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Unidade II

Unidade II
Nesta unidade, são apresentados alguns dos principais conceitos associados à Psicologia, numa
perspectiva crítica que tem instrumentalizado as práticas de pesquisa e intervenção no que diz respeito
ao trabalho com grupos: a Teoria das Representações Sociais, a Identidade, o Processo Grupal e novos
campos para o embate ideológico: Linguagem e Imaginário.

5 GRUPOS E SUBJETIVIDADE

5.1 Conceituação

Só no século XVIII, a palavra grupo vai designar ajuntamento de pessoas. A origem dessa palavra
remonta a um termo técnico italiano das Artes Plásticas (groppo, gruppo), que designa vários indivíduos,
pintados ou esculpidos, compondo um tema (ANZIEU; MARTIN, 1975). Além da “novidade” do conceito,
Anzieu e Martin (1975), ao apresentarem diferentes concepções sobre grupos, indicam também que, até
há pouco tempo, nas Ciências Sociais, havia um preconceito bem‑estabelecido contra a ideia do grupo,
do pequeno grupo. Para alguns, esse mal‑estar em relação ao conceito estaria presente porque seria
entendido como categoria para o entendimento do social, e esta supostamente comportaria a negação
do indivíduo. Para outros, esse incômodo se estenderia ao próprio fenômeno grupo, como perturbador
da personalidade – os grupos de jovens e os grupos partidários, por exemplo.

Contemporaneamente, podemos reconhecer grupos definidos a partir de uma metáfora biológica (o


grupo‑organismo) ou mecânica (o grupo‑máquina), ou simplesmente pelo ajuntamento de pessoas, nas
multidões, nos bandos, nas aglomerações. A ideia de grupo também está presente em grupos nos quais
os indivíduos se encontram face a face, os pequenos grupos sociais, ou nas organizações das quais todos
participamos e por meio das quais temos um papel no jogo social.

Para discutir qual ou quais os sentidos de um grupo social e tentar traçar uma dinâmica dos grupos,
isto é, o movimento de uns em relação a outros, é necessário descrever algo da história dos estudos
sobre grupos a partir das maneiras como eles têm sido definidos. Algumas das referências para essas
definições têm sido a quantidade de membros (se são pequenos grupos, categorias sociais, a “massa”),
a medida da sua organização (aglomerados, categorias sociais, grupos estruturados, organizações,
instituições) ou a medida do relacionamento entre seus membros (face a face ou não).

Geralmente, quando falamos em grupos, pensamos nos pequenos, aqueles dentro dos quais seus
membros têm contato face a face, grupos que são estruturados, organizados por regras e com objetivos
definidos, cuja ação está delimitada no espaço – por uma sala, um campo, uma instituição. Menos comum
é chamarmos de grupos os agregados mais ou menos numerosos de indivíduos que não têm propriamente
nenhum contato entre si, os amontoados percebidos por Sartre numa fila à espera do ônibus (uma série)
que não estão sujeitos a normas claras de comportamento comum, conjuntos que compreendem meros
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aglomerados ou categorias sociais que indicam um relacionamento de ordem simplesmente distributiva.


Estes últimos são aqueles das nacionalidades, da cor da pele, dos matizes ideológicos, do sexo ou da opção
sexual. Contudo, mesmo nessa outra ordem de agrupamentos que se constitui a partir de sua simples
nomeação, por um critério burocrático, filosófico, político e mesmo biológico ou étnico, tendemos a dizer
dos indivíduos a eles pertencentes que se “comportam como um grupo”.

Figura 10 – As mulheres são uma categoria social

Tratamos a semelhança entre os membros dessas categorias com a mesma naturalidade com
que compreendemos a semelhança entre os que pertencem a uma organização. Em alguns casos,
todavia, a escolha da filiação e daquilo que ela implica está também no âmbito do indivíduo, que
pode apresentar‑se como jogador do time tal ou como pertencendo a certa instituição religiosa,
profissional ou acadêmica, por exemplo, ou filiado a uma determinada ONG. Em outros casos, não
há escolha, mas a suposição de que, entre os nomeados de uma determinada maneira, há certa
identidade de comportamento, incluídas aí visões de mundo, expectativas, disposições para a ação.
Sobre essas pessoas socialmente nomeadas não se questiona sua pertença a uma categoria, embora
elas sejam reconhecidas por essa identificação e esse reconhecimento implique a forma como os
“outros” se comportam em relação a elas (ainda que esse reconhecimento possa fazer diferença entre
tratá‑las ou não como seres humanos, entre segurança e assassinato, estupro, genocídio, exclusão
social; enfim, violência).

Essas maneiras de entender um grupo como uma unidade estruturada ou como uma categoria
são bastante conhecidas e utilizadas pelos cientistas sociais (HARRÉ, 1984). Contudo, as pessoas de
modo geral – e, mesmo em muitas ocasiões, esses mesmos cientistas sociais – tendem a tratá‑los como
se fossem a mesma “coisa”. Espera‑se de indivíduos que pertencem a um grupo que se define pela
nomeação, muitas vezes circunstancial, a mesma homogeneidade de comportamento dos indivíduos
que fazem parte de grupos estruturados, mais permanentes, com normas e objetivos bem‑definidos.
Esperar que um jogador de futebol tente marcar um gol nas redes do adversário pode ter o mesmo
valor preditivo que a expectativa em relação ao comportamento de um simpatizante de um partido de
esquerda quando em oposição a um certo governo (ser “contra”, por exemplo).

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Essa concepção de que nos grupos estruturados determinadas regras dirigem a disposição dos
indivíduos (como num jogo) é extrapolada para uma situação em que tais regras não existem senão
implicitamente na imagem que acompanha aquela categoria. A garantia que se tem ao se afirmar a
repetição de um comportamento (ser de esquerda para ser “contra”) para um grupo apenas categorizado
baseia‑se na experiência social do sujeito que afirma isso e que apreendeu uma identidade para aquele
grupo, reificada pela insistência em identificar grupos como sendo “assim”; afirmação que confirma
uma tendência cada vez mais enraizada nos relacionamentos sociais contemporâneos: sua objetivação,
coisificação (CARVALHO, 2002).

Nesse sentido, basta ter um nome e o grupo se transforma em coisa. O grupo ou a categoria a que
esse nome está associado passa a ser vinculado a uma imagem estereotipada, cristalizada, a algo mais
do que a apenas uma palavra, o nome, desde que essa imagem implique também comportamentos
estereotipados. Assim, o grupo tende a ser visto como algo que não se modifica, ou melhor, sua “inércia”,
porque ele se tornou “coisa”, passa a ser muito grande – é difícil de mover‑se, de mudar de posição. Os
movimentos em direção a qualquer mudança são difíceis, e ele vai se encontrar instalado efetivamente
fora do tempo, que, de fato, parece não existir. Ele não se apresenta como referência para a identidade
do grupo. Aqueles indivíduos que indicamos como parte de um grupo teriam sempre as mesmas
características, independentemente do contexto no qual estivessem envolvidos.

Essa imagem, que a partir do olhar do outro configura um grupo inerte, contamina o próprio grupo
nomeado, de tal forma que o esforço de manutenção, espécie de trava que pretende garantir a paralisia
e a identidade do grupo, não é algo exterior, mas se verifica entre os próprios nomeados, eles mesmos
guardiães da estereotipia. Desse modo, uma mulher tende a comportar‑se como “uma mulher” de
acordo com um modelo que está apoiado numa história do que devem ser as mulheres e que não tem
mais suporte nesse momento da sociedade. Aproveitando o exemplo, o mesmo se pode considerar sobre
as pessoas de “esquerda”, alienadas numa expectativa sobre o que isso significa, num mundo em que a
crítica ao status quo é mais indefinida.

Seja o grupo estruturado ou a categoria social, desde que tenham um nome, sua imagem estática,
congelada, será a figura que o identifica; um “nome” cuja presença‑imagem participará da mediação
entre os grupos, naquilo que regula e orienta seus movimentos uns em relação aos outros. O nome do
grupo é sua bandeira, e é como algo cujo único movimento possível é o proporcionado pelo vento – por
mais arrasador, não pode redesenhar o brasão. Tem‑se quase sempre procurado qualificar os grupos e
seus movimentos no ambiente social (CARVALHO, 2002).

5.2 Uma história das ideias sobre grupos

A representação que se tem de um grupo social compreende aquilo que se “vê” e o que se espera
dele numa determinada circunstância. Assim, é preciso estar atento não apenas ao que está sendo
representado e em qual contexto, mas também a quem representa, para se poder compreender, na
história das ideias sobre grupo, as explicações que se oferecem a como e por que os indivíduos se
associam, classificam e categorizam uns aos outros, assim como os efeitos dessas associações nos
relacionamentos que ocorrem dentro dos grupos e entre eles. A discussão das ideias sobre grupos
passa pelas histórias de constituição e da manutenção dos próprios grupos de pesquisadores,
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tanto nos seus aspectos simbólicos (a instituição de uma figura significativa, um líder, o fundador)
quanto nos seus aspectos imaginários – imaginário entendido aqui a partir das considerações de
Castoriadis (2007).

Um dos principais organizadores da história das ideias sobre grupos pode ser identificado no
entendimento sobre presença e importância do imaginário. As teorias sobre grupos tratam, com maior ou
menor intensidade, da presença do imaginário nos grupos como um problema, um resto que precisa ser
excluído: ora ele é privilegiado, deixando de lado tudo o que seria contextual, ora ele é descartado, quer
pela sua pouca importância (na Psicologia Social americana), quer pela impossibilidade de manipulá‑lo
(como na Psicologia Institucional francesa). Neste último caso, o imaginário é muitas vezes confundido
com a ideologia, e os indivíduos e grupos que a ele se submetessem estariam alienados da “realidade” –
como se fosse possível evitar sua presença cada vez mais “visível”.

Na mesma perspectiva que garante o descarte do imaginário e de seu caráter perturbador, as teorias
sobre grupo nessas diferentes correntes negligenciam a questão da linguagem no âmbito dos grupos.
De um lado, pela simples ausência de importância oferecida à linguagem como marca e continente
dos grupos sociais; de outro, mesmo quando a linguagem é reconhecida como elemento configurador
do grupo, na ausência de discussão sobre quais entendimentos sobre a linguagem estariam presentes
nessas correntes: se a linguagem é entendida como propiciadora de sentidos e de possibilidades (“meio
universal”), ou como simples ferramenta (“cálculo”), tendo uma função meramente representacional
(KUSCH, 1989). Em outras palavras, vários autores têm entrado nessa discussão sobre se as palavras
instituem, constroem a realidade, ou se servem apenas para representar uma realidade que existe para
“além” da linguagem.

Uma pista para entender o debate sobre o imaginário e a linguagem nas Ciências Sociais e, assim,
nos trabalhos sobre grupos está na compreensão de que imaginário e linguagem comportam, de fato,
a “desordem” que não poderia ser equacionada no âmbito da ciência e que o próprio senso comum
procura excluir, na tentativa de preservar o social como permanente (Lembra‑se da discussão sobre
a identidade?). Na ciência, esses elementos não encontrariam lugar, seja em razão dos princípios
que sustentariam uma abordagem científica na perspectiva do positivismo, e que se oferecem como
paradigma científico, seja pela tradição dos grupos de pesquisadores no trato com tais elementos. Sua
(quase) exclusão é tentativa de encobrir aquilo que não faz sentido, que implica a própria presença do
pesquisador, de sua identidade, de sua história e de suas escolhas, de presenças que resistem à razão e à
ordem mais imediata: a das leis e normas que regem os objetos naturais. É também tentativa de resistir
à inclusão de elementos que se encontram em profunda e contínua transformação e que teimam em
não se submeter à permanência que um olhar organizador solicita.

Lembrete

Positivismo é a doutrina que Augusto Comte (século XIX) propõe como


fórmula para constituir as Ciências Sociais nos mesmos princípios das Ciências
Naturais, fundada na separação entre sujeito e objeto do conhecimento.

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Dentre os diferentes entendimentos sobre os grupos e as tradições históricas e filosóficas às quais


estão vinculados, uma chave para sua apresentação é percorrer a incidência do imaginário nesses
universos. Destacamos, inicialmente, a Psicologia dos Grupos voltada para as questões individuais,
marcadamente ideológica, de ordem funcionalista, uma Psicologia Social dos pequenos grupos naturais.
Esta se verifica mais intensamente no âmbito da Psicologia Social americana, com autores como Lewin,
Newcomb, Asch, Stoessel e Maisonnave, e é voltada para os problemas de produção e de eficiência, seja
num grupo de soldados ou de operários, seja num grupo terapêutico, estudando os relacionamentos
intragrupo, a liderança e a motivação.

Na outra ponta, na Psicologia Social das categorias sociais, estão os estudos sobre grupos que
colocam em jogo os elementos da história e da cultura nas quais os grupos estão inseridos. Alinhados
à Psicologia Social “sociológica”, que veio se desenvolvendo principalmente na Europa do Pós‑Guerra,
esses estudos que privilegiam os fatores históricos, ideológicos e políticos identificam a Psicologia Social
europeia e os trabalhos de autores como Tajfel, Doise e Moscovici.

Numa posição intermediária em relação a essas duas vertentes, no que diz respeito aos estudos
sobre grupos, estariam os trabalhos sobre Psicoterapia de Grupo, sejam ou não de inspiração
freudiana, mais ou menos próximos da vertente americana, como Moreno, ou da vertente europeia,
como Guattari, e os desenvolvidos por psicólogos sociais sul‑americanos, como Baremblitt, Bauleo,
Bleger e Pichon‑Rivière.

Em qualquer das vertentes da Psicologia Social – a Psicologia Social dos pequenos grupos naturais,
a Psicoterapia de Grupo ou a Psicologia Social das categorias sociais –, a presença do imaginário como
elemento para identificação e mediação entre os grupos traz, de maneira indiscutível, a tensão entre a
ordem e a desordem no âmbito dos grupos.

5.2.1 A Psicologia Social dos pequenos grupos

A Psicologia Social americana tem sua fundação filosófica no funcionalismo de William James
e no pragmatismo de John Dewey. Aquilo que é social nessa Psicologia diz respeito a sua função
e utilidade, bem como sua localização fora do contexto e do tempo, no limite do tempo do
“eu‑grupo”, isto é, o social entendido como coisa, naturalizado. Num contexto cultural e social, o
norte‑americano, no qual se dará a valorização e o engrandecimento do “eu” com a apropriação
dos princípios humanistas para mitificação de uma cultura narcisista, a Psicologia Social oferecerá
recursos para o estudo e a implementação do que seja o melhor funcionamento dos grupos. As
pesquisas sobre a dinâmica de grupos, em especial, irão exigir uma concepção de grupo na qual
este possa ser compreendido a partir de sua estrutura “física”, com os participantes organizados
a fim de definir objetivos e estratégias para alcançá‑los, desempenhando tarefas e obedecendo às
normas de funcionamento do grupo (LEWIN, 1973).

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Figura 11 – Grupo face a face

Esse pequeno grupo, face a face, necessariamente estruturado, é o grupo típico dos setores
administrativos dos empreendimentos capitalistas, alvo dos profissionais de Recursos Humanos.
Caracteriza um entendimento de grupo cuja história recente, reforçada pela importância dada aos
aspectos gerenciais – e de controle – das relações humanas, seja numa empresa, seja numa organização
como o exército, remonta à Segunda Grande Guerra, quando se dará importância especial ao estudo
dos pequenos grupos. Traçando a história desses estudos, o autor definirá esses pequenos grupos
como compostos de duas ou mais pessoas que entram em contato para determinado objetivo (MILLS,
1970). Estão implícitas aqui as ideias de proximidade, de frequência e de intensidade no contato
entre os membros do grupo. O estudo dos pequenos grupos justifica‑se pela sua importância como
microcosmo social, pelo atravessamento das pressões sociais, pela densidade afetiva e, portanto, pela
influência que exerce sobre o indivíduo. De maneira geral, no pequeno grupo o sujeito é, ou procura
ser, sujeito.

Figura 12 – Grupo de soldados

Essa concepção, apoiada no estudo dos pequenos grupos, aponta a ênfase na sua importância
funcional, isto é, sabendo que os grupos influem no comportamento e, mais ainda, no desempenho
do indivíduo, é preciso entender seu funcionamento e sua dinâmica, conhecer suas variáveis e,
assim, poder operar sobre ele. Dessa forma, os cientistas sociais (sociólogos e psicólogos sociais)
não investiram apenas em pesquisas que oferecessem informações sobre a dinâmica dos grupos,
mas também em instrumentos de intervenção grupal, inclusive clínicos. Assim, os modelos para o
estudo dos pequenos grupos têm como referência a sua funcionalidade, o quanto são operacionais

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para o pesquisador e para os próprios membros do grupo. Para tais pesquisadores (Bales, Festinger,
Heider, Deutch), os grupos apresentam‑se como unidades nas quais seus membros buscam a
satisfação de suas necessidades individuais. Essas visões sobre grupos encontram‑se num contexto
em que a associação presta‑se de uma forma ou de outra à otimização de seu funcionamento
em direção a um determinado objetivo (MILLS, 1970). Os critérios para esses entendimentos não
relacionam sequer o contexto no qual esses grupos estariam inseridos, excluindo aqui toda e
qualquer referência à dimensão imaginária nos pequenos grupos. Nessa mesma tradição, incluem‑se
as pesquisas desenvolvidas por Kurt Lewin.

5.2.2 A dinâmica de grupo de Kurt Lewin

Criador da expressão dinâmica de grupo, Kurt Lewin tem como uma das principais contribuições
de sua Psicologia Social as investigações sobre a solução de conflitos nos pequenos grupos.
Lewin propôs‑se a estabelecer os conceitos e a metodologia que, dando conta das dinâmicas
nos pequenos grupos, fossem também abrangentes o suficiente quanto ao entendimento e à
intervenção nos grupos sociais. Nas pesquisas com grupos de crianças em que se variava o clima
das relações com um monitor (autoritário, democrático, laissez‑faire), ele procurou identificar o
efeito do ambiente político e de suas mudanças sobre a capacidade dos indivíduos de realizarem
tarefas, assim como suas repercussões sobre a satisfação e a agressividade. A “descoberta” do clima
democrático como o mais adequado à produção teve enorme repercussão durante a Segunda
Grande Guerra (ANZIEU; MARTIN, 1975).

Figura 13 – Memorial da Segunda Guerra Mundial (Washington, EUA)

Os estudos sobre a dinâmica dos pequenos grupos realizados por Lewin buscariam responder a
duas perguntas relativas ao funcionamento dos grupos sociais nesse contexto tão decisivo da nossa
história: como se pode produzir o nazismo como fenômeno psicológico? Qual a prevenção psicológica
contra ele? Temas de seu grande interesse – ele próprio judeu e egresso da Europa durante a guerra.
A importância alcançada por Lewin na Psicologia Social americana pode também ser encontrada no
seu linguajar físico, ao tratar do confronto de forças intragrupos e intergrupos, o que conferiria um
maior reconhecimento científico às suas teorias. Com seu interesse aumentado pelo fascínio que o
desenvolvimento de tecnologia, inclusive para a manipulação de seres humanos, produziu a partir das
Grandes Guerras, como “arma” contra literalmente quaisquer problemas, inclusive os sociais, as teorias
de Lewin viriam a reafirmar as concepções sobre pequenos grupos, que, desenvolvidos em ambiente de
guerra, serviriam para a otimização de seus comportamentos.

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Observação

O nazismo foi a doutrina política conduzida na Alemanha por Adolf


Hitler que, entre outros fatores, levou o mundo à Segunda Guerra Mundial.
Movimento nacionalista, racista e fascista, o nazismo buscava uma
supremacia de raça.

É importante reconhecer que Lewin foi inovador ao abordar aspectos da personalidade como referidos
ao contexto cultural e, mais do que isso, político, ao tratar da presença da democracia, dando status
científico a essas considerações. Também é importante considerar o contexto em que são feitas suas
pesquisas: em meio às Grandes Guerras, num ambiente em que parecia ser preciso marcar a diferença
entre o “povo alemão” e o “povo americano” – de sua nova pátria. Ainda assim, mesmo reconhecendo os
aspectos históricos dos fenômenos grupais, herança notável de sua formação científica europeia, Lewin
elabora nessa mesma tradição um entendimento sobre grupos tratando daquilo que é “visível”, ainda
que seja seu efeito, como as forças de atração e de repulsão interindividuais. Nas suas considerações,
em que pese a importância da valoração dos grupos e de suas diferenças, elementos essencialmente
simbólicos, o grupo continua mantendo uma existência natural. Portanto, não são consideradas as
dimensões imaginárias (isto é, afetivas, sócio‑históricas) nos fenômenos grupais, as quais poderiam
auxiliar na explicação do que produz e sustenta essas valorações e diferenças.

5.2.3 As psicoterapias de grupo

Os pequenos grupos, face a face, são exemplares de relações que parecem dar‑se in natura, nas quais
o que importa é o aqui e agora. Eles são típicos das organizações sociais, que parecem mais simples, nas
quais a quantidade de pessoas envolvidas, a proximidade do contato e a caracterização mais insistente
desses conjuntos de pessoas como uma unidade conferem a impressão de que suas determinações, sua
dinâmica, aquilo que explica o funcionamento dentro do grupo (intragrupo) pode prescindir do que é
“exterior” a ele e que o atravessa: o social e a história nos quais ele está imerso, elementos supostamente
perturbadores de sua ordem.

Assim como os estudados por Kurt Lewin (operários, estudantes, soldados), outros exemplos de
pequenos grupos podem ser encontrados no âmbito das psicoterapias de grupo, consideradas aqui como
modalidade da Psicologia Clínica que vem sendo desenvolvida concomitantemente com os avanços das
psicoterapias individuais desde o início do século XX e como prática que se encontra no âmbito da
Psicologia Social.

Nessas práticas terapêuticas, será possível apreender uma ideia de grupo que ocupa uma posição
central no conjunto dos conceitos que as definem e que lhes oferecem sentido. As soluções oferecidas aos
indivíduos que se submetem à terapia grupal, seja ela estritamente clínica, tenha ela um viés político ou
instrumental, dependem da concepção do que seja um grupo. A quantidade e diversidade de orientações,
princípios e objetivos que sustentam as práticas de terapeutas fundamentadas em Bion e Moreno, entre
outros, respondem às diferentes histórias que congregam os vários grupos de teóricos e profissionais que se

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associaram a um ou a outro desses nomes. Quando, porém, escolhemos o imaginário como fazendo fundo
para as diferenças, isto é, quando percorremos no contexto das psicoterapias de grupo, bem como as ideias
sobre grupos que elas comportam, e discutimos a presença do elemento “perturbador” – o imaginário –,
deparamo‑nos com um cenário no qual há mais semelhanças do que diferenças.

O imaginário será visto, muitas vezes, como componente causador de perturbação, justamente
quando é mais visível, sensual, perceptível, banhado do afeto envolvido nos relacionamentos face a face.
O momento em que quase se pode tocá‑lo é quando sua presença mais será negada ou demonizada. O
posicionamento em relação ao imaginário nas psicoterapias de grupo não está marcado necessariamente
pela disposição científica ou ideológica do pesquisador, pela sua ânsia por verdade ou justiça social.
Parece depender, antes, do preconceito ontológico contra tudo o que não possa ser perfeitamente
equacionado, o que não significa que não possa ser compreendido – herança do cientificismo nas
Ciências Sociais.

As considerações de autores como Lancetti (1994), Pontalis (1972) e Guattari (2005) discutidas a
seguir são exemplares de alguns dos principais posicionamentos sobre os pequenos grupos terapêuticos:
a vertente mais politizada e engajada da psicoterapia institucional francesa e a mais histórica e
filosófica da Psicanálise também francesa. Todas elas revelam a presença/ausência do imaginário e da
linguagem nos grupos a partir de diferentes perspectivas teóricas, como o psicodrama, a Psicanálise ou
a grupoterapia engajada politicamente. Esses autores discutirão a presença das disposições afetivas e
não racionalizáveis na Psicoterapia de Grupos.

Para Lancetti (1994), a atenção metodológica que se tem dado aos grupos nas mais diferentes circunstâncias
e modalidades em psicoterapia tem servido, entre outras coisas, a uma proposta ideológica: melhorar as
relações entre os indivíduos, nas famílias, nas instituições, na produção. Nesse sentido, a Psicoterapia de Grupo
tem como modelo as práticas que orientaram o estudo dos conjuntos de pessoas no Pós‑Guerra, quando se
verificou, como já foi visto no contexto da Psicologia Social americana, a importância das circunstâncias
grupais para a produção. Lancetti (1994) defende a tese de que os estudos sobre grupos, paradoxalmente,
comportam uma ideologia individualista. Os movimentos que se verificam nos grupos seriam similares aos
dos indivíduos, solicitando entendimentos e intervenções que deixam à mostra a intenção de promover, antes
de tudo, a modificação do comportamento do outro por meio de técnicas de grupo, que poderiam, no limite,
ser responsáveis por “uma forte promoção narcísica” (LANCETTI, 1994, p. 87).

A instituição de grupos, nos quais se produz a individualização do grupo e a grupalização do sujeito,


teria como função “obturar a função desejante do indivíduo e oferecer um dos melhores exemplos do
que Guattari chamou de grupos submetidos” (LANCETTI, 1994, p. 87). Neles, a ideia de grupo, segundo
a crítica de Lancetti, está contaminada com o que seria o funcionalismo da Psicologia americana: ele
encontra nas psicoterapias de grupo a mesma preocupação com a “produção”, que pode ser verificada
nos trabalhos de Kurt Lewin, por exemplo. Todavia, também a Psicoterapia de Grupo via Psicanálise
estaria contaminada, segundo ele, por uma presença que viria a distorcer o real e a iludir o grupo quanto
à sua cura: a presença do engano (o imaginário) claramente identificado ao falso, à invenção, em franca
oposição à razão e, portanto, sem valor, senão como perturbador da realidade. Para Lancetti (1994), a
ilusão (o imaginário) é compreendida como um problema que precisa, de alguma forma, ser controlado
e extraído.
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Figura 14 – Terapias de grupo/terapia comunitária (Tenda Che Guevara FSM)

5.2.4 Dos grupos diagnósticos à Psicanálise: as críticas de Pontalis e Guattari

Produzidas durante a década de 1950 e o início dos anos 1960, as considerações de Pontalis (1972)
sobre a Psicoterapia de Grupo comportam referências importantes sobre a questão do contexto e da
história no entendimento dos grupos sociais. Percebendo nas práticas clínicas em grupo distorções
tanto de ordem ideológica quanto técnica, ele discute o que entende ser uma leitura equivocada dos
textos freudianos sobre grupos. Para Pontalis, o que assegura a existência de um grupo humano é sua
função institucional, isto é, o seu lugar num universo simbólico. O pequeno grupo deve ser pensado
não como absolutamente independente, mas sempre como inserido no contexto social. As práticas
de intervenção sobre os grupos, dentre as quais ele destaca o psicodrama de Moreno, pretenderiam,
equivocadamente, reduzir as barreiras imaginárias que bloqueiam, retardam e perturbam um processo
natural, resolvendo, assim, problemas de comunicação entre os indivíduos. Nesse caso estariam todas
as práticas em Psicoterapia de Grupo que compreenderiam sua não contextualização, tomando o grupo
como unidade completa e independente do social, sem referência exterior. Estão aqui também a corrente
psicossociológica, que pretenderia o ajuste dos comportamentos por meio de práticas grupais, e também
as práticas inspiradas numa visão biologizante de grupo, que faz dele, em qualquer circunstância, uma
unidade em desenvolvimento, em que não cabem o caos e o imponderável associados ao imaginário.

