A importância da escola no desenvolvimento do indivíduo é mundialmente
reconhecida. A experiência escolar é central para as aquisições sociais e educacionais
das crianças em nossa cultura. No entanto, nem sempre a escola oferece recursos suficientes para o desenvolvimento e aprendizado dessas habilidades. Com frequência, se transforma em um espaço onde as crianças são expostas diariamente a situações estressantes, como provocações e agressões. A exposição recorrente a esse tipo de confronto tem sido apontada como prejudicial para o progresso escolar e para o desenvolvimento socioemocional das crianças. Frente às demandas da escola, modalidades de intervenção propostas e executadas por diferentes setores, vão desde a busca por amenizar mazelas às possibilidades efetivas de transformação dos sujeitos envolvidos na escola e no processo de educação. Na literatura especializada nacional há relatos de intervenções com professores que vão de práticas ao acolhimento de suas dificuldades enquanto identidade profissional. Também são relatadas intervenções com educadores, com pais, programas direcionados a temas específicos (como drogas, sexualidade, violência) e realizados, diretamente com alunos, pais e professores. Evidências de efetividade de intervenções voltadas para o desenvolvimento social e emocional são apresentadas em estudos de metanálise sobre intervenções preventivas universais no contexto escolar. No sentido de colaborar com a escola na sua função legítima de educação integral às crianças, as autoras deste capítulo vem desenvolvendo projetos de intervenção preventiva no contexto escolar. Esses projetos visam a proposição de práticas em saúde mental baseadas em evidências, ou seja, avaliadas quanto a sua eficácia e efetividade, antes de serem disponibilizadas a clientela para a qual se destinam, garantindo o alcance dos objetivos propostos no menor tempo possível. A pesquisa voltada para a construção de intervenções preventivas empiricamente validadas se desenvolve em ciclos. Um ciclo de pesquisa de intervenção preventiva compreende as seguintes etapas: identificação do problema, sua extensão e importância; revisão da informação relevante sobre risco e proteção, a partir da base de conhecimentos já existente; realização de estudos empírico preliminares e de ensaios para confirmação e replicação de resultados concernentes a eficácia e a efetividade; ensaios de campo a larga escala; ações facilitadoras da implementação do programa na comunidade. Ademais, um modelo teórico definido deve nortear o programa de intervenção. Este capítulo apresenta duas intervenções em escola: o programa “Eu Posso Resolver Problemas” e o “PROMOVE – crianças”. Em comum, elas apresentam as seguintes características: (a) ambas estão inseridas em ciclos de pesquisa por evidencias de eficácia e efetividade; (b) seu principal alvo são os comportamentos agressivos e disruptivos, identificados como de risco para dificuldades escolares na meninice e para problemas de saúde mental na adolescência e na vida adulta; (c) sua principal hipótese de trabalho é que crianças agressivas e disruptivas apresentam déficits em habilidades interpessoais básicas que podem ser ensinadas. Desse modo, a meta comum a ambos os programas é auxiliar no desenvolvimento ou aprimoramento de habilidades interpessoais como forma de contribuir para a redução de problemas de comportamento e para um melhor aproveitamento acadêmico.
PROGRAMA “EU POSSO RESOLVER PROBLEMAS” – EPRP
“Eu Posso Resolver Problemas” – EPRP – é um programa de base teórica
sociocognitiva para o desenvolvimento de habilidades de solução de problemas interpessoais – HSPI – em contexto de sala de aula. Sua proposta é ajudar as crianças a desenvolverem pensamento reflexivo, por meio de habilidades relevantes para resolver ou prevenir problemas nas relações cotidianas com outras pessoas. Ensina as crianças como pensar, avaliar suas idéias e encontrar por si mesmas as soluções para os problemas. As HSPI são habilidades sociocognitivas compreendidas em 5 classes: (1) pensamento meios-fins ou planejamento seqüencial que é a habilidade de criar um plano para atingir uma meta estabelecida; (2) pensamento de soluções alternativas, que é a habilidade do individuo para gerar diferentes soluções que podem ser colocadas em ação para resolver um problema; (3) pensamento conseqüencial, que é a habilidade do individuo para antecipar o que pode acontecer depois, como um resultado da realização de um solução concebida para um problema; (4) consciência ou sensibilidade em relação ao seu próprio sentimento e ao sentimento dos outros; (5) pensamento causal, que é a habilidade de entender o que precipitou um ato. O programa EPRP se distingue por sua tríplice ênfase na competência, no desenvolvimento e na ecologia. A ênfase na competência, em contraste com o foco nos déficits ou problemas, implica o fortalecimento de fatores de proteção do próprio individuo, e tem um sentido de empoderamento à medida que a criança, ao longo do programa, desenvolve autonomia e flexibilidade para solucionar por si mesma os problemas interpessoais que enfrenta no dia-a-dia. A valorização do desenvolvimento se expressa em dois planos, ambos ajustáveis ao conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal de Vigotsky. No primeiro plano, são definidos os blocos de construção das HSPI, com base em habilidades componentes mais simples, que uma criança de 5 a 8 anos pode desenvolver com a assistência de um adulto, e na interação com os pares; no segundo plano, faz-se um cuidadoso detalhamento dos passos a serem seguidos pelo adulto em sua tarefa de guiar a criança na região sensível a instrução, de modo a converter o desenvolvimento potencial em desenvolvimento real das habilidades básicas e posteriormente, das HSPI.
A visão ecológica, ultrapassando o mero ensino de habilidades, introduz um
esquema compartilhado de processamento da informação social, “O dialogo EPRP”, que crianças e professores podem usar para se comunicar mais eficazmente sobre situações-problema. Desse modo, é possível mudar não apenas o comportamento das crianças, mas também o comportamento do professor, a relação professor-aluno e os recursos e procedimentos no nível da sala de aula, para dar suporte aos esforços adaptativos de solução de problemas. Implementado na sala de aula