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ESCOLA DE CHICAGO

F R E D E RI C M I LTO N T H R A S H E R
T H E G A N G : A S T U DY O F 1 3 1 3 G A N G S I N
C HI C AG O
Frederic Milton Thrasher.

Shelbyville, Indiana 1892 – 1962. E.U.A

Thrasher concluiu o seu mestrado em


1918, em Chicago, com uma tese
intitulada "O movimento escuteiro
como agência socializadora".

Fez um doutoramento em 1926, sobre


gangues: épico The Gang: um estudo de
1313 gangues em Chicago.

O seu trabalho sobre gangues foi parte


de uma série de estudos de
doutoramento concluídos sob a
direção de Robert E. Park. A "era de
ouro" do Departamento de Sociologia
da Universidade de Chicago.
Na década de 1930, Thrasher mudou-se
para Nova York, onde lecionou. Aí iniciou
um programa de estudos de média, sobre
os efeitos de filmes nas crianças.

Os seus cursos sobre o tema foram


inovadores, sobretudo um iniciado em
1934 chamado “O Filme: Os Aspectos
Artísticos, Educacionais e Sociais”.
Enquanto os gangues e a cultura de gangues existem há séculos, The
Gang foi um dos primeiros estudos académicos sobre o fenómeno.
Originalmente publicado em 1927, oferece uma análise profunda e
cuidadosa de centenas de gangues em Chicago no início do século
XX.

Com uma prosa rica e um olhar atento aos detalhes, Thrasher


analisou especificamente a maneira pela qual a geografia urbana
moldou os gangues e postulou a tese de que os bairros em transição
eram mais propensos a produzir gangues.
"Uma colónia de imigrantes (...) é em si um mundo social
isolado (...) o gangue só se move no seu próprio universo e as
outras regiões estão vestidas de mistério nebuloso (...) ele
sabe pouco sobre o mundo exterior".

(Thrasher, 1927)
Thrasher propôs que "bairros em transição são locais de
reprodução para gangues".
A necessidade de manter as relações face-a-face estabelece limites
para a magnitude que o gangue pode atingir. O tamanho era
determinado, por exemplo, pelo número de rapazes capazes de se
encontrar na rua ou dentro do espaço limitado do seu ponto de
encontro.
"O isolamento é comum a quase todos os grupos vocacionais,
religiosos ou culturais de uma grande cidade. Cada um
desenvolve os seus próprios sentimentos, atitudes, códigos e
até mesmo as suas próprias palavras, que são, na melhor das
hipóteses, apenas parcialmente inteligíveis para os outros."

(Thrasher, 1927)
Geralmente o grupo não cresce em proporções tão grandes
como empresas ou estruturas coletivas que acabam por
dificultar o estabelecimento de controlo e de contactos de
proximidade.

Deste modo, se todos os membros estiverem presentes, o


que é dito por um ou pelo grupo pode ser ouvido por
todos. Caso contrário, a experiência comum torna-se mais
difícil e o grupo tende a dividir-se e formar outro gangue.
O número de "fringers" e “hangers-
on” (penduras ou bajuladores), com
os quais o gangue pode contar para
apoio, pode ser substancialmente
maior, sobretudo se o gangue tiver
sucesso.
Admite-se um maior crescimento através de modificações da estrutura,
como as resultantes da “convencionalização”. Quando um gangue se
torna convencionado, assumindo, por exemplo, a forma de um clube,
pode crescer em grande proporção. O gangue original, no entanto, pode
permanecer como um "círculo interno", o núcleo ativo central.
Os membros adicionais
podem desenvolver os
seus próprios pequenos
grupos dentro do todo
maior. Ou manter apenas
um relacionamento mais
ou menos formal com a
organização. Em muitos
casos, tal clube é o
resultado da combinação
de dois ou mais gangues.
O que foi definido como "gangue de dois rapazes" ou
"intimidade" não deve ser negligenciado quando se discute a
organização interna do gangue.

Neste tipo de relacionamento há geralmente uma


subordinação de um jovem a outro. Os outros membros do
grupo dizem, por exemplo, que "o Jerry está agora a orientar
o Alfred."
O culto ao herói, aberto ou tácito,
desempenha um papel importante nesses
casos. Às vezes, as habilidades de um
jovem complementam as do outro. Em
muitos casos, um tende a ficar totalmente
fascinado pelo outro e pode mesmo
nascer uma devoção que dificilmente será
superada.
Às vezes, o relacionamento pode incluir três jovens que cooperam
em perfeita empatia. São relações desse tipo, existentes antes do
gangue se desenvolver, que servem como estruturas primárias
quando depois o grupo é formado pela primeira vez e moldam o
crescimento da sua organização futura.