Segundo Pontalis (1972), desde o grupo diagnóstico ou terapêutico (T‑group), inventado em 1947
nos EUA por discípulos de Kurt Lewin, os grupos são necessariamente artificiais. O T‑group seria um
grupo sem passado e sem futuro, que comporta uma realidade falseada, em que se amplificam situações
que, na realidade, não teriam a mesma intensidade. A partir daí, a história das intenções e práticas
comportadas nos trabalhos com grupos inicia‑se pelo interesse numa Pedagogia comunicativa (é
preciso que haja comunicação no grupo), passando pela ênfase no autoconhecimento do próprio grupo,
de como ele “funciona”, até bastar‑se como espaço para a experiência, sem nenhuma outra finalidade.
Nessa história, os grupos não têm mais modelos normativos, nos quais se trate do seu desenvolvimento.
Quando essa concepção ainda pode ser percebida, isto é, quando o grupo é entendido como em
desenvolvimento, tal qual um organismo, isso se dá como tentativa de isolar os significados possíveis
da experiência grupal, e a Psicoterapia de Grupo continua descaracterizada quanto à sua possibilidade
de intervenção social – e clínica. Portanto, a técnica, qualquer que seja (lewiniana, psicodramática,
psicossociológica, sociométrica), seria, para Pontalis (1972), comandada pela ideologia e, assim, as
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supostas diferenças entre as várias tendências quanto a seu aparato “técnico” seriam, de fato, mínimas,
acentuadas apenas pelos diferentes vocabulários que adeptos de umas e outras utilizam. Por meio
dessas técnicas, o indivíduo na Psicoterapia de Grupo será tratado, de uma forma ou de outra, como
subgrupo que precisa ser integrado à sociedade e à realidade, uma forma de adaptação ao contexto e
de negação das dimensões imaginárias nas quais está inserido.

Num texto posterior, Pontalis (1972) encontrará no início da década de 1960 a Psicoterapia de
Grupo sendo exercida mais frequentemente como Psicanálise Aplicada. As práticas com grupos, assim
como a Psicanálise, estão na moda e são apresentadas ora como instrumento de formação, ora como
ferramenta terapêutica. Assinalando sua dúvida quanto à pertinência da separação entre terapia e
formação na prática de grupos, Pontalis identifica, nessa mesma linha, a precariedade, muitas vezes, em
definir os objetivos de um trabalho de grupo, descritos sem parcimônia como a tentativa de sensibilizar
os participantes para os “fenômenos de grupo” (PONTALIS, 1972). O autor reconhece, em relação aos
estudos de grupo, que continuaria havendo uma diversidade quanto às influências (Lewin, Moreno),
quanto às técnicas (experimentalista, observação clínica) e quanto aos modelos (matemático, organicista,
psicanalítico), mas indica que essas práticas teriam sofrido um “banho” de Psicanálise que, ao mesmo
tempo que as teria habilitado como transformadoras e retirado seu ranço ideológico, diluiu ainda mais
os conteúdos teóricos que as caracterizariam, tornando‑as menos rigorosas e ainda mais semelhantes.
Nesse cenário, aqueles que antes eram críticos dos trabalhos de grupo como “engenharia humana”
teriam reconhecido, depois, possibilidades de intervenções grupais transformadoras, revolucionárias.
As técnicas de grupo deixariam de ser necessariamente ideológicas, podendo ter outro “uso”. Seja
como for, a ideia de grupo nessas práticas psicoterapêuticas, tanto antes quanto nesse ponto, continua
sendo, fundamentalmente, subsidiária de uma prática, de uma ferramenta, ainda que alcançando uma
dimensão social que inicialmente parecia desnecessária. A contribuição da Psicanálise para a Teoria dos
Grupos, segundo Pontalis (1972), está inicialmente nas tentativas de encontrar, nos grupos, similares das
instâncias da personalidade da segunda tópica freudiana (ego, superego, ideal do ego).

Será com Bion, entretanto, que a Psicanálise virá a oferecer uma nova dimensão para a Psicoterapia
de Grupo, com as diferenças entre os grupos de base e os grupos de trabalho, bem como o conceito de
hipótese de base. Enquanto os grupos de trabalho são aqueles organizados para uma tarefa, os grupos de
base caracterizam‑se por não estarem presos a normas de funcionamento, mas a circunstâncias, como o
horário da sessão de psicoterapia. Esses grupos não têm tarefa, ou ela é (re)definida permanentemente pela
sua história. Já as hipóteses de base seriam responsáveis por organizar o grupo, orientando, por exemplo, a
escolha de um líder, por meio de critérios de dependência (de um líder), de duplicação (esperança messiânica
no fim das dificuldades do grupo) ou de ataque e fuga (como estratégia de manutenção), e fundamentam‑se
nas teorias de Melanie Klein sobre os mecanismos de defesa infantis. De acordo com Bion, citado por Pontalis
(1972), o grupo seria um agregado de indivíduos, e mais, possuiria um fantasma, isto é:

[...] uma realidade estruturada, que age, capaz de informar não apenas imagens e sonhos, mas todo
o campo do comportamento humano (p. 218).

É isso que o grupo provoca nos indivíduos, o efeito desse fantasma. Quando o indivíduo se vê face
a face com um grupo, isso lhe provoca efeitos fantasmáticos, quanto a se o grupo é um “bom” objeto –
com o qual pode aliar‑se, sumir nele como indivíduo – ou um “mau” objeto –, um grupo persecutório,
52
PSICOLOGIA SOCIAL

que o ameaça de destruição. Nos dois casos, está em jogo a morte do indivíduo, prevalecendo o grupo.
Nessa perspectiva bioniana, Pontalis reconhece, se não efetivamente uma novidade nos estudos sobre
grupos, ao menos um retorno a questões já formuladas pela Psicanálise a respeito disso e que resgatam
a importância, inclusive clínica, do imaginário no entendimento dos grupos:

Não basta mostrar os processos inconscientes que operam no seio do grupo,


por mais sabedoria que se possa provar: enquanto se colocar fora do campo
da análise a própria imagem do grupo, com as fantasias e os valores que
ela carrega em si, na realidade se evitará qualquer pergunta sobre a função
inconsciente do grupo (PONTALIS, 1972, p. 222).

Observação

Melanie Klein, psicanalista inglesa do século XX, seguidora de Freud, é


responsável por uma leitura muito original e provocadora da obra freudiana.

Apesar da importância dada a Bion por Pontalis (1972) no que diz respeito às ideias sobre grupos
contidas no âmbito das psicoterapias grupais, é com Guattari (2005) que vem tomar corpo aqui, mais
efetivamente, também por meio da Psicanálise, uma dimensão crítica e transformadora. Tratando de um
determinado tipo de grupo, o “grupo‑sujeito”, Guattari afirma que eles:

[...] se definem por coeficientes de transversalidade que conjuram as


totalidades e hierarquias; são agentes de enunciação, suportes do desejo,
elementos de criação institucional; por meio de sua prática não deixam de
se confrontar com o limite de seu próprio sentido, de sua própria morte ou
ruptura (GUATTARI, 2005, p. 14).

Assim, o grupo‑sujeito deveria atuar como uma “máquina de guerra”, uma “máquina de desejo”,
sem pretensão de ser vanguarda ou de hegemonia, “senão como simples suporte que permita a
transferência e a desaparição das inibições” (GUATTARI, 2005, p. 17). Desse modo, Gilles Deleuze faz a
apresentação de uma das ideias ou funções de grupo que Guattari (2005) conceitua para tratar de um
grande problema, como já o havia definido Pontalis (1972): a oposição – ou composição – do grupo
como realidade social e do grupo como “subjetividade”, tendo a Psicanálise como pano de fundo. Nessa
tentativa, Guattari (2005) visa dar sustentação a um projeto político e revolucionário de intervenção
social, que toma os grupos como capazes de movimentos de transformação, desde que se leve em
conta não só seus aspectos históricos, como pretenderia uma concepção marxista, mas também os
aspectos imaginários dos grupos (o “fantasma” do grupo), razão pela qual foi violentamente criticado
pelas instituições de esquerda francesas na década de 1960.

Nas duas modalidades de grupo propostas por esse autor (o grupo‑sujeito e o grupo‑objeto),
localiza‑se um quantum de imaginário, que está ora “sob controle”, como nos grupos‑sujeito, ora
inundando o grupo, como nos grupos‑objeto. O imaginário, antes de ser uma marca permanente do
grupo, apresenta‑se para ele como uma função que não pode ser excluída da experiência grupal, e assim
53
Unidade II

deve ser interpretado. Se não o for, mesmo os grupos ditos revolucionários tenderão a grupos‑objeto, isto
é, completamente “imaginarizados”. Esses grupos “dominados” pelo imaginário ficariam, assim, distantes
de seu objetivo transformador, e se verificaria neles o crescimento da burocracia em detrimento da
sua criatividade social. Somente os grupos‑sujeito, ou a atuação dessa função no grupo, escapando à
burocracia, seriam capazes de induzir movimento.

Discutindo seu próprio histórico de relacionamentos e suas implicações com uma grande variedade de
grupos, como estudantes, políticos, universitários, acadêmicos e, especialmente, grupos revolucionários,
Guattari (2005) procura definir mais precisamente as duas funções que explicariam os movimentos gerais
dos grupos. Citando Freud, ele afirma que existe uma série contínua entre o estado amoroso, a hipnose e
a formação coletiva – lá onde estaria a alienação – e que o neurótico acaba por substituir suas formações
sintomáticas pelas grandes formações coletivas (as instituições da humanidade), criando seu próprio
mundo imaginário. Da mesma forma, Guattari (2005) acabaria por encontrar algo equivalente também
nos indivíduos que pertencem a grupos sociais, mesmo os tidos como revolucionários, como partidos
de esquerda ou grupos de jovens, e que poria por terra a distinção fácil entre grupos “revolucionários” e
“não revolucionários” quanto sua potência de transformação social.

Figura 15 – Estamos preparados para a revolução?

Os grupos submetidos ou grupos‑objeto são aqueles que recebem dos outros suas determinações
e que não podem recuperar sua função desejante, porque passam a “desejar” a sobrevivência grupal,
operando não contraditoriamente. Por outro lado, os grupos‑sujeito propõem‑se a recuperar sua lei
interna, seu projeto, sua influência sobre os outros grupos, que encontrariam similar, em princípio,
nos grupos revolucionários (GUATTARI, 2005). Mesmo caracterizado assim, um grupo não seria,
definitivamente, grupo‑sujeito ou grupo‑objeto, e Guattari (2005, p. 192) acaba por indicar essas duas
maneiras de ser do grupo como funções:

Dizemos que o grupo‑sujeito se articula como uma linguagem e se articula


no conjunto do discurso histórico, enquanto o grupo‑objeto se estrutura
de um modo espacial, com uma forma de representação especificamente
imaginária que é o suporte do fantasma do grupo; mas, na realidade, se
trata mesmo de duas funções que inclusive podem aparecer conjuntamente.

54
PSICOLOGIA SOCIAL

Haveria, portanto, grupos‑sujeito, que se deixam embalar por seus fantasmas, e grupos‑objeto, nos
quais se apresentam momentos de subjetividade do grupo. Para que um grupo se confirme ou se mantenha
como grupo‑sujeito, é necessário que haja uma articulação entre a criatividade do grupo, sua expressão
organizativa e sua elaboração teórica. Além disso, com o grupo‑sujeito definido como não produtor de
burocracia, mas de movimento, a proposta desse conceito viria a opor‑se ao entendimento do que seriam
as instituições sociais, como organizações detentoras de formações imaginárias que comprometeriam
inapelavelmente esse movimento. Tais formações seriam comuns a todo e qualquer grupo social, desde
que os grupos não estão sujeitos apenas a injunções contratuais (racionais), mas responderiam também
a “forças” subjetivas, caóticas, imponderáveis, irracionais, inconscientes, que estariam a serviço da
manutenção da permanência reificada dos grupos e dos indivíduos (GUATTARI, 2005).

Desde que grupo‑objeto e grupo‑sujeito possam ser pensados como funções, Guattari (2005) sugere
que o imaginário nos grupos poderia ser suplantado por meio da instituição de um analisador, o que
faria surgir o grupo‑sujeito como “campo de leitura dos fenômenos inconscientes”, provocando uma
mudança no fantasma do grupo. Tal mudança pode ser efetivada, já que, para para o autor, o fantasma
não seria único, definitivo, nem se apresentaria como marca da essência de um grupo. Pode ocorrer que
o fantasma originado em um indivíduo ou em um grupo particular venha a servir circunstancialmente
de suporte à “fantasmatização” do grupo, da mesma forma que os individuais também serão função
de certo fantasma coletivo. É justamente o caráter circunstancial do fantasma de grupo, diferente do
fantasma individual, que pode abrir caminho para a transformação do grupo, catalisada pela função
“grupo‑sujeito”.

Os grupos oscilariam, dessa forma, entre dois tipos de fantasmas, de acordo com a quantidade
de imaginário que eles comportem: de um lado, os fantasmas de base, dos grupos submetidos, mais
fundamentais, institucionais, que dependem do caráter de submissão do grupo (os aspectos imaginários
na igreja, no casamento, no partido político, por exemplo); de outro, os fantasmas transicionais,
associados aos grupos‑sujeito, capazes de mudanças, ligados ao processo interno de subjetivação que
corresponde às diferentes transformações do grupo, como a teoria num partido revolucionário.

Para Guattari (2005), as intervenções institucionais devem levar em conta estes aspectos dos grupos:
funções e fantasmas. Um grupo que tenha as funções imaginárias “funcionando bem” é aquele no qual as
pessoas sentem‑se “em casa”. Ali, o fantasma do grupo é transicional. Nos grupos que não estão “lutando”
por sua permanência, há possibilidade de avanço. Nos outros, o sujeito paga com a paralisia a oferta
de manter‑se “vivo”. O autor oferece como exemplo destes últimos um grupo político‑revolucionário no
qual a burocracia supera seu objetivo transformador: ainda que buscando a transformação, esse grupo
revolucionário não se apresenta como parte do jogo, isto é, como inserido num espaço de mudança
permanente de seus lugares e funções sociais, de sua identidade. A função imaginária nos grupos‑objeto,
presente num certo fantasma de grupo, compele os indivíduos a procurar esconjurar a morte. Associados
num “sentimento de eternidade” (2005, p. 198), isso implicaria, no entanto, e paradoxalmente, certo tipo de
morte no grupo, desde que permanece, mas nele não há movimento. O “efeito morte”, para Guattari, não
está alicerçado apenas na presença do imaginário no grupo: pelo contrário, se o imaginário “funcionasse
bem”, os indivíduos não se perceberiam num movimento em direção à fusão com o absoluto; ao contrário,
eles estariam abertos para o desejo, isto é, livres para ser. O “efeito morte” será, assim, determinado não
pelo imaginário, mas pela função que ele desempenha.
55
Unidade II

Lembrete

O conceito de imaginário, em Guattari (2005), guarda semelhanças


com aquele utilizado por Castoriadis (2007) proposto na confluência dos
estudos marxistas e da Psicanálise.

5.2.5 A Psicologia Social das categorias sociais

Depois da apresentação das concepções de grupo presentes em diferentes práticas na psicoterapia


e nas práticas institucionais fundamentadas na Psicanálise, tratamos aqui da discussão sobre grupos no
âmbito da Psicologia Social europeia. Nesse caso, o debate sobre o imaginário e a linguagem nas ideias
sobre grupos tem uma história bastante recente.

Reconhecida como tradição e campo de pesquisa científica a partir do final da Segunda Grande
Guerra, a Psicologia Social europeia constitui‑se influenciada pela Sociologia de Durkheim e em
oposição à hegemonia da Psicologia Social americana, situando suas preocupações nos grandes grupos
sociais e em sua dinâmica (FARR, 2006). Nesse sentido, ao lado dos esforços para sistematizar métodos
e procedimentos de pesquisa, os psicólogos sociais europeus irão dar especial importância à história e
ao contexto, isto é, ao tempo, no desenvolvimento de seus trabalhos. Estarão marcados pela presença
de discussões ideológicas, por teorias que garantem a prevalência do social, como o marxismo, e pelos
processos que explicam os relacionamentos intergrupos, como a categorização social, base para se
pensar a instituição e o pertencimento a grupos.

Os pesquisadores alinhados a essa tradição europeia serão profundamente influenciados por questões
sobre o comportamento e a dinâmica dos grupos sociais deixadas na esteira da Segunda Grande Guerra. A
importância oferecida aos contextos social e político no Pós‑Guerra é um indicativo dos parâmetros que
viriam a orientar os pesquisadores na tentativa de explicar, entre outros, o comportamento intergrupos,
seja na preparação para a guerra, seja durante o seu desenrolar. Os grupos‑alvo dessas pesquisas serão
predominantemente aqueles das categorias sociais, isto é, grupos caracterizados como sem estrutura
e sem leis de funcionamento predefinidas, com objetivos circunstanciais, que têm membros cuja
relação não será necessariamente face a face. Nessa tradição, encontram‑se os estudos sobre grupos
desenvolvidos pelas escolas de Bristol e de Genebra, assim como os trabalhos realizados a partir da
Teoria das Representações Sociais de Serge Moscovici.

Nas considerações de Amâncio (2004) sobre a Escola de Bristol, situada na tradição de uma Psicologia
Social de orientação sociológica, encontramos uma apresentação crítica dos trabalhos de Tajfel e
Turner, seus principais representantes. Esses autores, ainda que vinculados a uma tradição sociológica
de pesquisa, apresentariam os grupos sociais como estando a serviço de determinantes psicológicos,
mais especificamente, da constituição e da manutenção de uma identidade controlada por processos
cognitivos individuais, como motivações, reforçando a ideia do grupo como coadjuvante do self positivo
e esvaziando sua dimensão solidária.

56
PSICOLOGIA SOCIAL

Estudando o que determina a discriminação intergrupos, Tajfel e Turner opõem‑se às explicações


que extrapolam o nível do individual e do interindividual para o das relações intergrupos, mais
especificamente à atribuição do conflito como determinante da discriminação entre grupos sociais. O
ponto de partida em Tajfel é o de que a percepção do que está à nossa volta não é uma ação puramente
mecânica, mas comporta uma dimensão valorativa, na qual a categorização se apresenta como processo
cognitivo fundamental e universal (apud AMÂNCIO, 2004).

Nas experiências com grupos mínimos, paradigma experimental dessa concepção, verifica‑se, numa
situação socialmente vazia, o favorecimento do grupo ao qual se pertence, em detrimento do grupo dos
outros, com a categorização como condição mínima para a emergência da discriminação intergrupos.
Nessa perspectiva, em que o autofavorecimento dos grupos orienta‑se pela busca dos indivíduos por
uma identidade social positiva, Amâncio (2004) indica que:

[...] os processos intergrupais de categorização e comparação sociais passam


a ser regulados por uma motivação e o próprio grupo de pertença torna‑se
uma entidade temporária e arbitrária, que serve de mero substituto funcional
à satisfação de um self positivamente distintivo (AMÂNCIO, 2004, p. 296).

Para a autora, se Tajfel situa a identidade num continuum entre o interpessoal e o interindividual, e
Turner transforma o conflito interpessoal‑intergupo numa oposição entre o self e o grupo, entre uma
identidade pessoal e uma identidade social, isso leva a uma ideia de grupo “como um simples meio de
satisfação da necessidade psicológica de uma distintividade social positiva” (AMÂNCIO, 2004, p. 298).

Apresentando os trabalhos desenvolvidos por pesquisadores vinculados à Escola de Genebra,


representados por Doise, e que também fazem parte da tradição europeia de Psicologia Social, Amâncio
(2004) afirma que eles preservarão conceitos como a ideia de categorização social e o paradigma do
grupo mínimo, mas que os resultados dessa abordagem, ainda que integrando elementos da Escola de
Bristol, afrontam princípios defendidos por Tajfel e Turner, como o da causalidade psicológica universal.
Segundo a autora, para os pesquisadores de Genebra:

[...] a dicotomia entre identidade pessoal diferenciada e identidade social


homogeneizante torna‑se inaceitável, tanto teórica como empiricamente,
visto que o comportamento do indivíduo, no interior do grupo e em relação
ao grupo comparativamente relevante, não é universalmente orientado por
uma motivação, mas sim por referências a normas e valores coletivos que
a categorização intergrupos torna significantes (AMÂNCIO, 2004, p. 303).

O processo de discriminação intergrupos que vai constituir as identidades sociais seria, assim, função
dos elementos simbólicos que se situam na trama social, afastando essa concepção de grupos das
explicações psicológicas e a localizando como francamente social.

Propondo a ideia de uma diferenciação categorial, os autores da Escola de Genebra defendem


que, no processo psicológico de estruturação do meio, os conteúdos das categorias não podem ser
desligados dos seus critérios classificatórios e que tais critérios dependem fundamentalmente das
57
Unidade II

relações intergrupos. Aqui, o ponto de partida está em estudos sobre conflitos nas décadas de 1950 e
1960, cuja evolução entre os grupos é acompanhada por uma evolução nas imagens que cada grupo
tem de si e do outro (AMÂNCIO, 2004). Doise irá complementar essas constatações incluindo a discussão
sobre a dinâmica das representações dos grupos e afirmando que tais representações operam funções
sociocognitivas que orientariam as interações entre os grupos: pela função seletiva, a diferenciação
categorial dar‑se‑ia tendo o contexto como mediador; a partir da função justificativa, os conteúdos
das representações que veiculariam uma imagem do outro grupo seriam justificados pelas posições
de cada grupo no contexto da interação; a função antecipatória orientaria o desenvolvimento da
relação entre os grupos. Assim, os trabalhos de Doise, em especial, observam uma maior interação
entre o grupo e os indivíduos que o constituem, assim como entre as realidades simbólicas dos grupos
e suas representações, num processo de constituição de identidades e diferenças sociais no qual os
grupos se constroem, afetam os comportamentos dos indivíduos, e estes, por sua vez, interagem e
corroboram a realidade dos grupos.

5.3 A Teoria das Representações Sociais (TRS) de Serge Moscovici

5.3.1 O pensamento do senso comum: os grupos pensam?

Na tradição da Psicologia Social europeia e buscando caracterizar o que seria efetivamente uma
dimensão sociocognitiva (os grupos pensam?), o francês Serge Moscovici irá propor, a partir da década
de 1960, a Teoria das Representações Sociais (TRS). Para iniciar a apresentação dessa teoria, vale aqui
uma pergunta: quais as relações entre o pensamento científico e o senso comum?

Na tentativa de buscar uma resposta para essa questão num contexto de grande debate sobre
a relevância do pensamento científico no Pós‑Guerra e de como esse pensamento era assimilado e
transformado pelas “pessoas comuns”, Moscovici (1986) propõe o conceito de representações sociais,
apresentado pela primeira vez no trabalho As Representações Sociais da Psicanálise, em 1961.

Moscovici tem como ponto de partida a ideia de representações coletivas, antes proposta pelo
sociólogo francês Émile Durkheim. É um dos fundadores da Sociologia como ciência, para quem as
representações coletivas são instituídas na origem da sociedade humana e têm status ontológico, isto é,
não se constituem como uma média das representações individuais, mas são formadas por um caráter
universal e necessário, apoiadas na natureza (social).

Na tradição de uma ciência sustentada pela razão e que busca na sociedade seu caráter positivo,
verificável, concreto, Durkheim trata das representações coletivas como uma forma de conhecimento,
próprio da sociedade, que é concebida como um “ser” que pensa: as representações coletivas
“correspondem à maneira pela qual esse ser especial, que é a sociedade, pensa as coisas de sua própria
experiência” (DURKHEIM, 1989, p. 513).

58
PSICOLOGIA SOCIAL

Figura 16 – Émile Durkheim (1858‑1917)

O conceito de representação coletiva procurava dar conta de determinados conhecimentos inerentes


à sociedade, como a religião, os mitos ou a ciência. Entre eles, Durkheim destacou a religião como
origem de todas as formas de conhecimento. No estudo da religião de povos “primitivos”, ele identificou
formas elementares que estariam presentes também em religiões mais elaboradas (SÁ, 1994).

A ideia original de Durkheim, que irá sustentar a proposta de um objeto próprio para a Sociologia,
“um pensamento social”, contraria o senso comum e a concepção do pensamento como atributo
do indivíduo e abre a porta para considerar‑se sociedade (e grupos) como entes para os quais cabe
reconhecer e, então, estudar os processos que sustentam as representações.

Moscovici, apoiado nesse debate, subverte, no entanto, a concepção durkheimiana e indica que
a representação dos objetos e das teorias sobre os quais as sociedades humanas têm interesse são
reconstruídos por essas sociedades num processo contínuo apoiado, fundamentalmente, nas relações
entre as pessoas e os grupos sociais.

Essa concepção de Moscovici pode ser contemporaneamente associada a outras preocupações e


movimentos do pensamento nas Ciências Sociais, como sugere Arruda (2002, p. 10), ao falar das relações
da Psicologia com outras áreas do saber:

Estamos numa era de reforma do pensamento que desvela a complexidade


do objeto da Psicologia e a ingênua veleidade de acreditar que podemos, a
partir de uma única área de saber, dar conta dele. Isso projeta a Psicologia
no território da interdisciplinaridade.

Para a autora, seguindo o pensamento desenhado por Boaventura de Souza Santos (2010), vivemos
um cenário em que se apresentam diferentes rupturas epistemológicas, isto é, movimentos que desafiam
a hegemonia do valor dos conhecimentos já estabelecidos. A primeira dessas rupturas seria a do senso
comum para a ciência, quando esta se constitui como campo hegemônico do saber. A segunda, da qual
59
Unidade II

estamos mais próximos no tempo, subverte e transforma esse entendimento, quando da passagem da
ciência para o senso comum; mas um senso comum já transformado pela presença do pensamento
científico e capaz de desafiar a hegemonia daquele pensamento.

Os interesses de Moscovici (2003) na construção da Teoria das Representações Sociais apresentam‑se


nessa convergência; mas, indo além, ele pretende constituir teórica e metodologicamente um campo
de trabalho em que se possa recuperar não apenas a importância do senso comum, mas a do grupo (e
do humano). Sinteticamente, a TRS apresenta uma concepção que pretende atender a um problema
crônico nas Ciências Sociais: a relação entre o pensamento científico e aquele que se refere ao senso
comum, o pensamento do grupo, propondo, nesse sentido, outro problema: os grupos pensam?

