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Assim que eu me converti, eu comecei a ter mui-

tas dúvidas sobre qual era o significado da Bíblia


na mão das pessoas.

Eu tive alguns amigos que começaram a ler o


Velho Testamento e diziam: “Essa aqui é uma
religião boa, porque nós podemos ter um monte
de mulheres como todos os patriarcas tiveram e
eu quero isso para mim”.

Mas quando eu expliquei melhor, eles disseram:


“Não, então a gente não quer não”.

Alguns deles entraram para “Os Meninos de


Deus”, apenas para terem liberdade sexual à
vontade com quem quisesse.

Quando eu fui ordenado presbítero, logo hou-


ve uma ordenação diaconal, e três de nós fomos
enviados para passar as instruções à esses novos
diáconos, e um presbítero abriu um texto e leu
para aqueles futuros diáconos dizendo: “Reves-
ti-vos pois irmãos de ternos afetos de misericór-
dia”.

E então ele disse: “Bom, de domingo que vem em


diante, todos vocês tem que vir ao culto de ter-
nos, e quando vocês vestirem os ternos vistam
com muito amor e carinho, cheios de afeto, pois
são “ternos” afetos de misericórdia.

E eu, tive que intervir com uma gentileza enor-


me para explicar que não era bem aquilo e fui
vendo coisas absurdas, por exemplo, no ambien-
te da renovação espiritual daquele tempo.

Aonde eu ia em Manaus de 1973 até o tempo em


que eu saí de lá, no fim dos anos 1980, endemo-
niados se manifestavam, e eu vi muita barbari-
dade nesse sentido.

O que eu vi de Pastor amigo agarrar a Bíblia e di-


zer que tinha que ser Bíblia grande para expul-
sar demônios…

E eu novinho na fé dizia: “Escuta meu irmão, a


palavra não é o livro, a palavra é o que sai da nos-
sa boca”.

E eles diziam: “Não, mas o livro serve também”

E os endemoniados nunca saiam!


E com toda a leveza, eu chegava e dizia: “Sai dele
em nome de Jesus”, no ouvido do indivíduo, e o
demônio ia embora.

Eu comecei a ver que a idolatria em torno da Es-


critura era muito grande, tinha aqueles que der-
ramavam óleo em cima e davam com óleo, por-
que Bíblia melada de óleo tinha mais poder…

E eu fui vendo coisas que vocês não podem nem


imaginar que acontecem por aí, todo dia o dia in-
teiro, de várias naturezas, por exemplo, uma de-
las, que fez meu filho Ciro, por volta de 2001, di-
zer que era diante daquilo que tinha acontecido,
que dava vontade à ele de que gente ignorante
não tivesse acesso à Bíblia.

Eu me lembro de ouvir isso e foram palavras for-


tes.

Eu me lembro bem desse dia, quando estávamos


passeando, ele, a Adriana e eu, passando por al-
gumas lojas de artesanato em Ipanema e estava
um dia tão agradável, e de repente, eu levo um
tapão no meio das costas de um indivíduo com
uma Bíblia enorme que me ameaçou com a Es-
critura, dizendo que Jesus o tinha mandado ali
para ele me exortar. E com um dedo no meu ros-
to ele começou a gritar as exortações dele.

Eu segurei o dedo dele e travei o cotovelo dele e


o virei para baixo e ele ficou com o olho arrega-
lado e eu disse: “Profetiza irmão!”

E ele disse: “Não reverendo, não é bem isso”.

Eu disse: “Não meu amado, profetize em nome


de Jesus”!

E é uma história longa, mas logo eu vi que ele


estava desesperadamente pálido, morrendo de
medo de mim depois de ter dado um tapão em
mim. Ele não esperava que a minha reação fosse
de alguém que não tem medo de demônio ne-
nhum, nem de homem nenhum, nem de amea-
ça nenhuma.

O povo gritava: “Dá nele reverendo”.

Eu só ouvia o clamor do povo, e então eu parei e


fiquei olhando para aquela Bíblia dele e o ímpeto
que me deu foi de tomar a Bíblia dele.
E dizer: “Olha, essa Bíblia vai ficar comigo e eu
só vou devolver a você daqui uma semana na
minha casa. Você vai lá e eu vou conversar com
você e te devolver a Bíblia”.

Mas depois eu pensei; “Não, coitado”, aquele ho-


menzarrão todo pálido, eu falei: “Não, vai embo-
ra e nunca mais venha desrespeitar essas pesso-
as que estão aqui, ninguém aqui”, porque o povo
começou a gritar, “ele faz isso o tempo todo, ele
agride as pessoas”, e eu falei, “Vá, saia agora”.

