizações
Sociais, entidades civis sem fins lucrativos qualificadas pela Administração Pública,
surgem como medida de execução dos serviços ditos não exclusivos e são resultado de
um Plano de Reforma do Estado na década de 90.

1Universidade Federal do Ceará - Programa de Pós-Graduação em Direito - Mestrado em Ordem Jurídica Constitucional.
E-mail: fabriciahc@gmail.com

645
No que se refere ao direito à saúde, as premissas adotadas da interpretação da
CF/88, de que a saúde deve ser garantida pelo Estado mediante políticas sociais e
econômicas que contemplem o acesso universal e igualitário às ações e serviços, sendo a
participação da iniciativa privada apenas complementar, faz-nos perceber que medidas
que exasperem esses comandos traduzem, afinal, a transferência de uma obrigação
estatal, considerada fundante do projeto constituinte brasileiro de um Estado de Bem Estar
Social, que determinou ao Estado o dever de prestador de serviços públicos.

Metodologia
A partir de método dedutivo buscou-se analisar a execução dos serviços públicos de
saúde pelo terceiro setor.
A pesquisa realizada foi do tipo bibliográfica utilizando as plataformas do banco de
dados de artigos e livros dos periódicos da Capes, Scielo, acervo da biblioteca da
Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará e acervo próprio das autoras, bem
como o sítio oficial do Planalto e do Ministério da Saúde nas pesquisas referentes à
legislação. Considerando que a discussão sobre o tema abordado é recente, optamos pela
não delimitação temporal.
As bases de pesquisa utilizadas foram: SUS, terceiro setor, organização social,
contrato de gestão. Utilizaram-se os textos encontrados sobre o tema, excluindo os que
não fossem pertinentes a problemática pesquisada, publicados desde a edição da Lei
9.637/98.

Discussão e resultados
A formação do Estado Social está relacionada ao crescimento da necessidade de
implementar medidas que efetivam a igualdade, após o declínio das ideias liberais que se
apresentaram com base num Estado de Polícia mantedor da liberdade individual e
econômica de apenas uma parcela da sociedade (1), e que restringiu a atuação do Estado
à defesa mínima dessa liberdade, com destaque a proteção da propriedade e do indivíduo
(2).
Essa situação agrava-se pela industrialização e pela urbanização, que atenuaram
fortemente os vínculos comunitários e familiares de solidariedade, levando o Poder Público
a ter que criar um mínimo aparato de suporte para substituir os antigos vínculos de

646
solidariedade e manter a proteção à classe burguesa (3). Há, portanto, a substituição do
Estado Liberal pelo Estado Social, o de polícia pelo prestador de serviços (4).
Assim, como observado por Barcarollo, a natureza do estado como intervencionista é
a garantia da prestação dos serviços públicos, como instrumento da justiça social,
passando o Estado de mero protetor, para provedor da justiça e da solidariedade social,
ganhando força as ideias da Escola Francesa dos Serviços Públicos de Léon Duguit,
segundo a qual os serviços públicos detêm uma grande importância, pois configuram a
própria soberania estatal. A justificativa da atuação do Estado passa a ser ligada à
prestação de serviços essenciais à população, em prol dos direitos sociais e sua efetivação
(5). Essa perspectiva ganha nova roupagem no Século XX, com a noção de Estado de
Bem-Estar social. No entanto, com o crescimento de uma nova perspectiva liberal nos
anos 40, denominada neoliberalismo, encabeçada pela Escola de Chicago, impulsiona-se
a premissa de que o Estado deveria ser mínimo nas prestações sociais, embora figurasse
como protetor do mercado e da economia.
Segundo Renato de Andrade (6), quando o Brasil vivia o momento da Constituinte de
1988, dois projetos societários se configuravam no País: um de caráter mais democrático,
com mais justiça social, participação política das massas trabalhadoras e progressistas na
sociedade civil, e outro de caráter neoliberal, no aspecto do individualismo possessivo, em
que o mais forte sobreviveria e as diferenças não seriam respeitadas.
A CF/88 fez clara opção pelo primeiro projeto, ao garantir direitos civis, políticos e
sociais dentro da concepção de bem estar social. No entanto, na década de 90, com a
ideia de Administração Pública Gerencial, a face social restou prejudicada com a aplicação
do modelo neoliberal, já disseminado nos países europeus e nos EUA. Sob essa
perspectiva, o serviço público que se caracteriza como uma atividade de competência do
Estado na promoção de políticas públicas, essencial no Estado Democrático de Direito,
sofre mudanças para na sua realização. O então modelo de administração burocrática
passa a ser considerado como um entrave na realização das políticas públicas e dos
serviços públicos, servindo de fundamento para o argumento da Reforma do Estado e a
gestão dos serviços públicos pela iniciativa privada (7).
Isto porque, a Administração Pública Gerencial consubstancia-se na definição do que
se chamou de gestão social ou processos sociais, em que a ação gerencial é desenvolvida
sem o caráter burocrático dos procedimentos administrativo, levando-se em conta a

647
tecnologia dos setores privados como fator contributivo em relação à produtividade e as
contribuições ao setor público, na administração das políticas públicas (8). Os contratos de
gestão e as organizações sociais representam bem esse intuito de gestão gerencial.
A Organização Social (O.S.), regulada no âmbito federal pela Lei 9.637/98, se
constitui como uma instituição privada, sem fins lucrativos, qualificadas pelo Estado para
exercerem atividades públicas, por meio de Contrato de Gestão, envolvendo diretamente a
sociedade civil nos rumos do Estado, sendo possível para a consecução desse fim, a
cessão a essa instituição, de bens públicos móveis e imóveis, bem como servidores
públicos.
A qualificação da pessoa jurídica privada como O.S dá a mesma uma série de
garantias e cautelas necessárias para que possa executar os serviços públicos, sem
prejuízo das flexibilidades que possuem as pessoas jurídicas de direito privado. Seus
funcionários, por exemplo, são contratados sem concurso público ou o teste e as compras
podem ser realizados sem licitações públicas, tudo isso visando diminuir a temida
burocracia “inerente ao Estado”.
Seguindo a perspectiva gerencial, tais situações estão justificadas, pois o foco da
atividade estaria em seus resultados e não em processos ou procedimentos para a sua
realização. Sob a ótica do plano de reforma do Estado, executado pelo Ministro-Chefe da
Casa Civil, Bresser Pereira, a O.S. representa um enfoque à ação pública, em detrimento
da estatal (9), assim, o que é publico se diferencia do que é Estatal. Daí o porquê do
discurso da publicização, que não seria uma privatização.
Essa percepção de uma divisão do que seria público e do que seria ação do Estado,
somente destorce a realidade dos fatos nas chamadas atividades não exclusivas,
encobrindo a real situação de privatização desses serviços. A ideia de que serviços
públicos não exclusivos são realizados com mais eficiência pelo setor não estatal nas
atividades não privativas (10) por meio de uma gestão gerencial, tira o foco da real
situação da privatização da execução desses serviços.
Pode-se citar como consequência da disseminação das ideias de gestão gerencial e
de “Estadofobia” a utilização do terceiro setor como forma de legitimar a desestruturação
da Seguridade Social por parte do Estado e ainda a retirada do Estado à responsabilidade
da intervenção social e assim da fiscalização de sua execução (11). Nessa perspectiva, o
contrato de gestão figura-se como uma privatização da execução dos serviços públicos,

648
pois apesar da titularidade da atividade ser do Estado, sua execução está sendo realizada
pelo setor privado.
O Contrato de Gestão, sem dúvidas, surge da noção de uma parceria entre a
sociedade civil e o Estado, possibilitando que aquele participe no planejamento e execução
das políticas públicas. Todavia, os principais motivos que fomentam a execução dos
serviços públicos por O.S e a forma pelo qual essa execução se realiza é na perspectiva
de que o Estado (e o serviço público) precisaria de uma reforma, por não estar apto a
exercer suas atribuições, distorcendo os fatos em relação a privatização da execução
desses serviços.
Não se pode olvidar que ao Poder Público está reservado o papel de protagonista da
prestação de serviços públicos, restando à iniciativa privada, especialmente nos casos de
prestação de serviços públicos de saúde, apenas a participação complementar, mediante
contrato de direito público ou convênio (art. 199, § 1º combinado com art. 175, CF/88.).
Assim, os serviços públicos de saúde, especialmente, face ao seu tratamento
constitucional especial dado em razão da relevância pública do direito à saúde (art. 197
CF), não podem ser totalmente delegados à iniciativa privada.
Nesse aspecto, alerta Di Pietro que a Lei 8.080/90 previu, nos artigos 24 a 26, que
essa participação complementar se daria quando as possibilidades do Sistema Único de
Saúde fossem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma
determinada área, formalizada por contrato ou convênio sob as regras da Lei 8.666/93,
assim, o Poder Público não abriria mão da prestação do serviço de sua competência em
favor de terceiro ou que terceiros administrem entidade pública prestadora do serviço de
saúde. A instituição privada poderia complementar as ações e serviços de saúde em suas
próprias instalações e com seus próprios recursos materiais e humanos. Ademais, apenas
se admitiria no ordenamento brasileiro a parceria entre público e privado, ou a
terceirização, de determinadas atividades materiais ligadas ao serviço de saúde, não
podendo haver uma transferência do próprio serviço de saúde como um todo ou de sua
gestão (12).
Contudo, a autora sugere que para as organizações sociais se enquadrarem nos
princípios constitucionais que regem a gestão do patrimônio público, fundamentais para
sua proteção, seria imprescindível que se fizessem alterações na forma de escolha das OS
e nos contratos de gestão a fim de que existisse pelo menos: a exigência de licitação para

649
escolha da entidade e comprovação de que ela já existe com sede, patrimônio e capital
próprios; demonstração de qualificação técnica e idoneidade financeira para administrar o
patrimônio público; submissão aos princípios licitatórios; limitações salariais quando
dependam de recursos orçamentários do Estado para pagar seus empregados; e exigência
de garantia a ser dada pela OS, assim como feito nos contratos administrativos. (13)
Ademais, outro fator que denota indevida a total transferência de serviços de saúde
às organizações sociais, conforme Gabardo, é o engano que pode levar o discurso
gerencial, que relaciona a O.S. com a necessária participação dos cidadãos na execução
de serviços públicos (14), pois, por esse modelo, eles passariam a ser agentes ativos na
gestão pública não por meio dos mecanismos de participação popular e de participação
democrática, inclusive direta, previstos na CF/88, mas pela redução do aparelho do
Estado. Tarso Violin pontua que a execução das políticas na área de saúde (da seguridade
social como um todo) é um dever principalmente do Estado e não da sociedade, esta pode
participar de serviços de saúde, por meio da fiscalização e das políticas, como por exemplo
em conselhos gestores da política da saúde com participação popular. (15)
É nesse aspecto das instâncias de controle social por meio de participação popular e
democrática como, por exemplo, na participação em conselhos e comissões de saúde, que
deveria se dar a participação do cidadão na execução dos serviços públicos e não pela sua
privatização. Ocorre que os conselhos de saúde têm função consultiva e muitas vezes
pouco efetiva, seja por falta de divulgação, de estrutura, ou incentivo à participação, em
face do pouco impacto sobre a reestruturação dos serviços de saúde (16), ou ainda porque
os conselheiros não participam de forma ativa, muitos pela ausência de presença física ou
pela falta de entrosamento, opinião e manifestação sobre a política de saúde. (17)
Nas comissões intergestores bipartite (CIB) e tripartite (CIT), responsável pelas
principais definições na gestão das políticas de saúde dentro do SUS, a participação social
se dá apenas de modo indireto, pela pressão popular e pelo voto (18). Assim, de certo
modo, pode-se concluir pela inefetividade do controle social sobre a gestão da saúde
pública.
Aqui pode estar a raiz do problema da falta de participação social na gestão da saúde
pública, não na prestação dos serviços de saúde por organismos em tese representativos
dessa participação, como a propaganda gerencial pretende vender, mas no uso indevido
dos mecanismos já existentes de participação e controle social no SUS.

650
Conclusão
A partir da distorção do projeto de Estado de Bem Estar Social no Brasil, que instituiu
uma Administração Pública em que o Estado figurava como prestador de serviços públicos,
o discurso pejorativo de Administração Pública vista como burocrática - formal e pouco
eficiente sobrepôs esse modelo, materializada pelo Plano Diretor da Reforma do Aparelho
Estatal, sob a perspectiva de reconstrução da administração pública em bases modernas e
racionais, focada no controle de resultados e descentralização, resultando na imposição de
diretrizes neoliberais no Estado Brasileiro, tornando-se a privatização dos serviços públicos
carro chefe dos primeiros governos democráticos brasileiros.
Nessa perspectiva, uma das medidas implementadas foi a transferência de serviços
públicos para serem executados e os recursos públicos geridos pela iniciativa privada, sob
a justificativa da democratização dos serviços públicos, ao trazer a sociedade civil para a
gestão dos serviços públicos nas chamas atividades não exclusivas do Estado. O Contrato
de Gestão surge assim como forma de operacionalizar essa democratização dos serviços
públicos, por meio das organizações sociais, para o exercício de uma atividade dita não
exclusiva do Estado, realizando-se uma diferenciação do que seria estatal daquilo que é
público, apresentando que haveria preservação do caráter público dos serviços, mesmo
sem a participação estatal, para fundamentar a privatização da execução desses serviços.
Buscou-se demonstrar o engodo desse discurso, primeiro por ser incoerente,
segundo porque antes não se buscou valorizar e incentivar as demais formas de
participação e controle social no Sistema Único de Saúde, que coexistem com a presença
do Estado na prestação dos serviços públicos de saúde. Com isso, a disseminação das
ideias neoliberais de desprestígio ao Estado enquanto prestador de serviços públicos e
ainda de participação popular democraticamente na gestão pública foi tudo que a iniciativa
privada, respaldada pelos anseios neoliberais, precisava para justificar que seria aceitável
uma afronta ao projeto constituinte de Estado em vigor no Brasil.

Referências

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Malheiros; 2011, p 140/141.
2. WOOD, EMW. Democracia contra o capitalismo: a renovação do materialismo
histórico. São Paulo: Boitempo Editorial, 2003, p. 181.

651
3. ARAGÃO, AS. Direitos dos Serviços Públicos. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense; 2013, p.
32.
4. MARTINS, RM. Regulação administrativa a luz da constituição. São Paulo: Editora
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5. BARCAROLLO, F. Os serviços públicos na evolução do estado. Revista Espaço
Jurídico. 2013; 14, pp. 603, 605.
6. ANDRADE, R. Serviço Social, gestão e terceiro setor: dilemas nas políticas sociais. 1ª
ed. São Paulo: Saraiva; 2015. p. 75.
7. BARCAROLLO, F. Os serviços públicos na evolução do estado. Revista Espaço
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8. CABRAL, EHS. Terceiro Setor: Gestão e controle social. 2ª Edição. São Paulo:
Saraiva; 2015, p.129.
9. ANDRADE, R. Serviço Social, gestão e terceiro setor: dilemas nas políticas sociais. 1ª
ed. São Paulo: Saraiva; 2015. p.86
10. OLIVO, LCC. As Organizações Sociais e o novo espaço público. Editorial Studium;
2005, p. 19.
11. MONTANÕ, C. O lugar histórico e o papel político das ONGs. In_____, (org.) O canto
da Sereia Crítica à ideologia e aos projetos do “terceiro setor”. São Paulo: Cortez,
2014, p. 87/90.
12. DI PIETRO, MSZ. Parcerias na Administração Pública. São Paulo: Editora Atlas, 2015,
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13. ____________. Parcerias na Administração Pública. São Paulo: Editora Atlas, (2015,
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14. GABARDO, E. Interesse Público e Subsidiariedade. Belo Horizonte: Editora Forum,
2009, p. 120.
15. VIOLIN, TC. A Inconstitucionalidade Parcial das Organizações Sociais – OSS. In
BLANCHET, LA; HACHEM, DW; SANTANO, AC. (Coord.). Estado, Direito e Políticas
Públicas. Curitiba: Editora Íthala, 2014, p. 166, 173.
16. VAN STRALEN, CJ et al . Conselhos de Saúde: efetividade do controle social em
municípios de Goiás e Mato Grosso do Sul. Ciênc. saúde coletiva. 2006; 11, p. 621-
632.
17. COLOMBELLI, J; TORRES, MG. Conselhos Municipais de Saúde: atuação, efetividade
e desafios na região do AMMOC. 2017, Online. Disponível em:
http://www.uniedu.sed.sc.gov.br/wp-content/uploads/2016/09/unoesc-JOVIANE-
COLOMBELLI.pdf. Acessado em 10/10/2017.
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efetividade de suas normas. Revista de Direito Sanitário. 2016; 17, p. 38-53.

652
Do financiamento e orçamento da saúde: breves comentários

Maressa Lopes Rezende1

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo explicar brevemente como funciona o
financiamento e o orçamento da saúde no Brasil. O acesso universal à saúde pública exige
um padrão de financiamento que sacie a necessidade da população, exigindo assim um
constante aumento de recursos investidos no SUS. Ademais, o presente artigo discute o
orçamento da saúde, com seus dilemas e embates. Empregar-se-á neste trabalho a
pesquisa bibliográfica. A pesquisa bibliográfica é realizada a partir do levantamento de
referências teóricas já examinadas, e propagadas por meios eletrônicos ou escritos, como
livros, artigos científicos, páginas de web sites. Outrossim, quanto à natureza será utilizada
a pesquisa qualitativa. A pesquisa qualitativa não se importa com representatividade
numérica, mas, sim, com o exame minucioso da compreensão de um grupo social, de uma
organização. O resultado alcançado neste artigo foi uma discussão e explicação sobre o
orçamento da saúde no Brasil. A conclusão foi no sentido de que a saúde é um direito
importante e que os gestores públicos devem deve-se seguir as regras constitucionais e
legais na administração do dinheiro público destinado à saúde.
Palavras-chave: Financiamento do SUS; Orçamento da Saúde; PEC Teto de Gastos
Públicos.

Do direito à saúde
O artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das
Nações Unidas (ONU), dispõe que a saúde é um direito de toda pessoa:

Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e
à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação,
ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos
serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na
doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de
meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.”
(ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948)

Por sua vez, a Carta Magna de 1988 foi a primeira Constituição do país a declarar
que o direito à saúde é um direito fundamental:

Art.196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido


mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do
risco de doença e de outros agravos e ao 8 acesso universal e
igualitário à ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.” (BRASIL, 1988).

1 E-mail: maressa.lopes.rezende@gmail.com

653
Assim, o Poder Público deve assegurar o direito à saúde. E a
maneira como o faz é por meio do Sistema Único de Saúde.

Do financiamento do Sistema Único de Saúde


De acordo com o §1º do art. 198 da Constituição Federal, o Sistema Único de Saúde-
SUS é financiado, além de outras fontes, com os recursos do orçamento da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, os quais são "depositados em conta
especial, em cada esfera de sua atuação, e movimentados sob a fiscalização dos
respectivos Conselhos de Saúde", segundo o estabelecido no art. 33 da Lei n° 8.080, de
19 de setembro de 1990.
Na esfera federal, os recursos do SUS, originários do Orçamento da Seguridade
Social, são administrados pelo Fundo Nacional de Saúde e sua gestão deverá observar o
Plano Nacional de Saúde e o Plano Plurianual do Ministério da Saúde.
1. Lei n° 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que dispõe sobre a participação da
comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências intergovernamentais de
recursos financeiros na área da saúde, tratou, nos artigo 3º e 4º c/c inciso IV e
parágrafo único do artigo. 2°, do repasse fundo a fundo dos recursos destinados à
cobertura das ações e serviços de saúde.

Do orçamento da saúde.
Neste sentido, a fim de financiar o SUS, o Poder Público deve, todos os anos, gastar
uma porcentagem de seu orçamento público.
Orçamento Público de acordo com o Portal do Ministério do Planejamento é[1] :

Um instrumento de planejamento governamental em que constam as


despesas da administração pública para um ano, em equilíbrio com a
arrecadação das receitas previstas. É o documento onde o governo reúne
todas as receitas arrecadadas e programa o que de fato vai ser feito com
esses recursos. É onde aloca os recursos destinados a hospitais,
manutenção das estradas, construção de escolas, pagamento de
professores. É no orçamento onde estão previstos todos os recursos
arrecadados e onde esses recursos serão destinados.

Ademais, há um piso de gastos para a saúde que deve constar nos orçamentos
públicos.

654
Até o ano de 2015, a despesa mínima com saúde deveria crescer de acordo com a
variação nominal do PIB (e se a variação fosse negativa, o piso seria o mesmo valor do
ano anterior).
Por sua vez, o orçamento de 2017 para a Saúde deveria ser equivalente a 13,7% das
receitas correntes líquidas (o total arrecadado pela União menos os repasses para estados
e municípios.)
Entretanto, a partir da promulgação da PEC dos gastos públicos houve uma
modificação substancial no orçamento destinado à saúde pública.
Com a emenda, em 2017, sobe para 15% o gasto mínimo que deverá ser realizado
pela União. A contar do orçamento de 2018, a emenda estipula o valor mínimo deverá ser
o total gasto nos 12 meses anteriores até junho reajustado pela variação do IPCA no
período.
A finalidade do teto é conter a dívida pública que, de acordo com o FMI, deve
corresponder a 78,3% do PIB ainda este ano e pode chegar a 93,6% do PIB até 2021.

Das transferências obrigatórias


Todos os entes da federação devem aplicar recursos na saúde pública. No entanto, o
art. 198, § 3º, II, da CF/88, determinou que, da verba da União vinculada à saúde (art. 5º,
“caput”, da Lei Complementar nº 141, de 2012), deve o ente federal obrigatoriamente
destinar parte desses recursos aos Estados, Distrito Federal e Municípios para aplicação
na saúde, objetivando a progressiva redução das disparidades.
O art. 2º da Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, corroborando o que dispõe o
art. 198, § 3º, II, da CF/88, determina que os recursos do Fundo Nacional de Saúde serão
alocados como:

I - despesas de custeio e de capital do Ministério da Saúde,


seus órgãos e entidades, da administração direta e indireta;
II - investimentos previstos em lei orçamentária, de iniciativa do
Poder Legislativo e aprovados pelo Congresso Nacional;
III - investimentos previstos no Plano Qüinqüenal do Ministério
da Saúde;
IV - cobertura das ações e serviços de saúde a serem
implementados pelos Municípios, Estados e Distrito Federal.
Parágrafo único. Os recursos referidos no inciso IV deste artigo
destinar- se-ão a investimentos na rede de serviços, à
cobertura assistencial ambulatorial e hospitalar e às demais
ações de saúde.

655
A transferência a que se refere o art. 198, § 3º, da Constituição Federal, tem como
origem o montante que a União deve aplicar anualmente em ações e serviços de saúde,
por determinação do art. 198, § 2º, I, da CF/88 c/c art. 5º da Lei Complementar nº 141, de
2012.
Ao revogar tacitamente o art. 3º da Lei 8.142, de 1990, e expressamente o § 1º da Lei
nº 8.080, de 1990, o art. 17 da Lei Complementar nº 141, de 2012, estabeleceu a nova
forma de repasse dos recursos de saúde da União, em cumprimento ao disposto no art.
198, 3º, II, da CF/88, nos seguintes termos:

Art. 17. O rateio dos recursos da União vinculados a ações e


serviços públicos de saúde e repassados na forma do caput dos
arts. 18 e 22 aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios
observará as necessidades de saúde da população, as
dimensões epidemiológica, demográfica, socioeconômica,
espacial e de capacidade de oferta de ações e de serviços de
saúde e, ainda, o disposto no art. 35 da Lei no 8.080, de 19 de
setembro de 1990, de forma a atender os objetivos do inciso II
do § 3o do art. 198 da Constituição Federal.
§ 1º O Ministério da Saúde definirá e publicará, anualmente,
utilizando metodologia pactuada na comissão intergestores
tripartite e aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde, os
montantes a serem transferidos a cada Estado, ao Distrito
Federal e a cada Município para custeio das ações e serviços
públicos de saúde.
§ 2º Os recursos destinados a investimentos terão sua
programação realizada anualmente e, em sua alocação, serão
considerados prioritariamente critérios que visem a reduzir as
desigualdades na oferta de ações e serviços públicos de saúde
e garantir a integralidade da atenção à saúde. ”

O art. 3º da Lei Complementar nº 141, de 2012, por sua vez, trazendo segurança
jurídica ao sistema, estabeleceu quais seriam essas despesas com ações e serviços
públicos de saúde e, por conseguinte, em uma interpretação sistemática, o que seria
recurso de transferência obrigatória:

Art. 3o Observadas as disposições do art. 200 da Constituição


Federal, do art. 6º da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990,
e do art. 2o desta Lei Complementar, para efeito da apuração da
aplicação dos recursos mínimos aqui estabelecidos, serão
consideradas despesas com ações e serviços públicos de saúde
as referentes a:
I - vigilância em saúde, incluindo a epidemiológica e a sanitária;

656
II - atenção integral e universal à saúde em todos os níveis de
complexidade, incluindo assistência terapêutica e recuperação
de deficiências nutricionais;
III - capacitação do pessoal de saúde do Sistema Único de
Saúde (SUS);
IV - desenvolvimento científico e tecnológico e controle de
qualidade promovidos por instituições do SUS;
V - produção, aquisição e distribuição de insumos específicos
dos serviços de saúde do SUS, tais como: imunobiológicos,
sangue e hemoderivados, medicamentos e equipamentos
médico-odontológicos;
VI - saneamento básico de domicílios ou de pequenas
comunidades, desde que seja aprovado pelo Conselho de
Saúde do ente da Federação financiador da ação e esteja de
acordo com as diretrizes das demais determinações previstas
nesta Lei Complementar;
VII - saneamento básico dos distritos sanitários especiais
indígenas e de comunidades remanescentes de quilombos;
VIII - manejo ambiental vinculado diretamente ao controle de
vetores de doenças;
IX - investimento na rede física do SUS, incluindo a execução de
obras de recuperação, reforma, ampliação e construção de
estabelecimentos públicos de saúde;
X - remuneração do pessoal ativo da área de saúde em
atividade nas ações de que trata este artigo, incluindo os
encargos sociais;
XI - ações de apoio administrativo realizadas pelas instituições
públicas do SUS e imprescindíveis à execução das ações e
serviços públicos de saúde; e
XII - gestão do sistema público de saúde e operação de
unidades prestadoras de serviços públicos de saúde.

Assim, as verbas repassadas pela União aos Estados, Distrito Federal e Municípios
para as finalidades descritas no art. 3º da referida lei são, por força do art. 198, § 3º, da
CF/88 c/c o art. 17 da Lei Complementar nº 141, de 2012, transferências constitucionais
obrigatórias, que devem ser realizadas pelo Fundo Nacional de Saúde na modalidade
fundo a fundo, conforme determina o seu art. 18.

Das transferências voluntárias de recursos financeiros


Segundo dispõe o art. 25 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei
de Responsabilidade Fiscal), “entende-se por transferência voluntária a entrega de

657
recursos correntes ou de capital a outro ente da Federação, a título de cooperação, auxílio
ou assistência financeira, que não decorra de determinação constitucional, legal ou os
destinados ao Sistema Único de Saúde."
Atualmente, os instrumentos utilizados para formalização de transferências
voluntárias são o termo de convênio, o contrato de repasse acordo, ajuste ou outros
instrumentos congêneres, todos regulados pelo Decreto nº 6.170, de 25 de julho de 2007.
Verifica-se que o art. 25 da mencionada lei exclui expressamente do conceito de
transferência voluntária aquela decorrente de determinação constitucional, legal ou
destinada ao SUS.
Isso permite concluir e confirmar o que foi dito no tópico anterior no sentido de que
todos os recursos referentes às ações e serviços de saúde previstos no art. 3º, da Lei
Complementar nº 141, de 2012, que a União tem que transferir por força da previsão
constitucional expressa no art. 198, § 3º, II, c/c art. 17 da citada lei são de transferência
obrigatória, já que decorrem de determinação constitucional e, concomitantemente, são
destinados ao SUS.
Por consequência, o repasse desses recursos não deve ser feito por termo de
convênio, contrato de repasse, ajuste ou outro instrumento congênere, mas por repasse na
modalidade fundo a fundo, conforme acertadamente preceitua o art. 18 da Lei
Complementar nº 141, de 2012.
No que concerne ao critério relacionado à alocação como ações e serviços de saúde,
destaca-se, para efeito de classificação, o rol previsto no artigo 6º da Lei Orgânica da
Saúde.
Por conseguinte, são assim considerados: ações de vigilância sanitária, vigilância
epidemiológica, saúde do trabalhador, e de assistência terapêutica integral, inclusive
farmacêutica. Ainda, pode haver dispêndio concernente à participação na formulação da
política e na execução de ações de saneamento básico; à ordenação da formação de
recursos humanos na área de saúde; vigilância nutricional e orientação alimentar;
colaboração na proteção do meio ambiente; controle e fiscalização de serviços, produtos e
substâncias de interesse para saúde; fiscalização de alimentos, água e bebidas para o
consumo humano; participação no controle e fiscalização de produtos psicoativos, tóxicos
e radioativos; desenvolvimento científico e tecnológico; formulação e execução da política
de sangue e seus derivados.

658
Dessa forma, os recursos federais são constituídos, organizados e transferidos em
blocos de financiamento, de modo que o uso de tais recursos fica adstrito a cada bloco,
atendendo as especificidades nele previstas.
De acordo com o artigo 4º da Portaria de Consolidação nº 6, de 28 de setembro de
2017, os blocos de financiamento são os seguintes: Atenção Básica, Atenção de Média e
Alta Complexidade, Vigilância em Saúde, Assistência Farmacêutica, Gestão do SUS e
Investimentos na Rede de Serviços de Saúde, cabendo enfatizar que "os recursos
referentes a cada bloco de financiamento devem ser aplicados nas ações e serviços de
saúde relacionados ao próprio bloco".
O §2º do artigo 6º da referida Portaria dispõe sobre a vedação da utilização dos
recursos referentes aos blocos de financiamento para determinadas circunstâncias, nos
seguintes termos:

“Art. 6º [...]
§ 2º Os recursos referentes aos blocos da Atenção Básica,
Atenção de Média e Alta Complexidade Ambulatorial e
Hospitalar, Vigilância em Saúde e de Gestão do SUS, devem
ser utilizados considerando que fica vedada a utilização desse
para pagamento de:
I - servidores inativos;
II - servidores ativos, exceto aqueles contratados
exclusivamente para desempenhar funções relacionadas aos
serviços relativos ao respectivo bloco, previstos no respectivo
Plano de Saúde;
III - gratificação de função de cargos comissionados, exceto
aqueles diretamente ligados às funções relacionadas aos
serviços relativos ao respectivo bloco, previstos no respectivo
Plano de Saúde;
IV - pagamento de assessorias/consultorias prestadas por
servidores públicos pertencentes ao quadro do próprio município
ou do estado; e
V - obras de construções novas, exceto as que se referem a
reformas e adequações de imóveis já existentes, utilizados para
a realização de ações e/ou serviços de saúde.”

Vê-se que os recursos federais transferidos aos fundos estaduais e municipais de


saúde tão somente poderão ser aplicados nas ações e serviços de saúde, explicitados no
art. 6º da Lei Orgânica de Saúde. Igualmente, registram-se, ainda, duas observações: I-
não há como aplicar tais recursos quando configurada alguma das vedações previstas no §
2º do artigo 6º da Portaria de Consolidação nº 6, de 28 de setembro de 2017; e II- os

659
recursos referentes aos blocos de financiamento devem ser aplicados nas ações e
serviços de saúde relacionados ao próprio bloco.

Considerações Finais
Para finalizar, conclui-se que o direito à saúde é um direito de todos e que os
gestores devem assegurá-lo por meio de políticas públicas que atendam às necessidades
da população.
Ademais, deve-se seguir as regras constitucionais e legais na gestão do dinheiro
público destinado à saúde. Quanto às decisões acerca dos investimentos dos recursos
públicos, é necessário que haja transparência para viabilizar o controle por parte da
sociedade.
Isso, porque a efetivação dos direitos reconhecidos pela Constituição, encontram-se
cingidos às escolhas políticas, e tratando-se de um Estado Democrático, as decisões
devem ser informadas à população, que é o destinatário por excelência das razões e
justificações.[2]

Referências

1. Disponível em: <http://www.planejamento.gov.br/servicos/faq/orcamento-da-


uniao/conceitos-sobre-orcamento/o-que-e-orcamento-publico>. Acesso em
12/10/2017.

2. Sarlet IW, Figueiredo MF. Reserva do Possível, mínimo existencial e o direito à


saúde: algumas aproximações. In: Sarlet IW, Timm LB, organizadores. Direitos
Fundamentais: orçamento e “reserva do possível”. 2ªed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado; 2013. p. 13-50

660
A problemática do desabastecimento de medicamentos, no âmbito do Poder
Público, em razão da falta de planejamento estruturado das licitações.

Sheyla Suruagy Amaral Galvão do Vale


Thaiana Coelho Midlej1

RESUMO: A concretização do direito à saúde pelo Poder Público ainda é um dos assuntos
mais controversos e questionados da atualidade, uma vez que não é só a falta de
planejamento e desídia do Administrador Público em efetivar as políticas públicas que
geram o caos nesta seara, principalmente quando trata-se de fornecimento de
medicamentos à população. O problema vai muito mais além, acarretando em um estado
de violação massiva e sistêmica do direito fundamental à saúde em decorrência dos
bloqueios políticos institucionais. Assim, o presente articulado tem por objetivo apresentar
as dificuldades e soluções quanto ao planejamento e gestão da Administração Pública,
através de análise crítica com pesquisa doutrinária e jurisprudencial, concluindo-se que
somente com mais eficiência na formulação de políticas públicas, com proposição de
critérios e parâmetros, será efetivada a aquisição tempestiva dos medicamentos e outros
materiais hospitalares, evitando-se, assim, o seu desabastecimento e que o acesso a
serviços de saúde se transforme em mais um fator de iniquidade.
Palavras- chave: saúde; gestão; planejamento; licitação.

A judicialização do direito à saúde ainda é tema que ocupa, em larga medida, o


Judiciário brasileiro, pois o Poder Executivo, responsável direto pela efetivação de políticas
públicas dessa natureza, ainda sofre consequências de sua desídia em se organizar
administrativamente. Neste viés, não é difícil colher dos noticiários informações relativas à
falta de compostos medicamentosos básicos no âmbito do sistema público de saúde (1),
por exemplo.
O desabastecimento das farmácias que integram as estruturas da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios praticamente inviabiliza os serviços de
atendimento médico/hospitalar, mormente aqueles de urgência (2). Ocorre que, em
inúmeros casos, a dificuldade de aquisição dos medicamentos advém da falta de
planejamento estruturado do Poder Público, haja vista que, mesmo com a estimativa dos
atendimentos, em cada área específica, os órgãos deixam de deflagar certames para
regularizar a distribuição de remédios e outros materiais hospitalares, principalmente com
a falta de atas de registro de preços de medicamentos e insumos de sua responsabilidade,
segundo a Lei 8.080/90 e a lista REMUME.
1 Universidade Santa Cecília - Santos/SP. E-mail: thaimidlej@hotmail.com

661
A despeito disso, não se pode olvidar que a compra de medicamentos, no Brasil,
esbarra em uma série de dificuldades, dentre as quais se insere o conluio entre sociedades
empresárias farmacêuticas, as quais, em certas ocasiões, nem mesmo participam dos
certames, a fim de forçar uma contratação emergencial com preços mais elevados que
aqueles tradicionalmente praticados no mercado. Tal fato, porém, não exime os gestores
que, quando não mancomunados com os fornecedores de medicamentos, agem com
negligência na busca por soluções concretas para o problema do desabastecimento.
Nessa linha de intelecção, cumpre lembrar que o Tribunal de Contas da União (3) tem
entendimento consolidado sobre a possibilidade de contratação emergencial, ainda que o
fato ensejador da necessidade pública tenha sido decorrente da falta de planejamento, da
desídia administrativa ou da má gestão dos recursos públicos pelo gestor.
No entanto, tal posicionamento não convalida a conduta omissiva do administrador,
uma vez que esta não pode vir em prejuízo do interesse maior tutelado pela Administração,
qual seja a coletividade. Sendo assim, o mesmo Tribunal de Contas reporta-se pela
apuração da responsabilidade do servidor, em caso de inércia dolosa ou culposa, através
de regular processo administrativo.
É verdade que, na concepção acertada do TCU, os cidadãos não podem ser
prejudicados por um ato espúrio do administrador público, a exemplo do caso de omissão
no adequado gerenciamento do estoque de medicamentos. Todavia, a dispensa de
licitação jamais poderá emergir como regra para as compras de materiais hospitalares, tal
como vem ocorrendo, diuturnamente, no Brasil, visto que o art. 24, da Lei 8.666/93 - Lei
Geral de Licitações - limita o quantitativo a ser adquirido ao que for estritamente necessário
para sanar a situação excepcional, devendo ser instaurado, de logo, o regular processo
licitatório.
Constata-se, desta feita, que não há como abastecer os principais centros de saúde
apenas com quantitativos fracionados de maneira irregular, por ducto de contratação
emergencial, sob pena de persistir o desfalque de materiais hospitalares tão caros à
concretização do direito à saúde.
Ademais, é inadmissível, nesse contexto, o fracionamento de licitação, para fins de
contratação direta em razão do valor. Recentemente, a título de informação, tal situação foi
objeto de investigação no Estado de Alagoas tanto pela Controladoria Geral da União

662
quanto pela Polícia Federal, o que se constatou um prejuízo da ordem de mais de 230
milhões de reais (4) ao Erário, e, consequentemente, à população alagoana.
O que se vislumbra, inevitavelmente, é a configuração de um estado de coisas
inconstitucional na saúde, haja vista a crise abranger a dificuldade estratégica dos três
Poderes, em adotar soluções efetivas que apaziguem o atual estado caótico do
gerenciamento da saúde.
Rodríguez Garavito e Rodríguez Franco (5) defendem que estes casos estruturais
são caracterizados por: i) afetar um número amplo de pessoas que alegam a violação de
seus direitos, diretamente ou através de organizações que litigam em sua causa; ii)
envolver várias entidades estatais como demandadas por serem responsáveis pelas falhas
sistemáticas de políticas públicas, e iii) implicar ordens de execução complexas, as quais o
juiz da causa decide a várias autoridades públicas a empreender ações coordenadas para
proteger toda população afetada, e não somente as partes do caso concreto.
Em sua evolução jurisprudencial, o ECI teve sua consolidação de requisitos para
declaração formal pela CCC na decisão T-025 de 2004 (6), quais sejam: i) violação
massiva e generalizada de vários direitos constitucionais que afeta a um número
significativo de pessoas; ii) a prolongada omissão das autoridades no cumprimento de
suas obrigações para garantir os direitos; iii) a adoção de práticas inconstitucionais; iv) a
não expedição de medidas legislativas, administrativas e orçamentarias necessárias para
evitar a violação dos direitos; v) a existência de um problema social cuja solução depende
da intervenção de várias entidades, requer a adoção de um conjunto complexo e
coordenado de ações e exige um nível de recursos que demanda um esforço orçamentário
adicional importante e vi) um iminente congestionamento judicial pelo número alto de
ações propostas.
Seguindo em convergência ao entendimento pelo estado de coisas inconstitucional,
no caso retratado da saúde no Estado de Alagoas, a Procuradoria Geral do Estado de
Alagoas (7), em parecer proferido pontuou a configuração fática desse estado de coisas
inconstitucional na saúde pública. No teor de seu posicionamento, trouxe à baila a
necessidade dos três Poderes na atuação em conjunto com o fim de cessar a falta de
medicamentos, sucateamento de hospitais, ausência de profissionais de saúde, além de
outras medidas necessárias para tal.

663
É de conhecimento que o Executivo, muitas vezes, sofre com as dificuldades para a
implementação de todas as políticas públicas necessárias ao regular aparato da saúde.
Dentre elas, destaca-se o agravamento desta crise pelo Judiciário, quando este Poder
profere, crescentemente, liminares desprovidas do necessário impacto financeiro ao Erário.
O resultado dessa microvisão do Judiciário, ao conceder tutelas específicas
indiscriminadamente, acarreta em uma interferência negativa no plano governamental de
ações e serviços que devem ser oferecidos à população como um todo (macrovisão), uma
vez que contingencia verbas de destinações mais amplas para cumprir às determinações
judiciais. Ainda, segundo Sampaio (8), a gestão dos recursos públicos e a visão transversal
das políticas públicas, não são de conhecimento do Estado-juiz, de modo que o
cumprimento das decisões em caráter individual, pode não só comprometer a integridade
das políticas públicas de saúde como também de outras áreas.
Por outro lado, nota-se a omissão do Legislativo na realização de seu papel
fiscalizatório e na edição de enunciados normativos mais consentâneos com o total
cumprimento do desígnio constitucional, sobressaindo-se a ausência até o presente
momento da Lei Complementar regulamentando a competência comum da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios no âmbito da saúde, conforme art. 23,
parágrafo único da Constituição Federal.
Desse modo, vislumbram-se reiteradas violações ao direito fundamental grafado no
art. 196, da Constituição Federal, gerando, assim, o estado de coisas inconstitucional.
É salutar, portanto, que os gestores atuem de maneira eficiente, de modo a
possibilitar a aquisição tempestiva dos medicamentos e outros materiais hospitalares, com
o escopo de evitar o desabastecimento.
O primeiro passo é fazer uma pesquisa detalhada dos tipos de demandas que são
dirigidas à Administração Pública, a fim de estimar quais os quantitativos necessários para
atender, no mínimo, um ano de fornecimento contínuo. A despeito de alguns gestores
alegarem a impossibilidade de realização de um planejamento que espelhe,
verdadeiramente, a realidade, em face das constantes determinações judiciais, o que se
pretende é, pelo menos, diminuir as interrupções das distribuições e minorar o volume de
contratações emergenciais.
Existem ferramentas à disposição do gestor para, levando-se em conta uma demanda
em potencial, viabilizar a contratação daquilo que for necessário ao atendimento da

664
necessidade pública. O registro de preços, expressamente consignado na Lei 8.666/93, em
seu artigo 15, é um instrumento efetivo que se adequa ao planejamento estratégico
imprescindível ao abastecimento dos órgãos de saúde, até porque a existência de preços
registrados não obriga a Administração a firmar contratações que deles poderão advir.
Lado outro, é fundamental que se investiguem as sociedades empresárias que não
participam dos certames licitatórios de medicamentos, mas, com frequência, são
contratadas em procedimentos emergenciais. Não é crível que as licitações sejam desertas
e, posteriormente, surja uma série de interessados em vender tais produtos para a
Administração Pública, através de procedimento de dispensa de licitação.
Nesse ponto, é fundamental que se crie uma rede estruturada entre vários órgãos
(Controladoria, Advocacia Pública, Tribunal de Contas, Ministério Público, Polícia Civil e
Federal, dentre outros), com o intuito de coibir rotineiros desvios e impropriedades na
gestão da saúde, bem como de facilitar o intercâmbio de informações, para que se tenha
uma atuação preventiva.
Ademais, é de substancial importância que os servidores responsáveis pela aquisição
de medicamentos sejam adequadamente treinados, em um modelo de compliance no
serviço público, de modo a garantir que exista um programa de integridade, com padrões
éticos suficientes a alterar modelos de conduta acostumados à ineficiência. Afinal de
contas, de nada adianta impor rotinas de trabalho profícuas, se os servidores estão
atuando em contrariedade aos interesses da Administração. Sobre o compilando, no
âmbito da Administração Pública, posiciona-se Ricardo Breier (9):

Desta feita, se agiganta como o grande desafio da Administração Pública


brasileira na atualidade a implantação de programas de compliance de
natureza pública, pormenorizadamente customizados para a realidade
estatal, não apenas aproveitando a riqueza da experiência vitoriosa no
combate à corrupção advinda do setor privado no além-mar, como
igualmente criando estruturas responsáveis pela educação efetiva do gestor
público, forte na criação de uma cultura de boa governança. Frisamos aí a
palavra “efetiva”, uma vez que tudo o que foi feito até aqui simplesmente
falhou, não apenas pela falta de densidade em seu conteúdo, como pela
ausência de sinceridade de propósitos na efetivação dos códigos de
conduta. Aliás, nossa história é rica na produção de normas “para inglês
ver”.

Postas tais considerações, percebe-se o quão amplo é o problema do


desabastecimento dos órgãos de saúde das diversas esferas federativas, de tal sorte que
não se trata apenas de mero planejamento estrutural das licitações e compras, mas sim de

665
uma mudança no conjunto de procedimentos hábeis a gerar mais eficiência para a
atividade administrativa, evitando, assim, o esfacelamento do orçamento estatal. E, o mais
importante, tudo em prol da concreção do direito fundamental de todo e qualquer cidadão,
o direito à saúde.

Referências

1. http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2017/08/mesmo-com-milhoes-gastos-falta-o-
basico-no-hospital-geral-de-alagoas.html. Acesso em 13/10/2017
2. http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/vida-
urbana/2015/04/27/interna_vidaurbana,573117/desabastecimento-de-medicamentos-
na-farmacia-de-pernambuco-penaliza-pacientes.shtml. Acesso em 13/10/2017
3. Acórdão 2240/2015-Primeira Câmara, TC 019.511/2011-6, relator Ministro Benjamin
Zymler, 28.4.2015.
4. https://g1.globo.com/al/alagoas/noticia/policia-federal-cumpre-mandados-de-busca-e-
apreensao-na-secretaria-da-saude-de-alagoas.ghtml. Acesso em 13/10/2017
5. RODRÍGUEZ GARAVITO, Cesar.; RODRÍGUEZ FRANCO, Diana. . Cortes y cambio
social. Cómo la Corte Constitucional transformo el desplazamiento forzado em
Colombia. Bogotá: Colección de Justicia, 2010. Disponível em: <
https://www.dejusticia.org/wp-content/uploads/2017/04/fi_name_recurso_185.pdf
6. ______. Sentencia de Tutela –T- 025.Bogotá. Relator: Ministro Manuel José Cepeda
Espinosa. Disponível em : < http://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2003/t-
1030-03.htm>. Acesso em: 25 jul.2017.
7. PARECER PGE/ASS N° 139/2015 (Diário Oficial de Alagoas de 15/12/2015).
8. SAMPAIO, José Adércio Leite. Teoria da Constituição e dos Direitos Fundamentais.
Belo Horizonte: Del Rey, 2013.
9. https://www.conjur.com.br/2015-ago-20/ricardo-breier-compliance-setor-publico-
desafio-pais. Acesso em 13/10/2017

666
Controvérsia acerca do mínimo constitucional em ações e serviços públicos
de saúde no exercício de 2016: Considerações jurídicas

Eduardo Monteiro de Barros Cordeiro1

RESUMO: O artigo tem como escopo analisar o valor mínimo constitucional de recursos
públicos a serem empregados em ações e serviços públicos de saúde no exercício 2016, o
qual sofreu alteração pela Emenda Constitucional nº 95, de 15 de dezembro de 2016 e
gerou enorme controvérsia na determinação de quais exercícios sofrerão a alteração
orçamentária. A saúde, como direito social de status constitucional, é tema que está em
constante debate e, dado seu caráter de prestação estatal universal, a aplicação do seu
regramento jurídico tem capacidade de influenciar diretamente milhões de cidadãos. O
aumento do percentual a ser aplicado no orçamento da saúde foi objeto de diferentes
interpretações, tanto por órgãos públicos, como pela sociedade civil. Uma interpretação
aduz que a emenda se destinou a alterar o percentual mínimo a ser aplicado a partir do
exercício de 2017, enquanto outra defende que a emenda alterou o percentual já para o
exercício de 2016, apesar de ter sido promulgada nos últimos 15 dias desse ano. A
diferença entre essas teses significa financeiramente em, aproximadamente, R$ 2 (dois)
bilhões de reais no orçamento da saúde. A questão é analisada pela hermenêutica
constitucional, sob o prisma da teoria da sociedade aberta de intérpretes da Constituição
(Peter Häberle) e pelos princípios orçamentários, da segurança jurídica e da separação
dos poderes. Muito além da pura e simples interpretação de texto normativo, essa
discussão toma contornos próprios, uma vez que tem como pano de fundo a oferta de
serviços públicos de saúde, área que ainda demanda grande evolução de gestão pública,
e, consequentemente, é alvo de constante controle social.
Palavras-chave: Direito Constitucional. Orçamento. Ações e Serviços Públicos de
Saúde. Hermenêutica.

Introdução

O presente estudo tem por finalidade examinar questões relacionadas à aplicação do


valor mínimo constitucional de recursos públicos em ações e serviços públicos de saúde
(ASPS), no que se refere ao percentual definido pela Emenda Constitucional (EC) nº 95,
de 15 de dezembro de 2016.
O direito à saúde foi positivado no art. 6º da Constituição como um direito social, o
art. 196 da CRFB estabelece ser dever do Estado adotar políticas sociais e econômicas
para promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como indica, em seu artigo 198,
inciso I, que as ações e serviços públicos de saúde seguem a diretriz do “atendimento

1 Advocacia-Geral da União. E-mail: eduardombcordeiro@hotmail.com

667
integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços
assistenciais”.
As disposições supracitadas demonstram que optou-se politicamente, na ocasião do
estabelecimento da ordem constitucional brasileira, em conferir importância central à
atuação do Estado para assegurar o direito à saúde. Como consequência lógica, o desafio
que exsurge-se imediatamente após essa opção é o de garantir os recursos públicos
necessários para a concretização dessa tarefa.
Nesse contexto, com o advento da EC nº 29, de 2000, os entes federados tiveram
sua participação no financiamento da saúde vinculada a um percentual mínimo específico.
Conforme estabelecido pelo art. 198, § 2º, inciso I, da Constituição (com a redação dada
pela referida emenda), no caso da União, a forma de cálculo seria definida nos termos de
Lei Complementar. À época, a regulamentação ficou a cargo do art. 5º da LC nº 141/2012,
que atrelou a participação da União ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB).
Já em 2015, foi publicada a EC nº 86, que alterou o art. 198 da Constituição e
estabeleceu, no caso da União, a aplicação de recursos em saúde em percentual não a
inferior a 15% da receita corrente líquida (RLC) do respectivo exercício financeiro. Não
obstante, a referida Emenda trouxe, em seu art. 2º, regra de transição estipulando que
percentual de 15% da RLC seria alcançado progressivamente, ao longo de cinco anos,
iniciando em 2016 com o valor de 13,2%.

Controvérsia acerca da interpretação da EC nº 95/2016

Em 15 de dezembro de 2016, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 95, que, em


seu art. 3º, revogou a regra de transição prevista no art. 2º, da EC nº 86/2015 – que
estipulava os percentuais aplicáveis aos exercícios de 2016 a 2020.
A fixação do mínimo em ASPS para os exercícios de 2017 e posteriores foi tratada
expressamente com a inclusão do art. 110, do ADCT. Não houve, contudo, previsão
expressa acerca regra aplicável ao exercício de 2016 no texto da EC nº 95/2016.
A partir dessas alterações, o texto constitucional foi alvo de duas interpretações
jurídicas. A primeira entende que a referida emenda se destinou a alterar o percentual
mínimo a ser aplicado em ASPS a partir do exercício de 2017. Outra interpretação é de
que a EC nº 95/2016 alterou esse percentual já para o exercício de 2016, apesar de ter
sido promulgada nos últimos 15 dias do ano.

668
O Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo (MPCSP) entendeu que o
percentual mínimo a ser aplicado em ASPS no ano de 2016 seria de 15%. Assim,
considerando que em 2016 a aplicação em ASPS da União apurada como proporção da
receita corrente líquida foi o equivalente a 14,70%2, o MPCSP elaborou representação ao
Ministério Público Federal em São Paulo, solicitando, entre outros pedidos, a apuração das
“irregularidades perpetradas pela União quanto ao dever de financiamento mínimo das
ações e serviços públicos de saúde”.
Por sua vez, o Ministério Público de Contas junto ao Tribunal de Contas da União
(MPCTCU) encampou a denúncia3 apresentada pelo MPCSP, no sentido de que o
percentual mínimo a ser aplicado em ASPS no ano de 2016 seria de 15%. Assim,
formalizou-se representação em razão de “indícios de déficit na aplicação do percentual
mínimo em ações e serviços públicos de saúde pela União no exercício financeiro de
2016”.
O Conselho Nacional de Saúde (CNS), com base no Parecer Conclusivo elaborado
por sua Comissão de Financiamento, reprovou4 o Relatório Anual de Gestão de 2016 do
Ministério da Saúde, fundamentando essa decisão, entre outros argumentos, no
desrespeito à aplicação do percentual mínimo em ações e serviços públicos de saúde.
Por outro lado, a Secretaria de Planejamento e Orçamento do Ministério da Saúde
entendeu que para o ano de 2016 a regra estabelecida pela EC nº 86, de 17 de março de
2015, é 13,2% da RCL .
Nesse mesmo diapasão, a Advocacia-Geral da União, por meio de seu órgão setorial
– Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Saúde – emitiu parecer jurídico5 opinando que
o mínimo constitucional a ser aplicado em ações e serviços públicos de saúde, para o
exercício financeiro de 2016, equivale a 13,2% da RLC6.
Por fim, o Tribunal de Contas da União, em despacho emitido no bojo da
representação formulada pelo MPCTCU3, entendeu que mínimo a ser aplicado em ações e
serviços públicos de saúde para o exercício financeiro de 2016 corresponde ao percentual
de 13,2% da RLC.

2 Dado constante na representação do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo ao Ministério Público
Federal em São Paulo, de 28 de abril de 2017.
3 Processo no TCU: TC 011.936/2017-7
4 ATA DA 295ª REUNIÃO ORDINÁRIA DO CNS: “(...) Deliberação: aprovada, com 28 votos favoráveis, um voto contrário
e cinco abstenções, a resolução do CNS que reprova o RAG 2016 do Ministério da Saúde.”
5 Nota Técnica nº 04/2017/SPO/SE/MS
6 PARECER n. 00440/2017/CONJUR-MS/CGU/AGU, subscrito pelo autor

669
Execução Orçamentária e o Princípio da Anualidade

A atuação estatal está intrinsecamente ligada a consecução de seus objetivos


fundamentais expressos no art. 3º da Constituição. Neste viés, a atividade financeira
consiste na materialização dessa atuação, tendo disciplina e tratamento próprio no
ordenamento jurídico.
Destarte, conforme redação do art. 34 da Lei nº 4.320/64, o exercício financeiro
coincide com o ano civil. Tal previsão é a positivação do Princípio da Anualidade, que
estipula a periodicidade de elaboração e avaliação de planos de governo, bem como o
estabelecimento de metas e prioridades. Portanto, todo o planejamento dos gestores e os
programas executados nas diversas áreas de atuação estatal consideram as estimativas
de receita e fixação de despesas no intervalo de um ano.
Vale destacar que o princípio da anualidade orçamentária tem status constitucional,
porquanto a própria Constituição, nos arts. 165 a 167, deixa evidente a aplicação desse
princípio quando traz regras no sentido de que o planejamento orçamentário deve ocorrer
ano a ano por meio da lei de diretrizes orçamentárias e, principalmente, da lei orçamentária
anual.
Por conseguinte, não é possível entender que a EC nº 95/2016 objetivou alterar
significativamente o percentual mínimo a ser aplicado em Ações e Serviços Públicos de
Saúde do exercício de 2016 nos últimos 15 (quinze) dias do próprio ano. Tal interpretação
vai de encontro a todo regramento orçamentário vigente no país, inclusive constitucional.
Não se descuida que a própria legislação prevê mecanismo para a realização de
"ajustes" na Lei Orçamentária Anual (LOA). Neste aspecto, os chamados créditos
adicionais são utilizados quando há necessidade de realização de despesa não autorizada
na LOA. Contudo, os créditos adicionais seguem o mesmo rito de apreciação e aprovação
da Lei Orçamentária Anual, conforme redação do art. 166 da Constituição.
Dessa forma, mostra-se inviável, no caso sub examine, o cumprimento de todo o rito
legislativo de propositura, apreciação e votação, para o dispêndio de, aproximadamente,
R$ 2 (dois) bilhões – valor que teria que ser gasto a mais com saúde caso prosperasse a
interpretação de que o mínimo constitucional em ASPS no exercício de 2016 devesse ser
15% –, com o exíguo prazo de 15 (quinze) dias.

670
Cumpre destacar que, na ocasião da promulgação da EC nº 86/2015, a Advocacia-
Geral da União já havia proferido entendimento semelhante no PARECER n.
00465/2015/PFF/CGJOE/CONJUR-MP/CGU/AGU.

Segurança jurídica e a Separação dos Poderes

Além de respeitar previsões orçamentárias específicas, a interpretação da EC nº


95/2016 também deve observar o postulado da segurança jurídica. Sobre o tema, assim
leciona Gilmar Ferreira Mendes7:
A ideia de segurança jurídica torna imperativa a adoção de cláusulas de transição nos
casos de mudança radical de um dado instituto ou estatuto jurídico.
Daí por que se considera, em muitos sistemas jurídicos, que, em casos de mudança
de regime jurídico, a não adoção de cláusulas de transição poderá configurar omissão
legislativa inconstitucional grave.
As alterações legislativas, portanto, devem observar os fatos já consolidados,
observando a estabilidade das relações jurídicas. In casu, a interpretação de que a EC nº
95/2016 estabeleceu o percentual de ASPS para o exercício de 2016 não é aceitável frente
ao postulado da segurança jurídica.
No ponto, é inócua qualquer discussão a respeito de que o Poder Executivo teria
ciência do processo legislativo que culminou com a aprovação da EC nº 95/2016. Com
efeito, a Administração deve se pautar pelo cumprimento das normas vigentes, não
cabendo ao gestor fazer prognósticos sobre deliberação futura afeta ao Poder Legislativo.
Dessa forma, vislumbra-se ainda afronta à separação dos poderes caso seja adotada
essa interpretação. Isto porque a edição de Emenda à Constituição, conforme disciplina do
art. 60, consiste em ato típico do Poder Legislativo, dispensando inclusive a sanção
presidencial. Logo, não pode o Poder Legislativo criar exigências inexequíveis ao Poder
Executivo, deixando-o à margem de todas as consequências e penalidades advindas
desse fato.