A resposta a essa pergunta não é simples, porque propõe a superação de um entendimento


bem‑estabelecido: o pensamento, para todos os efeitos, é um fenômeno individual. Como falar de um
grupo que pensa? Como entender algo como uma cognição social? Moscovici (2003) vai, assim, construir
uma teoria que pretende instituir uma maneira diferenciada de conceber a realidade dos grupos, o seu
pensamento e, como decorrência, o comportamento e o devir dos grupos humanos.

Deparando‑se com o que ele entendia ser um fenômeno, antes de ser um conceito, a representação social,
Moscovici evita sistematicamente definir, na sua obra, as representações sociais, sucumbindo a esse esforço
em poucos momentos. Numa das poucas vezes em que sugere uma definição, ele se refere às representações
sociais como “uma rede de conceitos e imagens arranjados juntos de diferentes maneiras de acordo com as
interconexões entre as pessoas e os meios que servem para estabelecer comunicação, cujos conteúdos se
diferenciam continuamente através do tempo e do espaço” (MOSCOVICI, 1988, p. 222).

Já Denise Jodelet (2001), psicóloga francesa do mesmo grupo de Moscovici, tentou materializar
minimamente esse conceito e compreende uma representação social como:

[...] uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada com um


objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a
um conjunto social. Igualmente designada como saber de senso comum ou ainda
saber ingênuo, natural, esta forma de conhecimento é diferenciada, entre outras,
do conhecimento científico (p. 22).

Na passagem das teorias científicas para o senso comum, num processo mediado pelo diálogo entre
os indivíduos, a Teoria das Representações Sociais redescobre nos grupos sociais uma explicação para o
mundo que orienta o comportamento dos indivíduos no grupo.

Considerando as representações sociais uma teoria do senso comum, e não uma teoria científica,
como uma versão do senso comum, isso não lhes confere, no entanto, o status de pensamento
primitivo ou menor. Ao contrário, a representação social apresenta‑se como uma categoria especial de
conhecimento, variando de acordo com onde, quando e quem se serve dela. Sua presença e função podem
ser verificadas no cotidiano de todos nós e não implicam uma apreensão “deficiente” da realidade, mas
um entendimento socialmente determinado pelas relações humanas e que organiza nossa compreensão
e ação no mundo.
60
PSICOLOGIA SOCIAL

5.3.2 Objetivação e ancoragem

Moscovici irá considerar que o processo de elaboração de uma representação social, que ele caracteriza como
do âmbito da cognição social, pode ser compreendido em razão de dois momentos: a objetivação e a ancoragem.

A objetivação é o processo pelo qual se tenta reabsorver um excesso de significações, materializando‑as.


A quantidade de significantes e indícios que um determinado grupo utiliza pode tornar‑se de tal maneira
abundante que os sujeitos, diante dessa situação, procuram combatê‑la tentando ligar palavras a coisas.
Aqui, Moscovici entende estar a dimensão imagética da representação social, que tem importância
direta no seu processo de disseminação.

É possível reconhecer esse movimento, por exemplo, ao se falar da representação social da Psicanálise.
Ainda que se trate de campo complexo e suponha uma difícil assimilação, não podemos deixar de
lembrar a figura de Freud, das práticas psicoterapêuticas e do sofrimento mental, cada vez que nos
depararmos com um simples divã.

Figura 17 – Um divã pode compor a representação social da Psicanálise

A ancoragem é o outro lado da moeda em relação à objetivação. Ajusta o objeto representado à realidade
da qual este foi sacado, promovendo a constituição de uma rede de significações em torno dele e orientando
as conexões entre ele e o meio social. Assim, o objeto, via representação social, passa a ser um instrumento
auxiliar para a interpretação da realidade. Nesse contexto, pode‑se verificar a dimensão conceitual e
linguageira da representação social. Para não irmos muito longe, podemos recorrer novamente à Psicanálise
como exemplo. É possível verificar o processo de ancoragem na associação que podemos fazer entre a prática
religiosa católica da confissão e a Psicanálise: ambas ocorrendo num espaço reservado, com garantia de
sigilo, possibilidade de se tratar de questões íntimas que o sujeito não traria para o espaço público. A prática
psicanalítica como conceito viria ancorar‑se, assim, no conceito já conhecido de confissão.

Exemplo de aplicação

Considere outro exemplo do processo de disseminação das representações sociais na sua dimensão
imagética: qual famosa marca de refrigerantes pode ser reconhecida pelo formato inconfundível de
suas garrafas?

61
Unidade II

5.3.3 Teoria das Representações Sociais e grupos

De acordo com Moscovici, as representações sociais são função dos grupos, de sua experiência
e daquilo que os identifica, sua identidade. Assim, pode‑se considerar que variam de acordo com
determinado grupo. Isso é de tal forma importante que seria possível reconhecer a pertença (a relação
com o grupo) por meio do estudo das representações sociais. Universitários versus operários, mulheres
versus homens, cada categoria social apresentaria singularidades em relação às suas representações
sociais de um determinado objeto/teoria.

Apesar dessa associação, Moscovici e outros estudiosos da TRS têm recolhido exemplos de como,
em um mesmo grupo, podem conviver diferentes representações sociais, o que foi chamado de polifasia
cognitiva (MOSCOVICI, 1986).

Nos estudos sobre a representação social da Psicanálise, Moscovici entendeu que havia evidências
quanto a diferentes representações que coexistiam tanto em um mesmo indivíduo quanto em um mesmo
grupo social, dependendo do contexto em que são produzidas e dos objetivos a que estão subordinadas.
Conforme as condições nas quais as representações são evocadas, elas podem diferir e deixar transparecer
diferentes racionalidades e sistemas para explicar a realidade. Dessa forma, as pessoas lançam mão de
um ou outro desses saberes, dependendo das circunstâncias e dos interesses particulares que sustentam
em um dado lugar e tempo. De acordo com Jodelet (2001), Moscovici propõe esse entendimento no
contexto de debates ligados à diversidade do saber e da sua sobreposição, exigindo uma explicação que
desse conta da convivência, no cotidiano, de diferentes abordagens do conhecimento, que vão da ciência
a outras formas embebidas em outras racionalidades, como as crenças, as representações sociais etc.

Alguns exemplos sobre as representações sociais podem ajudar a entender a valoração das experiências
sociais e étnicas, de como o conhecimento é função da história e das circunstâncias concretas que
levam os diferentes grupos sociais a instituírem representações sociais e a elas recorrerem.

O primeiro, apresentado pelo próprio Moscovici (1986), afirma que a população de origem espanhola
do sudoeste dos Estados Unidos possui quatro registros diferentes para classificar e interpretar as
doenças: a sabedoria popular medieval do sofrimento físico, a cultura das tribos ameríndias, a medicina
popular inglesa nas zonas urbanas e rurais, e, finalmente, a ciência médica. Tendo em vista a gravidade
da doença e a situação econômica do grupo, eles recorrem a um ou outro desses registros para procurar
a cura.

Outro exemplo pode ser encontrado no estudo sobre populações de origem chinesa na Inglaterra
e suas diferentes formas de cuidar da saúde, especialmente entre os adultos jovens. De acordo com
Gervais e Jovchelovitch (1998), pode‑se constatar o uso de duas representações diferentes: a da
medicina tradicional chinesa (MTC) e a da medicina ocidental. De acordo com o tipo de problema e a
sua gravidade, os indivíduos buscam uma ou outra. Não fossem apenas as grandes diferenças entre
os princípios e os métodos de cada uma dessas práticas, o que chamou a atenção da pesquisadora
aqui foi a aparente contradição (o reconhecimento de uma prática deveria invalidar a outra), que é
tomada pelo grupo com “naturalidade”: afinal, trata‑se de um uso que pretende ser, sempre, o melhor
para resolver a questão de saúde.
62
PSICOLOGIA SOCIAL

No que diz respeito à relação com os grupos, vale reiterar ainda outros aspectos das representações
sociais,l um deles a linguagem. As representações sociais são definidas no contexto das relações, são
entidades dinâmicas, mudando de acordo com o contexto social em que se apresentam. São relativas,
assim, ao grupo que delas se apropria e, mais ainda, são função também da linguagem desse grupo, e,
ainda, de como esse grupo usa a linguagem.

Outro aspecto diz respeito às relações entre as representações sociais e o comportamento do grupo.
Segundo Moscovici (1986), a representação social é compreendida também como comportando a
preparação para a ação, isto é, não tem apenas status de constructo, mas é um “instrumento” nas
inter‑relações cotidianas. O comportamento de um indivíduo ou grupo poderá ser assim entendido
como referente ao universo de representações sociais que os caracteriza, e o estudo de uma certa
representação social refere esse universo em relação ao qual o grupo se orienta. Assim, para investigar
as condições grupais das representações sociais, é necessário observar as questões da história e do
jogo dessas representações. Seguindo o sugerido por Jodelet (1989) e Spink (1993), é especialmente
importante o entendimento não apenas dos conteúdos, mas também dos processos sociais envolvidos
nas representações, integrando essas duas dimensões e apelando para a história de sua produção como
fonte de conhecimento. Uma chave para dar conta dessa preocupação é tomar como referência, para
organização e categorização do contexto, conceitos como tempo longo (o imaginário social), tempo
curto (a situação interacional) e tempo vivido (as disposições adquiridas em virtude da filiação a
determinados grupos sociais), indicados por Spink (1993) e que se prestam a localizar o lugar ocupado
por uma determinada representação social.

Dinâmica, organizadora, integradora, histórica, a representação social apresenta‑se e reproduz‑se


nas conversas do dia a dia, nas esquinas, nas praças e nos bares, instalando‑se de maneira que subverta
as normas e a rigidez habituais de aprendizagem. Integrando o que é desconhecido, a representação
social possibilita apontar a importância do senso comum nas ações dos indivíduos em suas realidades.

Ao terminar este tópico, vale destacar uma dimensão menos explorada nas discussões teóricas
sobre a TRS, mas muito importante quando se trata das práticas de investigação numa dimensão
crítica. Como modelos compartilhados nas relações cotidianas, as representações sociais participam
na definição das identidades pessoais e sociais. Sob esse viés crítico, compreende‑se que identidades
e representações sociais estão sujeitas às condições de dominação e controle social, à influência da
ideologia, e não podem ser entendidas como construídas em ambientes neutros e alheias a esses
determinantes. Dessa forma, as representações sociais podem ser consideradas como ideológicas e
potentes para cristalizar relações concretas de dominação (OLIVEIRA; WERBA, 2002), especialmente
quando se trata da identidade.

Para tomar aqui um exemplo, Mattos e Ferreira (2004), ao tratarem das representações sociais que um
determinado grupo pode possuir sobre moradores de rua, discutem como essas representações podem
estar a serviço de instituir uma condição permanente, naturalizada. As representações sociais sobre as
pessoas em situação de rua podem estar a serviço de reforçar identidades que possuem intrinsecamente
um valor negativo; nesse caso, seriam consideradas ideológicas, pois materializam relações concretas
de dominação.

63
Unidade II

5.3.4 Teoria das Representações Sociais, imaginário e grupos

Discutindo as ideias sobre grupos presentes na Teoria das Representações Sociais, autores importantes
como Jorge Vala e Rom Harré irão afirmar que estas classificam os grupos como categoriais. A partir daí, os
autores apontam as consequências dessa caracterização para o estabelecimento da TRS como uma genuína
teoria dos grupos sociais e, mais ainda, para sua filiação à corrente sociológica de Psicologia Social. Em tais
considerações, abrem caminho para a introdução do imaginário nessa concepção de grupo social.

Numa apresentação crítica da TRS, Vala (2004) faz um levantamento das concepções de grupo que
perpassam pela Psicologia Social. Segundo o autor, fundamentados no processo de categorização, os
psicólogos sociais teriam produzido, como vimos antes, pelo menos duas maneiras relativamente distintas
de considerar um grupo. Na perspectiva cognitiva, como a de Tajfel e Turner, “um grupo só existe quando
os indivíduos integram na sua autodefinição a inclusão numa categoria de pessoas produzida pelo
processo de categorização” (VALA, 2004, p. 381). Já na perspectiva sociocognitiva de Doise, “um grupo
existe quando os indivíduos integram na sua autodefinição a pertença a uma categoria social, sendo que
esse processo é regulado pela interdependência dos grupos sociais” (VALA, 2004, p. 381). Para o autor, no
entanto, o processo de categorização social implicaria utilizar não só o que ele chama de categorias “reais”,
mas também aquelas decorrentes de certa história e contextos simbólicos, resultado do entrecruzamento
das linguagens cotidiana, econômica, religiosa, administrativa e jornalística. Desse modo, a construção de
representações sociais no âmbito do grupo seria um passo fundamental para o processo de categorização.

Os indivíduos constroem representações sobre as estruturas sociais; estas, por sua vez, organizam a
instituição dessas representações sociais de forma que, no esforço para o estabelecimento dos limites
dos grupos, a pergunta “quem sou eu” englobe“o que significa ser membro desse grupo”. Isso quer dizer
que a constituição de uma identidade grupal é função do universo simbólico (e imaginário) no qual os
membros desse grupo estão imersos.

Em oposição a esse entendimento do grupo como uma categoria, autores que representam uma
Psicologia Social psicológica, como Horowitz, Rabbie, Deutsch e Sherif, indicariam, segundo Vala (2004,
p. 382), que “um grupo social deve ser considerado como uma totalidade dinâmica, caracterizada pela
interdependência entre os seus membros, enquanto uma categoria social corresponde apenas a uma
simples coleção de indivíduos que compartilham, pelo menos, um atributo comum”. Assim, só haveria
grupo quando houvesse interdependência e objetivos comuns, diferentemente do que se encontra numa
categoria social. Vala (2004), mediando essa disputa, sugere que, em vez de se pensar uma diferença
absoluta entre grupos e categorias, deve‑se considerar a organização social como um continuum, com
grupos pré‑estruturados (categorias) e grupos estruturados (os “grupos” propriamente ditos), sem
prejuízo de sua relevância teórica e metodológica.

Nas considerações desse autor, encontram‑se argumentos para preservar o grupo categorial e a
própria TRS no contexto de uma Psicologia Social sociológica; já Rom Harré irá colocar em xeque esse
entendimento. As críticas de Harré (1984) às noções de cognição e de social que perpassam pela TRS
estabelecem‑se a partir da distinção entre os grupos estruturados, aqueles cujas relações entre membros
implicam direitos, obrigações e cumprimento de certos papéis, e os grupos categoriais, chamados por ele
de taxonômicos, constituídos basicamente pelas similaridades entre seus componentes.
64
PSICOLOGIA SOCIAL

Esses grupos taxonômicos seriam entidades ideais, agregados, resultados de uma atitude classificatória
arbitrária, feita de acordo com interesses que podem ou não ser justificados cientificamente (HARRÉ,
1984). Entendendo que no âmbito das representações sociais predomina a noção de grupo taxonômico,
isso implicará, de acordo com Harré, uma compreensão do social como equivalente a um conjunto de
indivíduos similares, uma pluralidade distributiva, fazendo da representação social uma “representação
social distributiva”. Em última análise, a TRS, em vez de constituir‑se como produção exemplar de uma
Psicologia Social sociológica, viria a ser apenas mais uma versão “psicológica” de Psicologia Social,
reafirmando a ênfase no individualismo.

Quanto a um exemplo de como essa ênfase implica diferenças significativas, ele diz, apontando para
a diferença entre a importância dada aos problemas que tratam de regras e papéis sociais e aqueles
que tratam de cognição – em relação, por exemplo, à prerrogativa da racionalidade do cientista –,
que “comparando cientistas e pessoas comuns, nós não devemos perguntar como suas mentes são
individualmente diferentes, mas como as convenções sociais que orientam seus discursos explanatórios
e justificatórios diferem” (HARRÉ, 1984, p. 930).

Dessa forma, para Harré (1984), o caráter sociocognitivo das representações sociais
estaria prejudicado pelo recurso a conceitos que sobrevalorizariam os aspectos cognitivos
individuais. Concentrada na caracterização do grupo categorial, sua crítica aponta que esse
grupo seria apenas um conjunto de indivíduos semelhantes, em que o todo é virtualmente
igual à soma das partes, o que justificaria seu entendimento de uma ênfase “psicológica”
(os indivíduos semelhantes) e da importância menor dada ao contexto, desde que fosse
privilegiado o processamento individual de informações. Reforçando sua posição contra esse
modelo de mente concebida como um “processador”, Harré (1984) afirma a importância do
uso e do contexto em que se encontram as representações sociais, sugerindo que elas podem
ser inferidas nas práticas sociais sem serem formuladas em teorias, que elas podem estar
implícitas nos comportamentos das pessoas, que poderiam ser entendidos não como funções
individuais, mas sim como funções coletivas.

A crítica de Harré (1984) aponta para um descompasso entre a importância dada à dimensão
cognitiva nos grupos – afinal, estamos falando em representações – e aquela dada ao próprio grupo
como uma unidade que é mais do que a soma de suas partes. A dimensão categorial do grupo, desde
essas críticas, serviria de suporte para a ideia de a representação social poder ser tomada como função
no indivíduo, desbancando a história e a dinâmica da representação no interior do próprio grupo como
as principais determinantes de seu sentido.

A questão é que o grupo não é apenas a moldura de um cenário no qual a representação


social pode ser verificada; é o suporte vivo das representações que estão ali entranhadas.
Essa discussão sobre a dimensão categorial dos grupos pode nos auxiliar a compreender a
presença do imaginário na Teoria das Representações Sociais, mas não dá conta da questão da
linguagem aqui. Não se pode negar o reconhecimento do papel desempenhado pela linguagem
no campo das representações sociais. Apesar de Moscovici admitir que não tem sido dada
atenção suficiente à linguagem nesse campo, sua opinião em relação a ela é inequívoca,
quando se tem em conta as afirmações de que a linguagem é o método por meio do qual
65
Unidade II

entendemos e trocamos nossas maneiras de ver as coisas (MOSCOVICI, 1984) ou de que as


palavras fazem mais do que representar coisas: elas criam coisas (MOSCOVICI, 1986).

Ainda assim, essa linguagem em representação tem sido objeto de crítica constante (EDWARDS;
POTTER, 1992), porque aqui ela quase sempre é tomada como ferramenta representacional, isto é,
invariável, de sentido único, podendo este ser apreendido diretamente. Mesmo ocupando um lugar
de destaque na TRS – afinal, esta se constitui, também, por meio de relações entre falantes –, a
linguagem acaba por ser reduzida à sua dimensão positiva, na maioria das vezes não se observando
que a linguagem em ação não apenas representa, mas também institui sentidos.

Algumas das sugestões para tentar escapar dessa armadilha no âmbito dos estudos de grupos sociais
consistem na análise linguística do discurso por meio do estudo de repertórios interpretativos. Nesse
caso, críticos propõem que se abra mão da TRS, descartando, assim, problemas como o do consenso e o
da necessidade de uma teoria cognitiva. Para eles, estar‑se‑ia levando em conta não uma representação
como conceito “puro”, mas sim uma representação referenciada ao uso específico que dela se faz numa
determinada situação. O sentido dessa representação estaria ligado ao lugar ocupado por ela em relação
à função desempenhada por uma fala, de forma que se procurasse buscar na linguagem uma função
que não é a de apenas representar, mas, e principalmente, a de propiciar um campo em que o significado
se apresente como fruto de um jogo do qual os indivíduos participam usando a linguagem segundo as
possibilidades que ela oferece.

Essas propostas que apostam na análise de discurso como solução e que procuram discutir a
função da linguagem num determinado contexto não dão conta, no entanto, de questões importantes
ligadas à dimensão linguageira dos grupos sociais. Assim, a representação social, fundada na palavra,
requer que se identifique o jogo, a rede que sustenta certo discurso. Entretanto, em vez de sustentar
a representação social quase exclusivamente na linguagem e em seu uso, é necessário reconhecer
a presença do grupo ao qual se refere essa representação social, perceber em que jogo aquele
determinado grupo, que tem uma história, está implicado, e desvelar, enfim, onde se localizam os
jogadores e se desenvolve sua história.

Assim, apesar de encontrando fundamento em teorias não representacionais da linguagem


e apontando para a importância de se estudar a função da linguagem na representação social, as
propostas encabeçadas por Potter ainda não dão conta de uma dimensão dos estudos sobre grupos
que está atrelada ao tempo. Para comportar o sentido do contexto nos estudos sobre grupos, não basta
tratar da linguagem como jogo: é preciso localizar no grupo a presença do imaginário.

Exemplo de aplicação

O estudo de Moscovici sobre as representações sociais da Psicanálise foi o ponto de partida para o
desenvolvimento da teoria.

Tente identificar o uso “senso comum” que você faz dos conceitos psicanalíticos.

66
PSICOLOGIA SOCIAL

5.4 Identidade

5.4.1 Identidade‑metamorfose

Tendo apresentado a Teoria das Representações Sociais e sua ligação com a caracterização dos
grupos, podemos introduzir aqui o conceito de identidade social. A discussão sobre esse conceito
especialmente importante para a Psicologia Social vai requerer que você tente, antes tudo, responder a
algumas perguntas. Tente fazer isso espontaneamente, sem consultar nenhum texto. Primeira pergunta:
o que significa “ter” uma identidade? Pronto? Agora vamos à segunda pergunta: o que “é” sua identidade?
Consegue responder?

Não há dúvida de que, sem muito esforço, todos nós somos capazes de responder a essas perguntas,
e, mais ainda, ficaremos bastante satisfeitos com esses entendimentos. Afinal, todos sabemos o que é a
identidade. Ela está naquele documento que carregamos na carteira (associada a um número, inclusive),
confunde‑se/mistura‑se com outros conceitos psicológicos, como “personalidade”; enfim, conta para os
outros quem somos “de fato”.

Essa ideia de identidade, que provém do senso comum, contém o princípio da permanência, da
essência, de algo que pretendemos cultivar como próprio de quem somos: sempre os mesmos. Nesse caso,
a identidade é um objeto que podemos “ter”, que pode ser “nosso”. Ora, sob o entendimento proposto por
uma Psicologia Social crítica, essa concepção de permanência associada à existência de um sujeito será
duramente desafiada (CIAMPA, 1983). Numa perspectiva histórico‑social, como vimos, os sujeitos não
só são resultado daquilo que os antecedeu, das condições concretas, simbólico‑imaginárias, que vieram
se constituindo socialmente, mas são também, eles mesmos, sujeitos às mudanças e transformações que
se realizam a cada momento. Dessa forma, embora pareça assustador, pode‑se dizer que em vez de você
e eu sermos “alguém”, de fato, nós estamos sendo, isto é, estamos em constante transformação, numa
contínua metamorfose.

Vamos dar uma olhada na música de Raul Seixas, Metamorfose ambulante:

Metamorfose ambulante

Prefiro ser
Essa metamorfose ambulante
Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante

Do que ter aquela velha opinião


Formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo

Eu quero dizer
Agora, o oposto do que eu disse antes
67
Unidade II

Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo

Sobre o que é o amor


Sobre o que eu nem sei quem sou

Se hoje eu sou estrela


Amanhã já se apagou
Se hoje eu te odeio
Amanhã lhe tenho amor
Lhe tenho amor
Lhe tenho horror
Lhe faço amor
Eu sou um ator

É chato chegar
A um objetivo num instante
Eu quero viver
Nessa metamorfose ambulante

Do que ter aquela velha opinião


Formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo

Sobre o que é o amor


Sobre o que eu nem sei quem sou

Se hoje eu sou estrela


Amanhã já se apagou
Se hoje eu te odeio
Amanhã lhe tenho amor

Lhe tenho amor


Lhe tenho horror
Lhe faço amor
Eu sou um ator

Eu vou lhe desdizer


Aquilo tudo que eu lhe disse antes
68
PSICOLOGIA SOCIAL

Eu prefiro ser
Essa metamorfose ambulante
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo
Do que ter aquela velha opinião
Formada sobre tudo

Fonte: Seixas (1973).

A letra da canção, que você muito provavelmente já tenha escutado, refere de maneira poética esse
mesmo processo de transformação pelo qual passamos continuamente e revela, ainda, o preço que isso
nos cobra: mudamos de opinião, pensamos diferentememte sobre a vida e sobre as pessoas, mudamos
de amor. Se nossa identidade se caracteriza pela “metamorfose ambulante”, pela mudança permanente,
é preciso reconhecer que a própria palavra “identidade” não dá conta do que ela representa quando
significa “aquilo que é idêntico a si mesmo”.

Saiba mais

Ouça essa música em:

SEIXAS, R. Metamorfose ambulante. Intérprete: Raul Seixas. In: Krig‑ha,


Bandolo! Rio de Janeiro: Philips Records, 1973. LP. Faixa 3.
5.4.2 Identidade e ideologia

De acordo com Ciampa (1983), a ideia de identidade diz respeito a uma certa existência que
caracteriza cada um de nós e refere também um lugar social pela nossa vinculação a um determinado
grupo. Se dizemos que temos um nome, que somos de tal lugar ou filhos de alguém, isso nos oferece
uma identidade. Entretanto, também nos apresentamos, por exemplo, como profissionais, o que nos
confere certa posição no jogo social: compartilhamos (para o bem e para o mal) a identidade de nossos
colegas de profissão. O mesmo entendimento pode ser ligado à classe social (pobres e ricos), à raça
(brancos e negros) ou ao gênero (homem, mulher, homossexual, lésbica, transgênero).

Nessa perspectiva, a identidade corresponde a uma construção social e é, portanto, histórica.


Forjada nas relações entre os indivíduos e nos grupos, dependente dos outros, ela se faz e se refaz nas
relações, de tal modo que podemos dizer que somos nas relações e, assim, como sugere Ciampa (1983),
metamorfoses ambulantes.

5.4.3 Identidade e grupos

Buscando uma identidade, marcas que indiquem para os outros e para nós mesmos quem ou o que
somos, somos apropriados por referências sociais disponíveis no universo simbólico em que estamos
imersos e no qual estão os grupos, assim como nos apropriamos dessas referências. Na composição de
69
Unidade II

uma identidade que pede para ser permanente, esses grupos, referenciais identitários, parecem‑nos
estáveis, fora do tempo. Essa permanência é, de fato, aparente, desde que o grupo é produzido e
instituído nos relacionamentos entre indivíduos e entre grupos. A identidade que se presta a marcar
uma existência particular tem para nós a dimensão de uma coisa, de um bem, quando os grupos deixam
de carregar sua dimensão imaginária.