E ele saiu, foi andando, e eu vi um pintor à minha


direita dizer: “Pastor, o livro é bom, o mensagei-
ro é que é terrível.”

E eu falei: “Eu não estou terminado ainda”, e eu


chamei-o de volta, e ele deu uma parada de lon-
ge, botou a mão no peito e perguntou se era ele.

Era óbvio que era ele, e ele veio pálido de longe,


eu fiquei constrangido, dei uns 20 passos na dire-
ção dele e falei: “Eu queria falar isso no particu-
lar. Sabe o que aquele Senhor disse? Que o livro
é bom, mas o mensageiro é ruim. Você vem aqui
para oprimir as pessoas com as palavras deste li-
vro, livro santo. Minha vida inteira minha cons-
ciência adulta toda foi forjada na leitura deste
livro, e você vem transformar isso em pedrada,
em agressividade, em pânico… Eu iria tomar sua
Bíblia até semana que vem, mas nem estou com
paciência para isso. Mas eu te digo o seguinte,
não faça mais isso porque agora de vez em quan-
do eu vou dar umas incertas aqui. Se eu chegar
aqui e você estiver ameaçando esse povo, eu não
vou tratar você com a condescendência que eu
estou tratando agora, porque o que você fez foi
uma agressão pública, testemunhada por todos,
à uma pessoa que nada estava fazendo, e você
vem em nome de Deus me agredir? Eu nem pre-
cisava de um argumento espiritual, sua atitude
humana, cidadã, é digna de toda a ação passível
de legalidade contra agressões dessa natureza
que é o que você pratica o tempo todo. Com os
outros é agressão simbólica usando a Bíblia.”

Agora, por que eu iniciei esse nosso momento


falando desses maus usos da Escritura?

Por que o que mais


caracteriza a Escritura na
religião, é o mau uso dela.
E o mau uso da Escritura está presente nas ten-
tações de Jesus, por exemplo, quando o demônio
incita Jesus a se suicidar pulando do pináculo do
templo em nome da fé nas Escrituras, arranca-
das do contexto da sua verdade real.

Em qualquer manifestação que você veja, a Es-


critura é a mais sutil das tentações, é aquilo que
se pratica usando a Escritura ou que tem apoio
na Escritura.

Nós vimos ontem, como desde a tradição antiga,


antes do judaísmo, o rabinato, a teologia, as tra-
duções literárias, cresceram como nunca na au-
sência do templo e como isso gerou confusões
enormes sobre os livros da Bíblia.

Tudo dependia da pré concepção filosófica e te-


ológica dos grupos. Eles queriam para si evan-
gelhos que afirmassem seus interesses e capri-
chos.

Mas que não tinham nem proximidade com os


fatos históricos relativos a Jesus como tem nos
evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João e
nem tinham a coerência, nem a sinoptisidade, a
repetição corroboradora, nem tinham os erros
corroboradores, nem os equívocos que corrobo-
ram a factualidade.

Quando um Evangelho diz que era um prota-


gonista, o outro diz que eram dois, mas conta a
mesma história, isso ao invés de depor contra a
história, ao contrário, do ponto de vista histórico,
valida, corrobora.

Quando diz que eram 4000 outro dia que eram


5000, quando um Evangelho diz seis dias depois,
o outro diz oito dias depois, quando um coloca
determinado evento histórico em um determi-
nado posicionamento cronológico e os outros
colocam em outro, mas a existência de ambas
as coisas independente da cronologia, então são
diferenças validatórias para a narrativa em si;
de modo que até as não cronologias, até os erros
cronológicos, os erros de tempo, os erros grama-
ticais, tudo isso corrobora a narrativa original, a
semelhança que valida um ao outro; assinaturas
idênticas apenas dão testemunho de documen-
to falso, porque toda assinatura é diferente, não
se espera a mesma assinatura.
Não é a clonagem que dá testemunho da verda-
de, é a diversidade convergindo para um mesmo
objetivo que dá testemunho e dá significado a
esta verdade.

Assim como a interpretação prevalente teologi-


camente falando de Agostinho à São Tomás de
Aquino, onde diferenciações foram estabeleci-
das e o modelo de hermenêutica filosófica gre-
co-aristoteliana foi adotada.

Mais tarde, encontramos outras influências, ou-


tras interpretações, como a de Erasmo de Roten-
dan, mas quando a gente viaja de Tomás de Aqui-
no e chega a 1517, com Lutero afixando as suas 95
teses na porta da Catedral de Wittemberg, o que
se tinha era apenas a interpretação oficial cató-
lico-romana, ou os livros do cânon ortodoxo, di-
ferentes do cânon católico.

