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OBA Nível 4 (TALES DE MILETO) Prof. Júlio C.

Klafke 1

THALES DE MILETO (c.624 a.C.—546 a.C.)

A história da Astronomia Ocidental começa, efetivamente, com Thales (ou


Tales) de Mileto, o “Pai da Astronomia Grega” (Figura 1).

Nascido, possivelmente, na cidade de Mileto, antiga cidade da Ásia Menor,


atual Turquia, por volta do ano 624 a.C., Tales estudou no Egito e, ao retornar
para sua cidade, fundou a Escola Jônica de Astronomia e Filosofia[1]. De acordo
com Heródoto, ele teria previsto o eclipse solar de 28 de maio de 585 a.C.
(Figura 2). Acredita-se, entretanto, que Tales previu esse eclipse usando o Ciclo
de Sarus, de 6585 dias, descoberto pelos Caldeus, após o qual os eclipses
solares e lunares se repetem quase nas mesmas circunstâncias, porém
deslocados cerca de 120° na direção oeste. Outra façanha atribuída a Tales foi
a determinação do comprimento do ano solar.

Discípulo de Tales, Anaximandro de Mileto (610 a.C.—546 a.C.), foi outro Figura 1. Thales de Mileto.
filósofo da escola jônica ao qual podemos atribuir, até com mais propriedade, o ( WikiMedia Commons)
título de “pai da Astronomia grega”. A ele é creditado a introdução do gnomon
(relógio solar) na Grécia.

Figura 2. Imagem do Eclipse de 28 de maio de -585, supostamente previsto por Tales, como mostrado pelo programa de
simulação do céu Stellarium. Note que a data está 28 de maio de -584. Isto porque o Stellarium admite o ano 0 (que não
existiu de fato). Foi retirada a atmosfera para melhor ver a presença dos planetas Júpiter, Mercúrio e Marte. O máximo do
Eclipse, que não foi quase total em Mileto (Lat = +37°23’ Lon = +27°15’), ocorreu às 17h50min hora local.

Um resultado importante, formalizado por Tales, é denominado TEOREMA DE TALES (Figura 3):

“Um feixe de paralelas determina em duas transversais


segmentos que são proporcionais.”

Desta Forma, podemos escrever:


𝐴𝐵 𝑀𝑁
=
𝐵𝐶 𝑁𝑃
Figura 3. Teorema de Tales.
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A aplicação mais imediata do Teorema de Tales, e talvez a aplicação que o tenha inspirado durante sua
estada no Egito, é o cálculo da altura da Grande Pirâmide (ou de qualquer objeto cuja altura se queira
determinar). Considere a geometria da figura 4 a seguir. H é a altura da pirâmide e h é a altura de uma vara
vertical, digamos, h = 1 metro. Os raios do Sol incidem paralelamente em ambos os objetos em um dado
instante. Se a sombra projetada da pirâmide, que pode ser medida e acrescida da metade do comprimento
de sua base (apótema da base) for é de L = 215 metros (115 metros da apótema + 100 metros de sombra) e
a sombra da vara for de l = 1,50 metros, qual a altura da pirâmide?

𝐻 ℎ 𝐿.ℎ 215 ×1
= => 𝐻 = = =143 metros
𝐿 𝑙 𝑙 1,50

H h

L l
Figura 4. Calculando a altura de um objeto através da medida de comprimento de sua sombra.

Outra aplicação do TEOREMA DE TALES, que é muito útil na Astronomia, em particular no estudo dos
TELESCÓPIOS, refere-se ao tamanho de uma imagem projetada em uma CAMARA OBSCURA, também
chamada de CÂMERA “PINHOLE” ou ESTENOPEICA. A câmera estenopeica nada mais é que uma caixa
fechada onde a imagem passa por um pequeno orifício em um de seus lados, projetando a imagem externa
na superfície oposta ao orifício, ou estenopo. Como exemplo para a projeção da imagem, vamos considerar
um objeto de altura H, distante L = 5 metros do orifício da câmera, cuja profundidade l, de 15 centímetros,
implica em uma imagem projetada de h = 1,5 centímetros. (Figura 5).