Resultado de circunstâncias históricas, econômicas, políticas e, em última instância, sociais, essa


identidade tende a ser algo que possuímos, por herança ou por esforço próprio, mas esforço de empresário,
não de autor. Como um bem, ela não mais se transforma, mas está sujeita à acumulação, como um capital.
Fora do tempo, ela se “moderniza”. Os grupos, nesse cenário em que vai se estabelecer a identidade,
são coisas, objetos que virão se associar, colar‑se a essa identidade morta, sem vida. Assim, podemos
compreender os grupos como objetos naturais, materializados no conjunto de indivíduos que se chamam
ou são chamados por certo nome, ou entendê‑los como sujeitos a uma transformação permanente, por
força da presença viva do imaginário. Podemos também considerar, na sua dimensão apenas virtual, os
grupos entendidos radicalmente como nomes, imateriais, signos e marcadores de uma identidade morta.

Exemplo de aplicação

Você não está convencido de que a identidade é metamorfose? Procure ler o texto a seguir:

CIAMPA, A. C. A estória do Severino, a história da Severina: um ensaio de Psicologia Social. São


Paulo: Brasiliense, 1983.

6 PROCESSOS GRUPAIS

Todos nós pertencemos a grupos. Determinadas concepções da Psicologia Social chegam a afirmar
que só “somos”, efetivamente, em grupo. E você? Consegue se ver “sendo” a partir dos grupos, ou
seria suficiente dizer que “somos” singulares, únicos, autônomos e, então, podemos pertencer a grupos
humanos, especialmente àqueles dos quais escolhemos participar?

A identidade historicamente construída tem como um de seus elementos mais importantes a


ligação a grupos sociais. Vale aqui indicar o entendimento de Lane (2006) sobre os grupos, para os
quais ela reivindica a mesma preocupação quanto à importância da história na sua instituição. As
concepções tradicionais sobre os grupos usualmente os caracterizam como um conjunto de pessoas que
compartilham um objetivo comum. Entretanto, numa perspectiva social crítica, seria melhor definir o
processo grupal conforme sua inevitável sujeição à passagem do tempo e à inserção social.

Lane (2006) insiste em tratar o grupo como processo ao caracterizá‑lo como uma unidade que
não se faz como permanente, que se constitui fundamentalmente de pessoas e relações e que está
inserida num determinado contexto histórico e social. Ora, tudo isso que irá compor a concepção e a
materialidade dos grupos é sujeito à passagem do tempo, isto é, muda, transforma‑se, por conta dessa
passagem. É por isso que se poderá, assim, falar em processo, porque o grupo só existe sendo; não é
coisa que possa ser abstraída de sua condição histórica.

70
PSICOLOGIA SOCIAL

No debate sobre a Psicologia dos Grupos, a literatura psicológica e sociológica trata dos grandes
conjuntos humanos nas sociedades contemporâneas como “massa”, isto é, um agregado informe de
indivíduos que não se conhecem pessoalmente, sem vínculos, sem objetivos comuns, entre os quais não
se pode reconhecer autonomia, mas apenas a sujeição a ideias e opiniões produzidas em outros lugares
e impostas a esses conjuntos, usualmente, pela mídia. De fato, quando falamos “massa”, normalmente
tratamos dela com desdém – afinal, nesse caso, as pessoas não têm nomes nem ligações e, ainda mais,
são necessariamente dominadas, controladas.

Seu comportamento, segundo cientistas sociais como Le Bon (2008), pode ser entendido como
o de uma “manada”, sujeita a interferências sem a mediação da razão. A multidão reunida em
grandes eventos ou em situações cotidianas nas ruas, nos terminais de transporte público ou nos
estádios de futebol, por exemplo, teria comportamento imprevisível, que se caracterizaria pela
possibilidade de os indivíduos realizarem atos de que, em outras situações, sem a presença da
multidão, não seriam capazes. A violência dos quebra‑quebras e de um linchamento seria a marca
desse comportamento coletivo marcado pela diminuição do funcionamento intelectual, a razão,
e pela ampliação da afetividade.

Figura 18 – Os grupos sociais estão situados no tempo e no espaço

Freud, em Psicologia das massas e análise do ego (2011), entra nesse debate a partir da discussão
sobre a obra de Le Bon. Para ele, a Psicologia individual não poderia ser separada da social, e
toda psicologia é, num certo sentido, social, na medida em que se verificam nos indivíduos os
traços recolhidos das suas relações sociais. Freud também considera entre os seres humanos um
instinto gregário, chave para algo como uma mente grupal, cujo estudo da razão que sustenta
o funcionamento dos grupos é parte desse trabalho. Reconhece também como as massas são
influenciadas pela presença “fascinante”, hipnotizante, de um líder. As dimensões inconscientes
envolvidas na constituição do grupo e sua incidência no indivíduo ajudam a compreender fenômenos
já descritos por Le Bon, como a potência do indivíduo quando se vê pertencente ao grupo, ou
mesmo a submissão, no grupo, a entendimentos até mesmo contrários às crenças individuais.
A suposição fundamental de Freud formulada nesse texto é de que as relações amorosas (laços
emocionais) constituem a essência da mente grupal, e é nesse suporte que está, por exemplo, a
importância do líder.

71
Unidade II

Figura 19 – Manifestações populares contra a corrupção (2013)

Veja como a música a seguir, de Zé Ramalho, ilustra essa condição de massa, associando‑a à realidade
brasileira, numa condição de controle social e de submissão do povo aos interesses alheios.

Admirável gado novo

Vocês que fazem parte dessa massa


Que passa nos projetos do futuro
É duro tanto ter que caminhar
E dar muito mais do que receber
E ter que demonstrar sua coragem
À margem do que possa parecer
E ver que toda essa engrenagem
Já sente a ferrugem lhe comer
Êh, oô, vida de gado
Povo marcado
Êh, povo feliz!

Lá fora faz um tempo confortável


A vigilância cuida do normal
Os automóveis ouvem a notícia
Os homens a publicam no jornal
E correm através da madrugada
A única velhice que chegou
Demoram‑se na beira da estrada
E passam a contar o que sobrou!
Êh, oô, vida de gado
Povo marcado
Êh, povo feliz!

Fonte: Ramalho (1980).

72
PSICOLOGIA SOCIAL

Saiba mais

Ouça essa música em:

RAMALHO, Z. Admirável gado novo. Intérprete: Zé Ramalho. In: A peleja


do diabo com o dono do céu. Epic, 1980. LP. Faixa 2.

Exemplo de aplicação

Embora o comportamento da massa esteja associado à violência, procure lembrar‑se das grandes
tragédias coletivas (terremotos, deslizamentos, inundações).

Depois, reflita: o comportamento solidário também não pode ser associado às massas?

6.1 Classificando os grupos sociais

Como já foi visto neste livro‑texto, é importante considerar que a ideia de grupo dá conta de uma
variedade importante de conjuntos de indivíduos. Se ela se presta à caracterização de uma categoria
social que compreende determinada identidade profissional (o grupo de psicólogos, por exemplo), a
ideia de grupo também estará presente quando falamos de pequenos grupos, quando os indivíduos
estão face a face, envolvidos em uma prática social determinada, como numa empresa (os funcionários
da empresa X), na escola (os alunos ou os professores) ou em uma ação de assistência social (educadores,
técnicos, gestores).

Uma classificação possível é aquela identificada por Adorno e Horkheimer (1973), diferenciando
microgrupos de macrogrupos. Os microgrupos, ou grupos primários, como a família, são importantes
para a produção da subjetividade e para a manutenção de ideias e ideais sociais. Sua presença é
praticamente universal, porque estes se encontram ao longo de toda a história civilizatória. Esses
grupos estão vinculados à aprendizagem de uma “natureza humana”, mais propriamente – o que
significa que os microgrupos estão associados à socialização dos indivíduos desde a infância. A
ênfase nesses microgrupos justifica‑se pela sua função psicossocial: o contato direto entre aqueles
que pertencem a tais grupos permite a identificação entre seus membros e com o próprio grupo.
Nos microgrupos, os indivíduos têm experiências de si simultaneamente vinculadas às presenças
de outras pessoas.

Macrogrupos ou grupos secundários são grupos de outra ordem e não se diferenciam


dos microgrupos necessariamente pelo tamanho. Neles, a privacidade dos membros é mais
preservada. Do ponto de vista dinâmico, os macrogrupos substituem progressivamente os
grupos primários, contribuindo para que a socialização se faça com mais intensidade a partir
dos macrogrupos.

73
Unidade II

Outra fórmula para tentar classificar os grupos é tomá‑los a partir de alguns elementos básicos.
Um grupo pode ser considerado de acordo com a maneira como está organizado, os seus objetivos
compartilhados, a quantidade de pessoas que o compõem e o contato e vínculo entre seus participantes,
assim como quanto à sua duração. Mais ainda, aqui, o quinto elemento estará no seu reconhecimento
social. Vejamos alguns exemplos de grupos conforme essa classificação.

Numa extremidade, encontramos nas sociedades contemporâneas grandes conjuntos humanos,


formados por milhares ou mesmo milhões de pessoas, que podem ser caracterizados como grupos.
Pouco organizados, neles, as pessoas não se conhecem pessoalmente e mal compartilham objetivos
comuns; mas, ainda assim, são reconhecidas como possuidoras de uma mesma identidade. Não nos
recusamos a prever seus comportamentos, as maneiras pelas quais podem e irão resolver as situações
cotidianas. São as categorias sociais, como “as mulheres”, “os psicólogos”, “os playboys”, ou “os
moradores da zona leste”.

No outro extremo, estão os pequenos grupos, os grupos de interação face a face, em que todos se
conhecem e se relacionam a partir de alguma organização, pelo exercício de determinadas funções
dentro do grupo. Uma variável importante no que diz respeito ao seu funcionamento é o vínculo, isto é,
as relações simbólicas e afetivas que se constroem ao longo da existência do grupo. O vínculo também
é dependente da história e do contexto, atualizado nas posições exercidas dentro do grupo. O psicólogo
social Pichon‑Rivière (2009) propõe que se deva entender a interação dos membros de um grupo como
um vaivém de determinações que ele representa como uma espiral dialética, em que tanto sujeito
quanto objeto realimentam‑se mutuamente, num processo que pode ser compreendido, por exemplo,
nas relações entre profissional e cliente.

Saiba mais

Assista ao filme O quinto elemento. Nele, a salvação da Terra depende


da construção de uma “arma” composta de quatro elementos (água, ar,
fogo e terra), que só poderia ser acionada a partir do 5º elemento: uma
pessoa.

O QUINTO Elemento. Dir. Luc Besson. EUA, 1997. 126 minutos.

6.2 Os grupos operativos

Pensada como teoria e técnica que se presta à formação de equipes (grupos), por meio da Teoria
dos Grupos Operativos, Enrique Pichon‑Rivière procurava responder basicamente a algumas questões:
o que é preciso para trabalhar em grupo? Como contribuir para a elaboração de uma tarefa em grupo?

Para tentar respondê‑las, o psicanalista franco‑argentino Pichon‑Rivière propôs a prática dos grupos
operativos, instituída inicialmente no horizonte do seu trabalho como professor e educador.

74
PSICOLOGIA SOCIAL

Tendo como ponto de partida uma definição mínima do que é um grupo social, ou seja, conjunto de
pessoas com um objetivo comum que procura trabalhar em equipe (BLEGER, 2007), o grupo operativo
pode ser assim compreendido como um treinamento para trabalhar como equipe, incluída aqui a
retificação das posições estereotipadas que sustentam esse grupo, isto é, nesse “treino”, os participantes
do grupo podem superar os lugares estereotipados que compõem qualquer conjunto humano, tanto no
que diz respeito às funções presentes ali (quem é o líder, quem faz as vezes de bode expiatório) quanto
em relação às suposições sobre o que se deve esperar de cada um (por exemplo, o entendimento de que
os mais velhos são mais sábios, ou de que as mulheres são mais sensíveis, ou de que é preciso ter um
curso superior para defender um argumento lógico ou uma posição política).

Na formação de todo grupo, passa‑se continuamente da serialidade ao grupo. Para dar conta disso,
o grupo deve lidar, em meio à presença de subjetividades e intersubjetividades, assim como dos afetos
que as atravessam, com as diferentes histórias, experiências e os diversos objetivos presentes entre os
seus componentes, com os problemas e conflitos provenientes das relações grupais e com os recursos
que o grupo possui, ou virá a construir, para esses enfrentamentos. Nos termos de Pichon‑Rivière, o
grupo vai ser tomado como o lugar para uma teoria da ação, compreendido num processo em que se
trabalha para poder trabalhar.

Uma ideia importante para a compreensão do trabalho grupal é o Esquema Conceitual, Referencial
e Operativo (Ecro) grupal. Os participantes do grupo trazem para o encontro um esquema, uma série de
saberes, de conhecimentos e entendimentos do mundo que, no grupo, irão se atualizar, confrontando
os esquemas uns dos outros. Na prática do grupo, acompanhada por um coordenador, coloca‑se
no horizonte a possibilidade de construir um esquema comum, o Ecro grupal, que, sem suprimir as
diferenças, encontra espaço para a expressão desses conflitos. Em meio à heterogeneidade dos grupos,
trata‑se de conduzir, nesse encontro, à homogeneidade da tarefa.

Outro aspecto importante nas relações construídas no grupo operativo é a subversão dos
papéis estereotipados e das relações entre esses papéis, como professor‑aluno, profissional‑cliente,
autoridade‑sujeito. A “aprendizagem” do grupo deve ser compreendida como um processo contínuo
e com oscilações – momentos de ensinar e de aprender. Nesse sentido, em vez do uso das expressões
“ensino” e “aprendizagem”, vai‑se construir um neologismo, isto é, inventar uma palavra que contemple
uma relação horizontal entre esses dois polos sem suprimir diferentes funções; a palavra “ensinagem”
irá apontar essa novidade.

As funções exercidas num grupo, de acordo com Pichon‑Rivière, contam das maneiras de, no grupo,
lidar com os temores envolvidos na sua instituição e manutenção. Essas funções, que não são fixas e podem
circular no grupo, entre os participantes e de um encontro para outro, têm diferentes formulações, mas
podem ser resumidas nas seguintes: porta‑voz, bode expiatório, líder, líder da resistência, detentor do
silêncio. Dentro do grupo, os participantes eventualmente ocupam esses lugares durante o embate para
a elaboração das ansiedades básicas que acompanham a instituição do grupo e seu direcionamento para
um projeto comum: a ansiedade paranoide e a ansiedade depressiva, apoiadas na Teoria Psicanalítica
de Melanie Klein. A primeira conta do temor de, no contato com o grupo, o indivíduo ver‑se alvo de
ataques destrutivos. Já na segunda, a ansiedade depressiva, o temor está associado ao desaparecimento
do sujeito dentro do grupo, que passaria a ser a unidade de entendimento e de ação daqueles indivíduos.
75
Unidade II

Em relação ao caminho que deve ser percorrido na construção de um projeto comum, este pode ser
descrito como possuindo três momentos: a pré‑tarefa, a tarefa e o projeto. A pré‑tarefa é a situação
que paralisa o prosseguimento do grupo, apoiada em defesas que estruturam a resistência à mudança
(protelar, gastar o tempo, movimentos que aparentam a ação, mas que na verdade não o são). Já o
momento da tarefa consiste na abordagem e na elaboração das ansiedades do grupo (perda da estrutura
e ataque à nova situação estruturada) e na emergência da posição depressiva básica (consciência dos
próprios limites), o que possibilitaria estruturar a tarefa possível no tempo e no espaço. Nesse sentido,
o grupo percebe os elementos em jogo e pode instrumentalizá‑los. Finalmente, o projeto constitui‑se
de estratégias e táticas para produzir mudanças que modificam o(s) sujeito(s) que voltam a produzir
mudanças, e assim sucessivamente.

Figura 20 – O grupo, para Pichon‑Rivière (2009), é uma equipe

A trilha de Pichon‑Rivière (2009) passa, como foi visto, pela Psicanálise. A ação que esse profissional
“movido” pela Psicanálise desempenha não é caracterizada, no entanto, como “da Psicanálise” ou
estritamente clínica, ainda que se recorra a métodos que têm presença no campo psicanalítico. De fato,
nas práticas com grupos, o profissional, psicólogo ou não, ocupa um lugar que não é estranho ou exterior
à cena; mas, nas relações atravessadas por dimensões visíveis (simbólicas) e invisíveis, não menos efetivas
no grupo, seu imaginário atua com seu próprio corpo – história e subjetividade – como mediador. A
insistência na palavra corpo reforça a concepção de que o mediador (palavra preferível a profissional)
ocupa uma função e não faz jus ao entendimento de que essa função só é possível pela presença de
alguém que a suporte. Tal entendimento é seguido por autores como o próprio Pichon‑Rivière ou o
psicanalista francês Guattari (2005), do qual já tratamos aqui.

De acordo com esses autores, as concepções de grupo que, a partir da Psicanálise, tentam explicar
as dinâmicas grupais estão alicerçadas na suposição do inconsciente e nos seus correlatos, como a
dimensão pulsional e afetiva. Mudanças que possam interferir no funcionamento dos grupos implicam
tratar não só dos relacionamentos propriamente ditos, mas também dessas outras dimensões.

Sobre isso, as considerações de Lancetti (1994) vão se dar no contexto dos trabalhos desenvolvidos
pioneiramente por Pichón‑Rivière (2009) e José Bleger (2007). Em oposição às escolas ortodoxas de
Psicanálise, esses autores irão reconhecer a presença política do psicanalista e ampliarão a importância
76
PSICOLOGIA SOCIAL

dada ao reconhecimento das conexões possíveis entre a Psicanálise e a Psicologia Social. Em sua
tentativa de levar a Psicanálise a uma presença mais efetiva no cotidiano, eles irão defender que a
prática do psicólogo social e suas consequências políticas, econômicas e ideológicas sobrepõem‑se às
discussões epistemológicas, vistas muitas vezes como ideologizadas e, portanto, paralisantes. Nessa
mesma tradição, situam‑se os trabalhos de Gregório Baremblitt (1994) e Armando Bauleo (1983).
Fazendo parte do Grupo Plataforma na Argentina, eles procurarão promover a conexão entre marxismo
e Psicanálise, situando a Psicologia Social, entendida aqui como Psicologia dos Grupos, como a ciência
responsável pelo fornecimento do que possibilitará a transformação dos sistemas sociais vigentes.

Para eles, estaria em jogo a possibilidade de a prática grupal converter‑se numa contraideologia,
na medida em que se definiria por um sistema de relações que se estrutura exteriormente aos sujeitos
que o compõem. Os grupos, encontrando‑se na mediação indivíduo‑sociedade, seriam lugar de ação
e onde se aprende a pensar. No grupo é que se daria a passagem do isolamento proporcionado pelo
narcisismo para a intersubjetividade, mediada pelo social. A partir dessa perspectiva, eles discutem como
os aspectos imaginários são reconhecidos e identificados em várias das tradições em Psicoterapia de
Grupo, até mesmo dentro da Psicologia Institucional de origem argentina. Essa dimensão está presente
em conceitos como o Ecro de Pichon‑Rivière ou no coinconsciente de Moreno, e está de acordo com os
princípios que norteariam essas práticas grupais como transformadoras da sociedade, isto é, práticas
que limitem os aspectos ideológicos do imaginário e o coloquem a serviço da transformação social.

As críticas de Lancetti (1994) a determinadas modalidades de Psicoterapia de Grupo, em especial


à americana, são exemplares dessa posição na qual se reconhece a importância das implicações do
entendimento dos pequenos grupos como unidades produtivas – seja de mercadorias, seja de felicidade
– e que também identifica neles a presença de imaginário.

7 PSICOLOGIA SOCIAL E MUDANÇA

7.1 Grupos e transformação social

O enfrentamento de questões típicas dos indivíduos envolvidos em grupos e instituições sociais


tem sido alvo constante da Psicologia, encampando áreas como o trabalho, a educação, a saúde e a
assistência social. Tais áreas têm se valido dos conhecimentos vindos de uma psicologia atenta aos
fenômenos grupais e institucionais e que, numa de suas vertentes, reconhece os determinantes sociais,
políticos e éticos dessas esferas, assim como o envolvimento e o compromisso dos profissionais com tais
questões como suportes necessários para o enfrentamento. As famílias e as comunidades estão entre
esses grupos. Para as vertentes críticas da Psicologia dos Grupos, estão no centro do embate as relações
entre os atores presentes em tais cenas e as dimensões simbólicas e imaginárias que as demarcam,
acessíveis pelo discurso, pelo comportamento e pelos afetos envolvidos numa situação grupal (LANE;
SAWAIA, 1994).

Experiências de ação com grupos sociais, como têm sido descritas na literatura (CAMPOS, 2002),
indicam que as ações que promovem mudanças se dão tanto nos espaços macro, do formato e da
organização do grupo, quanto nos micro, da dinâmica dos relacionamentos e afetos nos grupos. Em tais
circunstâncias, os mediadores são colocados com os atores institucionais como sujeitos e protagonistas
77
Unidade II

desse processo. Assume‑se, aqui, que a discussão sobre a neutralidade do mediador tem dois obstáculos.
O primeiro vai ser superado pelo entendimento de que sua ação está fundada em um compromisso
crítico em que, respeitada a alteridade, o reconhecimento da diferença do outro, o mediador se apresente
não apenas como detentor de conhecimento e técnica, mas também como sujeito da mediação. Na
constatação de que a ação implica uma relação intersubjetiva que derruba a separação necessária entre
sujeito e objeto (MINAYO, 2010) recai a primeira crítica à neutralidade.

O segundo obstáculo, mais delicado, diz respeito à outra neutralidade, aquela que coloca o mediador
fora da cena como figura inerte cuja presença, como já foi dito, é mera função. As práticas psicológicas
têm, a duras penas, sustentado a separação da corporeidade do profissional/mediador, que garantiria a
efetividade de sua ação. No entanto, na experiência concreta do trabalho com grupos, essa separação é
dificilmente efetivada. Como atuar num campo de maneira inerte quando se ocupa também a posição
de “jogador”? Como isolar no papel de “conselheiro”, “assessor” ou “consultor” uma ação que não é
apenas técnica, mas também ética e política, na qual o mediador também é protagonista? Dessa forma,
na instalação de relações que, guardadas as diferenças de saberes e posições, suportem a construção
de projetos comuns é que decai essa neutralidade. O mediador não é aquele que oferece conhecimento
e disposição para o trabalho, mas o que faz do projeto do grupo – ou da comunidade – também seu
próprio projeto de mudanças para um grupo do qual ele também faz parte.

A literatura sobre as ações com grupos sociais preconiza diferentes momentos (BAREMBLITT, 1994).
O primeiro deles diz respeito à caracterização, o que vai acontecer, de fato, durante todo o processo da
intervenção. Consiste em localizar quais são seus membros e os lugares por eles ocupados, o mapeamento
das posições relativas empregadas pelos atores institucionais, a localização das forças de coesão e
afastamento envolvidas nesses relacionamentos e a identificação das fantasias associadas a esses lugares.

Figura 21 – O trabalho com grupos implica caracterizar e conhecer

Tal reconhecimento implica conhecer e analisar a própria história do grupo como parte daquilo que
determina sua dinâmica de lugares e afetos. Isso deve levar também a uma análise crítica das demandas
do grupo, em função não apenas das especificidades locais, mas também em vista das condições sociais,
econômicas e políticas nas quais ele se encontra (o que pode apontar instâncias como globalização ou
políticas públicas).
78
PSICOLOGIA SOCIAL

A ação do profissional/mediador vai ser localizada quanto à sua dimensão política, situando‑o
como responsável, também, pelo combate à discriminação e à exclusão social, instrumentalizando‑o
para colocar à vista os discursos de grupos marginalizados e fora do “jogo” social. Nesse sentido,
“transformação e mudança” significam que ele irá realizar intervenções que levem à instrumentalização
do grupo para que ele mesmo trate de sua dimensão imaginária, o que significa intervenções que
produzam nele os meios ou as condições necessárias para que este possa alcançar sua “consciência de
grupo”, isto é, a posição de grupo‑sujeito (GUATTARI, 2005), recuperando ou instituindo sua cidadania.

Essas ações não visam às coletividades como unidades totais, mas concebem que o coletivo e o social
estão indissociavelmente ligados. Assim, o reconhecimento dessa perspectiva faz que as ações possam
ser nomeadas como “psicossociais”. No Brasil, ações psicossociais têm alcançado famílias e comunidades
e são conduzidas como instrumentos para a realização e a disseminação de diversas políticas públicas,
especialmente nos campos da saúde e da assistência social.

De acordo com Neiva (2010), as intervenções psicossociais como práticas de transformação e de


pesquisa têm uma presença recente no âmbito da Psicologia, embora a preocupação com o bem‑estar
de indivíduos e grupos tenha estado sempre no horizonte dos interesses dos psicólogos. Segundo a
autora, esse seria um campo recente de ação profissional, surgindo da interface de práticas clínicas
com a Psicologia Social. Se na perspectiva clínica a Psicanálise destaca‑se como referencial teórico
para essas ações, do lado da Psicologia Social dos Grupos, vários dos autores que têm sido referidos
neste livro‑texto são reconhecidos como estudiosos que trouxeram contribuições importantes para a
caracterização das práticas psicossociais: Kurt Lewin e sua dinâmica de grupo; Moreno, fundador da
Sociometria e do Psicodrama; além de Bion e de Pichon‑Rivière, autores decisivos na elaboração de
conhecimento sobre os processos grupais e sobre as formas de atuação e desenvolvimento dos grupos.

Na perspectiva de Sarriera (2004), a intervenção psicossocial pode ser compreendida como uma
ação que se dirige à realidade de outro, produzindo interferência e modificação, buscando melhores
condições humanas e qualidade de vida. Para Neiva (2010, p. 16): “Considera‑se, portanto, que a
intervenção psicossocial tem um caráter de pesquisa‑ação que visa facilitar o bem‑estar psicossocial de
indivíduos, grupos, instituições, organizações e/ou comunidades”.

As características básicas das intervenções psicossociais são: seu caráter científico, unindo a pesquisa
à ação; preocupação em gerar mudança e desenvolvimento; foco em grupos, instituições e comunidades;
ação sobre os problemas atuais da sociedade e as necessidades psicossociais de grupos, instituições e/ou
comunidades; intervenção focada; caráter predominantemente preventivo; levar em conta o contexto
social e cultural; e incluir a diversidade do grupo, da instituição e/ou da comunidade (NEIVA, 2010).