Lutero rompeu, não necessariamente com a Bí-


blia católico-romana, mas sim com a teologia ca-
tólico-romana.

Pois bem, quando se chega a Lutero, ele olha para


o Velho Testamento e para ele uma quantidade
enorme de livros do Velho Testamento poderia
sair, mas já foi uma reflexão posterior, a priori e
o conflito nada teve a ver com a Bíblia.

O conflito teve a ver com a interpretação da Bí-


blia, ou com a falta dela; o conflito que gerou a
angústia de Lutero, e deflagrou o processo da
reforma protestante, o que causou isso foram as
interpretações baseadas na jurisprudência da
tradição católica, ou seja, nos textos que a igre-
ja tinha produzido de maneira paralela, criando
doutrinas variadas.

O que provocou uma angústia indizível em Lu-


tero não foi o Cânon Sagrado, foi a interpretação
e a aplicação da interpretação em muita coisa,
mas sobretudo na cobrança de indulgências, de
perdão, como até hoje acontece.

Quando Lutero não aguentava mais esse monte


de coisas, começou a ver perdão de pecados ser
vendido, que só quem comprava eram os ricos;
pra ele foi a gota d´água, e então ele escreveu 95
coisas inaceitáveis e afixou na porta da catedral.

Esse ato não caiu igual fogo no palheiro; houve


um processo, anos de conflitos e ameaças e in-
quisições, tentativas de homicídio, fuga, ajuda do
principado germânico, sem cuja proteção ele te-
ria sido engolido logo nos primeiro dias.

A Reforma Protestante também nasce sobre os


auspícios de um forte interesse político de dis-
tanciamento de Roma; foi a ocasião propícia para
romper com o papado e com o sacro Império Ro-
mano e vários principados que desejavam essa
independência, foram aderindo a Lutero e à re-
forma protestante também, para encontrarem
ocasião de quebrar o jugo daquela escravidão,
daquela dominação que já durava tanto tempo.

Quando isso aconteceu, um menino francês


chamado Calvino, tinha 8 anos de idade e não
tinha nenhuma vocação religiosa do ponto de
vista protestante e nem católico. Ele era muito
mais um indivíduo dado às revoluções de natu-
reza humana, ao humanismo nascente naqueles
dias, interessado em filosofia grega, interessado
em Sêneca e em seus conselhos a Nero, em um
humanismo que exaltava o valor e o significado
do ser humano na formação de virtudes.
E o garoto Calvino foi se desenvolvendo, foi de
escola em escola e estudou uma gama de coisas,
de línguas, de literatura, de filosofia, astronomia
newtoniana; era um homem com virtudes inte-
lectuais, mais amplo de conhecimento que Lu-
tero.

Mas se Calvino era um humanista renascentis-


ta, Lutero era um apaixonado que escrevia tudo
que escrevia com sangue, e se entregava aos
riscos e aos perigos; era um cara que não tinha
medo de opinar acerca de nada.

Por exemplo, sobre a Bíblia ele foi vencido pe-


los leigos que impuseram alguns livros no Novo
Testamento de Lutero; ele próprio queria deixar,
por uma questão de teologia pessoal, o livro de
Hebreus fora por ser tão traumatizado com o
sacerdotalismo católico, por lembrar a ele uma
coisa que ele queria esquecer para sempre, ele
queria uma espiritualidade totalmente laica, que
é o que Hebreus propõe, mas ilustra isso com a
história de Israel e com o templo e com o sacer-
dócio.

Sobre Tiago, ele diz explicitamente que ela fala


muito pouco de Jesus e não deveria estar no
Novo Testamento.

É quase um simplismo de não enxergar Jesus


em Tiago, porque não fala o nome Jesus muitas
vezes, mas o Evangelho de Tiago é o Espírito do
Evangelho, do que Jesus ensinou nos Evange-
lhos, com aquele tipo de sabedoria e de literatu-
ra parecida com a dos Evangelhos, está carrega-
do dos ensinos de Jesus, não do nome de Jesus,
mas ele estava tão preso a isso que queria tirar
Tiago, porque achava que se incompatibilizava
também com a tese que lhe trouxe alegria ao co-
ração que foi a justificação pela fé.

E veja o conflito dele, como não era tudo tão pací-


fico! Você pensa que Lutero olhava para a Bíblia
como você olha para ela? Não, ele não olhava.