𝐻 ℎ 𝐿. ℎ
h = 1,5 cm

= => 𝐻 = =
𝐿 𝑙 𝑙
H
5 ×1,5
= = 0,5 metros
15

L = 5 metros l = 15 centímetros
Figura 5. Calculando o tamanho de um objeto a partir do tamanho de sua imagem projetada em uma
câmera estenopeica.

Nos dois casos, percebemos que o teorema se refere à SEMELHANÇA DE TRIÂNGULOS, ou mais
genericamente à PORPORCIONALIDADE, ao FATOR DE ESCALA. Não foi à toa que Anaximandro de Mileto
desenhou um dos primeiros mapas do mundo!

Vamos para mais um exemplo de aplicação do TEOREMA DE TALES, agora nos referindo à
PROPORCIONALIDADE.

O Diâmetro da Lua é de DLua = 3.474 km e o diâmetro da Terra é de DTerra = 12.742 km. Ou seja, se a Terra
fosse do tamanho de uma laranja (DLaranja = 8 cm), nesta escala, qual seria o tamanho da Lua?

𝑑 𝐷𝐿𝑢𝑎 𝐷𝐿𝑎𝑟𝑎𝑛𝑗𝑎 𝐷𝐿𝑢𝑎 8 𝑐𝑚 × 3474 𝑘𝑚


Resposta: =𝐷 => 𝑑 = = = 2,2 𝑐𝑚
𝐷𝐿𝑎𝑟𝑎𝑛𝑗𝑎 𝑇𝑒𝑟𝑟𝑎 𝐷𝑇𝑒𝑟𝑟𝑎 12742 𝑘𝑚

Ou seja, a Lua, nesta escala, seria do tamanho de uma uva!


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E ainda podemos fazer mais! Nessa mesma escala, a que distância poríamos a uva da laranja para se
corresponderem à distância da Terra até a Lua?

Note que a RAZÃO entre o tamanho da Terra e o tamanho da laranja é de 12742𝑘𝑚⁄8 𝑐𝑚. Só que, para
efetuarmos essa conta, temos que deixar as duas medidas com as mesmas unidades. Ou seja:
7
12.742 km = 12.742.000 m = 1,2742 x 10 m
-2
8 cm = 0,08 m = 8 x 10 m

Passamos as duas medidas para metros apenas por uma questão de adotarmos as unidades do Sistema Internacional.
Assim, o FATOR DE ESCALA, ou a RAZÃO da nossa PROPORCIONALIDADE será:

1,2742 × 107 𝑚 1,2742 × 107 × 102


= = 0,15928 × 109 = 1,5928 × 108
8 × 10−2 𝑚 8

Isto quer dizer que nosso FATOR DE ESCALA é de 1 para 159.280.000, ou seja, cada centímetro, metro ou
quilômetro que eu considerar, estará representando uma medita 159.280.000 vezes maior no mundo real!

Já que a Lua está, em média, a 384.000 km da Terra, se a Terra fosse uma laranja de 8 cm de diâmetro, a
uva, que representaria a Lua, seria colocada a 384.000 km/159.280.000 = 0,00241 km = 2,4 metros de
distância.

Ficou confuso acima? Tudo isso, Teoremas de Tales, Fator de Escala e Proporcionalidade também é
conhecido com REGRA DE TRÊS SIMPLES:

𝑥 (𝑎 𝑑𝑖𝑠𝑡â𝑛𝑐𝑖𝑎 𝑑𝑎 𝑢𝑣𝑎 𝑎𝑡é 𝑎 𝑙𝑎𝑟𝑎𝑛𝑗𝑎) 8 × 10−2 𝑚 1


= = =>
384.000 𝑘𝑚 1,2742 × 107 𝑚 159.280.000

384.000 𝑘𝑚
=> 𝑥 = = 0,00241 𝑘𝑚 = 2,4 𝑚
159.280.000

Em fim, o sistema Terra-Lua, em uma escala de 1:159.280.000 (a Terra é 159.280.000 maior que uma
laranja!) equivale a uma uva a 2,4 metros de uma laranja!!!!!