É importante fazer a distinção entre processos psicossociais e ações psicossociais. Esse constructo, o
processo psicossocial, tem sido utilizado na literatura psicológica nem sempre com a devida acuidade,
muitas vezes indicando um campo impreciso entre o individual e o social, ou apenas referindo certa
prática (“intervenção psicossocial”). Segundo Maritza Montero (2011), psicóloga venezuelana fundadora
da Psicologia Social latino‑americana, numa perspectiva crítica, junto com a psicóloga social brasileira
Silvia Lane, os processos psicossociais propriamente comunitários são a habituação, a familiarização, a
problematização (Paulo Freire), a desideologização, a naturalização e a desnaturalização, a conscientização
79
Unidade II

e a conversão. Alguns desses processos, como a habituação, a naturalização e a ideologização, configuram


estruturas estáveis de comportamento, alienadas do pensamento crítico, e, assim, contribuem para
manter o status quo. Outros processos, como a problematização, a desnaturalização, a desideologização
e a conscientização, oferecem recursos para a superação, e, assim, para a transformação comunitária. A
distinção entre prática e constructo justifica‑se na medida em que, para Montero (2011, p. 255):

Tais processos [psicossociais], ainda que tenham sido amplamente discutidos


nas Ciências Sociais e na Educação, necessitam ser estudados em sua vertente
psicossocial, já que afetam não apenas os indivíduos, mas também as
relações segundo as quais estas pessoas constroem a si mesmas e constroem
as condições nas quais vivem. Mais ainda, eles têm uma função fundamental
tanto no que diz respeito à manutenção como quanto à transformação das
condições de vida e constituem eixo do trabalho comunitário.

A preocupação com os grupos sociais face a face, como numa família, vai constituir o primeiro
objeto daqueles interessados em tratar da dinâmica dos (pequenos) grupos no caminho da mudança e
do combate à exclusão. No caso da família, ela é reconhecida como o lugar, por excelência, dos encontros
afetivos e dos seus desdobramentos simbólicos e imaginários, sendo determinante na constituição e na
socialização dos sujeitos (BERGER; LUCKMAN, 2006).

As ações com as famílias, como nos casos da saúde (Estratégia Saúde da Família) e da Assistência
Social (Programa de Assistência Integral à Família – Paif), como políticas públicas, aproveitam‑se dessa
circunstância para construir uma porta de entrada aos serviços públicos que se apoiem nas especificidades
de estrutura, relacionamento e cultura de famílias de certa região. Tais singularidades serão decisivas
para que se possa intervir nas relações dos indivíduos com a cultura da saúde (o cuidado com o corpo,
o saber sobre o processo saúde‑doença, as modalidades de cura e tratamento) e na busca de bem‑estar
e no combate à exclusão, à vulnerabilidade e ao sofrimento social. É nesse cenário que os indivíduos e
as comunidades – tendo a família como lugar de mediação – poderão se associar aos profissionais para
a construção de um projeto comum no qual todos são protagonistas.

7.2 A comunidade

De acordo com Sawaia (2002), a ideia de comunidade entra para o campo da ciência como apropriação
de um conceito tão antigo quanto a humanidade. O uso dessa palavra nas práticas profissional e científica
refere‑se com muita frequência àquilo que está fora do consultório (na área de saúde, por exemplo) e a um
“compromisso com o povo”, o que deve ser tomado com cuidado, pois pode dar‑se em termos ingênuos
(no mínimo) ou ideológicos, e não necessariamente críticos. Nesse sentido, a comunidade é apresentada
como lugar em que se conservam a pureza étnica e cultural, onde está a origem da sociedade.

Associada à vida comum e solidária, a comunidade está em oposição à vida típica do mundo globalizado,
individualista e competitiva, entendimento que guarda um saudosismo de volta às origens. Em contrapartida,
deve‑se considerar que, na história desse entendimento, a ideia de comunidade também foi combatida
quando, desde o iluminismo, a comunidade e a tradição foram tomadas como inimigas das mudanças sociais
e do progresso. Tais utopias comunitárias seriam reativas ao individualismo e à modernidade.
80
PSICOLOGIA SOCIAL

Um uso perverso desse termo pode ser localizado também quando se fala da conjunção pobreza e
criminalidade, numa alusão mais elegante aos moradores dos bairros pobres, cortiços e favelas localizados
em nossas cidades. Essa concepção muito comum de comunidade a aproxima de um gueto, isto é, um
espaço separado dentro das cidades ocupado por grupos minoritários que ali se isolam – ou são isolados.
No trecho da música Resumo da matéria, do rapper Gog, esse sentido está muito bem‑ilustrado.

Resumo da matéria

Cenas fortes periferia


Mas nem mesmo a mão na morte nos tira alegria
A vida dura difícil é o ofício
A fronteira entre o descaso e a cidadania: um precipício
Um barraco uma tela uma geladeira velha
Um amontoado de madeira favela
Uma casa uma cela
Um local que só se vem à noite
Pra dormir e mal
Cidadão de bem na condicional
Meio‑dia o coração gela
Pouco quase nada na panela
E o sistema determina
O crime é o clima
Qual a diferença entre esse e você
Vou dizer é a força
A força de vontade
Onde há amor não tem grade
O sentimento a felicidade
Pode estar em qualquer lugar
Vem pra cá a sinuca
As biras nos botecos
O samba de morro
A união acima dos tecos
Legal bem legal
Futebol nos campinhos de terra
Refrão chegando mandei ideia
Eu e você juntos: resumo da matéria

Fonte: Gog (1998).

81
Unidade II

Saiba mais

Ouça essa música em:

GOG. Resumo de matéria. Intérprete: Gog. In: Das trevas à luz. São
Paulo: Zâmbia Fonográfica, 1998. CD. Faixa 5.

Em meados do século XX, especialmente na Psicologia, o termo “comunidade” foi associado com
grande ênfase em um modelo de intervenção social de origem americana, cujo mote era a melhora das
condições de vida por meio da “modernização” cultural e econômica. A fragilidade desse entendimento
estava tanto na sua definição espacial – comunidade associada a bairros pobres e proletários – quanto
na ideia de normatização como forma de integração.

Nesse contexto, Guareschi (1996) afirma que é preciso buscar a presença da comunidade
nos grupos. Para ele, a comunidade não é uma decorrência necessária do fenômeno grupal,
nem sempre havendo grupo há comunidade. Essa presença depende, assim, de um tipo especial
de relação entre os participantes daquele grupo, uma relação na qual, como sugere o autor
seguindo um mote marxista, todos os indivíduos daquele grupo possam ser reconhecidos pelo
nome, todos possam falar e ser ouvidos, um grupo – uma relação – em que as pessoas se
conhecem e se estimam.

Esse processo de construção da comunidade não ocorre, evidentemente, somente no âmbito da


miséria e do abandono social – embora nesses grupos a “função” comunidade possa ser especialmente
importante para potencializar ações reivindicatórias e de transformação social. Acontecendo com
todos os grupos humanos que confrontam o paradigma da individualidade e se defrontam com
seus limites e com a finitude dos grupos, conforme Guattari (2005), a construção de um espaço
comunitário vai exigir a elaboração de um “nós” pela interiorização de valores comunitários como
projetos de cada indivíduo – o que significa tanto uma tomada de consciência (da exclusão e da
desapropriação) quanto de inconsciência, isto é, daquilo que é próprio de cada indivíduo, que é da
ordem do desejo.

A relação comunitária, para Guareschi (1996, 1998), mostra‑se como oposto a outro tipo de relação,
típico das sociedades contemporâneas modernas que vivem sob o jugo do individualismo e da exclusão:
a de dominação. Esta, muito mais presente em nosso dia a dia, é cultivada pela competição desenhada
pelo capitalismo, pelo desejo que mantemos entranhados de sermos mais do que os outros como
garantia para o ser. A alternativa à submissão é, perversamente, a dominação. As relações comunitárias,
portanto, estão para confrontar essa outra modalidade de relações e não conviver com ela, exigindo a
supressão ou a ultrapassagem da dominação.

82
PSICOLOGIA SOCIAL

7.3 Psicologia Social Comunitária

7.3.1 Introdução

Neste tópico, será apresentado um breve histórico da constituição da Psicologia Social Comunitária,
a partir dos trabalhos que surgiram na década de 1940, em comunidades da zona rural, até serviços
que vêm sendo criados pelas universidades para a realização de trabalhos comunitários como forma de
crítica à função social da universidade e de inserir o trabalho comunitário como parte necessária da
formação dos profissionais na atualidade.

Apresenta‑se, aqui, uma série de contribuições‑chave escritas ao longo dos anos, em que a
Psicologia Comunitária foi se constituindo, bem como e a importância na tarefa constante de reflexão,
questionamento e construção que sua prática impõe aos que dela se ocupam nos níveis teórico,
metodológico, político e ideológico. A partir desses trabalhos, serão discutidos os aspectos teóricos e
metodológicos dessa área.

A discussão busca aprofundar o conhecimento dos trabalhos da Psicologia Comunitária, instrumentos


importantes na luta pela cidadania, por melhores condições de vida para as camadas populares, por
sustentabilidade e formas alternativas de organização popular. Dessa forma, visa promover uma
maior compreensão acerca do trabalho da Psicologia, de suas principais contribuições para as lutas
comunitárias, bem como as possibilidades inúmeras de diálogo da Psicologia Comunitária com a prática
do Serviço Social.

7.3.2 Histórico da Psicologia Social Comunitária

Sob a ótica da crítica e do compromisso social, a Psicologia Comunitária é a ciência que tem por
objeto a exclusão, numa perspectiva que nega a neutralidade científica e que pretende não apenas
interpretar o mundo teoricamente, mas transformá‑lo (SAWAIA, 1999).

Segundo Lane e Sawaia (2002), a história da Psicologia Social Comunitária na América Latina está
associada ao interesse em instituir comunidades autônomas, capazes de reivindicar ações de governo
que pudessem satisfazer suas necessidades básicas. Logo de início, o termo “conscientização” aparece
no vocabulário de pensadores que almejavam o desenvolvimento de consciências individuais e grupais.

Paulo Freire, no Brasil, e Orlando Fals Borda, na Colômbia, são os autores que irão dar forma conceitual
e prática aos interesses que sustentavam a formulação da Educação Popular como intervenção que será
associada à “nova” Psicologia Comunitária nascente. Nova porque, antes disso, a expressão Psicologia
Comunitária, importada da psicologia americana, dizia respeito a práticas de caráter assistencialista,
muito distantes de trabalhos que buscassem a efetiva constituição de comunidades.

Na pré‑história da Psicologia Comunitária, Freitas (2002) levanta a questão da importância do processo


de transição atravessado pelo Brasil entre as décadas de 1940 e 1950. Nesse momento, o país passava por um
processo de mudança em seu sistema de produção, quando começou a funcionar um modelo agroindustrial,
em contraposição ao antigo modelo agropecuário. Houve, a partir disso, a necessidade de preparação das
83
Unidade II

camadas populares para essa transição, bem como de qualificação de mão de obra para tal empreendimento.
Os trabalhos comunitários realizados na época estavam inteiramente ligados aos interesses econômicos das
elites. Os profissionais que compunham as equipes desses trabalhos eram, essencialmente, prestadores de
serviços básicos à comunidade, numa perspectiva assistencialista e paternalista.

No mesmo período, surgem trabalhos direcionados às populações carentes nos Estados Unidos e na
América Latina. De cunho assistencial e manipulativo, foram as primeiras ações realizadas por profissionais
da área chamadas de Psicologia Comunitária. Os principais problemas dessas atuações, segundo Lane
(2002, p. 18), estavam ligados à maneira pela qual o trabalho era concretizado, “utilizando técnicas e
procedimentos sem a necessária análise crítica – a intenção era boa, porém não os resultados obtidos”.

Os primeiros trabalhos que lidaram com as práticas comunitárias no Brasil foram realizados no
meio rural, e seus propositores eram, na sua maioria, cientistas sociais preocupados com a organização
de grupos que pudessem gestar práticas assistenciais, especialmente na educação (LANE, 2002).
Contando com o apoio da Igreja Católica, essas iniciativas da década de 1940 originaram os primeiros
centros comunitários. Logo após, no contexto do Pós‑Guerra, com o apoio do governo americano, são
instituídos, com o mesmo nome de centros comunitários, grupos voltados para o “desenvolvimento” das
comunidades, numa perspectiva que abolia a crítica e, fora das discussões ideológicas, localizava nos
próprios sujeitos pobres e excluídos as condições de sua exclusão.

O modelo assistencialista continua existindo em várias localidades brasileiras, com base na “doação”
de bens e serviços para comunidades carentes, com o apoio dos governos e da sociedade civil, e é, de certa
forma, hegemônico. Essas ações caracterizam‑se pelo apelo ao trabalho voluntário, à ação localizada,
pontual, descontextualizada e acrítica. A ação do psicólogo restringe‑se à clínica e está distanciada de uma
posição profissional engajada e comprometida com o combate efetivo à exclusão (SAWAIA, 2002).

O avanço em direção à participação política e ao surgimento de movimentos sociais organizados


associados a ela promoveu uma integração das práticas psicológicas em torno da emancipação social.
Segundo Freitas (2002), nos primeiros anos da década de 1960 ocorrem, no Brasil, significativas tentativas
de transformação, projetos que buscam o desenvolvimento de uma consciência crítica na população.
Profissionais da Psicologia e das Ciências Humanas em geral participaram do movimento da educação
popular. Há uma grande mobilização em direção a ações voltadas para a alfabetização de adultos,
vista como instrumento fundamental de libertação e conscientização. Tais trabalhos, amplamente
baseados na metodologia de Paulo Freire, levaram os psicólogos a iniciar, na década de 1970, atividades
de educação popular em comunidades carentes, “tendo como meta a conscientização da população”
(LANE, 2002, p. 18). Entretanto, como aponta Freitas (2002), esses trabalhos tiveram vida curta, em razão
do crescimento de mecanismos de controle repressivo do Estado que buscavam conter as manifestações
populares, minando a crença da população em seu potencial como agente social e político.

Em março de 1964, instaura‑se o Regime Militar no país, que contribui para um recrudescimento
dessas condições, assim como para instalar um regime de terror na sociedade. O Brasil é obrigado a
conviver com um sistema de governo que põe fim a vários direitos civis, enquanto as contradições
existentes na realidade social vão criando situações concretas na vida das pessoas, sobre as quais vários
profissionais passam a atuar (IGLESIAS apud FREITAS, 2002, p. 58‑9).
84
PSICOLOGIA SOCIAL

Figura 22 – Os trabalhos de Paulo Freire inspiraram os psicólogos no trabalho com comunidades carentes

Não por coincidência, essas condições sociais e políticas vão ser o combustível para a instituição
e promoção de novas práticas da psicologia como profissão. De acordo com Lane (2002), a Psicologia
Comunitária no Brasil é uma prática que se iniciou por volta da década de 1960, a partir de uma
aproximação dos profissionais e das populações carentes. Essa prática se desenvolveu num movimento
de questionamento de diversos aspectos da Psicologia, tal como era praticada nos primeiros anos
de seu reconhecimento científico e profissional, com base em modelos importados e feita dentro de
consultórios e clínicas privadas, atendendo apenas a elite. A proposta original dessa vertente crítica
estava na aproximação da Psicologia, como instrumento de compreensão, análise e intervenção, da
realidade social e política do país, com vistas a auxiliar na promoção de transformações mediante
conscientização e organização populares.

Assim, a Psicologia Social Comunitária precisa ser pensada, segundo Lane (2002), como uma prática
inserida na conjuntura econômico‑política da América Latina e do Brasil daquela época. Durante as
décadas de 1960 e 1970, o país particularmente passou por um momento político bastante conturbado,
no qual, sob o domínio dos militares, a violência e a repressão eram praticadas de forma institucionalizada,
“quando uma reunião de cinco pessoas já era considerada subversão” (LANE, 2002, p. 17).

Segundo Freitas (2002, p. 55), se partirmos da premissa de que toda produção de conhecimento está
inserida num conjunto de determinantes históricos, políticos, econômicos e culturais, é inevitável dizer que
“falar da Psicologia Comunitária é falar, também, da história política recente do Brasil e da América Latina”.

Por volta da década de 1970, vemos tomar forma a iniciativa de profissionais da saúde, principalmente
médicos e psiquiatras, no sentido da busca por uma reformulação nos modelos de atenção à saúde
mental. Esses profissionais passam a se debruçar sobre novas formas de oferecer atenção à saúde mental,
preocupando‑se em desenvolver ações preventivas em saúde pública.

Na esteira desse movimento, são criados centros comunitários de saúde mental, que eram como espaços
alternativos aos hospitais psiquiátricos. Entretanto, como observa Freitas (2002), as mudanças implantadas com
a criação dos centros comunitários não alcançaram os aspectos estruturais envolvidos no trato com a doença
mental, promovendo modificações apenas nas aparências. Dessa forma, os centros, embora apresentassem
uma “nova cara”, ainda funcionavam sob o mesmo modelo hospitalar que buscavam combater.
85
Unidade II

Segundo Lane (2002), os trabalhos que podem ser considerados precursores da Psicologia Social
Comunitária no Brasil, desenvolvidos também durante a década de 1970, buscavam as populações
dos bairros populares para atendimentos em saúde mental (Projeto de Saúde Comunitária do Jardim
Santo Antônio), saúde e educação (Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientiae), gênero
e autonomia (psicodrama pedagógico).

Esses trabalhos, caracterizados pela ação interdisciplinar, eram marcados pela importância dada à
auto‑organização das populações envolvidas, ao aspecto conscientizador das ações empreendidas, e,
principalmente, pela localização desse profissional como um animador, mediador ou educador popular,
e nunca como uma liderança (LANE, 2002).

Historicamente, surgida em meio à crise da Psicologia Social em meados dos anos 1970, a Psicologia
Social Comunitária apresentou‑se como uma abordagem diferenciada dos modelos assistencialistas e
voltada para outra inserção profissional e política do psicólogo. Andery (1986), em um dos primeiros
trabalhos sobre a instalação e o impacto da Psicologia Social Comunitária, indicava sua vocação para
estabelecer um compromisso com os grupos dominados e excluídos da sociedade, desafiando modelos
de ação profissional do psicólogo que cumpriam o papel de atender a elite e estar a serviço do controle
social. Essa nova inserção profissional apontava também para uma nova prática do psicólogo e eliminava
a possibilidade de uma ação fundada na neutralidade.

Figura 23 – A Psicologia Social Comunitária privilegia o trabalho com grupos em situação de exclusão

As práticas em Psicologia Comunitária sofreram duramente em suas primeiras investidas. Isso ocorria,
de um lado, pelas dificuldades metodológicas e teóricas que as ações de campo representavam – o
psicólogo sai do conforto do consultório, da sala de aula e dos gabinetes acadêmicos, literalmente, para
a rua, solicitando um grande desafio em sua nova inserção – mas, de outro lado, numa perspectiva nem
sempre discutida nos livros‑textos, o trabalho do psicólogo comunitário sofreu com a desconfiança da
elite, no período da Ditadura (1964‑1985), com a repressão, que não via com bons olhos a realização de
ações que estimulassem o pensamento livre e a crítica enquanto promoviam a busca da transformação
da sociedade.

86
PSICOLOGIA SOCIAL

Seus resultados, ainda assim, mostraram‑se muitas vezes efetivos quando capazes de despertar a
crítica ao status quo e de mobilizar as populações sujeitas à exclusão e ao sofrimento para a mudança
de suas realidades. Nesse trabalho, buscava‑se heroicamente a participação direta das populações no
processo de investigação e transformação. Dito de outra maneira, os próprios participantes estavam
envolvidos no diagnóstico e nas intervenções psicossociais, o que exigia, necessariamente, presença
efetiva das populações atendidas no estabelecimento de objetivos comuns. Com isso, a prática da
Psicologia Social Comunitária levava a uma intervenção importante também sobre a disposição do
psicólogo, que era solicitado a realizar uma ação não de exercício de autoridade, daquele que possui
um saber, mas de, sem destituir‑se de sua função profissional, constituir parcerias, com a composição e
o compartilhamento de responsabilidades, levando a incertezas e desafiando a identidade profissional.

7.3.3 O papel da formação profissional para a ação comunitária

Para que possamos ter uma compreensão do processo de formação e caracterização das práticas em
comunidades, é preciso resgatar dois elementos fundamentais: o processo histórico que diz respeito a
essa prática, atentando para as condições que levaram aos trabalhos em comunidade, como indicado
anteriormente, e um segundo aspecto, mais próximo do processo de constituição da profissão de
psicólogo: o reconhecimento das temáticas/problemáticas que estiveram na base da estruturação da
sua prática profissional (FREITAS, 2002).

O contexto histórico pode ser caracterizado, ao longo da década de 1960, por confrontos entre o Estado e
as forças capitalistas, de um lado, e a sociedade civil e suas reivindicações em prol de suas necessidades básicas,
de outro. Havia também uma crescente participação da sociedade civil nas discussões políticas e societárias.
Assim, os movimentos populares urbanos tornam‑se mais frequentes e, no meio rural, as ligas camponesas
vão aglutinando um número maior de trabalhos em torno de reivindicações de necessidades básicas. As greves
espalham‑se por vários setores da produção e dos serviços, o desemprego atinge números assustadores e a
inflação e o custo de vida são insuportáveis para as classes trabalhadoras e para a população em geral.

No período, a profissão de psicólogo encontrava‑se em seu processo de regulamentação, e sua


atuação na sociedade vinha crescendo em diversos segmentos do mercado de trabalho. A Psicologia como
prática profissional vinha se estabelecendo conjuntamente com o desenvolvimento industrial do Brasil,
caminhando lado a lado com a ideologia liberal do capitalismo industrial. Dessa forma, suas atividades
estavam ligadas, em larga medida, às atuações destinadas à manutenção do status quo, tendo pouco
ou nenhum espaço para o tratamento de questões ligadas à conjuntura econômica e política daquele
momento e seu impacto sobre a formação da subjetividade e da consciência política da população.

Como apontam Scarparo e Guareschi (2007), é inegável que a regulamentação da profissão no Brasil,
em 1962, manteve estreitas relações com os objetivos e ideais ligados à ideologia da Ditadura Militar.
Naquele momento,

[...] as práticas psicológicas se consolidaram sob influência de ideologias


desenvolvimentistas, pautadas pela repressão política e pelo patrulhamento
ideológico, que caracterizaram o Brasil ao longo de quase três décadas de
ditadura explícita (SCARPARO; GUARESCHI, 2007, p. 100).
87
Unidade II

Podemos observar a vigência desses parâmetros na forma pela qual foi definido o conjunto de ações
do psicólogo, quando foram descritas quais seriam suas funções profissionais. Conforme definidas no
Decreto nº 53.464/1964, as funções do psicólogo eram: utilização de “métodos e técnicas psicológicas”,
a fim de produzir diagnósticos psicológicos; “orientação e seleção profissional”; e “orientação
psicopedagógica”; além de se debruçar sobre “problemas de ajustamento”, em busca de soluções para
estes (apud PEREIRA; PEREIRA NETO, 2003).

Como apontam os autores, o psicólogo tinha diante de si a possibilidade de desenvolver suas


atividades em diversos campos de trabalho, como clínicas, escolas, organizações etc. Vemos, assim, o
surgimento de um profissional que se caracteriza por atividades ligadas à educação, ao trabalho e à
saúde de maneira geral.

Todo o processo de constituição da Psicologia no Brasil como profissão esteve muito ligado a duas
principais áreas, quando de sua chegada e instalação no país: a educação e a saúde, na figura da
Pedagogia e da Medicina. Ambas tiveram papel fundamental na institucionalização da profissão de
psicólogo, por meio da criação de cursos de graduação, laboratórios e centros de pesquisa. No entanto,
quando buscamos trazer novamente o olhar para a questão da inserção da profissão no contexto
político e social do país, é indispensável considerarmos o delineamento que foi se estabelecendo
na caracterização da atuação dos psicólogos, em que encontramos “o predomínio de abordagens
individualistas, descontextualizadas e apoiadas em modelos abstratos de seres humanos” (SCARPARO;
GUARESCHI, 2007, p. 100).

Esses modelos serviram amplamente aos ideais de normatização e controle social, além de auxiliarem
no processo de aceitação da violência e da repressão. Segundo as autoras, a Psicologia foi chamada
a contribuir para que houvesse uma “articulação de espaços de exclusão social e de adaptação dos
‘desviantes’, transformando práticas em instrumentos de controle ideológico” (SCARPARO; GUARESCHI,
2007, p. 100). O controle e a repressão dos movimentos sociais organizados, por meio do regime ditatorial,
protelaram a adoção de posicionamentos críticos de grande parte dos cidadãos em relação à realidade
brasileira, seja pelos processos de alienação patrocinados pela Ditadura, seja pelo medo de ser alvo das
perseguições políticas.

Por conta da própria forma pela qual foi inserida no Brasil, a Psicologia teve papel fundamental no processo
de formação da subjetividade da classe média naquele momento. A ideologia à qual as práticas psicológicas
estavam submetidas trabalhou na construção de um conformismo político, bem como na formação de
valores ligados ao consumismo, o que era necessário para o desenvolvimento político e econômico do país.
Essas práticas estiveram amplamente ligadas a valores individualistas e presentes de forma bastante clara,
inclusive, na produção de conhecimentos em Psicologia (SCARPARO; GUARESCHI, 2007).

Ao mesmo tempo que ocorriam esses desenvolvimentos da profissão, muitos indivíduos ligados
a práticas tanto do ramo da Psicologia quanto das Ciências Humanas de forma geral enveredaram
pelo caminho do questionamento da sua forma de atuação. Esses indivíduos estavam preocupados
em direcionar o foco de seu trabalho para as demandas apresentadas pelas populações mais carentes,
que claramente passavam por um período bastante difícil, encontrando‑se desamparadas pelo Estado.
Assim, começam os primeiros trabalhos em Psicologia Comunitária:
88
PSICOLOGIA SOCIAL

[...] em alguns locais dá‑se a inserção do psicólogo, com o objetivo de somar


esforços e de colaborar para tornar a Psicologia mais próxima à população,
em geral, e mais comprometida com a vida dos setores menos privilegiados;
buscando com isso uma deselitização da profissão, e as práticas vão
ganhando uma significação política de mobilização e de transformação
sociais. [...] Ao mesmo tempo, nos contextos nacional e internacional,
acompanhava‑se o surgimento de uma série de conflitos sociais decorrentes
da insatisfação popular frente ao descaso e desrespeito das autoridades e à
repressão oriunda das ações do Estado. A intensidade e recorrência desses
acontecimentos começam a imprimir um novo rumo para as relações sociais
forjadas macro e microestruturalmente. É neste contexto que se vê o início
do emprego do termo Psicologia na comunidade (FREITAS, 2002, p. 60).

Nesse movimento, foi significativa a participação dos intelectuais brasileiros na busca pelo processo
de emancipação política. A caminhada em direção à emancipação foi ganhando adeptos e, com eles,
solidez. Houve o surgimento de produções e debates dentro da Psicologia que buscavam desmistificar os
valores e as bases ideológicas das teorias individualizantes que amparavam as práticas dos profissionais
em clínicas e consultórios, organizações, escolas etc. Era um momento no qual uma importante
parcela da categoria questionava o papel e a responsabilidade social da Psicologia, associando‑os aos
preocupantes aspectos sociais e políticos da realidade brasileira de então (FREITAS, 2002).