Calvino sim!

Calvino olhava para a Bíblia com um olhar mui-


to parecido com aquele olhar que os reformados
dos nossos dias tem, especialmente os puritanos,
que leem a Bíblia bastante como Calvino.
O puritanismo recebeu estímulo de Calvino di-
reto do princípio ao fim; há trocas de cartas en-
tre o líder puritano e Calvino.

E Calvino não estava querendo equilibrar, estava


dando formas. Parecia que os puritanos tinham
chegado onde os discípulos de Calvino em Ge-
nebra nunca tinham ido.

Isso foi até o fim da vida de Calvino, e ele foi um


homem de algumas idéias desenvolvidas a par-
tir das cinco “solas” da Reforma: só a fé, só Cris-
to, só a Escritura, só a graça e só a Deus glória.

Calvino pegou esses sola de Lutero e os trans-


formou em algo infinitamente mais pedagógico,
ampliado e explicado e facilitado na sua lógica
de desenvolvimento, para aqueles que poste-
riormente começaram a lê-lo.

Mas o que caracteriza significativamente tudo


aquilo que diz respeito a Calvino é o fato de que
ele lançou os fundamentos de uma psicologia,
não só de uma teologia, mas de uma psicologia
humana de uma natureza incomparável, porque
o que é extraordinário a respeito desse indiví-
duo, é o que ele diz sobre o significado da exis-
tência humana. O que é o homem para Calvino?

Calvino ensina a depravação total, o que para um


cara que foi criado no renascentismo, no ilumi-
nismo, é uma contradição de termos absoluto.

E nós nunca soubemos exatamente como Calvi-


no se converteu.

Lutero nós sabemos como ele se converteu, e


boa parte dos reformadores também, pois eles
tiveram “encontros”.

Calvino não, entre os anos 1534 e 1535, mas não


sabemos como, só sabemos o que ele comenta
sobre o livro do salmos: “Então eu comecei a
ler as verdadeiras Escrituras, e comecei a ler as
verdadeiras doutrinas e me convenci de que ali
estava a verdade, e dali eu prossegui estudando
com avidez as Escrituras e era tamanha avidez
embora eu seja um homem calado, discreto, ínti-
mo e reservado, correu a notícia de que eu estava
conhecendo bastante as Escrituras e as pessoas
começaram a me procurar, de modo que depois
de um tempo, a minha casa que era fechada e re-
servada começou a ser cheia de gente”, até que
chegando um período de perseguição ele fez
essa viagem na direção da Suíça, onde a vida pú-
blica dele se manifesta para nós.

Mas ninguém explica o que trouxe esse huma-


nista renascentista, que escreveu sua tese filo-
sófica sobre Sêneca, o que fez esse cara, do dia
para a noite, virar um dos individuos mais seve-
ros, mais sérios, mais linear e cartesianamente
argumantativo, embora ele tenha sido ante car-
tesiano, e agora depois da conversão ele anda
em um caminho que a gente pode dizer que é de
influência completamente Aristotélica, linear
cartesiana.

E ele vem com algumas das doutrinas mais pe-


sadas com as quais a gente tem que lidar daqui
em diante.

A primeira foi a da depravação total, não tem


nada no ser humano que não seja depravado.
Isso para um cara que tinha sido humanista até
um ano ou dois antes. Para Calvino, não tem nada
no ser humano que seja bom.
Embora, claro, Jesus tenha dito: “vós que sois
maus sabeis dar boas dádivas aos vossos filhos”,
e embora o Velho Testamento nos exorte o tem-
po todo a parar de fazer o mal, e embora em Pau-
lo você veja, em Romanos 7, que ele vive conflitos
entre o bem e o mal dentro dele, mas ele diz que
em Cristo Jesus há um novo pendor que pode
ser desenvolvido, por isso se manda vencer o
mal com o bem, por isso Jesus manda amar o ini-
migo e orar pelos que nos perseguem, e só uma
pessoa que não esteja em estado de depravação
total consegue amar algum inimigo e orar pelos
que o perseguem, de modo que não nenhum se-
quer como ele; todos pecaram, todos carecem
da Glória de Deus, mas a depravação absoluta
de Calvino não combina também com Mateus
25 com Jesus elogiando os que sem saberem o
nome de Jesus, nem o Evangelho, tinham trata-
do o próximo como se fosse o próprio Jesus.

Não combina com uma depravação onde ne-


nhuma luz penetre, a menos que alguém ilu-
mine, ensine; a depravação é tão grande que o
depravado não tem luz nenhuma; isso é de um
fatalismo absurdo.
A segunda grande doutrina que decorre dessa e
a da eleição incondicional que é óbvia.