Interpretação Conforme à Constituição e Mens Legis

7 Mendes, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo : Saraiva, 2014.

671
Conforme relatado acima, a interpretação que pretende aplicar a regra de ASPS da
EC nº 95/2016 no próprio exercício de 2016 não é viável juridicamente. Contudo, este
entendimento não conduz, necessariamente, à ideia de que a EC nº 95/2016 padece de
vício de inconstitucionalidade. Doutro modo, cabe aplicação da interpretação conforme à
Constituição, como técnica de hermenêutica, a fim de se preservar a validade da referida

Emenda Constitucional. Assim leciona Gilmar Mendes sobre a


interpretação conforme à Constituição8:

No âmbito sobretudo da interpretação das leis – posto que também seja pertinente
para a compreensão de normas editadas pelo poder constituinte de revisão em face de
limitações estabelecidas pelo poder constituinte originário –, há ainda a considerar o
princípio da interpretação conforme a Constituição.
Não se deve pressupor que o legislador haja querido dispor em sentido contrário à
Constituição; ao contrário, as normas infraconstitucionais surgem com a presunção de
constitucionalidade. Daí que, se uma norma infraconstitucional, pelas peculiaridades da
sua textura semântica, admite mais de um significado, sendo um deles coerente com a
Constituição e os demais com ela incompatíveis, deve-se entender que aquele é o sentido
próprio da regra em exame – leitura também ordenada pelo princípio da economia
legislativa (ou da conservação das normas).
Segundo Mendes no trecho citado acima, esta técnica é cabível inclusive para
interpretações das Emendas Constitucionais face às normas originárias da Constituição.
Cabe ressaltar, ainda, que não é somente o Poder Judiciário que pode recorrer à
interpretação conforme à Constituição na aplicação das normas, de modo que a
Administração também pode se valer deste princípio hermenêutico. Conforme explica
Sarmento 9
Finalmente, cabe observar que a interpretação conforme à Constituição, como
princípio hermenêutico, não se direciona apenas ao Poder Judiciário. Todos os que
interpretam e aplicam as normas jurídicas, como a Administração Pública e mesmo os

8 Gilmar Mendes, op. cit.


9 Sarmento, Daniel; Souza Neto, Cláudio Pereira de. Direito constitucional: teoria, história e métodos de trabalho. 1. ed.
Belo Horizonte: Fórum, 2012

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particulares, devem fazê-lo de acordo com a Constituição, preferindo sempre as exegeses
legais que mais prestigiem os comandos constitucionais.
É forçoso reconhecer que a interpretação conforme à Constituição é plenamente
aplicável ao caso em análise. Logo, deve-se conferir o entendimento de que a EC nº
95/2016 se destinou a alterar o percentual mínimo a ser aplicado em ASPS a partir do
exercício de 2017, aplicando a exegese compatível com os comandos constitucionais.
Cumpre mencionar que este último entendimento também se coaduna com o sentido
da norma (mens legis). Percebe-se que a EC nº 95/2016 teve a preocupação de dispor
sobre às aplicações mínimas em ASPS nos exercícios financeiros futuros. Com efeito,
incluiu-se o art. 110 no ADCT com a previsão de que, no Novo Regime Fiscal, as
aplicações mínimas em ações e serviços públicos de saúde tem novo regramento a partir
do exercício de 2017.
Convém transcrever ainda trechos do parecer final do Relator, Deputado Darcísio
Perondi, na Comissão Especial relativa à PEC nº 241-A, de 201610:
Nesse sentido, adotar o ano de 2016 como base de cálculo para as aplicações
mínimas em ações e serviços públicos de saúde causaria imensa perda para o setor. Ao
alterar o ano base para 2017, como propomos, e ao se revogar o art. 2º da EC 86/2015,
teremos a incidência do percentual de 15% da receita corrente líquida do ano de 2017,
conforme dita o art. 198 da Constituição, e, a partir de então, a correção pelo IPCA.
Pela leitura dos trechos do parecer supratranscrito, fica evidenciada que a mens legis
nunca foi a aplicação do percentual de 15% como mínimo da saúde para o exercício de
2016, tendo em vista que a EC nº 95/2016 objetivava a instituição do novo regime fiscal
apenas a partir de 2017.

Conselho Nacional de Saúde e sociedade aberta do s intérpretes da


Constituição

O Conselho Nacional de Saúde, conforme disciplina o Decreto nº 5.839, de 11 de


julho de 2006, é composto por representantes de entidades e dos movimentos sociais de

10 Parecer disponível em:


<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=049A3708B2CEA6D2756B6F2F97AE671E.p
roposicoesWeb1?codteor=1496778&filename=Tramitacao-PEC+241/2016>. Acesso em 10/5/2017.

673
usuários do SUS e representantes de entidades de profissionais de saúde. Logo, é um
órgão deliberativo com cunho iminentemente político11 e não jurídico.
Compete ao CNS, entre outras atribuições, atuar na formulação de estratégias e no
controle da execução da Política Nacional de Saúde, na esfera do Governo Federal,
inclusive nos aspectos econômicos e financeiros. No desempenho dessa função, o
Conselho se deparou com os possíveis significados da EC nº 95/2016 e, de forma corajosa
e respeitável, interpretou a Constituição atribuindo-lhe o significado sob prisma não
exclusivamente jurídico, com a visão do setor da saúde.
Observa-se, assim, que a atuação do CNS no debate aqui tratado aproxima-se da
lição de Peter Häberle, que propugna uma sociedade de intérpretes da Constituição que
englobe o maior número forças produtivas de interpretação12. Para o autor, essa
proposição é denominada de sociedade aberta de intérpretes, em oposição à sociedade
fechada, que abarca somente os intérpretes clássicos, como os juízes e tribunais
constitucionais. Esse novo olhar pluralista sobre a hermenêutica constitucional contribui
para moldar seu caráter democrático.

Considerações finais

O Estado Democrático de Direito foi desenhado para trilhar vias seguras, de forma
que seu trajeto é incompatível com atalhos e surpresas. Entende-se, portanto, que não
merece guarida a argumentação de que a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº
95, em 15 de dezembro de 2016, alterou automaticamente o piso das ASPS para o mesmo
exercício. Essa interpretação não prestigia a lógica constitucional exposta anteriormente,
desconsiderando valores como a segurança jurídica, separação dos poderes, respeito às
normas orçamentárias, princípio da anualidade orçamentária, dentre outros.
Embora não nos alinhemos à posição adotada pelo Conselho Nacional de Saúde,
deve-se reconhecer que o debate sobre a interpretação do texto constitucional é salutar ao
processo democrático e dialético do direito. Nesse aspecto, evidencia-se a atuação do
CNS na análise das normas aplicáveis à área da saúde, sobretudo em relação às
disposições constitucionais. Materializa-se, desse modo, a ideia de sociedade aberta de
intérpretes, contribuindo para a democratização da Constituição.

11 Não nos referimos à conotação “político-partidária”, mas sim à análise e formulação de mérito das políticas públicas.
12 HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta de intérpretes da constituição: contribuição para a
interpretação pluralista e ‘procedimental’ da Constituição”. Sergio Antonio Fabris Editor: Porto Alegre, 2002.

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REFERÊNCIAS

1. Mendes, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 9. ed. São Paulo: Saraiva,
2014.
2. Sarmento, Daniel; Souza Neto, Cláudio Pereira de. Direito constitucional: teoria,
história e métodos de trabalho. 1. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012.
3. Häberle, Peter. Hermenêutica Constitucional: a sociedade aberta de intérpretes da
constituição: contribuição para a interpretação pluralista e ‘procedimental’ da
Constituição”. Sergio Antonio Fabris Editor: Porto Alegre, 2002.

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Quando o Estado burla a si mesmo: o caso da Lei de Responsabilidade Fiscal
brasileira
César Augusto Paro1

RESUMO: Este ensaio busca realizar uma reflexão crítica sobre o caso da Lei de
Responsabilidade Fiscal (LRF) brasileira e sua relação com o Sistema Único de Saúde
(SUS). Inicialmente, contextualiza-se a conjuntura econômico-política do cenário nacional e
internacional em que esta regulamentação surge. Por meio de pesquisa bibliográfica,
realiza-se análise da aplicação desta lei no Brasil, dando ênfase às suas influências no
sistema de saúde. Identifica-se que o Estado Brasileiro se encontra numa situação
paradoxal: garante constitucionalmente um sistema de saúde universal e integral, e, ao
mesmo tempo, possui uma legislação fiscal que não permite efetivar o direito à saúde tal
como garantido. Devido a isso, os gestores públicos que buscam efetivá-lo, são punidos
pelos órgãos fiscalizatórios. Diferentes setores da sociedade têm se mobilizado para a
superação deste entrave, mas, este é um processo complexo e lento, que ainda vai exigir
muitos esforços para que realmente se modifique.
Palavras-chave: Lei de Responsabilidade Fiscal; Gestão; Sistema Único de Saúde.

Contexto de Surgimento da LRF


O cenário político e econômico mundial vêm sofrendo mudanças, repercutindo nos
modos como os Estados vêm se relacionando entre si no plano internacional e de como o
Estado tem se relacionado com a própria sociedade.
A história do capitalismo está atravessada por longos períodos de crise,
reestruturação e reorganização. Estes momentos de mudanças com descontinuidade
encerram-se em reorganizações da economia capitalista mundial sobre bases novas e
mais amplas (1).
O primeiro e o segundo choque do petróleo que ocorreram, respectivamente, nos
anos de 1973 e 1979 representam um destes momentos de crise, em que houve o
aumento de preço do petróleo por seus países exportadores. Este aspecto, aliado ao
restabelecimento econômico dos países afetados pela Segunda Guerra Mundial, trouxe
impactos na economia mundial, o que promoveu a necessidade de redefinição do papel do
Estado, principalmente, no que tange o controle sobre os gastos públicos, mormente na
área social (2). A economia mundial vem sofrendo um processo acelerado de aumento em
suas despesas:

1 Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro – IESC/UFRJ. E-mail:
cesaraugustoparo@iesc.ufrj.br

676
Uma das características mais marcantes da economia do século XX é o
crescente aumento das despesas públicas. Tal situação é encontrada não
apenas nos países de economia coletivizada, onde o Estado, por definição,
é o grande agente econômico, mas também nas nações capitalistas
avançadas, defensoras da livre iniciativa e da economia de mercado (3).

Emerge deste contexto a necessidade de adoção de novos padrões gerenciais na


administração pública, que permita o controle dos gastos públicos e a demanda pela
melhor qualidade dos serviços públicos. Em diversos países, surgem experiências
relacionadas com “gastos responsáveis”, como o Budget Enforcement Act (1990) nos
Estados Unidos da América e o Fiscal Responsability Act (1994) na Nova Zelândia (2).
Na América Latina, também surgem modificações na condução dos processos
orçamentários visando à promoção do equilíbrio fiscal, o que ocorre por meio de
imposições, principalmente, do Fundo Monetário Internacional (FMI), pois esta entidade
incluía exigências relacionadas a boas práticas de gestão para concessão de novos
empréstimos aos países (4). No caso do Brasil,

a crise terminal do Estado nacional desenvolvimentista, com o fechamento


dos canais de financiamento externos em 1982, a aceleração do processo
inflacionário e o federalismo de cunho estadualista instauraram, no terreno
das contas públicas, um cenário de desgaste do executivo federal, com um
saldo de cinco planos de estabilização fracassados e endividamento
crescente (5).
Este cenário começou a mudar a partir de 1993 com as reformulações financeiras no
governo federal decorrentes fundamentalmente das ações do então Ministro da Fazenda
Fernando Henrique Cardoso. As alterações tinham como foco principal o ajuste fiscal das
contas públicas e acabaram por promover as reformas administrativas e previdenciárias no
final da mesma década, já quando Cardoso era Presidente da República. Dentre as
mudanças nas políticas econômicas brasileiras, está a aprovação da LRF, que “completa o
ciclo das principais mudanças institucionais nas finanças públicas durante a Era FHC” (6).
A Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000, mais conhecida por LRF,
estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal
e dá outras providências (7). Esta faz parte de um contexto que busca adotar formas e
ferramentas contemporâneas de gerenciamento de recursos, visando à melhoria do
desempenho do Estado, em particular no que se refere à prática da gestão fiscal. Dentre
os aspectos relevantes para a gestão, estão incluídos nos pressupostos desta norma: a
ação planejada e transparente, a prevenção de riscos, a correção dos desvios, a

677
manutenção do equilíbrio das contas públicas, o cumprimento de metas entre receitas e
despesas, a obediência a limites e procedimentos adequados e a observância das
condições definidas para a geração de despesas com pessoal e seguridade social (8).
Tendo como pilares o planejamento, a transparência, o controle e a responsabilização
no uso dos recursos públicos, busca conter o déficit público e o endividamento crescente
por meio da manutenção do equilíbrio fiscal permanente, mediante o cumprimento
intertemporal de metas de resultado fiscal nas três esferas governamentais. Para tanto,
são estabelecidas rígidas restrições legais em relação à renúncia de receitas, geração de
despesas com pessoal, seguridade social, dívidas consolidadas e mobiliárias, operações
de crédito, concessão de garantias e inscrição em restos a pagar (9).
Em relação ao estabelecimento de limites de despesas líquidas com pessoal e
redução de custo do endividamento público, a LRF instituiu, respectivamente, a avaliação
de desempenho dos gestores públicos pela razão entre despesas públicas com pessoal e
receita corrente líquida e entre dívidas consolidadas líquidas e receita corrente líquida (7).
Os gastos com despesas de pessoal são definidos, em seu Art. 8º, como o:

somatório dos gastos do ente da Federação com os ativos, os inativos e os


pensionistas, relativos a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos,
civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies
remuneratórias, tais como vencimentos e vantagens, fixas e variáveis,
subsídios, proventos da aposentadoria, reformas e pensões, inclusive
adicionais, gratificações, horas extras e vantagens pessoais de qualquer
natureza, bem como encargos sociais e contribuições recolhidas pelo ente
às entidades de previdência (7).

O §1º deste mesmo artigo esclarece que os valores dos contratos de terceirização de
mão-de-obra que se referirem à substituição de servidores e de empregados públicos
serão contabilizados como “outras despesas de pessoal” invés de “gastos com pessoal”.
A racionalidade econômico-gerencial que a reforma induzida pela LRF trouxe é
reconhecida por alguns autores (10) como grande responsável pelos importantes avanços
das finanças públicas no Brasil. No entanto, os setores sociais tecem fortes críticas às
consequências que normatizações como estas trouxeram para a garantia dos direitos
sociais, situando a LRF lado a lado de outros dispositivos que são reconhecidos como
“ataques” ao financiamento dos direitos sociais nos anos 90 e 2000:

Desde os vetos de Collor aos pontos sobre financiamento ao SUS, nas leis
nº 8.080 e nº 8.132; passando pela criação do que hoje se chama
Desvinculação das Receitas da União (DRU), pela criação do regime de

678
metas de inflação, pela perenização da LRF, pelas propostas de reforma
tributária que são, simplesmente, desoneração do capital, entre outros
pontos, o financiamento dos direitos sociais - incluindo a saúde - sofre a
violência da política de ajuste fiscal, isto é, do sacrifício dos direitos
democráticos em detrimento da remuneração da burguesia rentista,
nacional ou internacional, que vive da dívida pública brasileira (11).

A crise fiscal do Estado emerge neste contexto como um indício da incompatibilidade


natural entre a função do Estado de fortalecer o consenso social, de ter lealdade para com
o sistema das grandes organizações de massa e a função de apoio à acumulação
capitalista com o emprego anticonjuntural da despesa pública (12). Este impasse repercute
em crise no desenvolvimento das políticas sociais, como a política de saúde. Portanto,
visualiza-se que o arcabouço normativo introduzido com o advento da LRF trouxe
impeditivos para a consolidação do SUS. As influências que a LRF teve na garantia do
direito universal à saúde foram exploradas na seção a seguir.

A LRF e o SUS

O processo de trabalho em saúde tem grande inserção de mão de obra humana, ou


seja, é caracterizado pelo trabalho humano intensivo (13). O setor saúde se diferencia de
diversos outros, pois, mesmo com a incorporação de novas tecnologias, estas são
acompanhadas por adição no número de trabalhadores. Deste modo, os gastos com
trabalhadores da saúde são parte significativa do conjunto de despesas deste setor (14).
Segundo dados do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde
(SIOPS), as despesas de pessoal do setor saúde representam uma média de 70,8% das
despesas totais (15). Esta proporção está, segundo Campos (16), compatível com os
padrões internacionais de gasto neste referido aspecto. No caso dos estados, Nascimento
e Debus (17), com base nos dados da Secretaria do Tesouro Nacional, destacam que
estes entes gastaram entre 1996 e 2000 em média 67% das suas receitas disponíveis com
pagamento de pessoal.
Na Constituição Federal de 1988, adotou-se a descentralização como uma das
diretrizes de organização das ações e serviços públicos de saúde que compõem o SUS.
Esta proposta de descentralização político-administrativa teve como ênfase a
municipalização, fazendo com que os municípios fossem assumindo papel estratégico na
consolidação do SUS e se tornando também os principais empregadores quando
comparado com os outros entes federados (14).

679
Com a proposta do SUS de universalizar o acesso de ações de saúde para todos,
ampliou-se a rede própria de serviços de saúde, o que repercutiu na necessidade de
inserção de grande contingente de trabalhadores de saúde. No entanto, a limitação legal
imposta pela LRF trouxe impasses entre o máximo de gasto possível com despesa de
pessoal e a necessidade de incorporação de profissionais (13). Isto induziu principalmente
os entes federados municipais a realizarem contratações por meio de vínculos indiretos a
despeito da realização de concursos públicos para admissão de pessoal, havendo a
difusão de Organizações Sociais, Organizações Não-Governamentais, Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público e Cooperativas Gestoras, pois, deste modo, a
contabilização dos gastos se dá como “serviços de terceiro” e não “gastos de pessoal”
(18).
Essas parcerias com entidades do terceiro setor têm levado à precarização dos
vínculos de trabalho, dado que não geram garantias dos direitos dos trabalhadores. O
trabalho precário em saúde é identificado como um obstáculo para o desenvolvimento do
sistema público de saúde, pois compromete a relação dos trabalhadores com o sistema e
prejudica a qualidade e a continuidade dos serviços prestados pelo SUS (19).
A LRF, portanto, repercute em uma situação paradoxal para a gestão pública do SUS,
uma vez que, ao mesmo tempo em que o Estado responsabiliza os gestores do SUS pela
prestação de serviços de saúde integrais e universais, os impedem de contratarem pessoal
para a execução dessas políticas públicas (20). Neste sentido, o Estado burla a si mesmo
(21), complexificando a consolidação da proposta de um sistema de saúde público
universalizante.
Na pesquisa bibliográfica realizada nas bases de dados nacionais, identificamos uma
escassez de estudos que tratassem da temática dos impactos da LRF na implementação
de ações e serviços de saúde do SUS. A maioria dos estudos sobre LRF abordava a
temática sob uma perspectiva predominantemente macroeconômica, enfatizando o
endividamento ou o comportamento do emprego sem detalhamento para o setor saúde.
Alguns estudos que problematizavam a referida questão na saúde tinham caráter teórico-
conceitual, não apresentando dados empíricos. Nas fontes oficiais de informação, não há
uma padronização na divulgação dos dados das despesas com pessoal e do valor da
receita corrente líquida, o que dificulta a produção de informações pela sociedade civil e

680
academia. Os Tribunais de Conta, órgãos responsáveis pela fiscalização da LRF, seguem
lógicas distintas de divulgação de informações.
Diversos estudos econômicos demonstram a importância que a LRF teve para a
estabilidade fiscal dos entes federados. Giuberti (22) analisou o efeito sobre o gasto com
pessoal dos municípios brasileiros de 1993 a 2003, verificando que a LRF não afeta o
comportamento dos gestores públicos no que diz respeito ao gasto com pessoal na maioria
dos municípios (encontrou somente 1,4% de municípios acima do limite de 60% em 2003)
e que a LRF é relevante para controlar o gasto com pessoal com benefícios para os
municípios que apresentaram um gasto elevado com esse item do orçamento.
Rodrigues (23) analisou o comportamento do emprego formal em setores específicos
da economia brasileira, como a saúde, entre 1998 e 2009. Revelou que a LRF não teve
qualquer influência para a união na proporção de despesa com pessoal pela receita
corrente líquida, cujo valor máximo para o período analisado alcançou somente 31,9%
(valor bem inferior ao limite prudencial de 47,5%). Já estados e municípios esforçaram-se
para se enquadrar nos limites estabelecidos pela norma, sendo que em 2009 ainda havia
entes em situação emergencial.
Estudos regionais também revelam o comportamento da LRF nos municípios de
determinado estado. Em análise realizada com os municípios de Piauí, visualizou-se que o
índice de endividamento médio dos municípios recuou em aproximadamente 7,0%,
sugerindo o êxito desta legislação (24). Estudo sobre os municípios gaúchos demonstrou
que, no geral, a LRF foi determinante para promover melhores desempenhos na gestão
financeira destes municípios, dado pelo aumento da capacidade de pagamento das
dívidas, do equilíbrio do superávit primário e do aumento das receitas tributárias (25). Já
nos municípios de Alagoas, houve o cumprimento dos limites com despesa e pessoal logo
de imediato à promulgação da legislação fiscal, mas, a longo prazo, estes limites
estabelecidos são difíceis de serem atingidos, causando quase sempre situações de
desequilíbrios nas finanças públicas (26).
Em 2014, 333 (79,9%) dos 417 municípios baianos descumpriam a LRF em relação
aos limites de gasto com pessoal por conta de despesas com profissionais de saúde para
a execução de programas federais ou estaduais. Caso tais despesas obrigatórias fossem
desconsideradas para fins de apuração das despesas com pessoal, somente 27 (5,7%)
municípios continuariam violando os limites da lei (15).

681
As críticas à LRF também estão presentes nas instâncias de participação social no
SUS. Nas proposições presentes nos relatórios finais das Conferências Nacionais de
Saúde (CNS), esta é apresentada como um entrave para o desenvolvimento do SUS,
sendo registrada a insatisfação popular com esta lei. Desde a 11° CNS em 2000 (mesmo
ano de promulgação da LRF), já existia um receio sobre os impactos que ela acarretaria na
implementação do SUS, derivando-se, portanto, propostas de contraposição à instituição
desta. Em todas as conferências posteriores, críticas à LRF continuaram emergindo das
discussões, o que demonstra que a percepção inicial de que esta lei poderia ter impactos
negativos para a consolidação do sistema de saúde foi se ratificando (27).
Como toda Lei Complementar, o terreno para negociar a sua mudança é o Congresso
Nacional. Quase 300 Projetos de Lei Complementar (PLP) relacionados a esta lei já
tramitaram ou estão tramitando na Câmara dos Deputados. Em 2015, criou-se nesta
instância uma Comissão Especial para análise da PLP nº 251/2005 de despesa com
pessoal na área da saúde. Junto a este PLP, foram apensados outros 16 projetos criados a
partir de 2015 que também sugeriram alterações na LRF com relação às despesas com a
área da saúde (15).
Na análise dos PLP já submetidos sobre a LRF, observa-se que, apesar de todos
abordarem políticas de saúde, alguns ampliam a alteração da LRF no que tange também
políticas de educação e assistência social, e, até mesmo, todos os programas promovidos
pela união. Houve também propostas mais restritas, que se focalizavam em algum serviço
específico da saúde, como o caso do Programa de Saúde da Família.
As proposições em sua maioria reforçam a importância do setor saúde ter um
tratamento diferenciado na regulação fiscal, apontando como mais adequada a criação de
um sistema próprio para o controle dos gastos com pessoal da área de saúde, que seria
contabilizado em separado com os servidores das demais áreas. A maioria dos projetos
que propuseram alteração na porcentagem de despesas com pessoal em relação a receita
corrente líquida para a área da saúde indicou o percentual máximo de 75%.
Para a análise destes referidos PLP, a Comissão Especial realizou duas audiências
públicas e dois seminários neste ano de 2015, envolvendo além de deputados,
representantes da Confederação Nacional dos Municípios, do Ministério Público de
Contas, do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, do Conselho Nacional de Saúde,
do Ministério da Saúde, do Ministério da Educação, entre outros (7).

682
A referida comissão reconhece que a LRF tem grande importância no cenário
nacional, pois permitiu um maior controle dos gastos públicos e a geração de uma cultura
de responsabilidade na gestão fiscal da administração público. No entanto, entende que o
dispositivo da LRF tem sido inadequado perante a realidade enfrentada por muitos
municípios brasileiros, que tem repercutido na rejeição de suas contas pelas instâncias
fiscalizadoras. Portanto, esta aprova o PLP nº 251/2005 na forma de substitutivo com nova
fórmula de cálculo dos limites de despesa com pessoal nos municípios:
§ 3º Para efeito exclusivo da verificação do limite (...), poderá
ser deduzido do cálculo o montante da despesa com pessoal
que exceder a aplicação do percentual fixado no referido
dispositivo sobre as receitas vinculadas e transferidas pela
União no âmbito das funções Saúde, Educação e Assistência
Social, desde que observadas as seguintes condições: I – as
despesas sejam destinadas ao pagamento de pessoal ativo e
vinculadas aos respectivos programas; II – for comprovado, na
última apuração anual, que o Município cumpre os requisitos
constitucionais e legais relativos à aplicação mínima de
recursos no âmbito da saúde, da educação e da assistência
social; III – o Município adota todas as medidas necessárias à
arrecadação das receitas e à cobrança da dívida ativa (7).

Observa-se que esta proposta não busca estabelecer um valor máximo de despesas
com pessoal, mas sim permitir que o teto que até então vinha sendo adotado de forma
rígida na fiscalização da LRF seja flexibilizado quando os gastos com pessoal em saúde,
educação e/ou assistência social relacionados às transferências da união ultrapassarem os
valores máximos. A ausência de um valor em específico parece ter sido uma solução
prudente, dado que, além de não haverem consensos nem mesmo dentro dos PLP
analisados sobre qual seria este valor, isto flexibiliza a possibilidade de gasto com este tipo
de despesa para a o que for necessário, sem ter que ficar preso a um limite
predeterminado.
É importante ressaltar que esta nova proposta continua valorizando uma cultura
política de responsabilidade fiscal, dado que mantém a maioria do restante do texto da lei
original e condiciona a possibilidade desta flexibilização à adesão aos programas federais,
à aplicação mínima dos recursos para cada uma das três áreas e à adoção das medidas
necessárias para a arrecadação das receitas e cobrança da dívida ativa.
Ademais, também é pautada neste substitutivo a obrigatoriedade de que todos os
entes federados incluam seus dados contábeis e fiscais nos sistemas de informação da

683
união. Isto certamente será um ganho, pois permitirá um maior acesso a situação fiscal de
todos os entes federados, promovendo possibilidades de melhorias para a condução
político-econômica estadual e nacional, assim como o controle social e a realização de
estudos acadêmicos.
Atualmente, o trabalho da comissão especial encontra-se encerrado e o referido
substitutivo deverá ser aprovado em plenária da Câmara dos Deputados, para
posteriormente ser encaminhado para aprovação pelo Senado Federal e, por fim, à sanção
do Presidente da República. Apesar de estar em regime de urência, a matéria ainda não foi
apreciada em face do encerramento da sessão por mais de 70 vezes, delongando esta
importante decisão para a gestão do sistema público de saúde.

Considerações finais

Este ensaio propiciou a reflexão sobre o caso da LRF brasileira e sua relação com o
SUS. Trata-se de uma temática polêmica, sobre a qual emerge uma diversidade de
discursos que são sustentados por racionalidades distintas. Por um lado, há uma ênfase
em aspectos econômicos, que remontam a necessidade de um controle de gastos e do
desenvolvimento de uma cultura de responsabilidade na gestão fiscal da administração
pública, enquanto que, por outra vertente, se dá ênfase na necessidade de avanço nas
políticas sociais, como na consolidação do SUS.
Identifica-se que o Estado brasileiro se encontra numa situação paradoxal: garante
constitucionalmente um sistema de saúde universal e integral, e, ao mesmo tempo, possui
uma legislação fiscal que não permite efetivar o direito à saúde tal como garantido. Devido
a isso, os gestores públicos que buscam efetivá-lo, são punidos pelos órgãos
fiscalizatórios. Diferentes setores da sociedade têm se mobilizado para a superação deste
entrave, mas, conforme foi demonstrado neste trabalho, este é um processo complexo e
lento, que ainda vai exigir muitos esforços para que realmente se modifique.

Referências

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684
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Fundação Perseu Abramo; 2014.
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Brasília: ESAF; 2005.
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conjuntura de crise. Dissertação (Mestrado). ENSP: Rio de Janeiro; 2011.

685
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25. Santos SRT, Alves TW. O impacto da LRF no desempenho financeiro e na execução
orçamentária dos municípios no Rio Grande do Sul de 1997 a 2004. Rev. Adm.
Pública. 2011;45(1):181-208.
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municípios alagoanos no período 2000-10. Rev. Adm. Pública. 2015;49(3):739-759.
27. Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde. 11ª Conferência Nacional de
Saúde: relatório final. Brasília: Ministério da Saúde; 2001.

686
O papel do ministério público no dever do estado de fornecimento de
biotecnologias para pessoas com deficiência

Charles de Sousa Trigueiro1


Annestella de Lima Pinto2
Adriana de Abreu Mascarenhas3

RESUMO: Analisamos a jurisprudência dos tribunais brasileiros sobre o acesso ao direito


a saúde para pessoas com deficiência. Para tanto, efetuamos a análise sobre as
possibilidades do Ministério Público defender o fornecimento pelo estado das
biotecnologias. Contudo, concluímos o Sistema Único de Saúde brasileiro fornece apenas
o implante coclear unilateral para pessoas com surdez.
Palavras chaves: Saúde. Biotecnologias. Pessoas com deficiência.

Introdução

Efetivamente aberto a todos os cidadãos o acesso à saúde é igual e especial para


algumas situações vulneráveis, como as pessoas com deficiência, que para atingirem a
igualdade plena, necessitam de proteção especial.
A universalização da saúde é um direito assegurado pela Constituição Federal
brasileira de proteção social aos trabalhadores e seus dependentes em caso de
superveniente incapacidade. Desta forma, as pessoas com deficiência não devem ficar de
fora da proteção estatal, mesmo aquelas que não entraram no mercado de trabalho, nesse
caso considera-se as circunstancias que essas pessoas não deram causas.
Atualmente o Sistema Único de Saúde vem distribuindo poucas biotecnologias e
realizando pouquíssimas cirurgias de implante coclear, as poucas cirurgias que são feitas é
em apenas um dos ouvidos.
Desta forma, o dever o estado de fornecer biotecnologias e a cirurgia do implante
coclear, possibilita-se que milhares de pessoas com deficiência física e auditiva que
estavam marginalizadas sejam inseridas no mercado produtivo.
Trata-se de tema complexo e urgente que reclama atenção e políticas afirmativas
específicas, porquanto o tempo atual requer a imediata correção de injustiças sociais,
especialmente no caso em exame, porquanto traz, direta ou indiretamente, implicações

1 Universidade de Coimbra. E-mail: Charles.ufpb@hotmail.com


2 Centro Universitário de João Pessoa. E-mail: annestellapinto@hotmail.com
3 Universidade Federal da Paraíba. E-mail: adrianaufpb@yahoo.com.br

687
continuativas e impeditivas do desenvolvimento pleno das pessoas, e da sociedade como
um todo, consubstanciado em hipótese de inconstitucionalidade a ser debelada à luz de
uma hermenêutica constitucional atenta aos direitos humanos de pessoas que possuam
algum tipo de deficiência física ou surdez.
Para realização da presente investigação foi necessário aplicar o método dogmático,
como a hermenêutica dos textos normativos recomenda, mas também o aporte à doutrina
e à transversalidade foram necessários, desde que se trata de tema interdisciplinar de
elevado teor político e sociológico, tudo alinhavado por uma tradição de pensamento
racionalista igualitária.
Por fim, a investigação em mãos representa um convite ao leitor interessado em
saber mais sobre as reais possibilidades que o Estado brasileiro oferece as pessoas com
deficiência física e surdez em matéria de acesso a emprego, dignidade humana e justiça
social.

Metodologia

O objetivo geral do presente artigo é analisar a possibilidade de fornecimentos de


biotecnologias para pessoas com deficiência, pelos ser. Como objetivos específicos,
busca-se: problematizar a questão no debate sobre possibilidade de evitar esses tipos de
discriminações possíveis.
Nesse contexto, este artigo tem como objeto de estudo a análise da normativa
nacional, internacional e da jurisprudência produzida nos tribunais, como direito
comparado, sobre a possibilidades de realização de exames genéticos como requisito
prévio a qualquer atividade laboral, com impossibilidade de discriminação. Para a
realização da presente investigação foi necessário aplicar o método dogmático, como a
hermenêutica que os textos normativos recomendam, mas, também, o aporte à doutrina e
à transversalidade foi necessário, desde que se trata de tema interdisciplinar de elevado
teor político e sociológico, tudo alinhado por uma tradição de pensamento racionalista do
direito a saúde e fundamentada na hermenêutica internacional dos direitos humanos da
Organização Mundial de Saúde, e princípios do direitos bioético.

Resultados

688
A teoria da reserva do possível não pode ser aplicada quando a vida e a saúde
estiverem em risco, porque a dignidade da pessoa humana deve prevalecer. Assim, já
decidiu o Superior Tribunal de Justiça usando entendimento do Supremo Tribunal Federal.
(STJ. Recurso Especial n. 784.241/T2. RS. Relatora: Min. Eliana Calmon. Julgamento: 8-4-
2008).
Em outro caso o estado usa a teoria da reserva do possível para não fornecer
cadeiras de rodas motorizadas para criança tetraplégica. (TJES. Processo: AI
24100915131 ES 24100915131. Relator: Ronaldo Gonçalves de Sousa. Julgamento: 22-3-
2011. Órgão Julgador: Terceira Câmara Cível. Publicação: 31-3-2011).
Em Ação Civil Pública promovida pelo Ministério Público contras as fazendas públicas
do estado e município de São Paulo, o judiciário assegurou o direito a saúde para pessoa
hipossuficiente e deficiente física e mental. (TJSP. Processo: APL 51264320088260360 SP
0005126-43.2008.8.26.0360 Relator: Peiretti de Godoy. Julgamento: 19-10-2011. Órgão
Julgador: 13ª Câmara de Direito Público. Publicação: 20-10-2011).
O Supremo Tribunal Federal tem decidido que os planos e a legislação do direito a
saúde das pessoas com deficiências estão em vigor, mas carece de efetividade. Assim,
não pode o poder público deixar de cumprir dizendo que as normas são meramente
programáticas, que não tem planos ou programas de atuação do governo. (Precedentes:
RMS 17449/MG DJ 13.2.2006; RMS 17425/MG, DJ 22.11.2004; RMS 13452/ MG. DJ 7-10-
2002).
A Defensoria Pública da União (DPU) ajuizou Ação Civil Pública de nº 0007197-
51.2011.4.02.5101 (2011.51.01.007197-7), em face da União Federal, do Estado do e do
Município do Rio de Janeiro, alegando que Sistema Único de Saúde fornece apenas
implante coclear unilateral e não fornece a manutenção dos mesmos. O pedido é para que
sejam fornecidos implante bilateral e manutenção. Com requerimento de tutela antecipada,
para que os entes federados forneçam para adultos e crianças: a) implantes bilaterais; b)
sistema FM; c) manutenção (compra de acessórios, concertos, trocas, atualizações); d)
reposição em caso de perda; e) terapia fonoaudiológica.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro deferiu em parte a tutela antecipada, para
que os entes federados forneçam no prazo de 10 meses, e que o Sistema Único de Saúde
passe a se responsabilizar pela realização de implantes bilaterais, com uma porcentagem
de 30 para cada 100 implantes realizados.

689
O Tribunal de Justiça de Pernambuco, em Agravo de Instrumento o relator Antonio
Fernando de Araújo Martins obrigou plano de saúde a fornecer implante coclear a uma
criança segurada. (APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. SEGURO SAÚDE. IMPLANTE
COCLEAR EM MENOR IMPÚBERE. COBERTURA DEVIDA. Agravo de Instrumento nº
245818220108170001 PE 0009818-79.2010.8.17.0000, Órgão Julgador: 6ª Câmara Civil,
julgamento: 09/11/2010).

Discussão

Inicialmente o direito a saúde foi consagrado no artigo XXV, da Declaração Universal


dos Direitos Humanos de 1948. Esse direito foi evoluindo, para em 1966 o Pacto
Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais inovar ao trazer mecanismos
que os estados devem implementar para garantir os direitos a saúde, como ações
preventivas e curativas.
Essa forma de constitucionalismo global do direito à saúde é signatário pela
Constituição da Organização Mundial de Saúde (OMS/WHO/1946), a qual consagra o
modelo social, eliminando o binômio saúde-doença, assegurando um princípio básico da
felicidade e harmonia humana. (WHO - Elaborado na cidade de Nova Iorque, em 22 de
julho de 1946.)
A Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (aprovada
no Brasil com status de emenda constitucional) dentre vários direitos que assegura,
destaca-se a saúde, assegurando que a falta de mecanismos de apoio é que promove a
situação de desvantagem. O artigo 25 desta Convenção destaca a reabilitação como forma
de consolidar o direito a saúde das pessoas com deficiência. Estabelecendo os serviços de
saúde fundamentais para que as pessoas com deficiência tratem os problemas
ocasionados por causa das deficiências. Vedando, a discriminação no tocante a
contratação de seguros que devem ter clausulas e valores justos.
No Brasil, o direito a saúde passou a ser constitucionalmente assegurado, em 1988,
genericamente no sexto artigo e com mais detalhes nos artigos 196 a 200. Cabe ressaltar,
que se a Constituição diz que a saúde é direito de todos, ela consagra o direito a saúde
das pessoas com deficiência, e possíveis usos de biotecnologias. A Constituição também
destacou o papel do Sistema Único de Saúde Lei n.º 8.142/90, e Lei Orgânica da Saúde de
n.º 8.080/90.

690
O direito à saúde é umas das dimensões do mínimo existencial à dignidade da
pessoa humana (1).
Os direitos fundamentais são bidimensionais, por conta de duas grandezas, uma
jurídico-positiva e outra jurídico-subjetiva, as dimensões positivas tem por partida a
continuação saudável e cumprimento dos direitos fundamentais, já as dimensões negativas
tem como objetivo proteger e rodear a ordem jurídica do indivíduo. È justamente baseado
nesse estudo, que os autores neste artigo procurarão demonstrar a legitimidade do
Ministério Público para a defesa do direito fundamental das pessoas com deficiências, em
adquirir através do estado as biotecnologias (2).
O modelo da ICIDH concluiu que as pessoas com deficiência portam uma certa
desvantagem na vida social, e esse desvantagem advém das barreiras impostas pela vida
em sociedade. Partindo desse raciocínio, as pessoas com deficiência tem que superar
essas desvantagens, através ora da cura ou ora da reabilitação dependendo do caso (3).
O Brasil inseriu no ano de 2011, um Plano Nacional dos Direitos da Pessoa com
Deficiência para assegurar o direito à saúde das pessoas com deficiência garantido pela
convenção, o “Plano Viver sem Limite”, esse plano tem como objetivo, a promoção,
utilizando políticas, programas e ações. Coordenado pela Secretaria de Direito Humanos
(Decreto n.º 7.612/2011)
Pela dimensão jurídico-positiva, o direito a saúde a integridade física é um princípio
constitucional especial, estimulador de vários outros princípios, como a dignidade da
pessoa humana, cidadania e eficiência (4).
O judiciário tem que garantir que essas metas e ações do plano não sejam
descumpridas pelo estado, alegando o principio da reserva do possível, teoria essa surgida
quando o Tribunal Constitucional Alemão que já decidiu que algumas contraprestações
estatais ficam condicionadas ao principio da razoabilidade (5).
Obstruir o direito a saúde significar contrariar a própria Constituição, autorizando o
Ministério Público a promover uma ação, na qualidade de guardião do patrimônio público
em sentido amplo O Ministério público pode e deve defender o patrimônio moral do Estado,
tendo, uma imagem a guardar para o povo (6).
O art. 129, II, da Constituição Federal de 1988, diz que uma das principais funções do
Ministério Público, juntamente com outros atos infraconstitucionais, a exemplo da LC
75/93, art. 6º, VII, b; Lei n. 8.625/93, art. 25, IV, b, Lei n. 8.247/92, art, 17, é a proteção ao

691
patrimônio público e social. Neste contexto, garantir o acesso a saúde tem legitimidade,
juntamente com defesa da ordem jurídica e o regime democrático.
Dentro da dimensão jurídico subjetiva dos direitos fundamentais a saúde e
integridade física, pode-se entrever os interesses defendidos coletivamente pelo Ministério
Público (7).
O direito difuso é quando existe uma ligação em que se unem pessoas
indetermináveis. No caso do acesso a saúde das pessoas com deficiência, a ligação fática
é determinada pela circunstância de interligar um grupo de pessoas juridicamente aptas a
fazerem uso das biotecnologias. Todos têm interesse na correta aplicação do Direito (8).
Como afirma Leonel:

Deste modo, os coletivos se distinguem dos difusos, ambos indivisíveis,


pela sua origem, na medida em que nestes o vinculo relaciona-se a dados
acidentais ou factuais, enquanto naqueles a ligação dos integrantes do
grupo, categoria ou classe decorre de uma relação jurídica (9).

Outro instrumento que o Ministério Público pode usar, em favor das biotecnologias
para pessoas com deficiência, é o enforcement, o qual pode ser conceituado como os
mecanismos que estimulem e imponham o respeito às leis. São muitos os meios usados
na aplicação da lei:

A ideia de enforcement está intimamente relacionada a ideia de


planejamento, de estabelecimento de políticas de aplicação das leis em
geral, ou, mais frequentemente, de determinadas leis, consideradas mais
importantes num determinado momento (10).

O enforcement seria um ótimo instrumento para o Parquet atuar nas questões


referentes ao princípio do direito a saúde. Na própria Constituição, deve o membro do
Ministério Público zelar pela aplicação do princípio da obrigatoriedade do sistema único de
saúde fornecer biotecnologias. Mas, infelizmente, existem inúmeras formas de se
descumprir esse princípio (11).
Geilson Salomão Leite destaca que “a adoção de providencias visando à
concretização desses direitos “a saúde” deve ser intensificada e consolidada pelo Poder
Executivo e pelo Poder Judiciário, além de ampliada pelo Poder Legislativo”. ( A) Projeto
de Lei n. 312/2011, que permite a dedução das despesas com aparelho de audição na
apuração da base de cálculo do IRPF; B) Projeto de Lei n. 6.097/2005, que estabelece

692
isenção de IPI para os equipamentos e aparelhos, inclusive eletrônicos, destinados a
pessoas portadoras de deficiências física, auditiva, visual e mental) (12).
Portanto, o Ministério Público é legitimado para a defesa do direito das pessoas com
deficiência em brigarem pelo fornecimento de biotecnologias, tanto na dimensão jurídico-
objetiva, como protetor do ordenamento jurídico, bem como na dimensão jurídico-subjetiva,
como defensor dos direitos coletivos em sentido amplo.

Conclusão

Para analisar uma deficiência ou incapacidade laboral não se deve levar em


consideração apenas os conceitos médicos, mas também, as barreiras impostas pela
sociedade e pelo mercado que limitam o acesso dessas pessoas.
As políticas públicas assistenciais para as pessoas com deficiência que tentam se
candidatar a um cargo laboral desenvolveram três caminhos, todos lamentáveis e indignos
de nossa sociedade: a) se conformar com um beneficio de exclusão que dependa do meio
social, tornando a pessoa com deficiência como dependente e inútil. b) o trabalho informal,
demonstrando a inaplicabilidade da lei e a discriminação capitalista. c) renuncia ao
beneficio, perante contrato de trabalho injusto.
Interpretando o artigo 89 da Lei nº 8.213/91, conclui-se que a reabilitação profissional
compreende: a) fornecimento de aparelho de prótese, órtese e equipamento de auxilio de
locomoção, quando possível de atenuação para essas deficiências. b) reparação ou
substituição desses instrumentos desgastados.
As diversas formas de trabalho no Brasil, propicia o trabalhador a ter uma perda
auditiva induzida por ruído, por conta não só da pressão do ambiente laboral, mas também
da pressão sonora existente no ambiente das grandes cidades.
O Estado como garantidor do direito a saúde deve assegurar o uso das tecnologias
para suprimir as desvantagens das pessoas com deficiência.
Embora a atuação judicial tenha integrado as insuficiências legislativas, urge a
necessidade de o Sistema Único de Saúde promover critérios objetivos e igualitários para
oportunizar todas as pessoas com surdez de se inserirem no mercado, indivíduos já tão
discriminados socialmente e, nestas circunstâncias, gravadas por um ambiente econômico
que impede o acesso à dignidade que o emprego lhes propiciaria.

693
Fato é que o Estado invés de promover a participação das pessoas com surdez tem
obstruído o acesso ao trabalho dessas pessoas portadoras de necessidades especiais.
Essas deficiências sensoriais (audição) são muito significativas para a percepção de
mundo e desenvolvimento intelectual dos seres humanos, uma vez que acarreta segundo
a medicina legal a perda da metade dos sentidos mais importante da espécie humana,
essa alteração gerou uma desigualdade com discriminação distorcida da qual prejudicou
ainda mais os portadores dessas patologias, pois essas pessoas continuam sendo
discriminadas no mercado de trabalho da ampla concorrência, seja em concursos públicos
que exijam aptidão plena do candidato, ou seja em empresas privadas.
Se a CF tem como fundamentos os valores sociais do trabalho e tem como um dos
objetivos a serem alcançados, a diminuição de todas as formas de desigualdade, não tem
sentido dentro do universo dos deficientes auditivos fazer discriminação ou dar
preferências aos deficientes entre si. Como nos ensina o pensamento imortal de
Aristóteles: ‘tratar os iguais igualmente e os desiguais, desigualmente, na medida de sua
desigualdade’.
A aplicação do princípio da igualdade ou isonomia, tendo em vista que por este
princípio a atuação do Estado deve estar em harmonia com o direito compreendendo este
as suas regras e princípios, terá grande função na democratização da legalidade estrita,
pois quando se estudar o objetivo teleológico dos princípios da dignidade da pessoa
humana, proporcionalidade, razoabilidade, eficiência, finalidade, se verificará que a
legalidade estrita acaba prejudicando as garantias do cidadão, e que se aplicar a igualdade
e isonomia para melhor utilização desses institutos, princípios e teorias, no sentido de
salvaguardar direitos dos cidadãos quando aplicado a seara proteção do estado ao
deficiente no mercado de trabalho público-privado, permitindo assim assegurar as
garantias do cidadão perante o poder afirmativo estatal, embasado em um Poder público-
privado Eficiente, um poder público-privado participativo e integrador.
No que concerne à aplicação dos princípios mencionados na formulação do problema
desse projeto à luz do princípio da igualdade ou isonomia como elemento democrático da
legalidade administrativa sintetizando a finalidade de cada um desses princípios verificar-
se-á a importância da utilização do princípio da dignidade da pessoa humana para
democratizar a legalidade administrativa quando aplicada ao caso concreto, pois somente

694
democratizando a legalidade administrativa se terá à efetiva utilização dos princípios gerais
do direito administrativo pelos aplicadores do direito.
Enfim, a Administração Pública, estaria sendo mais proporcional, razoável, sem
desrespeitar a dignidade da pessoa humana, procurando diminuir todas as formas de
desigualdade, as desigualdades existentes entre os deficientes e os não deficientes e entre
os deficientes entre si, seriam melhor trabalhadas proporcionalmente na medida das suas
desigualdades.

Referências

- 1 LEAL, Rogério Gesta. A quem compete o dever de saúde no direito brasileiro?


Esgotamento de um modelo institucional. p. 3. Disponível em:
<www.tjrs.jus.br/export/poder_judiciario/.../DireitoSaude.doc>.
- 2 CANOTILHO, J.J.G. Estudos sobre direitos fundamentais. 2. ed. Coimbra: Coimbra,
2008.
- 3 FERRAZ, Carolina Valença...[et al.]. Manual dos direitos da pessoa com deficiência.
São Paulo: Saraiva, 2012.
- 4 GUGEL, M. A. A. Discriminação positiva. Revista do Ministério Público do Trabalho. ano
X, n. 19 Brasília: LTR Editora, mar. 2000.
- 5 BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à judicialização excessiva: direito à
saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial.
Disponível em: <http://Irbarroso.com.br/pt/noticias/medicamentos.pdf>
- 6 GUGEL, op. cit., p. 124.
- 7 GUGEL, idem, p. 124
- 8 VIGLIAR.J. M. M. Ação civil pública,.5 e.d. São Paulo: Atlas. 2001
- 9 LEONEL, R. D. B. Manual do processo coletivo,.1 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002.
- 10 FERRAZ, A. A. M. D. C. Coord. Ministério Público: instituição e processo. São Paulo:
Atlas, 1999.
- 11 GUGEL, op. cit., p. 123.
- 12 FERRAZ, op. cit., p. 446.

695
Reflexos administrativos do processo de judicialização da saúde no município
de Palmas-TO

Ingridy Diaquelem Ramos Sousa1


Aline Sueli de Salles Santos2

RESUMO: A saúde como um direito social fundamental, está descrita no texto


constitucional como direito de todos e dever do Estado. Nesta senda, o Sistema Único de
Saúde é fruto de muitos embates envolvendo diversos setores da sociedade com o
propósito de se garantir a efetivação da saúde pública no Brasil. A partir da década de
1990 observou-se uma atuação significativa do Poder Judiciário no campo da saúde
resultando em um número crescente de demandas, configurando-se na chamada
judicialização da saúde. Nesse contexto, evidencia-se que os entes municipais são
fortemente impactados devido ao orçamento enxuto e grande responsabilidade na
execução de políticas públicas sociais. Contudo, são limitados os estudos voltados para
avaliação dos reflexos da judicialização da saúde no âmbito municipal, e, nesse sentido,
optou-se por analisar a forma que a gestão pública do município de Palmas-TO tem se
posicionado frente a judicialização da saúde a partir da avaliação das repercussões na
organização administrativa e dos mecanismos elaborados para o enfrentamento. Assim
realizou-se uma pesquisa baseada no método dedutivo, bibliográfica, documental,
exploratória e quanti-qualitativa que acabou por demonstrar que a estratégias tais como o
Núcleo de Estudos Jurídicos em Saúde e Núcleo de Apoio Técnico municipal, têm se
consolidado como ferramentas importantes para o enfrentamento racional do processo de
judicialização no âmbito municipal.
Palavras-chave: Direito à Saúde. Judicialização. Reflexos administrativos da
judicialização.

Introdução

O acesso ao Judiciário em busca de efetivação do direito à saúde apresenta uma


demanda crescente. O que se convencionou chamar de judicialização da saúde provoca
preocupações que não são exclusivas das instituições judiciais como também de todas as
instituições e entes federativos envolvidos direta ou indiretamente com a temática em tela.
Nesse contexto, observa-se que, se por um lado muito tem sido escrito sobre
judicialização enquanto mecanismo de viabilização do direito fundamental à saúde,
condição importante para efetivação do Estado Democrático de Direito, esse fenômeno
não tem a mesma repercussão nos estudos sob o prisma da gestão pública municipal, em
especial, não existindo clareza sobre os percalços que os municípios enfrentam para

1 Fundação Escola Saúde Pública de Palmas-TO. E-mail: diaquelem@gmail.com


2 Universidade Federal do Tocantins

696
garantir a prestação da tutela jurisdicional conquistada, o que na maioria das vezes
fragiliza a assistência integral à população em geral.
Nesse sentido, é importante analisar as repercussões da judicialização da saúde na
organização administrativa da Secretaria Municipal de Saúde de Palmas-TO identificando
os mecanismos que a gestão pública municipal tem elaborado para enfrentamento mais
racional dos entraves que surgem no decorrer do processo.

Metodologia

Com o objetivo de se atingir os objetivos propostos, optou-se por uma pesquisa


baseada no método dedutivo, bibliográfica, documental, exploratória e quanti-qualitativa.
Nesse sentido, foram explorados documentos diversos tais como a Constituição, leis,
recomendações, resoluções, portarias, doutrinas, dissertações, artigos científicos,
relatórios de gestão, Plano Municipal de Saúde, Plano Estadual de Saúde, dentre outros.

Resultados e discussão

Inúmeros são os autores que procuraram retratar o tema a respeito do crescente


número de demandas judiciais envolvendo o setor de saúde no Brasil, muito foi escrito a
respeito desse panorama, porém, poucos são os trabalhos que buscaram a descrição
desse fenômeno sob o prisma dos municípios que por possuírem em geral uma menor
parcela do orçamento acabam por arcar com maiores despesas por serem mais
requisitados no polo passivo das demandas judiciais.
Os reflexos da judicialização são analisados sob o viés do impacto orçamentário e do
problema de saúde pública, com relação ao primeiro impacto, destaca-se o peso de ações
judiciais, a exemplo das solicitações de medicamentos que são as demandas mais comuns
sobre os orçamentos municipais. A consequência desse primeiro impacto leva ao segundo,
pois, a execução das políticas públicas é diretamente afetada. Tais conclusões baseiam-
se em uma pesquisa realizada com todas as secretarias de saúde dos municípios
brasileiros, totalizando 1.276 municípios que efetivamente responderam a um questionário
específico. Com os resultados obtidos, encontrou-se que em mais da metade dos
municípios analisados o problema da judicialização da saúde tem impactado o orçamento
público (1).

697
Nesse sentido, refletir sobre o processo de judicialização da saúde levando-se em
consideração os aspectos peculiares da esfera municipal é imprescindível para
identificação de pontos que merecem melhor atenção do gestor para a proposição de
soluções viáveis e efetivas frente ao crescente número das demandas judiciais.
Ocorre que a maior parte das liminares concedidas estabelece um prazo diminuto
para que o medicamento seja dispensado ao usuário, nota-se que nesse breve intervalo se
faz necessário a instrução do processo, aquisição, entrega do medicamento ou produto
pela empresa e a dispensação ao paciente. Quando se tratam de medicamentos que não
são padronizados e consequentemente não integram nenhum Programa é bem provável
que também não estejam disponíveis no estoque e é diante desses fatos que para
atendimento à demanda judicial solicita-se a aquisição por dispensa de licitação por
emergência ou declaração de inexigibilidade por exclusividade, encontrando
fundamentação legal, respectivamente, o inciso IV do artigo 24 e o inciso I do artigo 25,
ambos da Lei n. 8.666/93 (2).
Nesse contexto, sendo a perspectiva do aumento da judicialização algo concreto, se
faz necessário refletir a respeito de alternativas que possam diminuir a sua incidência ao
passo que se busca despertar os vários setores da gestão pública para propositura de
soluções mais rápidas e viáveis para as demandas judiciais sem, contudo, desconsiderar a
dimensão política da judicialização em saúde, que exige, na maioria das vezes, soluções
coletivas a curto, médio e longo prazo.

Reflexos administrativos

Nesse cenário, a Secretaria Municipal de Saúde de Palmas-TO tem cogitado dentre


outras alternativas a utilização do Cartão Corporativo, instituído em âmbito municipal
através do decreto Nº 124, de 10 de março de 2010 para atender às demandas solicitadas
com caráter de urgência em prazo viável.
Convém evidenciar que o pagamento com Cartão Corporativo é um meio que visa
proporcionar à Administração Pública mais agilidade, controle e modernidade na gestão de
recursos, porém, conforme determina Manual elaborado pela Controladoria Geral da
União (CGU) com base na legislação que orienta essa temática como a Lei 4.320/64,
Decreto-Lei nº 200/67, Decreto nº 5.355/2005, Decreto nº 6.370/2007, as despesas que

698
podem ser feitas com Cartão Corporativo são aquelas passíveis de enquadramento como
Suprimento de Fundos.
Entende-se por Suprimento de Fundos o adiantamento concedido a servidor, a
critério e sob a responsabilidade do Ordenador de Despesas apresentando prazo
determinado para aplicação e comprovação de gastos. As despesas com recursos de
Suprimento de Fundos somente serão consideradas elegíveis quando restarem
demonstrados: pequeno vulto, o caráter excepcional da aquisição, a impossibilidade e a
vantagem de não serem submetidas ao processo normal de aplicação e o interesse público
(3).
A respeito das demandas judiciais envolvendo medicamentos foi publicado o Decreto
nº 1.279, de 29 de julho de 2016, o qual disciplina procedimentos a serem adotados pelos
servidores públicos municipais na prescrição de medicamentos e na solicitação de exames
e procedimentos de saúde:

Art. 1º Ficam os servidores públicos municipais, em suas


atribuições funcionais no SUS, autorizados por legislações
específicas, obrigados a prescrever medicamentos e solicitar
exames e procedimentos de saúde nos termos das políticas
públicas, das listas padronizadas e dos Protocolos Clínicos
e Diretrizes Terapêuticas (PCDT) do Sistema Único de Saúde
(SUS) e normativas da Secretaria Municipal da Saúde de
Palmas. (GRIFEI)

Além desses meios alternativos, cabe ainda dissertar a respeito da atuação do


Núcleo de Estudos Jurídicos em Saúde (NEJS) e Núcleo de Apoio Técnico Municipal
(NAT), estratégias descritas nos tópicos que se seguem.

A atuação do núcleo de estudos jurídicos em saúde

A proposta de construção de um saber integrado que estimule a discussão entre as


ciências jurídicas e a saúde é uma das inúmeras alternativas para questões que envolvam
o Direito, a Saúde e a Cidadania.
O campo do Direito e o da Saúde, devido suas complexidades, necessitam de
aproximações a partir da melhor qualificação dos profissionais que atuam nessas duas
grandes áreas do saber de tal forma que seja possível uma real aproximação dos legítimos
interesses da população.