Dentro das universidades, o movimento ganha força, abrindo espaço para o desenvolvimento de
uma reflexão crítica sobre a função social dessas instituições. Nesse contexto, os professores dos cursos
de formação profissional questionam sua prática, ao mesmo tempo que a crise da Psicologia como
ciência está patente. A antipsiquiatria abala os conceitos de doença mental, deslocando o problema
para a questão da saúde mental e para a possível atuação preventiva na maioria da população – pobre,
oprimida e desatendida pelo Estado (LANE, 2002).

Segundo Scarparo e Guareschi (2007, p. 101), nos cursos de graduação em Psicologia, particularmente
nas disciplinas de Psicologia Social, imperavam textos que apresentavam teorias positivistas de
compreensão dos fenômenos, ligadas diretamente à experimentação:

[...] que privilegiavam a descrição de pesquisa, que utilizavam escalas, grupos


de controle e experimentais, visando adaptação de indivíduos à sociedade
[...]. Desse modo, exacerbavam‑se as crenças na legitimação do controle da
sociedade, através de práticas psicológicas.

Em conjunto com essas referências utilizadas nos cursos de graduação, havia também uma série
de outros autores que tinham seus trabalhos censurados nos cursos durante as décadas de 1960
e 1970. Seus textos, lidos clandestinamente por grupos organizados de estudantes, geralmente
traziam uma compreensão pautada pela importância de práticas emancipatórias, criticando as
práticas individualistas e indo além da mera compreensão do indivíduo conceituado apenas pelas
referências advindas de sua criação na família nuclear. Além disso, os textos continham propostas
que produziam questionamentos quanto aos limites e aos efeitos das práticas psicológicas e
89
Unidade II

pedagógicas. Desse modo, emergiram possibilidades de reflexões críticas sobre os trabalhos


efetivados e proposições de outros modos de abordagem, dentre os quais se destacavam as práticas
participativas e a consideração dos espaços coletivos, o que gerou propostas de trabalhos em
comunidade (SCARPARO; GUARESCHI, 2007).

O movimento pelas eleições diretas, nos anos 1980, e a mobilização popular pelo impeachment
presidencial, no início da década de 1990, tornaram mais intensos o sentimento e a importância do
pertencimento ao coletivo. O movimento constituinte e a promulgação da Constituição Cidadã, em
1988, fizeram que os termos “inclusão”, “igualdade” e “cidadania” fossem mais frequentes na produção
de conhecimentos e nas práticas de psicólogos. Além disso, conforme Scarparo e Guareschi (2007),
na esfera da saúde coletiva, foram fundamentais a Reforma Sanitária, as Conferências de Saúde e a
implantação do Sistema Único de Saúde (SUS).

Juntamente com essas ações, valores como universalidade, equidade e integralidade, mencionados
na Constituição, passaram a ser a tônica no direcionamento das práticas em saúde, direito de todo
cidadão assegurado constitucionalmente. Até mesmo o processo de regionalização da assistência foi
fundamental, já que, a partir dessa perspectiva, as características sociais das regiões puderam ser levadas
em conta na elaboração das estratégias de trabalho.

A história e a cultura das populações assistidas ganham relevância na organização das intervenções
que visam a seu universo. A comunidade passa a fazer parte do processo de planejamento, gestão e
avaliação das intervenções, o que vai acontecer não só na área da saúde, mas também, recentemente,
na área da assistência social, num exercício de incentivo à autonomia e à organização popular em torno
dos objetivos do grupo (SCARPARO; GUARESCHI, 2007).

Nesse sentido, podemos observar aqui o surgimento e a consolidação de uma psicologia que se
afasta da imagem “glamourizada” do psicólogo clínico, profissional liberal que atende em consultórios.
A Psicologia Social Comunitária vem sendo praticada no Brasil há mais de quarenta anos, porém, ainda
é bem menos conhecida e prestigiada do que as práticas clínicas, psicoterapêuticas, psicopedagógicas e
de recrutamento e seleção. Segundo Scarparo e Guareschi (2007), essa perspectiva é visível nos cursos
universitários, nas escolhas dos estudantes.

Para as autoras, parece que o imaginário que fundamenta grande parte da formação e dos projetos
profissionais refere‑se à lógica do profissional autônomo, bem‑sucedido, respaldado por um amplo
cadastro de “pacientes particulares”. Tais “pacientes” são consumidores contumazes das “verdades”
que a Psicologia pode lhes fornecer para garantir o lugar de “pessoa normal”. Tal opção sustenta a
Psicologia como um instrumento de manutenção de lógicas naturalizantes dos fenômenos de controle
e aniquilação das possibilidades de compreender e articular espaços alternativos de produção de vida.

No contexto da história da Psicologia Social Comunitária, dois momentos foram particularmente


importantes em seu processo de desenvolvimento. Durante a década de 1970, muitos trabalhos estavam
sendo realizados em comunidades, mas várias questões de ordem teórica e metodológica foram
surgindo ao longo da experiência com essas práticas, umas mais bem‑sucedidas que outras. A partir
dessa perspectiva, houve um primeiro marco que instituiu o processo de busca de mais reflexão acerca
90
PSICOLOGIA SOCIAL

das práticas que estavam sendo desenvolvidas. Essa reflexão se desenvolveu ao longo de dois encontros,
realizados, respectivamente, em 1981, em São Paulo, e em 1988, em Minas Gerais, em que foram levadas
a cabo discussões sobre o fundamento das práticas da Psicologia em comunidades.

7.3.4 As práticas da Psicologia em comunidades

Serão apresentados neste tópico alguns trabalhos realizados na área da Psicologia Comunitária, na
tentativa de expor um panorama sobre as práticas desenvolvidas sob essa denominação. Assim, será
possível observar, nos relatos das ações, os fundamentos já discutidos, bem como possíveis relações com
a prática do Serviço Social.

Os primeiros trabalhos que podem ser chamados de comunitários foram realizados por cientistas
sociais em comunidades da zona rural, por volta da década de 1940, na América Latina. Foram criados,
na época, os chamados “centros sociais” (LANE, 2002, p. 26), precursores dos centros comunitários atuais,
mas que duravam pouco tempo e:

[...] contavam com o apoio da Igreja Católica, de assistentes sociais e órgãos


governamentais, criando equipes itinerantes interdisciplinares (médicos,
agrônomos, assistentes sociais e outros) que procuravam organizar grupos
locais que dessem continuidade aos trabalhos propostos – basicamente
educativos.

Essencialmente, as atividades desenvolvidas nesses centros apresentavam pouco ou nenhum


engajamento crítico ou político. Visavam desenvolver as potencialidades dos indivíduos por meio da
ação comunitária e, de forma indireta, também a sociedade. Seu primeiro foco de trabalho foi a busca
pela erradicação do analfabetismo, seguido “do ensino de tecnologias agrícolas” (LANE, 2002, p. 27).
Num segundo momento, o trabalho era voltado para a criação de instituições que promovessem maior
integração social na região.

Como afirma Lane (2002), em um seminário realizado em 1960, foram estabelecidos princípios
básicos para o desenvolvimento comunitário que implicavam a ajuda de cientistas sociais orientados
pela perspectiva positivista de sociedade. Esta levava a uma postura essencialmente paternalista, mas
com um discurso desenvolvimentista; tratava‑se, conforme Lane (2002, p. 27), de harmonizar, por meio
da participação de todos, os conflitos existentes, acreditando “que a igualdade social poderia brotar
automaticamente das estruturas econômicas sociais e políticas do capitalismo monopolista”.

Em 1969, na cidade de Amparo, interior do Estado de São Paulo, foi criado um centro comunitário
que buscava “atuar na saúde preventiva e curativa e na educação formal e informal, tendo por
finalidade promover o homem, integrando‑o no meio em que vive” (LANE, 2002, p. 27‑8). As atividades
desenvolvidas no centro comunitário iam desde o atendimento a grupos de mães e jovens, passando
por atividades educativas com crianças da pré‑escola e pela integração escola‑comunidade, até serviços
especialmente na área de saúde (ambulatoriais médicos e dentários, atendimento psicológico), cursos
profissionalizantes e recreação.

91
Unidade II

Segundo Lane (2002), o trabalho do psicólogo dentro daquele centro poderia ser caracterizado pelo
de um profissional de abordagem essencialmente clínica, que dá suporte aos pacientes encaminhados,
sem muito envolvimento com as relações comunitárias, seja a partir da reflexão ou da participação. Nesse
ponto, vemos a crítica feita pela autora a esse tipo de trabalho, em que fica clara a natureza paternalista
e assistencialista da atuação, levando os indivíduos a se manterem fragmentados e distantes das reais
condições envolvidas na manutenção de sua situação social e afastando as reais possibilidades de ação
transformadora por parte deles.

No entanto, existem exceções. Há uma série de trabalhos que procuram fazer uma Psicologia Social
Comunitária, “visando à organização da população para ações com autonomia que levem à solução de
problemas concretos oriundos da contradição fundamental entre capital e trabalho” (LANE, 2002, p. 29).

Freitas (2002, p. 61‑2) também aponta outros trabalhos desenvolvidos durante a década de 1960
na Paraíba, contando com psicólogos formados em São Paulo. Ele destaca o trabalho realizado em
comunidade por profissionais da Psicologia em Belo Horizonte, que atuam até hoje na área, em Porto
Alegre, na PUC‑RS e na UFRGS, e em São Paulo, “onde trabalhos junto a diferentes comunidades
vão sendo realizados tendo a participação de psicólogos que, em sua grande maioria, pertenciam a
quadros de carreira docente; e em outros locais, de modo relativamente disperso e pouco divulgado
naquela época”.

Os trabalhos eram realizados pelos psicólogos de maneira voluntária, ligados à consciência de


seu papel de agentes políticos transformadores junto a essas populações. Os referenciais teóricos
e metodológicos da Sociologia, da Antropologia e do Serviço Social tornaram‑se conhecidos dos
psicólogos, que passam a empregá‑los, com certa prioridade, nos trabalhos desenvolvidos nas
comunidades (FREITAS, 2002).

As características fundamentais dos trabalhos realizados na década de 1960 estavam ligadas à


necessidade de aproximação da Psicologia e das camadas populares. Havia uma preocupação intensa em
mudar a imagem elitista da profissão, levando o instrumental da área para objetivos mais próximos das
necessidades das populações carentes, principalmente no sentido de favorecer a organização popular,
em função de reivindicações de atendimento a suas necessidades básicas e melhoria das condições de
existência. As ações dos profissionais iam desde a assistência psicológica às populações até o auxílio na
organização política.

Ao longo dessa década, pouco se fez para promover reflexões críticas sobre atuações ou
questionamentos a respeito de suas referências teóricas e metodológicas. O momento em que se
encontravam exigia a criação de novas formas de atuação. A necessidade dessa reflexão vai se delineando
ao longo do tempo, principalmente na década seguinte, com o aumento de profissionais envolvidos em
trabalhos ligados às camadas populares.

Nos anos 1970, o processo de mobilização e organização popular em direção a uma maior
participação política foi crescendo. As populações foram desenvolvendo diversos meios para que fossem
ouvidas em suas reivindicações, principalmente, na forma de associações de bairros, de entidades que
buscavam defender o cidadão, de grupos de educação popular etc. Com isso, muitos profissionais liberais
92
PSICOLOGIA SOCIAL

passaram a atuar de forma mais intensa nos setores populares, de forma que pudessem contribuir com
o movimento em direção à emancipação política. Tal participação colaborou para o surgimento de
trabalhos e de publicações que analisavam as formas de organização dos setores populares e estudavam
processos de formação de consciência e de participação política da população (FREITAS, 2002).

Nesse contexto, e na dinâmica em que os acontecimentos sociais foram sendo construídos, pode‑se
dizer, de um lado, que foram o envolvimento e o compromisso do profissional de Psicologia com os
movimentos populares que deram início a essa prática, com características de voltar‑se para problemáticas
diferentes daquelas com que tradicionalmente trabalhavam, ocorrendo em situações e ambientes também
diversos. Os resultados de tal participação geraram a divulgação, por meio de livros, revistas com números
especiais, artigos e apresentação de trabalhos em eventos científicos, das problemáticas sociais vividas pela
população e de possíveis encaminhamentos decorrentes de análises feitas.

Tais trabalhos, segundo Freitas (2002), caracterizavam diversas formas de ação, como reuniões e
discussões acerca das necessidades da vida cotidiana da população, descrições e levantamentos das
condições de vida, das deficiências educacionais e culturais e da saúde da comunidade. Era oferecida
atenção psicológica gratuita para a população, além de participação em eventos como passeatas,
mobilizações populares e abaixo‑assinados dirigidos às autoridades. Estes representavam formas de
protesto contra as condições precárias em que viviam os membros da comunidade e serviam como
instrumentos de reivindicação.

Com a chegada da década de 1980, surgiram novas preocupações em relação às reflexões e


práticas da Psicologia Comunitária. As publicações sobre o assunto começaram a chamar a atenção
dos profissionais, principalmente no intuito de questionar seu caráter “clandestino”, representado
pelo fato de que muitos praticantes da Psicologia Comunitária realizavam trabalhos voluntários, não
havendo um reconhecimento desta como um ramo de atuação profissional. A partir disso, as discussões
puderam cobrir assuntos como a remuneração do trabalho dos psicólogos sociais que trabalhavam
em comunidades, bem como os aspectos ligados às metodologias utilizadas. Assim, o termo Psicologia
Comunitária passa a ser empregado por um número cada vez maior de profissionais, assinalando sua
consagração como uma prática.

Figura 24 – Moradores tentam recuperar pertences depois de incêndio em favela da zona oeste de São Paulo

93
Unidade II

Um dos primeiros momentos em que se noticia, no Brasil, a expressão Psicologia Comunitária, sob
a forma de publicação, é no trabalho A Psicologia Comunitária: Considerações Teóricas e Práticas,
de autoria de D’Amorim (1980). A expressão aparece publicada também em setembro de 1981, na
conferência “Psicologia Comunitária na América Latina”, proferida por Sílvia Lane, durante o I Encontro
Regional de Psicologia na Comunidade, na PUC‑SP. No mesmo encontro, Derdick e seus colaboradores
apresentam o trabalho Psicologia Comunitária em Bairros Periféricos de Osasco, descrevendo a
experiência desenvolvida naquela região (FREITAS, 2002).

No Ceará, em 1980, surgem os primeiros “animadores populares” envolvidos com a alfabetização de


adultos. O movimento tinha como objetivo criar dezenas de círculos de cultura nos bairros da periferia
de Fortaleza, no sentido de fomentar tanto a alfabetização como a organização e a luta comunitária,
conforme Ximenez e Góis (2004). Na época, aqueles que estavam envolvidos nesse processo denominavam
essa prática de “psicologia popular”, baseada muito mais na prática do que na teoria. Com o passar
do tempo e o contato com diversos profissionais também envolvidos nesse tipo de trabalho, houve
maior sistematização das práticas e a necessária articulação teórico‑metodológica que impulsionou os
trabalhos comunitários na região.

Pouco a pouco, essa “psicologia popular” transformou‑se em psicopedagogia popular, uma


integração entre psicologia popular e educação popular; somente em 1987 passou a denominar‑se
propriamente Psicologia Comunitária, integrando os autores já citados às ideias de Góis e Cavalcante
com a articulação de teoria, prática e compromisso social. Em 1992, a fundação do Núcleo de Psicologia
Comunitária (Nucom), como núcleo da Pró‑Reitoria de Extensão da UFC, possibilitou a definição física e
estrutural dos estudos e práticas da Psicologia Comunitária (XIMENEZ; GÓIS, 2004).

Os trabalhos realizados no Ceará contribuíram, de forma fundamental, para a definição da Psicologia


Comunitária como marco dentro na Psicologia Social da América Latina, levando em consideração as
referências histórico‑culturais de formação da mente e de modelos de mudança social e desenvolvimento
do homem.

Em 1980, ocorre um marco na história da Psicologia Social no Brasil: a partir da crescente necessidade
de reflexão crítica sobre as práticas desenvolvidas na Psicologia e da importância da concretização
de um compromisso com uma Psicologia Social que estivesse em condições de refletir criticamente
sobre os aspectos históricos envolvidos nas problemáticas encontradas na prática, é criada a Associação
Brasileira de Psicologia Social (Abrapso), fato ocorrido oficialmente em julho de 1980, na Uerj‑RJ,
durante a 32ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC). A Abrapso será
de extrema importância para a Psicologia brasileira, pois, ao longo de tempo, desenvolveu encontros e
possibilidades de diálogo e reflexão crítica acerca dos temas que faziam parte dos principais trabalhos
relizados nas diversas regiões do país. Muitas delas passaram a contar com núcleos e regionais da
Abrapso, responsáveis pela promoção de encontros regulares para o debate e a troca de experiências
(FREITAS, 2002).

A partir dos anos 1990, há uma nova transformação delineando‑se nos trabalhos comunitários.
A diversidade de elementos filosóficos, teóricos e metodológicos que vinha surgindo nas décadas
anteriores continua se desenvolvendo, ampliando a gama de práticas realizadas no contexto
94
PSICOLOGIA SOCIAL

comunitário. Passa‑se a ouvir, mais frequentemente, a denominação de Psicologia da Comunidade.


São práticas desenvolvidas quando o psicólogo está no posto de saúde, na Secretaria do Bem‑Estar
Social, em algum órgão ligado à família e aos menores, ou quando está em algum setor vinculado
às instituições penais. Ele, enfim, ocupa um espaço profissional em alguma instituição, normalmente
pública, que tem como objetivo ampliar e democratizar o fornecimento dos serviços, de diversas
áreas, para a população em geral.

Dessa maneira, trata‑se de uma atuação que passa a ser desenvolvida como uma demanda solicitada
por uma instituição. É uma atividade que surge associada ao contexto do trabalho social na área da
saúde, havendo o surgimento de questões ligadas à saúde coletiva, nas quais é esperado do psicólogo
que ele tenha um papel social nos movimentos de saúde. Isso contribui para que a Psicologia passe a ser
vista, fundamentalmente, como uma profissão da saúde (FREITAS, 2002).

Os trabalhos desenvolvidos nessa época passam a apresentar grande influência dos movimentos
ligados à Psicossociologia, bem como à análise institucional, trabalhando com diversas formas de
intervenção psicossocial.

Ao longo desses mais de quarenta anos, houve grandes transformações no cenário das práticas
da Psicologia em comunidade. Com as eleições diretas, após o fim da Ditadura Militar, ampliaram‑se
as possibilidades de trabalho para os profissionais das Ciências Humanas e Sociais, principalmente no
setor de prestação de serviços à população. Com isso, o espaço para o reconhecimento da profissão do
psicólogo também foi sendo conquistado junto aos setores populares.

Observação

No âmbito das ações de assistência social, é importante diferenciar


assistência de assistencialismo, este último uma prática que visa à
manutenção do status quo. A Psicologia Comunitária contraria o
assistencialismo.

7.3.5 Os fundamentos da Psicologia Social Comunitária

Uma das características de destaque referida por diversos autores pesquisados (LANE, 2002;
SCARPARO; GUARESCHI, 2007; RAMOS; CARVALHO, 2008) aponta para a questão dos fundamentos
teóricos, metodológicos, filosóficos e políticos da Psicologia Social Comunitária. Em todos os trabalhos,
verificamos a ênfase dos autores em apresentar a necessidade de um rompimento com o que caracteriza
em grande parte as práticas realizadas pelos profissionais liberais em consultórios e clínicas privadas.
Tais concepções quase sempre se utilizam de pressupostos que minimizam, quando não desprezam, o
papel da realidade social circundante na formação da subjetividade dos sujeitos.

A Psicologia Comunitária dedica‑se a estudar e compreender o cenário de questões psicossociais que


caracterizam uma comunidade, bem como intervir nele. Salienta‑se por sua praticidade e pela diversidade
das opções teóricas e intencionalidades que estruturam seus fazeres (SCARPARO; GUARESCHI, 2007).
95
Unidade II

Na definição apresentada pelos profissionais do Nucom (XIMENZES; GÓIS, 2004), observamos


aspectos semelhantes quando se propõe que a Psicologia Comunitária debruça‑se sobre o significado
e o sentido, bem como sobre os sentimentos pessoais e coletivos que fazem parte do modo de vida de
uma comunidade. Trata também, como objeto de estudo, da forma pela qual o sistema de significados,
sentidos e sentimentos que compõem o universo subjetivo dos indivíduos encontra‑se presente nas
atividades comunitárias e nas condições gerais de vida.

Pode‑se dizer que a Psicologia Comunitária estuda o modo de vida da comunidade e como este se
reflete no pensamento de seus moradores para, de novo, surgir transformado nas atividades concretas
no dia a dia. Significa, também, compreender as necessidades dos moradores e a importância do
compromisso que o psicólogo comunitário tem com a coletividade que estuda e/ou onde atua
(XIMENEZ; GÓIS, 2004).

Quando pensamos na tarefa de construção do “sujeito comunitário”, deve servir como norte a noção
de indivíduo como responsável pela realidade histórico‑social na qual vive, capaz também de realizar
transformações nessa mesma realidade. Suas ações devem ser pautadas pela promoção da consciência
de que o sujeito é capaz de influir na história de sua comunidade e da sociedade de modo geral.

Aqui, pode‑se entender o sujeito surgindo da superação das contradições sociais em que vive o
morador, como consequência do desenvolvimento de sua prática social local. Nessa perspectiva, o
indivíduo, ao transformar a realidade, apropria‑se cada vez mais dela e passa a conhecê‑la; torna‑se,
assim, sujeito de sua história, de sua realidade, e percebe‑se responsável por seus desdobramentos, junto
com os demais indivíduos e, também, mediatizado por eles em sua relação com o mundo. O sujeito da
realidade tem uma consciência aprofundada no mundo histórico‑cultural e adota uma atitude crítica
diante da sua realidade físico‑social (XIMENEZ; GÓIS, 2004).

Nesse sentido, Lane (2002), Freitas (2002) e Ramos e Carvalho (2008), dentre outros, enfatizam
a necessária interdisciplinaridade, abrindo vias de comunicação entre diversas disciplinas como uma
ferramenta que visa ampliar as possibilidades de compreensão e de intervenção nos fenômenos sociais
– em diversos casos, fonte de produção de sofrimento, principalmente em populações que não têm
garantidas condições mínimas de existência. Para esse propósito, a discussão dos fundamentos da
prática da Psicologia em comunidades é fundamental.

Quando do início da consolidação dos primeiros trabalhos em Psicologia Comunitária, começa a


surgir a necessidade de caracterização dessa prática. Nesse contexto, é realizado, em 1981, o 1º Encontro
Regional de Psicologia Social na Comunidade, organizado pela Regional São Paulo da Abrapso, que
visava pôr em pauta essas problematizações e definir as características da atuação do psicólogo na
comunidade. Ela se caracterizaria por visar ações preventivas em saúde mental, ou poderia ser definida
a partir de práticas educativas e de conscientização? Foram essas as principais questões deixadas pelo
resultado desse encontro.

O que se vê nesse momento é ainda uma visão do psicólogo que se define pelas técnicas que utiliza,
e não pelo conhecimento que tem do psiquismo humano, do indivíduo como pessoa que se constrói na
relação com os outros, no desenvolvimento de suas atividades, no movimento de sua consciência e na
96
PSICOLOGIA SOCIAL

produção de sua identidade. É ainda uma visão fragmentada do indivíduo: aprendizagem e educação
são um processo, terapia é outro, conscientização é outro ainda. Parece que o único ponto constante
é a relação grupal: é nos encontros com outros que descobrimos a realidade, a individualidade e a
sociedade. Diferentes ideias são discutidas em torno de técnicas e não consideraram nem a natureza do
psiquismo humano, nem aquela do indivíduo que interage com outros.

Nesse primeiro encontro, são discutidas as bases da Psicologia Social Comunitária, do ponto de
vista de suas ações e das técnicas utilizadas, com certa ausência dos conhecimentos próprios da ciência
psicológica. Ainda assim, a troca de experiências e o conhecimento sobre quais são as ações realizadas
nas diferentes regiões e comunidades foram de extrema importância para o desenvolvimento dessa
prática, auxiliando no processo de delineamento das características da Psicologia Social Comunitária.
De qualquer forma, o trabalho ainda estava apenas em seu início.

Em 1988, no Encontro Mineiro de Psicologia Comunitária, também organizado pela Abrapso, a


tarefa que fora apenas esboçada na reunião anterior passou a ser o foco do trabalho: a definição das
especificidades da Psicologia em comunidade.

Os resultados do encontro apresentaram avanços na definição da atuação do psicólogo em


comunidades, identificada sua ação com o desenvolvimento de grupos conscientes e instrumentalizados
para, cooperativamente, constituir sua autonomia. Nesse sentido, a reflexão sobre as relações intragrupais,
intracomunitárias e intercomunitárias ganhou espaço no debate sobre a comunidade e o cotidiano,
tanto de uma perspectiva que buscava compreender as formas de violência quanto daquela que via
nessas relações possibilidades de cooperação e transformações.

A pertinência dessas práticas veio apresentando resultados importantes, além de novas aberturas para
a reflexão crítica acerca das contribuições da Psicologia Social para as transformações cotidianas, já que,
passados mais de vinte anos da apresentação dos trabalhos nos encontros citados, ainda estão sendo
criados programas que buscam aumentar o escopo da Psicologia Comunitária e de suas possibilidades
de intervenção como prática profissional.

Além dos trabalhos apresentados nos encontros, várias universidades têm criado o que chamam de
“serviço de extensão”, visando integrar alunos e professores de diferentes áreas na prestação de serviços
à sociedade em geral. Nessa linha, a participação de psicólogos em trabalhos comunitários tem sido
bastante significativa.

Lane (2002, p. 26) apresenta como exemplo os trabalhos realizados na Universidade Metodista de
Piracicaba‑SP (Unimep),

[...] onde o serviço de extensão se origina pela atuação da equipe de


psicólogos sociais [...], junto à população favelada da cidade, levando‑a a se
constituir em associação, a reivindicar seus direitos, a melhorar sua condição
de vida, chegando a um projeto de autoconstruções, com a participação de
vários setores da universidade.

97
Unidade II

Mais recentemente, podemos citar o trabalho de Ramos e Carvalho (2008), que descreve uma
pesquisa etnográfica realizada em conjunto por professores e alunos da Universidade Paulista (UNIP)
com a população do conjunto de favelas da zona norte de São Paulo, conhecido como Complexo da
Funerária. Sobre os resultados do trabalho, os autores destacam seu potencial:

[...] enquanto críticos do status quo e mobilizadores das populações mais


pobres para a mudança de suas realidades, na medida da participação
destas populações em todo o processo de investigação e transformação:
do diagnóstico à intervenção, passando pelo estabelecimento de objetivos
comuns (RAMOS; CARVALHO, 2008, p. 174).