Se todo homem é absolutamente depravado e


você diz que alguém dali é salvo, é porque Deus
disse: “Decidi que é você. Você não presta, mas
eu decidi incondicionalmente que eu vou te sal-
var e não há nada que você possa fazer para fugir
da minha salvação porque eu decidi.”

E isso nos remete para uma nova e outra conclu-


são, de que a salvação em Cristo é limitada, é a
expiação limitada.

Porque, se todos são depravados, e só é escolhido


quem ouve a palavra e crê na palavra, tem uma
predestinação até para ouvir a palavra, porque
se ninguém pregar para ele é porque ele estava
predestinado a não ouvir.

A palavra do Evangelho é decorrência disso e é


expiação limitada. Cristo não morreu por todos,
Deus tem uma boa vontade e não quer que nin-
guém se perca, mas na realidade, são apenas al-
guns salvos; Deus amou o mundo, mas resolveu
salvar poucos.
Então temos a depravação total, a eleição incon-
dicional, a expiação limitada e a Graça irresistí-
vel, para fazer a pessoa que escolhida em uma
Graça que não é aberta para todo mundo, que é
limitada, fazer essa pessoa vir, querendo ou não
querendo; é só a Graça irresistível, que puxa a
pessoa, que a traz; isso porque Deus é amor para
com esses que Ele escolhe, e é absoluta severi-
dade para com esses que ele decide não incluir
nessa Graça.

E por ùltimo, vem a doutrina da perseverança


dos santos, ou seja, se você foi tirado da deprava-
ção total, alcançado pela eleição incondicional,
foi objeto da expiação limitada e foi trazido pela
Graça irresistível, o resultado disso é que você
perseverará até o fim, porque o mínimo que esse
Deus que te escolheu tão arbitrariamente pode
fazer, é continuar sendo arbitrário e implantar
em você um software de perseverança até o fim
da vida.

Quem não ouviu, quem não soube, quem não foi


alcançado, quem nao foi batizado, está perdido!

Isso criou um ambiente profundamente supre-


macista; nada que decorra disso pode ter uma
generosidade universal, é impossível.

Se você crê nisso, não existe nenhuma bondade


universal, a não ser essa natural, “vem chuva so-
bre os justos e sobre os injustos”, embora Jesus
tenha dito: “Sejam assim para que vos torneis fi-
lhos do vosso Pai celeste”; para eles, não basta ser
assim como o Pai celeste, tem que admitir essas
doutrinas, confessar essas doutrinas, e se tornar
batizado nessas doutrinas, e se tornar um propa-
gador dessa salvação e desses postulamentos, de
modo que não é à toa que essa doutrina tenha
aberto espaço também para o capitalismo oci-
dental, porque, o indivíduo pobre, está eventual-
mente vivendo as consequências da sua depra-
vação total; ele é assim, e provavelmente nada o
tire disso, nenhuma ação humana o ajude nem o
melhore.

A eleição incondicional atinge o rei também, ele


é rei porque Deus o colocou lá incondicional-
mente; ele é rei, obedeça, sirva.

A expiação limitada diz que não adianta você di-


zer: venha a Cristo que ele receberá; você tem
que dizer: “Se você é um eleito de Deus, então
hoje é o dia de você vir a Cristo, do contrário você
pode vir quantas vezes você queira, se você não
for um eleito nada está garantido”, mas alguém
diria: “O fato de ele ter vindo já é um sinal de que
ele é eleito”, e depende.

Você não sabe aonde essa expiação limitada


pode levar.

Eu já ouvi barbaridades de teólogos desse jaez


dizendo: “É uma pena que nas suas cruzadas de
evangelização, veio tanta gente à frente, mas só
uns poucos são eleitos pelo Senhor, a maioria vai
sair pela malhada, não tem jeito”.

Então isso produziu um modo de pensar que ge-


rou o supremacismo teológico, intelectual, de
natureza até racial em alguns aspectos, ético,
moral. Gerou uma escatologia toda fechada, um
modo de pensar todo fechado; e qual é o método
hermenêutico?

É o método de Escritura se compara com Escri-


tura.
Ou seja, no fim, você cria uma teologia sistemá-
tica.

A Partir da cabeça do observador, no caso, nosso


irmão Calvino, que foi um querido irmão, viveu
no tempo dele, na hora dele.