699
Assim, a criação de espaços que possibilitem diálogos e articulações entre esses dois
campos têm a capacidade de aperfeiçoar tanto o cotidiano dos processos decisórios,
judiciais e sanitários quanto estimular a formação e aperfeiçoamento de recursos humanos
capazes de atuar na interface saúde e direito de forma mais consciente e, portanto, mais
efetiva.
Sendo assim, o Núcleo de Estudos Jurídicos (NEJS) criado pela Fundação Escola
Saúde Pública de Palmas em Portaria Conjunta com a Secretaria Municipal da Saúde
(portaria institucional Nº 17/SEMUS/FESP, de 29 de junho de 2016) tem funcionado como
uma das estratégias para acompanhamento e apoio às demandas relativas à saúde
pública, no âmbito do Poder Executivo municipal a fim de estimular a prática de estudos
jurídicos tendo como eixo a melhoria na perspectiva da diversidade em todos os níveis
facilitando assim a interlocução fundamentada entre os diversos setores que são
impactados pela Judicialização na busca de soluções viáveis e mais justas tanto para
Gestão Pública como para os usuários do Sistema Único de Saúde local.
O Núcleo é composto atualmente por 13 (treze) integrantes os quais recebem para
execução de suas atividades bolsa de desenvolvimento científico com fulcro no art. 26 da
Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, contando com representantes em sua maioria
da Assessoria Jurídica, Comissão Especial de Credenciamento (COMEC), Núcleo de
Apoio Técnico em Saúde (NAT), Vigilância Sanitária, Auditoria, Fundação Escola Saúde
Pública de Palmas.
A coordenação do NEJS fica sob a responsabilidade de representante indicado pela
gestão com lotação na Assessoria Jurídica
Busca-se com a iniciativa otimizar a problemática da Política Pública, por meio de
iniciativas que têm como base a identificação de evidências que apontam as necessidades
de cooperação/apoio a ser desenvolvido junto ao gestor, tanto para dirimir conflitos de
judicialização da saúde, quanto para exercer o alinhamento dos projetos com as diretrizes
do Sistema Único de Saúde, tornando ferramenta fundamental no âmbito da gestão.
Para isso o Núcleo tem como objetivos fortalecer e consolidar a prática da pesquisa
jurídica no âmbito do SUS; desenvolver parcerias através de experiências que focalizem a
qualidade através do exercício do direito pelos sujeitos demandatários; exercitar atividades
que dialoguem com as diversas áreas de conhecimento na produção de práticas jurídicas;

700
promover ações que demandem celeridade aos processos; fomentar o uso das novas
tecnologias e ferramentas de comunicação em ambientes virtuais de aprendizagem.
Prioriza-se o desenvolvimento de mecanismos técnicos, estratégias organizacionais
de qualificação das ações em saúde, o fortalecimento das equipes técnicas, a realização
de estudos e pesquisas com a divulgação de informações estratégicas, trabalhos estes
pautados pela concepção de atender as especificidades da gestão no âmbito do SUS,
tendo como base um amplo processo de cooperação, envolvendo além dos servidores,
gestores e as instituições de ensino e pesquisa.
Com a execução dos planos de intervenção individuais com foco nos setores
envolvidos objetiva-se conferir à Administração Pública da Secretaria Municipal de Saúde
meios viáveis para se assegurar o alcance dos Princípios da Administração Pública quais
sejam, Eficiência, Eficácia e Economicidade dentro de um contexto onde são priorizados
os Princípios e Diretrizes do Sistema Único de Saúde.

Atuação do núcleo de apoio técnico municipal

Com intuito de acompanhar a dinâmica da saúde pública brasileira e aperfeiçoar-se


na oferta de uma jurisdição que atenda aos anseios sociais, o Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) por meio da Recomendação Nº 31, de 30 de março de 2010, solicitou aos
Tribunais de Justiça a adoção de mecanismos para assegurar maior eficácia na solução
das demandas judiciais envolvendo a assistência à saúde.
O Tribunal de Justiça do Tocantins em consonância com a recomendação do CNJ
instituiu o Comitê Executivo para Monitoramento das Ações da Saúde no Estado do
Tocantins – CEMAS-TO, que tem como objetivo o monitoramento das ações judiciais que
envolvam a prestação de assistência à saúde.
Dentre as estratégias adotadas pelo judiciário tocantinense merece destaque a
adoção do termo de cooperação com as Secretarias de saúde do Estado do Tocantins,
Município de Araguaína e Município de Palmas para a implantação dos Núcleos de Apoio
Técnico.
Quanto aos procedimentos realizados no âmbito do NAT, o Núcleo analisa o pedido
do autor, com atenção especial aos documentos médicos apresentados na peça inicial e a
partir disso elabora parecer técnico-científico o qual é anexado aos autos do processo,
destaca a autora que tal parecer é um documento informativo elaborado por especialistas a

701
pedido de uma das partes do processo com a finalidade de avaliar certa situação e dados
pré-existentes no processo, servindo para o livre convencimento do magistrado, permitido
pela lei e não como documento postulatório ou probatório no sentido estrito do processo.
Logo, esse parecer se aproxima de uma consulta que o magistrado pode realizar a
documento técnico ou profissional que seja de sua confiança, com a diferença que o NAT
está institucionalizado existindo recomendação da gestão judiciária quanto ao uso desse
tipo de assessoria pelos magistrados (4).
O Núcleo possui uma equipe mínima composta por 01 presidente, 01 assistente
administrativo, 01 bacharel em Direito, 01 enfermeiro, 01 farmacêutico, 01 nutricionista,
sendo que a secretaria da saúde disponibiliza, quando necessário, um médico especialista
que auxilia na elaboração de pareceres (5).
Os pareceres do NAT influenciam na decisão do magistrado no ano de 2014 dos
processos em que o NAT estadual emitiu parecer, 52,98% foram acatados totalmente,
17,88% foram acatados parcialmente, atingindo um montante de 70,86% de decisões em
harmonia com o parecer emitido pelo Núcleo (5).
Em especial, no município de Palmas, o Núcleo de Apoio Técnico (NAT) foi instituído
por meio da Portaria Nº 468/SEMUS/GAB, de 27 de maio de 2016, publicado no Diário
Oficial do Município de Palmas N° 1.511.
Cabe ainda ao Núcleo de Apoio Técnico o fornecimento de informações sobre a
previsão de existência ou não de políticas públicas nos casos concretos. Desta forma, as
notas técnicas emitidas pelo NAT devem indicar se os documentos que porventura sejam
juntados aos autos estão em observância aos aspectos exigidos pela Política Pública do
SUS, sendo responsável ainda pela emissão de informações nas fases pré-processual e
processual.
No ano de 2014 (janeiro a dezembro), foram encaminhadas 775 consultas ao NAT
estadual, 286 judiciais e 489 extrajudiciais. Em 2015, essas consultas totalizaram 1.361
sendo 511 judiciais e 850 extrajudiciais. Observando-se um aumento significativo de mais
de 75% no número de consultas (6).
Levantamentos sobre a atuação do NAT municipal revelam que entre os meses de
agosto a dezembro de 2016, o NAT de Palmas emitiu 52 Notas Técnicas tendo como o
principal demandante a Defensoria Pública do Estado do Tocantins

702
Dessas Notas Técnicas 44 (quarenta e quatro) são extra-judiciais e 8 (oito) judiciais,
não sendo possível determinar no momento quantas das demandas extra-judiciais
sofreram processo de judicialização, assim como, ainda não é possível definir quantos dos
pareceres emitidos foram acatados pelos magistrados por ainda não terem sido emitidas
sentenças.
Contudo, é interessante destacar que dados provenientes do sistema adotado pela
Prefeitura Municipal de Palmas-TO, sistema PRODATA, com base em dados fornecidos
pelo setor de finanças da Secretaria Municipal de Saúde de Palmas e Secretaria de
Finanças, revelam um valor crescente de gastos com demandas judiciais até o ano de
2015 com um declínio de 20,6% em 2016 coincidindo com a implantação do Núcleo de
Apoio Técnico (NAT) de Palmas.

Conclusão

Refletir sobre o processo de judicialização da saúde levando-se em consideração os


aspectos peculiares da esfera municipal é imprescindível para identificação de pontos que
merecem melhor atenção do gestor para a proposição de soluções viáveis e efetivas frente
ao papel dos municípios no SUS e ao crescente número das demandas judiciais. Objetiva-
se com essa atitude, semelhante ao que ocorre na assistência à saúde realizar
diagnósticos de forma mais precoce possível, traçar prognósticos realistas e, sobretudo
promover uma intervenção integral que permita avaliar as demandas desde de sua gênese
até seus impactos a médio e longo prazo, com um envolvimento de todos os atores
atingidos pelo processo quer sejam usuários do SUS, representantes da saúde, do
Judiciário ou de outros setores impactados pela judicialização.
Nesse contexto município de Palmas frente ao fenômeno de judicialização da saúde
tem realizado diagnóstico a fim de traçar suas peculiaridades na esfera municipal,
identificando os principais gargalos e estimulado espaços de discussão com intuito de
propor soluções factíveis, tal como se evidencia pela atuação do Núcleo de Estudos
Jurídicos em Saúde e Núcleo de Apoio Técnico Municipal.
Observa-se de forma positiva o início de um processo que procura evitar que todo o
esforço da gestão fique direcionado apenas para tentar garantir a execução da demanda
sem elaboração de propostas de soluções para a gênese do processo, ficando evidente
ainda a necessidade de diálogos cada vez mais horizontalizados entre os entes de

703
diferentes esferas da saúde , com o Estado e a União, com Judiciário e com os próprios
usuários do Sistema Único de Saúde a fim de que vias administrativas sejam utilizadas
antes de se utilizar de forma desnecessária ou abusiva o litigioso judicial, tratando-se
nesse sentido, de uma possibilidade na verdade de se fortalecer a juridicização das
relações sociais no âmbito do SUS.

Referências

1. WANG, Daniel et al. Judiciário e fornecimento de insulinas análogas pelo Sistema


Público de Saúde: direitos, ciência e política pública. Relatório de pesquisa do Projeto
Casoteca Direito GV, 2011.
2. CONASS, Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Assistência Farmacêutica no
SUS/Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Brasília, DF: CONASS, 2007. 186 p.
3. CONTROLADORIA GERAL DA UNIÃO. Presidência da República. Manual
Suprimentos de Fundos e Cartão de Pagamento: Perguntas e Respostas. Brasília:
Gráfica Brasil, 2008. 3-5 p. Disponível
em:<http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/orientacoes-aos-gestores/arquivos/suprimento-
de-fundos-e-cartao-de-pagamento.pdf>. Acesso em: 20 mar. 2017.
4. SILVA, Miriam Ventura da. O processo decisório judicial e a assessoria técnica: a
argumentação jurídica e médico-sanitária na garantia do direito à assistência
terapêutica no Sistema Único de Saúde. / Miriam Ventura da Silva. -- 2012. xi,186 f. :
tab.
5. RADDATZ, Lucimara Andreia Moreira. O Conflito entre o Público e o Privado: As
Enfermidades do Sistema e a Judicialização da Saúde no Estado do Tocantins.
Palmas,TO, 2015. Dissertação (Mestrado Profissional) – Universidade Federal do
Tocantins –Campus Universitário de Palmas – Curso de Pós-Graduação (Mestrado)
em Prestação Jurisdicional em Direitos Humanos, 2015.
6. FARIAS, Dorane Rodrigues.Judicialização da saúde: aspectos processuais e
Institucionais na efetivação do direito à saúde pública no Estado do Tocantins.Palmas-
TO,2016.Dissertação (Mestrado Profissional) – Universidade Federal do Tocantins –
Campus Universitário de Palmas – Curso de Pós-Graduação (Mestrado) em Prestação
Jurisdicional em Direitos Humanos, 2016
7. ASENSI, Felipe Dutra; PINHEIRO, Roseni. Judicialização da saúde no Brasil: dados e
experiência. Coordenadores: Felipe Dutra Asensi e Roseni Pinheiro. - Brasília:
Conselho Nacional de Justiça,
2015.Disponível<http://www.cnj.jus.br/files/conteudo/destaques/arquivo/2015/06/67814
86daef02bc6ec8c1e491a565006.pdf>. Acesso em:05 abr. 2017.
8.

704
A Responsabilidade Civil do Estado pelos danos causados por Organizações
Sociais na prestação de serviços públicos de saúde

Oswaldo Luís Caetano Senger1


Cláudia Moraes da Silva
Alex Gomes Seixas

RESUMO: O presente trabalho objetiva discutir o limite da responsabilidade civil do Estado


em relação a danos causados a terceiros pelas Organizações Sociais prestadoras de
serviço público de Saúde. Levantaremos algumas reflexões quanto à existência ou não de
solidariedade entre o Poder Público e essas entidades do denominado Terceiro Setor.
Palavras-chave: responsabilidade civil do estado, danos, serviço público de saúde,
Organizações Sociais (OS)

Introdução
A responsabilidade civil do Estado significa o dever de reparação dos danos
causados pela conduta estatal, comissiva ou omissiva (1).
O art. 37, § 6º da Constituição Federal e o artigo 43 do Código Civil, preveem que o
Estado responde objetivamente pelos danos que seus agentes causarem a terceiros,
admitindo-se algumas excludentes de responsabilidade, tais como a culpa exclusiva da
vítima e o caso fortuito (2).
Como vivemos num estado democrático de direito, a forma encontrada de dividir os
ônus e encargos sociais é distribuir por toda a coletividade, as consequências danosas do
funcionamento do serviço público.
Impera a teoria do chamado risco administrativo, em que se estabelece a
responsabilidade do Estado pelos danos que os seus agentes causem a terceiros. Não se
perquire se o agente público causador do dano agiu com dolo ou culpa, a pessoa jurídica
de direito público sempre responderá, desde que se estabeleça um nexo de causalidade
entre o ato da Administração e o prejuízo sofrido. É a denominada responsabilidade
objetiva.
Tema de intensos debates doutrinários e jurisprudenciais estabeleceu-se sobre a
responsabilização do Estado pelos atos omissivos. Há autores que entendem que a
responsabilidade também seria objetiva, outros entendem que seria subjetiva e, portanto,
imprescindível a demonstração de culpa.

1 Universidade Santa Cecília – Unisanta. E-mail: oswaldo.senger@uol.com.br

705
Apreciando recentemente a questão, o Supremo Tribunal Federal decidiu que:
[…]
“as pessoas jurídicas de direito público respondem objetivamente pelos
danos que causarem a terceiros, com fundamento no art. 37, § 6º, da
Constituição Federal, tanto por atos comissivos quanto por atos omissivos,
desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissão do Poder
Público” (STF, 2ª T., ARE 868.610 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em
26.05.2015).
Fator de destaque na nova ordem constitucional, diz respeito à responsabilidade
objetiva das pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviços públicos.
Tal como as pessoas jurídicas de Direito Público, a empresa pública, a economia
mista e os concessionários, permissionários e autorizatários de serviços públicos estão
sujeitos ao mesmo regime da Administração Pública no que respeita à responsabilidade
civil (3).
Esses prestadores de serviços públicos (art. 175 da C.F.), que responderão
objetivamente, não podem ser confundidos com as empresas que executam atividades
econômicas (que estão sujeitas ao regime jurídico das empresas privadas – art. 173 e § 1º
da C.F.). Estas até poderão responder subjetivamente, mas não com base na Constituição
Federal (como aquelas), mas sim no art. 12 ou 14 do Código de Defesa do Consumidor ou
do art. 927 do Código Civil.
Eventual indenização a ser paga por esses particulares prestadores de serviços
públicos, deverá ser suportada com o seu próprio patrimônio. E não o Estado por elas e
nem com elas. No máximo, poder-se-ia falar em responsabilidade subsidiária do Estado,
uma vez exauridos os recursos da entidade prestadora de serviços públicos. Se o Estado
escolheu mal aquele a quem atribuiu a execução de serviços públicos, deve responder
subsidiariamente caso o mesmo se torne insolvente (3).
Quando o Estado presta serviços públicos na área da saúde, seja diretamente ou
através de terceiros, podem ocorrer acidentes de natureza pessoal, que ocasionam danos
irreparáveis, às vezes fatais, em virtude de culpa, por imprudência, negligência ou
imperícia.
A saúde é direito de todos e dever do Estado, consoante dispõe o art. 196, da
Constituição Federal. O texto constitucional, dispõe, ainda, no art. 197, que as ações e
serviços públicos de saúde são de relevância pública, e que a execução desses serviços
deve ser feita diretamente pelo Poder Público ou através de terceiros e, também, por
pessoa física ou jurídica de direito privado.

706
Atualmente, a prestação de serviços públicos de saúde por meio de organizações
sociais, tem se tornado medida crescente no Brasil. E, com esse novo modelo de gestão,
que surgiu com o advento da Lei n. 9.637/98, o Poder Público celebra contrato de gestão
com essas entidades, de onde surgem inúmeros debates acerca da responsabilização
pelos danos causados a terceiros, se do Poder Público ou a Organização Social, e ainda
se há solidariedade entre as referidas pessoas jurídicas.
Este artigo visa a abordagem dessas indagações, e sem pretensão de esgotar a
discussão, pretende-se contribuir para que questões desse cunho sejam debatidas de
forma mais profunda.

Metodologia
O presente estudo descritivo foi realizado com base em pesquisa bibliográfica com o
objetivo de verificar a literatura que versa sobre a responsabilidade civil do Estado na área
da saúde e as organizações sociais.
Realizou-se, ainda, pesquisa jurisprudencial na base de dados do Tribunal de Justiça
de São Paulo no endereço eletrônico <www.tjsp.jus.br> (acesso em março e abril de
2017), selecionando-se algumas decisões existentes sobre a questão, visando a constatar
qual entendimento tende a prevalecer. Foram utilizados como descritores
“responsabilidade civil do estado por erro médico”, “indenização por erro médico” e
“responsabilidade civil das organizações sociais”, excluindo os recursos que não diziam
respeito a pedido de indenização em razão de falha no serviço de saúde prestado por
organizações sociais.

Resultados e discussão
A responsabilidade civil do estado na área da saúde
A responsabilidade estatal pelos danos sofridos pelos usuários do serviço de saúde
em hospitais públicos, bem como naqueles que têm convênio com o INSS, deverá ser
informada pela teoria objetiva, pois se trata de responsabilidade de agente do Poder
Público. Esse tipo de responsabilidade só é elidível com prova de caso fortuito ou de força
maior ou, ainda, por falta de nexo causal entre o fato e o dano, como no caso de culpa
exclusiva da vítima (4).
É objetiva, pois fundada na culpa anônima da Administração ou na falha do serviço
médico prestado. Mas não chega a ser considerada como de risco integral. Para o

707
reconhecimento dessa responsabilidade, deve-se partir do pressuposto da precariedade ou
deficiência do serviço prestado, não se admitindo a inversão do ônus probatório do Código
de Defesa do Consumidor (4).
Essa responsabilização estatal somente ocorrerá se configurada a falha estatal e
identificado como causa do evento danoso reclamado pela vítima ou seus dependentes; a
simples lesão incapacitante ou a morte do paciente inserem-se no risco natural do
tratamento médico, ainda que prestado por agente do estado, pois também aqui a
recuperação do doente ou lesado não deixa e representar uma obrigação de meio e não
de resultado; o que se pode admitir, em sede de responsabilidade civil da entidade estatal,
é apenas uma presunção de que o agravamento da moléstia ou o perecimento do paciente
tenham tido a sua causa na deficiência, precariedade ou emissão do serviço médico-
assistencial prestado pelo hospital, a se permitir a contraprova de uma alegada excludente
da causa pretendida, no sentido da demonstração de que o dever jurídico do Estado foi
razoavelmente cumprido através da prestação de um serviço adequado e compatível; em
outros termos, no sentido de que o evento danoso não encontra a sua causa numa
pretensa falta do serviço público; a esta causa excludente de responsabilidade
acrescentam-se as excludentes do caso fortuito ou da força maior, do fato imputável ao
próprio paciente ou a terceiros (4).
Não elide a responsabilidade estatal, em nenhum caso, e principalmente em função
do art. 37, § 6º, da Constituição, ter ocorrido o evento danoso em hospital ou
estabelecimento conveniado, havendo assim “verdadeira sub-rogação da preposição”: o
serviço prestado pelo nosocômio, enquanto conveniado promotor da saúde coletiva, é
público (4).

A responsabilidade civil das organizações sociais de saúde (os)


Primeiramente, torna-se necessário fazer breves e sucintas considerações sobre o
que vem a ser Organizações Sociais, que podem ser assim definidas como “instituições do
setor privado, sem fins lucrativos, que atuam em parceria formal com o Estado e
colaboram de forma complementar, para a consolidação do Sistema Único de Saúde,
conforme previsto em sua lei orgânica - Lei nº 8080/90 (5) ”.
As Organizações Sociais – OS – surgiram a partir do processo de implementação do
Programa Nacional de Publicização, por meio do qual se propôs uma série de medidas

708
tendentes à modernização e aperfeiçoamento de gestão pública, com o objetivo principal
de melhorias na prestação dos serviços públicos e no atendimento ao cidadão.
E essas medidas de modernização do Estado previam a possibilidade de alguns
serviços públicos serem executados por meio de parceria entre o Poder Público e pessoas
jurídicas de direito privado que atuassem em determinadas áreas de interesse público e
pudessem ser habilitadas como gerenciadoras de instituições prestadoras de serviços nas
áreas de educação, saúde, cultura, esporte e lazer.
Os defensores desse Programa de Publicização advogavam que certas atividades
que não eram exclusivas do Poder Público, mas eram executadas por ele, melhor seriam
executadas pelo setor privado.
Nesta esteira, em 15 de maio de 1998 foi aprovada a Lei Federal n. 9.637 criando
essa nova figura jurídica (Organização Social – OS), e definindo que pessoas jurídicas de
direito privado sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa
científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à
cultura e à saúde, seriam qualificadas como organização social.
Essa norma geral, que orienta o processo de criação e habilitação das organizações
sociais nas três esferas de governo, após sofrer severas críticas da doutrina e ser
impugnada por meio de ADI (ADI 1.923), teve sua constitucionalidade declarada pelo STF
em abril de 2015, e atualmente é um modelo de gestão, principalmente na área da saúde
de diversos entes federados.
A responsabilidade direta pela administração da unidade de saúde é das
Organizações Sociais, mas o serviço de saúde continua sendo público, com os seus bens,
mobiliários e equipamentos pertencendo ao Estado.
A relação das OS com o Estado seguirá os termos estabelecidos no contrato de
gestão, que é o seu instrumento legal. O vínculo jurídico existente entre elas e o Estado
não objetiva a delegação de atividade estatal, mas apenas o fomento de atividades
privadas que satisfazem interesses sociais, elas não integram a administração indireta e se
distinguem das empresas públicas, autarquias, fundações públicas ou sociedades de
economia mista, principalmente no tocante à responsabilidade civil (1).
O primeiro estado brasileiro a admitir essa modalidade de gestão foi São Paulo, por
meio da Lei Complementar nº 846, de 4 de junho de 1998 (São Paulo, 1998), editada um
mês após a Lei Federal n. 9.637/98.

709
Passadas quase duas décadas após a promulgação da lei retromencionada, esse
modelo de gestão vem se consolidando na prestação dos serviços de saúde no Brasil, e
diversos estados e municípios têm adotado as OS como proposta governamental no setor
de saúde.
A título de exemplo, vale citar o Município de Santos, que passou a adotar referido
modelo de gestão com a promulgação da Lei n. 2.947, de 17 de dezembro de 2013. E, a
partir de então, já foram firmados 2 (dois) contratos de gestão: com a Organização Social
Fundação ABC, para a execução dos serviços de saúde da UPA Central; e com o Instituto
Social Hospital Alemão Oswaldo Cruz – para a execução dos serviços de saúde no
Hospital dos Estivadores.

A responsabilidade do estado pelos danos causados por organizações


sociais de saúde

Feitas as ponderações acima, passa-se ao ponto objeto do presente estudo: A


responsabilidade civil do Estado pelos danos causados pelas OS na prestação do serviço
público de saúde.
Então, pergunta-se: Se a responsabilidade direta pela administração da unidade é
das Organizações Sociais, mas o serviço de saúde continua sendo público, com os seus
bens, mobiliários e equipamentos pertencendo ao Estado, qual a limitação da
responsabilidade do Estado, na hipótese de ocorrência de danos causados a terceiros por
essas entidades?
Não há consenso acerca da responsabilidade civil das OS. Há entendimento de que a
responsabilidade é subjetiva porque as entidades celebram contrato e gestão ou termos de
parceria e se propõem ao desempenho de serviço público, existindo, na verdade,
interesses comuns e não convergentes.
Conforme José dos Santos Carvalho Filho (6):
“Em relação às organizações sociais e às organizações da sociedade civil
de interesse público, qualificação jurídica atribuída a entidades de direito
privado que se associam ao Poder Público em regime de parceria, poderão
surgir dúvidas sobre se estariam ou não sujeitas à responsabilidade
objetiva. O motivo reside na circunstância de que são elas vinculadas ao
ente estatal por meio de contratos de gestão ou termos de parceria, bem
como pelo fato de que se propõem ao desempenho de serviço público. Em
que pese a existência desses elementos de vinculação jurídica ao Estado,
entendemos que sua responsabilidade é subjetiva e, consequentemente,

710
regulada pelo Código Civil. É que esses entes não têm fins lucrativos e sua
função é de auxílio ao Poder Público para melhorar o resultado de certas
atividades de interesse público e do próprio Estado. Assim, não se nos
afigura que esse tipo de parceria desinteressada e de cunho
eminentemente social carregue o ônus da responsabilidade objetiva,
quando, sem a parceria, estariam as referidas pessoas reconhecidamente
sob a égide do Código Civil”.

Para o citado autor, o correto seria responsabilizar o ente federativo que firmou a
parceria, porque é o Estado que se sujeita ao risco administrativo.
Há também entendimento de que a responsabilidade é subjetiva, porque a OS é
entidade privada de relevância social e presta serviço em nome próprio, sendo que o
vínculo com o Poder Público não é de delegação do serviço, mas sim de parceria para a
consecução de finalidades sociais, não podendo se sujeitar à aplicação do art. 37, § 6°da
CF (1).
Alguns autores entendem que a responsabilidade é objetiva, pois são pessoas
jurídicas prestadoras de serviço público (7).
Há os que entendem que a responsabilidade estatal é sempre objetiva nos termos do
art. 37, § 6° da CF, e que há a ação de regresso contra a OS (8).
Outros (1) entendem que a responsabilidade é subsidiária, porque a atividade é
desempenhada em parceria, que inexiste solidariedade porque esta não pode ser
presumida, ou decorre da lei ou do contrato, e inexiste norma legal atribuindo solidariedade
ao Estado com os prestadores de serviços públicos; o vínculo jurídico entre o ente estatal e
a OS é de convênio, atraindo a incidência do art. 70 da Lei de Licitação – 8.666/93, que
fixa a responsabilidade primária do conveniado por danos causados a terceiros, na forma
do art. 116 da mesma lei.
Entretanto, o art. 9° da Lei n. 9.637/98, traz regra de responsabilidade solidária do
ente estatal se, ao tomar conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, não
comunicar ao Tribunal de Contas da União.
Nessa linha, ao Estado caberia a responsabilização na modalidade subsidiária, ou
seja, apenas se os bens da entidade não forem suficientes para adimplir a reparação ou
indenização, pelo dano causado a terceiro, se se omitir do dever de fiscalização.
Celso Antônio Bandeira de Mello (9) sustenta ser subjetiva a responsabilidade da
Administração sempre que o dano decorrer de uma omissão do Estado. Porém, referido
autor pontua que há que se fazer a distinção entre omissão genérica e omissão específica.

711
Entende-se não ser correto dizer, sempre, que toda hipótese de dano proveniente de
omissão estatal será encarada, inevitavelmente, pelo ângulo subjetivo. Assim o será
quando se tratar de omissão genérica (10).
Há omissão específica quando o Estado se omitir e criar a situação propícia para a
ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo (3).
Conforme já narrado no decorrer do presente trabalho, a responsabilização solidária
do agente fiscalizador deve ser considerada na modalidade objetiva (hipótese de omissão
específica), ou seja, ao Estado foi atribuído o dever individualizado de agir, pois constatada
ilegalidade ou irregularidade, na utilização de recursos ou bens de origem pública, deverá
o agente fiscalizador levar ao conhecimento da autoridade competente.
Neste ponto, se o órgão fiscalizador apurou ilegalidade ou irregularidade na
prestação desse serviço público, comunicou aos órgãos competentes, processou ou puniu
a organização social, não há que se falar em responsabilidade subsidiária do Estado.
Esse mesmo raciocínio é empregado com relação à inexistência de responsabilidade
estatal no pagamento de verbas trabalhistas, objeto de prestação de serviços terceirizados
pelo Estado.
No caso, o parágrafo 1º, do artigo 71 da Lei de Licitações (que não permite a
transferência do pagamento de encargos trabalhistas, fiscais e comerciais ao Estado, por
inadimplemento do contratado), foi declarado constitucional pelo Supremo Tribunal
Federal, nos autos da ADC 16, de 24/11/10.
Deste modo, idêntico raciocínio pode ser empregado ao artigo 9º da Lei nº 9.637/98;
ou seja, somente quando houver falha na fiscalização do contrato de gestão ou do termo
de parceria é que o Estado poderá ser responsabilizado por danos eventualmente
causados por uma organização social e, mesmo assim, somente se o seu patrimônio não
suportar a indenização devida ao prejudicado.
Na jurisprudência o tema ainda é muito incipiente, e dos dados coletados constatou-
se que embora o debate ainda seja intenso, tende a prevalecer o entendimento de que a
responsabilidade do Estado pelos danos causados pelas organizações sociais de saúde é
subsidiária (11).

Conclusão
A proposta governamental de que os serviços de saúde sejam prestados por meio
das chamadas Organizações Sociais (OS), é tendência que vem sendo adotada no Brasil.

712
No entanto, a delegação da prestação dos serviços públicos de saúde não afasta a
responsabilidade civil do Estado, que deve responder de forma objetiva imprópria, solidária
e subsidiária, no caso de atos comissivos ou omissivos praticados pelas Organizações
Sociais enquanto prestadoras dos serviços públicos.
A responsabilidade é objetiva imprópria em razão de o dever de indenizar depender
da comprovação da culpa na conduta médica, sendo o Poder Público solidariamente
responsável pelo dano causado perante o lesado, mas com responsabilidade patrimonial
subsidiária, ou seja, somente será possível atingir o erário caso se esgotem os bens
exequíveis da Organização Social prestadora do serviço público, e ainda, assim, se se
comprovar que o ente estatal se omitiu do dever de fiscalizar adequadamente os serviços.

Referências

1. OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Curso de Direito Administrativo. 2.ed.rev,


atual.e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método: 2014.

2. PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 11ª Ed. – Rio de Janeiro:
Editora Forense. 2016, p. 171/195.
3. FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 12ª Ed. – São Paulo:
Editora Atlas. 2015, p. 340/345.

4. CAHALI, Yussef Said. Responsabilidade Civil do Estado. 5ª Ed. – São Paulo:


Editora Revista dos Tribunais. 2014, p. 251-252, 255 e 257/58

5. BRASIL. http://www.portaldatransparencia.saude.sp.gov.br/. Acesso em: 08 abril


2017.

6. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 30. ed. rev.
atual. e ampl. - São Paulo: Atlas, 2016 – p. 587/588

7. FORTINI, Cristina. Organizações Sociais: Natureza Jurídica da Responsabilidade


Civil das Organizações Sociais em face de Danos causados a terceiros, publicado
na Revista do Curso de Direito do Centro Univ. Metod. Izabela Hendrix, v.4. 2004, p.
13-19.

8. JÚNIOR, José Cretella. O Estado e a obrigação de indenizar. 2ª Ed. – Rio de


Janeiro: Editora Forense. 2002, p. 284.

9. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo. 27. ed. São
Paulo: Malheiros, 2010. p. 1012/1013

10. CASTRO, Guilherme Couto de. A responsabilidade civil objetiva no direito brasileiro.
Rio de Janeiro: Forense, 1997. p.37; apud OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende.

713
Curso de Direito Administrativo. 2.ed.rev, atual.e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São
Paulo: Método: 2014, p. 702

11. SÃO PAULO, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Consulta de Processos
do Segundo Grau – www.tjsp.jus.br – acesso em março e abril 2017

714
A importância da triagem nutricional no adulto hospitalizado.

Thaisy Correia Guerra Delgado1


Rita de Cássia da Silva2
Gustavo Goldzveig3

RESUMO: A desnutrição hospitalar ainda é bastante frequente nos dias de hoje. Neste
contexto, todo esforço deve ser realizado para reconhecer e identificar precocemente, os
pacientes com risco nutricional, por meio de triagem nutricional, que identifica indivíduos
desnutridos ou em risco de desnutrição. A manutenção do estado nutricional é
imprescindível para a preservação e recuperação da saúde.
Palavras Chave: Desnutrição Hospitalar, Triagem Nutricional, Risco Nutricional

ABSTRACT: Hospital malnutrition is still common today. In this context, every effort should
be made to recognize and early identify patients at nutritional risk through nutritional
screening that identifies individuals malnourished or at risk of malnutrition. The
maintenance of nutritional status is essential for the preservation and restoration of health.
Key Words: Hospital Malnutrition, Nutrition Screening, Nutritional Risk

Introdução

No Brasil e no mundo, vários estudos têm apontado a alta prevalência de desnutrição


em pacientes internados. (1)
Este distúrbio relaciona-se em grande parte com aumento de complicações clínicas e
mortalidade, além de contribuir para prolongar o tempo de hospitalização, e aumentando
assim os custos hospitalares. (2)
A manutenção do estado nutricional é imprescindível para a preservação e
recuperação da saúde. A identificação precoce do risco nutricional possibilita uma
intervenção e cuidado nutricionais mais adequados. (3)
Neste contexto, todo esforço deve ser realizado para reconhecer e identificar
precocemente, os pacientes com risco nutricional, por meio de um método efetivo de
triagem nutricional, visando a prevenção da deterioração do estado nutricional. (4)
A Associação Dietética Americana (ADA), o Comitê das Organizações de Saúde
(JCHO) e a Iniciativa de Triagem Nutricional (NSI) definiram triagem nutricional como o

1 Mestrando do Curso de Direito da Saúde da Universidade Santa Cecília


2 Mestrando do Curso de Direito da Saúde da Universidade Santa Cecília
3 Mestrando do Curso de Direito da Saúde da Universidade Santa Cecília

715
processo de identificação das características que se sabe estarem associadas a problemas
dietéticos ou nutricionais. (5)
A Aspen (AmericamSociety Parenteral and Enteral Nutrition) considera que a perda
de peso, presença de doenças crônicas, aumento das necessidades nutricionais e
alterações dietéticas são fatores de risco que podem comprometer o estado nutricional do
paciente. (6)
A triagem nutricional é um procedimento que tem como objetivo identificar pacientes
desnutridos ou em risco de desnutrição, com o intuito de analisar a necessidade de uma
avaliação complementar mais detalhada.
A detecção precoce auxilia no cuidado nutricional e na prevenção de complicações,
deve ser realizada até 72 horas da admissão do paciente, podendo ser realizada por
qualquer profissional de saúde. Segundo a Aspen, em unidades de terapia intensiva essa
detecção precoce deve ocorrer em até 24 horas. (6)
O ministério da Saúde tem reconhecido a importância do rastreamento do processo
de desnutrição, por isso em 7 de março de 2005, entrou em vigor a portaria 343 que tornou
obrigatória a implantação de protocolos de triagem e avaliação nutricional para o
acompanhamento desses pacientes nos hospitais do SUS. (7)
Mesmo sabendo que com a detecção precoce do risco nutricional, é possível
minimizar ou prevenir a deterioração do estado nutricional, percebe-se na prática clínica,
muitos poucos hospitais utilizando o processo de triagem nutricional
Diante disso, o presente estudo tem como objetivo mostrar a importância da Triagem
Nutricional.

Objetivo
Analisar a importância da Triagem Nutricional.

Metodologia
A fundamentação teórica foi realizada por meio de revisão bibliográfica de artigos
científicos publicados nos últimos cinco anos, na base de dados ScientifcElectronic Library
Online (SciELO), United States National Library of Medicine (PubMed) e Medical Literature
Analysis and Retrieval System Online (MedLine), livros e portarias do Ministério da Saúde.
A estratégia de busca utilizou as seguintes palavras-chave: Desnutrição Hospitalar,
Triagem Nutricional e Risco Nutricional.

716
Discussão

A prevalência de desnutrição hospitalar tem crescido muito no Brasil. Atualmente


diversos estudos têm correlacionado a evolução clínica com o estado nutricional, pois a
capacidade de reagirmos a patologia depende em grande parte de um adequado estado
nutricional.(1,2)
O sistema imunológico e as funções cognitivas tornam-se comprometidos, tornando-
se fator de risco para complicações infecciosas, delírios, reações adversas a medicações e
cicatrização prejudicada (8)
Outros estudos, correlacionam a desnutrição, com o aumento de complicações
clínicas e mortalidade, aumento dos custos hospitalares e maior tempo de internação.
Além disso, quanto maior o período de permanência no hospital, maior é o risco de se
agravar a desnutrição. (9)
Os pacientes hospitalizados estão sujeitos a apresentarem alterações nutricionais,
que, se não diagnosticados e tratados precocemente, acarretam um quadro de
desnutrição. São assim, por diversos fatores, entre eles o aumento das necessidades
energéticas, diminuição da capacidade de digestão e absorção dos nutrientes, períodos
prolongados de jejum, o próprio ambiente hospitalar, no qual o paciente não esta
familiarizado, o próprio preconceito do paciente em relação a alimentação servida que é
tida como de baixa qualidade (10)
A avaliação nutricional e a determinação do diagnóstico nutricional no início da
internação permitem identificar indivíduos desnutridos ou em risco de desnutrir-se e instituir
terapia nutricional adequada que vise à recuperação do estado nutricional e à prevenção
de complicações relacionadas à desnutrição.
Por tudo isso, é fundamental a identificação precoce do risco nutricional, por meio de
um método efetivo de triagem, visando a prevenção da desnutrição ou promovendo sua
recuperação. (3)
A inserção de um método de triagem nutricional para identificação de risco nutricional
tem sido recomendada, nacional e internacionalmente, por organizações de especialistas,
com o objetivo de avaliar efeitos físicos e fisiológicos adversos de pacientes com doenças
crônicas degenerativas e/ou lesões agudas. (6)

717
O risco nutricional se refere ao risco do paciente desenvolver complicações em
decorrência do estado nutricional prejudicado. Portanto, a avaliação do risco nutricional é o
primeiro passo no processo de cuidados nutricionais, pois possibilita ao profissional de
saúde intervir antes do agravamento do estado nutricional. (4)
A triagem nutricional é um procedimento simples e rápido, que consiste na realização
de um inquérito ao paciente ou seus familiares com a finalidade de identificar o risco
nutricional. (2,11)
O principal objetivo da triagem nutricional é identificar rapidamente indivíduos que se
encontrem em risco nutricional, sinalizando aqueles pacientes que poderiam beneficiar-se
da terapia nutricional. Esta identificação deve ser realizada nas primeiras 24 horas a no
máximo 72 horas após a internação. (11)
Considerando a relevância da Triagem Nutricional, o Ministério da Saúde através da
portaria GM/MS Nº 343, de 07 de março de 2005 instituiu mecanismos para organização e
implantação de Unidades de Assistência e Centros de Referência de Alta Complexidade
em Terapia Nutricional, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, estabeleceu normas
técnicas e operacionais para regulamentar a aplicação desta prática. (7)
Para a identificação precoce de pacientes desnutridos e consequente intervenção,
além de prevenção da desnutrição, o ideal seria promover a conscientização dos
profissionais de saúde quanto aos aspectos nutricionais, implantando a triagem nutricional
como atividade de rotina nos hospitais, e tornando real a cobertura do Sistema Único de
Saúde (SUS) dos custos provenientes de avaliação do estado nutricional, assim como dos
materiais e equipamentos necessários à aplicação da terapia nutricional Cabe aos
profissionais de saúde instituir iniciativas educacionais para esclarecer as equipes de
saúde e a população sobre a importância do diagnóstico e do tratamento da desnutrição
hospitalar.

Conclusão
Conclui-se que a triagem nutricional deve ser, portanto, parte da atenção primária de
todos os pacientes, para maior sobrevida ao paciente a fim de prevenir a desnutrição
hospitalar e suas consequências.
A escolha do método de triagem nutricional ideal deve considerar o contexto no qual
o paciente está inserido, além de aspectos como recursos humanos e físicos disponíveis.
O melhor método será aquele que contemplar fácil acesso, baixo custo e bom prognóstico

718
Referências

1. Kondrup J, Johansen N, Plum LM, Bak L, Hojlund Larsen I, Martinsen A, Andersen JR,
Baernthsen H, Bunch E, Lauensen N. Incidence of nutritional risk and causes of
inadequate nutritional care in hospitals. ClinNutr 2002;21(6):461-8.

2. Raslan M, Gonzalez MC, Dias MCG, Nascimento M, Castro M, Marques P et al


Comparasion of nutritional risk screening tools for predicting clinical outcomes in
hospitalized patients. Nutrition2010;26:721-6.

3. Valle FCR, Logrado MHG. Estudos de Validação de Ferramenta de triagem e avaliação


nutricional: uma revisão acerca da sensibilidade e especificidade. Com. Ciências
Saúde 2013;22(4):31-46.

4. American Dietetic Association (ADA 2002). Position of American Dietetic Association:


nutrition services in managed care. J Am Diet Assoc. 2002;102:14718.

5. A.S.P.E.N (Americam Society for Parenteral and Enteral Nutrition) Board of


Directoresanda Standards Committee. Definition of terms, style, and convetions used in
ASPEN Guidelines and standards. NutrClinPract, 2005;20:281-5.

6. Brasil. Ministério da saúde. Portaria GM/MS n° 343 de 7 de março de 2005. Institui, no


âmbito do SUS, mecanismos para a implantação da assistência de Alta Complexidade
em Terapia Nutricional. Brasília; 2005. [capturado em 2014 fev. 01]. Disponível em:
http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2005/GM/GM- 343.htm.

7. Fonseca MM,Melo MC, El-Kik PM. Frequência de Realização de Triagem Nutricional


em pacientes adultos hospitalizados.Rev Grad 2012;(5)

8. Aquino RC, Philippi ST. Desenvolvimento e avaliação de instrumentos de triagem


nutricional. Ver Bras Enferm.2012; 65(4): 607-13

9. Sousa VMC, Guariento ME. Avaliação do idoso Desnutrido. Rev Bras Clin Med
2009;7:46-49

10. Kahokehr A; Sammour T; Wang T, Sahakian V, Plank L, D Hill, A, G. Prevalence of


malnutrition on admission to hospital Acute and elective general surgical patients . e-
sPEN, the Europenan e-Jornal of Clinical Nutrition and Metabolism. Cidade V, 5 p. 21-
25, 2010

11. Gout, BS; Barker L.A; Crowe TC Malnutrition Identification, diagnosis and dietetic
referrals: Are we doing a good enough job? Nutrition & Dietetics. V. 66, p 206-211,
2009.

719
A problemática do desabastecimento de medicamentos, no âmbito do Poder
Público, em razão da falta de planejamento estruturado das licitações

Sheyla Suruagy Amaral Galvão do Vale1


Thaiana Coelho Midlej2

RESUMO: A concretização do direito à saúde pelo Poder Público ainda é um dos assuntos
mais controversos e questionados da atualidade, uma vez que não é só a falta de
planejamento e desídia do Administrador Público em efetivar as políticas públicas que
geram o caos nesta seara, principalmente quando trata-se de fornecimento de
medicamentos à população. O problema vai muito mais além, acarretando em um estado
de violação massiva e sistêmica do direito fundamental à saúde em decorrência dos
bloqueios políticos institucionais. Assim, o presente articulado tem por objetivo apresentar
as dificuldades e soluções quanto ao planejamento e gestão da Administração Pública,
através de análise crítica com pesquisa doutrinária e jurisprudencial, concluindo-se que
somente com mais eficiência na formulação de políticas públicas, com proposição de
critérios e parâmetros, será efetivada a aquisição tempestiva dos medicamentos e outros
materiais hospitalares, evitando-se, assim, o seu desabastecimento e que o acesso a
serviços de saúde se transforme em mais um fator de iniquidade.
Palavras-chave: saúde; gestão; planejamento; licitação.

A judicialização do direito à saúde3 ainda é tema que ocupa, em larga medida, o


Judiciário brasileiro, pois o Poder Executivo, responsável direto pela efetivação de políticas
públicas dessa natureza, ainda sofre consequências de sua desídia em se organizar
administrativamente. Neste viés, não é difícil colher dos noticiários informações relativas à
falta de compostos medicamentosos básicos no âmbito do sistema público de saúde (1),
por exemplo.
O desabastecimento das farmácias que integram as estruturas da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios praticamente inviabiliza os serviços de
atendimento médico/hospitalar, mormente aqueles de urgência (2). Ocorre que, em
inúmeros casos, a dificuldade de aquisição dos medicamentos advém da falta de
planejamento estruturado do Poder Público, haja vista que, mesmo com a estimativa dos
atendimentos, em cada área específica, os órgãos deixam de deflagar certames para
regularizar a distribuição de remédios e outros materiais hospitalares, principalmente com

1Universidade Santa Cecília - Santos/SP


2Universidade Santa Cecília - Santos/SP. E-mail: thaimidlej@hotmail.com
3 Constituição Federal. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e
serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

720
a falta de atas de registro de preços de medicamentos e insumos de sua responsabilidade,
segundo a Lei 8.080/90 e a lista REMUME4.
A despeito disso, não se pode olvidar que a compra de medicamentos, no Brasil,
esbarra em uma série de dificuldades, dentre as quais se insere o conluio entre sociedades
empresárias farmacêuticas, as quais, em certas ocasiões, nem mesmo participam dos
certames, a fim de forçar uma contratação emergencial com preços mais elevados que
aqueles tradicionalmente praticados no mercado. Tal fato, porém, não exime os gestores
que, quando não mancomunados com os fornecedores de medicamentos, agem com
negligência na busca por soluções concretas para o problema do desabastecimento.
Nessa linha de intelecção, cumpre lembrar que o Tribunal de Contas da União (3) tem
entendimento consolidado sobre a possibilidade de contratação emergencial, ainda que o
fato ensejador da necessidade pública tenha sido decorrente da falta de planejamento, da
desídia administrativa ou da má gestão dos recursos públicos pelo gestor.
No entanto, tal posicionamento não convalida a conduta omissiva do administrador,
uma vez que esta não pode vir em prejuízo do interesse maior tutelado pela Administração,
qual seja a coletividade. Sendo assim, o mesmo Tribunal de Contas reporta-se pela
apuração da responsabilidade do servidor, em caso de inércia dolosa ou culposa, através
de regular processo administrativo.
É verdade que, na concepção acertada do TCU, os cidadãos não podem ser
prejudicados por um ato espúrio do administrador público, a exemplo do caso de omissão
no adequado gerenciamento do estoque de medicamentos. Todavia, a dispensa de
licitação jamais poderá emergir como regra para as compras de materiais hospitalares, tal
como vem ocorrendo, diuturnamente, no Brasil, visto que o art. 24, da Lei 8.666/93 - Lei
Geral de Licitações - limita o quantitativo a ser adquirido ao que for estritamente necessário
para sanar a situação excepcional, devendo ser instaurado, de logo, o regular processo
licitatório.
Constata-se, desta feita, que não há como abastecer os principais centros de saúde
apenas com quantitativos fracionados de maneira irregular, por ducto de contratação
emergencial, sob pena de persistir o desfalque de materiais hospitalares tão caros à
concretização do direito à saúde.

4 Nota explicativa: REMUME – Relação Municipal de Medicamentos Essenciais.

721
Ademais, é inadmissível, nesse contexto, o fracionamento de licitação, para fins de
contratação direta em razão do valor. Recentemente, a título de informação, tal situação foi
objeto de investigação no Estado de Alagoas tanto pela Controladoria Geral da União
quanto pela Polícia Federal, o que se constatou um prejuízo da ordem de mais de 230
milhões de reais (4) ao Erário, e, consequentemente, à população alagoana.
O que se vislumbra, inevitavelmente, é a configuração de um estado de coisas
inconstitucional na saúde, haja vista a crise abranger a dificuldade estratégica dos três
Poderes, em adotar soluções efetivas que apaziguem o atual estado caótico do
gerenciamento da saúde.
Rodríguez Garavito e Rodríguez Franco (5) defendem que estes casos estruturais
são caracterizados por: i) afetar um número amplo de pessoas que alegam a violação de
seus direitos, diretamente ou através de organizações que litigam em sua causa; ii)
envolver várias entidades estatais como demandadas por serem responsáveis pelas falhas
sistemáticas de políticas públicas, e iii) implicar ordens de execução complexas, as quais o
juiz da causa decide a várias autoridades públicas a empreender ações coordenadas para
proteger toda população afetada, e não somente as partes do caso concreto.
Em sua evolução jurisprudencial, o ECI teve sua consolidação de requisitos para
declaração formal pela CCC na decisão T-025 de 2004 (6), quais sejam: i) violação
massiva e generalizada de vários direitos constitucionais que afeta a um número
significativo de pessoas; ii) a prolongada omissão das autoridades no cumprimento de
suas obrigações para garantir os direitos; iii) a adoção de práticas inconstitucionais; iv) a
não expedição de medidas legislativas, administrativas e orçamentarias necessárias para
evitar a violação dos direitos; v) a existência de um problema social cuja solução depende
da intervenção de várias entidades, requer a adoção de um conjunto complexo e
coordenado de ações e exige um nível de recursos que demanda um esforço orçamentário
adicional importante e vi) um iminente congestionamento judicial pelo número alto de
ações propostas.
Seguindo em convergência ao entendimento pelo estado de coisas inconstitucional,
no caso retratado da saúde no Estado de Alagoas, a Procuradoria Geral do Estado de
Alagoas (7), em parecer proferido pontuou a configuração fática desse estado de coisas
inconstitucional na saúde pública. No teor de seu posicionamento, trouxe à baila a
necessidade dos três Poderes na atuação em conjunto com o fim de cessar a falta de

722
medicamentos, sucateamento de hospitais, ausência de profissionais de saúde, além de
outras medidas necessárias para tal.
É de conhecimento que o Executivo, muitas vezes, sofre com as dificuldades para a
implementação de todas as políticas públicas necessárias ao regular aparato da saúde.
Dentre elas, destaca-se o agravamento desta crise pelo Judiciário, quando este Poder
profere, crescentemente, liminares desprovidas do necessário impacto financeiro ao Erário.
O resultado dessa microvisão do Judiciário, ao conceder tutelas específicas
indiscriminadamente, acarreta em uma interferência negativa no plano governamental de
ações e serviços que devem ser oferecidos à população como um todo (macrovisão), uma
vez que contingencia verbas de destinações mais amplas para cumprir às determinações
judiciais. Ainda, segundo Sampaio (8), a gestão dos recursos públicos e a visão transversal
das políticas públicas, não são de conhecimento do Estado-juiz, de modo que o
cumprimento das decisões em caráter individual, pode não só comprometer a integridade
das políticas públicas de saúde como também de outras áreas.
Por outro lado, nota-se a omissão do Legislativo na realização de seu papel
fiscalizatório e na edição de enunciados normativos mais consentâneos com o total
cumprimento do desígnio constitucional, sobressaindo-se a ausência até o presente
momento da Lei Complementar regulamentando a competência comum da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios no âmbito da saúde, conforme art. 23,
parágrafo único da Constituição Federal.
Desse modo, vislumbram-se reiteradas violações ao direito fundamental grafado no
art. 196, da Constituição Federal, gerando, assim, o estado de coisas inconstitucional.
É salutar, portanto, que os gestores atuem de maneira eficiente, de modo a
possibilitar a aquisição tempestiva dos medicamentos e outros materiais hospitalares, com
o escopo de evitar o desabastecimento.
O primeiro passo é fazer uma pesquisa detalhada dos tipos de demandas que são
dirigidas à Administração Pública, a fim de estimar quais os quantitativos necessários para
atender, no mínimo, um ano de fornecimento contínuo. A despeito de alguns gestores
alegarem a impossibilidade de realização de um planejamento que espelhe,
verdadeiramente, a realidade, em face das constantes determinações judiciais, o que se
pretende é, pelo menos, diminuir as interrupções das distribuições e minorar o volume de
contratações emergenciais.

723
Existem ferramentas à disposição do gestor para, levando-se em conta uma demanda
em potencial, viabilizar a contratação daquilo que for necessário ao atendimento da
necessidade pública. O registro de preços, expressamente consignado na Lei 8.666/93, em
seu artigo 15, é um instrumento efetivo que se adequa ao planejamento estratégico
imprescindível ao abastecimento dos órgãos de saúde, até porque a existência de preços
registrados não obriga a Administração a firmar contratações que deles poderão advir.
Lado outro, é fundamental que se investiguem as sociedades empresárias que não
participam dos certames licitatórios de medicamentos, mas, com frequência, são
contratadas em procedimentos emergenciais. Não é crível que as licitações sejam desertas
e, posteriormente, surja uma série de interessados em vender tais produtos para a
Administração Pública, através de procedimento de dispensa de licitação.
Nesse ponto, é fundamental que se crie uma rede estruturada entre vários órgãos
(Controladoria, Advocacia Pública, Tribunal de Contas, Ministério Público, Polícia Civil e
Federal, dentre outros), com o intuito de coibir rotineiros desvios e impropriedades na
gestão da saúde, bem como de facilitar o intercâmbio de informações, para que se tenha
uma atuação preventiva.
Ademais, é de substancial importância que os servidores responsáveis pela aquisição
de medicamentos sejam adequadamente treinados, em um modelo de compliance no
serviço público, de modo a garantir que exista um programa de integridade, com padrões
éticos suficientes a alterar modelos de conduta acostumados à ineficiência. Afinal de
contas, de nada adianta impor rotinas de trabalho profícuas, se os servidores estão
atuando em contrariedade aos interesses da Administração. Sobre o compilando, no
âmbito da Administração Pública, posiciona-se Ricardo Breier (9):

Desta feita, se agiganta como o grande desafio da Administração Pública


brasileira na atualidade a implantação de programas de compliance de
natureza pública, pormenorizadamente customizados para a realidade
estatal, não apenas aproveitando a riqueza da experiência vitoriosa no
combate à corrupção advinda do setor privado no além-mar, como
igualmente criando estruturas responsáveis pela educação efetiva do gestor
público, forte na criação de uma cultura de boa governança. Frisamos aí a
palavra “efetiva”, uma vez que tudo o que foi feito até aqui simplesmente
falhou, não apenas pela falta de densidade em seu conteúdo, como pela
ausência de sinceridade de propósitos na efetivação dos códigos de
conduta. Aliás, nossa história é rica na produção de normas “para inglês
ver”.

724
Postas tais considerações, percebe-se o quão amplo é o problema do
desabastecimento dos órgãos de saúde das diversas esferas federativas, de tal sorte que
não se trata apenas de mero planejamento estrutural das licitações e compras, mas sim de
uma mudança no conjunto de procedimentos hábeis a gerar mais eficiência para a
atividade administrativa, evitando, assim, o esfacelamento do orçamento estatal. E, o mais
importante, tudo em prol da concreção do direito fundamental de todo e qualquer cidadão,
o direito à saúde.

Referências

1. http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2017/08/mesmo-com-milhoes-gastos-falta-o-
basico-no-hospital-geral-de-alagoas.html. Acesso em 13/10/2017
2. http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/vida-
urbana/2015/04/27/interna_vidaurbana,573117/desabastecimento-de-
medicamentos-na-farmacia-de-pernambuco-penaliza-pacientes.shtml. Acesso em
13/10/2017
3. Acórdão 2240/2015-Primeira Câmara, TC 019.511/2011-6, relator Ministro Benjamin
Zymler, 28.4.2015.
4. https://g1.globo.com/al/alagoas/noticia/policia-federal-cumpre-mandados-de-busca-
e-apreensao-na-secretaria-da-saude-de-alagoas.ghtml. Acesso em 13/10/2017
5. RODRÍGUEZ GARAVITO, Cesar.; RODRÍGUEZ FRANCO, Diana. . Cortes y cambio
social. Cómo la Corte Constitucional transformo el desplazamiento forzado em
Colombia. Bogotá: Colección de Justicia, 2010. Disponível em: <
https://www.dejusticia.org/wp-content/uploads/2017/04/fi_name_recurso_185.pdf
6. ______. Sentencia de Tutela –T- 025.Bogotá. Relator: Ministro Manuel José Cepeda
Espinosa. Disponível em : < http://www.corteconstitucional.gov.co/relatoria/2003/t-
1030-03.htm>. Acesso em: 25 jul.2017.
7. PARECER PGE/ASS N° 139/2015 (Diário Oficial de Alagoas de 15/12/2015).
8. SAMPAIO, José Adércio Leite. Teoria da Constituição e dos Direitos Fundamentais.
Belo Horizonte: Del Rey, 2013.
9. https://www.conjur.com.br/2015-ago-20/ricardo-breier-compliance-setor-publico-
desafio-pais. Acesso em 13/10/2017

725
Eixo 6 – Comunicação e informação em Saúde

Direito à informação para a integralidade do cuidado: informações essenciais


a respeito do fluxo assistencial em casos de câncer bucal

Leonardo Carnut1
Waleska de Oliveira Carvalho
Marianne de Vasconcelos Carvalho

RESUMO: Sob o marco dos Direitos Humanos, um conteúdo normativo do direito à saúde
é o direito à informação em saúde, o que, em âmbito local, significa ampliar os
mecanismos de comunicação e informação entre o sistema e o usuário. Assim este estudo
visou revisar informações consideradas essenciais para que o usuário saiba como o
sistema de saúde está organizado para lidar com a questão do câncer bucal, como forma
de concretizar o direito à informação para garantia da integralidade do cuidado nesta rede
de atenção. Para isso, realizou-se uma revisão narrativa conforme descrito por Rothers
com a perspectiva de identificar o que há na literatura sobre a articulação ‘direito à
informação’ e ‘fluxo assistencial para o câncer bucal’. As informações encontradas
puderam ser agrupadas em três grandes temas: a) informações sobre o “fluxo assistencial
e a atenção secundária à saúde como elementos do sistema de referência e contra
referência”; b) informações sobre o “câncer bucal e as respostas do sistema de serviços de
saúde frente ao problema”, e c) como/quando deve ocorrer a “referência de usuários com
lesões suspeitas de câncer bucal”. Pode-se concluir que o direito à informação para
integralidade do cuidado ao câncer bucal ainda é incipiente especialmente no que se refere
a organização normativa dos serviços e o quede fato existe na rede.
Palavras-chave: Direito à Saúde. Neoplasias. SUS. Fiscalização e Regulação em
Saúde. Informação e Comunicação em Saúde.