A cumplicidade explica em parte porque muitas das façanhas de


jovens de gangues são realizadas em pares e trios. Os rapazes
preferem geralmente ter um ou dois amigos da sua simpatia numa
tarefa em vez de trazer o gangue todo consigo.
Assim, o relacionamento de dois e três rapazes pode ser muito
mais importante para um rapaz do que o relacionamento com o
grupo inteiro. Em tais casos, um rapaz renunciaria sem hesitar ao
gangue antes de abandonar o seu amigo especial ou o par de
amigos.
Sob diferentes condições, o
relacionamento de dois e três
rapazes torna-se um substituto
completamente satisfatório
para o gangue.

O desejo de reconhecimento
por parte de um círculo maior,
se for imperativo, é conseguido
enquanto membro da família, da
escola, do clube ou de outros
grupos e instituições às quais o
jovem tem acesso.
O "organismo" como um todo:

Um gangue, como
outros tipos de grupos
sociais, pode também
ser concebido com um
padrão de ação próprio.
Cada pessoa no grupo
executa uma função
específica por referência
a outros ou, dizendo de
outro modo, preenche o
nicho individual que a
experiência no gangue
determinou para ele.
O padrão de ação de um grupo tende a tornar-se fixo e
automático nos hábitos dos seus membros. Pode mesmo
persistir por muito tempo após a organização formal do grupo
ser alterada.

Note-se, porém, que o padrão de ação que caracteriza cada


grupo dificilmente pode ser pensado como rígido e estático,
pois deve estar em constante mudança para acomodar, por
exemplo, perdas e a entrada de pessoal, bem como mudanças
dos seus membros devido ao aumento da sua experiência.
Cada membro de um gangue tende a ter um status definido
dentro do grupo. As tarefas comuns exigem uma divisão de
trabalho.

Os conflitos exigem uma certa quantidade de liderança para


serem bem geridos, além da subordinação e disciplina dos
membros.
Para as atividades complexas, as posições dos indivíduos
dentro do grupo exigem diversos graus de experiência e os
papéis sociais tornam-se mais nitidamente diferenciados.

Como resultado deste processo, surge uma organização


mais ou menos eficiente e harmoniosa de pessoas que
possibilita uma execução satisfatória das tarefas e promove
os interesses do grupo como um todo.
Habitualmente existem três classes de membros mais ou menos bem
definidas: o “círculo interno” que inclui o líder e os seus “tenentes”;
os “recrutas”, que constituem os restantes membros do gangue e,
finalmente, os "fringers," que admiram e colaboram com o gangue,
mas não são considerados membros.
A luta por um status:

Internamente, o gangue pode ser visto como uma luta pelo


reconhecimento. Este oferece provavelmente a melhor
oportunidade a um rapaz não-privilegiado para adquirir status
e, portanto, desempenha um papel essencial no
desenvolvimento da sua personalidade.
A luta no gangue assume a forma de
conflito e competição, que operam para
localizar cada indivíduo relativamente aos
outros. Como resultado, o gangue torna-
se uma constelação de inter-relações
pessoais com o líder a desempenhar o
papel central e de orientador.
O gangue pode ser considerado como uma
"unidade de personalidades interagindo“, mas
também pode ser considerado como uma
acomodação de individualidades conflituantes
mais ou menos subordinadas e superordenadas
por referência umas às outras e ao líder.
É nesses papéis, por mais subordinados que sejam, que a
personalidade se desenvolve. Qualquer posição no grupo é
melhor que nenhuma, e há sempre a possibilidade de melhorar
o status.

Participar em atividades de gangues significa tudo para o


jovem. Ele não apenas define a sua posição única na sociedade,
como isso se torna a base para a construção de si mesmo.

Pelo exposto, um membro de gangue pode muito bem dizer:


"Eu preferiria ser um “fringer” do gangue do que morar para
sempre nas imediações de duques".
Por esta razão, o seu entendimento do gangue e do seu papel nele é mais
vívido do que o que poderia ter relativamente a outros grupos sociais.

Porque vive o presente, ele concebe como parte maior da sua vida a
pertença ao gangue. O seu status noutros grupos não é tão importante. O
gangue é o seu mundo social.

Ao esforçar-se por realizar o papel que dele se espera, acaba muitas vezes
por assumir atitudes difíceis: atos de ousadia ou vandalismo e até se tornar
um criminoso.
Adquirir um registo no tribunal ou ser "afastado" para uma
instituição dá prestígio no seio do gangue. Ao “puni-lo” ou "reformá-
lo“ a sociedade está simplesmente a promover a sua ascensão no
grupo. Pelo contrário, instituições que tentam redirecionar o jovem
delinquente deveriam alcançá-lo através dos seus grupos sociais
vitais, onde podem apelar à construção essencial dele mesmo.
O processo de seleção:

O resultado desse processo depende em grande parte das


diferenças individuais - inatas e adquiridas - que caracterizam
os membros do grupo.