Ele compara um texto com outro; as semelhan-


ças, uma linha que viaja do Velho ao Novo Testa-
mento e temos que juntar as partes para formar
a essência desse conhecimento que foi produzi-
do a partir de uma hermenêutica que se servia
do método de comparar história com história, a
partir de uma linearidade, de uma construção
sistemática.

Foi o principal método usado, embora naquele


tempo, o que era usado em geral era a alegoria,
antes da Reforma Protestante, se dizia que havia
oito maneiras hermenêuticas de interpretar as
Escrituras; com o passar do tempo diminuiu-se
para quatro maneiras.

Comparado com a grande maioria, Calvino esta-


va dando um salto quântico nos dias dele, no que
dizia respeito a organizar aquele pacote, embora
estreitíssimo e sem compaixão de Cristo ou os
traços do evangelho, era um pacote todo feito de
doutrinas. Por isso são chamadas “As Institutas
da Religião Cristã”; o nome não mente.

Mas você não


encontra a carne
e o sangue, a saliva
e o suor, a
misericórdia e o
esbanjamento
de amor segundo
Jesus e o Evangelho.
Tudo está formatado, de maneira hermética,
quase exaustiva, que agradavam às peculiarida-
des culturais da época mas que a maioria dos
calvinistas de hoje não leu as Institutas.

O livro do Calvino que mais me interessava foi o


que ele escreveu antes de se converter, chamado
“Psichopaniquismo”, traduzido como “A Vigília
da Alma”; eu tenho um enorme interesse em ler
isso porque foi um texto que ele escreveu antes
de tudo isso transformá-lo em um ser como ele
é.

E as igrejas presbiterianas são herdeiras de Cal-


vino tanto quanto as reformadas, como também
boa parte da teologia anglicana é uma heran-
ça Calvinista, e hoje em dia até os batistas, que
eram totalmente arminianos, estão se tornando
calvinistas um pouco mais moderados, mas cal-
vinistas.

E há alguns que estão se transformando em cal-


vinistas puritanos. Embora haja também nos
Estados Unidos igrejas reformadas que não são
tão calvinistas porque são igrejas chamadas da
teologia liberal, o que nunca poderia ser de na-
tureza calvinista.

Calvino teve com alguns outros conflitos com


contemporâneos dele, que foram muitos do
ponto de vista acadêmico e de luta doutrinária.

Toda questão era doutrinária, eles chegavam ao


ponto de marcar duelos doutrinários, onde os
presentes elegiam o vencedor; e quem ganhava,
a doutrina apresentada por ele passava a ser ver-
dadeira.

Eu acho isso extraordinário.

Até que já muito depois, encontramos os irmãos


Wesley na inglaterra, como você encontrou to-
dos aqueles como Patrício antes, que foi o pre-
gador do Evangelho na Irlanda e naquela região.
Eram pessoas cheias de paixão.

Chamavam o povo a Cristo, qualquer um.

E os irmãos Wesley fizeram isso extraordinaria-


mente bem, pois eles foram aos pobres, aos mi-
seráveis, aos famintos, para os desesperados, e
criaram as sociedades metodistas.

Começaram no “clube santo”, que era um grupo


de oração e de estudo da Bíblia, onde todos eles
davam dinheiro para alguma causa social, em
cada reunião, até que foram criando as socieda-
des metodistas, causando impacto na história
da Inglaterra e, porque não dizer, da Europa.

A grande parte do historiadores nos dizem que


a Inglaterra só não teve um banho de sangue
como o que a França teve na revolução francesa,
por causa do movimento Wesleyano que pacifi-
cou os mineiros desesperados, angustiados, en-
raivecidos e aquelas populações empobrecidas
no meio da iniquidade.

O movimento Wesleyano foi aquele de solida-


riedade, de pão, de comida, que foi chegando e
depois criou o próprio espírito das nações ingle-
sas de Pão, sabão e salvação, como no exército da
salvação, e em todas as outras grandes agremia-
ções de ação de compartilhamento do Evange-
lho integral, sem ser o Evangelho das doutrinas,
sem ver o homem como depravado, mas como
um ser humano desesperado, precisando da
Graça de Deus que o acolhesse, de modo que o
que se acrescenta daí em diante no movimento
reformado, são os avivamentos puritanos.

O avivamento de Jonathas Edward, passou a fa-


mosa pregação “Pecadores nas mãos de um
Deus irado”.