Introdução
O trabalho em saúde é pautado pelo princípio da incerteza da demanda (1). Por mais
que os arranjos organizacionais (como na Estratégia de Saúde da Família, por exemplo)
conformem o processo de trabalho em saúde sob a égide da programabilidade (2), o fato é
que a demanda espontânea ocorre, muitas vezes baseada na ausência de informação do
cidadão sobre o escopo de atividades que determinado serviço oferta.
Dotado de uma perspectiva leiga, os usuários constroem um imaginário sobre os
serviços de saúde que, por vezes, não correspondem a sua capacidade instalada.
Segundo Oliveira et al (3), a comunidade percebe consideráveis barreiras de acesso aos

1 Universidade de Pernambuco (UPE). E-mail: leonardo.carnut@upe.br

726
serviços básicos e demonstra ter uma imagem de grande limitação de recursos humanos e
materiais em relação às unidades básicas de saúde. Por outro lado, prontos-socorros e
hospitais se apresentam aos usuários, por várias razões, como espaços de maior
resolubilidade.
Diante deste cenário, é possível identificar um hiato cada vez maior entre sistema de
saúde e usuários dos serviços. Em virtude disso, neste milênio, vem crescendo a
consciência dos movimentos de Saúde Pública e dos organismos internacionais sobre a
importância da aplicação dos direitos humanos na área da saúde. O “Comitê dos Direitos
Socioeconômicos e Culturais” estabeleceu, em seu 14º Comentário Geral de 2000, a
dimensão e o conteúdo normativo do direito à saúde, no qual, dentre eles, encontra-se o
direito à informação em saúde (4), o que, em âmbito local significa: a) ampliar os
mecanismos de comunicação e informação e, b) incentivar a formas de acolhimento que
levem à otimização dos serviços e ao acesso dos usuários a todos os níveis de atenção do
sistema de saúde, com mecanismos de referência e contra referência (5).
Partindo-se desses pressupostos é que o direito à informação sobre o sistema é um
passo para a consolidação do direito à saúde, que se constitui, por sua vez na expressão
concreta do direito à vida e a da dignidade da pessoa humana. Logo, entender o rol de
atividades destinadas a cada organização pública de saúde se trata de um direito
fundamental do usuário do Sistema Único de Saúde conforme preconizado no art. 7º.
Inciso VI da lei 8.080: “VI - divulgação de informações quanto ao potencial dos serviços de
saúde e a sua utilização pelo usuário” (6).
A concretização do direito à informação (7) sobre o sistema de saúde e suas
possibilidades de intervenção não vem sendo uma tarefa trivial, particularmente no que
tange a participação da mídia e de outros veículos de comunicação de largo alcance que
incitam construções distorcidas e generalizadas do que a saúde e o sistema público,
porventura, venham a ser (8). Esse fenômeno consolida, assim, o que Lefèvre (9) já
chamava de uma construção de “mitologias sanitárias”.
O fato é que, a depender da demanda do usuário, é legítimo que ele não consiga
resolutividade para seu agravo no âmbito da atenção básica. Isso ocorre porque, uma das
características dos serviços de saúde é a fragmentação de suas organizações (10), o que
remete, no conceito de redes, à interdependência constante de outros pontos de atenção
(11). Assim, em casos mais complexos e que requeiram maior incorporação tecnológica no

727
processo do cuidado, o usuário deve ser captado pela equipe de atenção básica e essa
deve ficar responsável pela referência adequada de cada caso a nível especializado.
Esse processo de garantia do acesso ao usuário a níveis mais complexos do sistema
(se assim os precisar) é o que se entende por integralidade do cuidado (ou da assistência)
conforme exposto em documentos oficiais (12, 6). Trata-se, portanto, de uma diretriz do
Sistema Único de Saúde e que, resumidamente, significa um conjunto articulado e
contínuo das ações e serviços preventivos e curativos, individuais e coletivos, exigidos
para cada caso em todos os níveis de complexidade do sistema (13).
A garantia da integralidade do cuidado não depende apenas de profissionais com
forte capacidade de captação-diagnóstico-condução, mas também de todos os atores
sociais que compõem os serviços de saúde, em especial o usuário. É pertinente lembrar
que, conforme a lei orgânica da saúde (6), a responsabilidade do Estado com a saúde não
exime a responsabilidade das pessoas, das famílias, das empresas e da sociedade.
Então, visando compreender como o direito à informação para garantia da
integralidade do cuidado poderia ocorrer nos casos relacionados à usuários com lesões
suspeitas de câncer bucal é que este artigo objetivou revisar as informações necessárias
relacionadas ao atendimento para o usuário comum que precise saber como procurar o
sistema, caso desenvolva uma lesão suspeita de câncer bucal.
Para isso, realizou-se uma revisão narrativa conforme descrito por Rothers (14)
conforme três informações consideradas essências para que o usuário saiba sobre como o
sistema de saúde está organizado para lidar com a questão do câncer bucal: 1)
informações sobre o “fluxo assistencial e a atenção secundária à saúde como elementos
do sistema de referência e contra referência”; 2) informações sobre o “câncer bucal e as
respostas do sistema de serviços de saúde frente ao problema”, e 3) como/quando deve
ocorrer a “referência de usuários com lesões suspeitas de câncer bucal”.

O fluxo assistencial e a atenção secundária à saúde como elementos d o


sistema de referência e contra referência

Entende-se por fluxo assistencial o deslocamento da população aos serviços de


saúde (15). Normativamente, o primeiro documento ministerial que versou sobre o assunto
foi a Norma Operacional de Assistência à Saúde 2001-2002 (16). Seu fim era a
regionalização da assistência, remetendo aos estados a competência de organizar o fluxo

728
da assistência intermunicipal; definindo mecanismos para a reorganização dos fluxos de
referência e contra referência e introduzindo o conceito de regulação assistencial (16).
Daí, 7 anos depois do processo de intensificação da regionalização, em 2008, a
Política Nacional de Regulação foi promulgada, desta vez, oficializando termos e funções
por ora já executadas pelas secretarias ou adicionando novas atribuições. Nesse sentido,
oficializou-se atribuições em regulação como aqueles dispostos no art 8º., incisos V e VI
(diagnosticar, adequar e orientar os fluxos da assistência; construir e viabilizar as grades
de referência e contra referência) (17).
Dentre as ações relativas à construção desses fluxos, o art 5º. da mesma portaria no.
1559/2008 elenca as seguintes ações a serem desenvolvidas pelos complexos reguladores
em âmbito geral. São eles: a regulação médica da atenção pré-hospitalar e hospitalar às
urgências; o controle dos leitos disponíveis e das agendas de consultas e procedimentos
especializados; a padronização das solicitações de procedimentos por meio dos protocolos
assistenciais; e o estabelecimento de referências entre unidades de diferentes níveis de
complexidade, de abrangência local, intermunicipal e interestadual, segundo fluxos e
protocolos pactuados (17).
Conforme exposto, percebe-se que os níveis de atenção à saúde caracterizam-se por
um elemento fundamental da regulação assistencial, o que justifica, em grande parte, sua
existência. Com efeito, pode-se afirmar que os níveis de atenção à saúde e seus pontos de
atenção são elementos de um sistema de referência e contra referência e sua
normatização é prerrogativa do poder público, e na área da saúde, o seu conceito está
relacionado aos aspectos de organização dos fluxos dos usuários nos diversos níveis do
sistema (18).
Focando-se no fluxo atenção básica-atenção secundária, o acesso aos
procedimentos especializados, a padronização de solicitação de procedimentos via
protocolização e o estabelecimento de unidades de referência inter/intra níveis são ações
clássicas deste fluxo. Assim, a configuração de uma rede de atenção secundária que
garanta suporte (ou em termos Merhyanos, uma “retaguarda”) para solucionar aquilo que
foge o escopo da atenção básica é crucial. Assim sendo, a atenção secundária (ou
também dita, especializada) compõe, com os demais níveis de atenção, o rol de elementos
de um sistema de referência e contra referência básica.

729
A atenção especializada pode ser conceituada e ao mesmo tempo delimitada pelo
território em que é desenvolvida como um conjunto de ações, práticas, conhecimentos e
técnicas assistenciais caracteristicamente demarcadas pela incorporação de processos de
trabalho que englobam maior densidade tecnológica, as chamadas tecnologias
especializadas (19).
Segundo Merhy (20) os serviços da atenção especializada são espaços de saber-
fazeres profissionais, onde se concretiza o encontro das tecnologias leves e leves-duras,
ofertadas sobre a infraestrutura tecnológica dura. A atenção especializada deve ser
preferencialmente ofertada de forma hierarquizada e regionalizada, garantindo a escala
adequada (economia de escala) para assegurar tanto uma boa relação custo-benefício
quanto a qualidade da atenção a ser prestada (19).
Em saúde bucal, a referência para a atenção secundária são os Centros de
Especialidades Odontológicas (CEO). Estas unidades foram criadas pela portaria nº
599/GM, de 23 de março de 2006. São caracterizadas como Serviço de Apoio Diagnóstico
e de Terapia (SADT) e é o principal espaço de atendimento de casos mais complexos que
transcendem a capacidade físico-pessoal de resolução da atenção primária no SUS (21).

Câncer bucal: conceito, características gerais e respostas do sistema de


serviços de saúde frente ao problema

“Câncer bucal” é uma categoria abrangente de localização para neoplasias, e inclui


tumores de diferentes etiologias e perfis histológicos, embora majoritariamente se refira ao
carcinoma epidermóide. A doença afeta principalmente as pessoas com mais de 45 anos
de idade e, internacionalmente, há muita variação inter e intrarregional e de incidência e
mortalidade (22).
Com base na faixa etária mais acometida, adultos e idosos são aos grupos
populacionais mais propensos a esse tipo agravo. Segundo a Política Nacional de Saúde
da Pessoa Idosa, os serviços de saúde devem estar integrados para lidar com os
problemas de saúde da velhice (23). Isso inclui orientações voltadas a essa população
específica como o entendimento da patogênese do câncer bucal, em especial, seus fatores
de risco, sinais clínicos e fatores sistêmicos associados (2).
Nas neoplasias malignas na cavidade oral, o tecido de origem é geralmente o epitélio
de revestimento mucoso e, por essa razão, a grande maioria, cerca de 90% ou mais, se
expressam como carcinoma epidermóide ou carcinoma de células escamosas ou, ainda,

730
espinocelular, uma variante dos tumores epiteliais que acomete a camada estratificada
escamosa (24).
Conceitualmente falando, “câncer de boca”, “câncer bucal” e “câncer oral” são termos
muito abrangentes, podendo a falta de especificação gerar confusões. Ao se referir ao
câncer de cavidade bucal, a Organização Mundial de Saúde, por exemplo exclui os casos
de câncer de lábio. Quanto às demais localizações anatômicas da boca (gengiva, assoalho
da boca, mucosa da bochecha, vestíbulo da boca, língua, palato e área retromolar)
diferentes seleções podem ser efetuadas e estudos específicos. Além disso, uma
perspectiva analítica mais abrangente permitiria aplicar o termo genérico “câncer bucal”
aos tumores de amígdala e da orofaringe; de fato, alguns estudos efetuam esse recorte
temático para análise em conjunto (22).
Já, epidemiologicamente, o câncer bucal apresenta um conjunto de fatores
associados à sua incidência na população. Dentre aqueles cuja evidência é bem
estabelecida o fumo se apresenta como o principal. Este, quando associado ao consumo
de álcool potencializa a expressão da doença atuando de forma sinérgica. Exposições
ocupacionais como à radiação solar (específico para os cânceres de lábio inferior) dentre
outras substâncias reconhecidamente carcinógenas (como o asbesto, por exemplo)
também são consenso na literatura. Outros fatores descritos como hábitos alimentares
(hipovitaminoses), infecção oral pelo papiloma vírus humano (HPV) transmitido
sexualmente ou pelo parto requerem maiores estudos (22).
O câncer bucal é considerado um problema de saúde (25, 26), uma vez que estudos
epidemiológicos mostram uma taxa de sobrevida em 5 anos e, esta, não tem aumentado
por décadas. Um dos principais fatores que contribuem para esse quadro é o diagnóstico
tardio dessas lesões, onde pacientes se apresentam com estadiamento clínico avançado.
A maioria das lesões malignas é o carcinoma espinocelular (CEC), ocorrendo
predominantemente em homens a partir da quarta década de vida, tagabistas e etilistas
(27, 28).
Embora a epidemiologia, os fatores de risco, as estratégias de diagnóstico precoce, o
tratamento e mesmo os marcadores biológicos do câncer de boca sejam alvo de intensos
esforços de pesquisa, pouco ainda se sabe sobre o impacto real das intervenções de
saúde pública na prevenção da doença ou na minimização da mortalidade (29). Ainda
segundo o mesmo autor, as estratégias de saúde pública têm sido correntemente adotadas

731
para garantir alguma resposta coletiva ao problema tem sido a implantação de
“campanhas” preventivas focadas em uma ou no conjunto de três ações: o autoexame da
boca, o rastreamento e o diagnóstico precoce.
A técnica do autoexame da boca é geralmente descrita como não-invasiva, de baixo
custo, confiável e um método de controle de massa sobre a incidência da doença.
Entretanto seus benefícios seriam alvo da prevenção secundária. O paciente seria capaz
de identificar lesões suspeitas de malignidade e depois ser responsável por procurar
serviços de atenção primária ou secundária (29). É o que relata os dados de Martins (30)
em um estudo de acompanhamento de 9 anos de uma campanha de prevenção do câncer
de boca com autoexame no município de São Paulo. Para o autor as campanhas de
autoexame parecem mais mobilizar a população (pela associação à morte) (31) e ajudar
no treinamento diagnóstico dos recursos humanos do que atuar na redução da incidência
da doença.
Já o rastreamento baseia-se na ideia da detecção de casos na população até então
não detectados com o objetivo de reduzir os danos causados pela doença. O rastreamento
para cânceres só é efetivo se ele conseguir identificar e prover tratamento curativo para
uma proporção grande de lesões que iriam progredir para a morte na ausência de
intervenções. Apesar de grave e apresentar uma fase pré-clínica detectável e
suficientemente longa, o fato de o câncer bucal ser uma doença rara e a presente
ignorância sobre a efetividade do tratamento precoce enfraquece o argumento a favor do
rastreamento para esse tipo de doença (32). Não obstante, alguns autores em um ensaio
comunitário rigorosamente controlado comprovaram que os rastreamentos (screenings)
para câncer bucal não são efetivos para evitar mortalidade pela doença (33).
O diagnóstico precoce ainda parece ser o melhor método de evitar a mortalidade pela
doença. A análise do tempo decorrido desde o primeiro sintoma à aplicação do tratamento
mostra que o atraso diagnóstico poder ser responsável pelas altas taxas de
morbimortalidade. Em uma revisão da literatura (34), autores enfatizaram a necessidade
de reconhecer os agentes responsáveis pela demora de diagnóstico, e que este atraso
pode ser atribuído ao paciente, ao profissional de saúde e ao sistema de saúde (29). Assim
sendo, o estudo de fatores relacionados à rede de serviços, especialmente se tratando do
tempo decorrido entre os primeiros sintomas, diagnóstico e tratamento desses pacientes
são de suma importância.

732
A referência de usuários com lesões suspeitas de câncer bucal para
atenção secundária

É responsabilidade do cirurgião-dentista da atenção básica realizar o diagnóstico


diferencial de lesões bucais e referenciar o usuário caso a lesão detectada seja suspeita. A
portaria nº 599/GM, de 23 de março de 2006, estabelece que todo Centro de Especialidade
Odontológica deve realizar, dentre o elenco mínimo, atividades estabelecidas em
estomatologia com ênfase no diagnóstico e detecção do câncer bucal. Mesmo com a
avaliação estomatológica nos Centros Especializados esta não deve invalidar os esforços
dos profissionais para o diagnóstico precoce de doenças bucais nas Unidades Básicas de
Saúde (2).
A depender da oferta de estrutura da rede e da capacitação do cirurgião-dentista nos
procedimentos de biópsia estes podem ser realizados na atenção básica ou delegados a
âmbito especializado (2). É pertinente lembrar que fazer encaminhamentos sem haver
esgotado as possibilidades diagnósticas na rede básica e sem as informações necessárias
sobre o quadro mórbido revela um certo modo de operar o trabalho em saúde, em que há
falta solidariedade com o serviço e responsabilização no cuidado ao usuário (35). Contudo,
na ordem do dia, os procedimentos de biópsia têm sido realizados na atenção
especializada (36) mesmo em face do grave estrangulamento no acesso aos serviços
especializados de atenção secundária em saúde bucal no SUS (37).
Diante deste cenário, o fluxo assistencial de usuários com lesões suspeitas tem sido
orientado na condução por atendimento especializado. Neste nível, o cirurgião-dentista
responsável pelos atendimentos em estomatologia tem sido o principal responsável pelo
diagnóstico/tratamento (pelo menos inicial) dos cânceres de boca, uma vez que os
procedimentos de biópsia podem ser encarados como diagnóstico ou tratamento a
depender do caso (38). Entretanto, empiricamente percebe-se que o fluxo assistencial dos
pacientes com lesões de câncer em potencial apresenta problemas que vão desde a
capacidade diagnóstica e criação de um projeto terapêutico até o acesso a serviço
especializado propriamente dito.
Tomando-se o termo projeto terapêutico como o conjunto de atos assistenciais
pensados para resolver um problema de saúde (39), pode-se dizer que o problema inicia
na tomada de decisão desse ato. Martino e Botazzo (40) pesquisando o processo de
capacitação de cirurgiões-dentistas da rede de saúde de Osasco, São Paulo demonstram

733
que a prática da clínica ampliada, mesmo quando adquirida do ponto de vista filosófico,
apresenta obstáculos no seu exercício, seja pela rotina de trabalho ou pela incapacidade
de relacionar a integralidade como uma capacidade diagnóstico-terapêutica.
No cotidiano das práticas da atenção básica este fenômeno foi registrado por
Cimardes e Fernades (41). Os resultados de suas pesquisas permitiram avaliar que a
prática do profissional de realizar o exame em busca de lesões suspeitas de câncer de
boca foi relatada pela maioria da amostra (72%), mas 47,5% dos participantes relataram
nunca terem realizado um diagnóstico de câncer de boca. Conclui-se que a política do
governo federal para encaminhamento dos pacientes com lesões suspeitas não vem sendo
posta em prática, pois somente 11,7% dos entrevistados relataram estar encaminhando
seus pacientes para os Centros de Especialidades Odontológicas (CEO)
Quando a barreira da capacidade diagnóstica do cirurgião-dentista é superada, os
problemas passam a residir no deslocamento à unidade de referência. Júnior e Serra (42)
ao estudarem o sistema de referência e contra referência do Município de Resende
perceberam que o constante deslocamento dos usuários para os centros de referências e
a impossibilidade da realização de uma série de exames complementares para fins de
diagnóstico em unidades próximas a sua residência, além de transtornos e gastos
adicionais com transporte, submete o usuário a uma lógica de cuidado em saúde onde
somente o especialista localizado no hospital ou no centro de referência pode dar
resolubilidade ao seu agravo, comprometendo inclusive o diagnóstico precoce.
Outros achados de Chaves et al (43) caracterizam o problema do acesso
propriamente dito à atenção secundária. Em suas pesquisas sobre o acesso aos CEO na
Bahia percebeu-se que usuários com facilidade de acesso geográfico foram os mais jovens
que tiveram mais chance de receber assistência integral. Isto vem gerando uma baixa taxa
de utilização dos serviços públicos odontológicos especializados nos CEO analisados,
conforme os padrões propostos pela Portaria GM nº. 1.101/2002 e pela consulta aos
especialistas, ou seja, a oferta disponível está, de fato, sendo subutilizada para um tipo de
serviço essencial na garantia da integralidade da atenção à saúde bucal.
Portanto, de posse dessas evidências, percebe-se que os atuais mecanismos de
regulação assistencial ainda têm permitido um fluxo não-regulado dos usuários na rede
assistencial (44). Adicionalmente, o sistema de saúde e seu funcionamento são fortes
corresponsáveis pelo atraso diagnóstico e tratamento dos casos de câncer bucal (34).

734
Portanto, de acordo com a normatização vigente e todas a características relativas a um
processo de regulação assistencial, a produção desse fluxo é complexo e que
possivelmente falhas na compreensão e estabelecimento deste fluxo responde importantes
questões relativas a morbimortalidade do câncer de boca.

Considerações Finais
Ao revisar as informações necessárias relacionadas ao atendimento para o usuário
sobre o fluxo assistencial para casos de lesões suspeitas de câncer bucal, foi possível
perceber que grande parte das informações essenciais ainda destoa das práticas nos
serviços, podendo gerar menos possibilidade de acolhida dos casos que chegam
precisando de diagnóstico e, porventura, condução no interior do sistema.
Isso demonstra o quanto se tem a trabalhar no que tange ao direito à informação para
integralidade do cuidado no SUS especialmente se tratando de lesões que poderiam gerar
maior sobrevida caso os usuários pudessem identificar mais facilmente quais serviços
buscar e que fluxo devem enfrentar.

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738
Evolução dos Temas e atores envolvidos nos processos fundamentais do
direito humano a saúde

Jhonatas Barbosa1
Bruna Souza
Fábio Sousa

RESUMO: A evolução da humanidade veio acompanhada de diversos fenômenos de


aprendizado que influenciaram nas tomadas de decisões sobre as politicas publicas e
jurídicas em relação a saúde. No atual contexto da globalização proteger a saúde como um
bem global tem sido objeto de discussão internacional. Muitos dilemas são discutidos,
entre os quais a proteção de direitos fundamentais e a importância de elevar os indicativos
individuais de saúde, envolve cada vês mais a necessidade de inovações em termos de
legislação global. Frente a estes dilemas estão envolvidas diversas instituições publicas,
privadas e a própria sociedade civil, todas engajadas nas discussões sobre o direito
sanitário global como importante indicativo de proteção a saúde. Diversos atores sejam
tradicionais ou novos, tem contribuído com regras e legislações que de forma direta ou
indireta contribuem para as discussões em direito sanitário global e saúde. O presente
trabalho foi construído a partir da analise sistemática de literatura, cobrindo os aspectos
jurídicos e democráticos com o objetivo de fazer uma reflexão conceitual sobre o direito
sanitário no contexto global, caracterizando partir dos elementos que o enfatizam, como os
seus atores e os temas em destaques sociais.
Palavras-chave: evolução da consciência global, saúde, direitos fundamentais,
globalização.

Introdução
Quando se tratam de saúde humana muitas questões filosóficas, antropológicas,
sociais, politicas e econômicas são evidenciadas. Todas estas questões complexas abrem
portas para dilemas mais simples de serem entendidos e que elucidam a mais formal e
evidente realidade, a de que a saúde humana é um direito que deve ser assegurado a
qualquer custo.
Este direito fundamental norteia a mais complexa rede de regras e deveres que
devem ser assegurados aos seres humanos, é essencial para o exercício de todos os
outros direitos constitucionais.
O tema, direto a saúde vem de um amplo debate internacional, outros diálogos tem
sido construídos, passando a barreira da problemática saúde, mais estes temas em debate
e as suas relações de influencia com a saúde tem sido considerada e estudados.

1 Universidade do Estado do Pará.E-mail: jhonquimbarbosa@gmail.com

739
No mundo atual, diante dos avanços tecnológicos e científicos, era de se esperar que
os problemas relacionados à saúde e seus direitos já estivessem sendo resolvidos ou no
mínimo em estados mais avançados, no entanto, observa-se que dentro do contesto da
globalização, muitas são as manifestações de improbidades administrativas, corporativas,
politicas e sociais, que em suma prejudicam o avanço em politicas publicas, politicas estas
que se fossem bem administradas poderiam beneficiar o avanço de leis mais completas e
fundamentais que atendessem as manifestações e anseios da população.
Os estados nacionais são os detentores e os que podem garantir e legitimar o direito
a saúde, no entanto outros atores, principalmente as corporações internacionais são
capazes de influenciar positivamente e negativamente nas politicas publicas de normas e
regulamentações, que tem impactos diretos a saúde.
Estes diversos atores que influenciam nas partições do estado democrático, fazem
surgir na literatura novos conceitos como saúde global e direito sanitário global, o que
evidencia a necessidade de compreender estes novos fenômenos conceituais e as suas
consequências à realidade cívica.
O presente trabalho foi construído partir da analise sistemática de literatura, cobrindo
os aspectos jurídicos e democráticos, tem por objetivo fazer uma reflexão conceitual sobre
o direito sanitário no contexto global, caracterizando partir dos elementos que o enfatizam,
como os seus atores e os temas em destaques sociais.

Evolução da Consciência Global do Direito Humano a Saúde


A evolução da consciência é um processo complexo, não é alcançado em um
pequeno intervalo de tempo, mais leva anos de conscientização ate que novas formas de
entendimento sejam encerradas na cognição e na cadeia social.
Assim como a evolução da cognição de uma criança leva consideráveis anos para
alcançar a maturidade educacional, a evolução da consciência global do direito a saúde foi
marcada por diversos fenômenos antagônicos e marcadamente irreparáveis como guerras
e desastres naturais, diante destes dilemas as humanidades vêm evoluindo nas politicas,
economia, segurança entre outras, com o objetivo de alcançar maturidade educacional,
jurídica e social.
No atual contesto de globalização do direito humano, a compreensão de que a saúde
é um bem publico global faz com que os governos mundiais pensem em politicas publicas

740
baseadas em direitos humanos, o que possibilita o debate politico e social, tais
mecanismos promovem a construção de cidadania e amplia participação democrática (1).
O enfoque nos aspectos da globalização para entender como o direito a saúde esta
se ampliando pelo mundo, pode ajudar a compreender as relações de dilemas (temas) e
os atores envolvidos.
A globalização é marcada por características muito únicas, como a crescente
interdependência econômica, social, politica, além da integração global do capital, dos
bens de consumo, ideias jurídicas, filosofias, cultura, ciência e tecnologia (1).
Todas essas características podem parecer sem sentido em uma discussão sobre a
evolução do direito humano a saúde, mais, no entanto, tais características levam a
mudanças importantes na organização, no financiamento e nas ações dos sistemas
nacionais e internacionais de saúde, sejam de caráter politico, social ou jurídico.
Todas as caraterísticas humanas e naturais influenciam de alguma forma no tratado
de direito a saúde, as transações comerciais, viagens, as questões ambientais, os conflitos
armados ou ideológicos, e o próprio terrorismo, além de guerras civis, todas de alguma
maneira transcendem os limites territoriais e impactam profundamente a politica, os valores
sociais e as leis que definem os parâmetros do direito a saúde (2).
O fenômeno da globalização alterou profundamente as distinções entre a saúde
internacional e a saúde global, isso de certa forma impactou significativamente na
mudança de pensamento sobre saúde internacional, que se ocupava apenas com os
problemas nacionais de epidemias, atuando sobre as suas fronteiras (3).
Agora com a diversidade humana cada vês mais globalizada, estes dilemas
transcenderam as fronteiras para além de problemas nacionais, indo para discussões
globais (saúde global), agora se preocupando com a saúde da população mundial, não
estando recluso a fronteiras, mais sim, se reajustando com as forças da globalização.
A caracterização da saúde global vem como parte de uma compreensão internacional
de que a sociedade contemporânea reconhece não somente o encurtamento das
distancias, mais também dos impactos da globalização, como a interdependência global
sobre os parâmetros determinantes da saúde.
O termo saúde global, envolve amplos aspectos da nova ordem mundial, a
globalização envolve a participação de vários atores com importância, novos enfoques,
estratégias e objetivos (2).

741
As novas faces da globalização sobre a saúde global faz com que as fundações
privadas, organizações não governamentais e grandes corporações de vários países, além
das discussões sobre saúde, epidemias, nos estados, municípios e países globais,
também realça a relevância desses atores sobre a legitimidade e governança global sobre
saúde.
O direito sanitário global é em principio um campo muito abrangente, pois envolve
normas e processos de vinculo jurídico e politico, necessários para criar às condições de
amplo acesso a saúde física e mental em todo o mundo.
Diante desse quadro de realidades, o direito sanitário global tem evoluído sobre as
normas e politicas publicas de acesso a saúde, com uma infinidade de atores envolvidos
na forma de instituições que influenciam nos tratados legislativos, bem como na expansão
da legislação sanitária para todo o globo (4). Mesmo com os recentes avanços é fácil
observar que a realidade vivida por milhares de pessoas em todo o mundo é bem
diferente, a expansão progressiva dos direitos a saúde por meio de legislações cada vez
mais bem elaboradas se mostra fragmentado, descoordenado e em muitos casos ineficaz.

Os Temas e Atores Envolvidos com o Direito Sanitário Global à Saúde


A discussão sobre o direito sanitário global envolve muitos atores, dispostos em uma
complexa rede exploratória e inter-relacionada com as características pessoais de cada
um. Cada autor esta correlacionado com uma, duas ou mais temáticas, tais temáticas são
um aglomerado rico em inter-relações pessoais, conjuntas e globais (5).
Os temas mais difíceis e complexos fazem parte do conjunto exploratório do direito
sanitário global, a exemplo a saúde, segurança e meio ambiente.
A saúde um exemplo bastante complexo, pode ser explorado sobe a pesquisava dos
avanços que foram e que estão sendo feitos por todo o mundo. Na historia da humanidade,
desde os tempos mais remotos, a civilização humana vem sofrendo com doenças, fome e
epidemias, dos mais diversos exemplos a própria natureza é uma poderosa arma natural
de seleção, através de tempestades, terremotos e outros fenômenos naturais, no entanto o
próprio ser humano tem contribuindo para a sua extinção, agravando os problemas de
saúde com novas formas de intoxicação do metabolismo (6).
Seja por meio de alimentos ou pelo estilo de vida nada natural, o ser humano tem
contribuindo para a sua própria morte prematura, diante desse cenário não resta opção a
não ser discutir como minimizar os efeitos dos recentes avanços em poluição do

742
metabolismo humano. Novas pesquisas sobre epidemias e mortes por doenças adquiridas
como câncer, AIDS e outras, tem demostrado a necessidade de regras de controle e de
ações governamentais para melhorar a saúde (2).
Nos últimos anos o mundo tem assistido com perplexidade os acontecimentos
mundiais, vem aumento a preocupação com os vazamentos de radioatividade,
contaminação do ar por material particulado como foligem, além do aumento da
concentração de gases poluentes e cancerígenos (4).
O uso desrespeitoso de minérios de urânio por países como Irã, Coreia do Norte e
Turquia, para produção e teste de armas nucleares, com fins militares, tem alarmado o
mundo, o que faz as pessoas questionarem sobre que direitos elas tem frente a esses
abusos internacionais? Como viver com saúde e segurança se o mundo parece se
envolver em relações conflitantes e desarmoniosas?
Quando se questiona o que fazer sobre tais paradigmas complexos e atuais, fica
difícil consistir com respostas corretas e perfeitas, no entanto as discussões são validas
para o efetivo e amplo debate jurídico e social.
Hoje, o florescimento das discussões em direto sanitário global, cada vês mais tem
discutido as mais complexas preocupações, incluindo os avanços em pesquisas genéticas,
ciências biomédicas e reprodução assistida, entre outras.
Este novo campo de estudo tem contribuído para uma ampla discussão entre
diversas áreas do conhecimento. Sobre as pesquisas farmacêuticas, clonagem, doenças
infecciosas, alimentos, segurança e controle de doenças, entre mais, todas estão no
contexto da pesquisa do direito sanitário global (6).
Todos esses campos de estudo, hoje convergem para uma discussão ampla e
profunda das necessidades relacionadas aos direitos fundamentais de todos os seres
humanos a saúde.
O tema segurança esta relacionado a saúde por diversos motivos, desde os tempos
remotos, como discutido anteriormente, a humanidade sofre de doenças, sejam por causas
naturais ou adquiridas, de forma geral o controle de doenças, ou seja, uma questão de
segurança tem sido discutida por diversos lideres mundiais.
Saúde e segurança estão cada vês mais ligados, interligados por diversas discussões
internacionais, países ricos e desenvolvido como o Estados Unidos da América, nas
conferencias da ONU, tem levantado a bandeira das questões humanitárias, no entanto

743
cabe destacar e frisar que não apenas o Estados Unidos, mais diversos países da Ásia,
África, Europa e América, todos tem contribuído para um debate das questões de
segurança (1).
São diversos os problemas envolvidos com o tema segurança e saúde, preocupações
com armas químicas, biológicas e nucleares, têm sido muito discutidas nos últimos anos,
frente a essa batalha, estão ativistas, professores, cientistas, pessoas civis, governos e
lideres religiosos.
Eventos recentes como as ameaças do ditador da Coreia do Norte, com testes de
armas e misseis de longo alcance, com potencial capacidade de carregar ogivas atômicas,
vem fazendo o mundo interior estar em alerta máximo, o que tem levado os lideres
mundiais a reuniões quase constantes para avaliar e discutir os perigos, e propor medidas
de controle como embargos comerciais e políticos para forçar o retrocesso de tais
programas ameaçadores.
Episódios de contaminações de alimentos, como no caso do Brasil, operação
desencadeada pela força tarefa da policia federal intitulada carne fraca, evidencia um
problema complexo e desafiador de produção industrial de carne nacional, problemas com
as demandas de fiscalização e controle, são outro desafio, medidas de apoio legal ainda
necessitam evoluir para coibir tais atividades criminosas (3).
Na tentativa de evoluir e lidar com todos esses dilemas e desafios e num contesto
onde ha dificuldade dos lideres mundiais de reconhecerem, serem compromissados e
responsáveis, ainda falta a ampliação das agendas de organizações internacionais que
reforcem a necessidade de expandir o dialogo e o compromisso jurídico com ações
pontuais nos problemas entre os países e os seus atores (5).
Questões atuais como a migração, crise econômica e guerras representam impactos
nos sistemas de saúde dos países. Na Europa com a migração de diversos povos que
fogem de guerras, fome e perseguição politica, religiosa e étnica, levanta e modificam a
cadeia social e politica dos países, recentes ataques terroristas e casos de doenças têm
levantado questões complexas sobre o desafio e as consequências da migração sobre o
sistema de saúde (2).
No Brasil com a chegada de milhares de pessoas que fogem da Venezuela por causa
da crise econômica e politica, abrem precedentes ainda pouco controláveis sobre quais

744
impactos este fenômeno não planejado possa trazer ao sistema de saúde e vigilância
sanitária, aos estados afetados e a população ali presente.
O problema da crise humanitária tem sido o enfoque atual, lideres mundial tem
discutido os efeitos que estas migrações têm causado aos países e a soberania da
população ao direito de saúde e vigilância a estes direitos constitucionais.
No entanto diversas mudanças podem ser vistas por todo o mundo no cenário
politico, com os recentes casos de migração, ataques terroristas, fome, guerras, crise
politica, crise econômica, crise constitucional, aparentemente, muitos paradigmas tem sido
quebrados, podem ser vistos por todo o mundo um dilema difícil de ser compreendido por
completo, o desejo de muitas pessoas de manter a soberania popular de uma nação acima
dos problemas complexos de outras nações.
Casos recentes como o popular aumento da chamada extrema direita na Europa e
nos Estados Unidos tem demostrado a insatisfação popular e o quanto estas questões
complexas estão mudando o mundo, e, portanto sua consequência pode ser sentida nos
direitos fundamentais de acesso a saúde (4). Todos estes temas, por mais complexos que
sejam, apresentam os nexos de interdependência e dependência entre si, seus
paradigmas e suas consequências podem ser percebidas nas formas politicas e jurídicas
de um país, e influenciam nas manifestações populares, sócias, jurídicas, politicas e
religiosas, na verdade podem ser as indicativas de mudanças nas redes de saúde e no
estado de direito sanitário, ocasionando mudanças complexas e mundiais.
Com relação aos atores que participam da construção e das modificações dos direitos
sanitários em escala mundial, podem ser diversos e atuam de maneiras diferentes, no
entanto é possível classifica-los, como os que são considerados tradicionais, como as
organizações internacionais de saúde e os chamados novos atores, que atualmente
podem ser observados no âmbito distrital, nacional, regional e também em blocos
econômicos (6).
Os atores tradicionais como as instituições internacionais especializadas em
discussões sobre saúde como a OMS e a organização Pan-americana da Saúde (OPAS),
interferem na elaboração de normas jurídicas, que impactam na organização mundial
sobre a saúde (6).

745
Muitos são os interesses envolvidos por esses órgãos e instituições, não é incomum
haver discordâncias e tensões entre dilemas como soberania versos migração, direita
versos esquerda, ocidente versos oriente.
Todas essas complexas relações já são estudadas pelas teorias das relações
internacionais, evidentemente que nas múltiplas esferas dos atores, podem ser
encontradas simetrias politicas e filosóficas que influenciam de forma ampla a tomada de
decisões jurídicas e sócias sobre os direitos fundamentais sobre a saúde. Com relação aos
novos atores, estes atuam na esfera nacional e internacional, são organizações da
sociedade civil e do setor privado, que influenciam diretamente na tomada de decisões por
parte das instituições tradicionais. As organizações privadas e civis como as ONGs, tem
atuado constantemente sobre diversos temas relacionados a saúde e ao meio ambiente,
mesmo não possuindo personalidade politica ou jurídica, estas organizações influenciam
de forma ampla as tomadas de decisões, e influenciam a sociedade a mobilizações sobre
estes temas (3).
Devido a seu prestigio cientifico e acadêmico, estas instituições agregam força de
convencimento aos temas de seus interesses, de forma geral, no âmbito internacional
ganham surpreendente relevância nos assuntos sobre as politicas publicas e sociais, sobre
a saúde e os direitos sanitários nacionais e internacionais. A saúde global é um tema
complexo e envolve diversos fenômenos e atores envolvidos, mais este certo que estas
discussões internacionais podem ajudar a realizar mudanças importantes, pois envolve um
conjunto multidisciplinar de pessoas e profissionais envolvidos, desde médicos, filantropos,
farmacêuticos, químicos, biólogos, biotecnólogos, juristas, economistas, políticos,
sociedade civil, militar, OMGs entre outros. Todos discutindo os parâmetros, as politicas,
as pesquisas, os dilemas, os problemas, sejam nacionais ou globais, todos envolvem as
questões de saúde, humanidade, politicas publicas e sociais que garantam os pilares
fundamentais de direito sanitário global.

Conclusões
O progresso das discussões politicas e sociais sobre o direito sanitário global e suas
influencias sobre a saúde, são mais um passo importante na evolução da consciência
humana, pois privilegia seus próprios dilemas humanitários.

746
São diversos os temas que hoje podem ser observado no mundo que influenciam de
forma direta ou indireta a saúde no contexto global. Os indicativos mostram que tem
aumentado à disposição dos lideres mundiais e da sociedade civil em discutir os
problemas como o aumento de epidemias, os problemas de fabricação e teste de misseis
atômicos, migração entre outros.
Os atores são diversos, podem ser os tradicionais ou os novos, todos tem contribuído
de forma ampla para uma discussão efetiva sobre os direitos a saúde. Destaca-se o
aumento no numero de pessoas envolvidas com as discussões sócias, politicas e jurídicas
sobre a saúde. São mais diversificados e multidisciplinares os novos atores, sejam em
instituições privadas ou OMGs, podem-se observar cada vez mais cientistas, políticos e a
própria sociedade civil atuando nas discussões sobre a saúde. O grande dilema hoje é
com harmonizar tantos interesses sobre o direito sanitário global em comum acordo, fica
evidente que o direito a saúde, esta coberto por um cenário complexo e cheio de dilemas
de negociações politicas. No entanto ressalta-se que no atual cenário, diante da
globalização e dos novos dilemas mundiais é precisos consenso e união em prol do bem
comum, a saúde como direito fundamental.

Referências

1. SACARDO, D. P.; FORTES, P. A. C.; TANAKA, O. Y. Novas perspectivas na gestão do


sistema de saúde da Espanha. Revista Saúde Sociedade, São Paulo, v. 19, n. 1, p.
170-179, 2010.
2. SOARES, S. F. S. O direito internacional sanitário e seus temas: apresentação de sua
incômoda vizinhança. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v. 1, n. 1, nov. 2000.
Disponível em: .http://dx.doi.org/10.11606/ issn.2316-9044.v1i1p49-88.
3. VELASCO E CRUZ, S. Globalização, Democracia e Ordem Internacional. Campinas:
Editora Unicamp, 2004.
4. VENTURA, D. F. L. Saúde Pública e Integração Regional: tensões entre o direito à
saúde e o comércio internacional. In: BOGDANDY, Armin von; PIOVESAN, Flávia;
ANTONIAZZI, Mariela Morales (Orgs.). Direitos humanos, democracia e integração
jurídica na América do Sul. Rio de Janeiro: Max Planck Institute; Lumen Juris; PUC-SP,
2011. v. 1, p. 449-472.
5. BERMURDEZ, J. A. Z; OLIVEIRA, M. A; CHAVES, G. C. O Acordo TRIPS da OMC e
os desafios para a saúde pública. In: BERMUDEZ, Jaz; OLIVEIRA, M; ESHER, A.
(Orgs.). Aceso a medicamentos: derecho fundamental, papel del Estado. Rio de
Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, 2004. p. 69-89.
6. BOLIS, M.; CAMPOS, R. F. América latina: espacios de avance em torno al derecho a
la salud. In: DELDUQUE, Maria Célia et al. (Orgs.). El derecho desde la calle:

747
introducción critica al derecho a la salud. Brasília: Fundação Universidade de Brasília,
CEAD, 2012. p. 97-106.

748
Direito a Qualidade Sanitária da Água: cuidados com a Água Residencial

Natasha Berendonk Handam1


Maria José Salles2
Adriana Sotero-Martins3

RESUMO: Objetivo: O trabalho teve o objetivo de realizar educação em saúde para a


melhoria e garantia da qualidade da água para consumo humano nas residências em
comunidades no Território de Manguinhos, RJ. Metodologia: Foi elaborado o caderno de
educação em saúde visando a melhoria da qualidade sanitária da água de consumo nas
residências, intitulado “Caderno de Saúde e Ambiente, volume temático Nº 1- Água
Potável: cuidados e dicas”. Resultados e Discussão: O uso da cartilha auxiliou a educação
ambiental, no momento da devolutiva dos resultados das análises da água nas
residências. Com isto, todas as informações e recomendações contidas no caderno foram
explicadas, orientando os moradores sobre como proceder para a melhoria da qualidade
da água da sua residência. Conclusão: A educação em saúde realizada no projeto
contribuiu com informações aos moradores para melhorar e garantir que a água esteja de
qualidade para consumo, para assim prevenir agravos à saúde. Além do mais, este
material informativo também poderá ser utilizado em domicílios de qualquer região do
Brasil.
Palavras-chave: Água Potável, Educação em Saúde, Qualidade Sanitária.

Introdução
A água é um recurso ambiental essencial a sobrevivência dos seres vivos, e foi
reconhecida desta forma inicialmente em 1977 durante a Conferência das Nações Unidas
sobre Água em Mar Del Plata - Argentina. Nesta conferência foi estabelecido que
independente da condição social e econômica todos tinham direito ao acesso a água
potável de qualidade (1).
Outro referencial internacional quanto ao direito à água surgiu em 2002, durante o
Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, em que foi
estabelecido o direito humano à água no Comentário Geral de nº15 (2). Neste documento,
além da disponibilidade de água, esta também deve ser de qualidade; quantidade
suficiente; ter acessibilidade física e financeira, que não apresente riscos, e nem
comprometa a alimentação e cuidados com a saúde (1).

1 1Programa de Doutorado em Saúde Pública e Meio Ambiente – ENSP/FIOCRUZ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail:
natashabhandam@gmail.com
2 DSSA/ENSP/FIOCRUZ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
3 DSSA/ENSP/FIOCRUZ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

749
Então em 2010 foi instituída uma legislação da Assembleia Geral da Organização das
Nações Unidas, Resolução A/RES/64/292 (3), que reconhece e determina formalmente
que a água, e o esgotamento sanitário são um direito a todas as populações humanas.
Após este marco, todas as cidades devem proporcionar e garantir o abastecimento de
água e o esgotamento sanitário às residências (1).
Apesar dos investimentos internacionais no acesso à água potável e ao
saneamento, atualmente, 2,5 bilhões de homens, mulheres e crianças no mundo não têm
acesso a serviços de saneamento básico. Além do mais, quase um bilhão de pessoas
continuam praticando defecação a céu aberto, e 748 milhões de pessoas não possuem
acesso imediato à água potável, principalmente, em regiões carentes como na África
subsaariana, Ásia Meridional e Sul oriental da Ásia (4). Estimou-se em 2010 que pela falta
de saneamento, aproximadamente 1,5 milhões de crianças menores de 5 anos cheguem a
óbito, e 443 milhões de dias escolares são perdidos a cada ano relacionado a doenças (3).
Estas condições precárias favorecem a disseminação de doenças, como as diarreicas que
são umas das principais causas de óbitos entre crianças menores de cinco anos. A falta de
saneamento e higiene também pode levar às doenças, como parasitoses intestinais,
cólera, febre entérica, hepatite e febre hemorrágica do vírus ebola (4).
Visto isto, é de fundamental importância que a água utilizada para consumo humano
atenda aos padrões de potabilidade para que não ocorram doenças devido a sua
contaminação (5). Para ser considerada potável no Brasil, os parâmetros devem estar
dentro dos limites preconizados pelo Ministério da Saúde, Portaria 2.914 de 2011 para o
consumo humano (6).
A água tratada que chega às residências pode ser contaminada biologicamente,
modificando assim a sua qualidade sanitária. As alterações podem ser devido ao
abastecimento clandestino de água, que é uma forma propícia para a contaminação.
Geralmente, as ligações clandestinas (captação de água ilegal) são construídas com
materiais de pouca durabilidade e segurança (7-8). Estas por sua vez, estão muitas das
vezes próximas aos canos de esgoto, o que pode contaminar tanto a água que chega a
estes moradores quanto, também, aos moradores que recebem a água pelos
encanamentos legais de água (8).
Outra forma de contaminação pode ser o processo de armazenamento de água
potável em recipientes como piscinas, baldes e caixas d'água. Quando estes são utilizados

750
como reservatórios e, posteriormente, a água não é tratada de forma adequada pode
ocorrer a proliferação de patógenos como, por exemplo, bactérias que causam
gastroenterite. A melhor maneira de conservar a água corretamente é realizando a adição
de cloro na quantidade adequada por ml de água, porém quando parada ou exposta ao
calor por muito tempo, esta pode perder a quantidade do cloro importante para a sua
desinfecção, e por isto deve ser monitorada (9).
Para a promoção da saúde e a garantia de uma água com qualidade sanitária
adequada para a população é muito importante também o acesso à informação em saúde:
“O acesso à informação em saúde é fundamental para reduzir iniquidades e promover
transformações sociais necessárias para a qualidade de vida e o bem-estar mais
democrático das populações. O conceito ampliado de "saúde", tão discutido nos debates
que deram origem ao Sistema Único de Saúde (SUS), está intimamente relacionado à
ideia de cidadania. E uma das bases essenciais ao exercício pleno da cidadania e do
direito à saúde é o direito à comunicação e à informação” (10).
Neste sentido, o projeto teve o objetivo de realizar educação em saúde para a
melhoria e garantia da qualidade sanitária da água para consumo humano nas residências
em comunidades no Território de Manguinhos, RJ.

Metodologia

Foi realizado o trabalho de educação em saúde juntos aos moradores nas


comunidades de Manguinhos, RJ, após a avaliação da qualidade sanitária da água de
consumo das residências. Depois das análises da água ficou evidente que a população
precisava de orientações sobre cuidados com a água, pois os resultados mostraram que
apenas 29% das amostras de água coletadas estavam próprias para consumo humano
segundo os padrões de potabilidade, ou seja, com ausência de coliformes, e 71% das
amostras de água estavam contaminadas com coliformes (8).
Tendo em vista a devolutiva dos resultados das análises da qualidade da água
consumida pela população do Território de Manguinhos foi elaborado o caderno de
educação em saúde visando a melhoria da qualidade sanitária da água de consumo nas
residências, intitulado “Caderno de Saúde e Ambiente, volume temático Nº 1- Água
Potável: cuidados e dicas” (11). Todo o caderno foi elaborado pela equipe em reuniões de
grupo, com contribuição de pesquisadores, alunos e bolsistas da Fundação Oswaldo Cruz-

751
FIOCRUZ, sendo elaborado com uma linguagem simples e ilustrativa para atingir a
população (Figura 1).

Figura 1 – Capa do Caderno de Saúde e Ambiente, volume temático Nº 1- “Água Potável:


cuidados e dicas”. Fonte: Soterro-Martins et al. (2014).

Resultados e discussão

O uso da cartilha auxiliou a educação em saúde, no momento da devolutiva dos


resultados das análises da água nas residências. Com isto, todas as informações e
recomendações contidas na cartilha foram explicadas, orientando os moradores sobre
como proceder para a melhoria da qualidade da água da sua residência.
A cartilha baseia-se em orientações a partir de uma personagem, que se inicia com a
informação sobre o padrão de qualidade estabelecida pela legislação para água potável,
que determina que a água potável não deve conter microrganismos patogênicos e deve
estar livre de bactérias indicadoras de contaminação fecal (6). A partir disto, a personagem
explica sobre a importância da limpeza da caixa d’água para a qualidade da água da
residência, e que deve ser feita a limpeza de 6 em 6 meses ou até 1 ano. E lista o material
que são necessários para a limpeza de uma caixa d’água, como esponja macia, balde e
cloro ativo. Em seguida, traz o conceito de cloro ativo e como prepará-lo para desinfecção.
Nesta parte possui informações sobre a quantidade de cloro para cada quantidade em
mililitro de água (Figura 2).

752
Figura 2 – Qualidade da água, preparo para a limpeza da caixa d’água e do cloro ativo, e
entrega ao morador do Caderno de Saúde e Ambiente, volume temático Nº 1- “Água
Potável: cuidados e dicas”. Fonte: Soterro-Martins et al. (2014).

Nas duas páginas seguintes da cartilha se encontra o Passo a passo da limpeza da


caixa de água, desde como proceder para a retirada da água suja, limpeza das paredes
até o momento da desinfecção com a quantidade de cloro ativo que devesse colocar e o
tempo para deixar agir nas paredes da caixa. Também fala sobre a importância desta
limpeza adequada e periódica para a prevenção de doenças (Figura 3).

753
Figura 3 – Passo a passo da limpeza da caixa d’água, páginas do Caderno de Saúde e
Ambiente, volume temático Nº 1- “Água Potável: cuidados e dicas”. Fonte: Sotero-Martins
et al. (2014).

Posteriormente a personagem elucida Como tratar a água “não confiável”. Uma água
não confiável corresponde uma água que pode estar contaminada por agentes biológicos
(bactérias, vírus e parasitos), e com isto há riscos para saúde relacionados com a sua
ingestão. Neste conteúdo da cartilha é indicado para tratar a água com a utilização de
filtros, ou fervura ou cloração da água, e como tratar com estas formas. Na página seguinte
o tema se trata dos Cuidados com filtro e águas de geladeira, e explica sobre os cuidados
com os filtros de barro e de refil, indicando que o refil do filtro deve ser trocado de 6 em 6
meses. Quando isto não é realizado a função da filtragem perde a sua eficácia, permitindo
a passagem de microrganismos. As garrafas de geladeira também devem ser tratadas
para armazenamento de água com qualidade, e para isto precisam ser limpas até o limite
de 1 semana, com água e sabão, ou com cloro ativo. Finaliza com o alerta de que
mamadeiras e outros utensílios plásticos não devem ser fervidos, pois pode haver
substancias tóxicas no plástico (como o bisfenol A), que se soltam com o calor. Para
desinfetar neste caso é indicado o uso de solução de água sanitária e depois lavar com
água. Junto com o caderno de Saúde e Ambiente, volume temático Nº 1- “Água Potável:
cuidados e dicas” foi oferecido um encarte para ser fixado na geladeira ou atrás da porta

754
da cozinha, para que o morador pudesse registrar as datas de troca ou limpeza do filtro e
as datas de lavagem da caixa de água (Figura 4).

Figura 4 – Tratamento da água “não confiável”; cuidados com filtro e águas de geladeira; e
encarte para lembrar das datas de limpeza - páginas do Caderno de Saúde e Ambiente,
volume temático Nº 1- “Água Potável: cuidados e dicas”. Fonte: Sotero-Martins et al.
(2014).

Conclusões

A utilização do Caderno de Saúde e Ambiente – “Água Potável: cuidados e dicas”


contribuiu com informações para os moradores sobre a qualidade da água de consumo e
como o cidadão poderia ter cuidados para minimizar os riscos relacionados com a
contaminação da água, e com isto evitar agravos à saúde. Além do mais, este material
informativo também pode ser utilizado em domicílios de qualquer região do Brasil, para
auxiliar a melhoria da qualidade da água de consumo humano.

755
Referências

1. 1 Neves-Silva P, Heller L. O direito humano à água e ao esgotamento sanitário como


instrumento para promoção da saúde de populações vulneráveis. Ciência &amp;
Saúde Coletiva. 2016;21(6):1861–1870.

2. 2 Office of the High Commissioner for Human Rights (OHCHR). General Comment No.
15: The Right to Water (Arts. 11 and 12 of the Covenant). Geneva: OHCHR; 2010.

3. 3 United Nations General Assembly (UNGA). Human Right to Water and Sanitation.
Geneva: UNGA; 2010. UN Document A/RES/64/292.

4. 4 WHO. World Health Organization. UN reveals major gaps in water and sanitation–
especially in rural áreas. 19 de novembro de 2014. Disponível em:
<http://www.who.int/mediacentre/news/releases/2014/water-sanitation/en/>. Acesso
em: 20 nov. 2014.

5. 5 Santos MC, Wilson HME. Qualidade da Água para Consumo Humano no Município
de Honório Serpa: Ênfase ao Uso dos Agrotóxicos; 2008.

6. 6 BRASIL. Portaria nº 2914 de Ministério da Saúde de 12 de dezembro de 2011. Diário


Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 13 de dezembro de 2011.

7. 7 Barcellos C, Coutinho K, Pina MF, et al Inter-relacionamento de dados ambientais e


de saúde: Análise de riscos à saúde aplicada ao abastecimento de água no Rio de
Janeiro utilizando sistemas de informações geográficas. Cadernos de Saúde Pública.
1998;14:597-605.

8. 8 Handam NB. Condições Sanitárias da Água Residencial, do Solo Peridomiciliar e dos


Rios das Comunidades do Território de Manguinhos, RJ. Escola Nacional de Saúde
Pública Sergio Arouca. Fundação Oswaldo Cruz; 2016. 141 p.

9. 9 Sotero-Martins A. Armazenar Água de Forma Inadequada pode Causar Doenças.


Matéria do Jornal Extra/Oglobo. Acesso em: 23 de janeiro de 2017. Disponível em:
http://extra.globo.com/noticias/saude-e-ciencia/armazenar-agua-de-forma-inadequada-
pode-causar-doencas-15117029.html. 2015.

10. 10 FIOCRUZ. Fundação Oswaldo Cruz. SUS de A a Z. Comunicação e informação.


2017. Acesso em: 09 de setembro de 2017. Disponível em:
https://pensesus.fiocruz.br/comunicacao-e-informacao

11. 11 Sotero-Martins A, Santos, JAA, Moraes Neto, AHA, et al Caderno de Saúde Pública
e Ambiente - No. 1 Água Potável: cuidados e dicas. Acervo Educacional Sobre Água.
Agência Nacional de Águas. 2014. Disponível em:
https://capacitacao.ana.gov.br/conhecerh/handle/ana/317

756
Do Direito à Informação ao Direito a Não Saber

Ferreira Ramos1
Marta Frias Borges2

RESUMO: Introdução: O modelo hipocrático/paternalista foi substituído por um paradigma


de autonomia do doente, que colabora com no processo de tomada de decisão após
devidamente informado pelo profissional de saúde. Sucede que, sobretudo quando em
causa estão testes genético, este direito é exercido negativamente através do direito a não
saber. Metodologias: Revisão de literatura e textos legais sobre o direito à informação e o
direito a não saber. Resultados e discussão: O direito a não saber tem consagração em
diversos textos legais. Porém, apesar disso, o exercício deste direito suscita ainda algumas
dúvidas, havendo quem considere mesmo que o reconhecimento deste direito seria um
regredir ao paternalismo hipocrático. Por outro lado, o exercício deste direito depende,
geralmente, da prévia informação da existência de risco, o que acaba por descaracterizar
este direito a não saber. Conclusões: A introdução da opção «Direito a Não Saber» na
Área do Cidadão do Portal do Serviço Nacional de Saúde, permitiria ao profissional de
saúde avaliar se o doente que tem perante si pretende ou não ser informado sobre o seu
estado de saúde, sem perguntar diretamente ao doente se quer ou não saber, o que por si
é suscetível de anular este direito a não saber.
Palavras-chave: Autonomia do paciente; Direito à Informação; Consentimento
Informado; Direito a não saber.