Um rapaz grande e forte tem mais hipóteses do que um


“shrimp“ (no inglês). As diferenças naturais físicas são
importantes e os “defeitos” físicos acabam também por ser
decisivos.

Os traços de caráter são igualmente significativos. Incluem as


crenças, os sentimentos, os hábitos e as habilidades especiais.

Se todos os membros do gangue fossem exatamente iguais, o


seu status e personalidade só poderiam ser determinados por
diferenças aleatórias nas oportunidades surgidas no decorrer
das atividades.
Que as diferenças físicas são importantes para determinar o status é
indicado pelo facto de que o rapaz maior ou mais forte é
frequentemente o líder em virtude apenas desse facto. O tamanho
por si só também pode permitir que um valentão ganhe o controlo
do gangue, mas a manutenção como líder é, no entanto, sempre
incerta.
Através do mecanismo de compensação, um “defeito” físico
pode servir como um impulso para algum tipo de
comportamento que compensará o baixo status.

A compensação surge, portanto, devido à discrepância entre


o seu papel e a idealização do papel que ele acha que deveria
desempenhar.

Se um rapaz pode compensar de alguma maneira efetiva uma


deficiência, isto pode ainda revelar que não constitui, por si
só, uma barreira intransponível para chegar à liderança.
A luta é um dos principais meios para
determinar o status no gangue. Cada
membro é geralmente avaliado com
base na sua habilidade física.

Nalguns gangues, o melhor lutador é


considerado o líder e ele deve
defender o seu título contra todos os
que chegarem depois.
Além de lutar, a excelência em qualquer outra
atividade em que o gangue esteja envolvido é um
método de obter reconhecimento. Para a maioria
das gangues isso aplica-se particularmente no
campo da proeza atlética, mas pode se aplicar
igualmente a alguma forma de atividade ousada ou
predatória. A “dureza" é frequentemente um meio
de obter prestígio. Geralmente aquele que tem um
cadastro ou foi “afastado” para cumprir uma pena
é visto com admiração.
Papéis especiais no gangue:

Além da liderança, existem outras funções sociais no


gangue. Estas também são determinadas por qualidades
individuais num processo de luta e de atividades. Evoluem
como resultado da experiência em grupo e são
determinadas pela interação em toda a sua complexidade.

Os papéis principais no gangue são, às vezes, distinguidos


uns dos outros como constituindo tipos diferentes de
liderança.

Se o rapaz imaginativo não tem as qualidades de


genialidade e força física para ter destaque, pode tornar-
se o cérebro do gangue.
Como o bobo da corte de antigamente, o “miúdo engraçado"
é tolerado apesar do comportamento que poderia ser tido
como insultuoso.

Um status muito indesejável na gangue é o de "maricas", uma


classificação que pode surgir de “traços efeminados”, da falta
de vontade de lutar ou de demasiado interesse em livros ou
outras atividades intelectuais. Geralmente é-lhe atribuído o
nome de uma rapariga.

Outro tipo de personalidade que muitas vezes surge no


gangue é o "show-off". É o egoísta, o fanfarrão do grupo.
Cada gangue tem geralmente o seu “bode expiatório”. É uma pessoa
considerada "burra“, podendo mesmo ser culpabilizado por algo caso
isso resulte benéfico para o gangue. Jovens deste tipo são, às vezes,
conhecidos como “goofy guys", quando combinam alguma peculiaridade
especial com a sua estupidez.

Os jovens inexperientes são muitas vezes usados como "cats’-paws" nas


façanhas do gangue.
A natureza, o número e a variedade de papéis especializados que nas
suas inter-relações constituem o padrão de ação do gangue,
dependem, em grande parte, da natureza e da complexidade das
atividades e empreendimentos assumidos.

As aptidões individuais desempenham um papel importante na


atribuição de lugares. As habilidades especiais são úteis na realização
de certos tipos de atividades.
O gangue, em si, pode tornar-se altamente especializado
(um tipo funcional), como no caso do desenvolvimento de
alguma linha específica de desporto ou de perseguição
criminal. Quanto mais especializado o gangue, mais
altamente diferenciada é a divisão do trabalho entre os seus
membros.
Frederic Thrasher faz recuar a cultura dos gangues aos
sistemas de poder feudais e medievais e liga o ethos tribal
de outras sociedades a códigos de honra e glória
encontrados em gangues americanos.

Thrasher aborda o seu assunto com empatia e perspicácia,


e cria um retrato multifacetado e texturado que ainda tem
muito a oferecer aos estudiosos de hoje.

The Gang não explora apenas um momento importante na


história de Chicago, mas é também um marco na história
da sociologia e da teoria subcultural.

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