Marcou uma época inteira de puritanismo se-


vero, como você vê em uma quantidade enorme
de histórias americanas do puritanismo no sul
e no norte dos Estados Unidos e no litoral leste;
a quantidade de barbaridades feitas em nome
do puritanismo, e as comunidades também se-
paradas do mundo, fechadas, das quais depois
decorrem outras; acabaram vindo outras comu-
nidades super fechadas na lei interpretativa pu-
ritana.
Porque o que o puritanismo ensinou é que você
é salvo pela Graça de Deus, mediante a fé, mas
uma vez que você esteja salvo pela Graça de
Deus mediante a fé você é devolvido pela Graça
de Deus à lei de Moisés para que a lei te santifi-
que; você é salvo pela Graça, mas aperfeiçoado
pela lei de Moisés; essa é a receita do puritanis-
mo, com todos os seus literalismos.

Estamos vivendo hoje nesse movimento que se


renova no Brasil; a recorrência das coisas que
começam a acontecer nos séculos 17 e 18 e se
intensificaram, já quase desapareceram, estão
ressurgindo entre nós.

Como e por quê?

Como resultado desse bordel eclesiástico no


qual a igreja, chamada protestante ou evangéli-
ca se tornou.

É um puteiro religioso e eclesiástico tão genera-


lizado, que muita gente jovem querendo servir a
Deus e não sabendo como, embarcou de cabeça
no puritanismo, contra a liberdade do Evangelho
de Cristo, segundo Jesus e segundo os apóstolos,
coerente com o calvinismo puritano, incoerente
com Jesus e com o Espírito da Graça de Deus nas
Escrituras.

E por que isso fica assim?

É por causa da Bíblia.

Porque, a Reforma Protestante adotou a Bíblia


como regra de fé e prática; então quando se diz
só a fé, não é só a fé em Jesus, mas na doutrina da
fé, só Cristo não é só Cristo, é Cristo conforme a
doutrina, e quando se diz, só a Escritura, não é a
Escritura segundo Cristo, é a Escritura segundo
o livro mesmo, a coisa em si.

Logo vem Gutemberg e imprime o livro, então, o


“só Escritura”, vira um fetiche palpável, que tem
até o dia de hoje.
Essa é a psicologia do livro virado Escritura
transformado em palavra de Deus na mão dos
crentes.

E quando se fala, “só a Graça”, é também só a


Graça irresistível, segundo a expiação limitada
para esses indivíduos que são pré-determinados
e pré-fixados para salvação.

É uma Graça irresistível só para esses que já es-


tão ordenados virem.

Quanto aos demais, é uma Graça que não seduz


ninguém, e se seduziu, coitado, se não for eleito
ele é só um ser emocionado, sem nenhuma con-
sequência eterna para a vida dele, especialmen-
te se é alguém de natureza tão puritanamente
definida e com essa presunção de saber o que
a Escritura diz e que o que está em valor não é
Jesus e sim a Escritura, e a doutrina formada a
partir da Escritura.

Para Lutero só interessava Jesus, se Pedro dis-


sesse alguma coisa que não tinha a ver com Je-
sus, que se jogasse fora Pedro, e assim também
Paulo. Essa era a radicalidade de Lutero, mas
Calvino quis salvar o livro inteiro.

Então, o eixo mudou de Jesus para a doutrina cal-


vinista, para a ética calvinista, para a moral calvi-
nista, e é isso que a gente tem, e a hermenêutica
para entender isso ela tem que caber na Bíblia
inteira, e o que acontece?

Na Reforma Protestante você não tem de fato


ainda a centralidade absoluta de Jesus; em Lute-
ro sim, mas em Calvino não.

Você é salvo por um conjunto e crenças bem or-


ganizadas, você é salvo pela religião cristã.

E se você não entender que você é um desses


eleitos extraordinários e não colocar toda sua fé
na certeza dessa eleição, é porque você não é um
deles.

Mesmo que você diga: “Eu não consigo crer as-


sim porque é muita presunção”

Eles vão dizer: “A sua certeza de presunção é


porque você não é um eleito”

E você me pergunta: “Como você foi pastor re-


formado por tantos anos?”

Porque nunca me encheram o saco, só por isso!

Graças a Deus, eu fui ordenado antes do protes-


tantismo em repressão, inquisição sem foguei-
ras, antes disso.

E eu defendi uma tese que ninguém defendeu


até hoje nesse meio com a coragem de explici-
tá-la, que era sobre a salvação fora da religião, e
que não levava em consideração nenhuma dou-
trina calvinista, só o Evangelho e o que o Evange-
lho dizia sobre a Graça de Deus aplicada a todo
ser humano.

Portanto, sem discussão de depravação total, ou


acerca da predestinação ou da expiação limita-
da, ou da Graça irresistível, ao contrário, Deus é
livre e está falando a todos os homens aonde ele
quer.