O modelo hipocrático, em que o profissional de saúde guiava a sua atuação apenas


pelo escrupuloso cumprimento do princípio da beneficência, foi substituído pelo
reconhecimento do direito à autonomia e autodeterminação do doente.
A imagem do doente silencioso que não manifesta a sua vontade é agora substituída
por um doente falante e cooperante, que partilha a tomada de decisão sobre o seu corpo e
sobre a sua saúde.
O princípio da beneficência não é agora o único a reger a relação médico-paciente,
tornando-se necessário considerar também o respeito pela autonomia do próprio paciente.
Um dos primeiros passos em direção ao reconhecimento do princípio da autonomia
dos doentes foi dado pelo Código de Nuremberga, no ano de 1947. Entre outros méritos,
destaca-se, exatamente, o facto deste diploma ter colocado a investigação científica
dependente da recolha do consentimento livre e esclarecido dos participantes, como
reação às múltiplas experimentações realizadas em seres humanos durante a Segunda
1 Ferreira Ramos, Filomena Girão & Associados, Sociedade de Advogados, SP, RL. E-mail: ferreira.ramos@faf-
advogados.com
2 Ferreira Ramos, Filomena Girão & Associados, Sociedade de Advogados, SP, RL. E-mail: marta.frias.borges@faf-

advogados.com

757
Guerra Mundial. Apesar da preocupação de exigir a recolha de consentimento já se
encontrar regulamentada, pelo menos, desde 1900, data em que o Governo Prussiano
publicou o normativo regulamentador da prática experimentação humana, foi sem dúvida
com este Código que a recolha de consentimento informado assumiu um maior destaque.
Mais tarde, também no Relatório de Belmont destacou o princípio do respeito pelas
pessoas, enquanto dever de reconhecer a autonomia dos indivíduos e proteger as pessoas
com autonomia diminuída.
Do mesmo modo BEAUCHAMP e CHILDRESS dão destaque ao princípio da
autonomia, sendo que para estes autores são necessárias três condições para que as
atuações sejam absolutamente autónomas: (i) intencionalidade; (ii) conhecimento e (iii)
ausência de controlo externo (1). De facto, este exercício da autonomia de cada um não se
basta com uma ausência de influências externas, sendo ainda necessário que o doente
conheça um conjunto de informações que lhe permita prestar o seu consentimento de
forma livre e esclarecida. Associado ao princípio da autonomia do doente está, pois, o
correspondente direito à informação, pois só na posse desses devidos esclarecimentos
poderá o doente manifestar o seu consentimento.
Em suma, o exercício da autonomia pressupõe o esclarecimento sobre o diagnóstico,
o prognóstico, a natureza do tratamento proposto, os riscos e benefícios do tratamento
proposto (em especial riscos frequentes e riscos graves) e alternativas.
Mas e se o doente não quiser ser informado do seu estado de saúde? Se o doente
quiser viver tranquilamente sem conhecimento das doenças de que padece ou de que
pode vir a padecer? Não poderá este direito à autonomia ser exercido também
negativamente?
Com efeito, tem sido reconhecida a existência de duas exceções ao dever de
informação do profissional de saúde: (i) por um lado, o privilégio terapêutico, (ii) por outro
lado, o designado direito a não saber.
Ora, enquanto o privilégio terapêutico pressupõe uma ponderação do profissional de
saúde, que se abstém de comunicar o diagnóstico sempre que o mesmo se revele
suscetível de colocar em perigo a vida do paciente ou causar grave dano à sua saúde
física ou psíquica, o direito a não saber pressupõe uma manifestação do próprio doente
que renuncia à informação.

758
O direito a não saber encontra-se consagrado no artigo 10.º, n.º 2 da Convenção
sobre os Direitos do Homem e da Biomedicina, segundo o qual “qualquer pessoa tem o
direito de conhecer toda a informação recolhida sobre a sua saúde. Todavia, a vontade
expressa por uma pessoa de não ser informada deve ser respeitada”. Do mesmo modo,
esta exceção ao dever de informar tem ainda respaldo no artigo 25.º, n.º 3 do Regulamento
da Deontologia médica, quando dispõe que “a informação não pode ser imposta ao doente,
pelo que não deve ser prestada se este não a desejar”.
Também a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos,
ressalta que “deve ser respeitado o direito de cada indivíduo a decidir se quer ou não ser
informado dos resultados de um exame genético e suas consequências” (artigo 5.º, alínea
c).
Assim, ultrapassado o paradigma hipocrático e reconhecido o direito à informação e
ao esclarecimento como pressupostos do necessário consentimento informado, deparamo-
nos agora com o reverso: o direito do paciente a não ser informado sobre o seu estado de
saúde.
O exercício deste direito tem sido frequente sobretudo no âmbito da medicina
preditiva, enquanto conjunto de técnicas de investigação médicas e biológicas destinadas
a determinar as predisposições para as doenças, a fim de permitir um tratamento
adequado, antes mesmo do aparecimento dos sintomas e das complicações.
Com os avanços conquistados na medicina, os testes genéticos permitem atualmente
identificar a predisposição genética para vir a padecer de uma doença grave no futuro
(v.g., doença de Parkinson ou Alzheimer). Sucede que, perante a inexistência de cura para
estas doenças, muitas vezes quem se sujeita a este tipo de exames manifesta a intenção
de não ser informado do seu estado de saúde. De facto, em determinados casos, a
consciência de que se poderá vir a padecer de uma doença incurável poderá ser
demasiado perturbador.
Porém, e não obstante o reconhecimento legislativo, o exercício do direito a não
saber continua a levantar algumas dificuldades (2). Será este direito a não saber ainda
uma manifestação do princípio da autonomia? Como se assegura este direito a não saber?
Invocam alguns autores que o exercício da autonomia pressupõe o correto
esclarecimento do paciente, que só desta forma será capaz de tomar uma decisão
absolutamente autónoma, pelo que o reconhecimento do direito a não saber seria um

759
retorno ao paternalismo hipocrático. No entanto, o exercício do direito a não saber é
exatamente a expressão do direito à autonomia do paciente, que livremente opta por não
ter conhecimento do seu estado de saúde.
Aliás, como refere ROBERTO ANDORNO, o reconhecimento do direito a não saber
justifica-se, desde logo, pela obediência ao princípio bioético da não-maleficência, segundo
o qual o profissional de saúde se deve abster de lesar ou de não infligir dano ao individuo.
Ora, na medida em que a informação seja suscetível de perturbar psicologicamente, o
profissional de saúde deve respeitar o direito do paciente a não saber.
Outra das criticas mais frequentemente apontadas ao direito a não saber prende-se
com o facto deste direito não poder ser exercido de forma plena e absoluta, na medida em
que só poderia ser exercido após a referência à possibilidade de vir a apresentar uma
predisposição genética para uma determinada doença. No fundo, quase a contrassenso, a
transmissão da informação acaba por ser um pressuposto do exercício daquele.
De facto, o exercício do direito a não saber pressupõe o conhecimento do risco de vir
a apresentar a uma constituição genética que aponte para uma determinada patologia.
O certo é que quem se sujeita a um teste genético sabe, ainda que abstratamente,
que poderá vir a ter predisposição genética para uma determinada doença (3). Porém, não
poderá desvalorizar-se o acerto desta crítica, e a necessidade de prever mecanismos que
possam assegurar o cabal exercício do direito a não saber, enquanto manifestação do
princípio da autonomia.
Na verdade, como refere ANDRÉ DIAS PEREIRA, “O problema fundamental do
direito a não saber é o conhecimento da possibilidade de conhecimento” (4).
Para ultrapassar este problema, ROBERTO ANDORNO propõe um “registo público”
(5) que assinale previamente a intenção do exercício deste direito a não saber, a exemplo
do que sucede já, entre nós, com o Registo Nacional do Testamento Vital ou com o
Registo Nacional de Não Dadores.
Não vamos tão longe!
No entanto, julgamos que a utilização das potencialidades da Área do Cidadão do
Portal do Serviço Nacional de Saúde permitiria assegurar o cabal exercício do direito a não
saber. A inclusão do “direito a não saber” em «dados pessoais» ou «resumo de saúde»
permitiria aos profissionais de saúde avaliar se aquele concreto doente quer ou não ser

760
informado sobre o seu estado de saúde, tal como já permite hoje o acesso ao testamento
vital nos casos em que existe.
Somos, pois, da opinião de que a correta utilização do Portal do Serviço Nacional de
Saúde permitiria retirar vantagens ainda não aproveitadas, e que muito beneficiariam os
doentes.
Obviamente, o exercício do direito a não saber não poderá ser absoluto,
nomeadamente quando coloque em causa a saúde de terceiros (familiares ou não). No
âmbito dos testes genéticos este problema coloca-se com maior acuidade, na medida em
que os resultados poderão ter importância para outros membros da família que possam
padecer da mesma predisposição genética e que, na posse dessa informação, poderiam
adotar uma série de condutas destinadas a retardar o aparecimento dos sintomas.
Como compatibilizar então o direito à autonomia do doente com o interesse dos
familiares?
Seguindo de perto ROBERTO ANDORNO (6), entendemos que esta informação
apenas deverá ser revelada aos familiares contra a vontade do “doente”, quando se
verifiquem dois pressupostos: (i) a revelação seja necessária para evitar um dano sério aos
familiares; (ii) existe uma forma de cura disponível para a doença.
Tem-se ainda levantado a questão do exercício do direito a não saber em doenças de
doenças infectocontagiosas, como o VIH- SIDA. Todavia, em nossa opinião, nestes casos
não poderá ser exercido o direito a não saber (7), desde logo tendo em atenção o artigo
33.º, n.º 2 do Regulamento da Deontologia Médica, que estabelece o dever de o médico
informar as pessoas em risco sempre que o doente não modifique o seu comportamento.
O direito a não saber poderá também suscitar uma preocupação de racionalização de
recursos, na medida em que não sabendo e, por conseguinte, não adotando cuidados de
medicina preventiva, o paciente vai agravando o seu estado de saúde por uma opção
própria e pelo seu comportamento de risco, o que acarretará, mais cedo ou mais tarde, um
maior encargo para o Serviço Nacional de Saúde.

Referências

1. BEAUCHAMP, Tom L., e CHILDRESS, James F., Principios de Ética Biomédica


(Edição espanhola), 1.ª edição, Reimpressão, Barcelona, Masson, 2002, p. 116.

761
2. ANDORNO, R, The right not to know: an autonomy based approach, in «J Med Ethics»,
Vol. 30, 2004, p. 435.
3. ANDORNO, R, The right not to know…, cit., p. 437.
4. PEREIRA, ANDRÉ DIAS, Direitos dos Pacientes e Responsabilidade Médica, 1.ª
edição, Coimbra Editora, 1995, p. 516.
5. ANDORNO, R, The right not to know…, cit., p. 438.
6. ANDORNO, R, The right not to know…, cit., p. 437
7. ANDORNO, R, The right not to know does not apply to HIV testing, «J Med Ethics»,
Vol. 42, 2, 2016, p. 104 e 105.

762
Subnotificação de Doenças Diarreicas Agudas em Unidades de Saúde de
Arapiraca: Proposta de Vigilância na Atenção Primária à Saúde - Relato de
Experiência.

Rafaela Campos Alcântara1


Elton Junior Siqueira Gama2
Karen da Costa Paixão3
Michael Ferreira Machado4

RESUMO: Objetivo: Analisar a subnotificação das doenças diarreicas agudas em três


Unidades Básicas de Saúde do município de Arapiraca-AL. Metodologia: Trata-se de um
estudo de caso, descritivo, realizado por acadêmicos da Universidade Federal de Alagoas -
Campus Arapiraca através de busca ativa em prontuários clínicos por casos de doença
diarreica aguda (DDA) no município de Arapiraca-AL e identificação de fatores associados
à subnotificação. Resultados e Discussão: Foram analisados 4.748 prontuários e
encontrados 168 casos de DDAs, correspondendo a 3,5 casos para cada 100 prontuários
analisados. Embora seja um valor importante, diante das condições estruturais dos bairros,
nota-se que há subnotificação. As razões da subnotificação estão relacionadas à falta de
percepção dos profissionais acerca da importância das informações, sobrecarga de
trabalho, processos burocráticos e ao não comparecimento dos usuários à Unidade de
Saúde. Conclusão: A subnotificação de DDAs em Arapiraca-AL exprime a necessidade de
melhorias no sistema de vigilância epidemiológica para fornecer dados confiáveis aos
programas nacionais e que reproduzam a realidade local.
Palavras-Chave: Doenças Diarreicas Agudas, Subnotificação, Vigilância em Saúde.
TEXTO:

Introdução
As doenças diarreicas agudas (DDAs) caracterizam-se pela diminuição da
consistência das fezes, aumento do número de evacuações e em alguns casos, há
presença de muco e sangue (disenteria). Quando tratadas incorretamente ou não tratadas,
podem levar à desidratação grave, podendo ocorrer óbito (1).
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2003, 1,87 milhões de
crianças menores de cinco anos morreram devido à doença diarreica. No Brasil, um total
de 337.232 crianças menores de cinco anos foram hospitalizadas pelo mesmo motivo em
2004 (2). Reconhecida como importante causa de morbimortalidade, mantem relação

1 Medicina da Universidade Federal de Alagoas, Campus Arapiraca. E-mail: rafaela.alcantara@arapiraca.ufal.br


2 Discente da Universidade Federal de Alagoas (Curso de Medicina)
3 Discente da Universidade Federal de Alagoas (Curso de Medicina)
4 Docente da Universidade Federal de Alagoas (Curso de Medicina)

763
direta com as precárias condições de vida e saúde dos indivíduos, em consequência da
falta de saneamento básico, de desastres naturais e da desnutrição crônica, entre outros
fatores (1).
A Vigilância Epidemiológica das DDAs é composta pela Monitorização das Doenças
Diarreicas Agudas (MDDA), com o intuito principal de acompanhar a tendência e a
detecção de alterações no padrão local das doenças diarreicas agudas de forma a
identificar, em tempo oportuno, surtos e epidemias (1). Assim, as competências de cada
um dos níveis do sistema de saúde (municipal, estadual e federal) abarcam todo o
espectro das funções de vigilância epidemiológica, porém com graus de especificidade
variáveis. As ações executivas são inerentes ao nível municipal, mas seu exercício
apropriado exige conhecimento analítico da situação de saúde local (3).
Deste modo, para que ações por parte do poder público sejam executadas com
eficácia, voltando-se para os problemas em questão, os dados e as informações precisam
ser consistentes a fim de identificar quais fatores procuram explicar as causas das DDAs e
seu reflexo na sociedade. Partindo desse princípio, notificar adequadamente os casos de
doenças diarreicas se faz necessário para o planejamento das ações em saúde.
Diante disso, este estudo propõe caracterizar a subnotificação de DDAs nas unidades
de saúde do município de Arapiraca e sugerir medidas de Vigilância Epidemiológica para
atenuar essa situação.

Metodologia
Trata-se de um estudo de caso, descritivo, realizado como atividade prática de ensino
do Eixo Integração Ensino-Serviço-Comunidade (IESC) do curso de Medicina da
Universidade Federal de Alagoas – UFAL Campus Arapiraca.
Neste trabalho, definiu-se por análise de notificação de casos de DDAs, a busca ativa
em prontuários clínicos de pacientes das seguintes Unidades Básicas de Saúde (UBS) da
cidade Arapiraca- AL: Dr. Daniel Houly; Francisco Pereira Lima (4º Centro de Saúde) e Dr.
José Barbosa Leão (Planalto). Estas unidades são locais de atuação dos discentes desde
o início do curso, justificando assim, a escolha das mesmas como local de realização do
trabalho.
A população coberta por cada Unidade, que corresponde a 13.800 usuários
(Francisco Pereira Lima - 4º Centro), 13.815 usuários (Dr. José Barbosa Leão) e 6.401 (Dr.
Daniel Houly), que totaliza 34.016 usuários. A partir dessa quantidade, foi utilizada uma

764
amostra aleatória do número de casos, definindo um mínimo de 10% do total de
prontuários, para realização da busca de casos notificados. Quanto ao critério de inclusão,
foram selecionados os prontuários do período de 2015 e 2016.
Como instrumento de coleta de dados, foi utilizado o formulário padrão do Ministério
da Saúde, que contém as seguintes áreas de preenchimento: número de ordem; data do
atendimento/SE; faixa etária; presença de sangue (sim ou não); presença de desidratação
(sim ou não); endereço; zona de residência (rural/urbano); conduta; exame laboratorial; e a
classificação do plano de tratamento em A- Diarreia sem desidratação, paciente atendidos
com cuidados domiciliares, B- Diarreia com desidratação, paciente em observação na sala
de TRO-terapia de reidratação oral ou C- Diarreia grave com desidratação, tratar através
de reidratação venosa.
Após a análise de prontuários e recolhimento de dados criou-se uma tabela no
programa Microsoft Excel para armazenamento e posterior análise.

Resultados e discussão
Foram analisados 4.748 prontuários, encontrando-se 168 casos de diarreia, o que
correspondeu a 3,5 casos para cada 100 prontuários analisados. Embora seja um número
importante, as condições sanitárias dos locais estudados demonstram uma evidente
subnotificação de casos.
O relatório de situação do Ministério da Saúde publicado em 2011 pela Secretaria de
Vigilância em Saúde aponta que, no período de 2007 a 2010, foram notificados 140.732
casos de DDA em Alagoas e que a incidência nesse período variou de 6,9 a 15,9/1000
habitantes (4). Os anos seguintes também apresentaram valores significativos em relação
à presença de surtos de DDA. Rufino e colaboradores (2016) fizeram uma análise sobre a
distribuição espacial e temporal de notícias, internações e óbitos em surtos de diarreia,
identificando que os estados mais atingidos em 2013 foram Alagoas e Pernambuco, tendo
Alagoas apresentado cerca de 103.191 casos, apenas no ano em questão. Ainda segundo
os autores, dos 102 municípios de Alagoas, 25 tiveram surtos notificados, incluindo
Arapiraca, um dos municípios em que a identificação de casos se deu com maior
frequência (5).
A subnotificação é um problema recorrente no sistema de informação da saúde no
Brasil. Vários são os fatores que contribuem para essa situação, incluindo-se a própria
natureza passiva do processo de notificação. Concomitantemente, Medronho (2008),

765
afirma a existência de uma evidente falta de percepção da maior parte dos profissionais
em saúde acerca da importância deste tipo de informação para que ações de saúde
pública sejam mais efetivas (6).
Ainda que a falta de percepção dos profissionais seja o fator mais evidente, outros
fatores também são relevantes na contribuição para a subnotificação, como o respeito à
confidencialidade das informações na relação médico-paciente e questões operacionais
como sobrecarga de trabalho, processos burocráticos e longos formulários que requerem
tempo do profissional (7).
Esses problemas também estão presentes nos outros países. Segundo um estudo
publicado na revista Epidemiologia e Serviços de Saúde, 2012, por meio de uma pesquisa
realizada em Taiwan, constatou que médicos alegam falta de tempo para fazer a
notificação e encaminham essa responsabilidade deles para outros profissionais, e em um
hospital privado da África do Sul muitos médicos consideram a notificação complexa e não
possuem estímulo para realizá-la (8).
Diante disso, a notificação que é algo essencial para identificação de surtos,
epidemias, elaboração de hipóteses e análises epidemiológicas gerais. Conhecer a real
situação epidemiológica das doenças e desenvolver ações que busquem seu controle
transformou-se em um grande obstáculo (8).
No caso da análise da subnotificação nas UBSs de Arapiraca, o problema pode estar
vinculado principalmente ao não comparecimento do usuário à unidade básica de saúde ou
a uma possível busca por serviços de saúde mais especializados, como os hospitais da
região. Essa causa de subnotificação também decorre da “normalização” dos casos de
DDAs e de ela ser uma doença autolimitada. Assim, realizar visitas domiciliares e mais
pesquisas de campo ajudaria transpor esse problema, bem como desenvolver novos
mecanismos de conscientização e facilitação para que a população notifique esse
processo (9).
Diante dos aspectos citados, é necessário refletir sobre como a Vigilância em Saúde
é afetada pela subnotificação e desenvolver mecanismos que visem minimizar o problema,
a fim de obter dados mais confiáveis para orientar as ações públicas. A educação
continuada dos profissionais de saúde como um incentivo ao preenchimento dos dados é
uma boa vertente, haja vista que muitos profissionais vigilantes ainda não estão a par do
processo, pois muitos deles não sabem a importância e os procedimentos necessários

766
para a notificação, enquanto outros justificam que há falta de tempo para o preenchimento
da ficha, ou que o processo é muito trabalhoso, fato que prejudica a qualidade e a
quantidade das informações (6).
Além disso, a fragmentação dos processos de trabalho nas unidades de saúde pode
ser citada como um elemento complicador. Por essa razão, deve-se aprimorar a
comunicação desses profissionais para que eles trabalhem de forma articulada, por meio
de treinamentos e capacitação sistemática dos profissionais de saúde acerca dos
protocolos existentes (10).
De modo geral, o estímulo às ações educativas em saúde, direcionada aos
profissionais deve, além de capacitá-los sobre a importância da notificação e
preenchimento de dados, visar à sensibilização da população para que procurem a UBS
em casos de diarreia. Ao mesmo tempo se deve buscar orientar sobre os fatores
determinantes do adoecimento, estimulando a utilização de água potável ou pelo menos
filtrada ou fervida para consumo, preparo dos alimentos e higiene pessoal. Para realização
dessas ações de educação em saúde, a equipe de saúde deve contar com a colaboração
da própria comunidade, num processo de corresponsabilização. Todos os participantes
envolvidos devem divulgar o assunto em questão, realizando palestras e eventos em
espaços coletivos, como escolas, creches e a própria Unidade Básica de Saúde,
garantindo assim, o acesso da população às informações e uma maior abrangência
territorial.
As ações também visam demonstrar que a diarreia é um problema nacional, devendo
ser combatido de maneira eficaz, ressaltando a importância de que a procura a Unidade
Básica é essencial para a notificação dos casos e amenização desse agravo.

Conclusões
A subnotificação de doenças ou agravos é uma realidade nas unidades de saúde
estudadas. A diarreia é uma doença extremamente relacionada às condições de vida da
população e, em Arapiraca, as três comunidades analisadas neste estudo apresentam
elementos que contribuem para números expressivos de casos da doença, tais como
pobreza, falta de saneamento básico e ausência de educação em saúde. Contudo, os
números registrados nos prontuários são incompatíveis com as condições de vida da
população, o que implica na existência de subnotificação dos dados.

767
A subnotificação é concernente a uma diversidade de fatores que remetem tanto à
percepção das comunidades quanto às condições de trabalho nas UBSs, sendo eles a
“banalização” da doença por parte da população mais pobre e sem acesso aos meios de
educação em saúde, a sobrecarga do profissional de saúde (principalmente do profissional
médico) e a ausência de educação continuada dos mesmos para que haja atualização
constante acerca da importância da notificação de doenças para a vigilância.
As possíveis soluções para o problema se relacionam principalmente com medidas
de educação em saúde, tanto direcionadas para a população no que se refere ao
tratamento da água potável, higienização de mãos e alimentos e importância de procurar
atendimento médico nas UBSs em casos de diarreia, quanto para os profissionais médicos
para que estes preencham os prontuários notificando os casos de doenças diarreicas.

Referências

1. BRASIL. Guia de Vigilância em Saúde: volume 1 / Ministério da Saúde, Secretaria de


Vigilância em Saúde, Coordenação-Geral de Desenvolvimento da Epidemiologia e
Serviços. – 1. ed. atual. – Brasília: Ministério da Saúde, 2017.

2. MOUTINHO, F. F. B.; CARMO, R. F. Doença diarreica e condições de saneamento da


população atendida pelo programa saúde da família no município de Lima Duarte–MG.
Revista de APS, v. 14, n. 1, 2011.
3. ROUQUAYROL, M. Z.; ALMEIDA FILHO, N. Epidemiologia & saúde. 6. ed. Rio de
Janeiro: Medsi: Guanabara Koogan, 2003. xiv, 708 p.

4. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Sistema nacional de


vigilância em saúde: relatório de situação: Alagoas/Ministério da Saúde, Secretaria de
Vigilância em Saúde. – 5. ed. – Brasília: Ministério da Saúde, 2011.

5. RUFINO, R.; GRACIE, R.; SENA, A.; FREITAS, C. M. F.; BARCELLOS, C. Surtos de
diarreia na região Nordeste do Brasil em 2013, segundo a mídia e sistemas de
informação de saúde - Vigilância de situações climáticas de risco e emergências em
saúde. Ciência e Saúde Coletiva, 21 (3): 777-788p, 2016.

6. MEDRONHO, R. A.; et al. Epidemiologia. 2a. ed.: Atheneu, 2008. 676 p.

7. PEREIRA, M. G. Epidemiologia: teoria e prática. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,


c1995. XVIII. 596 p

8. Revista epidemiologia e serviços de saúde, Vol. 21, N.3, Brasília, setembro de 2012.

768
9. FAÇANHA, M. C.; PINHEIRO, A. C. Comportamento das doenças diarreicas agudas
em serviços de saúde de Fortaleza, Ceará, Brasil, entre 1996 e 2001. Rio de Janeiro:
Cad. Saúde Pública, 21(1):49-54, jan-fev, 2005.

10. FARIA, L. S.; BERTOZZI, M. R. A vigilância na Atenção Básica à Saúde: perspectivas


para o alcance da Vigilância à Saúde. São Paulo: Rev. esc. enferm. USP. vol. 44, n.3,
setembro, 2010.

769
Acesso Às Informações Sobre Qualidade Da Água De Recreação

Thiago Almeida1
Maria José Salles
Adriana Sotero Martins

RESUMO: O ambiente aquático apresenta diversas funções para a vida humana, dentre
elas a função recreativa. No Brasil as águas de recreação podem ser classificadas de
acordo com o tipo de contato entre o usuário e a mesma – primário ou secundário, sendo
sua qualidade estabelecida pela Resolução CONAMA nº274/2000. A contaminação das
águas recreativas representa um grave problema para a saúde pública, sendo responsável
por diversas doenças associadas a bactérias, vírus protozoários e parasitas,
principalmente em regiões com baixos índices de infraestrutura sanitária. Esse cenário
evidencia a importância do acesso a dados e a divulgação de informações sobre a
qualidade das aguas recreativas para a população.
Palavras-Chave: Água, recreação, saneamento, contaminação, doenças

A utilização das águas como uma forma de lazer sempre esteve presente na cultura
humana, principalmente nos países com vasta riqueza de recursos hídricos. Tais
condições são propícias para a prática de atividades de recreação que envolvam o contato
primário com as águas do mar, rios, cachoeiras, represas e lagoas (1).
Segundo Von Sperling (2), o uso mais nobre da água é representado pelo
abastecimento de água doméstico, o qual requer a satisfação de diversos critérios de
qualidade. E há uma carência na atenção dedicada ao uso da água para recreação, que
constitui uma das mais antigas formas de apreciação desse recurso.
No Brasil o uso da água para fins de recreação pode ser classificado de acordo com o
tipo de contato entre o usuário e as águas. O contato primário é o contato direto dos
usuários com os corpos de água, que envolvem atividade esportiva ou de lazer, dentre
eles, natação, surfe, windsurf, kitesurf e mergulho. Enquanto que no contato secundário
existe contato indireto com a água, tais como, pesca, usuários de jet-ski e navegação.
A Resolução CONAMA Nº 274 de 29 de novembro de 2000 é um instrumento
específico que estabelece os critérios e limites para análise e avaliação da evolução da
qualidade das águas destinadas à recreação de contato primário, sendo utilizada tanto em
praias litorâneas quanto em águas interiores (lagoas, rios, cachoeiras, bacias e
reservatórios). Por meio dessa resolução as águas são classificadas como próprias ou

1 DSSA/ENSP/FIOCRUZ, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. E-mail: almeida.thiago.bio@gmail.com

770
impróprias, a partir do resultado das análises microbiológicas em águas doces (águas com
salinidade igual ou inferior a 0,50 %o), salobras (águas com salinidade compreendida entre
0,50 %o e 30 %o) e salinas (águas com salinidade igual ou superior a 30 %o), de forma a
prevenir danos à saúde (3). A classificação da qualidade das águas é determinada de
acordo com os níveis de coliformes encontrada na análise realizada (Tabela1).

Tabela 1. Classificação da água de recreação segundo a Resolução CONAMA nº


274/2000, dados expressos em Números Mais Prováveis (NMP) por 100 mililitros de água.

C. Fecais
Classificação E. coli Enterococos
(Termotolerantes)
Excelente 0 a 250 0 a 200 0 a 25
Muito Boa 250 a 500 200 a 400 25 a 50
Satisfatória 500 a 1000 400 a 800 50 a 100
Imprópria >1000 * >800 ** >100 ***

Fonte: Resolução CONAMA 274/2000.


*Se a última amostra for superior a 2.500 (NMP de Coliformes Termotolerantes/100mL) ou se nas últimas 5
campanhas, dois ou mais resultados forem superiores a 1.000 (NMP de Coliformes Termotolerantes/100 mL).
**Se a última amostra for superior a 2.000 (NMP de Coliformes Termotolerantes/100mL) ou se nas últimas 5
campanhas, dois ou mais resultados forem superiores a 1.000 (NMP de Coliformes Termotolerantes/100 mL).
***Se a última amostra for superior a 400 (NMP de Coliformes Termotolerantes/100mL) ou se nas últimas 5
campanhas, dois ou mais resultados forem superiores a 1.000 (NMP de Coliformes Termotolerantes/100 mL).

O CONAMA (2000) menciona os parâmetros e bioindicadores específicos de


qualidade da água para assegurar as condições de balneabilidade em águas brasileira. Os
indicadores de qualidade biológica apresentados nesta resolução são os coliformes totais,
Escherichia coli e Enterococos, As águas também podem ser consideradas impróprias
quando houver presença de esgoto, resíduos sólidos, óleos, graxas, dentre outras
substâncias capazes de tornar desagradável a recreação, proliferação excessiva de algas
tóxicas ou outros organismos que podem causar mudança na coloração da água e/ou
formação de uma camada espessa na superfície (3).
A Companhia Estadual de Tecnologia e Saneamento Básico (CETESB), em 2004,
menciona que a presença de coliformes na água está relacionada com a precariedade ou
ausência de um sistema de esgotamento sanitário, e a qualidade das águas de recreação
está diretamente ligada à qualidade do sistema de saneamento, ou à ausência dele.
As bactérias do grupo coliforme são utilizadas na avaliação da qualidade
microbiológica da água, pois atendem a vários requisitos de um bom bioindicador de

771
contaminação fecal (4). A resolução recomenda o parâmetro Escherichia coli para
avaliação da qualidade microbiológica de águas doces e salinas, e o parâmetro
Enterococos é usado para avaliar a qualidade apenas das águas marinhas (3).
Os coliformes fecais (termotolerantes) são bactérias pertencentes ao grupo dos
coliformes totais; a Escherichia coli são bactérias que fazem parte da família
Enterobacteriaceae, que não causam danos quando estão presentes na flora intestinal
normal do ser humano, porém, quando encontrada em outras regiões do corpo, pode
causar doenças graves, como infecções do trato urinário, bacteremia e meningite; e o
Enterococcus são bactérias do grupo dos estreptococos fecais, e possuem como
característica principal, a alta resistência às condições adversas de crescimento; em sua
maioria, os indicadores de qualidade biológica são de origem fecal humana e de animais,
sendo encontrados em esgotos, efluentes, águas naturais e solos que tenham recebido
contaminação fecal recente (5)(3)(6).
A contaminação das águas naturais representa um dos principais riscos à saúde
pública, sendo amplamente conhecida a estreita relação entre a qualidade de água e
inúmeras enfermidades que acometem as populações, especialmente aquelas não
atendidas por serviços de saneamento (7). Ainda segundo o autor, a gestão de recursos
hídricos possui uma importante integração com o saneamento ambiental e a saúde pública
(Figura 1).

772
Figura 1 - Relação entre gestão de recursos hídricos, saneamento ambiental e saúde pública.
Fonte: Libânio (2005).

A água contaminada é responsável por grande parte das doenças em países em


desenvolvimento (6). A gastroenterite, por exemplo, que é associada à água poluída por
esgotos, geralmente apresenta sintomas como, enjôo, vômitos, dores de estômago,
diarréia, cefaléia e febre. Estudo apresentado pela CETESB (8) indicou forte correlação
entre a presença dos patógenos Escherichia coli e Enterococos associada à gastroenterite
em nadadores.
Os corpos de água contaminados trazem consigo bactérias, vírus e protozoários,
deixando seus frequentadores suscetíveis às doenças causadas por eles (9). Dentre os
banhistas, as crianças, idosos e pessoas com baixa resistência tem maior probabilidade de
adquirirem infecções ou outras doenças após o contato com água contaminadas. Sabe-se
que do ponto de vista da saúde pública, além das doenças comuns à veiculação hídrica,
são importantes também, aquelas através de organismos oportunistas e causadores de
dermatoses (doenças de pele), não afetando o trato intestinal (8).
Muito embora contrarie a lógica comum, praias, lagos, lagoas, piscinas, etc
consideradas impróprias não necessariamente transmitem doenças a todas as pessoas
que se banharem nelas. Tal ocorrência irá depender das condições imunológicas e do tipo
de exposição que cada indivíduo teve às matrizes de contaminação. A impropriedade
significa que existe o risco de se contrair tais doenças. Contudo, cuidados principalmente
aos grupos mais vulneráveis, crianças até 5 anos e idosos (acima de 65 anos) devem ser
tomados. Indivíduos inseridos nessas faixas etárias, compõe o grupo de risco que
possuem maiores chances de adoecimento em relação a exposição à ambientes com
potencial de contaminação. Segundo Gerba (10), crianças, idosos, gestantes e
imunocomprometidos são grupos que apresentam elevado risco de desenvolver graves
doenças, podendo chegar a óbito, em decorrência de microrganismos entéricos presentes
na água e alimentos. Meyers (11), afirma que doenças infecciosas constituem um grave
problema para os idosos devido a: mal nutrição, declínio das funções imunológicas com a
idade e diminuição da eficácia dos tratamentos por antibióticos relacionado a diminuição
das funções fisiológicas.
Esse cenário exemplifica a importância do acesso amplo e de fácil entendimento aos
dados e informações sobre a qualidade das águas de recreação para a população.

773
Referências Bibliográficas

1. 1 Lopes FA, Sperling E, Magalhaes JR., AP. Indicadores para balneabilidade em


águas doces no Brasil. Geografias. Artigos científicos. Belo Horizonte, Janeiro -
Junho Vol.11 nº1 2015.
2. Von Sperling, E. Água para saciar corpo e espírito: balneabilidade e outros usos
nobres. 22o Congresso Brasileiro de Engenharia Sanitária e Ambiental; 2003 set,
Joinville, Santa Catarina, Brasil.

3. CONSELHO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE – CONAMA. Ministério do Ambiente.


Resolução n˚ 274, de 29 de Novembro de 2000. Diário Oficial da República
Federativa do Brasil. Brasília, 25 jan. 2001; 18: Seção 1, p. 70-71.

4. Tallon P, Magajna B, Lofranco C, Leung KT. Microbial indicators of faecal


contamination in water: a current perspective. Water, Air and Soil Pollution 166: 139-
66. 2005

5. WORLD HEALTH ORGANIZATION - WHO. Guidelines for drinking-water quality.2.


ed. Volume 1. Recommendations.WHO, Geneva, 1993. 188p.

6. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE - OMS. Diretrizes para a qualidade da água


potável. 4ed. Genebra: WHO, 2011 541p. Disponível em:
<http://whqlibdoc.who.int/publications/2011/9789241548151_eng.pdf>. Acesso em:
29d de julho de 2017.

7. Libânio PAC, Chernicharo CAL, Nascimento NO. A dimensão da qualidade de água:


avaliação da relação entre indicadores sociais, de disponibilidade hídrica, de
saneamento e de saúde pública. Eng. Sanit. Ambient. Vol.10 - nº 3 - jul/set 2005,
219-228.

8. COMPANHIA AMBIENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO - CETESB. Qualidade


das praias litorâneas do Estado de São Paulo. Governo do Estado de São Paulo.
São Paulo: Secretaria de Meio Ambiente, 2004.

9. Sotero-Martins A, Duarte A, Carvajal E, Sarquis M, et al Controle da qualidade


microbiológica e parasitária em áreas de recreação. Revista Eletrônica Gestão &
Saúde. 2013; 4 (3):1075-1092

10. Gerba CP, Rose JB, Haas CN. Sensitive populations: who is at the greatest risk?
International Journal of Food Microbiology, v.30, p. 113-123. 1996.

11. 11 Meyers BR. Infectious diseases in the elderly: an overview. Geriatrics v.44, p.4-6.
1989.

774
Análise do conhecimento sobre as principais zoonoses transmitidas por
gatos.

Dálity Keffelen de Barros Rodrigues1


Evellin Damerie Venâncio Muller Malta2
Layanne de Oliveira Ferro3

RESUMO: O objetivo deste trabalho foi avaliar o conhecimento sobre Esporotricose, Raiva
e Esporotricose, seus mecanismos de transmissão e compreender a visão que a
população possui sobre os gatos como potencial hospedeiro de doenças. O estudo foi
realizado com a população frequentadora de uma Policlínica Universitária na região do
Capão Redondo - São Paulo através da aplicação de um questionário. Grande parte da
população mostrou-se desinformada independente do grau de escolaridade ou com um
conhecimento parcial sobre zoonoses, especialmente sobre Esporotricose. Uma
porcentagem relevante não compreende o papel do gato como transmissor de doenças.
Isto aponta a necessidade da criação de novas estratégias em educação em saúde que
levem em conta as características da população
Palavras-chave: Saúde Pública; Zoonoses; Conhecimento; Esporotricose;
Toxoplasmose.

Zoonoses são infecções e doenças transmitidas entre animais vertebrados e o


homem. Caracterizam cerca de 60% das doenças infecciosas que atingem seres humanos
e representam importante carga das doenças emergentes. Dentre os vertebrados que
podem ser hospedeiros de tais doenças encontra-se o gato doméstico (Felis catus), que
pode albergar inúmeros agentes infecciosos e transmiti-los por diversas vias.
Se por um lado uma parte da população prefere não criar gatos devido a seu
comportamento atípico (1), por outro existem aqueles que desprovidos da Guarda
Responsável compram animais, não desenvolvem vínculos afetivos e como consequência
disso os abandonam (2). Nas ruas eles atuam como reservatórios de agentes infecciosos
especialmente em áreas urbanas e podem transmitir doenças de grande relevância a
Saúde Pública, sendo as principais a Toxoplasmose, a Esporotricose e a Raiva.
Este trabalho teve por objetico identificar o nível de compreensão das zoonoses e sua
forma de transmissão, o que é fundamental para que haja a realização de ações
preventivas e educativas, voltadas para a mudança de hábitos e transformação de

1 Centro Universitário Adventista de São Paulo, UNASP. E-mail: barrosbiomed@gmail.com


2 Centro Universitário Adventista de São Paulo, UNASP. E-mail: evellinutri@gmail.com
3 Universidade Federal de Pernanbuco. E-mail: layanne.ferro93@hotmail.com

775
realidades, pois entender corretamente o papel do gato como vetor de doenças pode
melhorar a convivência com estes animais.

Material e métodos

Tipo de Estudo
Trata-se de um estudo transversal, quantitativo, com delineamento observacional.

Local da Pesquisa
O estudo foi realizado nas dependências da Policlínica Universitária Adventista
localizada no Capão Redondo, região Sul de São Paulo - SP.

Critérios de Inclusão
Indivíduos de ambos os sexos, com idade superior a 18 anos;
Ser paciente ou acompanhante da Policlínica Universitária;
Aceitar participar da pesquisa.

Procedimentos para Coleta de Dados


Foram selecionados e avaliados para o estudo 80 indivíduos. Os participantes da
pesquisa responderam a um questionário elaborado pelo pesquisador. O questionário é
composto por dados demográficos: idade, sexo e grau de escolaridade; e questões
objetivas que versam a respeito da Toxoplasmose, Esporotricose e Raiva, suas formas de
transmissão e população suscetível além de outras questões que analisam o ponto de
vista da comunidade sobre o gato como vetor de doenças.

Análises de Dados
Foram realizadas análises descritivas dos dados através do software Stata 13 e seus
resultados apresentados em gráficos e tabelas.

Aspectos Éticos
A pesquisa foi realizada respeitando as normas que regem a pesquisa em seres
humanos, obedecendo à Resolução n° 466 do Ministério da Saúde e foi submetida ao

776
Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos recebendo o parecer de número
1.773.433.

Resultados
Os resultados deste estudo são referentes à amostra de 80 indivíduos, usuários do
Sistema Único de Saúde (SUS), assistidos pela Policlínica Universitária Adventista
localizada no Capão Redondo, região sul de São Paulo. Entre as principais características
sóciodemográficas dos participantes destaca-se: a idade média dos participantes foi de 46
anos, 76% do sexo feminino e 49% apresentam nível de escolaridade entre ensino médio e
superior incompletos (Tabela 1).

Tabela 1: Frequência relativa das variáveis sociodemográficas dos indivíduos de 19 a 79


anos assistidos pela Policlínica Universitária Adventista.

Variáveis do
n (%)
sociodemográficas
Sexo TOTAL
Masculino Feminino
Amostra 19 (24%) 61(76%) 80 (100%)
Faixa Etária
19 – 34 6 (30%) 14 (70%) 20 (25%)
35 – 49 3 (14%) 19 (86%) 22 (27%)
50 – 64 9 (32%) 19 (68%) 28 (35%)
65 – 79 1 (10%) 9 (90%) 10 (13%)
Escolaridade
Analfabeto e Fundamental
7 (25%) 21 (75%) 28 (35%)
incompleto
Fundamental completo e
0 (0%) 11 (100%) 11 (14%)
Médio incompleto
Médio completo e Superior
11 (28%) 28 (72%) 39 (49%)
incompleto
Superior completo 1 (50%) 1 (50%) 2 (2%)

Dos entrevistados, 80% não possuía gatos em casa e, destes, 14% deixou de
criar/adotar por medo de contaminar-se com alguma doença transmitida por eles.

777
Quando perguntados se conheciam a palavra “Zoonose”, 29% dos entrevistados
responderam que sim (Gráfico 1). No entanto, a prevalência dos indivíduos que conheciam
a toxoplasmose foi de 38% e 74% para a raiva. Apenas 1% dos entrevistados referiu
conhecer a Esporotricose, porém não foi capaz de descrever sua forma de transmissão.

Gráfico 1: Prevalência do conhecimento sobre zoonoses em indivíduos de 19 a 79 anos


assistidos pela Policlínica Universitária Adventista.

Dos participantes que conheciam a Toxoplasmose, 28% identificou o grupo das


gestantes como grupo mais vulnerável para a doença, enquanto 39% não soube detalhar
os grupos de risco para a toxoplasmose. (Gráfico 2).

Gráfico 2: Conhecimento sobre grupos mais vulneráveis para toxoplasmose em indivíduos


de 19 a 79 anos assistidos pela Policlínica Universitária Adventista.

778
A tabela 2 descreve o conhecimento sobre as formas de transmissão da
toxoplasmose e raiva. Sobre a Toxoplasmose, 44% dos que afirmaram conhecer a
doenças não souberam responder sobre sua transmissão e 32% respondeu que ocorre
através das fezes do gato. Sobre a Raiva 71% dos entrevistados respondeu que a
transmissão ocorre através de mordidas e arranhões seguido de 21% que não souberam
responder. Ao serem questionados se existe possibilidade de cura para a Raiva, 74%
responderam que sim.

Tabela 2: Frequência relativa sobre conhecimento das formas de transmissão de zoonoses


dos indivíduos de 19 a 79 anos assistidos pela Policlínica Universitária Adventista

Formas de Transmissão de Toxoplasmose Raiva


zoonoses n (%) n (%)
Mordida e arranhões 1 3 37 71
Contato físico com gatos 2 6 0 0
Fezes dos gatos 11 32 4 8
Carnes mal passadas 2 6 NA NA
Na gestação 2 6 NA NA
Contato com pessoas doentes 1 3 0 0
Não sei 15 44 11 21
Total 34 100 52 100

Sobre quais os principais meios de comunicação utilizados para buscar informações


sobre saúde a opção mais citada foi o Posto de Saúde com 41% das opiniões, reforçando
a influência dos profissionais das Unidades Básicas de Saúde, seguido de 29% que citou a
Internet (Gráfico 4).

Gráfico 4: Meios de informação sobre zoonoses utilizados pelos indivíduos de 19 a 79 anos


assistidos pela Policlínica Universitária Adventista.

779
Gráfico 5: Percepção sobre relação entre abandono de gatos e zoonoses dos indivíduos de
19 a 79 anos assistidos pela Policlínica Universitária Adventista.

A maioria dos entrevistados (84%) acredita que o abandono de gatos favorece ao


aumento de zoonoses, porém uma parcela significativa respondeu que não (16%).

Discussão

As enfermidades infecciosas e parasitárias geram problemas relevantes à saúde


pública, principalmente nos países em desenvolvimento. Boa parte dessas doenças são
negligenciadas e tomam proporções alastrantes, principalmente em populações com baixa
renda (3). As zoonoses, especialmente as transmitidas por gatos podem passar
despercebidas pela maior parte da população.
O medo em criar/adotar gatos tem origem na falta de conhecimento sobre os meios
de transmissão e prevenção das doenças, além do gato estar associado a doenças
alérgicas, tal como a asma. Ainda há uma parcela da população que não simpatiza com o

780
gato e seus hábitos e, por isso, preferem a criação do cão com a oferta de benefícios como
a proteção do lar e recreação (4).
A minoria das pessoas (29%) respondeu conhecer o termo zoonose e muita dessas
pessoas acreditava que o termo se referia ao Centro de controle de Doenças. Porém
quando perguntados se já ouviram falar sobre a Toxoplasmose ou Raiva o número de
pessoas conhecedoras aumentou, isto favorece ao entendimento de que a população sabe
que os animais, inclusive os gatos, podem transmitir doenças, apenas não reconhecem o
termo técnico zoonose, o que pode dificultar a busca de informações destas pessoas.
A toxoplasmose é uma enfermidade parasitária causada pelo protozoário Toxoplasma
gondii, que pode alcançar um índice de contaminação maior que 60% entre diversos
mamíferos inclusive o homem (5). Um total de 38% dos entrevistados referiu conhecer a
toxoplasmose, sendo esta uma zoonose mais propagada pela mídia. Ainda assim,
aproximadamente 44% dos que afirmaram conhecer a doença, desconheciam informações
sobre grupo de risco e forma de transmissão.
Os casos mais graves associados à toxoplasmose estão ligados a grávidas que
contraíram a doença no momento da gestação, onde no primeiro trimestre estão mais
susceptíveis a sofrer aborto, morte fetal, prematuridade ou doença fetal grave (6). Um
sistema imune comprometido também pode provocar lesões graves e até morte, como
indivíduos portadores da Síndrome de Imunodeficiência Humana (AIDS) (7).
Sobre a transmissão da toxoplasmose a opção mais apontada foi: contato com as
fezes dos gatos (32%), reforçando que as informações que estes possuem sobre a
toxoplasmose são insuficientes. Os gatos infectados podem eliminar nas fezes na fase
aguda o parasita, porém estes têm o hábito de enterra-las e isso minimiza
consideravelmente as chances de transmissão fecal (8). A forma mais frequente de
transmissão do Toxoplasma é através da ingestão de alimentos contaminados,
especialmente carnes cruas e malcozidas, alternativa apontada por apenas 6% dos
participantes.
Dos 80 entrevistados, 99% nunca escutaram falar sobre a Esporotricose, uma micose
causada pelo genero Sporothrix, transmitida como zoonose através de mordidas ou
arranhões de felinos. Este resultado ratifica as informações divulgadas pelos órgãos
oficiais de controle de zoonoses. A Esporotricose é uma doença pouco divulgada pela
mídia e profissionais de saúde, apesar estar tomando proporções epidêmicas no estado do

781
Rio de Janeiro. No futuro, pode representar um problema de saúde pública, resultante da
ausência de um programa ou ações para o controle da infecção em humanos e animais
ainda em prevalências controláveis (9,10).
Dos estudados, 74% conheciam sobre a Raiva e associaram o gato a sua
transmissão, isso porque é uma das zoonoses com um investimento alto em campanhas.
Cerca de 70% citou “mordidas e arranhões” como a forma de contágio da doença, este
número alto de acertos provavelmente está relacionado à subjetividade do nome “Raiva”,
que leva à ideia de agressão ou ataque.
Uma das principais formas de combate a Raiva é através dos programas de
vacinação, porém estes estão alinhados a iniciativa da população de levarem seus animais
para vacinar-se, que só poderá acontecer se os donos tiverem a consciência da gravidade
da doença. 74% dos entrevistados citaram que a Raiva tem cura. Conhecer as
consequências de uma enfermidade leva a atitudes de prevenção, que são de grande
importância na raiva, já que após a doença ser instalada não há tratamento disponível (11).
Apesar das doenças transmitidas por gatos não chegarem ao conhecimento da
grande maioria da população, a mesma acredita que eles transmitem doenças. Dentre os
participantes deste estudo 16%, de forma equivocada, não associa o abandono de gatos
ao aumento na transmissão de zoonoses. Neculqueo e Paola (12) afirmam que muitos dos
animais estão nas ruas por consequência do abandono e no ato da defecação podem
contaminar o solo em que os humanos, principalmente crianças, circulam. Estes animais
também tem o ato de rasgar lixo, poluindo as cidades e atraindo outros vetores de doenças
como ratos e insetos, o que afeta negativamente a saúde humana e animal (13, 14).
Outras pesquisas como a de Nunes e colaboradores (15) corroboram com os
resultados de que as populações têm um conhecimento parcial ou nulo sobre zoonoses,
quando se trata das transmitidas por gatos este saber reduz significantemente. As
informações sobre zoonoses, nem sempre alcançam a todos, sendo necessário programar
ações de educação sanitária principalmente em áreas carentes.
A compreensão sobre práticas de prevenção de zoonoses pode variar de acordo
com os hábitos e costumes de uma população e que é possível ter conhecimento sobre o
tema, mas não utiliza-lo no dia a dia (16). Assim para dar início a uma ação de educação
em saúde devem-se levar em consideração os aspectos sóciodemograficos, tal como
cultura e crenças, para gerar em uma comunidade não só o saber, mas o efetuar (17).

782
É importante esclarecer sobre a relação homem-animal para que os donos e seus
vizinhos se sintam mais seguros e desmistifiquem certas ideias em relação ao gato. A
educação leva ao exercício de atitudes positivas, é uma arma inesgotável e fundamental
para a prevenção de doenças, principalmente as zoonoses onde o homem participa do
ciclo evolutivo de diversos parasitas. Mais da metade (51%) da população estudada tinham
entre ensino médio completo e superior incompleto que inclui também estudantes de
cursos de saúde. Um estudo de Tome et al., (18) mostra a importância de promover a
educação continuada entre professores do ensino infantil. Alguns profissionais de saúde
que trabalhavam no local de estudo demonstraram interesse no estudo e admitiram não
possuir informações suficientes, este poderia ser um grupo prioritário na capacitação em
educação em saúde já que são os mesmos que poderão estar a frente em campanhas
futuramente.
Dos pesquisados 41% priorizam a procura por postos de saúde quando necessitam
obter informações superando até o uso de internet. Lima et al., (4) cita que comparado a
outros meios de comunicação em saúde a internet ainda tem uma influencia menor.
Porém ela não é insignificante e pode alcançar grupos específicos, se bem executada
pode ser uma ferramenta grandiosa.

Conclusão
Diante dos resultados aqui apresentados pode-se concluir que grande parte da
população estudada não possui os conhecimentos básicos sobre zoonoses, em destaque
a Esporotricose onde quase nenhum dos estudados conhecia. Sendo assim, faz-se
necessário a criação de políticas públicas de educação em saúde constantes que ensinem
a população sobre zoonoses e guarda responsável, utilizando meios de comunicação
eficazes e que se adaptem a realidade local. Os profissionais de saúde devem ser
preparados para atuarem como difusores de conhecimento em zoonoses e serem capazes
de trabalhar junto com a comunidade para o desenvolvimento de hábitos que
proporcionem o bem-estar do homem, animal e meio ambiente. É de suma importância
também as campanhas de castração a fim de evitar o aumento da população de animais e
consequentemente o abandono.

783
Referências

1. IBOPE. Estimativas de setembro de 2002. In: instituto brasileiro de pesquisa de opinião


e estatística. 2002. Disponível em <http://www.animallivre.uol.com.br/home>.

2. Santana L. et al. Posse responsável e dignidade dos animais. Anais congresso. 2004;
533–552.

3. Hurtado-guerrero, A. F. et al. Occurrence of enteroparasites in the elderly population of


Nova Olinda do Norte, Amazonas, Brazil. Acta Amazônica. 2005;35: 487-490.

4. Lima, A. M. A. et al. Percepção sobre o conhecimento e profilaxia das zoonoses e


posse responsável em pais de alunos do pré-escolar de escolas situadas na
comunidade localizada no bairro de Dois Irmãos na cidade do Recife ( PE ). Ciênc.
saúde coletiva. 2010.June.15:1457-1464.

5. Brasil. Ministério da Saúde. Doenças infecciosas e parasitárias: Guia de bolso. 8 ed.


Brasília – DF. 2010.

6. Lopes, F. M. R., et al. Toxoplasma gondii infection in pregnancy. Brazilian Journal of


Infectious Diseases. 2007;11(5): 496-506;

7. Amato, N. V; Marchi, C. R. Toxoplasmose. In: Cimerman, B.; Cimerman, S.


Parasitologia Humana e seus Fundamentos Gerais. 2008;3:159-178.

8. Martins, C.S.; Viana, J.A. Toxoplasmose - o que todo profissional de saúde deve saber.
Enciclopédia Biosfera. 2011;15(3):33-37.

9. SCHUBACH, A. O. et al. Esporotricose. In: Coura JR, organizador. Dinâmica das


doenças infecciosas e parasitárias. Rio de Janeiro: Editora Guanabara
Koogan.2005;1161.

10. FIOCRUZ. Doença que afeta principalmente os gatos se torna endêmica no Rio de
Janeiro. Disponível em: <http://portal.fiocruz.br/pt br/content/doen%C3%A7a-que-afeta-
principalmente-os-gatos-se-torna end%C3%AAmica-no-rio-de-janeiro>.

11. Costa, w. A. Profilaxia da raiva humana. Manual técnico do instituto pasteur. São
paulo. 2000; 2:1.

12. Neculqueo C., paola, L. Estudo do programa de esterilização das populações canina
e felina no Município de São Paulo, período 2001 a 2003. Tese de Doutorado.
Universidade de São Paulo.

13. Carceres, L. P. N. Estudo do programa de esterilização das populações canina e


felina no Município de São Paulo. Período 2001 a 2003. p. 83. Dissertação (Mestrado),
Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2004.

784
14. Guimarães, A. M. et al. Ovos de Toxocara sp. e larvas de Ancylostoma sp. em praça
pública de Lavras, MG. Revista de Saúde pública. 2005; 39(2): 293-295.

15. Nunes, E. R. C. et al. Percepção dos idosos sobre o conhecimento e profilaxia de


zoonoses parasitárias. IX jornada de ensino, pesquisa e extensão (ix jepex), ufrpe.
2009, 3-4.

16. Cediel, N. et al. Risk perception about zoonoses in immigrants and Italian workers in
Northwestern Italy Percepção de risco sobre zoonoses em trabalhadores imigrantes e
italianos no Noroeste da Itália. Revista de Saúde Pública. 2012;46(5).

17. SAÚDE, M. DA (ED.). Guidelines for Zoonoses Surveillance, Prevention and Control:
technical and operational standards. Brasília, 2016.

18. 18. TOME, R. O. et al. Inquérito epidemiológico sobre conceitos de zoonoses


parasitárias para professores de escolas municipais do ensino infantil de Araçatuba-
SP. Revista Ciência em Extensão. 2005;2(1):38-46.

785
Comunicação, informação e conselhos de saúde: um estudo em dois
municípios de Minas Gerais

Berenice de Freitas Diniz1


Valdir de Castro Oliveira2

RESUMO: Esse trabalho propõe analisar a comunicação e informação para o controle


social no Sistema Único de Saúde. Os objetos empíricos desse estudo são dois conselhos
de saúde. Objetivou-se analisar até que ponto há um uso efetivo da comunicação e
informação para o controle social. Utilizou-se a pesquisa qualitativa com o método de
análise documental, desse modo, foram analisados relatórios de conferências de saúde,
atas e pautas das reuniões dos conselhos de saúde. Os resultados nos mostram que há
poucos debates sobre o tema no interior dos conselhos e que as decisões das
conferências de saúde são pouco pautadas para a atuação do órgão.
Palavras-chave: Comunicação; informação; conselhos de saúde; conferências de saúde

Introdução

O Brasil viveu uma ditadura militar até pouco tempo, o final da década de 1970 e os
anos 1980 foram marcados pela luta da sociedade civil brasileira exigindo liberdades
democráticas, fim da repressão, eleições diretas e a participação da sociedade na
definição e elaboração das políticas públicas. Nesse contexto, foi promulgada a
Constituição Federal do Brasil em 1988, conhecida como “constituição cidadã”, isso porque
traz em seu arcabouço garantias sociais nunca expressas nas constituições brasileiras
anteriores. Dentre as garantias, está a participação da sociedade na fiscalização e
acompanhamento da implementação das políticas públicas, portanto, a participação da
sociedade é um dos pilares desta Constituição.
No campo da saúde pública organizada no Brasil, por meio do Sistema Único de
Saúde (SUS), as práticas e os mecanismos de participação social constituem referências
para a democracia participativa que se dá formalmente por meio dos conselhos e
conferências de saúde. Nesses espaços de participação há representação de segmentos
de governo, prestadores de serviços, trabalhadores e usuários da saúde.
Os conselhos são órgãos que funcionam permanentemente e tem a função de
fiscalizar, acompanhar, avaliar, e propor ações e políticas de saúde para uma determinada

1 IRR/Fiocruz Minas; E-mail: berenicedfd@yahoo.com.br


2 ICICT/Fiocruz

786
localidade que pode ser de abrangência municipal, estadual ou nacional. A Lei determina
também que as conferências devem acontecer pelo menos a cada quatro anos. As
conferências têm a responsabilidade de avaliar as políticas de saúde e têm caráter
propositivo, além de decidir sobre as diretrizes a serem seguidas pela gestão dos serviços
de saúde por um período (1).
Em 2012, o Conselho Nacional de Saúde aprovou a Resolução n.º 453 em
substituição à Resolução n.º 333 (2). Essa Resolução define as diretrizes para instituição,
reformulação, reestruturação e funcionamento dos Conselhos de Saúde e estabelece
diretrizes gerais para organização dos conselhos de saúde em todo o território nacional, e
traz na sua primeira diretriz a definição do conselho de saúde:

O Conselho de Saúde é uma instância colegiada, deliberativa e permanente


do Sistema Único de Saúde (SUS) em cada esfera de Governo, integrante
da estrutura organizacional do Ministério da Saúde, da Secretaria de Saúde
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com composição,
organização e competência fixadas na Lei n.º 8.142/90. O processo bem-
sucedido de descentralização da saúde promoveu o surgimento de
Conselhos Regionais, Conselhos Locais, Conselhos Distritais de Saúde,
incluindo os Conselhos dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas, sob a
coordenação dos Conselhos de Saúde da esfera correspondente. Assim, os
Conselhos de Saúde são espaços instituídos de participação da
comunidade nas políticas públicas e na administração da saúde (BRASIL,
2012, p. 1).
Vários estudiosos afirmam que os conselhos e conferências são importantes para o
acompanhamento da sociedade sobre as políticas públicas e, também, são canais de
articulação e diálogo entre o Estado e a sociedade (3, 4, 5, 6). Dessa forma, consideramos
a comunicação e a informação requisitos essenciais para as relações sociais e sua
presença nos conselhos e conferências de saúde são fundamentais para a tomada de
decisão e para viabilizar a participação da sociedade nesses fóruns coletivos. É também
por meio da comunicação e da informação que as decisões deliberadas são repassadas à
sociedade.
Além de condições políticas e de infraestrutura, os conselhos dependem também de
investimentos no campo da comunicação e da informação e qualidade destas, como
atestam reiteradamente os relatórios das conferências nacionais de saúde que consideram
a comunicação e a informação como ferramentas imprescindíveis ao exercício do controle
social.
O objetivo deste artigo é analisar a prática dos conselhos de saúde de dois
municípios (Brumadinho e Sarzedo), identificando, investigando e analisando como o tema

787
‘comunicação e informações’ para o controle social está presente ou ausente nas pautas,
atas, deliberações dos conselhos de saúde e nos relatórios de conferências de saúde
desses municípios.
Partimos do pressuposto de que a organização das discussões que ocorrem nos
conselhos de saúde e a deliberação democrática nesses espaços estão relacionadas
também à informação e à comunicação. A informação de que falamos neste artigo é
aquela que o conselheiro necessita para a tomada de decisão, ou seja, a informação na
forma de relatórios e estudos que irá subsidiar a maneira de atuar no fórum. Já, a
comunicação está relacionada à comunicação dos atos e atuação dos conselhos para fora
desses espaços. A partir disso, consideramos que a informação e a comunicação estão
intrinsecamente ligadas ao exercício do controle social, à prática cotidiana dos
conselheiros, pois esses necessitam cumprir o papel de controle do Estado e também
dialogar permanentemente com a sociedade, cumprindo assim, por meio da democracia
participativa, sua função representativa.
É preciso estabelecer uma agenda política para que seja ampliada a discussão com a
sociedade sobre a informação e comunicação para o exercício do controle social em todo o
país, pois isso vai significar um avanço na melhoria do SUS e a ampliação da democracia
no Brasil. Pactuando desse pensamento, Silva (7) afirma:

Os sujeitos políticos participam da vida social em proporção ao volume e


qualidade das informações que possuem em especial, a partir das suas
possibilidades de acesso às fontes de informação e de condições favoráveis
de aproveitamento delas, de forma a poderem intervir como produtores do
saber. (SILVA, 2003, p. 85).