Embora Tales de Mileto não soubesse o tamanho da Terra, o tamanho da Lua, ou a distância entre elas,
vamos ver o que o Tales poderia ter descoberto se soubesse esses valores?

Quando olhamos para o céu, notamos que o Sol e a Lua têm o mesmo tamanho angular. Isso pode ser
percebido durante um eclipse solar total, como o previsto por Tales e 585 a.C.

Ora, se a razão (proporção) entre a distância média da Lua até a Terra e o diâmetro da Lua é de
384.000/3.473 = 110,6 vezes, então esta mesma razão deve valer para a distância média da Terra ao Sol e o
diâmetro do Sol! Veja a figura 6:

Terra Lua Sol

Distância da Lua

Distância do Sol
Figura 6. Ilustração da proporcionalidade entre a distância e o tamanho da Lua e a distância e o tamanho do Sol.
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Infelizmente, como dissemos, o Tales desconhecia esses valores, mas 300 anos depois, o grego Aristarco de
Samos (310 a.C.—230 a.C) conseguiu calcular tanto o diâmetro da Lua, quanto a distância da Terra até o Sol
e quase 60 anos depois de Aristarco, Eratóstenes de Cirene (276 a.C.—194 a.C) mediu a circunferência da
Terra e, portanto, seu diâmetro. Mas isso fica para depois...

POR QUE OS RAIOS DO SOL PODEM SER CONSIDERADOS PARALELOS AQUI DA TERRA?

Vimos que o Teorema de Tales para calcular a altura, ou distância de objetos, se aplica bem quando
consideramos o “paralelismo” dos raios solares. Mas podemos considerar os raios solares paralelos aqui na
Terra? (Figura 7)

S
C

L C

P B=A+C
A
A C

M N Q R
Figura 7. Se o Sol estivesse bem perto de nós, como uma lâmpada no teto de nossa sala (S), é claro que os triângulos LMN e
PQR não seriam semelhantes. O ângulo B, em P seria o ângulo A, em L, mais o ângulo C, em S. A medida que S vai se
afastando o ângulo C diminui. Quando a distância de SN, ou SR, for muito maior que a distância MQ, ou NR, então C pode
ser desprezado por ser infinitesimal. Como o Sol está muito mais distante de nós que o diâmetro da Terra, então podemos
considerar C = 0 e os raios solares como incidindo paralelamente na superfície da Terra, ou seja, A = B.

SISTEMA SOLAR EM ESCALA

A tabela abaixo foi calculada com a planilha Excel. Considerou-se o Sol uma esfera de 1 metro de diâmetro.

REAL ESCALA (DSol = 1 m)


NOME DIÂMETRO DISTÂNCIA Diâmetro Distância
(km) (km) (cm) (m)
Sol 1.392.700 0 100 0,0
Mercúrio 4.879 57.910.000 0,35 41,6
Vênus 12.104 108.200.000 0,87 77,7
Terra 12.742 149.600.000 0,91 107,4
Marte 6.779 227.940.000 0,49 163,7
(1)Ceres 956 414.000.000 0,07 297,3
Júpiter 139.820 778.330.000 10,04 558,9
Saturno 116.460 1.429.400.000 8,36 1.026,4
Urano 50.724 2.870.990.000 3,64 2.061,5
Netuno 49.244 4.504.300.000 3,54 3.234,2
Cinturão de Kuiper - 7.500.000.000 - 5.385,2
Nuvem de Oort - 7,50E+12 - 5.385.222,9
Alpha Centauri - 4,26E+13 - 30.569.110,4

BIBLIOGRAFIA
[1] MOULTON, F. R: An Introduction to Celestial Mechanics. Dove Pub. Inc, NY, 1914.

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