É o que ele ensina, e foi o que eu escrevi, a mes-


míssima coisa, sobre a ordem de Melquisede-
que, e eles me ordenaram.

E eu me neguei a ir ao seminário, porque eu não


tinha esse tempo, e eu lia muitos mais do que os
meus amigos que estavam no seminário.

E me ordenaram assim mesmo; o reverendo Bo-


anerges Ribeiro foi à Manaus checar a minha
ordenação, e fez questão de conversar comigo e
eu tive longas conversas com ele, e ele me aus-
cutava teologicamente o tempo todo, e eu via o
tempo todo o homem encher os olhos de lágri-
mas.

Mais de uma vez, ele me disse que eu lembrava


a ele um jovem indiano que tinha se convertido
jovenzinho e não tinha conseguido caber na re-
ligião, Sadhu Sundar Singh.

E eu segui a minha vida, pregando o Evangelho


e convidando todo homem a vir a Cristo e nin-
guém nunca me molestou.

Ao contrário, a igreja concordando ou não con-


cordando comigo e havia dezenas de acadêmicos
que não concordavam, mas o povo me amava, os
pastores me amavam, e os alunos de seminário
me amavam, eu ensinando o que estou ensinan-
do agora, nada diferente.

Então, nessa história inteira, eu estou repetindo


o que eu sempre soube e sempre cri, não estou
agregando um ponto novo a nada disso.

Se tem alguém escandalizado, não é pelo que eu


estou dizendo agora, mas pelo que vocês passa-
ram a pensar agora, porque eu disse isso duran-
te anos, e só vi os reformados se alegrarem.

E quando eu pregava nas igrejas reformadas


presbiterianas americanas, em inglês, duas ou
três delas me convidaram a ser pastor titular da
igreja, pastoreando em inglês; diziam: “que teo-
logia, de onde ela vem? Que presbiterianismo é
esse?”

E eu dizia: “É só dos Evangelhos, de Jesus”.

Minha vida inteira.

Quem me disse o que melhor é esses anos todos


a respeito de tudo que eu pratico foi meu pai, in-
dubitavelmente.

Mas também o meu filho Ciro, há uns 18 anos


atrás.

Quando eu ainda estava naquele castigo, daque-


le corredor polonês religioso todo dia; já fazia
quase quatro anos que eu vinha debaixo daque-
las chibatadas, e a única igreja presbiteriana que
ficou de portas abertas o tempo todo foi a Cate-
dral Presbiteriana do Rio de Janeiro, com meu
amigo Guilhermino que continua a dizer: “Não,
você vem pregar aqui todo primeiro domingo do
mês, no culto de ceia como você fez nos últimos
25 anos, e você vem toda terça feira a noite para
o povo que quer vir te ouvir”

E eu ia toda terça e todo primeiro domingo do


mês e em um daqueles dias eu voltei de uma
dessas reuniões e perguntei ao meu filho Ciro,
que estava fazendo teologia: “Meu filho, o que
você acha do que eu prego?”

E eu acho que ele foi a única pessoa na vida pra


quem eu fiz essa pergunta.
E ele me disse:” Pai, eu discordo muito pouco de
qualquer coisa que você diga hoje. Quando eu
era criança eu não discordava de nada, nem na
minha adolescência. Hoje, é só porque eu sou
um homem com as minhas peculiaridades que
eu posso ter um pensamento que difere disso
e daquilo, mas no geral, eu concordo com tudo
que você diz, porque eu concordo com o modo
humano como você enxerga a vida, de modo que
quando você está pregando, eu nunca estou pre-
ocupado com o que você está pregando, eu sem-
pre estou desejando que o resultado da sua pre-
gação seja consolação para o coração humano.”

E eu dei um beijo nele e falei: “Olha meu filho,


até o dia de hoje foi só isso que eu tentei fazer.”

Eu tenho resistido à tentação dos acadêmicos,


eu vou falar para os acadêmicos, é onde eu me-
nos me preparo, deixo apenas vazar tudo que eu
tenho na mente e no coração.

Resisti à tentação de todas as outras formas


de aceitar a formatação, buscando sempre ter
uma boa consciência para com Deus, segundo o
Evangelho e segundo minha própria consciên-
cia e a reverência ao próprio entendimento que
Deus me deu e ao temor dEle no meu coração
e a convergência absoluta para Jesus; ler tudo a
partir de Jesus e o que não seja a partir de Jesus
não pode continuar.

Todas as discussões sem sentido de hoje, é por-


que isso ainda não foi compreendido!

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