A diretriz da descentralização da saúde inscrita na Constituição Federal de 1988, as


Leis Federais n.º 8.080 (9) e n.º 8.142 (9) - que tem a municipalização da saúde expressão
do processo de descentralização, e o Decreto n.º 7.508 (10) - que trata da composição das
regiões de saúde para os municípios - são normas que explicitam a necessidade de
trabalho em conjunto das várias unidades territoriais da saúde, cujo objetivo é garantir a
saúde integral à população. É na esfera pública local que surgem novas formas de fazer
política e novos modelos de gestão pública (11).
O exercício do controle social nos conselhos de saúde só pode ocorrer em um campo
onde existam informações disponíveis e a capacidade dos atores, que ali atuam, em
interpretar e atribuir novos sentidos a elas (12). Essa afirmação é fundamental para nossa

788
reflexão, pois, uma questão paradoxal é que os Conselhos de saúde têm informação de
quem irá executar as ações de saúde, cujo objeto de fiscalização será esse mesmo
fornecedor de informações. Essa questão é tão complexa que o Conselho Nacional de
Saúde tem discutido muitas formas para que o controle social seja qualificado para o
exercício das suas funções. A informação e comunicação têm ocupado espaços na arena
de debates no controle social, e isso tem possibilitado a discussão para o desenvolvimento
de políticas voltadas à educação permanente dos conselheiros e sociedade civil
organizada que atuam no campo da saúde.
Para tanto devemos considerar que a comunicação e a informação fazem parte das
formas de relações sociais e de poder da sociedade nas quais são organizados diferentes
e inúmeros feixes simbólicos, cuja principal função é a de demarcar as interações sociais,
os lugares, as falas de cada um como ordem de poder e dentro de uma perspectiva
dialógica e educativa, a comunicação e a informação devem ser entendidas e direcionadas
para que os sujeitos envolvidos transformem-se em sujeitos de argumentação e de opinião
- para buscar esclarecimentos, propor ações e processos de sociabilidade baseados nos
princípios de compartilhamento dos sentidos(13).
É possível exercer e efetivar as atividades relacionadas com o controle social nos
Conselhos de saúde se houver investimento em processos comunicacionais e
informacionais capazes de promover a livre circulação de informação e ideias, tanto dentro
do conselho quanto fora (no diálogo com a sociedade) e para isso, devem ser criadas
estratégias livres e claras, e instrumentos ou meios de comunicação que mantenham
sintonia com a sociedade. Só é possível construir um sujeito social que exerça sua
cidadania e atue na formulação de políticas públicas em saúde com comunicação e
informação (14).
Configuram-se como objeto empírico deste estudo, dois Conselhos Municipais de
Saúde de Minas Gerais, nos municípios de Brumadinho e Sarzedo. Foram analisadas as
atas e pautas das reuniões plenárias dos conselhos de saúde e os relatórios de
conferências de saúde. Esses dois municípios fazem parte da Região Metropolitana de
Belo Horizonte - Minas Gerais (RMBH-MG) que é composta por trinta e quatro municípios
com uma população de 4,8 milhões de habitantes (15). A região tem uma grande
representação econômica para o estado de Minas Gerais. Nesse contexto estão inseridos

789
dentro da RMBH: a metrópole e capital, Belo Horizonte; grandes municípios; e municípios
de médio e pequeno porte como os que nos propormos a estudar.
Esse trabalho é uma parte da dissertação de mestrado que desenvolvemos, intitulada
‘Comunicação, informação e controle social no Sistema Único de Saúde: um estudo em
dois municípios da Região Metropolitana de Belo Horizonte – MG’ e defendida no mês de
abril do ano de 2014.

Metodologia

O presente estudo foi desenvolvido com uma abordagem metodológica qualitativa


com técnica de análise documental. A abordagem qualitativa é a expressão de uma
realidade semanticamente interpretável, portanto, ancora-se em diferentes métodos e
paradigmáticas, e tem o propósito comum de analisar os sentidos atribuídos pelos sujeitos
aos fatores, às relações e às práticas, e visa à compreensão do fenômeno ou do evento a
partir do interior. Essa abordagem procura entender o ponto de vista de um sujeito ou de
diferentes sujeitos, o curso de situações sociais (conversas, discursos, processos de
trabalho) ou as regras culturais ou sociais relevantes para uma situação. A maneira como
se expressa essa compreensão em termos metodológicos e o foco escolhido dependerão
da postura teórica que sustentará a pesquisa (16).
O percurso metodológico abordado nessa pesquisa ocorreu com revisão bibliográfica
sobre o tema para subsidiar teoricamente a discussão e elaboração das outras etapas,
como o trabalho de campo, e o tratamento e análise dos resultados.
A análise documental compreende a identificação, a verificação e a apreciação de
documentos para determinado fim, as fontes para análise documental podem ser de
origem primária ou secundária (17). Nesse estudo os registros institucionais - compostos
por pautas, atas dos conselhos, deliberações e relatórios das conferências de saúde -
constituíram a principal fonte para análise documental.
Os relatórios das conferências municipais de saúde são documentos formais que
contêm as decisões de uma determinada conferência e deverão subsidiar a atuação do
respectivo conselho nos anos seguintes (a análise desse documento é fundamental para
esse estudo). Os relatórios analisados foram os das duas últimas conferências de saúde
realizadas nos respectivos municípios. De acordo com a Lei n.º 8080/1990, as
conferências devem ocorrer no mínimo a cada quatro anos, no entanto, os municípios têm

790
autonomia para definir a periodicidade das suas conferências, podendo ocorrer em um
intervalo menor de tempo.
As atas, pautas e deliberações foram documentos extremamente relevantes para
essa pesquisa, pois serviram como objeto de estudo sobre o que tem sido deliberado nos
conselhos, no período de dezembro 2012 a dezembro de 2013; e para confrontar as
deliberações das conferências.

Resultados e discussão

Análise dos Relatórios das Conferências de Saúde


Na pesquisa documental, analisamos os relatórios das duas últimas conferências
municipais de saúde de cada município pesquisado. Segundo a Resolução n.º 453, entre
outras atribuições, os conselhos de saúde devem: discutir, elaborar e aprovar propostas de
operacionalização das diretrizes aprovadas pelas conferências de saúde. Entendemos que
as conferências são espaços com maior participação da sociedade, e que ao final tem um
fruto: o relatório com as propostas aprovadas. Esse relatório deve subsidiar as ações dos
conselhos de saúde para os anos seguintes. Para que isso aconteça, o conselho deve
elaborar pautas das suas reuniões com os temas aprovados nas conferências, realizando
assim seu planejamento para atuação.
Nosso objetivo foi realizar a busca nos relatórios de propostas que continham o tema
‘comunicação e informação’.
De acordo com o Regimento Interno do Conselho Municipal de Saúde (CMS) de
Brumadinho, a Conferência Municipal de Saúde é a instância máxima de avaliação,
discussão e proposição no que diz respeito à formulação e o estabelecimento de diretrizes
para a política municipal de saúde. É realizada a cada dois anos, instalada mediante ampla
e prévia publicidade em todo o município, e o tema e organização da conferência será
deliberado pelo CMS de Brumadinho.
Em uma leitura apurada dos relatórios das conferências de saúde da cidade,
constatamos que há poucas deliberações sobre comunicação, as que foram detectadas
referem-se à comunicação em saúde, no entanto, apareceram apenas três deliberações
que tratam da comunicação para o conselho de saúde. Essas deliberações determinam
que haja divulgação do conselho municipal de saúde nas unidades, que sejam convocadas
associações e todos os conselhos do município para participarem e divulgarem da

791
conferência de saúde e que o conselho crie um informativo para comunicar-se com a
sociedade. Podemos dizer que é percebido, mesmo que acanhadamente, a necessidade
de diálogo com a sociedade. Arriscamos dizer, que essas deliberações constam nos
relatórios porque percebeu-se uma ausência desse diálogo entre o conselho e a
sociedade.
De acordo com o Regimento Interno do CMS Sarzedo, a Conferência Municipal de
Saúde deverá ocorrer de dois em dois anos e será convocada, organizada e divulgada
pelo CMS de Sarzedo em parceria com a Secretaria Municipal de Saúde.
Detectamos apenas uma deliberação sobre comunicação para o controle social na
conferência do ano de 2010, sendo esta a criação de um boletim informativo para o
conselho. Na conferência do ano de 2013, o tema da comunicação e informação foi tratado
em um eixo denominado: informação e comunicação como estratégia para a gestão
participativa no SUS. Nesse eixo, as deliberações foram: criação de programa para
educação continuada nas escolas, igrejas, associações comunitárias; realização de oficina
de controle social para toda a população; realização de capacitação para os conselheiros
de saúde; criação da ouvidoria da saúde; cumprimento das deliberações do controle social;
criação de informativo para esclarecimento da população sobre a saúde no município.
Percebemos que foi apontada a necessidade do conselho dialogar com a sociedade:
seja por meio de criação de informativo, seja por meio de realização de oficinas para a
população conhecer o conselho. Também, pela necessidade do conselheiro ter
informações a partir de capacitações que dão subsídios a sua atuação. E nesse campo há,
ainda, uma deliberação que trata da necessidade da gestão cumprir as deliberações do
conselho.

Análise de pautas, atas e deliberações


O período definido para e análise das atas, pautas e deliberações do CMS de
Brumadinho e do CMS de Sarzedo foi dezembro 2012 a dezembro de 2013.
O caráter deliberativo dos conselhos foi definido pela Lei n.º 8142/90. A deliberação
representa o poder de decidir sobre a política pública de saúde na área de atuação do
conselho. Segundo a Resolução n.º 453 do Conselho Nacional de Saúde cabe ao conselho
deliberar sobre: os Planos de Saúde da sua respectiva área de abrangência; o Relatório
Anual de Gestão; programas e ações de saúde; contratos e convênios celebrados com o
SUS; fiscalização e controle de gastos; educação permanente para o controle social do

792
SUS. Cabe ao gestor legalmente constituído em cada esfera de governo homologar as
deliberações dos conselhos, para Silva (2003) essa exigência torna a deliberação do
conselho dependente da vontade política do governo em exercício e dependência dos
conselhos prejudica o seu funcionamento, inclusive, o seu papel de órgão deliberativo (21,
22)
Nos Regimentos Internos dos conselhos pesquisados consta que a gestão deve
acatar as deliberações do conselho e, se não o fizer, cabe rediscussão nos próprios
conselhos e encaminhamentos para outros órgãos como, por exemplo, para o Ministério
Público.

Análise das pautas, atas e deliberações do CMS Brumadinho


Foram analisadas atas, pautas e deliberações de dezesseis reuniões: doze reuniões
ordinárias e quatro reuniões extraordinárias. As reuniões seguem sempre a seguinte
dinâmica: leitura das atas anteriores, algum tema em pauta, informes da mesa e
comissões, e informes dos participantes. Isso conduz a reunião para uma sequência lógica
de discussão.
As deliberações são sempre votadas e o número de votos é expresso na ata,
constando a quantidade de votos a favor, contra, abstenções e declarações de voto,
quando solicitada pelo conselheiro. As atas observadas não contêm as falas na íntegra,
apenas algumas discussões e os encaminhamentos.
Observamos que as pautas, predominantemente, foram solicitadas pela Secretaria
Municipal de Saúde e tratam de temas referentes a projetos elaborados pelo município
para garantir repasse de recursos financeiros ou prestar contas do que está sendo feito.
Nestas reuniões não foram pautados ou debatidos nenhum tema sobre comunicação
e informação para o controle social. Não encontramos nenhuma pauta nestas reuniões
sobre temas deliberados em conferência para discussão e encaminhamentos. Percebemos
que os informes muitas vezes transformam-se em debates. Não foi constatada nenhuma
pauta ou discussão sobre um planejamento de atuação do CMS Brumadinho. Identificamos
a recorrente queixa dos conselheiros de possuírem pouco tempo para analisar
relatórios/documentos enviados pela Secretaria Municipal de Saúde.

Análise das pautas, atas e deliberações do CMS Sarzedo

793
Foram analisadas atas, pautas e deliberações de dezoito reuniões: doze reuniões
ordinárias e seis reuniões extraordinárias.
Até o mês de maio/2013 a leitura das atas não constava como ponto de pauta, porém
a partir de junho consta como ponto de pauta a leitura das atas. O documento é lido e
aprovado no início de todas as reuniões.
A prestação de contas foi apresentada e não consta em ata a discussão sobre a
política efetuada no município sobre o tema abordado a políticas e ações de saúde.
Consta em atas a discussão sobre aquisição de materiais para o CMS Sarzedo.
Consta em ata a solicitação de mudança do e-mail institucional do CMS de Sarzedo e
que o conselho tenha sítio na internet, a solicitação foi acatada pelo gestor local para
providenciar informações sobre o conselho no site da prefeitura do município.
Sobre mudança do Regimento Interno, foi aprovado que o assunto seria discutido em
uma próxima reunião extraordinária para que os conselheiros terem mais tempo para ler a
proposta.
A discussão do Regimento Interno não foi realizada em reunião extraordinária para
debater o assunto devido ao número de conselheiros. Embora houvesse quórum, a
plenária decidiu que esse assunto deveria ser debatido com o maior número de
conselheiros possíveis.
É recorrente a solicitação de tempo hábil para que os conselheiros possam analisar
os projetos da Secretaria Municipal de Saúde.
Em reunião do dia 11 de junho de 2013 foi criada a Comissão de Comunicação com o
objetivo de providenciar a confecção de boletim informativo e outras questões pertinentes à
Comissão.

Resultados

Os resultados da pesquisa realizada nos dois conselhos nos mostram que há poucos
investimentos informacionais e comunicacionais nos conselhos de saúde e isso dificulta e
compromete a participação dos conselheiros. A ausência do tema ‘comunicação e
informação” nas deliberações dos conselhos pesquisados demonstra a dificuldade em
realizar o debate a cerca do tema e colocar em prática deliberações sobre ele.
A falta de diálogo do conselho com a sociedade acarreta o desconhecimento sobre
as suas ações e isso atribui um grau de pouca importância dado ao órgão pela população.

794
Observamos que as deliberações das conferências de saúde não cumprem seu papel
de subsidiar as ações dos conselhos de saúde. Os relatórios das conferências
pesquisadas trouxeram deliberações sobre a comunicação e informação, ainda que
tímidas, no entanto, no relatório da conferência consta que o gestor deve cumprir as
deliberações do conselho, isso já está previsto em lei, porém o sentimento dos delegados
da conferência deve ser o de que não são cumpridas as deliberações do conselho de
saúde, por parte da gestão.
No CMS de Brumadinho não foi encontrada nenhuma deliberação que fosse discutida
nas reuniões plenárias, no período após a realização da conferência de saúde, que serviu
de análise dessa pesquisa. No CMS de Sarzedo, observamos a presença da agenda
mínima sendo construída para subsidiar as ações do conselho, também foi possível
detectar a criação da comissão de comunicação para a confecção do boletim informativo
para o conselho. No entanto, nenhum dos dois conselhos possuíam um boletim informativo
para dar publicidade às suas ações.
No CMS de Brumadinho há presença de comissões temáticas que são expressas no
Regimento, no entanto, a comissão de comunicação praticamente não está em
funcionamento e não tem realizado produção e discussão sobre comunicação do conselho.
No CMS de Sarzedo, a mesa diretora cumpre o papel de comissão: quando há
necessidade de criação de comissão para discussão e encaminhamento de um
determinado assunto específico o plenário do conselho tem autonomia de criação dessa
comissão.
A construção da pauta é determinada pelos conselhos, no entanto, observamos na
análise das atas que a pauta é, na maioria das vezes, solicitada pela gestão. Percebemos
que há uma insatisfação dos conselheiros quanto a isso, por esse motivo o CMS de
Sarzedo discutiu e deliberou sobre a realização de uma agenda mínima do órgão, pautada
na necessidade de discussão do conselho, observando as normas legais que devem ser
cumpridas por ele e acrescentando outros itens de ordem mais política para a ação
cotidiana dos conselheiros.
Quanto às estratégias de comunicação, observamos nos dois conselhos que elas não
acontecem como deveriam, praticamente não existem. Internamente, os conselheiros
comunicam-se via reuniões, alguns por e-mails e durante as reuniões das comissões
quando essas acontecem. Externamente, a comunicação com a sociedade é praticamente

795
inexistente: detectamos que alguns conselheiros dialogam com o segmento que
representam, mas isso não é uma prática cotidiana dos conselheiros entrevistados. Os
conselhos não utilizam rádios comerciais, nem rádios comunitárias para dialogarem com a
sociedade, não possuem boletim impresso ou eletrônico para informar a população sobre
as suas ações, não possuem site, blog ou outra forma virtual de comunicação. Partindo
desse pressuposto, podemos dizer que o diálogo com a sociedade é inexistente, o que
prejudica a função que deve ser exercida pelo conselho.

Conclusão

Esse estudo pretendeu oferecer reflexões acerca do tema ‘comunicação e


informação’ para o exercício do controle social no SUS, abordando os principais aspectos
sobre essa temática, considerando a importância das relações comunicacionais e
informacionais para o cidadão enquanto conselheiro e para o espaço dos conselhos. Como
definido no início dessa pesquisa, apontaremos as nossas observações a partir das
categorias organização, deliberação, comunicação, informação e conselho de saúde.
O conselho cumpre um papel importante, que é a formalidade das deliberações
acerca de documentos elaborados sobre a saúde, os recursos financeiros e a elaboração
de pareceres, porém deixa a desejar no seu aspecto político mais abrangente, o da
articulação interna e externa no debate público com a sociedade sobre o SUS. Os
resultados nos mostram que há poucos debates sobre o tema no interior dos conselhos e
que as decisões das conferências de saúde são pouco pautadas para a atuação do órgão.
Independente dos problemas apresentados, consideramos os conselhos de saúde
como um avanço da democracia brasileira. O que pretendemos com esse estudo foi trazer
a reflexão sobre a prática da instituição conselhos de saúde, no aspecto comunicacional e
informacional desses espaços, principalmente por meio dos documentos que expressam
as decisões da sociedade e dos conselheiros, para que essas variáveis contribuam para o
efetivo controle da sociedade sobre as ações do Estado.

Referências

1. ______. Lei n.º 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da


comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências
intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras
providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 dez..

796
2. ______. Conselho Nacional de Saúde. Ministério da Saúde. Resolução n.º 453, de
10 de maio de 2012. Aprova as diretrizes para criação, reformulação, estruturação e
funcionamento dos conselhos de saúde. Diário Oficial da União [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, n. 109, Seção 1, p. 138.
3. AVRITZER, L. Conferências Nacionais: ampliando e redefinindo os padrões de
participação social no Brasil. Texto para discussão. Brasília: Ipea, 2012. Disponível
em:
<http://www.consocial.cgu.gov.br/uploads/biblioteca_arquivos/274/arquivo_f4176c95
63.pdf> Acesso em: 23 de janeiro de 2014.
4. LABRA, Maria Eliana. Conselhos de Saúde: visões “macro” e “micro”. Revista de
Ciências Sociais, v. 6, n. 1, jan-jun., 2006.
5. GOHN, M.G. Conselhos gestores e participação sociopolítica. São Paulo: Cortez,
2003. Coleção Questões da nossa época, v. 84.
6. MORONI, A. J. O direito a participação no governo Lula. In: FELURY, S.; LOBATO,
L.V.C. (Orgs.). Participação, democracia e saúde. Rio de Janeiro: Cebes, 2010. p.
248-269.
7. SILVA, I.G. Democracia e participação na Reforma do Estado. São Paulo Cortez,
2003.
8. ______. Lei n.º 8.080. Lei Orgânica da Saúde, de 19 de setembro de 1990. Dispõe
sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a
organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras
providências. Diário Oficial da União [da] República Federativa do Brasil, Brasília,
DF, 20 set. 1990a.
9. ______. Lei n.º 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da
comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências
intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras
providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 31 dez.
1990b.
10. ______. Decreto n.º 7.508, de 28 de junho de 2011. Diário Oficial da União [da]
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, p. 1.
11. GOHN, M.G. Conselhos gestores e participação sociopolítica. São Paulo: Cortez,
2003. Coleção Questões da nossa época, v. 84. 2003b.
12. ______. Comunicação, informação e participação popular nos conselhos de saúde.
Saúde e Sociedade, São Paulo, v. 13, n. 2, p.56-69, mai./ago, 2004.
13. ______. Comunicação e Saúde: Desafios práticos e conceituais. In: Caderno Mídia
e Saúde pública: 20 anos do SUS e 60 anos da Declaração Universal dos Direitos
Humanos. Belo Horizonte: ESP MG, 2008. p. 11-22.
14. OLIVEIRA, V. C. Comunicação, informação e controle público ou social nos
conselhos municipais de saúde. 2012. (No prelo)
15. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010: contagem
populacional. Disponívelem:
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/tabelas_pdf/total_po
pulacao_minas_gerais.pdf.>Acesso: 20 mai. 2013.

797
16. MOREIRA, S.V. Análise documental como método e como técnica. In: DUARTE, J;
BARROS, A. Métodos e Técnicas de Pesquisa em Comunicação. São Paulo: Atlas,
2010. p.269-279.
17. FLICK, U. Introdução à pesquisa qualitativa. 3.ed. Porto Alegre: Artmed, 2009.
18.

798
Educação em saúde no combate ao câncer da próstata

Maria Silva Jesus


Maria Cecília Leite de Moraes1
Dálity Keffelen de Barros Rodrigues

RESUMO: O câncer de próstata (CP) é uma neoplasia que apresenta, entre suas
características, a multiplicação das células da próstata de forma desordenada
(RODRIGUES et al., 2013).Esta patologia tem como fatores de risco para o seu
desenvolvimento principalmente a idade, raça/etnia, histórico familiar, dieta rica em gordura
animal, tabagismo e etilismo (MEDEIROS et al., 2011).A Sociedade Brasileira de Urologia
preconiza a realização dos exames de toque retal e PSA sérico a partir do 50 anos de
idade, mesmo em paciente assintomático, já que não existe prevenção para CP (EL
BAROUKI, 2012). Estes aspectos foram cruciais para a realização de uma parceria
colaborativa entre o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e o Centro Universitário
Adventista de São Paulo (UNASP), representados pela pós-graduação em Saúde Pública
e Mestrado Profissional em Promoção da Saúde, para a elaboração da pesquisa sobre o
tema “Combate ao câncer da próstata: ouvindo a opinião dos homens”. O estudo
contemplou questões da educação em saúde, a qual foi efetivada, também, com a
elaboração de duas cartilhas. Considerou-se que estas poderiam, dentro das ações
contempladas pela pesquisa, contribuir para melhor compreensão sobre a doença e
diagnóstico precoce.
Palavras-chave: câncer de próstata, fatores de risco, sinais e sintomas, diagnóstico
precoce e preconceito.

Introdução

O câncer de próstata (CP) é uma neoplasia que apresenta, entre suas características,
a multiplicação das células da próstata de forma desordenada (RODRIGUES et al., 2013).
Este câncer é o sexto tipo mais comum no mundo e prevalente entre homens, perdendo
apenas para o câncer de pele não melanoma (MEDEIROS et al., 2011).
Segundo o Instituto Nacional de Câncer, no Brasil, estimam cerca de 61.200 casos
novos de CP, para o ano 2016 (INCA, 2016). Apesar da alta incidência, a mortalidade por
CP é relativamente baixa, cerca de 10% do total de canceres no mundo (MEDEIROS et al,
2011).
Diversos fatores têm sido apontados como determinantes para o aumento da
incidência de CP, dentre eles destacam-se: aumento da expectativa de vida, maior

1 Centro Universitário Adventista de São Paulo-UNASP. E-mail: leimo7@hotmail.com

799
conhecimento das doenças da próstata e as campanhas de identificação (PAIVA et al,
2011).
Este tipo de câncer é assintomático em um alto percentual de indivíduo, sendo
imprevisível sua evolução, mas com avanço da doença podem apresentar sintomas como
dor óssea, dificuldade ao urinar, jato urinário fraco e sensação de não esvaziar totalmente
a bexiga (RODRIGUES et al., 2013) (MAIA, 2012).
Esta patologia tem como fatores de risco para o seu desenvolvimento principalmente
a idade, raça/etnia, histórico familiar, dieta rica em gordura animal, tabagismo e etilismo
(MEDEIROS et al., 2011).
Não existe prevenção para CP, porque ainda não são perfeitamente conhecidos os
mecanismos que transformam células normais da próstata em malignas, tornando
imprescindível o diagnóstico precoce (RODRIGUES et al., 2013).
A Sociedade Brasileira de Urologia preconiza a realização dos exames de toque retal
e dosagem antígeno prostático especifica (PSA) sérico a partir do 50 anos de idade,
mesmo em paciente assintomático. O prognóstico é melhor quando o câncer é detectado
prematuramente (EL BAROUKI, 2012).
Torna-se necessário superar o preconceito, o medo e as barreiras impostas para a
não realização do exame preventivo do toque retal. Estes são aspectos significativos da
realidade masculina (MAIA, 2012).
O exame de toque retal possui fortes implicações no simbolismo masculino, o que
contribui para que muitos homens não o realizem (MAIA, op.cit).
Estes aspectos foram cruciais para a realização de uma parceria colaborativa entre o
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e o Centro Universitário Adventista de São
Paulo (UNASP), representados pela pós-graduação em Saúde Pública e Mestrado
Profissional em Promoção da Saúde, para a elaboração da pesquisa sobre o tema
“Combate ao câncer da próstata: ouvindo a opinião dos homens”. O estudo contemplou
questões da educação em saúde, a qual foi efetivada, também, com a elaboração de duas
cartilhas. As duas cartilhas seriam complementos da pesquisa, funcionando como material
de educação e informação. Considerou-se que estas poderiam, dentro das ações
contempladas pela pesquisa, contribuir para melhor compreensão sobre a doença e
diagnóstico precoce.

800
Objetivos:
Desenvolver um instrumento de informação (cartilha) para ser distribuído entre
servidores do Tribunal de Justiça do estado de São Paulo; trabalhar com educação em
saúde.
Material e Métodos
As cartilhas foram fruto de reflexões coletivas e, desenvolvidas a partir das reuniões
do grupo de estudos “Papo de saúde: construindo o discurso a partir do diálogo”. A
elaboração das cartilhas esteve sob a responsabilidade de uma pós-graduanda do curso
de Saúde Pública.
Os artigos utilizados como base para a confecção das cartilhas foram escolhidos a
partir das questões consideradas relevantes no tocante ao tema. Para tal foi necessário
definir o objetivo da cartilha, para que não se tornasse apenas uma ilustração. Na
concepção e construção da mesma foi observado rigor metodológico, simultaneamente
trabalhou-se com uma linguagem simples e compreensível.
As cartilhas foram elaboradas por meio de estudo bibliográfico, a partir da seleção de
sete artigos nacionais disponíveis online, publicados entre os anos de 2011 e 2015. As
palavras chaves para busca foram: homem, câncer de próstata, saúde masculina. . A
busca de ilustrações foi feita por meio de pesquisa no Google Acadêmico com imagens
relacionadas ao tema câncer de próstata. Foram selecionados os manuscritos que
respondiam as questões discutidas no grupo de pesquisa.
Os desenhos e os dizeres se aproximaram dos dados de realidade da população que
receberiam o material: servidores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
As duas cartilhas foram distribuídas em momentos diferentes do projeto, uma quando
do início da investigação e, outra em evento que finalizava o trabalho.

Resultados
O trabalho foi desenvolvido na equipe de pesquisa “Papo de saúde: construindo o
discurso a partir do diálogo” e, coordenado por uma pós-graduanda em Saúde Pública Os
artigos selecionados pontuaram aspectos importantes sobre o câncer da próstata, riscos,

801
detecção precoce, sintomas, exames, sequelas, tratamento e preconceitos comum relação
ao exame de toque retal.
A primeira cartilha foi distribuída para os servidores do Tribunal de Justiça de São
Paulo, quando da entrega de um questionário que investigava suas opiniões sobre o
exame de detecção do câncer de próstata.

Figura - 1ª Cartilha Do Câncer De Próstata

A segunda cartilha foi elaborada contemplando os mesmos itens, entretanto o


aspecto preconceito foi enfatizado. O destaque ocorreu em função do resultado da
pesquisa "Combate ao câncer da próstata", onde este aspecto foi observado como o
grande entrave para a detecção precoce da doença. A cartilha foi distribuída ao final da
pesquisa quando foi ministrada uma palestra ministrada para os servidores do Tribunal de
Justiça de São Paulo.

Figura - 2ª Cartilha da Saúde do Homem

802
Conclusões

As cartilhas foram desenvolvidas como complemento da pesquisa “Combate ao


câncer da próstata: ouvindo a opinião dos homens”. A existência de forte preconceito fez
com que fosse alterado o escopo da segunda cartilha, entregue na atividade que finalizava
o projeto. As cartilhas pontuaram aspectos da patologia, riscos e sinais e sintomas, além
dos indicadores da doença, no Brasil. Foi destacada a importância do diagnóstico precoce.
Acredita-se que os instrumentais foram importantes dispositivos de informação, haja vista a
procura pelos mesmos. Ainda, muitas questões discutidas no evento final da pesquisa
estavam no repertório selecionado para compor o material, observou-se que os indivíduos
queriam ouvir mais sobre as questões colocadas nas cartilhas, ressalvando o preconceito
para a realização do exame de detecção do câncer da próstata. Aos pesquisadores foram

803
abertas possibilidades para futuros projetos em serviços, objetivando ações de educação
em saúde e acolhimento no âmbito da população masculina.
Destaca-se, também, que projetos como este trazem novas formas de aprendizado.
Com a elaboração destes dispositivos os pós-graduandos de Saúde Pública, deixam sua
marca no intuito de informar e assistir à população, ou seja, inserção social.
É possível que a cartilha faça a diferença na vida de alguns homens, que a partir
dela possam escolher a saúde no lugar do preconceito. Espera-se que ela transite além do
grupo alvo: ande pelas famílias e vizinhanças, ou, simplesmente circule até o colega do
trabalho.

Referências

1. Rodrigues, R., Sales, C.A. (2013). Aspectos Epidemiológicos Diagnósticos do


Carcinoma Prostático. Revista Saúde e Pesquisa.; 6(1) 131- 140.
2. Medeiros, A.P., Menezes, M.F.B., Napoleão A.A. (2011). Fatores de Risco e
Medidas de Prevenção do Câncer de Próstata: subsídios para a Enfermagem.
Revista Brasileira de Enfermagem.; 64(2) 385-388.
3. Paiva, E.P., Motta, M.C.S., Griep, R.H. (2011). Barreiras em Relação aos Exames
de Rastreamento do Câncer de Próstata. Revista Latino-Americana de
Enfermagem.; 19(1) 1- 8.
4. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer (2016). Estimativa 2016:
incidência de câncer no Brasil. 159(1) 7-122.
5. Maia, L.F.S. (2012). Câncer de Próstata: preconceitos, masculinidade e a qualidade
de vida. Revista Científica de Enfermagem.; 2(6) 16-20.
6. El Barouki, M.P. (2012). Rastreamento do Câncer de Próstata em Homens Acima de
50 anos Através do Exame Diagnóstico de PSA. Revista Eletrônica Gestão &
Saúde.; 3(2) 426-437.
7. Júnior, A. J. B., Menezes, C.S., Barbosa, C.A., Freitas, G.B.S., Silva, G.G., Vaz,
J.P.S., Souza, M.L., Oliveira, T.M. (2015). Câncer de Próstata: métodos de
diagnóstico, prevenção e tratamento. Revista Brasileira de Cirurgia e Pesquisa
Clínica.; 10(3) 40-46.

804
Sexualidade na Adolescência e as Mídias Digitais: riscos, benefícios e
desafios para a enfermagem no século XXI

Murilo Lopes1
Fábio Corrêa
Diego Araújo

RESUMO: O objetivo desta pesquisa foi realizar um levantamento bibliográfico sistemático


das produções cientificas no país, acerca do desenvolvimento da sexualidade na
adolescência e a utilização das mídias digitais, buscando apontar os riscos, benefícios e
desafios para enfermagem no século XXI. Trata-se de uma pesquisa não-experimental, do
tipo revisão sistemática de literatura. Dentre os resultados encontrados foram selecionados
(10) artigos para discussão. Na qual, observou-se que apesar dos riscos da utilização das
mídias digitais durante o desenvolvimento da sexualidade da adolescência, identifica-se
também, seus benefícios tanto para os adolescentes quanto para os profissionais de
enfermagem. Portanto, recomendações também são necessárias a esta faixa-etária, com o
objetivo de transformar o uso das mídias digitais numa fonte mais segura, ética, educativa
e saudável de conhecimentos.
Palavras-chave: Sexualidade, Adolescência, Mídia digital, Enfermagem.

Introdução
A sociedade contemporânea torna-se cada vez mais tecnológica e, diante dessa
realidade, entende-se que, principalmente, o público adolescente-jovem, convive com as
tecnologias digitais de comunicação e informação antes mesmo de alcançarem sua
especifica faixa-etária. É fato, que as mídias digitais, possuem forte influência sobre o
comportamento deste público, inclusive sobre sua sexualidade, tornando-se assim, essa
realidade, um desafio para a enfermagem no século XXI.
Atualmente, “os adolescentes não vivem mais no “mundo da lua”, mas no “espaço
das nuvens” do mundo digital” (1). Um mundo global, que oferece todos os tipos de
aventuras com detalhes audiovisuais, porém, também apresenta novos riscos à saúde que
acontecem numa época especial do desenvolvimento cerebral, mental e corporal da
adolescência.
Assim, entende-se que “para compreender o comportamento das novas gerações,
principalmente em relação a sexualidade, é preciso conhecer e apropriar-se das mídias
utilizadas, pois estas promovem diferentes relações entre adolescentes” (2). O contexto em

1 Faculdade Macapá – FAMA E-mail: muriloenfermagem@gmail.com

805
que vive esta geração, “é imerso no uso do celular e do computador, utilizando-se das
mídias digitais, como uma de suas principais formas de comunicação no século XXI” (1).
Pode-se dizer que mídia é o “conjunto dos meios de comunicação, ou seja, designa
os meios, ou conjunto de meios de comunicação” (3). “É a grafia aportuguesada da palavra
media, conforme pronunciada no inglês. Media é o plural de medium, palavra latina que
significa meio” (4).
No sentido técnico,

O termo mídia digital em oposição à mídia analógica, refere-se à mídia


eletrônica que trabalha com codecs digitais. Pode ser definida como o
conjunto de veículos e aparelhos de comunicação baseados em tecnologia
digital, permitindo a distribuição ou comunicação digital das obras
intelectuais escritas, sonoras ou visuais. Deste modo, abrange
computadores, telefones celulares, vídeos digitais, televisão digital, internet,
jogos eletrônicos e outras mídias interativas (5).

A mídia digital do século XXI é caracterizada por uma possibilidade de expressão


pública, de interconexão sem fronteiras e de acesso à informação.

Esta mídia vem substituindo, absorvendo o antigo sistema das mídias


estruturado pela edição em papel, cinema, os jornais, o rádio e a televisão.
Condicionado pela mídia digital, o espaço público contemporâneo é
caracterizado, portanto, não só por uma maior liberdade de expressão, mas
também por uma nova oportunidade de escolher as fontes de informação,
assim como por uma nova liberdade de associação no seio de
comunidades, grafos de relações pessoais ou conversas criativas que
florescem na rede (6).
Deste modo, entende-se, que “o desenvolvimento da sexualidade é um dos aspectos
do desenvolvimento da personalidade humana e da socialização na adolescência, com
incessante e difícil busca do encontro de si mesmo e do par amoroso” (7). Nesta fase, “os
impulsos da sexualidade são marcados por limites sociais que muitas vezes desafiam os
riscos da impulsividade e da liberdade, assim como as regras de proteção, códigos morais
e éticos” (8).
A “sexualidade ocupa um espaço essencial na formação da identidade de todos
adolescentes, porque tem relevância para a continuidade evolutiva, além da busca do
prazer do corpo, da imaginação e das fantasias” (9).

Durante o desenvolvimento da sexualidade do adolescente na era das


mídias digitais, o mesmo, busca relacionar-se de modo simultâneo e
superficial e espera a “repercussão virtual” de sua imagem, muitas vezes
transmitida através de câmeras de celulares em tempo real ou vídeo. Esse

806
retorno traduz-se em variáveis quantidades de manifestações, além de
observar uma busca por experiências sexuais, que alguns sociólogos
denominam de pansexualidade, onde tudo é possível na mídia digital (10).

Deste modo, visando conhecer o desenvolvimento da sexualidade da geração digital,


o objetivo desta pesquisa foi realizar um levantamento bibliográfico sistemático das
produções cientificas no país, acerca do desenvolvimento da sexualidade na adolescência
e a utilização das mídias digitais, buscando apontar os riscos, benefícios e desafios para
enfermagem no século XXI.

Metodologia
Trata-se de uma revisão sistemática de literatura. Este tipo de estudo produz um
resumo de todos os estudos sobre determinada intervenção ou tema: mediante a aplicação
de métodos explícitos e sistematizados de busca com apreciação crítica (11).
Esta pesquisa segue os esforços de outras no sentindo de ajudar e recolher,
organizar, sintetizar e compartilhar conhecimento sobre a temática. Tal esforço se justifica
para que cada vez mais haja profissionais competentes para lidar com situações onde
sejam requeridos conhecimentos dos riscos da utilização das mídias digitais durante o
desenvolvimento da sexualidade de adolescentes, tão como, os benefícios que essa
realidade pode proporcionar no que tange a educação sexual.
Nesta pesquisa para elaborar a questão foi utilizada a estratégia mnemônica PICo,
onde “P” (14), refere-se à população do estudo, “I” ao fenômeno de interesse e o “Co” ao
contexto, e chegou a seguinte estrutura:
P = Adolescência (sexualidade; comportamentos; atitudes)
I = Riscos; Benefícios; Desafios para a enfermagem
Co = Era digital (Mídias digitais)
Assim, a questão norteadora definida foi: Quais os riscos, benefícios e desafios para
a enfermagem relacionados ao uso das mídias digitais durante o desenvolvimento da
sexualidade de adolescentes?
As buscas foram feitas no Portal da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e em três
bases de dados: LILACS, MEDLINE e BDENF. Todas acessadas mediante VPN FAMA. Os
trabalhos pesquisados referem-se aos últimos 10 anos (2007-2016). Em idioma português.
As evidências reunidas referem-se as produções realizadas no país (BRASIL), afim de

807
priorizar conhecer a realidade brasileira, sem desconsiderar a importância do tema
mundialmente.
Como estratégia de busca dos estudos, utilizou-se os Descritores em Ciências da
Saúde (DECs-Bireme): promoção da saúde AND/OR sexualidade AND adolescência AND
WEB 2.0 AND/OR internet AND enfermagem. Deste modo, ficou definido como critério de
inclusão e exclusão:
- Incluídos: artigos indexados em revistas cientificas; em idioma português e que
estivessem de acordo com a temática proposta neste estudo.
- Excluídos: capítulos de livros; artigos incompletos; normas técnicas.
A coleta de dados ocorreu entre os meses de Maio e setembro de 2017 e foi
realizada em quatro etapas: 1) Busca dos documentos; 2) seleção pela leitura dos títulos;
3) Seleção pela leitura dos resumos e 4) Seleção pela leitura do artigo na integra. Estas
etapas colaboram para produção de tabelas e quadros apresentados e discutidos nos
resultados desta pesquisa.

Resultados e discussão
Todas as publicações identificadas foram obtidas a partir das bases de dados
eletrônicas. A busca das referências bibliográficas das publicações selecionadas não foi
necessária, pois as referências de interesse já haviam sido identificadas pelas bases
eletrônicas. Na figura abaixo, verifica-se o processo percorrido nesta revisão sistemática.
Os resultados deste estudo foram divididos em três etapas para melhor compreensão
do leitor e discussão sobre a temática: I – Processo de seleção dos estudos encontrados
na busca; II – Caracterização dos estudos incluídos para revisão sistemática; III – Riscos e
benefícios da utilização das mídias digitais durante o desenvolvimento da sexualidade de
adolescentes.

808
I - Processo de seleção dos estudos encontrados na busca

Quadro 1 – Processo de inclusão e exclusão de artigos na presente revisão sistemática de


literatura. Macapá, 2017

A partir dos descritores utilizados foram encontrados (35) estudos, distribuídos nas
bases de dados: LILACS, BDENF e MEDLINE. A base de dados que apresentou o maior
número de estudos foi a BDENF (18), seguindo-se da LILACS (14), MEDLINE (03). Do
total de estudos selecionados, após avaliação dos seus títulos e resumos e leitura
completa daqueles potencialmente relevantes, foram (10) artigos indexados nas bases de
dados referentes.
A base de dados que apresentou maior número de estudos selecionados foi a
BDENF (5), LILACS (3) e MEDLINE (2). Não foi encontrada revisão sistemática sobre o
tema da presente investigação dentre (4) revisões sistemáticas encontradas com o uso dos
descritores utilizados.

809
II – Caracterização dos estudos incluídos para revisão sistemática

Tabela 1 – Estudos incluídos para revisão sistemática, segundo dados de publicação.


Macapá, 2017.

Base de dados
Ano de
Estudo Título Autores onde foi
publicação
publicado
Desenvolvimento da Eisenstein,
E1 MEDLINE 2013
sexualidade da geração digital. E.
Adolescentes na sociedade do Figueiredo,
E2 LILACS 2015
espetáculo e o sexting. CDS.
Uso do celular por Correr, R.
E3 adolescentes: impactos nos MEDLINE 2016
relacionamentos Faidiga, M.
Educação sexual na escola: Santos,
E4 BDENF 2011
uma ação necessária RAS.
Vojivoda,
E5 Adolescência na era digital BDENF 2012
DC
Influência da mídia no
E6 processo de desenvolvimento Paulo, MMD LILACS 2008
do adolescente
O adolescente e a internet:
E7 laços e embaraços no mundo Prioste, CD BDENF 2013
virtual
“Clica já” – Educação sexual Coimbra,
E8 LILACS 2012
em meio escolar J.A.J
Estefenon,
Geração digital: Riscos das
S.B
E9 novas tecnologias para BDENF 2011
Eisenstein,
crianças e adolescentes
E.
A influência da mídia na Maia, R.F;
E10 BDENF 2007
sexualidade do adolescente Silva, C.P

É possível verificar pelo quadro que nos últimos 10 anos as discussões acerca da
utilização das mídias, sua influência, riscos, benefícios e desafios para os profissionais da
saúde, como a categoria dos profissionais de enfermagem, intensificaram-se. Observou-se
também, que nos últimos 05 anos as produções foram mais frequentes sobre a temática.
Dentre os estudos incluídos, foi possível observar distintos riscos relacionados ao uso
das mídias digitais durante o desenvolvimento da sexualidade de adolescentes, no

810
entanto, também são identificados benefícios no que tange ao uso das TIC, seja para o
próprio adolescente, quanto para os profissionais enfermeiros que trabalham na educação
sexual desta faixa-etária.

III - Riscos e benefícios da utilização das míd ias digitais durante o


desenvolvimento da sexualidade de adolescentes

Desde que começou a se popularizar no final dos anos 1990, “as mídias digitais, em
especial a internet, criou novos conceitos que foram incorporados ao cotidiano das
pessoas” (12). De todos os grupos de usuários da rede mundial de computadores, “são os
adolescentes e jovens que lidam mais confortavelmente com as ferramentas e novidades
desse novo meio de comunicação” (13).
Assim, para entender o que os adolescentes fazem, como se comunicam, criam laços
de amizades, descobrem sua sexualidade, faz-se necessário identificar os riscos da
realidade digital, que envolvem o público-alvo em questão, tão como, conhecer esta nova
realidade que engloba a sexualidade de adolescentes e as mídias digitais.

Quadro 2 – Riscos da utilização das mídias digitais durante o desenvolvimento da


sexualidade de adolescentes

RISCOS DEFINIÇÕES/CARACTERISTICAS
- Fuga do mundo real para o virtual. As redes sociais
Redes sociais desempenham, cada vez mais, o papel de “ponte de
digitais comunicação” nas “salas-de-bate-papo”, fóruns e jogos
interativos.
(Facebook;
- Busca de “apoio emocional” de “qualquer relacionamento”
Instagram; Twitter;
em momentos de desespero, solidão, ansiedade, ou
WhatsApp, entre
dificuldades psicossociais.
outras)
- Compartilhamento de textos simples, curtos, diretos com
Sexting ou sem imagens de teor sexual, geralmente via telefones
celulares.
- A dor emocional que causa pode ser enorme tanto para
o/a adolescente na foto como para o/a adolescente que
(Nude selfie)
envia ou recebe a mensagem, podendo ter implicações
legais e criminais.
- Produção de comportamento de bullying assistido pela
tecnologia digital. Qualquer atitude que comunica
repetitivamente mensagens hostis, agressivas, cheias de
Cyberbullying
ódio ou ameaçadoras, com conteúdos sexuais ou não, e
realizadas por adolescentes ou grupos de pessoas com a
intenção de prejudicar ou causar desconforto.

811
- As repercussões na saúde e no comportamento imediato,
e mesmo fora da escola e ao longo da vida adulta para
sempre, e é considerado crime digital.
- São considerados comportamentos de perversão e
criminosos que precedem uma atividade de abuso ou
exploração comercial sexual ou ato de pornografia, no
mundo real ou no mundo digital.
Grooming - Refere-se a atos de sedução e manipulação psicológica
que são realizados com o objetivo de se ganhar uma
relação de confiança e se “tornar amigo” diminuindo a
inibição para se estabelecer uma dependência emocional e
assim um relacionamento de cunho sexual com o
adolescente.
- Violação de um direito humano fundamental,
especialmente o direito ao desenvolvimento de uma
Abuso/exploração sexualidade saudável e uma ameaça a integridade física e
sexual psicossocial de qualquer adolescente.
- As formas de exploração sexual comercial são:
prostituição, pornografia, trafico com fins sexuais.

Quadro 3 – Benefícios das mídias digitais para a enfermagem e para o desenvolvimento da


sexualidade do adolescente

BENEFÍCIOS PARA BENEFÍCIOS PARA O


MÍDIA DIGITAL
ENFERMAGEM ADOLESCENTE
- O uso do AVA possibilita
- Possibilita o estabelecimento de
atividades que proporcionam
uma comunidade de
um ambiente favorável a
interlocutores.
diversas discussões e reflexões.
- Objetiva resolver dúvidas dos
- Através de discussões nesses
alunos e desenvolver uma
ambientes é possível
consciência a respeito dos
1. Ambientes Virtuais problematizar, discutir, construir e
valores morais, éticos e
de Aprendizado - AVA reconstruir conceitos a respeito
psicológicos de sua
dos corpos e de suas relações.
sexualidade.
- É uma plataforma que
- É um ambiente agradável,
possibilita uma série de
dinâmico e de fácil utilização. O
atividades pelo mediador, como:
AVA é a sala de aula no
fóruns de discussão e
ciberespaço.
ferramentas de tarefas.
- As redes sociais possuem
- As redes sociais voltadas para a
grande influência sobre o
educação sexual, podem ser um
2. Redes sociais comportamento dos
espaço particular no
digitais adolescentes e jovens, aspecto
esclarecimento das dúvidas a
positivo para seu uso na
respeito de sua sexualidade.
educação sexual.

812
- Através de sua conta pessoal
- As informações
nas redes sociais, o adolescente
compartilhadas nas redes
pode ter um contato maior com os
sociais podem ser acessadas
conteúdos voltados para a
inúmeras vezes e de qualquer
prevenção de doenças nesta fase
lugar do mundo.
da vida.

- Permite criar fanpages,


grupos, comunidades para fins
de educação e promoção da - Além de adquirir o
saúde, além de possibilitar conhecimento, os adolescentes
esclarecimentos e podem através das redes sociais
encaminhamentos de compartilhar informações e
adolescentes e jovens para os contribuir na educação sexual.
serviços de saúde
especializados.

- Contribui na interatividade
entre o profissional e o - Pode ser utilizado em qualquer
adolescente, ajudando a lugar e hora do dia, em casa, na
interagir diferenciadamente com escola, no parque, entre outros.
o público-alvo.
- A mobilização dos
adolescentes nestes espaços, - Permiti ao adolescente continuar
3. Aplicativos para contribui para que a o aprendizado ou esclarecimento
dispositivos móveis enfermagem possa utiliza-lo à sobre suas dúvidas, mesmo
favor da educação sexual do distante de um profissional.
adolescente.
- O aplicativo permite encontrar
informações dos serviços de
saúde qualificados para o
atendimento do mesmo em
qualquer circunstância.

Conclusão

Assim, este estudo possibilitou identificar aspectos importantes quanto ao


desenvolvimento da sexualidade de adolescentes na era digital, como: os riscos que os
mesmos encontram-se vulneráveis no século XXI, assim como, os benefícios que esta
nova era propõe tanto para esta faixa-etária, quanto para os profissionais enfermeiros que
lidam todos os dias no atendimento e promoção da saúde de adolescentes e jovens.
Portanto, recomendações também são necessárias a esta faixa-etária, com o objetivo
de transformar o uso da mídias digitais numa fonte mais segura, ética, educativa e
saudável de conhecimentos, devem fazer parte das condutas de rotina dos atendimentos
de adolescentes e suas famílias, servindo como uma ação de prevenção e alerta aos
problemas cibernéticos.

813
Referências

1. Eisenstein, E. Desenvolvimento da sexualidade da geração digital. Revista


Adolescência e Saúde, Rio de Janeiro, v. 10, n. 1, p. 61-71; 2013.
2. Estefenon, S. Conceitos. In: Estefenon S, Eisenstein E, organizadores. Geração
Digital, riscos e benefícios das novas tecnologias para crianças e adolescentes.
Vieira & Lent: Rio de Janeiro; 2008.
3. ERBOLATO, M. Dicionário de propaganda e jornalismo: legislação, termos técnicos
e atividades das agências de propaganda e do jornalismo impresso, radiofônico e de
televisão. Campinas: papiros. 1985.
4. Dubowitz, H. editor. World Perspectives on Child Abuse, 10th ed. Australian Institute
of Criminology. Public Health Agency of Canada; 2012.
5. LEMOS, A. Cibercultura. Alguns pontos para compreender a nossa época. In:
LEMOS, André; CUNHA, Paulo (orgs). Olhares sobre a Cibercultura. Porto Alegre:
Sulina, 2003.
6. MENIN, F. Sexualidade, adolescência e educação sexual a partir do quereres e
poderes da internet. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual
do Oeste do Paraná – Campus Francisco Beltrão, 2017.
7. MARTINS, L. (Orgs.). Desafios de Educação Sexual: interfaces pertinentes com
comunicação e tecnologia. 1. Ed. – Curitiba, PR: CRV, 2016.
8. LITTIG, P. M. C. B., CÁRDIA, D. R., REIS, L. B., FERRÃO, E. S. Sexualidade na
deficiência intelectual: uma análise das percepções de mães adolescentes
especiais. Revista Brasileira de Educação Especial. v. 18, n. 3, p. 7-11; 2012.
9. FIGUEIRÓ, M. Formação de Educadores Sexuais: adiar não é mais possível. –
Campinas, SP: Mercado de Letras; Londrina, PR: Eduel. (Coleção Dimensões da
Sexualidade), 2006.
10. OLIVEIRA, V. Sexualidade adolescente: motivação para fazer ou não fazer sexo.
Tese (Mestrado em enfermagem). Instituto Politécnico de Viseu – Viseu – PR, 2011.
11. RABACA, C; BARBOSA, G. Dicionário de comunicação. 2ed.São Paulo: Atica, 1987.
12. Rich M. Internet Talk for Teens: Ages 13-19. Center for Media and Child Health
[Internet]. [cited 2013 Feb14]. Available from: http://www.cmch.tv.
13. SILVA, M.; LINHARES, R. Mídia, saúde e educação: um estudo teórico. Revista
Eletrônica Debates em Educação Científica e Tecnológica. v. 6, n. 1, p. 115–134,
2016.

814
Análise da importância da construção do vínculo em uma comunidade de
extrema vulnerabilidade social: limitações e relato de experiência.

José Victor de Mendonça Silva1


Luís Felipe Lopes Queiroz
Jamile Ferro Amorim

RESUMO: O presente trabalho apresenta a importância do vínculo com a comunidade e


como este fator é essencial na construção de ações em saúde e na melhoria dos serviços
perante a população, buscando propiciar mais autonomia a ela e integração dos saberes
científico e popular. Trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de experiência, do
projeto de extensão intitulado “Saberes e Práticas de Saúde no Contexto de uma
Comunidade em Vulnerabilidade Social”, desenvolvido no município de Arapiraca-AL,
Brasil. Foram realizadas ações na comunidade e ao final de cada ação, foi aberto um
espaço de fala para os participantes expressarem suas perspectivas, aprendizados e
experiências de vida, demonstrando confiança no compartilhamento das vivências. O
presente estudo possibilitou conhecer as concepções dos moradores da comunidade em
relação às práticas e saberes em saúde, e reconhecer o papel do intercâmbio de
conhecimento.
Palavras-Chave: Saúde Pública; Educação em Saúde; Atenção à Saúde.

Introdução
A partir da década de 80, por meio da divulgação da Carta de Ottawa, o foco da
saúde mundial passou por mudanças e o papel da família nesse contexto sofreu uma
ressignificação. Esta instituição social tornou-se o centro das ações em saúde, visto a
variedade de elementos que influenciam sua estrutura, como a religião, o ambiente de
moradia, a relação com a comunidade e os hábitos familiares. Dessa forma, é possível
verificar como diversos fatores podem contribuir para a formação da saúde dos indivíduos
e do ambiente ao seu redor, tendo como ponto de partida sua própria família. Logo, vê-se
que o contexto da saúde deve ser encarado de forma descentralizada, holística, buscando
evidenciar todos os fatores que perpassam a sua construção. Assim, deixando de lado
uma visão hospitalocêntrica e estagnada apenas no fator biológico que possa causar
determinada patologia, assumindo o contexto do processo saúde-doença, o qual busca
abarcar todas as variáveis que cercam a saúde da população. [2,3,5,6,7]
É nessa conjuntura mais ampla que se faz necessária uma maior aproximação
perante os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). Para o seu êxito, o vínculo com a
comunidade deve ser fortalecido, o que pode ser alcançado por meio de um simples ato, o

1 Universidade Federal de Alagoas – Ufal – Campus Arapiraca

815
diálogo. Uma ferramenta que, apesar de ser utilizada cotidianamente, assume um papel de
importante na comunidade por ser a única capaz de atravessar as barreiras sociais tão
evidentes e que dificultam o fornecimento de um serviço de qualidade. [1,2]
Dessa maneira, o diálogo, juntamente do convívio na comunidade, permite o êxito
para uma saúde de qualidade pois permitem perceber o que aflige as pessoas, construindo
uma política de saúde mais próxima da realidade. O que busca concretizar o conhecimento
por meio de uma interação mútua, na qual todos os indivíduos contribuem de algum modo
para a saúde local, sem uma hierarquização do conhecimento. Tanto a população quanto
os profissionais de saúde, por meio do diálogo, estabelecem um conhecimento
compartilhado, integrando o saber científico e o saber popular. Assim, a educação popular
e a saúde apresentam-se como um campo de reflexão e ação, compondo um cenário de
equidade e justiça na saúde. [1,2,3,4]
OBJETIVOS
• Apresentar reflexões e limitações sobre a construção do vínculo com uma
comunidade em situação de vulnerabilidade social.