Todas essas formas de ação trazem desafios importantes para os profissionais que se envolvem
com esse tipo de trabalho. É necessária a disposição para o questionamento crítico das referências
teóricas e metodológicas importadas de outros contextos, pois estas, em grande parte, acabam por não
servir como parâmetro satisfatório na compreensão e reflexão crítica dos fenômenos observados na
realidade social das comunidades. A Psicologia Social Comunitária, como afirmam Ramos e Carvalho
(2008), acaba por solicitar uma disposição para o compartilhamento de responsabilidades em meio a
estranhezas e incertezas.

Scarparo e Guareschi (2007) citam um estudo comparativo fundamental realizado por


Serrano‑Garcia e Collazzo (1992) sobre as principais diferenças entre as práticas desenvolvidas
em Psicologia Comunitária nos Estados Unidos e na América Latina. Foi analisada uma série de
experiências realizadas em comunidades nesses contextos, buscando delinear quais referenciais
caracterizavam suas práticas. De acordo com a pesquisa, as práticas realizadas nos Estados Unidos
tinham como base a Psiquiatria Clínica comunitária e a Psicologia condutista, em que o profissional
dá o direcionamento do trajeto, guiando o paciente em direção aos objetivos estabelecidos, a partir
de uma perspectiva ecológico‑contextual e do olhar da Psicologia Organizacional. Quando se refere
aos trabalhos realizados na América Latina, a análise revela que os trabalhos aqui desenvolvidos
são marcados:

[...] por uma ampla diversidade de marcos conceituais, que revelaram a busca
de apoio numa dialética marxista, em estudos transculturais, na preocupação
com o desenvolvimento social e econômico, com a tecnologia, com a ação
e mudança social e com a interdependência entre fatores estruturais,
psicológicos e condutuais (SCARPARO; GUARESCHI, 2007, p. 104).

Pode‑se observar nessas diferenças que, no contexto da América Latina, há uma maior mobilização de
reflexões que levam em conta os diversos aspectos envolvidos na produção dos fenômenos observados
nas comunidades, rompendo com perspectivas que fecham diagnósticos pautados por referências únicas
de compreensão da realidade. De acordo com as autoras, a Psicologia Social Comunitária no Brasil,
com sua perspectiva pautada por uma compreensão sócio‑histórica, que busca “a interlocução com os
movimentos sociais e com outros saberes pode inspirar práticas atentas à complexidade do cotidiano”
(SCARPARO; GUARESCHI, 2007, p. 104).

98
PSICOLOGIA SOCIAL

Lane (2002, p. 24) aponta que, nos resultados dos trabalhos apresentados e dos debates realizados
na tentativa de sistematização das práticas em Psicologia Comunitária no Encontro Mineiro de 1988,
a peça‑chave para se pensar a especificidade da atuação do psicólogo estaria ligada às técnicas de
dinâmica de grupo. Segundo a autora, é

[...] a partir do conhecimento dos grupos e das instituições que se chega à


organização popular [...]. As atividades desenvolvidas, além de propiciar o
treinamento de estudantes de Psicologia, treinam os moradores em técnicas
de auto‑organização, através de recursos que vão desde um vídeo sobre a
favela [por exemplo], de informações sobre direitos que a comunidade tem
para ir em busca de soluções, até uma prática grupal – espaço de palavra
livre – visando à auto‑organização e à criação de cooperativas.

Dessa forma, podemos observar que a pedra de toque dos trabalhos e das experiências comunitárias
são os grupos. Estes são a condição para que se possa ter acesso à realidade vivida pela comunidade,
para que esta possa se fazer objeto de reflexão, mas também são o ponto de partida necessário para a
realização de ações conjuntas e organizadas. Segundo Lane (2002), fala‑se de consciência e de atividade,
categorias fundamentais do psiquismo humano, que organizam uma grande parcela daquilo que se
sabe sobre comportamentos, sobre o processo de aprendizagem e sobre nosso funcionamento cognitivo.

A partir das considerações aqui tecidas, pode‑se caracterizar o trabalho do psicólogo em comunidades
como estando ligado diretamente ao trato com a linguagem e com o pensamento no âmbito dos grupos.
A partir desses campos, o profissional pode compreender e analisar as categorias fundamentais da vida
cotidiana, definidas como atividade, consciência e identidade, bem como intervir nelas. É nas relações
com os outros e com as instituições que regulam essas relações, seja no nível comunitário, seja no mais
amplo do Estado ou do país, que irão se desenvolver as relações sociais fundamentais na constituição
dessas categorias.

As atividades desenvolvidas e as relações sociais ligadas a elas vão fazendo parte dos elementos
constitutivos da vida social do indivíduo, em que, além da construção de sua identidade, permeada
pelos elementos presentes nessas relações e nesses contextos, há a possibilidade sempre presente de
transformação da realidade.

Em resumo, o psicólogo na comunidade trabalha fundamentalmente com linguagem e representações,


com relações grupais – vínculo essencial entre o indivíduo e a sociedade – e com emoções e afetos
próprios da subjetividade, para exercer sua ação na perspectiva de instituir grupos em que indivíduos
irão, algum dia, viver em verdadeira comunidade (LANE, 2002).

Segundo Lane (2002), a Psicologia Comunitária caracteriza‑se por um fazer que procura conhecer as
condições tanto internas quanto externas ao homem, que atuam como obstáculos ao exercício de sua
condição de sujeito dentro da comunidade. Ao mesmo tempo, essas mesmas condições são o ponto de
partida para a construção de sua personalidade, de sua consciência de si e de sua capacidade crítica e
transformadora, instrumentos fundamentais para uma participação efetiva na construção de uma nova
realidade social.
99
Unidade II

Contemporaneamente, a Psicologia Social Comunitária também veio sendo alvo de reflexões


que procuram incluir mais ativamente na teoria e na prática as dimensões subjetivas presentes nas
comunidades e a presença do afeto como categoria de análise (SAWAIA, 1999). Embora a reação aos
modelos assistencialistas nos cenários latino‑americano e brasileiro implicasse ações que deveriam levar
à tomada de consciência das populações mais pobres em relação à exploração social, a instalação de
uma necessária posição crítica junto a essas populações expandiu muito os interesses pelos fenômenos
coletivos, sem buscar solucionar as dimensões subjetivas dessas populações.

Assim, a atualização da preocupação ética e política e de compromisso com a busca de uma sociedade
justa e não excludente solicita compreender uma comunidade como lugar de integração e autonomia
tanto para o desenvolvimento da individualidade quanto para o reconhecimento das relações intrínsecas
entre o coletivo e os indivíduos. Com isso, as ações nas comunidades passam a ter uma dimensão
ético‑política que defende a libertação de cada um e a liberdade de todos, o que pode ser conseguido
a partir de um discurso compartilhado e construído coletivamente, mas que não deixa de considerar os
componentes subjetivo‑afetivos presentes em tais grupos (SAWAIA, 1999).

As intervenções possíveis nos grupos sociais que se pretende instituir como comunidades, dentro
dos princípios de uma nova relação, devem ser compreendidas num âmbito, que é o psicossocial, como
descrito anteriormente, o que faz menção às esferas individual e social como possuindo uma relação
dialética, e não instituídas como polaridades. Tais intervenções se dão no âmbito das relações e, dentro
de uma perspectiva crítica, devem produzir transformações sobre as relações que, além de comportar
assimetrias e diferenças, são também relações de dominação econômica, política ou cultural, para que as
próprias comunidades possam se constituir como autônomas e responsáveis pela sua gestão (autogestão).

As ações sobre os grupos humanos, no âmbito das comunidades, exigem a disponibilidade para dar
conta das características históricas, políticas, sociais e culturais de um determinado grupo. O trabalho
com esses grupos ocorre no intercruzamento de diferentes campos: o do contexto político e social
e o do imaginário do grupo no qual se realiza a intervenção – isso tudo em meio a um contexto
do qual participa ativamente o profissional/mediador envolvido na intervenção. Não se trata de ação
neutra ou distante dos sujeitos, mas profundamente marcada por relações que se dão também entre
os responsáveis pela intervenção, um conjunto que pode conter alunos, professores e profissionais de
diferentes especialidades, além daqueles que são alvo daquela ação: a comunidade.

7.3.6 A Psicologia Social Comunitária e o Serviço Social no mundo globalizado

Vemos que, de certa forma, pela amplitude das mudanças produzidas pelo processo de globalização,
é fundamental que haja um olhar sistêmico sobre as questões problemáticas enfrentadas na área das
Ciências Humanas. A Psicologia Comunitária, em seu trabalho de compreensão e valorização dos recursos
públicos, da autonomia política, da importância atribuída aos valores comunitários, como ponto de
partida da organização popular e da luta por transformações, tem muito a contribuir e a crescer com
uma prática desenvolvida em parceria com o Serviço Social.

As mudanças de ordem global têm consequências muito importantes também no âmbito cultural,
porque são capazes de promover transformações intensas na vivência mais direta das pessoas. Diversas
100
PSICOLOGIA SOCIAL

marcas e diversos serviços circulam por todo o mundo, objetos são trocados e retirados de seus contextos e
carregados com novos sentidos, grandes possibilidades de mudanças de rumos e de sentidos são postas em
perspectiva num ritmo impensável em outro momento da história recente, e as identidades e os projetos
de vida duram apenas enquanto mantêm a sensação da novidade, da surpresa e de algum benefício.

O processo de globalização vem fazendo que, em muitos casos, as formas de organização das
camadas populares tenham de ser repensadas, a fim de que possam ter formas eficazes de luta política
por seus direitos e também produzir uma estrutura de subsistência capaz de fazê‑los produzir renda,
trabalho e, com isso, a movimentação da economia local.

Ainda nos dias de hoje, mesmo com o aumento da diversidade e da complexidade das questões
colocadas para a prática na área das Ciências Humanas e Sociais, a tensão integração versus revolução não
se deixa calar. Afinal de contas, observando as consequências do processo de globalização, sua progressiva
produção de aumento na questão da divisão social – e também na desigualdade social, em conjunto com
uma progressiva integração da economia mundial – coloca todos os trabalhadores à mercê dos interesses
das grandes corporações, e o Estado perde cada vez mais seu poder (ou capacidade?) de atender os cidadãos
e fazer cumprir os direitos sociais destes, principalmente os das camadas mais populares.

Figura 25 – Debate sobre mídia e globalização (Fórum Social Mundial, 2003)

Esse fato coloca a questão radical da impossibilidade do trabalho social sem posicionamento político,
questão essa que tem promovido debates importantes na Psicologia, em busca de uma atuação mais
comprometida com as questões econômicas e sociais que estão na base da estrutura da sociedade e
que produzem parte considerável dos problemas das diversas áreas de trabalho nas quais os psicólogos
realizam suas práticas, dos consultórios e escolas até as organizações.

Assim, é fundamental que o assistente social conheça com maior profundidade os trabalhos da Psicologia
Comunitária, como forma de auxiliar na diluição dos preconceitos e fantasias do senso comum acerca do
trabalho do psicólogo e dos métodos que utiliza em sua prática, para que, a partir disso, possa aproveitar
e assimilar contribuições que ele é capaz de oferecer. Desse modo, será possível uma prática profissional
engajada na luta política por melhorias, pela conscientização e emancipação das camadas populares, por
um processo que busque a organização e a prática da autonomia dos indivíduos e da comunidade. Enfim,
que essa prática possa se tornar um espaço de diálogo e de produção de modos de existência.
101
Unidade II

Essa perspectiva é fundamental na medida em que, para muitas pessoas, a comunidade é o espaço
em que os indivíduos vão aprender e apreender o mundo. O incentivo para que as pessoas se apropriem
de seus recursos e das informações necessárias acerca de seus direitos, que se organizem na elaboração
de um projeto coletivo comum, que se envolvam nas discussões políticas e nas lutas por seus direitos,
tudo isso é de extrema importância. É nesse solo que podem ser plantadas as sementes da mudança e
da busca por uma sociedade que valorize o indivíduo como membro inalienável da coletividade. Nele
também é considerada condição inalienável dos indivíduos a vida em coletividade.

Montaño (2006) indica que a profissão do assistente social vem vivendo de forma intensa os efeitos
das transformações globais e a necessidade urgente da construção coletiva de um projeto profissional
ético‑político que possa se empenhar de forma crítica na articulação de suas funções. É assim que a
situação atual desafia a profissão a enfrentar essas inflexões e a construir respostas coletivamente. As
possibilidades de concretização desses desafios profissionais não são alheias às tendências sociais e às
correlações de forças existentes na sociedade.

Segundo o autor, as ações que pretendem contribuir para a transformação do quadro atual de nossa
sociedade, do ponto de vista do projeto profissional ético‑político do assistente social, devem pautar‑se
pela busca de um projeto profissional hegemônico, ou seja, que transcenda as ações individuais. Nesse
sentido, acaba se configurando muito mais como um “processo” do que como um projeto – um processo
em constante construção, em diálogo com as questões e os desafios postos em prática pelas articulações
da economia e da política na contemporaneidade.

Um projeto profissional não é algo isolado, mas necessariamente inspirado em e articulado com
projetos societários. Portanto, importa, redimensiona e se insere em determinados valores, ideologias e
projetos, sendo articulado com atores sociais que representam valores, ideologias e projetos profissionais
hegemônicos. Além disso, os projetos profissionais não só se inserem em projetos e valores sociais, mas
estão, de alguma maneira, condicionados pelo lugar que ocupam na correlação de forças na sociedade
(MONTAÑO, 2006).

Na Psicologia Comunitária vemos um direcionamento e uma abertura das reflexões sobre as práticas
em comunidades que indicam uma série de possibilidades de diálogo, com a perspectiva apresentada
por Montaño (2006). Isso porque a Psicologia Comunitária entende as comunidades como espaços
de produção de sentido, como espaços relacionais em que são construídas as representações que irão
permear as identidades e as visões de mundo de seus moradores.

Essa área explicita o objetivo de colaborar com a criação de espaços relacionais que vinculam os
indivíduos a territórios físicos ou simbólicos e a temporalidades partilhadas num mundo assolado
pela ética do “levar vantagem em tudo” e do “é dando que se recebe”. Esses espaços comunitários
alimentam‑se de fontes que lançam a outras comunidades e buscam na interlocução da fronteira o
sentido mais profundo da dignidade humana. Enfim, a Psicologia Social Comunitária delimita seu campo
de competência na luta contra a exclusão de qualquer espécie (SAWAIA, 2002).

Campos (2002, p. 10) a conceitua como composta por trabalhos que

102
PSICOLOGIA SOCIAL

[...] partem de um levantamento das necessidades e carências


vividas pelo grupo‑cliente, sobretudo no que se refere às condições
de saúde, educação e saneamento básico. A seguir, utilizando‑se
métodos e processos de conscientização, procura‑se trabalhar com
grupos populares para que eles assumam progressivamente seu papel
de sujeitos de sua própria história, conscientes dos determinantes
sociopolíticos de sua situação e ativos na busca de soluções para os
problemas enfrentados. A busca do desenvolvimento da consciência
crítica, da ética da solidariedade e de práticas cooperativas ou mesmo
autogestionárias, a partir da análise dos problemas cotidianos da
comunidade, marca a produção teórica e prática da Psicologia Social
Comunitária.

O desafio atual é encontrar formas de atuação profissional que sejam menos alienantes e menos
opressoras, respondendo aos desafios colocados pelo processo de globalização e pela nova ordem
dos fenômenos sociais, para os quais a opressão e o controle social são muito mais insidiosos, difíceis
de localizar e de contrapor. É o desafio de encontrar formas de luta mesmo contra essas formas de
alienação e opressão que se beneficiam das condições de isolamento que temos construído, cada
um de nós, em torno da noção de indivíduo e da prevenção em relação a grupos e coletivos. Esse é o
nosso desafio.

Saiba mais

Há muita vida, iniciativa e superação dentro das comunidades. Para


uma visão panorâmica dessas realidades, especialmente no Rio de Janeiro,
visite os sites a seguir:

www.vivafavela.com.br

www.observatoriodefavelas.org.br

8 PSICOLOGIA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE E DESENVOLVIMENTO


SOCIAL

8.1 Psicologia e políticas públicas

No início da sua história como atividade profissional, a Psicologia esteve associada muito
intensamente aos interesses da elite, nas práticas de controle social e estigmatização da diferença.
Os serviços oferecidos pelos profissionais de Psicologia – as práticas de intervenção clínica – estavam
restritos, até pelo menos a década de 1980, a uma pequena parte da população que era capaz de arcar
com os seus honorários (YAMAMOTO, 2003).

103
Unidade II

A crise econômica iniciada na década de 1970 foi corresponsável por uma mudança no perfil profissional
do psicólogo, que, graças à falência do modelo profissional liberal, de consultório, passa a se inserir no
mercado de trabalho (muitas vezes, deve‑se considerar, a contragosto) como empregado. Outros campos
se abriram, especialmente no setor de bem‑estar, alavancado pela recondução democrática do país. Ainda
assim, o desejo de ser um “psicólogo profissional liberal”, a despeito da falta crônica de psicólogos na
assistência social e na saúde pública, continua dramaticamente alimentando a procura pela formação.

Com tal cenário, revigorado a partir da reinvenção do estado democrático brasileiro com a condução
de Fernando Henrique Cardoso e com a eleição de Luís Inácio da Silva, seria possível dizer que os
psicólogos estão efetivamente comprometidos com as políticas públicas de atendimento às camadas
mais amplas da população?

Um dos elementos decisivos para discutir esse tema é a questão social, que Yamamoto (2003, p. 43),
a partir de uma perspectiva crítica, define como o conjunto de problemas políticos, sociais e econômicos
postos pela emergência da classe operária no processo de constituição da sociedade capitalista, ou “a
manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia”. A “questão
social” que irá alimentar o setor de bem‑estar seria, assim, um efeito da legitimação política do Estado
a partir da institucionalização de direitos e garantias sociais.

A questão social, como acabamos de definir, é tratada por meio de políticas sociais setorizadas (saúde,
educação, desenvolvimento social, segurança etc.) que procuram tratar das suas sequelas, cenário no
qual virão atuar as profissões do setor de bem‑estar, como a Psicologia, para lidar com a importância e
os limites dessa atuação.

Entre as décadas de 1980 e 1990, as políticas públicas no Brasil, como em outros países
latino‑americanos, sofreram um importante revés da agenda neoliberal, que, entre outros princípios,
sustentava a instituição de um Estado mínimo, com a desmontagem dos serviços de bem‑estar social.
Seja pela própria precariedade dos serviços, seja pela barragem oferecida mais recentemente pelo
Governo Federal, isso não se concretizou, embora ainda revele um grande conflito vivido na sociedade.
Atualmente, esse debate encontra‑se na pauta do dia, por exemplo, em relação à saúde, quanto à
importância ou não de se possuir um serviço público e universal que não seja subfinanciado.

Saiba mais

Em relação ao subfinanciamento da saúde, veja a discussão sobre a


Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 29, atualmente em análise no
congresso:

BRASIL. Ministério da Saúde. EC‑29 – o caminho para o financiamento


do SUS. Brasília, 2001. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/
apresentacao/emenda29.htm. Acesso em: 30 set. 2013.

104
PSICOLOGIA SOCIAL

Em contrapartida, Yamamoto (2003) indicava como havia um espaço aberto – e promissor – para
a ação do profissional de Psicologia no campo das ações de bem‑estar, como nos movimentos sociais,
no campo e na cidade, na atenção à criança e ao adolescente etc. O autor sugeria a importância do
alinhamento da categoria aos setores progressistas como caminho para a sustentação de políticas
sociais consequentes no trato da questão social.

O lugar e a contribuição da Psicologia para as políticas públicas e a questão social devem ser
considerados a partir da sua inserção profissional, da produção de conhecimento e das escolhas
envolvidas nessa produção. No que diz respeito especialmente à Psicologia Social, uma das suas
principais contribuições para esse debate situa‑se no âmbito da organização popular, na atenção aos
grupos que demandam as políticas de bem‑estar, sendo o campo da Psicologia Social Comunitária o
que lida teórica e metodologicamente com tais condições. Aqui, por exemplo, a ação que a busca de
construção de espaços de encontro nas relações intersubjetivas desafia é a ideia de uma subjetividade
isolada (solipsista) ou universal na construção de projetos coletivos.

De acordo com Gonçalves (2002), as contribuições da Psicologia Sócio‑Histórica para as políticas


públicas dizem respeito ao reconhecimento da historicidade das subjetividades e como estas são
diferenciadas em razão da desigualdade que marca a sociedade. Desse modo, as diretrizes de tais
políticas não podem ser universais e devem considerar essas diferenças.

Considerar as subjetividades não é vê‑las como fenômenos “em si”, mas, dentro desse enquadramento
das intersubjetividades e dos projetos coletivos, buscar localizar o indivíduo como sujeito histórico,
reconhecendo, portanto, seu vínculo com a coletividade e seu compromisso com a transformação social
(GONÇALVES, 2002).

Em resumo, é preciso elaborar políticas públicas que levem em conta a historicidade das experiências
subjetivas e que não podem ser construídas para sujeitos universais – ou únicos –, sob o perigo de essas
contribuírem para a manutenção da desigualdade.

Por conta desse cenário de valorização da ação profissional como resultado das políticas públicas,
houve, desde a primeira década de 2000, um movimento importante da classe dos psicólogos, no sentido
de situar e sustentar a Psicologia no âmbito das políticas de proteção social, inclusive no que diz respeito
à própria capacitação e adequação profissional (técnica e política), o que pode ser visto nas discussões
anuais do CFP sobre saúde pública e educação ou mesmo na instituição do Centro de Referência Técnica
em Psicologia e Políticas Públicas (Crepop).

O Crepop surge em 2006 com o objetivo de “consolidar a produção de referências para atuação dos
psicólogos em políticas públicas, por meio de pesquisas multicêntricas coordenadas nacionalmente”
(CREPOP, 2007). Dessa forma, a ação dos profissionais de Psicologia passou a ser apoiada por um
grande conjunto de informações coletadas entre os próprios profissionais atuantes em diferentes
setores atendidos por políticas públicas. Constituído como centro de pesquisa e com presença em
todo o país, ele reúne e disponibiliza informações que possam colaborar para a ação do psicólogo em
diferentes campos.

105
Unidade II

Atualmente, esse centro possui dados referentes a pesquisas relacionadas à atuação de psicólogos
em políticas públicas nos seguintes campos:

• álcool e outras drogas;

• atenção à mulher em situação de violência;

• centros de atenção psicossocial – Caps;

• Cras‑Suas;

• diversidade sexual e promoção da cidadania LGBTT;

• DST/HIV/aids;

• educação básica;

• enfrentamento a violência, abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes;

• esporte;

• medidas socioeducativas em meio aberto/liberdade assistida;

• medidas socioeducativas em unidades de internação;

• mobilidade urbana, transporte e trânsito;

• programas de educação inclusiva;

• proteção social especial;

• serviços de atenção básica à saúde;

• serviços hospitalares do SUS;

• Sistema Prisional Brasileiro;

• Vara de Família no Poder Judiciário.

106
PSICOLOGIA SOCIAL

Saiba mais

É possível acessar os documentos de referência publicados, os resultados


das pesquisas realizadas, as legislações e os documentos a respeito de
diversas políticas públicas, a agenda de eventos nacionais e regionais sobre
Psicologia e políticas públicas, e ainda as notícias sobre seleções e concursos
para contratação de psicólogos no site a seguir:

http://crepop.pol.org.br/novo/

8.2 Subjetividade e práticas de prevenção em saúde coletiva

As ações de saúde desenvolvidas sob o espírito pioneiro e transformador do SUS, presentes nos
programas de atenção à saúde, como o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (Paism) ou na
Estratégia Saúde da Família (PSF), são exemplos de como o profissional de Psicologia pode ser solicitado
a sair de seu invólucro teórico‑técnico para assumir o protagonismo da ação de saúde. O HumanizaSUS,
outro projeto de atenção que visa à humanização dos serviços públicos de saúde, também se refere a
esses princípios.

A saúde pública no Brasil tem como momento marcante as deliberações da Assembleia Nacional
Constituinte de 1988, que, entre outras decisões, fundou o Sistema Único de Saúde. Este é um sistema de
atendimento a todos os brasileiros, regido pelos princípios de universalidade, equidade e integralidade,
tendo a participação da sociedade na sua gestão. Os psicólogos vêm ingressando no campo por meio de
sua participação nas Unidades Básicas de Saúde e nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), modelo
alternativo ao tratamento manicomial.

Figura 26 – Brasília – Reunião comemorativa dos vinte anos do SUS

107
Unidade II

Se a entrada não parece ser uma dificuldade, o modo pelo qual esse trabalho veio sendo desenvolvido
ainda é alvo de muita controvérsia. Como exemplo para esse debate, ainda vigora como prática
hegemônica nesses serviços a reprodução dos modelos clínicos tradicionais e da psicoterapia oferecidos
pelos profissionais. A problematização da ação de saúde, o engajamento em movimentos como a Reforma
Sanitária, que foi o berço do SUS, assim como a efetiva prática interdisciplinar, parecem distantes da
prática da maioria desses profissionais. O resultado é que, apesar do aumento da oferta dos serviços a
uma parcela maior da população, tal serviço nem sempre pode ser compreendido no sentido crítico e
comprometido, o que acaba por desqualificá‑lo como ação transformadora.

Do ponto de vista da inserção técnica e da especificidade do trabalho do psicólogo no contexto


da saúde, as ideias de intersubjetividade, identidade, processo grupal e vínculo poderão se
materializar nas relações que se dão entre os diferentes atores que participam dessas cenas. Nas
práticas de saúde, tais elementos vão transparecer e determinar como estes podem ser exercidas,
suas perspectivas e seus limites.

O campo da Psicologia Social da saúde tem se mostrado uma área que organiza e se presta ao
desenvolvimento de ações de saúde que envolvem as relações entre profissionais e entre estes e a
população‑alvo desses serviços. É visto como integrado aos mesmos princípios que têm orientado a
implantação de serviços públicos de saúde para o atendimento das necessidades sociais.

Spink (2003) afirma que a Psicologia Social da Saúde tem como referenciais para a atuação duas
questões. A primeira é a condição do contexto da intervenção, na qual é destacada a importância de
se compreender a história e o âmbito da instituição para a implantação de uma ação de saúde, assim
com as pessoas que a compõem – profissionais e clientela. Devem ser consideradas nessas práticas
a realidade local, a cultura de relações e as histórias das pessoas que recorrem a esses serviços.
A segunda condição diz respeito à alteridade. De acordo com a autora, as intervenções devem
levar em conta os processos de construção da identidade mediados pelas circunstâncias sociais e
culturais, o que irá possibilitar reconhecer a alteridade e lidar com o diverso. Nesses termos, a ação
de saúde reconhece o outro, mesmo que diferente, como uma pessoa com direitos iguais aos meus
e valorizada como sujeito.