Metodologia
Trata-se de um estudo descritivo, do tipo relato de experiência, elaborado pelos
acadêmicos participantes do projeto de extensão intitulado “Saberes e Práticas de Saúde
no Contexto de uma Comunidade em Vulnerabilidade Social”, aprovado por intermédio do
edital 2016/2017 do Programa de Círculos Comunitários de Atividades Extensionistas
(ProCCAExt), vinculado à Universidade Federal de Alagoas – UFAL – Campus Arapiraca.
As atividades foram desenvolvidas na comunidade Mangabeiras, no Bairro Senador
Arnon de Melo, na cidade de Arapiraca/AL, Brasil, no período de julho de 2016 a agosto de
2017. Houve participação de quadro acadêmicos de Medicina, um de Enfermagem e um
de Serviço Social. Os locais de realização das ações extensionistas o espaço da Cáritas
presente na comunidade, além da Escola de Ensino Fundamental em Tempo Integral Dom
Constantino Lüers, também na comunidade.
O presente trabalho é resultado das ações realizadas com a comunidade, com temas
inseridos no contexto da prevenção e promoção de saúde, com o intuito de integrar o
público-alvo e suas instituições sociais. Os temas abordados foram elencados tanto pela
demanda dos moradores, como também pela necessidade de construção de conhecimento
sobre saúde.

816
Todas as ações foram documentadas através de áudios gravados e fotografias
registradas das ações praticadas, salvando os momentos de fala e escuta do público
presente. Esses materiais foram analisados posteriormente, permitindo reflexão acerca das
atividades desenvolvidas. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido antes de iniciar as respectivas atividades.

Resultados e discussão
Durante o período de realização do projeto foram abordados os seguintes temas:
Conceito de saúde segundo a OMS; Doenças Sexualmente Transmissíveis; Ciclo
Menstrual; Gravidez na adolescência; Métodos Contraceptivos; Prevenção do Câncer de
Mama; Prevenção de Acidentes por fogos de artifício; Acidentes provocados por animais
peçonhentos e desenvolvimento de Habilidades em Primeiros socorros em situações do
cotidiano. As ações aconteciam quinzenalmente, existindo uma semana de planejamento
para a atividade posterior, tomando-se como base as demandas fornecidas pelos
moradores.

Ao final de cada ação, os moradores falavam a respeito da atividade, expressando


suas perspectivas, aprendizados e experiências de vida, demonstrando confiança no
compartilhamento das vivências, tal qual pode se observar na seguinte fala:

“[...] O que eu tenho a dizer é que eu achei muito boa reunião, e para mim é
mais uma satisfação que eu tenho para dar. A bebida eu parei, o cigarro eu
estou mais diminuindo, eu estou me sentindo mais melhor.” (M1).

O vínculo pode ser compreendido como um relacionamento de amizade, de


confiança, de responsabilidade e de compromisso que se estabelece com os integrantes
extensionistas do projeto. Para isso, os acadêmicos realizaram troca de conhecimentos,
sendo um canal para os moradores da comunidade lograssem melhoraras na qualidade de
vida. Destaca-se, assim, o papel colaborativo do projeto de extensão na melhoria do estilo
de vida, a partir do estímulo de novos hábitos de saúde. Essa realidade ficou nítida
quando os moradores foram questionados sobre a opinião deles acerca da ação realizada,
tal qual pode se observar abaixo:
“[...] Pelo que vocês falaram a bebida não faz bem e o cigarro também e
tem mais de 20 anos que eu deixei de fumar, e 8 que eu deixei de beber, e
para mim foi a melhor coisa. E aprendi também, que tem que colocar 2

817
pingos de água sanitária em 1 litro de água para tratar. Quero vir mais
vezes, vocês são muito legais e ensinam sobre saúde” (M2).

As atividades desenvolvidas, no decorrer do tempo, foram um meio para o


estreitamento do vínculo comunitário com os participantes do projeto, pois todos os
sujeitos envolvidos vivenciaram intercâmbio de conhecimento, saberes e práticas em
saúde. Sob essa óptica, tal relação é fundamental para uma almejada construção coletiva
de cidadania e autonomia dos sujeitos, abarcando a concepção de firmamento de relações
biopsicossociais com os integrantes.
Nessa abordagem, o vínculo é uma ferramenta que, além de favorecer a proximidade
e fortalecer o relacionamento interpessoal, faz com que a comunidade sinta-se mais
confiante para relatar as dificuldades e riscos a que está exposto, possibilitando que seja
atendido em sua integralidade. Entende-se que a construção de relações de vínculo é um
processo complexo e que o presente estudo, bem como as ações extensionistas
demonstraram algumas possibilidades nessa direção.
É importante destacar, contudo, que a edificação do supracitado vínculo é paulatina,
visto que, de início, a presença do projeto na comunidade representa a presença de uma
entidade recente e que precisa adaptar-se à realidade, às demandas e aos costumes dos
moradores do local de atuação. Nessa lógica, espera-se que limitações surjam na medida
em que as tarefas começam a serem executadas, tornando-se um desafio na construção
coletiva de saúde para todos.
Entre essas limitações, houve baixa adesão inicial dos moradores em participarem, o
que por vezes interferiu na total execução do que tinha sido planejado para a comunidade.
Esse fato foi um dos motivos pelos quais se fez necessário executar a busca ativa de
moradores na comunidade, para que o quórum fosse o maior possível, com a finalidade de
abordar conteúdos importantes para o maior número de moradores presentes. Ao
transcorrer das ações, esse fenômeno melhorou consideravelmente, visto que o vínculo
criado permitiu que moradores ajudassem na divulgação das atividades com antecedência.
Vale destacar, ainda, que o acesso à comunidade está vinculado às péssimas
condições da estrada de barro para chegar ao Caritas e à escola, local das ações. Nos
dias chuvosos, esse fato foi um ponto limitante tanto para os integrantes do projeto, quanto
para a população local. Isso porque era muito complicado passar com veículos
automotores nas estradas sem sinalização e com chance de atolamento, bem como os

818
moradores ficavam mais acomodados devido às condições de tempo chuvoso nos dias de
algumas ações, o que fez com que houvesse menos público nesses dias.
Outro aspecto limitante foi o frágil contato com os profissionais da rede de saúde da
comunidade. A mudança de gestão de 2016 para 2017 contribuiu com a saída de alguns
profissionais que já estavam familiarizados com as atividades já desenvolvidas pela
academia na comunidade. A chegada de novos profissionais com perspectivas reduzidas
no tocante à importância contato entre acadêmicos e comunidade impediu que novas
potencialidades pudessem ser desenvolvidas na comunidade. Além disso, houve greve
dos funcionários da saúde vinculados à prefeitura, o que reduziu o apoio em relação ao
projeto e contribuiu para que um maior de pessoas desconhecesse o caráter das reuniões
e o quanto essas poderiam contribuir para toda a comunidade.
Todavia, apesar dessas limitações, foi perceptível que ao avançar do projeto a
população tornou-se mais participativa e acessível durante as ações. Esse fato evidencia a
construção do vínculo com a comunidade, na qual a troca mútua de conhecimento teve
seu êxito, pois tanto os moradores quanto os participantes do projeto decidiram
abertamente as temáticas trabalhadas. Dessa maneira, mesmo com tantos fatores
limitantes, é possível inferir que o trabalho em questão conseguiu atingir seus objetivos.

Conclusão
As atividades do projeto proporcionaram descentralização do saber e de sua atuação,
a partir do estímulo da parceria entre o conhecimento científico e o saber popular, o que
inclui a articulação com sociedade e a rede de serviços. Este tipo de relação horizontal
entre os envolvidos favorece ao aumento do vínculo com a comunidade, ao possibilitar a
troca de informações, esclarecimento das dúvidas e aproximação das relações afetivas,
além de criar um espaço de acolhimento.
Considera-se essencial ressaltar as limitações encontradas pelos acadêmicos
durante a execução do planejado, tais como: baixas adesão e assiduidade da comunidade
nas ações; precário acesso à comunidade; dificuldade de estabelecimento de contato com
profissionais de outras instituições para articulação das ações. Essas dificuldades
traduzem potencialidades que precisam ser trabalhadas para efetuar melhoras na
realização das atividades na comunidade.
O presente estudo possibilitou conhecer as concepções dos moradores da
comunidade em relação às práticas e saberes em saúde, e reconhecer o papel do

819
intercâmbio de conhecimento. O vínculo é entendido como uma relação de confiança,
compromisso e amizade. As limitações fornecem subsídios para melhor elaboração de
próximas atividades na comunidade. Assim, é preciso valorizar os elementos envolvidos
nessa construção de conhecimento, que, em momentos coletivos, produziu saberes e
ações que se sustentam entre si.

Referências

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Jan/Dez, Uberlândia, 2007, p.73-83.
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MIALHE, Fábio L. Educação em saúde: uma reflexão histórica de suas práticas.
Ciência & Saúde Coletiva. 15(5): 2539-2550, 2010
3. SANTOS, Luciane de Medeiros dos et al . Grupos de promoção à saúde no
desenvolvimento da autonomia, condições de vida e saúde. Rev. Saúde Pública, São
Paulo , v. 40, n. 2, p. 346-352, Apr. 2006
4. SOUZA, A. C.; Colomé, I SC ; COSTA, L. E. D. ; OLIVEIRA, D. L. L. C. . A educação
em saúde com grupos na comunidade: uma estratégia facilitadora da promoção da
saúde. Revista Gaúcha de Enfermagem, Porto Alegre, v. 26, p. 147-153, 2005.
5. BARROS, José Augusto C.. Pensando o processo saúde doença: a que responde o
modelo biomédico?. Saude soc., São Paulo , v. 11, n. 1, p. 67-84, July 2002 .
Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
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http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902002000100008
6. HEIDMANN, Ivonete T.S. Buss et al . Promoção à saúde: trajetória histórica de suas
concepções. Texto contexto - enferm., Florianópolis , v. 15, n. 2, p. 352-358, June
2006 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-
07072006000200021&lng=en&nrm=iso>. access on 14 Oct. 2017.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-07072006000200021.
7. World Health Organization. The Ottawa charter for health promotion. Geneve: WHO;
1986

820
O uso da internet como ferramenta de comunicação dos direitos à saúde

Celso Murilo Madeira1


Christiane Soares Pereira Madeira2
Eglaisede Miranda Esposto3

RESUMO: A proteção da saúde no Brasil é um direito social garantido pela Constituição


Federal que objetiva salvaguardar o acesso universal e igualitário aos serviços e ações de
saúde. Sob essa perspectiva, o marco civil da internet protege os internautas de danos
causados por conteúdos indevidos, impróprios ou que sejam nocivos à saúde. No Brasil,
aproximadamente 81 milhões de pessoas utilizam a internet por meio de tecnologias
móveis para acessar desde redes sociais (Facebook, Twitter, Flickr e Youtube) ou motores
de busca (Google) para diversas finalidades. O presente estudo buscou avaliar a
popularidade dos termos utilizados pelos usuários no que se refere aos temas saúde e
direito à saúde. Para seleção dos termos utilizados em saúde foi realizada uma busca nos
Descritores em Ciências da Saúde e depois aplicada à ferramenta Google Trends. Os
resultados demonstraram que os brasileiros usuários de internet tem interesse por
informações sobre produtos e serviços e também sobre saúde. Segundo o Google Trends,
os brasileiros ao utilizarem o motor de busca Google nos últimos 5 anos sobre temas
relacionados à saúde tiveram maior interesse pelas palavras “Doenças” e “Plano de saúde”
obtendo score 70 para ambas. Entretanto, palavras consideradas menos populares pela
ferramenta refletem a baixa procura por sites governamentais ou o direcionamento destas
palavras para um público mais específico (advogados ou profissionais de saúde).
Palavras-chave: Internet, Meios de comunicação, Direito à saúde.

Introdução

No Brasil, a proteção dos direitos à saúde tem como objetivos, a redução dos riscos
de doenças e outros agravos, bem como a garantia do acesso universal e igualitário aos
serviços e ações de saúde pública. Para alcançar esses objetivos, a saúde foi reconhecida
como um direito fundamental pela Constituição Federal (CF) promulgada em 1988. A
saúde é vista também como um direito social (art.6°) garantido a todos pelo Estado
mediante ações de políticas sociais e econômicas que atendam as necessidades da
sociedade brasileira assegurando a promoção, proteção e recuperação da saúde (art.196)
(1).
Ressaltamos que o ordenamento jurídico brasileiro prevê a competência da União
para estabelecer meios legais a fim de proteger a sociedade com relação a serviços de

1 Universidade Estácio de Sá. E-mail: celso.m.madeira@gmail.com


2 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA, MS).
3 Universidade Estadual do Rio de Janeiro

821
comunicação que possam ser nocivos à saúde. Para efetivar a proteção retratada no artigo
220, II da CF (1988), o marco civil da internet foi oficializado no país, através da Lei nº
12.965/15 e prevê a determinação de diretrizes para a atuação do Estado. No artigo 2º, a
lei deixa claro que a liberdade de expressão é um fundamento assegurado e para impedir
a censura, os provedores de internet somente serão responsabilizados civilmente por
danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, após ordem judicial específica.
Entretanto, destaca-se que o marco civil da internet não pode ser conflitante com outras
normas, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, Direitos do Consumidor e outras
legislações pertinentes (2).
A internet é um meio de comunicação e informação para jovens e adultos em todo o
mundo e se transformou numa das principais fontes de informação sobre saúde tanto para
profissionais quanto para pacientes. Os usuários da internet utilizam os dados móveis seja
para acessar as principais redes sociais (Facebook, Twitter, Flickr e Youtube) ou os
motores de busca (Google) para pesquisas diversas. Estima-se que nos Estados Unidos
cerca de 52 milhões de pessoas consultaram a web a fim de buscar informações sobre
saúde. No Brasil, o uso comercial da internet iniciou em 1995 e o número de usuários da
internet está crescendo significativamente, estudos revelam que aproximadamente 10
milhões de pessoas acessam sites sobre saúde regularmente. No entanto, apesar dos
avanços, a exclusão digital, particularmente entre as pessoas de baixa renda é uma
realidade a ser modificada, pois no mundo globalizado, o acesso à internet está se
tornando fundamental para o exercício da cidadania e da garantia aos direitos sociais (3).
Pesquisa recente apontou que os usuários da web realizam desde buscas
relacionadas às doenças e seus tratamentos, até a prevenção de patologias, promoção do
bem-estar, nutrição, higiene e serviços associados à área da saúde. Esses achados
reforçam a magnitude que a internet vem alcançando nos últimos anos favorecendo a
abertura de debates públicos envolvendo a sociedade civil, o Estado e os especialistas em
saúde (4).
A rede mundial de computadores representa uma importante ferramenta que pode
disseminar informações, contribuir para a transparência do governo e permitir a
participação popular por meio do controle social. Assim, a sociedade pode exercer a
cidadania como um meio de interagir com os governos e com os Estados utilizando a

822
internet para participar da definição das políticas públicas e reivindicando a materialização
dos direitos à saúde (4).
É importante destacar que os impactos gerados pela internet na sociedade
contemporânea e dinâmica não se restringem apenas ao campo do comportamento
humano e da comunicação. Esse impacto vai, além disso, influenciando e dinamizando as
formas de participação social. Dessa maneira, a internet quebra barreiras geográficas e
favorece as mobilizações sociais em escalas inimagináveis promovendo a mobilização em
escala global e em tempo real. Os usuários da internet podem se juntar uns aos outros
para exercerem seu poder de pressão social a fim de aprovar, modificar ou vetar projetos
de lei (5).
Neste sentido, o Ministério da Saúde disponibiliza aos usuários do Sistema Único de
Saúde (SUS), opções de comunicação com o órgão através do Disque-Saúde e também
da Ouvidoria que recebe reclamações, denúncias e dúvidas sobre saúde por meio de um
link na página do órgão. Da mesma maneira, a Defensoria Pública da União atua na área
da saúde prestando auxílio gratuito às pessoas de baixa renda, particularmente quando
ocorre omissão ou falha do Estado na prestação de serviços à saúde como no caso de
medicamentos e insumos não fornecidos pelo SUS, pedidos de cirurgias e procedimentos
negados, dentre outras demandas. Contudo, a disponibilidade destes serviços pela internet
deve ser divulgada para a população, além de desenvolver uma interface amigável e de
fácil navegação para que as pessoas possam ter acesso a esse tipo de serviço.

Metodologia

Os temas da área da saúde são amplos e podem gerar infinitas combinações de


termos de busca. A fim de selecionar esses termos, pesquisamos na Biblioteca Virtual em
Saúde, na categoria de Descritores em Ciências da Saúde, os grupos de descritores
relacionados à saúde. Os três grandes grupos de descritores são “Doenças”, “Atenção à
Saúde” e “Saúde pública”. Utilizamos também os termos: “saúde pública”, “informação em
saúde”, “plano de saúde”, “legislação em saúde”, “direito à saúde” e “ministério da saúde”
com o objetivo de avaliar sua popularidade no Google nos últimos 5 anos em nosso país.
Essas palavras foram submetidas à pesquisa e comparação pelo Google Trends que
fornece o percentual de interesse do termo utilizado para busca refletindo a sua
popularidade entre os internautas.

823
Resultados e Discussão

Os termos pesquisados nos motores de busca refletem os interesses, necessidades,


desejos e preocupações das pessoas (6) sobre determinados assuntos variando desde
informações em saúde, entretenimento, estilos de vida, alimentação, educação dentre
outros. Esses termos representam as intenções dos indivíduos sobre determinado tópico
durante um período de tempo, o que pode indicar um tipo de comportamento coletivo (7).
Na atualidade, os motores de pesquisa estão entre as ferramentas diárias mais
utilizadas por quem utiliza a internet seja através de computadores, smartphones ou outras
tecnologias móveis de acesso à internet. A ferramenta de busca do Google denominada
“Google Trends” é um sistema que fornece, a partir de um descritor, os termos de pesquisa
mais utilizados pelos usuários.
Quando utilizamos os Descritores em Ciências da Saúde (doenças, atenção à saúde
e saúde pública) comparativamente os dados gerados pela ferramenta Google Trends
revelaram que no Brasil nos últimos 5 anos, a palavra mais buscada foi “doenças” (média
de interesse = 70), seguida por “saúde pública” (média de interesse = 3) e “atenção à
saúde” (média de interesse = 1) (Figura 1) que foram menos buscadas ou tiveram menos
interesse pelos internautas brasileiros no período avaliado.

Figura 1 – Comparação dos termos de busca (doenças, atenção a saúde e saúde pública)
utilizados pelos internautas no Brasil nos últimos 5 anos.

824
Por outro lado, quando utilizamos a busca pelas palavras “saúde pública”,
“informação em saúde”, “plano de saúde” e “legislação em saúde” (Figura 2), observamos
a média de interesse foi igual a 70 para o termo “plano de saúde”. Os termos menos
pesquisados foram “saúde pública” (média de interesse = 29) e “informação em saúde”
(média de interesse = 3). A palavra “legislação em saúde” obteve pontuação zero (0)
refletindo a baixa popularidade do termo.

Figura 2 – Comparação dos termos de busca (saúde pública, informação em saúde, plano
de saúde e legislação em saúde) utilizados pelos internautas no Brasil, nos últimos 5 anos.

Figura 3- Comparação dos termos de busca (direito à saúde, saúde pública e Ministério da
Saúde) utilizados pelos internautas no Brasil, nos últimos 5 anos.

825
Entretanto, ao utilizarmos as palavras “direito à saúde”, “saúde pública” e “ministério
da saúde”, observamos média de interesse = 58 para a palavra “ministério da saúde”, e
médias menores para “saúde pública” (média de interesse = 30) e “direito à saúde” (média
de interesse = 3).
O interesse por um tema ao longo do tempo pode variar e os números representam o
interesse de pesquisa relativo ao ponto mais alto no gráfico de uma determinada região em
um dado período. Então, um valor de 100 é o pico de popularidade de um termo. Um valor
de 50 significa que o termo teve metade da popularidade. Da mesma forma, uma
pontuação zero (0) significa que o termo teve menos de 1% da popularidade.
De acordo com a Pesquisa sobre uso das tecnologias de informação e comunicação
nos domicílios brasileiros (8), apesar da exclusão digital causada pelo custo do acesso à
internet, falta de cobertura dos serviços e dificuldades de habilidade do usuário da internet,
47% dos brasileiros usam a internet pelo celular, o que corresponde a 81,5 milhões de
pessoas, e o celular é o dispositivo preferido (76%) para acesso dos usuários os quais
acessam a internet diariamente (84%). No período de 5 anos, o percentual de buscas
sobre serviços públicos de saúde variou de 20% em 2008 a 30% em 2013, para consultas
médicas o percentual variou de 9% a 14%. Observou-se que no mesmo período, a busca
por chats, fóruns, votações e etc. relacionados ao governo, a variação foi negativa, uma
vez que em 2008, 13% das pessoas acessavam esses sites, enquanto em 2013 o número

826
caiu para 11% refletindo a baixa procura das pessoas com relação ao atendimento online
por parte dos serviços públicos brasileiros.
Essa mesma pesquisa revelou que entre as atividades de busca de informações, a
mais citada é a procura de informações sobre produtos e serviços (63%) seguidos por
informações sobre saúde (38%).
Embora os resultados comparativos dos termos aplicados no Google Trends revelem
uma tendência de interesse ao longo do tempo, os dados permitem compreender o
comportamento e o interesse da população brasileira sobre o tema saúde. Por se tratar de
um termo associado a produtos e serviços, a maior busca foi para “plano de saúde”, o que
demonstra a preocupação das pessoas em procurar algum tipo de assistência à saúde. Da
mesma maneira, a busca pela palavra “doenças” reflete o interesse do brasileiro com a
própria saúde buscando as informações disponíveis nos sites de busca.

Conclusão

De modo geral, os brasileiros ao utilizarem o motor de busca Google nos últimos 5


anos sobre temas relacionados à saúde tiveram maior interesse pelas palavras “Doenças”
e “Plano de saúde” numa média de interesse = 70 para ambas, o que significa mais da
metade da popularidade do termo. Por outro lado, palavras menos populares podem refletir
tanto a baixa procura por sites governamentais quanto o direcionamento destas palavras
para um público mais específico como advogados ou profissionais de saúde.
O mundo caminha cada vez mais em direção à era digital e será necessário
compreender essa mudança, pois a saúde deverá participar do contexto digital, abrindo
espaço para discussões sobre a garantia dos direitos à saúde e o papel da internet e seus
aplicativos na melhoria da qualidade de vida da sociedade brasileira.

Referências

1. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal,


2008.
2. _______. Lei nº 12.965 de 23 de abril de 2014. Disponível
em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso
em 04 out.2017.

827
3. Neto AP, Barbosa L, Muci S. Internet, geração Y e saúde: um estudo nas comunidades
de Manguinhos (RJ). Comunicação & Informação. 2016;19:20-36.
4. Delduque MC. Observar para participar: a world wide web como instrumento para
acompanhar a produção legislativa em saúde no Brasil. In: Estudos de Direito Sanitário
– a produção normativa em saúde. Brasília, Senado Federal. 2011.
5. Vasconcelos, W. Observatório da Saúde no legislativo: informação e comunicação a
serviço da participação social em saúde. In: Estudos de Direito Sanitário – a produção
normativa em saúde. Brasília, Senado Federal. 2011.
6. Ettredge M, Gerdes J, Karuga G. Using web based search data to predict
macroeconomic statistics. Communications of ACM. 2005:48:87-92.
7. Goel S, Hofman JM, Lahaie S, Pennock DM, Watts DJ. Predicting consumer behaviour
with web search. PNAS, 2010 https://doi.org/10.1073/PNAS.1005962107 Acesso em
06 out.2017.
8. TIC Domicílios 2014. Pesquisa sobre uso das tecnologias de informação e
comunicação nos domicílios brasileiros. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no
Brasil. Disponível em <
http://www.cgi.br/media/docs/publicacoes/2/TIC_Domicilios_2014_livro_eletronico.pdf>.
Acesso em 04 out.2017.

828
Assistência Farmacêutica na internet: comunicação e informação na
promoção do acesso

Tatiana Sanjuan Ganem Waetge1


Carlos José Saldanha Machado

RESUMO: O objeto de estudo desse trabalho foi a comunicação pública mediada por
computador, por meio da disponibilização das informações para a política de acesso a
medicamentos de elevado custo e complexidade no âmbito do Sistema Único de Saúde
(SUS). Assim, objetivou-se analisar a política pública de acesso a medicamentos
especializados pela dimensão da informação, a partir das páginas eletrônicas das
Secretarias Estaduais de Saúde (SES) e de forma complementar pela análise da rede
social facebook de um grupo de associações de pacientes. Buscou-se identificar a
disponibilização, ou não, das informações no site oficial da SES, priorizando a Doença de
Gaucher. A busca nos websites das informações foi realizada de forma simplificada, i.e.
como procede qualquer usuário comum, sem a utilização de métodos de busca boleana.
Foram selecionados um ou dois estados de cada região, com o objetivo de
representatividade nas desigualdades regionais, identificando aqueles mais e menos
populosos (dados IBGE), como medida indireta da maior probabilidade de acesso às
informações. Para tanto, utilizou-se o campo de “busca” da página principal da SES com
termos previamente definidos. Para análise do facebook, selecionou-se o grupo da
associação de pacientes da doença de Gaucher com maior número de seguidores. Assim,
foram realizadas 3 pesquisas exploratórias: (1) investigação geral da política, com análise
de 10 websites; (2) investigação específica para a política da doença de Gaucher, com
análise de 6 websites; e (3) exploração da página do facebook de grupo de associação de
pacientes da referida doença. Em ambas pesquisas nas páginas de governo, de forma
geral, não há padrão de busca nas páginas dos estados. Na página do facebook observou-
se que os posts do último ano tiveram como temas mais recorrentes: frases motivacionais,
dicas nutricionais, comentários sobre políticas públicas específicas e liberação de
medicamentos. Constata-se o quanto a natureza heterogênea das informações
relacionadas a medicamentos torna, de modo geral, pouco efetiva a busca por orientações
de acesso a demandas específicas e, que a análise das políticas públicas pode ser
complementada pela observação das redes sociais de grupos organizados de pacientes
uma vez que informações sobre as políticas reverberam nas redes sociais.
Palavras-chave: acesso, internet, política de medicamentos, e-Gov, medicamentos
especializados.

Introdução

O uso da internet atualmente faz parte da vida de milhares de pessoas no Brasil e no


mundo. Desde seu surgimento, a utilização e as relações sociais que se tem construído a
partir das possibilidades que dela emergiram tem se ampliado e se modificado.

1 Fiocruz/RJ. E-mail: tatiana.sanjuan@bio.fiocruz.br ou tatianaganem@gmail.com

829
De acordo com Gowler Jr (2010), à medida que cada vez mais pessoas utilizam a
internet, parte delas a utiliza como “dispositivo de comunicação altamente sofisticado” que
possibilita e capacita a formação de comunidades virtuais (1). No campo da saúde-doença,
encontramos inúmeros grupos organizados por temáticas como: doença, comportamento,
qualidade de vida, tratamento medicamentoso, superação, etc.
Emergem das relações novos atores, influenciadores que modelam as relações
sociais. Podemos citar, por exemplo, um novo movimento conforme relatado por Garbin et
al (2008), no qual tem emergido um “novo ator na área da saúde”, o “paciente expert” que
é aquele paciente, independente do segmento social, que por meio da internet, busca
informações relacionadas à saúde e doença, como diagnósticos, medicamentos,
tratamentos e custos (2). Desse modo, é possível ter acesso a informações atualizadas e
complementares, que extrapolam a relação médico-paciente, possibilitando também a
interação e o compartilhamento entre indivíduos e grupos para que ampliem seus
conhecimentos sobre direitos, acesso e políticas.
Nesse contexto, deve-se estar atendo às fontes de informações para que se tenha
acesso a informações confiáveis. Desse modo, os sites oficiais de governo devem tornar-
se um meio de oferta de informações seguras, os quais devem disponibilizar os serviços
públicos aos cidadãos por meio eletrônico, o chamado e-GOV. A comunicação efetiva dos
órgãos públicos, especialmente da saúde, responsáveis por tais políticas, constitui-se em
fundamental instrumento para a disponibilização de informações técnico-científicas
orientadoras para o acesso às políticas de saúde.
Atualmente, o acesso à saúde é percebido como um dos grandes problemas
enfrentados pela população brasileira, especialmente para o SUS. Sanchez e Ciconelli
(2012) dispõe o acesso como “um atributo dos usuários dos serviços” tendo seu conceito
passado por modificações, não se limitando apenas aos aspectos tangíveis do sistema e
da população usuária (3). Para Soares (2013),
(...) as dificuldades de acesso são, frequentemente, expressas em termos
de barreiras e de problemas de disponibilidade de serviços (integrados por
instituições, profissionais, bens de saúde e rotinas), que parecem ter
relação com a burocracia institucional e as marcadas diferenças entre os
que necessitam e aqueles que provêm cuidados de saúde (4).

As principais características do acesso à saúde compreendem as dimensões:


disponibilidade, aceitabilidade, capacidade de pagamento e informação (5). A dimensão

830
da informação, corresponde ao grau de assimetria entre o conhecimento do paciente e do
profissional de saúde, que corresponde à diferença de informações entre quem oferta e
quem recebe os serviços. Essa relação de assimetria se constitui num dos desafios para a
promoção da saúde, na qual se busca o “estabelecimento de uma relação simétrica entre
os profissionais e os grupos sociais que fomentem a participação social em saúde” (5).
Contudo, para que se tenha a compreensão de cada uma das dimensões do acesso, é
imprescindível que se disponha da informação, que se dá pelo processo de comunicação
entre o sistema de saúde e o indivíduo (3).
Cabe especialmente aos órgãos públicos, adequar a informação sobre seus serviços,
disponibilizados pela internet, ou outros meios, para que tenha abrangência à população
geral do país, a fim de superar as falhas de saúde pública (problemas de fluxo,
burocratização, (des)informação e planejamento) que levam ao negligenciamento dos
direitos constitucionais estabelecidos.
A política de medicamentos no SUS
O acesso a medicamentos tem efeitos importantes sobre a situação de saúde
individual e sobre a qualidade de vida da população, considerando, sobretudo o valor dos
medicamentos envolvidos. Contudo, é sabido que um contingente importante da população
que necessita desses serviços não os conseguem no sistema público brasileiro de saúde –
o SUS, ou tem seu acesso retardado pelas dificuldades de acesso, expressos em barreira
burocrática e ausência ou inadequação das informações (incompletas, linguagem
imprópria, ou de difícil acesso).
O sistema público de saúde brasileiro apresenta dentre suas diversas estratégias,
uma específica para atender as necessidades de medicamentos da população – a
Assistência Farmacêutica. O Componente Especializado reúne o tratamento para um
grupo de doenças, geralmente graves, crônicas, algumas raras, e de importante impacto
financeiro. Por contemplar agravos mais sérios (média e alta complexidade), diversidade
de doenças (79 doenças de diferentes especialidades médicas) e o elevado custo do
tratamento medicamentoso, há regras específicas para que a população consiga os
medicamentos prescritos pelo médico, este do sistema público ou privado. Esta política é
de definição nacional pelo Ministério da Saúde (MS), porém a gestão está nos estados,
que acaba por apresentar variações estaduais de fluxos de acesso.

831
Diferentemente dos outros componentes da AF, o CEAF apresenta especificidade
operacional de acesso e manutenção dos usuários no recebimento dos medicamentos e
acompanhamento farmacoterapêutico. O fornecimento destes medicamentos deve
obedecer aos critérios de diagnóstico, indicação de tratamento, inclusão e exclusão de
pacientes, esquemas terapêuticos, acompanhamento e demais parâmetros contidos nos
Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas (PCDTs) estabelecidos pelo MS, de
abrangência nacional. O fornecimento se dá por processo individual de solicitação às SES
pelo próprio paciente ou seu representante, que deverão apresentar diversos documentos
e exames médicos.
Busca-se reduzir a assimetria de informação existente entre os atores envolvidos:
gestores, profissionais de saúde, e usuários, e desse modo, prover a equidade em saúde.
Nesse processo, as práticas de governo eletrônico, aqui entendidas como a
disponibilização de serviços de governo por meio da internet, podem descomplicar o
contato da administração pública com a população brasileira, que deve ser uma fonte
confiável de informação.
Não é possível, enfrentar os problemas de acesso à informação e à saúde, com
ações isoladas. “A comunicação e a informação são respostas funcionais aos problemas
de implementação e funcionamento do sistema de saúde, perspectiva esta que irá incidir
também nas variáveis da participação popular” (6). De acordo com Araújo e Cardoso
(2007) “as políticas públicas só se constituem quando saem do papel e ganham visibilidade
e são apropriadas, ou seja, convertidas em saberes e práticas pela população a que se
destinam, sendo a comunicação inseparável deste processo” (7).
A melhoria dos fluxos de informação favorece as relações sociais, podendo-se
sugerir que essa difusão de informação vem permitindo a ampliação do acesso no terreno
da informação/conhecimento.

É importante considerar que o empoderamento relacionado a produção,


acesso e compartilhamento de informações nas redes virtuais, assim como
os resultados que esse empoderamento pode ter para indivíduos e
coletividades, não são lineares e generalizados. Utilizar as redes virtuais e
as informações que nela circulam pode contribuir para o empoderamento,
mas não resulta diretamente nele. É o contexto onde elas são utilizadas e
as condições e possibilidades que o caracterizam que afetam a ocorrência
do empoderamento, estimulando-o, incrementando-o ou desfavorecendo-o
(8).

832
Sob o aspecto do direito à saúde para o acesso a serviços públicos de saúde, nos permite
traçar um paralelo da relação entre comunicação, negligenciamento na saúde e doenças
negligenciadas. A comunicação negligenciada e a invisibilidade de práticas e políticas
acentuam desigualdades sociais tanto na saúde coletiva quanto no próprio SUS (9).
Informações estas que deveriam estar claramente apresentadas à população para que
possa se apropriar e se empoderar.
(...) constatamos que a visibilidade da área de acesso a medicamentos tem
crescido enormemente nos últimos anos e não mais se apresenta como um
problema de países pobres ou de populações pobres, mas hoje é
identificado como um problema global que sufoca mesmo os sistemas de
saúde privados de países do Norte (10).

Metodologia
No presente trabalho optou-se por fazer estudos exploratórios a fim de observar como
as informações sobre a política de medicamentos do CEAF está sendo disponibilizadas
pelas SES e o nível de dificuldade para acessá-las. Nesse primeiro momento não
buscamos aprofundar as análises do conteúdo, quando disponibilizado (pesquisa 1 e 2).
A definição de escolha das SES se deve por esses órgãos serem os gestores
responsáveis pela gestão do Componente nos estados. A seleção dos estados buscou-se
manter a representatividade regional do país, e identificar potenciais características
destoantes. Desse modo, com base nas características populacionais, a partir de dados do
último Censo Demográfico do IBGE disponível - 2007, selecionamos os estados menos e
mais populosos por região geográfica, e utilizou-se o domínio oficial da World Wide Web
de cada SES (www.saude.ESTADO.gov.br).
Na primeira pesquisa, utilizou-se a metodologia de análise de forma ampla, ou seja, a
busca das informações ocorreu de forma geral para a política de medicamentos
especializados, sem direcionar para um tratamento específico (medicamento ou doença).
No website procurou-se utilizar da navegação de forma intuitiva, como usuário comum,
procurando identificar na página principal campos com as palavras-chave que pudessem
direcionar ao conteúdo desejado. Definiu-se os termos: “medicamentos”, “serviços”,
“assistência farmacêutica”. Considerou-se o estado mais populoso e o menos populoso por
região. As páginas foram categorizadas de acordo com a disponibilização das informações
como: Não encontrada, parcial ou total.
Nessa segunda pesquisa, a busca das informações foi realizada de forma direcionada
para o tratamento da Doença de Gaucher que configura uma doença rara e de elevado

833
custo, contemplada no CEAF. Sua escolha justifica-se pela importância para a Fiocruz, a
qual através do laboratório oficial Bio-Manguinhos/Fiocruz atualmente está em processo de
transferência de tecnologia para a internacionalização da alfataliglucerase usada no
tratamento desta doença. Desse modo, possibilita-se a sustentabilidade na distribuição
deste medicamento para o SUS, e ampliação do seu acesso. A busca procedeu de forma
simplificada, isto é, como procede qualquer usuário comum, sem a utilização de métodos
de busca boleana. Foi selecionado apenas o estado mais populoso de cada região, visto
se tratar de doença rara, além do estado do Rio de Janeiro, no qual está presente o
laboratório. Objetivou-se assim, obter representatividade nas desigualdades regionais e
como medida indireta da maior probabilidade de acesso às informações. Para tanto,
utilizou-se o campo de “busca” da página principal da SES com 5 termos: taliglicerase,
taliglucerase, alfataliglicerase, alfataliglucerase, doença de gaucher.
Por fim, na pesquisa 3 foi realizada análise da página do facebook de um grupo de
associação de pacientes da referida doença. A extração de dados foi realizada por meio da
ferramenta Netvizz, considerando os posts do último ano.

Resultados e discussão

Pesquisa 1
Resultados: Dentre os estados mais populosos, 4 de 5 disponibilizaram
informações sobre medicamentos especializados na página principal da SES, sendo
classificados como TOTAL (Bahia, Goiás, São Paulo e Rio Grande do Sul). Dentre os
estados menos populosos, três de cinco (Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Santa
Catarina) disponibilizaram informações na página principal da SES. Contudo, as
informações não estavam facilmente disponíveis, sendo necessário busca por diversos
links, sendo classificados como PARCIAL. Nenhum estado dentre os mais ou menos
populosos retornou informações através do campo de busca, a partir dos termos
selecionados. Dois dos 10 estados, não tinham campo de busca (Amazonas e Santa
Catarina).
De forma geral, os estados mais populosos apresentaram melhores resultados na
disponibilização de informações para acesso à política. Alguns estados apresentaram as
informações de forma estruturada e organizada por patologia, facilitando o acesso e
compreensão das mesmas.

834
Pesquisa 2
Resultados: Foram analisados os sites de 6 estados (Amazonas, Bahia, Goiás, Rio
de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo). Destes, dois não apresentavam campo de
busca ou outro mecanismo de busca rápida (Amazonas e Rio Grande do Sul), um estado
não retornou a busca com nenhum dos termos, porém apresenta atendente virtual como
forma de busca rápida que se mostrou bastante efetiva (Goiás). Dos estados que
retornaram com informações de acesso, tem-se Rio de Janeiro (doença de Gaucher:
retorna matérias, mas não orientações; Taliglicerase e taliglucerase: retornam links para
lista de medicamentos e página intuitiva; Alfataliglicerase ou alfataliglucerase: sem
retorno), São Paulo (doença de gaucher: retorna link com informações; Alfataliglucerase:
sem retorno; Alfataliglicerase: retorna outros links; Taliglucerase: retorna link com
informações) e Bahia (doença de Gaucher: retorno com links com orientações. As buscas
pelos termos dos medicamentos não retornam informação).
De forma geral, não há padrão de busca nas páginas dos estados. Em alguns casos
não é possível seque obter qualquer tipo de informação para acesso à política de
medicamentos.

Pesquisa 3
O grupo do facebook que representa o grupo com o maior número de seguidores da
referida doença no país possui 5.417 inscritos. No último ano, período analisado, foram
realizados 124 posts. O post que mais teve curtidas (167) foi uma frase de efeito
motivacional, sobre valorizar cada momento da vida, que deve estar relacionada à
gravidade da doença e o risco dela decorrente. Contudo, o mesmo post teve apenas 12
compartilhamentos e três comentários, totalizando 168 reações (o maior dele). De forma
geral, os posts quase não apresentam comentários, sendo o que mais teve foram de seis
comentários, também sobre frase de efeito motivacional. O maior número de
compartilhamentos (17) também está relacionado à frase motivacional e de apoio. Os
temas mais recorrentes dos posts são frases motivacionais, dicas nutricionais, políticas
públicas específicas para doenças raras ou Gaucher e liberação de medicamentos. Os
temas de políticas e medicamentos apresentaram circulação de comunicação, variando de
20 a 50 manifestações cada. Esse conteúdo pode ser uma medida de como as

835
informações sobre as políticas são apresentadas e apropriadas pelos interessados, uma
vez que a circulação ocorre de forma direcionada. Cabe chamar atenção que os
medicamentos para essa doença não são comercializados individualmente no Brasil,
sendo de distribuição exclusiva pelo SUS devido seu alto custo e a baixa incidência de
casos.

Conclusões
O cumprimento do papel do Estado na formulação e implementação de políticas
públicas faz-se necessário, especialmente na superação dos agravos à saúde, tornando-se
mais crítico ainda quando estes possuem custos proibitivos à maioria da população, e os
problemas de fluxos e planejamento. Como objeto desse estudo, os websites das SES
necessitam ser trabalhados para que o indivíduo possa dispor de meios para que seja
fortalecida sua habilidade e capacidade para identificar, acessar e fazer a melhor utilização
da informação disponível para a satisfação das suas necessidades, ou seja, condições
necessárias para seu empoderamento e para o exercício do direito ao acesso à informação
e comunicação.
Em ambas pesquisas exploratórias nas páginas de governo, constata-se o quanto a
natureza heterogênea das informações relacionadas a medicamentos torna, de modo
geral, pouco efetiva a busca por orientações de acesso a demandas específicas. Conclui-
se que as SES devem adaptar suas ferramentas de busca, principalmente ao público leigo,
promovendo assim maior acesso a informação e consequentemente aos medicamentos.
As análises das políticas de saúde e de medicamentos podem ser complementadas e
enriquecidas com a observação das redes sociais e dos grupos de interesse. Dessa forma,
a monitorização do grupo nas redes sociais pode servir como termômetro da aceitação ou
não das mesmas, sendo um importante recurso para pesquisadores como também para
gestores.
Em um país tão diverso e desigual como o Brasil, a qualidade e a forma de
comunicação da informação relacionada à serviços públicos de saúde, como a Assistência
Farmacêutica, é uma condição sine quai non para a realização do direito à saúde
constitucionalmente instituído em 1988, e, portanto, necessita ser objeto de pesquisa.

Referências

836
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communities online. The Qualitative Report, 15(5), 1270-1275. Retrieved.

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Alegre, RS: [s.n.].

837
Eixo 7 – Erro Médico e relação médico-paciente

Eventos adversos judicializados no Distrito Federal: um retrato de 2016

Talita Gomes1
Sara Amorim
Stephanie Cesar
Luana Claudino

RESUMO: A atividade do profissional da área médica pode suscitar em morte do paciente


ou o comprometimento de sua integridade física ou de sua saúde, por conduta culposa
(negligência, imperícia ou imprudência). Esses atos geram ações de responsabilidade civil
levando-o a ressarcir os danos produzidos ao paciente ou ações de responsabilidade penal
trazendo consequências criminais agente. Este artigo realizou uma pesquisa
jurisprudencial a partir do levantamento de dados dos acórdãos em segunda instância
disponível no site do TJDFT no período de janeiro a dezembro de 2016, utilizando os
termos “erro médico” no campo disponibilizado para pesquisa resultando um total de 285
processos. Desta analise 5% tratavam de dano material, 52% sobre danos morais e 43%
relacionados a danos morais e materiais; as especialidades de maior número de processos
foram gineco-obstetrícia, cirurgia geral e plástica; ações cujo o réu foi o setor privado em
44%, o setor público 56% dos pleitos; as sentenças foram improcedentes em 52%,
procedentes em 19% parcialmente procedentes em 29% dos processos analisados.
Palavras-chave: Judicialização; Erro médico; Direito à Saúde; Saúde Pública

Introdução
Erros relacionado às técnicas e procedimentos médicos podem resultar em tragédia
para pacientes e suas famílias, prolongar o tempo de internação e aumentar
consideravelmente os custos hospitalares. Para o médico canadense, ícone da medicina
moderna, Sir William Osler Medicine is a science of uncertainty and an art of probability 2 as
atividades médicas implicam em interação entre pessoas, logo, assume-se que a boa
prática médica se caracteriza pelo equilíbrio entre o conhecimento científico, a tecnologia
disponível e o relacionamento entre médico e paciente. Porém, nem sempre o insucesso
terapêutico está ligado à conduta do médico, devendo-se buscar o nexo de causalidade
entre os eventos e identificar as possíveis causas associadas (1).

1 Pesquisadora na Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ Brasília; Universidade de Brasília


2 Medicina é a ciência da incerteza e uma arte de probabilidade (tradução livre da autora).

838
Os erros mais frequentes são os erros de prescrição e os de administração, sendo
que as drogas mais relacionadas a esses erros são: analgésicos, antibióticos, sedativos,
quimioterápicos, drogas de ação cardiovascular e anticoagulantes (2)(3).
Explica-se o número de erros observados na prática médica pela ausência de
mecanismos que diminuam a sua ocorrência, ou que interceptem o erro antes de chegar
ao consumidor final – o paciente. Infelizmente, no país, trabalha-se com a premissa de que
o profissional de saúde não comete erros e, portanto, não se criam mecanismos de
prevenção e correção.
Segundo Carvalho et. al. (4) fatores ambientais, psicológicos e fisiológicos
combinados que propiciam o erro na prática da medicina. O erro, seja qual for, consiste em
um agir ou em um não-agir, ou seja, uma ação ou uma omissão. Esses estão envoltos na
noção clássica de imperícia, negligência ou imprudência, elementos da culpa. A conduta
culposa é um conceito dos mais controversos no campo jurídico, porque se refere ao
resultado danoso advindo de uma ação ou omissão, havendo nexo causal entre a ação e o
resultado, porém o agente não teve a intenção de produzir o resultado. Diferentemente, o
dolo é a intenção de produzir um ato danoso ao sujeito destinatário da ação.
Assim, se o médico, em sua atividade profissional, determina a morte do paciente ou
o comprometimento de sua integridade física ou de sua saúde, por conduta culposa –
negligência, imperícia ou imprudência – responderá pelo seu ato.
Esses atos podem gerar ações de responsabilidade civil ao profissional da Medicina,
fazendo-o ressarcir os danos produzidos no paciente, e ações de responsabilidade penal,
trazendo consequências criminais ao médico. Tais ações são julgadas pelo Poder
Judiciário, locus de resolução de conflitos intersubjetivos. São nos tribunais que o erro
médico se torna visível aos olhos da sociedade, tratando-se no processo judicial as causas
produzidas pelo ato comissivo ou omissivo do profissional, os danos produzidos, o nexo
causal e a consequente sentença de reparação.
O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios – TJDFT processa e julga ações
cíveis e criminais para a reparação de erros médicos ocorridos sob sua jurisdição, por isso,
este estudo privilegiou essa instância judiciária da Capital da República, a fim de conhecer
as decisões judiciais de 2ª instância sobre o erro médico.
As vítimas podem recorrer ao Poder Judiciário com ações em âmbito penal, cível e
via ação disciplinar junto ao conselho profissional em busca de medidas disciplinares

839
contra o prestador de cuidados de saúde. Antes, porém, é possível a solução do litígio por
meio da conciliação onde as partes, vítima e médico, venham a acordar a eventual
reparação dos danos havidos, com a consequente homologação pelo juiz. A conciliação
implica na renúncia ao direito de queixa ou representação (8).
Os Juizados Especiais são um importante meio de acesso à justiça, pois permitem
que cidadãos busquem soluções para seus conflitos cotidianos de forma rápida, eficiente e
gratuita. Eles são órgãos do Poder Judiciário, disciplinados pela Lei 9.099/95 (8). Os
Juizados Especiais Cíveis servem para conciliar, julgar e executar causas de menor
complexidade, que não exceda 40 salários mínimos e os criminais conciliam, julgam e
executam infrações penais de menor potencial ofensivo.

Metodologia
Tratou-se de uma investigação retrospectiva de caráter documental baseada nas
decisões judiciais proferidas em sede de Apelação cível ou Apelação criminal, no TJDFT,
durante o ano de 2016.
Foi feito um levantamento de dados online dos acórdãos em segunda instância,
através de pesquisa jurisprudencial disponível no site do Tribunal de Justiça do Distrito
Federal e Territórios (TJDFT) no período de 01/01/2016 e 31/12/2016, utilizando os termos
“erro médico” juntos no campo disponibilizado para pesquisa específica.
Com o intuito de dar embasamento científico para a discussão, foi realizado
levantamento bibliográfico nas bases de dados Pubmed/Medline e Biblioteca Virtual da
Saúde utilizando os descritores Erro médico/Medical errors/Mala praxis. Foram incluídos
no estudo os acórdãos em segunda instância em que o autor ou reclamante era o paciente
e os casos em que o réu era o médico assistente e/ou a instituição médica pública ou
privada em que o paciente havia sido atendido (clínica, hospital ou plano de saúde).
Tratou-se de uma pesquisa essencialmente quantitativa, em que os dados numéricos
foram analisados a partir da inserção das informações em planilha eletrônica Excel versão
2013.
Por se tratar de pesquisa documental em base pública, com acesso livre e
desembaraçado aos dados, o projeto de pesquisa não foi submetido ao Conselho de Ética
em Pesquisa.

840
Resultados e discussão
Foram coletados um total de 285 processos no lapso temporal determinado para a
pesquisa, sendo que 198 não cumpriram com os critérios de inclusão, apresentando-se
ações em segredo de justiça e outras ações que não versavam sobre o erro médico que
foram desconsideradas na pesquisa. A amostra final resultou em 87 processos cíveis e
criminais sobre erro médico durante o ano de 2016, no TJDFT.
Em 2015, o jornal o Estado de São Paulo (5) publicou extensa matéria sobre o erro
médico no Superior Tribunal de Justiça-STJ, chamando a atenção para o acréscimo de
160% do número de ações em relação aos anos anteriores. E em Curitiba, o jornal A
Tribuna (6), trouxe a informação de que no Brasil, nos 10 anos anteriores houve um
aumento de 1600% de ações judiciais por erro médico e que as condenações de
profissionais da medicina estavam em 180% aumentados em relação aos anos anteriores.
Em um estudo recente, erros médicos são apontados como a terceira maior causa de
morte nos Estados Unidos num estudo que analisa os dados de mortalidade no país por
oito anos, onde constataram que mais de 250 mil mortes por ano são atribuídas a erros (7).
Fujita e Santos (1), em sua investigação junto ao Conselho de Medicina de Goiás,
igualmente verificou um aumento de processos por erro médico entre 2000 e 2006,
confirmando-se que o número de ações demandadas por pacientes tem aumentado,
significativamente.
Do total de processos coletados e analisados, incluindo-se a esfera cível e criminal,
verificou-se, que nenhuma ação foi proposta junto aos Juizados Especiais e a totalidade
das ações foram propostas junto à Justiça Comum, esse dado demonstra que, sendo mais
volumoso os processos da justiça comum, as ações indenizatórias foram superiores a 40
salários mínimos.

Tabela 1 – Tipo de Danos reclamados nos processos judiciais em 2016 sobre erro médico
no TJDFT
Dano material 4 5%
Dano moral 45 52%
Dano moral e material 37 43%

Fonte: TJDFT

Quanto ao tipo de danos, 3 tipos foram identificados na amostra: dano material e


morais; dano material; dano moral. O dano material é compreendido como os danos físicos

841
ou estéticos produzidos no paciente, enquanto que o dano moral alcança o psicológico
e/ou a honra subjetiva do paciente. Verifica-se que a quantidade de processos por dano
material foram muito reduzidos, prevalecendo o pedido de indenização associando o dano
material e moral.
Os danos morais não são reparáveis, mas sim compensáveis, a indenização por dano
moral tem como origem o “caráter punitivo“ para que o causador do dano, pelo fato da
condenação, se veja castigado pela ofensa que praticou; “caráter compensatório” para a
vítima que receberá uma soma que lhe proporcione prazeres como contrapartida do mal
sofrido, ante o ato gravoso praticado pelo autor.
As especialidades médicas objeto das ações judiciais analisadas envolvem erros
decorrentes de procedimentos de exames de diagnósticos como: sangue, biópsias,
ecografias, videolaparoscopias, entre outros. As especialidades com maior número de
processos por erro médico neste estudo foram: gineco-obstetrícia, ortopedia, cirurgia
plástica e cirurgia geral.
Na investigação empreendida por Jena et. al. (9) que decreve em seu estudo 46,7%
para reclamações contra anestesiologistas a 62,6% para reclamações contra obstetras e
ginecologistas e aos achados de Koeche et.al. (10) que cita a ginecologia/obstetrícia como
a especialidade com maior número de médicos denunciados junto ao Conselho Regional
de Medicina do Estado de Santa Catarina, seguida pela anestesiologia,
ortopedia/traumatologia e outras especialidades. Esta modalidade também teve
participação relevante nos resultados encontrados seja atuando em partos ou cirurgias
como histerectomias.

Tabela 2 - As especialidades com maior número de processos de erro médico no TJDFT,


em 2016.

Gineco-Obstetrícia 12 14%
Cirurgia Geral 11 13%
Cirurgia Plástica 8 9%
Ortopedia 7 8%

Fonte: TJDFT

842
O TJDFT trata como erro médico atos praticados indistintamente da especialidade
clínica propriamente dita como casos provenientes de tratamento odontológico ou cirurgia
odontológica, não diferenciando o médico do dentista.

Tabela 3 – Identificação do polo passivo das ações judiciais sobre erro médico no TJDFT
em 2016

Setor Público 48 56%


Setor Privado 38 44%
Fonte: TJDFT

O setor público teve o maior aporte de processos por erro médico no Distrito Federal
durante o ano de 2016 enquanto o setor privado representou 44% dos processos
analisados. Tais ações foram movidas contra a pessoa jurídica, seja clínica ou hospital. A
opção por processar a pessoa jurídica empregadora do profissional da medicina é uma
forma de garantir uma indenização mais robusta, visto que as empresas de saúde detêm
um ganho bem maior que a do profissional, isoladamente.
Os processos por erro médico movidos contra pessoas jurídicas de direito público, o
Sistema Único de Saúde-SUS, do Distrito Federal somam 56%. Nestes casos, responde o
processo a Fazenda Pública que pode ser a União ou o próprio Distrito Federal, posto que
os hospitais são vinculados à Secretaria de Saúde. A jurisprudência brasileira tem
entendido que a União não poderá responder por erros médicos cometidos em nosocômios
pertencentes ao SUS, nos estados e municípios. Nesse particular, os tribunais não
reconhecem a solidariedade tão propalada na prestação de serviços de saúde para a
indenização por erro médico.
Sendo o Estado sujeito de direito, e pessoa jurídica de direito público, também deve
se submeter aos ditames legais, ainda que por ele impostos. Ademais, a responsabilidade
do Estado está implícita na própria noção de Estado de Direito, “a responsabilidade estatal
é simples corolário da submissão do Poder Público ao Direito” (11).

843
Tabela 4 – Resultado das decisões nas ações sobre erro médico analisadas no TJDFT em
2016.
Improcedente 45 52%
Parcialmente procedente 25 29%
Procedente 16 19%

Fonte: TJDFT

A maioria dos processos analisados foram negados (52%) o que demonstra uma
certa dificuldade em comprovar o evento adverso como dano ou o fato das indenizações
serem desproporcionais a gravidade do fato. Apenas 19% das ações analisadas tiveram
decisão final procedente, dando-se o ganho de causa ao paciente-autor. As ações
parcialmente procedentes tiveram 29% do total analisado.
Contrariando os achados de Svider et. al. (12) que analisou vereditos de processos
referentes a eventos adversos em procedimento cirúrgico de carótida onde os desfechos
dos casos foram resolvidos a favor do arguido em 67,5% dos casos e resultaram em
pagamento de indenizações 32,4% dos casos e 8,1% de acordos extrajudiciais.

Conclusão
A responsabilidade médica é um fenômeno inseparável do cuidado em saúde.
Percebemos que os cidadãos tendem a buscar soluções extrajudiciais com a finalidade de
ressarcimento dos danos sofridos nos sistemas de saúde enquanto os legisladores tendem
a reconhecer os pleitos como forma de melhorar o sistema e aumentar a segurança dos
pacientes.
Os conselhos de classe costumam tratar o erro médico como falta ética e os
processos tramitam sob sigilo fazendo a sociedade desconhecer o alcance do problema,
ao contrário do que é percebido nos tribunais onde os erros médicos costumam ser
traduzidos em processos judiciais que tramitam pela justiça comum ou juizados especiais.
A pressão legal da prática médica vem a moldar as atitudes e as práticas de saúde nos
serviços, motivado pelas repercussões legais e pelas consequências econômicas da
gestão. Isto é o reflexo de uma sociedade em que a afirmação de direitos e a ideia de ter
sofrido uma lesão compensável é interpretada como a responsabilidade de um bom
profissional ou de um bom serviço de saúde seja ele público ou privado.

844
O médico não deve ser interpretado como o único responsável e causador do dano, é
necessário que todas as partes envolvidas estejam conscientes das mudanças que
merecem ser implementadas e que já foram discutidas pela Organização Mundial de
Saúde como a melhoria nos mecanismos de comunicação médico-paciente, sistema de
notificação de eventos adversos rápido e eficaz e a criação de protocolos de
procedimentos, com a implantação dessas pequenas melhorias muitos dos processos não
chegariam a justiça.
Espera-se que este trabalho venha a demonstrar a real dimensão do problema e
venha a auxiliar na tomada de decisões no enfrentamento da questão do erro médico.
Erros são inerentes a condição humana mesmo em profissionais extremamente
capacitados, porém reconhecer o problema talvez seja o primeiro passo a ser tomado para
o enfrentamento da questão e isto não depende de um parecer de colegiado ou da
sentença de um juiz.

Referência

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Médica Brasileira. 1992; vol. 55 n.3, p.283-289.
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846
Erro de diagnóstico e de terapêutica: a importância da relação médico-
paciente

Rosilma Menezes Roldan1


Milton Marcelo Hahn
Marcelo Lamy

RESUMO: Este trabalho tem como escopo contribuir para uma visão mais ampla sobre os
problemas recorrentes que dizem respeito ao erro de diagnóstico e de terapêutica,
consequentes dos chamados erros médicos, que podem levar a danos irreparáveis ao
paciente e até a sua morte. A relação médico-paciente, dada sua relevância para a
prevenção e a diminuição do erro médico e de diagnóstico, exigiu pesquisa específica.
Pesquisaram-se a legislação nacional, os pactos e tratados internacionais sobre o tema.
Foi colacionada jurisprudência referente a erro médico e danos físicos e morais
decorrentes.
Palavras-chave: erro médico; erro de terapêutica; erro de diagnóstico; relação médico-
paciente.

Introdução.
O erro médico é uma das ocorrências que, causando danos que a ele estejam
ligados, causalmente, enseja responsabilidade civil e criminal do agente, com direito a
indenização e reparação do dano à vítima. No entanto, não é tão simples identificar o erro
médico, que pode levar ao erro de diagnóstico e de tratamento, com desfechos e
prognósticos inesperados. Ainda que culposo ou escusável, o erro médico pode causar
danos irreversíveis e até a morte do paciente. O Brasil mantém uma publicação destinada
aos profissionais da saúde para esclarecer, divulgar, orientar, com o objetivo de controlar e
diminuir, o máximo possível, os erros médicos. Nesse sentido, há, também, no País, vasta
legislação e jurisprudência, que caminham na direção de minimizar os danos causados
pelo erro médico, assim como preveni-los, também pactos e tratados internacionais que
garantem o direito à saúde e a responsabilização civil pelo erro médico.A relação médico-
paciente mostra-se de relevante importância para minimizarem-se os erros de diagnóstico
e de terapêutica.O objetivo dessa pesquisa é o de investigar legislação e jurisprudência,
firmar conceitos, para prevenir e diminuir a incidência do erro médico e suas
consequências danosas e fatais.

1 Universidade Santa Cecília. E-mail: rosilmaroldan@gmail.com. Instituição financiadora: CAPES (autora principal)

847
Metodologia.
A metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica, com consulta a autores
especializados no tema e a legislação nacional e internacional (pactos e tratados), como a
jurisprudência nacional, para fundamentar os referenciais bibliográficos sobre a matéria.

Resultados e discussão
O erro médico “é a falha, no exercício da profissão, com resultado diverso do
pretendido, decorrente de ação ou omissão do médico, ou dos demais profissionais de sua
equipe” (1). Schaefer (2012) completa que o erro médico pode se configurar como erro
culposo, quando o profissional da saúde dá causa ao resultado danoso por imprudência,
negligência ou imperícia, e erro doloso, quando quer o resultado danoso, ou assume o
risco de produzi-lo. O erro grosseiro é um tipo de erro médico que enseja a
responsabilização do profissional, por ser uma conduta que fere os mais elementares
conhecimentos da matéria, aferível pelo homem comum, e condenável sob a forma da
negligência, em sua forma mais exacerbada (1). Destaca a autora:

É a forma inadvertida, imprecisa e incapacitante de quem, por falta de


mínimas condições profissionais, se permite o erro desavisado, como, por
exemplo, o anestesista que provoca a morte do paciente por
superdosagem; o cirurgião, que esteriliza parcialmente o doente, por secção
do canal deferente, em cirurgia de hérnia inguinal; o ginecologista, que
contamina o paciente por falta de cuidados de assepsia (1).

O erro mais grotesco, em toda a bibliografia estudada, foi o do médico, no fim do


século XIX, que, ao operar um doente, deixou cair seu pince-nez na cavidade peritoneal e,
como sem ele não enxergava, não o conseguiu encontrar. Infelizmente, diz a autora, os
óculos foram encontrados durante a autópsia, no dia seguinte (1). O erro de diagnóstico
pode ser escusável, dependendo do estado atual da ciência médica, não induzindo à
responsabilização, mas, em se tratando de erro grosseiro ou manifesto, não se permite o
afastamento da responsabilização, principalmente em face de diagnóstico leviano ou
claramente inexato, em face dos sintomas positivamente contrários aos apresentados pela
moléstia. São exemplos desse tipo de erro médico: tratar como fratura uma ferida causada
por estilhaço, na perna do paciente; diagnosticar uma mulher grávida como portadora de
fibroma e operá-la, causando-lhe lesão ou morte; ou ainda, tratar o paciente de uma
doença que não tinha, sem se esforçar para descobrir a verdadeira causa (2). O erro de

848
diagnóstico, se não for grotesco, não pode ser considerado culpa médica. Ruy Rosado de
Aguiar Junior destaca:
“o diagnóstico consiste na determinação da doença do paciente, seus
caracteres e suas causas. O erro no diagnóstico não gera responsabilidade,
salvo se tomada sem atenção e precauções, conforme o estado da ciência,
apresentando-se como erro manifesto e grosseiro” (3).

O erro profissional, quando ocorre por imperfeições da própria arte ou ciência,


embora possa acarretar consequências e resultados danosos ou de perigo, não implicará,
necessariamente, o dever de indenizar, desde que o profissional tenha empregado, correta
e oportunamente, os conhecimentos e as regras atuais de sua ciência (1). A caracterização
do erro na medicina não se restringe às fronteiras da ciência, mas extrapola para os
domínios da arte e do imponderável, o que exige objetividade e bom senso do Poder
Judiciário, na avaliação dos fatos e provas, perante o caso concreto (1). O erro escusável é
aquele decorrente de falhas não imputáveis ao médico e que dependem das contingências
naturais e das limitações da medicina, bem como naqueles em que tudo foi feito
corretamente, porém o paciente omitiu informações, ou ainda quando o paciente não
colaborou para o correto processo de diagnóstico ou de tratamento. Nesses casos, o erro
existe, mas será considerado intrínseco à profissão, ou decorrente da natureza humana,
não se podendo atribuir culpa ao médico (2). Nesse momento, destaca-se a importância da
relação médico-paciente, pois da comunicação entre ambos, o conhecimento que o
profissional desenvolve, ao tratar o paciente, o acompanhamento de sua saúde e suas
doenças, podem fazer uma grande diferença, no que diz respeito à ilação entre sintomas,
diagnósticos e tratamentos.
Para que o erro médico seja considerado escusável, exigem-se os seguintes
elementos:
a. que o médico não se tenha havido com culpa, em qualquer modalidade,
negligência, imprudência ou imperícia;
b. que a mal resultância seja consequente de um erro de diagnóstico possível, do
ponto de vista estatístico;
c. que no estabelecimento deste diagnóstico tenham oportunamente sido
utilizados meios e métodos frequentemente empregados;

849
d. que a terapia clínica e/ou cirúrgica seja a habitualmente utilizada para o
diagnóstico formulado; que a evolução do caso se tenha processado dentro
das expectativas (4).
Quanto à alta relevância da relação médico-paciente, para prevenir ou diminuir a
incidência do erro médico, e os danos decorrentes, muitos irreparáveis, é importante fazer
algumas considerações. Na relação médico-paciente, existe a responsabilidade civil
contratual, e também a extracontratual, que se estabelece entre o profissional e o cliente,
como uma obrigação de meio, e não de resultado, salvo em situações específicas (4).
Segundo entende o autor, deve o profissional da saúde comprometer-se a atender o
paciente com desvelo, atenção, paciência, calma e diligência adequada, adverti-lo ou
esclarecer-lhe sobre os riscos da terapia ou da intervenção cirúrgica propostas e sobre a
natureza de certos exames prescritos, e ainda decidir, junto com o paciente, se, o que e
como quer proceder. Exames invasivos e cirurgias, ainda que deles dependam a
sobrevivência do cliente, devem ser decididos por este, desde que o profissional lhe tenha
esclarecido todos os riscos inerentes à decisão.
Lopes (2017) destaca que:

Não podemos nos esquecer de que a ressonância magnética não é capaz


de indicar, por exemplo, as condições sociais e culturais do doente. Não é
capaz de diagnosticar tudo o que acontece com ele. Cito como exemplo
casos de síndrome do pânico: o indivíduo geralmente reporta um quadro de
doença instalada e profundo mal-estar, mas os exames não indicam
nenhuma anormalidade. Nesse caso, o bom diagnóstico é feito apenas pela
anamnese e através da relação entre o médico e o paciente (5).

A tecnologia, cada vez mais avançada, não deve ser motivo para o afastamento ou
para a impessoalidade da relação médico-paciente, pelo contrário, deve contribuir para sua
valorização e humanização. Como Lopes (2017) alerta, “o médico precisa focar menos na
doença, nos exames, e mais no doente, que é a razão de sua existência profissional, nada
substitui o tratamento humanizado, nada é mais importante do que a Medicina à beira do
leito” (5).
Segundo dados do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), nos
últimos 10 anos, houve um aumento de 302% no número de processos ético-profissionais
contra médicos naquele órgão, relacionados a má prática, a erro médico ou a algumas
infrações ao Código de Ética Médica. Esse número aumentou de 1.022 processos, em
2001, para 3.089, em 2011. Uma das causas apontadas foi a má formação profissional,

850
decorrente do aumento dos cursos de medicina, no Brasil, nos últimos anos. Outros fatores
seriam o aumento do número de médicos, a má conduta desses profissionais e o aumento
do número de pacientes, conhecedores de seus direitos, e dispostos a denunciar os
supostos erros médicos (2).
Segundo o Presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica – SBCM, Antonio
Carlos Lopes (2017):
A Medicina não é apenas ciência. É também arte. Frequentemente o
paciente chega ao consultório do médico e não consegue dimensionar o
quanto aquele momento é importante na sua vida. Sai do escritório
correndo, muitas vezes esquece o que precisa dizer ao médico, chega
nervoso porque precisa voltar ao trabalho. Isso é bastante comum,
principalmente no Sistema Único de Saúde. Aí o problema se torna mais
complicado ainda, porque cada consulta não passa de 15 minutos. Às vezes
não há sequer cadeira para o doente sentar (5).

Olhar, ouvir, perguntar e conversar sobre o cotidiano do paciente podem ser


caminhos profícuos para um diagnóstico mais preciso, a partir de uma anamnese feita com
paciência, calma, dedicação, competência, profissionalismo e, antes de tudo, com
solidariedade e compaixão. Como consequência de um diagnóstico mais preciso, menos
erros de terapêutica, o que pode vir a prevenir os erros médicos e até sua diminuição, em
número e em gravidade dos possíveis danos, muitos de difícil ou impossível reparação.
A jurisprudência pesquisada nos mostra a atual tendência dos tribunais, em face da
reparação dos danos causados pelo erro médico.

DANO MORAL – ERRO MÉDICO – FALSO DIAGNÓSTICO –


CIRURGIAS INDEVIDAS. PARAPLEGIA. QUANTUM
COMPENSATÓRIO MANTIDO. Mesmo que se tenha como
certo que a paraplegia decorreu do não tratamento imediato à
doença de que a paciente era portadora, em face do diagnóstico
errado e submissão a cirurgias indevidas, evidencia-se o nexo
de causalidade entre o erro médico e as desastrosas
consequências havidas (TJDF – AC 2003.01.1.087811-9 (Ac.
282 845) – Segunda Turma Cível Relª Desª Carmelita Brasil –
DJU 02.10.2007, p. 110).
RESPONSABILIDADE CIVIL – ERRO MÉDICO –
INDENIZAÇÃO. Médica ginecologista que não constata, em
paciente, gravidez tubária ectópica por falta de prudência e
diligência na pesquisa de sintomas, submetendo-a a tratamento
de cisto ovariano. Indenização que se legaliza para compensar a
dor moral da eliminação do poder de procriação natural da
mulher que, por acontecimento anterior, perdeu a tuba esquerda
e, com a evolução da prenhez ectópica não diagnosticada, teve

851
de extirpar a tuba direita (TJSP – AC 246.225-4/6-00-São Paulo
– Quarta Câmara de Direito Privado – Rel. Des. Ênio Zuliani – j.
29.09.2005).

A Assistência Segura: Uma Reflexão Teórica Aplicada à Prática - Anvisa (6) é uma
publicação destinada aos profissionais da saúde para esclarecer, divulgar, orientar, com o
objetivo de controlar e diminuir, o máximo possível, os erros médicos.
A legislação nacional e os pactos e tratados internacionais garantem o direito à saúde
e protegem dos erros de diagnóstico e de terapêutica, decorrentes dos erros médicos.

Lei nº 10.424, de 15 de abril de 2002


Acrescenta capítulo e artigo à Lei 8.080, que dispõe sobre as condições para a
promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento de
serviços correspondentes e dá outras providências, regulamentando a assistência
domiciliar no Sistema Único de Saúde.

Lei nº 10.424, de 15 de abril de 2002


Acrescenta capítulo e artigo à Lei 8.080, que dispõe sobre as condições para a
promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento de
serviços correspondentes e dá outras providências, regulamentando a assistência
domiciliar no Sistema Único de Saúde.

Lei nº 11.108, de 7 de abril de 2005


Altera a Lei 8.080, para garantir às parturientes o direito à presença de
acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do
Sistema Único de Saúde.

Lei nº 12.401, de 2011


Altera a Lei 8.080, para dispor sobre a assistência terapêutica e a incorporação de
tecnologia em saúde no âmbito do SUS.

852
Lei nº 12.466, de 24 de agosto de 2011
Acrescenta arts. 14-A e 14-B à Lei 8.080, que “dispõe sobre as condições para a
promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos
serviços correspondentes e dá outras providências”, para dispor sobre as comissões
intergestores do Sistema Único de Saúde (SUS), o Conselho Nacional de Secretários de
Saúde (Conass), o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) e
suas respectivas composições, e dar outras providências.

Lei nº 12.864, de 24 de setembro de 2013


Altera a Lei 8.080, incluindo a atividade física como fator determinante e
condicionante da saúde.

Lei nº 12.895, de 18 de dezembro de 2013


Altera a Lei 8.080, obrigando os hospitais de todo o País a manter, em local visível de
suas dependências, aviso informando sobre o direito da parturiente a acompanhante.

Lei nº 13.097, de 19 de janeiro de 2015


Altera o arts. 23 e 53 da Lei 8.080, permitindo a participação de empresas ou de
capital estrangeiro na assistência à saúde.

O Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos Sociais e Culturais - PIDESC


(19.12.66) é um instrumento jurídico internacional, que foi incorporado no ordenamento
jurídico brasileiro através do Decreto Legislativo 226 de 12 de dezembro de 1991, e pelo
Decreto Executivo 591 de 6 de julho 1992, que já disciplinava sobre o assunto.
O CDESC (Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais) é um órgão criado
pelas Nações Unidas, com a finalidade de avaliar o cumprimento do Pacto Internacional
sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais pelos países signatários, e tem por função
primordial analisar os relatórios remetidos pelos Estados e emitir orientações, observações
finais e observações gerais.
Portanto, apoiado em tratados e resoluções internacionais, o Brasil criou a Comissão
Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS – CONITEC, que tem como missão
assessorar o Ministério da Saúde nas atribuições relativas à incorporação, exclusão ou
alteração de tecnologias em saúde pelo SUS, bem como na constituição ou alteração de

853
Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas – PCDT. Isso vale para tecnologias que são
aplicadas em qualquer serviço de saúde, seja público seja privado.
Por fim, vale a máxima de que “o cuidado à saúde, que antes era simples, menos
efetivo e relativamente seguro, passou a ser mais complexo, mais efetivo, porém
potencialmente perigoso” (7), o que retrata a importância no cumprimento da Lei da Saúde,
a fim de minimizar o risco sobre três aspectos: busca ativa de eventos adversos,
notificação de eventos adversos e uso racional das tecnologias em saúde, focando na
qualidade da saúde e bem-estar do usuário.

Conclusões
Esse trabalho se propôs a conceituar o erro médico, seja doloso, seja culposo, e
ainda o erro escusável, que ensejam diferentes níveis de responsabilidade civil, com dever
de indenizar e reparar o dano, desde que exista nexo causal entre ele e a ação ou a
omissão do agente. Em algumas situações, prevalece a responsabilidade sem culpa, a
responsabilidade civil objetiva.
Quanto à relação médico-paciente, conclui-se com a citação de Lopes (2017):

Para ser médico, é preciso gostar de gente. Saber que não existem
doenças e sim, doentes. Exercer essa profissão é colocar em prática o amor
ao próximo. O doente deve morrer de mãos dadas com o seu médico e
este necessita de tranquilidade e ferramentas ideais para um atendimento
no qual possa oferecer o melhor do seu conhecimento, toda a sua atenção
e, principalmente, todo o seu respeito. Ele precisa de tempo suficiente para
conhecer o paciente, descobrir suas queixas, averiguar seu passado, seus
anseios e angústias, e fazer com que saia aliviado, com perspectiva de ter
seu problema solucionado. Dar e receber assistência médica de qualidade e
universal, mais do que um anseio, é um direito de todos (5).

Referências

1. .SCHAEFER, Fernanda. Responsabilidade Civil do Médico & Erro de diagnóstico, 1.ª


edição, 11.ª reimpressão. Curitiba: Juruá Editora, 2012
2. MELO, Nehemias Domingos. Responsabilidade Civil do Médico, 3.ª edição. São Paulo:
Editora Atlas, 2014.
3. AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado. Responsabilidade civil do médico, Revista Jurídica
(RJ) n. 231
4. CROCE, Delton; CROCE JUNIOR, Delton. Erro Médico e o Direito, 2.ª edição. São
Paulo: Editora Saraiva, 2002.

854
5. LOPES, A.C. A importância da Relação Médico-Paciente. Disponível em
sbcm@sbcm.org.br Acesso em 01.10.2017 15:07h
6. BRASIL.2013.Disponível em:
https://www20.anvisa.gov.br/segurancadopaciente/images/documentos/livros/Livro1-
Assistencia_Segura.pdf Acesso em 01.10.2017 16:49h
7. CHANTLER, C. The role and education of doctors in the delivery of healthcare. The
Lancet. 1999; 353:1178-1181.

855
A responsabilidade civil médica no erro de diagnóstico médico

Ilmar da Silva Moreira1

RESUMO: Tem-se como objeto de estudo a responsabilidade civil médica decorrente do


erro médico, embasando-se no fato de que o médico deve possuir uma suficiente
preparação ético profissional, para no mínimo reconhecer suas limitações e direcionar o
paciente a um especialista. Atenta-se que o erro denota falta de normas comuns de
semiologia, ou falta de conhecimentos elementares de patologia e clínica. Erros de
diagnóstico (desde que grosseiro), erros na medicação ou tratamento prescrito,
injustificável omissão na assistência e nos cuidados indispensáveis ao paciente são
reconhecidamente situações que responsabilizam os médicos.
Palavras- Chave: Diagnóstico, erro, responsabilidade, médico.

Introdução
Este estudo tem como objeto de pesquisa a responsabilidade civil do médico
decorrente de erro de diagnóstico, embasando-se no fato de que nesse contexto se
discutem as teorias objetiva e subjetiva, a respeito de sua responsabilidade, colocando em
relevo o aspecto da culpa. Esta mostrar-se-á como essencial ou não para sua
caracterização, gerando dificuldade quanto á sua comprovação. Outro aspecto é o
aferimento da conduta prejudicial médica, pois vezes há em que não se sabe ao certo se o
resultado ocorreu por conta da conduta médica ou por si só, como decorrência da própria
patologia. Dificuldades há nos tribunais para resolver questões dessa natureza, dada a
complexidade do tema. O envolvimento do direito tentando normatizar uma relação na qual
a área se faz tão presente é tema para longos estudos e busca de proposituras de
soluções.

A Responsabilidade Civil
Desde quando os homens começaram a viver em sociedade, os grupamentos
humanos começaram a assimilar meios naturais para curar seus males. Com a evolução
dessas sociedades, técnicas de cura e diagnósticos foram sendo apuradas, por médicos
que passaram a ser visto como o ser capaz de livrar os enfermos de todos os males que
os afligiam, restituindo-lhes a saúde perdida, assim surge também a obrigação de
responsabilidade civil para com o paciente também, visto que tem sido ao longo dos

1 Universidade Positivo. E-mail: ilmarmoreira@yahoo.com.br

856
séculos, a mais importante forma de defesa do patrimônio à disposição de toda a
sociedade, pois, através da ação de reparação de danos, autor e réu, encontram em juízo
a recomposição dos prejuízos causados e sofridos2
Nascimento cita que:

Responsabilidade tem origem no verbo latino “respondere”, designando o


fato de ter alguém se constituído garantidor de algo. No assunto em questão
interessa é a circunstância da infração da norma ou obrigação do agente. A
responsabilidade serviria, portanto, para traduzir a posição daquele que não
executou o seu dever3.
A responsabilidade civil é conceituada como sendo” (...) uma espécie de estuário
onde deságuam todos os rios do Direito: público e privado, material e processual; é uma
abóbada que enfeixa todas as áreas jurídicas, uma vez que tudo acaba em
responsabilidade”4
O Código Civil brasileiro definiu segundo Venosa, em seu art.186 do CC de 2002, “a
responsabilidade civil como a obrigação de reparar o dano imposto a todo aquele que. Por
ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a
outrem”5
Para Nascimento:
...a teoria da responsabilidade civil somente se estabeleceu por obra da
doutrina, e evolui no seu fundamento, baseando o dever de reparar o
prejuízo não só na culpa, hipótese em que será objetiva, mas no risco, no
qual passará a ser subjetiva, ampliando-se as hipóteses de indenização6

A objetivação da responsabilidade é fenômeno que começa na Idade Moderna, em


plena revolução industrial, frente à introdução das máquinas, produção de bens em larga
escala, circulação de pessoas e veículos, perigos à vida e à saúde humana, etc. Surge a
Teoria do Risco com o princípio de que a pessoa que se aproveitar dos riscos ocasionados
deverá arcar com suas consequências, mas a base da responsabilidade civil continua
sendo a culpa, pois o risco não a anulou, continua ao seu lado.
Conforme visto o artigo 186 do Código Civil consagra a regra de que todo aquele que
causa dano a outrem fica obrigado a repará-lo. Analisando mencionado artigo constata-se

2 KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico. 3. Ed. São Paulo: RT, 2001.p.78.
3 NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Responsabilidade Civil no Código do Consumidor. Rio de Janeiro: Aide,
2008.p.44
4 STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência – 7°. Edição revista, atualizada e ampliada.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. P.112
5 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Obrigações – Teoria Geral. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2009. p.107.
6 NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Responsabilidade Civil no Código do Consumidor. Rio de Janeiro: Aide,
2008. p.56

857
que quatro são os elementos essenciais da responsabilidade civil, a saber: i) ação ou
omissão; ii) culpa ou dolo do agente; iii) relação de causalidade; e iv) a ocorrência do dano
experimentado pela vítima7

Responsabilidade Civil do Médico

A questão do dano na responsabilidade médica é basilar para sua configuração,


envolvendo toda uma gama de classes de danos, que vão desde o dano físico ao dano
moral, sendo este último, a nosso ver, uma evolução fantástica em se tratando de
reparação.
Nos diversos ordenamentos jurídicos, em nível internacional, não é homogênea a
postura frente à responsabilidade civil.
A culpa em um dado episódio danoso pode ser do lesante, do lesado, ou de
ambos – lesante e lesado. Se houve uma parcela de culpa de cada um na
ocorrência do prejuízo, pela teoria subjetiva aplicada ao caso, será atribuído
proporcionalmente o ônus da recomposição, na medida exata da
contribuição de cada um no resultado final danoso.

A existência fática do dano, sem indagar a existência de culpa, como acontece na


teoria subjetiva, é a característica da responsabilidade objetiva. Ou seja, não é necessária
a presença da culpa a estabelecer o nexo causal entre a conduta do agente e o prejuízo
por ele causado. O agente responsável por um ato lesivo, que colocar em risco algum bem
jurídico de outrem, através desse ato, será, pois, considerado o elemento gerador de um
dever de indenizar o dano que, porventura, causar ao lesado. Torna-se necessário,
apenas, um nexo causal entre o ato do agente e o dano causado ao lesado. Em essência
essa teoria está vinculada à ideia do risco – quem provoca uma lesão ao valor alheio é,
ipso facto, responsável pelo ressarcimento do lesado. Essa obrigação pela recomposição
do prejuízo independerá da verificação – comprovação – de culpa na conduta do agente
lesante. A responsabilidade objetiva também é denominada responsabilidade pelo risco
(teoria do risco). Sobre a teoria objetiva da responsabilidade civil, conclui-se com o didático
– e sistemático.
Há também os que preferem estabelecer distinção entre responsabilidade objetiva,
responsabilidade pelo risco, responsabilidade sem culpa. Na responsabilidade objetiva o
fundamento da indenização decorreria da existência de um evento lesivo ligado ao agente

7 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2007, p.37.

858
por um nexo de causalidade. A responsabilidade pelo risco teria o seu suporte em um risco
específico, de perigo geral, produzido pela atividade do homem, de tal sorte que incidiriam
a em seu campo de ação tão somente os riscos imprevisíveis ou excepcionais.
No Código brasileiro instalou-se, regra geral, a responsabilidade subjetiva – pela
culpa - mas havendo legislações especiais com uso, na responsabilização do agente, da
responsabilidade objetiva. Um bom exemplo é o Código de Defesa do Consumidor, que
admite a responsabilização subjetiva, exigindo a averiguação da culpa dos profissionais
liberais, vigendo, integralmente, porém, em relação aos demais fornecedores de produtos
e serviços a responsabilidade objetiva nas relações de consumo.

Da Obrigação de Meio e de Resultado


A professora Hidelard Taggesell Giostri, dentre todos os doutrinadores pesquisados,
é a que se especializou de maneira mais profunda neste ponto, em razão de ser a
obrigação de meio e de resultado na responsabilidade civil do médico.
Ela cita DEMOGUE e sua classificação que dividiu as obrigações em duas, sendo
que uma pode ter no conteúdo uma prestação determinada (o qual visa um resultado), e
outra pode se limitar ao emprego de meios para atingir um fim. Ocorre que preocupados
com o possível mau uso da expressão “resultado”, continua ainda a professora Hildegard,
em razão de uma certa dubiedade que apresentava, fez a proposição de mudança na
nomenclatura para “obrigação geral de prudência e diligência” e “obrigação determinada”.
Venosa (1999) entende que a distinção entre obrigações de meio e obrigações de
resultado tem muito a ver com a aferição do descumprimento das obrigações. Ensina que
para alguma, basta algumas, basta ao credor provar que houve inexecução da obrigação,
sem ter que se provar culpa do devedor. Para outras, no entanto, cumpre ao credor provar
culpa do devedor. Para outras, no entanto, cumpre ao credor provar que o devedor não se
comportou bem no cumprimento da obrigação, não se comportando como um bom pai de
família.

A adequação da obrigação de meio e a inadequação da obrigação de


resultado

Segue Giostri em seus entendimentos, apregoando que não restam dúvidas a


respeito da obrigação do médico enumerando o clínico, o cirurgião geral e o plástico
reparador ser de meios, já que este profissional não se compromete com a cura, mas tão

859
somente a utilizar toda a sua potencialidade física e mental, de todos os cuidados, de toda
a aparelhagem disponível para atingir o melhor resultado para o seu paciente 8.
Diniz segue no mesmo entendimento, ao afirmar que o médico que atende a um
chamado determina, desde logo, o nascimento de um contrato com o doente ou com a
pessoa que o solicitou. De modo que há um contrato entre o profissional da medicina e o
seu cliente, que se representa como obrigação de meio e não de resultado, por não
comportar o dever d curar o, paciente, mas sim, o de prestar-lhe os cuidados, como ela o
diz, conscienciosos e atentos conforme os progressos da medicina9

Exclusão da responsabilidade médica


Para que se caracterize a culpabilidade, o médico deverá se enquadrar em um ou
mais dos seguintes elementos: imprudência (agir com descuido), negligência (deixar de
adotar as providências recomendadas) e imperícia (descumprimento de regra técnica da
profissão).

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE


INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. ERRO DE DIAGNÓSTICO NÃO
COMPROVADO. DEVER DE INDENIZAR NÃO CONFIGURADO.
A autora ajuizou a presente demanda requerendo a condenação do réu ao
pagamento de indenização a título de danos morais em virtude de pretenso
erro de diagnóstico em exame laboratorial. Não merece acolhida a
pretensão da demandante, pois não comprovado o alegado erro de
diagnóstico do laboratório demandado. Não demonstrada a conduta ilícita
do réu, ausente o seu dever de indenizar. APELO DESPROVIDO.
UNÂNIME

Em razão deste elevado corporativismo os juízes acabam por lastrear suas decisões
em indícios e evidências lógicas. Veja-se por exemplo trecho de acórdão proferido no
TJRS pelo Des. Ruy Rosado de Aguiar Júnior ao julgar a apelação n. 589.069.996 da 5ª
Câmara:

Afasto as conclusões do laudo quanto às questões de natureza jurídica, fora


do âmbito da perícia. Lamento que... (...) omitindo-se em responder sobre
questões realmente relevantes, por aspectos meramente formais na
formulação da pergunta, e respondendo outras de forma dogmática, como
especialmente ocorreu... (...). Em razão das deficiências dessa prova, foi
determinada a diligência de folhas, para que o serviço médico, depois
procurado pela autora, enviasse os dados ali registrados a seu respeito.

8 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Responsabilidade Médica – As obrigações de meio e resultado: avaliação, uso e
adequação. Curitiba: Juruá, 2006
9 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. V.7, 16. ed. São Paulo: Saraiva,2011.p.76.

860
Mais uma vez, como é de praxe, não teve êxito na colheita de informes
esclarecedores; daí a necessidade de uma renovada tentativa, igualmente
frustrada, ... (...) O que existe, porém, já é bastante para um juízo de
procedência da ação10

No direito processual brasileiro, via de regra, o ônus da prova incumbe a quem alega.
Vale dizer, portanto, que a prova caberia sempre ao paciente ou vítima, que muitas vezes
é uma pessoa simples e de pouco estudo. Na área jurídica, o vocábulo presunção possui o
sentido de convencimento antecipado da verdade provável, a respeito de um fato
desconhecido, obtida mediante fato conhecido e conexo11 Também enfoca que o direito,
todavia, não se presume. O que é presumível, ao menos em princípio, é o conhecimento
do direito, tal qual ele se apresenta, e este sempre diz respeito a um fato.
Lobo (1988) concebe que são duas as principais razões de ser da presunção:
1ª) a dificuldade de provar certos fatos por via direta; e 2ª) a estabilidade e a
economia na aplicação do direito.
Admite-se que sem o instituto da presunção, o direito seria ainda mais complexo e
difícil de integrar-se na realidade fática. No entanto, não deixa ele de enfocar que uma
razão de ser social da presunção, em virtude da dificuldade de obter uma prova direta em
determinados casos; para, depois, concluir que a presunção é uma necessidade social, e
não um mero acidente dentro da ciência do direito12
No decorrer da evolução do mundo, apenas a clássica teoria subjetiva, fundada na
culpa, tornou-se insuficiente para solucionar os problemas da responsabilidade civil que,
ao adaptar-se, deu nascimento à teoria objetiva, fundada no dano.
Primeiramente, esta apontava para uma culpa presumida do agente causador do
dano. Dar-se-ia no caso, a inversão do ônus da prova, cabendo ao réu provar a sua não-
culpa, ou seja, uma situação inserida na presunção júris tantum, já que poderia ser
vencida. Entende Lobo, que na responsabilidade com culpa, a culpa é necessária para a
ligação entre o fato e o sujeito imputável. Nessa hipótese, o fato (ou ato) é contrário ao
direito, assim a responsabilidade somente imputa-se ao sujeito se houver vontade ou se
houver procedido sem o cuidado necessário13.

10 Ibidem.
11 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Responsabilidade Médica – As obrigações de meio e resultado: avaliação, uso e
adequação. Curitiba: Juruá, 2006.
12 GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Responsabilidade Médica – As obrigações de meio e resultado: avaliação, uso e
adequação. Curitiba: Juruá, 2006
13 Ibidem.

861
...a culpa médica há que ser cabalmente provada, não cabendo aqui
nenhum tipo de presunção. De acordo com Santos, é necessário que
resulte provado de modo concludente que o evento necessário que resulte
provado de modo concludente que o evento danoso se deu em razão da
negligência, imprudência imperícia ou erro grosseiro de sua parte.14
O que se conclui que, mesmo sendo considerada uma responsabilidade subjetiva
pode, contudo, ocorrer uma invasão do ônus da prova e isso se dera em situações
específicas, tais quais:

a) quando a prestação obrigacional estiver inserida na seara das


obrigações do resultado;
b) quando a vítima (paciente) for considerada hipossuficiente, ou houver
indício de verossimilhança, de acordo com o Código do Consumidor,
condição que deverá ser arbitrada pelo Juiz.
Portanto, a responsabilidade médica, portanto, rege-se pelos mesmo princípios da
responsabilidade civil em geral, segundo a qual, quem pratica um ato em estado de são
consciência e capacidade; com liberdade, intencionalidade ou por mera culpa, tem o dever
de reparar as consequências danosas que possam advir de seu proceder.
A culpa médica, não se presume; ela há de ser cabal e cristalinamente provada.
Destarte, dentro das possibilidades oferecidas pela conceituação e análise das presunções
entende-se que, de uma maneia sucinta e computando-se ainda a dicotomia
meio/resultado.

O erro de diagnóstico

O professor Carlos Alberto Ghersi cita em seu livro “Responsabilidad professional”


que:

O diagnóstico médico é complexo e exige, para ser completo, ser


considerado sob quatro vertentes, a saber: funcional, sindrômica, anatômica
e etiologia. O diagnóstico funcional é facilmente feito pelos dados da
história clínica bem tomada é às vezes até mesmo só pela queixa do
paciente. O diagnóstico sindrômico depende da competência do médico tirar
bem a história clínica, interpretando sua evolução a cada alteração no
quadro ou sintoma, é mais explicativo do que objetivo e indica com a função
do órgão ou a estrutura afetada foi alterada pela doença. O diagnóstico
anatômico, o exame físico bem feito, é rico em sinais, e os exames
complementares de imagem são modernamente cada vez menos invasivos,
e mais exatos, com maior precisão, melhor sensibilidade e sempre com
progressiva exatidão15

14 Idem
15 GHERSI, Carlos Alberto. Responsabilidad professional. Vol 1. Buenos Aires: Astrea, 1995. p. 327

862
Assim sendo, aduz-se que o diagnóstico etiológico costuma ser o mais difícil, embora
com todo progresso da biotecnologia, pois, de quase mil doenças oficialmente catalogadas
pelas organizações internacionais, apenas se conhece a causa de um terço delas.
O erro e a culpa são coisas diferentes. O erro profissional trata-se da conduta médica
correta, mas a técnica empregada é incorreta. A culpa (imperícia) trata-se da técnica
correta, mas a conduta sendo inapropriada (na maioria das vezes pelo desconhecimento
da técnica). A culpa médica pressupõe uma falta de diligência ou de prudência em relação
ao que se espera de um profissional padrão. O erro é inelutável da falibilidade humana,
não se pode falar em “direito de errar”, mas ele é escusável quando invencível à mediana
cultura médica, tendo em vista circunstâncias do caso. O erro deve ser notório e manifesto
consistente em erro grosseiro, capaz de comprometer a reputação do profissional. O erro
de diagnóstico – exceção ao reconhecimento da culpa médica.
Gonçalves elenca que o erro profissional,
... se tem afirmado que o erro de diagnóstico, que consiste na determinação
da doença do paciente e de suas causas, não gera responsabilidade, desde
que escusável em face do estado atual da ciência médica e não lhe tenha
acarretado danos. Porém, diante do avanço médico-tecnológico de hoje,
que permite ao médico apoiar-se em exames de laboratório, ultrassom,
ressonância magnética, tomografia computadorizada e outros, maior rigor
deve existir na análise da responsabilidade dos referidos profissionais
quando não atacaram o verdadeiro mal e o paciente, em razão de
diagnóstico equivocado, submeteu-se a tratamento inócuo e teve a sua
situação agravada, principalmente se se verificar que deveriam e poderiam
ter submetido o seu cliente a esses exames e não o fizeram, optando por
um diagnóstico precipitado e impreciso16

O médico deve possuir uma suficiente preparação ético, técnico e cultural, para, no
mínimo reconhecer suas limitações e direcionar o paciente a um especialista. Esse erro
denota falta de normas comuns de semiologia, ou falta de conhecimentos elementares de
patologia e clínica. Erros de diagnóstico (desde que grosseiro), erros na medicação ou
tratamento prescrito, injustificável omissão na assistência e nos cuidados indispensáveis
ao paciente são reconhecidamente situações que responsabilizam os médicos.
Para Cavalieri:
...não cabe ao Judiciário avaliar questões de alta indagação científica, nem
se pronunciar sobre qual o tratamento mais indicado para a cura do doente.
Só lhe está afeto o exame da conduta profissional, para verificar, à vista das

16 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.437.

863
provas, se houve ou não falha humana consequente de erro profissional
crasso.17
Incumbe ao juiz estabelecer quais são os cuidados possíveis que ao profissional
cabia dispensar ao doente, de acordo com os padrões determinados pelos usos e pela
ciência, e confrontar essa norma concreta, fixada para o caso, com o comportamento
efetivamente adotado pelo médico.

Agravo de Instrumento. Ação indenizatória por dano moral e estético


causado em cirurgia. Alegação de erro no diagnóstico da doença da autora.
Insurgência contra o indeferimento de produção de prova pericial.
Admissibilidade. A prova pericial é necessária, para ser apurada a
existência ou não de resultado positivo para o diagnóstico de câncer no
útero da agravada, motivo pelo qual se realizou a cirurgia de retirada do
útero. O posicionamento da Mm. Juíza da causa principal só será possível
após a existência de provas robustas e convincentes dirigidas a ela.
Inteligência do artigo 130 do Código de Processo Civil.Recurso provido para
deferir-se a realização de prova pericial às custas da agravante ".

Da reparação ao erro médico de diagnóstico


Como é conhecido, o que ocorre com a medicina é que, sendo urna ciência que tem
como objeto bens caríssimos ao ser humano, como a vida e a saúde, estando o ato
médico circunstanciado por forte carga emocional, pela fragilidade de pacientes, familiares
e amigos, nem sempre correspondendo os resultados às expectativas, o profissional
médico sujeita-se a todo o sentido de responsabilização diante das desconfianças geradas,
dos questionamentos e dúvidas de todos aqueles envolvidos numa relação dessa
natureza.
Nesse universo da dinâmica médico/ato-médico/paciente, surge a angustiante
questão da responsabilidade médica que, suscitando inúmeras discussões doutrinárias,
afinal, consagrou o princípio da responsabilidade médica em razão do dolo ou da culpa.
Excetuando-se o dolo, na legislação penal, os atos ilícitos decorrentes da atividade
médica são tratados como crimes culposos, quando culposamente o profissional da
medicina, no exercício de sua atividade, ante sua ação ou omissão, é o responsável pela
ocorrência de dano à saúde, resultante em deformidades ou incapacidades de ordem física
ou mental, ou morte, daquele que se encontra sob seus cuidados.
Em casos como erro de diagnóstico de doença, da mesma forma deve ser
aferida a culpa do laboratório/ clínica quando da liberação do resultado.

17CAVALIERI FILHO, Sérgio. A responsabilidade médico-hospitalar à luz do Código de Defesa do Consumidor. Revista
da EMERJ, v. 2, n. 5, p. 87-99, 1999.

864
Sendo provada a má prestação do serviço, são devidos danos morais ao
prejudicado. Citamos como exemplo o homem que, após ter sido
diagnosticado como portador do vírus HIV, passou 02 meses em tratamento
equivocado e desnecessário para a doença, eis que, ao final, descobriu-se
que o mesmo não era soropositivo, mas apenas tuberculoso. A condenação
foi fixada pelo TJRS na monta de R$ 12 mil. (Apelação Cível n.º
70027166735).

Analisando tais situações, elenca o Código Civil de 2002 no artigo 927 que em casos
de erro médico, a responsabilidade é subjetiva, ou seja, será verificada no caso concreto,
através da apuração de culpa em uma de suas modalidades: imprudência, imperícia ou
negligência. Disposição semelhante encontra-se no artigo 14, § 4.º, do Código de Defesa
do Consumidor.
A ética médica centrada no paciente esteve e está sempre implícita em todas as
atitudes médicas, a partir do momento em que o médico assume a responsabilidade de
atender este paciente. O mais profundo desejo do médico, servido por interesses
puramente humanitários ou mesmo por interesses puramente profissionais, ou por uma
combinação destes interesses, é o bem-estar do paciente.
Gomes aborda que:

O ato médico quando avaliado na sua integridade e licitude, deve estar


isento de qualquer tipo de omissão que venha ser caracterizada por inércia,
passividade ou descaso. Essa omissão tanto pode ser por abandono do
paciente, como por restrição do tratamento ou retardo no encaminhamento
necessário18
Portanto, para o médico primeiro vem o bem estar do paciente, mesmo que tenha que
deixar de ganhar financeiramente com o tratamento da paciente, indicando-o para outro
profissional que detém a técnica a qual irá lhe propiciar menos complicações, e garantir
sua integridade física após determinado procedimento.
No que diz respeito à responsabilidade médica e seus elementos, são indispensáveis
a configuração da autoria, o fato delituoso na modalidade culposa (imprudência,
negligência e imperícia), o dano (prejuízo efetivo à vida ou à saúde) e o nexo causal
(relação de causa e efeito).
Ainda quanto aos fundamentos da culpa decorrentes do ato médico, depreende-se do
acórdão da 2ª Câmara do TARJ, da Apelação Criminal na 40.452/90, da relatoria do Juiz
Álvaro Mayrink da Costa, transcrito por Carmen Mino e Rute Fernandes:

18 GOMES, Júlio Cezar Meirelles. Erro Médico. Montes Claros: Unimontes, 1999.p.156

865
No direito pátrio a culpabilidade dos ilícitos culposos tem como fundamento
dogmático a condição pessoal do autor de poder observar o dever de
cuidado necessário para a possível evitação do fato típico. Outrossim, a
medida de cuidado requerida nunca poderá ser fixada em caráter geral,
embora existam princípios básicos que possam servir como balizamentos
orientadores do exigível. O dever objetivo de cuidado considerada a
extensão inclui os seguintes vetores, a saber:
a) o valor social;
b) a habitualidade especial do risco em geral;
c) o grau de necessidade de realização arriscada em particular.

Dentro do contexto da vida moderna, o dever objetivo de cuidado obriga cada vez
mais ao cidadão à aplicação de toda a sua potencialidade, observando com mais
vigilância, o controle de obrar rotineiro para se acautelar dos riscos com uma atuação
prudente em situações perigosas. Para o grau de atenção se absorve o perigo advertido
pelo nível ou prática médica, subdivididos em:
a) proximidade do perigo e b) valor do bem afetado.
O homem cauteloso, consciente do setor a que pertence, dificilmente cometerá tal
tipo de ilicitude penal19.

Todo esse contexto jurídico ordenador da responsabilidade penal, até agora visto,
encontrará relação com o ato médico (podendo ser conceituado, de forma genérica, como
procedimento técnico-científico, objetivando a conservação da vida e saúde do homem),
nele considerados o atendimento inicial do paciente, o diagnóstico, o tratamento, a
utilização de substâncias medicamentosas, também compreendidos os procedimentos
cirúrgicos, devendo o profissional médico, por isso, cercar-se de todas as cautelas
possíveis.
A anamnese e a elaboração do diagnóstico, que devem se apoiar em dados obtidos
através de exames clínicos e laboratoriais, são fatores fundamentais para a conclusão da
patologia e a consequente adequação do tratamento, trazendo segurança ao profissional
na sua atividade. Por outro lado, é importante a avaliação do tratamento, observadas as
condições pessoais do paciente, verificada a relação risco/benefício, a sua eficácia, bem
como prestados os devidos esclarecimentos. Nesse aspecto, é de se observar que o

19LUZ, Newton Wiethorn Da; OLIVEIRA NETO, Francisco José Rodrigues; THOMAZ, João Batista. O Ato Médico -
Aspectos Éticos e Legais. Rio de janeiro: Rubio, 2002. p.78.

866
paciente, encontrando-se na sua plena capacidade de entendimento, pode, por meio de
manifestação de vontade, não seguir o tratamento indicado pelo profissional.
Veja-se que em países desenvolvidos, como os Estados Unidos da América, é
rotineiro o preenchimento de questionário pelo paciente, consistente em documento
recheado de perguntas, as mais diversas, buscando atingir a um universo bastante amplo
da vida do paciente e de seus familiares, sendo ele respondido e firmado por ele, como
forma de salvaguardar o médico por eventuais problemas que vierem a ocorrer, e tenham
relação com informações errôneas.20

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entende-se com este estudo que o processo de diagnóstico consiste em identificar e
determinar a moléstia que acomete o paciente, pois dele depende a escolha do tratamento
adequado. O diagnóstico, entretanto, não é uma operação matemática.
Frisa-se assim que as vezes, para se chegar ao diagnóstico correto, torna-se
necessária uma agudeza de observação de que nem todo médico é dotado. Por isso, a
doutrina, de modo geral, analisa detidamente tal questão.
Ao que concerne à relação médico-paciente, ressalte-se a importância da boa relação
médico-paciente e da necessidade de este último estar informado da melhor e da mais
ampla maneira possível sobre os prognósticos de sua patologia, independentemente dos
diferentes níveis de sua capacidade de entendimento frente aos esclarecimentos
fornecidos por seu médico.

REFERENCIAS

1. BRASIL. Constituição, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988.


13. ed. São Paulo. Ed. Saraiva,1996.
2. CAVALIERI FILHO, Sérgio. A responsabilidade médico-hospitalar à luz do Código de
Defesa do Consumidor. Revista da EMERJ, v. 2, n. 5, p. 87-99, 1999.
3. DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade Civil. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense,
2007.
4. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. V.7, 16ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2017.
5. FORTES, Paulo Antonio de Carvalho. Ética e Saúde. São Paulo: Pedagógica e
Universitária, 1988.

20LUZ, Newton Wiethorn Da; OLIVEIRA NETO, Francisco José Rodrigues; THOMAZ, João Batista. O Ato Médico -
Aspectos Éticos e Legais. Rio de janeiro: Rubio, 2002. p.79.

867
6. GHERSI, Carlos Alberto. Responsabilidad professional. Vol 1. Buenos Aires: Astrea,
1995.
7. GIOSTRI, Hildegard Taggesell. Erro médico à luz da jurisprudência comentada. 1. ed.
Curitiba: Juruá, 1998.
8. ___________________. Responsabilidade Médica – As obrigações de meio e
resultado: avaliação, uso e adequação. Curitiba: Juruá, 2006
9. GOMES, Júlio Cezar Meirelles. Erro Médico. Montes Claros: Unimontes, 1999.
10. GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 12. ed. São Paulo: Saraiva,
2010.
11. KFOURI NETO, Miguel. Responsabilidade Civil do Médico. 3. Ed. São Paulo: RT,
2001.
12. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de Metodologia
Científica.5.ed. São Paulo: Atlas, 2008.
13. LUZ, Newton Wiethorn Da; OLIVEIRA NETO, Francisco José Rodrigues; THOMAZ,
João Batista. O Ato Médico - Aspectos Éticos e Legais. Rio de janeiro: Rubio, 2002.
14. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. Direito das obrigações.
22.ed São Paulo: Saraiva, 2017.
15. NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro do. Responsabilidade Civil no Código do
Consumidor. Rio de Janeiro: Aide, 2008.
16. PEREIRA,Caio Mário da Silva. Responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
17. SERPA LOPES, Miguel Maria de. Curso de Direito Civil. V.5 Rio de Janeiro: Livraria
Freitas Bastos S.A, 2005.
18. STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência . 7. Edição
revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.
19. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil. Obrigações – Teoria Geral. 3 ed. São Paulo:
Atlas, 2016.

868
A Perda de Chance na Responsabilidade Civil Médica: mudança de paradigma

Filomena Girão1
Marta Frias Borges2

RESUMO: Introdução: O ónus da prova no âmbito das ações de responsabilidade médica


(extracontratual ou contratual) recai sobre o doente, a quem compete demonstrar a ilicitude
da atuação do profissional, a culpa, o dano e o nexo de causalidade. Sucede que, em
virtude da assimetria de conhecimentos técnicos e científicos, essa prova revela-se
particularmente onerosa para o doente, sendo o instituto da perda de chance um instituto
capaz de repartir o risco probatório. Metodologias: Revisão de literatura e jurisprudência
sobre a perda de chance aplicada à responsabilidade médica. Resultados e discussão:
Muitas vezes o doente não logra provar o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o
dano, porém consegue estabelecer um nexo causal entre uma conduta violadora das leges
artis e a redução da possibilidade (da chance) de cura ou sobrevivência. A diminuição
desta oportunidade de cura ou de sobrevivência não poderá deixar de ser indemnizado
como um dano intermédio e autónomo do dano final. Conclusões: O reconhecimento da
perda de chance como dano autónomo permitirá compensar o desnível de conhecimentos
técnicos e científicos por parte do paciente, facilitando a prova do nexo de causalidade e
logrando uma maior tutela dos interesses do doente.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil Médica; Nexo de causalidade; Ónus da Prova;
Perda de Chance.

A responsabilidade civil – em geral e relativa ao ato médico – conhece, em Portugal,


dois regimes distintos: responsabilidade civil extracontratual (artigo 483.º e ss. do Código
Civil) e responsabilidade civil contratual (artigo 798.º e ss. do Código Civil).
A responsabilidade civil extracontratual (ou aquiliana) resulta da prática de factos
ilícitos culposos violadores de direitos ou interesses alheios juridicamente protegidos, sem
que o agente tenha qualquer vínculo contratual com o lesado. Por outro lado, a
responsabilidade contratual pressupõe a existência de um vínculo contratual entre o
agente e o lesado.
Esta diferença de regimes acaba por corresponder também a uma diferença de
regimes de responsabilidade entre medicina pública e medicina privada. De facto, em
Portugal, assiste-se a uma dicotomia de regimes de responsabilidade consoante o acto
médico seja praticado num hospital privado ou num hospital público.

1 Ferreira Ramos, Filomena Girão & Associados, Sociedade de Advogados, SP, RL. E-mail: Filomena.girao@faf-
advogados.com
2 Ferreira Ramos, Filomena Girão & Associados, Sociedade de Advogados, SP, RL. E-mail: Marta.frias.borges@faf-

advogados.com

869
A jurisprudência tem assentado esta distinção na inexistência de uma relação
contratual entre o hospital público e o utente que recorre aos seus serviços. Assim,
enquanto no âmbito da medicina privada, o doente celebra um contrato de prestação de
serviços médicos, quando recorre ao Serviço Nacional de Saúde fá-lo ao abrigo de uma
relação administrativa de utente, não se estabelecendo qualquer relação contratual.
Por isso, e porque o atendimento no âmbito do Serviço Nacional de Saúde é efetuado
em cumprimento de uma obrigação do Estado em garantir a todos os cidadãos o acesso e
a proteção da saúde, nos termos do artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa,
a responsabilidade no âmbito da medicina pública é extracontratual.
Nestes termos, o regime de responsabilidade aplicável a este tipo de relações entre
hospitais públicos e os utentes é o Regime de Responsabilidade Extracontratual do Estado
e Pessoas Coletivas de direito público (Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro). De entre
outros aspetos relevantes deste regime de responsabilidade do Estado – não sendo este o
momento ou o lugar certo para o aprofundamento do tema – destaca-se o facto de o
hospital público ser exclusivamente responsável pelos danos que resultem de ações ou
omissões cometidas com culpa leve, apenas tendo direito de regresso em caso de dolo ou
culpa grave dos agentes.
Feita esta distinção inicial, importa agora analisar os pressupostos de ambos os tipos
de responsabilidade.
Tanto a responsabilidade contratual como a responsabilidade extracontratual
pressupõem a verificação de quatro requisitos, que carecem de ser demonstrados em
juízo: ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade.
Com efeito, ao médico (como a qualquer outro profissional de saúde) exige-se que
atue em cumprimento das leges artis, com a diligência de um médico médio, normalmente
diligente e cuidadoso. Assim, quando a sua atuação não se pauta pelo cumprimento das
leges artis comete um facto ilícito.
A culpa, por seu turno, pressupõe que ao profissional de saúde seja exigível outro
comportamento, sendo esta diligência avaliada nos termos do artigo 487.º, n.º 2, ou seja,
pela “diligência do bom pai de família, em face das circunstâncias do caso”.
Ora, de acordo com a regra geral contida no artigo 342.º do Código Civil, “àquele que
invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado” –

870
cabendo, por isso, ao doente que demanda um profissional de saúde, com fundamento
num qualquer erro médico, a prova dos pressupostos da responsabilidade civil médica.
De facto, com exceção de determinadas presunções – nomeadamente, a presunção
de culpa aplicável em sede de responsabilidade contratual (artigo 799.º, n.º 1 do Código
Civil) – é ao doente que cumpre provar a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade
entre facto e dano.
Todavia, este encargo probatório que recai sobre o doente revela-se muito pesado,
dada a ausência de conhecimentos técnicos, o corporativismo entre os profissionais de
saúde, o elevado custo do recurso à prova pericial, agravados pelo estado de
vulnerabilidade em que necessariamente se encontra.
Esta natural dificuldade da prova faz-se sentir sobretudo na prova da culpa (na
responsabilidade extracontratual), e no nexo de causalidade entre a violação das leges
artis e o dano.
É exatamente esta dificuldade de prova dos pressupostos da responsabilidade
médica que justifica que, apesar do grande aumento da litigância em negligência médica, o
número de sentenças favoráveis aos pacientes seja ainda muito reduzido.
Com efeito, a prova do nexo de causalidade entre o comportamento do profissional
de saúde e os danos que resultam para o doente é particularmente complexo, devido
muitas vezes à pluralidade de causas que concorrem para um mesmo dano. Ou seja,
apesar de muitas vezes o comportamento do profissional de saúde se afigurar adequado à
produção de um determinado dano, com esse comportamento concorrem muitas outras
causas, alheias ao comportamento daquele profissional, que dificultam sobremaneira a
prova do nexo causal.
A prova do nexo causal agrava-se mais ainda quando o ilícito se traduz num
comportamento por omissão. Tomemos o seguinte exemplo: a demora na realização de
um exame complementar de diagnóstico essencial para submeter o paciente a uma
cirurgia destinada a salvar a vida, acaba por atrasar a realização do procedimento
cirúrgico, vindo a paciente a falecer após a realização da cirurgia. Neste caso, embora se
possa provar que o atraso na prescrição do exame atrasou a cirurgia, não se consegue
provar, com elevado grau de certeza, que a o paciente teria sobrevivido caso a cirurgia
tivesse sido realizada mais cedo.

871
Tendo em consideração esta normal dificuldade de prova, a perda de chance
assume-se como um instituto que permite, nas palavras de Rute Pedro, “a repartição do
risco probatório entre doente e médico, de acordo com a distribuição da álea inerente ao
acto médico consentido” (1).
De facto, tal como refere RUTE PEDRO, a obrigação assumida pelo profissional de
saúde traduz-se numa obrigação de atuação cuidadosa, atenta e conforme às leges artis
com vista à cura do paciente (obrigação de meios), mas também numa obrigação de não
desperdiçar as oportunidades (chances) de um resultado positivo para o paciente
(assumindo-se sempre esta obrigação como de resultado) (2).
Esta decomposição da obrigação do profissional de saúde permite uma maior tutela
dos interesses do paciente lesado, que não conseguindo (muitas vezes) fazer prova cabal
da causalidade entre a violação das leges artis (v.g., atraso na prescrição do exame
complementar de diagnóstico essencial) e o dano final (v.g., morte), logra fazer prova de
que aquela conduta causou um dano intermédio que se traduz na perda da possibilidade
de sobrevivência ou de cura.
A perda de chance (enquanto ato ou omissão que levou à diminuição da
oportunidade de obtenção de um resultado positivo, que não era certo) será assim
indemnizável como dano intermédio e autónomo do dano final, desde que se verifiquem
todos os pressupostos de responsabilidade civil: ilicitude, culpa, dano e nexo de
causalidade entre o ato ou a omissão e a perda da oportunidade3.
A consagração da obrigação de não desperdiçar oportunidades, e o direito ao
ressarcimento do dano da perda de chance, aliviam o encargo probatório a cargo do
doente que passa a ter que provar apenas o nexo de causalidade entre a conduta do
médico e a perda de oportunidade – o que representa um avanço capaz de compensar o
desnível de conhecimentos técnicos e científicos entre médico e paciente, contribuindo
para uma adequada tutela do doente lesado.
Apesar disso, a aplicação da perda de chance no âmbito da responsabilidade civil
médica é ainda muito recente na jurisprudência dos tribunais portugueses, destacando-se
a sentença proferida a 23 de Julho de 2015, pela 1.ª Secção Cível da Instância Central do
Tribunal da Comarca de Lisboa (Proc. n.º 1573/10.5TJLSB) (3).

3 A admissibilidade da figura não é líquida havendo, entre nós, quem a conteste, argumentando que a admissibilidade do
dano de perda de chance implicaria admitir um dano punitivo, atribuindo à responsabilidade civil uma função punitiva e
não reparatória.

872
Nesta sentença, o Tribunal da Comarca de Lisboa considerou provado o erro de
diagnóstico – fruto da não realização de exames complementares ao dispor do médico – e
ainda que aquele atrasou o tratamento da paciente. Com base nisso, entendeu (a nosso
ver, acertadamente) que, embora não fosse certa a sobrevivência da paciente caso o
tratamento tivesse sido realizado atempadamente, aquele erro de diagnóstico prejudicou a
percentagem de oportunidade de sobrevivência ao seu dispor.
Obviamente, a indemnização devida pela perda de chance será inferior à
indemnização devida caso se lograsse provar o dano final. Com efeito, a não
demonstração do dano final terá que se refletir necessariamente no montante
indemnizatório concedido.
Importará, pois, “avaliar, primeiro, qual o valor económico do resultado em
expectativa e, de seguida, a probabilidade que existiria de o alcançar, não fora a
ocorrência do facto antijurídico. Este segundo valor, calculado numa percentagem –
traduzindo a consistência e seriedade das «chances» -, terá que ser por fim aplicado ao
primeiro, para que se possa finalmente obter o valor pecuniário da «perda de chance” (4).
Julgamos, apesar disso, que a aplicação do instituto da perda de chance no âmbito
da responsabilidade médica será favorável ao doente lesado, sendo suscetível de facilitar
a “diabolica probatio” que sob si geralmente recai.

Referências

1. PEDRO, Rute, Da Tutela do Doente Lesado – Breves Reflexões, in Revista da FDUP,


Ano 5, 2008, p. 458.
2. Cfr. PEDRO, Rute, Da Tutela do Doente Lesado, cit., p. 448 e 449.
3. Disponível em
http://www.verbojuridico.net/ficheiros/jurispr/pcivil/higinacastelo_negligenciamedica_per
dachance.pdf
4. ROCHA, Nuno Santos, A «perda de chance» como uma nova espécie de dano,
Coimbra, Almedina, 2014, p. 44.

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