Rompendo com enfoques mais tradicionais centrados no indivíduo, a Psicologia Social da


Saúde dá suporte a atuações de saúde engajadas, centradas em uma perspectiva coletiva e de
comprometimento com os direitos sociais e com a cidadania, principalmente nos serviços de
atenção primária à saúde. Aqui se focalizam a prevenção da doença e a promoção da saúde e
se incentiva uma relação de parceria entre todos os envolvidos, integrados num processo de
transformação crítica e democrática que potencializa e fortalece a qualidade de vida para toda
a comunidade, como estratégia permanente de ação. Foca‑se assim a construção de projetos
institucionais coletivos (comunitários) que serão encampados pela equipe inteira, numa abertura
para a diversidade, com alternativas que possam traduzir‑se na corresponsabilidade tão almejada
no sistema de saúde (CAMARGO‑BORGES; CARDOSO, 2005).

108
PSICOLOGIA SOCIAL

Figura 27 – O trabalho com gestantes é um dos focos dos psicólogos na saúde pública

Um exemplo que materializa essas preocupações é a proposição de alguns dos trabalhos com grupos
conduzidos no âmbito da saúde (SOUZA; CARVALHO, 2003). Essas práticas podem levar ao estabelecimento
de vínculos em um ambiente acolhedor de troca e aprendizagem mútua entre profissionais e a população
e se apresenta como espaço privilegiado para o compartilhamento de informações e de experiências que
incentivariam a parceria entre todos (inclusive os “não doentes”) no trato com a saúde da comunidade.

Os resultados do trabalho de Souza e Carvalho (2003) mostram que o atendimento em “grupo de


doentes” pode promover um espaço para a ampliação de perspectivas individuais sobre a etiologia e
o tratamento e, ainda, o que parece mais expressivo, a possibilidade de criação de uma rede de apoio
social mútuo cujos efeitos extrapolam a relação com a doença.

Isso poderia ser multiplicado nas ações de atenção básica voltadas à saúde da mulher que as equipes
do PSF estão capacitadas para oferecer, como a atenção à saúde da adolescente e da mulher na terceira
idade; nas ações de atendimento a diabetes, hipertensão e saúde do trabalhador, que também atingem
as mulheres; e especialmente nas ações específicas de saúde da mulher, com atenção ao pré‑natal e à
prevenção de câncer ginecológico e do HIV‑Aids.

8.3 A contribuição da Psicologia para as ações no Sistema Cras/Suas

O objetivo das políticas públicas, compreendido como ir ao encontro do sujeito e acompanhar o


movimento não apenas da satisfação das necessidades, mas também do desejo (coletivo), é especialmente
importante quando se fala das políticas públicas de assistência e desenvolvimento social.

A desigualdade pode ser compreendida como questão estrutural – isto é, sob condições “normais” de
funcionamento político, social, econômico, a própria sociedade gera desigualdade, e desigualdade e pobreza
estão intrinsecamente ligadas. As políticas do Estado para a pobreza só recentemente têm sido voltadas
para dar conta dessa situação, e ainda assim há muitas dúvidas sobre se a mera distribuição de renda via
programas sociais, como Bolsa Família ou BPC‑Loas, é capaz de retirar grandes contingentes da miséria.
109
Unidade II

Nesse cenário, surge o Serviço Único de Assistência Social (Suas), cuja proposição também se origina
nas deliberações da Constituinte de 1988. Instituído em 2005 como política pública, o Suas deveria
garantir ações de assistência social à população. Sua aplicação se dá por meio de duas grandes estruturas
– a Proteção Social Básica (PSB) e a Proteção Social Especial.

De acordo com Brasil (2004), a PSB tem caráter preventivo. Seu objetivo é atender a população
considerada de alta vulnerabilidade, prevenindo situações de risco a partir de práticas que promovam
o desenvolvimento de potencialidades e o fortalecimento das relações, especialmente no âmbito da
família e da comunidade. Suas ações de vigilância social promovem o desenvolvimento de serviços
e programas de acolhimento, convivência e socialização, e incluem a oferta de Benefícios Eventuais
e de Prestação Continuada (BPC). Os equipamentos que viabilizam essas ações de prevenção são o
Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e a rede de serviços socioeducativos, com ação local,
territorializada e voltada para clientelas específicas.

Em São Paulo, a PSB pode ser reconhecida no trabalho realizado até 2011 pelo Programa Ação
Família, um tipo de atuação que privilegia a lógica do trabalho em rede, que é permanente e não
ocasional e depende do reconhecimento das condições concretas nas quais o trabalho será realizado – a
realidade local – e na percepção daquilo que pode ser modificado.

Já a Proteção Social Especial (PSE), de natureza “protetiva”, destina‑se a famílias e indivíduos


em condição de alta vulnerabilidade que tiveram seus direitos violados ou ameaçados, por violência
física ou psicológica, o que inclui abuso, abandono ou afastamento do convívio familiar. Suas ações
compreendem acompanhamentos, encaminhamentos e apoios que garantam a efetividade da proteção.
De acordo com o Pnas, a unidade responsável pela PSE é o Centro de Referência Especializada em
Assistência Social (Creas), que oferece esses serviços continuada e gratuitamente, além de promover a
articulação entre o serviço, a rede de assistência social e as políticas públicas (BRASIL, [s.d.]).

Figura 28 – Psicólogos do Suas trabalham em ações preventivas com crianças e adolescentes

A participação dos psicólogos nessa política pública, indicados como os profissionais que atuariam
com os assistentes sociais, reflete o reconhecimento das contribuições técnicas e políticas que esses
profissionais poderiam trazer para a associação na consolidação da Pnas. A ação do psicólogo viria na
direção de provocar a participação, o protagonismo e o fortalecimento das populações em condição
110
PSICOLOGIA SOCIAL

de vulnerabilidade. Sua integração ainda é, no entanto, um desafio, pois não se trata apenas de
demandar recursos já disponíveis no arsenal teórico‑prático do psicólogo, mas de provocar também
nesses profissionais a busca de novos conhecimentos, novas práticas, ou, ainda, a resolução de novos
problemas que viriam da sua inserção compromissada nesse campo (POLÍTICA..., 2010).

De acordo com Porto (2010), os saberes e as práticas da Psicologia poderiam participar do processo
instituído previsto pela Pnas e instituído pelo Suas, que pretende levar à superação das condições de
vulnerabilidade e risco social de grandes contingentes da nossa população. Elenca a visita domiciliar,
o trabalho com pequenos grupos comunitários, a entrevista e o acolhimento como estratégias já
disponíveis no campo da Psicologia, para dar conta dos objetivos desses programas que integram o
trabalho com os sujeitos no desenvolvimento comunitário.

Figura 29 – A Psicologia também pode participar do planejamento e de ações de campo com


indivíduos em situação de alta vulnerabilidade. Na foto, Favela da Mandela, Rio de Janeiro

8.4 Formação profissional do psicólogo social

O lugar e a contribuição da Psicologia para as políticas públicas e a questão social devem ser
considerados a partir tanto da sua inserção profissional como da produção de conhecimento – e das
escolhas envolvidas nessa produção. A formação de profissionais é elemento fundante desse embate,
ensejando a discussão sobre a partir de que referenciais os futuros profissionais devem ser capacitados
e inseridos, isso tanto na Psicologia como nas outras carreiras que fazem interface com as políticas de
bem‑estar – na saúde, na educação e na assistência social.

No entanto, apesar dos esforços em contrário, as práticas psicológicas junto às políticas públicas
não têm ainda conseguido superar nem a hegemonia da identidade profissional do psicólogo como
clínico e provedor de atendimentos individuais, distante das políticas públicas na educação, na
saúde e na assistência social, por exemplo, nem o domínio dos modelos assistencialistas nas práticas
comunitárias.

O surgimento do SUS na esteira do processo de redemocratização brasileiro, assim como a proposta


de criação de um Sistema Único de Assistência Social (Suas), junto às ações concretas de sindicatos de
psicólogos, do Conselho Federal e dos Conselhos Estaduais de Psicologia, tem indicado que esse é um
111
Unidade II

cenário que tende a se reverter. Nessas condições, a ação profissional do psicólogo nas comunidades
com os saberes e práticas da Psicologia Social Comunitária abre uma perspectiva importante de
materialização desses princípios em um contexto que oferece aos psicólogos não apenas a possibilidade
de exercitar a veia crítica cultivada na graduação e na pós‑graduação, mas também emprego e renda.

A formação de profissionais sensibilizados para tais práticas e preparados teórica e tecnicamente


para exercê‑las também tem se mostrado um grande desafio para as instituições de Ensino Superior
que reconhecem a importância dessa preparação. Quando, ao longo da graduação, alunos são
colocados em contato com demandas diferentes daquelas que são mais facilmente identificadas
com a rotina do psicólogo, como a de uma clínica particular e isolada das questões sociais, esses
sujeitos confrontam não apenas a diferença da prática, mas também a incerteza do sucesso de tais
intervenções. Como vimos anteriormente, no entanto, os resultados dessas ações, em que pesem
suas dificuldades, revelam as enormes potencialidades de ações de investigação e transformação
(RAMOS; CARVALHO, 2008).

Para Ramos e Carvalho (2008), essas práticas de formação exigem muito mais do que empreendimento
teórico e discussão acadêmica. É necessário o contato com as situações de exclusão, a experiência de
conhecer e estranhar vai exigir o deslocamento físico, mas também simbólico, para as “comunidades”
e os guetos que cercam as grandes cidades ou se insinuam em suas entranhas. Finalmente, trata‑se
de buscar produzir, pelo desafio e pela impossibilidade, o compromisso necessário para seu próprio
mergulho nessa realidade e no desejo de transformá‑la.

Saiba mais

No site do Ministério do Desenvolvimento Social estão disponíveis


informações sobre princípios, programas e serviços relacionados à política
pública de assistência social. Acesse:

www.mds.gov.br

Resumo

Nesta unidade, foram apresentados os principais temas conceituais da


Psicologia Social crítica no Brasil e na América Latina.

A partir da Teoria das Representações Sociais (TRS), verificamos como


o comportamento dos grupos pode ser associado a uma dimensão não
muito evidente, a do “pensamento grupal”. Esse pensamento de grupo,
que Moscovici busca no senso comum como uma forma importante de
conhecimento, vai interferir nas ações e também nas perspectivas dos
grupos humanos.

112
PSICOLOGIA SOCIAL

A ideia de identidade como metamorfose permite reavaliar uma


concepção muito difundida na Psicologia que atribui unidade e permanência
aos sujeitos. No outro entendimento desenvolvido por Ciampa, a identidade
é construída e reconstruída continuamente a partir das inserções e relações
sociais – e nos grupos.

Entre as diferentes concepções de grupo propostas nas


Ciências Sociais e na Psicologia, o reconhecimento do grupo como
acontecimento histórico, isto é, o processo grupal, recupera as mesmas
ênfases nas condições sociais concretas já verificadas na TRS, sob as
quais indivíduos e grupos constituem‑se, comportam‑se e projetam‑se
para o futuro.

Para todos esses conceitos, não são deixadas de lado as determinações


ideológicas e, consequentemente, a necessidade da crítica da naturalização
das relações humanas e da sociedade.

Vimos também que os conceitos de linguagem e imaginário trazem, da


Filosofia e da Antropologia, novas perspectivas para a crítica à ideologia,
abrindo campos em meio ao imponderável para o embate que leva à
transformação social.

Na sequência, foram apresentados a história, os princípios e as práticas


da Psicologia Social Comunitária. Seu desenvolvimento na América Latina
e no Brasil responde à proposta de trabalhar com a pobreza e a exclusão,
numa perspectiva teórico‑prática que posiciona o psicólogo como agente
de transformação e desloca sua prática profissional da ação individualizada
e distante das questões sociais, para um empreendimento engajado e
militante.

As possibilidades apontadas pela Psicologia Social Comunitária


demonstram a potencialidade das práticas de intervenção construídas a
partir de ações que buscam a parceria com os participantes para a instituição
de relações comunitárias. Comunidade, aqui, não significa o gueto que a
palavra designa no senso comum, mas um espaço de encontro, respeito e
possibilidade de elaboração de projetos coletivos. As relações da Psicologia
com as políticas públicas têm ganhado espaço e aberto áreas de atuação
profissional para psicólogos que ainda identificam o seu fazer profissional
com as atividades clínicas.

Apesar dessas novas inserções, a melhor integração do psicólogo a tais


políticas é ainda um grande desafio. Na saúde, na esteira da implementação
do SUS, o psicólogo ainda busca encontrar um lugar que não seja a mera
repetição do “modelo de consultório” nos equipamentos de saúde, apesar
113
Unidade II

dos instrumentos provenientes da Psicologia Social e comunitária que tem


à sua disposição. Esses mesmos instrumentos – o trabalho com pequenos
grupos, a visita domiciliar, o acolhimento – também são extremamente
úteis no âmbito das políticas de assistência social. Nesse caso, porém, o
lugar do psicólogo já está institucionalmente garantido como parceiro
dos assistentes sociais. Finalmente, é importante destacar o cuidado com
a formação, que deve ser capaz de preparar o profissional para atuar num
campo carente de técnicos e sensibilizá‑lo para o compromisso e seu
próprio desejo de mudança.

Exercícios

Questão 1. Leia atentamente as afirmativas apresentadas, que estão incompletas e devem ser
complementadas com as frases ou com as orações listadas a seguir:

I – Nossa identidade pessoal é estável: somos, permanecemos e permaneceremos sempre os mesmos,


sempre idênticos ao que sempre fomos. Essa afirmativa apresenta (...)

II – Nossa identidade pessoal é mutável: cada sujeito resulta de fatos que o antecederam e de
condições vividas. Cada sujeito acha‑se exposto, pois, a contínuas transformações. Essa afirmativa
apresenta (...)

III – Psicologia Social: o Homem em Movimento é uma obra importante por apresentar os fundamentos
da Psicologia Crítica, seus principais temas e seus principais campos de aplicação: a escola, o trabalho e
a comunidade. Trata‑se de uma obra (...)

Leia agora o apresentado a seguir e associe, de modo correto, cada uma das afirmativas feitas
anteriormente à oração (ou frase) que a complementa:

1 – (...) uma compreensão de identidade advinda do senso comum.

2 – (...) uma compreensão de identidade segundo a perspectiva adotada por uma Psicologia Social
Crítica, como a defendida por Ciampa (1983).

3 – (...) que enfatiza a importância da ação individual humana em detrimento das ações de cunho
coletivo.

4 – (...) que delineia as principais preocupações teóricas e temáticas do grupo dirigido por Silvia Lane
(CODO; LANE, 2006).

114
PSICOLOGIA SOCIAL

Assinale a alternativa correta:

A) I‑1; II‑2; III‑4.

B) I‑1; II‑2; III‑3.

C) I‑2; II‑1; III‑4.

D) I‑2; II‑2; III‑3.

E) I‑2; II‑1; III‑3.

Resposta correta: alternativa A.

Análise das alternativas

I‑1) Afirmativa correta.

Justificativa: há coerência entre as duas orações aqui associadas, e a segunda completa a primeira.
É correto afirmar que, segundo o senso comum, permanecemos sempre idênticos ao que sempre fomos.
Logo, a afirmativa está correta.

I‑2) Afirmativa incorreta.

Justificativa: há coerência entre as duas orações aqui associadas, e a segunda completa a primeira.
No entanto, é incorreto afirmar que, do ponto de vista de uma Psicologia Social Crítica, permanecemos
e permaneceremos sempre idênticos ao que sempre fomos. Logo, a afirmativa está incorreta.

I‑3) Afirmativa incorreta.

Justificativa: não há coerência entre as duas orações aqui associadas, pois a segunda não completa
logicamente a primeira. Logo, a afirmativa está incorreta.

I‑4) Afirmativa incorreta.

Justificativa: não há coerência entre as duas orações aqui associadas, pois a segunda não completa
logicamente a primeira. Logo, a afirmativa está incorreta.

II‑1) Afirmativa incorreta.

Justificativa: há coerência entre as duas orações aqui associadas, e a segunda completa a primeira.
No entanto, é incorreto afirmar que, segundo o senso comum, cada sujeito acha‑se exposto a contínuas
transformações. Logo, a afirmativa está incorreta.

115
Unidade II

II‑2) Afirmativa correta.

Justificativa: há coerência entre as duas orações aqui associadas, e a segunda completa a primeira.
É correto afirmar que, do ponto de vista de uma Psicologia Social Crítica, nossa identidade pessoal é
mutável. Logo, a afirmativa está correta.

II‑3) Afirmativa incorreta.

Justificativa: não há coerência entre as duas orações aqui associadas, pois a segunda não completa
logicamente a primeira. Logo, a afirmativa está incorreta.

II‑4) Afirmativa incorreta.

Justificativa: não há coerência entre as duas orações aqui associadas, pois a segunda não completa
logicamente a primeira. Logo, a afirmativa está incorreta.

III‑1) Afirmativa incorreta.

Justificativa: não há coerência entre as duas orações aqui associadas, pois a segunda não completa
logicamente a primeira. Logo, a afirmativa está incorreta.

III‑2) Afirmativa incorreta.

Justificativa: não há coerência entre as duas orações aqui associadas, pois a segunda não completa
logicamente a primeira. Logo, a afirmativa está incorreta.

III‑3) Afirmativa incorreta.

Justificativa: há coerência entre as duas orações aqui associadas, e a segunda completa a primeira.
No entanto, é incorreto afirmar que a obra mencionada enfatiza a importância da ação individual
humana em detrimento das ações de cunho coletivo. Logo, a afirmativa está incorreta.

III‑4) Afirmativa correta.

Justificativa: há coerência entre as duas orações aqui associadas, e a segunda completa a primeira.
É correto afirmar que a obra mencionada delineia as principais preocupações teóricas e temáticas do
grupo dirigido por Silvia Lane. Logo, a afirmativa está correta.

Questão 2. Considere as afirmativas a seguir:

I – Para desenvolver bons trabalhos em grupo é preciso considerar tanto os fundamentos teóricos
quanto as modalidades de intervenção possíveis. Havendo domínio de teorias e de técnicas de grupo,
torna‑se absolutamente dispensável toda e qualquer consideração relativa a possíveis determinações
ideológicas nas relações humanas.
116
PSICOLOGIA SOCIAL

II – Conceitos de linguagem e de imaginário advindos da Filosofia e da Antropologia favorecem o


desenvolvimento de um pensamento crítico relativo à ideologia, criando, assim, novas possibilidades de
transformação social.

III – O desenvolvimento da Psicologia Social Comunitária na América Latina e no Brasil ocorreu


como resposta à demanda de trabalho junto a populações de todas as classes socioeconômicas, sem que
tenha sido priorizado o segmento populacional de pobres e de excluídos do sistema.

IV – A perspectiva teórico‑prática da Psicologia Social Comunitária na América Latina e no Brasil


posiciona o psicólogo como agente de transformação e desloca a ênfase de sua prática profissional da
ação individualizada para um empreendimento engajado e militante.

V – O trabalho com pequenos grupos é extremamente útil no âmbito das políticas de assistência
social. Como esse trabalho pode ser desenvolvido tanto por psicólogos quanto por assistentes sociais, é
preciso que os assistentes sociais recusem a parceria com psicólogos, para garantir mais oportunidades
de trabalho à sua própria classe profissional.

Está correto somente o afirmado em:

A) I, II e III.

B) III e IV.

C) I, II e V.

D) II e IV.

E) V.

Resposta correta: alternativa D.

Análise das afirmativas

I – Afirmativa incorreta.

Justificativa: certamente é preciso considerar os fundamentos teóricos e as possíveis modalidades


de intervenção para desenvolver bons trabalhos em grupo. Porém, o domínio de teorias e de técnicas de grupo
não dispensa a necessidade de considerar, sempre, as determinações ideológicas nas relações humanas.

II – Afirmativa correta.

Justificativa: sendo indispensável no trabalho com grupos considerar sempre as determinações


ideológicas nas relações humanas, é preciso desenvolver um pensamento crítico relativo à ideologia,
criando, assim, novas possibilidades de transformação social. Para realizar isso, é recomendável utilizar
conceitos de linguagem e de imaginário advindos da Filosofia e da Antropologia.
117
Unidade II

III – Afirmativa incorreta.

Justificativa: o desenvolvimento da Psicologia Social Comunitária na América Latina e no Brasil não


ocorreu em resposta à demanda de trabalho junto a populações de todas as classes socioeconômicas. De
fato, a Psicologia Social Comunitária sempre priorizou, e continua priorizando, o segmento populacional
dos pobres e dos excluídos do sistema.

IV – Afirmativa correta.

Justificativa: a grande contribuição da Psicologia Social Comunitária foi exatamente essa: posicionar o
psicólogo como agente de transformação e deslocar a ênfase de sua prática profissional, tradicionalmente
depositada na ação individualizada, para depositá-la em uma ação profissional engajada, comprometida
com as classes subalternas, em respeito a princípios de justiça.

V – Afirmativa incorreta.

Justificativa: é verdadeiro afirmar que o trabalho com pequenos grupos é extremamente útil
no âmbito das políticas de assistência social, assim como é verdadeiro que esse trabalho pode ser
desenvolvido tanto por psicólogos quanto por assistentes sociais. Falso é afirmar ser preciso que os
assistentes sociais recusem a parceria com os psicólogos para garantir mais oportunidades de trabalho
à sua própria classe profissional. Isso porque a cada dia que passa a multidisciplinaridade e as parcerias
profissionais são em maior número e mais valorizadas.

118
FIGURAS E ILUSTRAÇÕES

Figura 1

82KM1.JPG. Formato: JPEG. Disponível em: http://www.marxists.org/archive/marx/photo/marx/


images/82km1.jpg. Acesso em: 3 maio 2011.

Figura 2

ABr271013MCA_0944.JPG. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/sites/_agenciabrasil/files/


gallery_assist/25/gallery_assist733815/ABr271013MCA_0944.jpg Acesso em: 27 out. 2013.

Figura 3

850EF0062.JPG. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/sites/_agenciabrasil/files/gallery_


assist/3/gallery_assist637942/850EF0062.JPG. Acesso em: 27 out. 2013.

Figura 4

4221C0CDD53C1.JPG. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/sites/_agenciabrasil/files/gallery_


assist/3/gallery_assist639864/prev/4221c0cdd53c1.jpg. Acesso em: 26 set. 2013.

Figura 6

ABR290413MCSP00.JPG. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/sites/_agenciabrasil/files/


gallery_assist/25/gallery_assist719627/prev/ABr290413MCSP00.jpg. Acesso em: 26 set. 2013.

Figura 7

02042011ARQUIVONACIONAL.JPG. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/sites/_agenciabrasil/


files/gallery_assist/25/gallery_assist667357/prev/02042011ARQUIVONACIONAL.jpg. Acesso em: 26 set.
2013.

Figura 8

WDO_4908A.JPG. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/sites/_agenciabrasil/files/gallery_


assist/23/gallery_assist723839/WDO_4908A.JPG. Acesso em: 27 out. 2013.

Figura 9

1659FP114.JPG. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/sites/_agenciabrasil/files/gallery_


assist/3/gallery_assist638569/1659FP114.jpg. Acesso em: 3 jul. 2011.

119
Figura 10

AGENCIABRASIL180213_VAC4149.JPG. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/sites/_agenciabrasil/files/


gallery_assist/23/gallery_assist714089/prev/AgenciaBrasil180213_VAC4149.jpg. Acesso em: 30 set. 2013.

Figura 11

1744JC022.JPG. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/sites/_agenciabrasil/files/gallery_


assist/3/gallery_assist639005/prev/1744jc022.jpg. Acesso em: 30 set. 2013.

Figura 12

AGENCIABRASIL07.02.2012_MCA3125.JPG. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/sites/_


agenciabrasil/files/gallery_assist/26/gallery_assist688437/prev/AgenciaBrasil07.02.2012_MCA3125.jpg.
Acesso em: 30 set. 2013.

Figura 13

04318R.JPG. Disponível em: http://lcweb2.loc.gov/service/pnp/highsm/04300/04318r.jpg. Acesso em:


30 set. 2013.

Figura 14

41FABA91402AF.JPG. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/sites/_agenciabrasil/files/gallery_


assist/3/gallery_assist639839/prev/41faba91402af.jpg. Acesso em: 30 set. 2013.

Figura 15

41FBBC6189122.JPG. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/sites/_agenciabrasil/files/gallery_


assist/3/gallery_assist639840/prev/41fbbc6189122.jpg. Acesso em: 30 set. 2013.

Figura 16

DURKHEIM.JPG. Disponível em: http://sindserj.org.br/sociologos/emile‑durkheim/. Acesso em: 30 set. 2013.

Figura 17

FILE7881340638543.JPG. Disponível em: http://morguefile.com/archive#/?q=sofa&sort=pop&photo_


lib=morgueFile. Acesso em: 27 out. 2013.

Figura 18

AGENCIABRASIL160212_MCA9328.JPG. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/sites/_agenciabrasil/


files/gallery_assist/26/gallery_assist689107/AgenciaBrasil160212_MCA9328.JPG. Acesso em: 27 out. 2013.
120
Figura 19

01022011‑01.02.2011WDO1545.JPG. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/sites/_agenciabrasil/files/


gallery_assist/29/gallery_assist663340/prev/01022011‑01.02.2011WDO1545.jpg. Acesso em: 1 out. 2013.

Figura 20

O GRUPO.JPG. Departamento de Revisão – Unip Interativa.

Figura 21

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Acesso em: 1 out. 2013.

Figura 22

AGENCIABRASIL160412_JFC2488.JPG. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/sites/_


agenciabrasil/files/gallery_assist/23/gallery_assist692997/prev/AgenciaBrasil160412_JFC2488.JPG.
Acesso em: 1 out 2013.

Figura 23

BHZ_SLUM_QUARTER_01.JPG. Formato: JPEG. Disponível em: http://mrg.bz/n2gelT. Acesso em: 3 jul. 2011.

Figura 24

AGENCIABRASIL161112MCSP16.JPG. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/sites/_


agenciabrasil/files/gallery_assist/27/gallery_assist708011/prev/AgenciaBrasil161112MCSP16.JPG.
Acesso em: 1 out. 2013.

Figura 25

3FDE223441EC0.JPG. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/sites/_agenciabrasil/files/gallery_


assist/3/gallery_assist639164/prev/3fde223441ec0.jpg. Acesso em: 1 out. 2013.

Figura 26

1145AC0087.JPG. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/sites/_agenciabrasil/files/gallery_


assist/3/gallery_assist637961/prev/1145AC0087.jpg. Acesso em: 1 out. 2013.

Figura 27

PIC_FH‑OPRAMS.JPG. 1 fotografia, color. Disponível em: http://www.ok.gov/health/images/pic_


fh‑oprams.jpg. Acesso em: 15 set. 2011.
121
Figura 28

101 THREE FRIENDS 7131.JPG. Disponível em: http://mrg.bz/aHctng. Acesso em: 15 set. 2011.

Figura 29

13062010‑FOT021206.JPG. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/sites/_agenciabrasil/files/


gallery_assist/29/gallery_assist664106/prev/13062010‑FOT021206.jpg. Acesso em: 1 out. 2013.

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Informações:
www.sepi.unip.br ou 0800 010 9000

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